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MOBILIDADE TERRITORIAL DO TRABALHO: EXPRESSÃO DA FORMAÇÃO DO TRABALHADOR PARA O CAPITAL E ELEMENTO ESTRATÉGICO DA EXPANSÃO DO FRIGORÍFICO DE AVES DA COPAGRIL – MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR Diane Daniela Gemelli Mestre em Geografia pela UNIOESTE – Francisco Beltrão/PR. E-mail [email protected] Marcelo Dornelis Carvalhal Doutor em Geografia pela UNESP - Presidente Prudente/SP E-mail [email protected] Resumo: Este artigo compreende parte de nossa dissertação de mestrado 1 e tem o intuito de apreender a formação para o trabalho, objetivando identificar quem são os sujeitos que se deslocam diariamente de outros municípios para trabalhar no frigorífico de aves da Copagril em Marechal Cândido Rondon bem como, identificar as razões que os levam a trabalhar no frigorífico de aves da Copagril. Para tanto entrevistamos 35 trabalhadores que se deslocam diariamente de São José das Palmeiras e Santa Helena no Paraná e Eldorado no Mato Grosso do Sul. Concluímos que a formação do trabalhador para o capital se mostra importante para a expansão capitalista em Marechal Cândido Rondon, combinada com a mobilidade do trabalho, em busca de trabalhadores que aceitem/necessitem do emprego no frigorífico, o que se apresenta como uma estratégia para que os níveis de exploração no frigorífico carreguem fortes marcas da extração do trabalho excedente, associada à mais-valia absoluta. Palavras-chave: frigorífico de aves da Copagril, formação do trabalhador para o capital, mobilidade territorial do trabalho, mobilidade forçada. Aqui ou vai pra Copagril ou vai pra Sadia né, aqui não tem opção de emprego aqui. (Juliana, trabalhadora que mora em São José das Palmeiras). Nossa cidade tava quebrada, não tinha serviço, vai fazer o que? Tem família pra trata. Vai trabalhar de pedreiro, se chove você não tira nada‖. (Valdecir, trabalhador que mora em Eldorado). Eu precisava trabalhar e aqui não tinha muito emprego, sabe nem aqui em São Clemente nem lá em Santa Helena, e daí o salário tava muito baixo, de empregada doméstica tava muito baixo. Aí como tinha vaga lá (frigorífico) eu optei por trabalhar lá. (Renata, trabalhadora que mora em Santa Helena) 1 GEMELLI, Diane Daniela. Mobilidade territorial do trabalho como expressão da formação do trabalhador para o capital: Frigorífico de Aves da Copagril de Marechal Cândido Rondon/PR. (Dissertação de Mestrado) UNIOESTE/Francisco Beltrão, 2011.

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MOBILIDADE TERRITORIAL DO TRABALHO: EXPRESSÃO DA FORMAÇÃO DO TRABALHADOR PARA O CAPITAL E ELEMENTO ESTRATÉGICO DA

EXPANSÃO DO FRIGORÍFICO DE AVES DA COPAGRIL – MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR

Diane Daniela Gemelli

Mestre em Geografia pela UNIOESTE – Francisco Beltrão/PR. E-mail [email protected]

Marcelo Dornelis Carvalhal

Doutor em Geografia pela UNESP - Presidente Prudente/SP E-mail [email protected]

Resumo: Este artigo compreende parte de nossa dissertação de mestrado1 e tem o intuito de apreender a formação para o trabalho, objetivando identificar quem são os sujeitos que se deslocam diariamente de outros municípios para trabalhar no frigorífico de aves da Copagril em Marechal Cândido Rondon bem como, identificar as razões que os levam a trabalhar no frigorífico de aves da Copagril. Para tanto entrevistamos 35 trabalhadores que se deslocam diariamente de São José das Palmeiras e Santa Helena no Paraná e Eldorado no Mato Grosso do Sul. Concluímos que a formação do trabalhador para o capital se mostra importante para a expansão capitalista em Marechal Cândido Rondon, combinada com a mobilidade do trabalho, em busca de trabalhadores que aceitem/necessitem do emprego no frigorífico, o que se apresenta como uma estratégia para que os níveis de exploração no frigorífico carreguem fortes marcas da extração do trabalho excedente, associada à mais-valia absoluta. Palavras-chave: frigorífico de aves da Copagril, formação do trabalhador para o capital, mobilidade territorial do trabalho, mobilidade forçada.

Aqui ou vai pra Copagril ou vai pra Sadia né, aqui não tem opção de emprego aqui. (Juliana, trabalhadora que mora em São José das Palmeiras). Nossa cidade tava quebrada, não tinha serviço, vai fazer o que? Tem família pra trata. Vai trabalhar de pedreiro, se chove você não tira nada‖. (Valdecir, trabalhador que mora em Eldorado). Eu precisava trabalhar e aqui não tinha muito emprego, sabe nem aqui em São Clemente nem lá em Santa Helena, e daí o salário tava muito baixo, de empregada doméstica tava muito baixo. Aí como tinha vaga lá (frigorífico) eu optei por trabalhar lá. (Renata, trabalhadora que mora em Santa Helena)

1 GEMELLI, Diane Daniela. Mobilidade territorial do trabalho como expressão da formação do trabalhador para o capital: Frigorífico de Aves da Copagril de Marechal Cândido Rondon/PR. (Dissertação de Mestrado) UNIOESTE/Francisco Beltrão, 2011.

Primeiros elementos da mobilidade territorial como expressão da formação do

trabalhador para o capital

Em primeiro momento, apresentamos alguns dados referente aos municípios

dos quais se deslocam trabalhadores para o frigorífico de aves da Copagril, com

destaque para os municípios que, desde 2008, enviam um considerável número de

trabalhadores. Este é o caso de São José das Palmeiras, Santa Helena e do município de

Eldorado/MS, nos quais também realizamos a pesquisa empírica.

Nesse contexto, chama-nos atenção a estrutura fundiária dos municípios

(ver tabela a seguir), uma vez que a concentração fundiária pode representar a

separação, trabalhador x condições de reprodução. Com tal separação, os trabalhadores,

uma vez livres, necessitam vender sua força de trabalho, empregando-se nas indústrias

e/ou nos demais setores da atividade econômica.

Tabela I – Estrutura Fundiária dos municípios de São José das Palmeiras, Santa

Helena e Eldorado – 2006.

São José das Palmeiras-PR

Santa Helena-PR Eldorado-MS

Classes (ha)

Nº de estabeleci

mentos

Área (ha)

Nº de estabeleci

mentos

Área (ha)

Nº de estabeleci

mentos

Área (ha)

<10

231 1.217 1.416 5.214 46 297

10 a 20

115 1.546 468 6.667 223 4.133

20 a 50 65 2.035 323 9.833 49 1.510

50 a 100 18 1.235 93 6.296 25 1.809

100 a 200 19 2.963 22 3.079 19 2.657

200 a 500 13 3.803 15 5.215 22 6.985

>500

4 5.940 5 5.055 37 100.047

Fonte: Censo Agropecuário, 2006.

Conforme a tabela acima, podemos verificar a concentração fundiária nos

municípios de São José das Palmeiras, Santa Helena e Eldorado. Enquanto em Santa

Helena 5 estabelecimentos com área superior a 500 ha cada, ocupam 12% da área rural

do município, outros 1.416 estabelecimentos com área inferior a 10 ha cada ocupam

outros 12%. Em São José das Palmeiras, 4 estabelecimentos ocupam 31,6 % da área

agropecuária, enquanto 346 estabelecimentos ocupam 14,7% dessa área. Em Eldorado,

37 estabelecimentos ocupam 85% da área agropecuária do município, sendo que, em

contrapartida, 269 estabelecimentos ocupam apenas 3,7% da área rural.

Foi possível obter maiores informações a respeito da estrutura fundiária do

município de São José das Palmeiras em entrevista com um engenheiro agrônomo2 da

Copagril. Ele nos informou que os 4 grandes estabelecimentos existentes no município

são destinados para a criação de gado de corte, ocupando grandes extensões de terra e

empregando poucos trabalhadores. Assim, à custa da existência dessas grandes

propriedades, um contingente considerável de sujeitos, por diversos motivos, além de

não ter acesso a terra, também na têm (ou são restritas) oportunidade de emprego no

campo.

De tal modo a estrutura fundiária nesses municípios representa uma ação

para a continuidade da expansão capitalista, com vistas à expansão industrial, pois

significa a existência de trabalhadores livres para o emprego no capitalismo. Este

assunto será tratado a seguir, embasados nas entrevistas realizadas com os

trabalhadores, as quais englobam suas trajetórias de vida e de trabalho.

Outra informação relevante é a taxa de desocupação nos municípios,

conforme apresentamos na tabela abaixo:

Tabela II – Taxa de desocupação - 2000

Município População

economicamente ativa

PEA - desocupada

% da PEA desocupada em relação ao total da

PEA São José das Palmeiras 2.295 369 16

2 Entrevista realizada no dia 15 de maio de 2010.

Guaíra 13.821 1.935 14 Santa Helena 10.296 1.300 12,5 Mundo Novo – MS 7.903 994 12,5 Toledo 49.265 5.541 11 Eldorado-MS 5.106 485 9,5 Pato Bragado 2.408 225 9 Ouro Verde do Oeste 2.262 200 9 Marechal Cândido Rondon 23.396 1.905 8

São Pedro do Iguaçu 3.821 274 7 Missal 5.454 371 7 Diamante do Oeste 2.390 1.69 7 Entre Rios do Oeste 1.921 109 5,5 Nova Santa Rosa 3.895 170 4,5 Japorã –MS 2.873 113 4

Quatro Pontes 2.081 64 3 Mercedes 2.810 75 2,5

Fonte: SIDRA/IBGE, 2000.

Embora sejam dados de 2000, notamos a representatividade da PEA

desocupada de 10 anos ou mais, sobretudo, nos municípios que enviam maior número

de trabalhadores para o emprego no frigorífico de aves da Copagril. Trata-se de São

José das Palmeiras, com taxa de desocupação de 16%, Santa Helena, com 12,5% e

Eldorado com 9,5%. Essa porcentagem elevada de trabalhadores desocupados pode ser

um dos motivos para que o frigorífico de aves da Copagril busque trabalhadores em São

José das Palmeiras, Santa Helena, Eldorado e outros municípios que também

apresentam taxas elevadas, como Guaíra, com 14%, Mundo Novo, com 12,5%, Ouro

Verde do Oeste e Pato Bragado, com 9%, pelo fato de que as elevadas taxas de

desocupação representam um contingente de trabalhadores, livres e ociosos e, portanto,

disponíveis ao emprego no capitalismo.

A análise, sobretudo em torno da dinâmica do mercado de trabalho dos

municípios em que há deslocamento de trabalhadores para o emprego no frigorífico de

aves da Copagril, será reforçada na sequência desse trabalho, quando somada às

trajetórias dos trabalhadores, buscando compreender como a dinâmica apresentada por

esses municípios interfere no deslocamento dos trabalhadores para o frigorífico de aves

da Copagril.

Diante do exposto, nos propomos a tentar compreender o movimento

territorial expresso na necessidade da vinda de um contingente considerável de

trabalhadores de outros municípios para trabalhar no frigorífico de aves da Copagril,

bem como saber quem são esses trabalhadores e trabalhadoras que se deslocam

diariamente para o trabalho. Por conseguinte, isso nos leva a apontar alguns dos

elementos engendrados no circuito reprodutivo e de expansão do capital e seus efeitos

sob o trabalho assalariado na planta fabril, levando a formação do território do

frigorífico de aves da Copagril.

A formação do trabalhador para o capital: a constituição de trabalhadores

disponíveis para o capital

O capitalismo é o único modo histórico de produção em que a força de trabalho é mercadoria. Aliás, é a transformação essencial da força de trabalho em mercadoria, através da instauração do trabalho livre, que dá nos a chave da acumulação de mais-valia. Sem trabalho livre ou força de trabalho como mercadoria, não existiria produção de mais-valia (o D’). Só a força de trabalho como mercadoria é capaz de produz mais-valia (ALVES: 2007, p.18).

Sendo assim, logo a constituição do sistema sociometabólico necessita da

formação de uma força de trabalho livre a ser apropriada na dinâmica capitalista.

Sob este prisma, Gaudemar (1977, p. 263) assevera que, com o capitalismo,

surge uma nova maneira de produzir, válida para todas as mercadorias, e é, portanto,

também um processo de produção da força de trabalho que se instaura.

Na sequência, o autor aponta como esse processo de produção da força de

trabalho ocorre, o qual denominamos de formação de trabalhadores disponíveis ao

capital. Antes da sua transformação em mão-de-obra mais ou menos qualificada, a força de trabalho é em primeiro lugar extraída. Do mesmo modo que o processo de produção metal começa pela extração

do minério, assim o desta força de trabalho começa pela emancipação do trabalho fora das estruturas pré-capitalistas. [...] Antes do aparecimento do capital como relação de produção dominante, os trabalhadores estão sujeitos a relação de produção fixas: servo ou companheiro, todos estão sujeitos às regras estritas dos seus estatutos, dependentes de seus senhores ou das suas corporações. O capitalismo liberta os trabalhadores destes entraves herdados da época feudal. [...] Dissolvendo o modo de produção, o capitalismo torna o trabalhador livre, móvel. Livre, isto é, livre de se vender, livre de se vender apenas ao capital. Móvel, isto é, capaz de ir sozinho ao mercado para se vender e se submeter à exploração capitalista (GAUDEMAR: 1977, p. 263-264-265).

O processo apontado por Gaudemar, remete à ação e resultado, da assim

chamada acumulação primitiva, com vistas à formação da sociedade capitalista, baseada

na separação dos trabalhadores e a propriedade das condições da realização do trabalho,

tornando-os livres e móveis à exploração capitalista. Como no capitalismo a existência

de trabalhadores disponíveis ao uso capitalista é fundamental para que ocorra o processo

de acumulação, Marx assevera que a separação do trabalhador dos meios de produção,

tornando-os assalariados, reproduz-se em escala crescente, mesmo com a consolidação

do capitalismo.

Os efeitos deste processo sustentam a reprodução crescente do exército

industrial de reserva e da existência de um contingente de trabalhadores disponíveis ao

emprego no capitalismo. Assim, a separação - trabalhadores x base fundiária - é

resultado da própria expansão capitalista, ou seja, a concentração fundiária, significa,

por exemplo, uma ação para a continuidade da expansão capitalista, com vistas a

expansão industrial, pois significa a existência de trabalhadores livres. E, no caso,

sobretudo, dos municípios de São José das Palmeiras3 e Eldorado4, verificamos a

importância da formação de trabalhadores no que concerne à expansão industrial,

quando os trabalhadores nos destacaram, que além daqueles que se deslocam de São

José das Palmeiras para trabalhar no frigorífico de aves da Copagril, outro contingente

de trabalhadores se desloca diariamente para o frigorífico da Sadia em Toledo.

Quanto ao município de Eldorado, os trabalhadores também vão

diariamente trabalhar em outros frigoríficos, sendo a C.Vale em Palotina e Frango

3 Informação obtida em entrevistas com os trabalhadores no dia 15 de maio de 2010. 4 Informação obtida em entrevistas com os trabalhadores no dia 19 de fevereiro de 2011.

Bello em Itaquiraí/MS, de modo que, de acordo com informações dos trabalhadores,

recentemente5 cerca de 100 trabalhadores de Eldorado, que trabalhavam em Marechal

Cândido Rondon, deixaram o emprego para trabalhar no frigorífico Frango Belo em

Itaquiraí devido à menor distância, aproximadamente 35 km, sendo que de Eldorado à

Marechal Cândido Rondon a distância é de 110 km. Quanto aos trabalhadores que

residem no distrito de São Clemente, recebemos a informação de que, além dos

trabalhadores que se deslocam para o trabalho em Marechal Cândido Rondon, há outros

que vão diariamente para a sede do município para trabalhar na Incubadora da Lar e na

indústria de biscoitos – Santa Gemma.

Assim sendo, a estrutura fundiária, sobretudo nos municípios de São José

das Palmeiras e Eldorado, pode ser um elemento, tanto para a diminuição da população

que vive no campo, quanto para a mobilidade territorial dos trabalhadores, no caso, em

busca de emprego nos frigoríficos de Marechal Cândido Rondon, Toledo e Itaquiraí, ou

seja, trata-se de algo muito similar ao processo de acumulação primitiva.

Mesmo ressaltando que o que ocorre no Oeste Paranaense é um fenômeno

muito similar com a acumulação primitiva, sublinhamos que o capital, em seu constante

movimento de expansão, expropria, expulsa e “empurra” os então camponeses para se

tornarem sujeitos disponíveis ao uso capitalista, das formas mais perversas, seja

enquanto desempregados, trabalhadores no corte de cana de açúcar, ou, no caso dessa

pesquisa, trabalhadores do frigorífico de aves da Copagril

Sob esse viés, Marx, no capítulo destinado à lei geral da acumulação

capitalista, assinala uma importante condição no que concerne a formação dos

trabalhadores para o trabalho. A reprodução da força de trabalho, que incessantemente precisa incorporar-se ao capital como meio de valorização, não podendo livrar-se dele e cuja subordinação ao capital só é velada pela mudança dos capitalistas individuais a que se vende, constitui de fato um momento da própria reprodução do capital. A acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado (MARX: 1984 p. 246).

5 De acordo com informações dos trabalhadores entrevistados em Eldorado/MS no dia 19 de fevereiro de 2011, desde o mês de dezembro de 2010 houve diminuição no número de trabalhadores que se deslocam de Eldorado à Marechal Cândido Rondon para trabalhar no frigorífico de aves da Copagril.

O que vem ocorrendo no Oeste Paranaense é resultado da dinâmica de

acumulação capitalista que leva à formação do trabalhador para o capital, à

disponibilidade de trabalhadores para o capital ou, como disse Marx, à multiplicação do

proletariado. Marx (1978, p.91-92) enfatiza que o capital forja a formação dos

trabalhadores disponíveis ao capital.

[...] verifica-se que o capital regula, conforme suas necessidades de exploração, essa produção da força de trabalho, a produção da massa humana que ele irá explorar. O capital, então, não produz apenas capital; produz massa operária crescente, a única matéria por meio da qual pode funcionar como capital adicional. Deste modo[...]o capital produz em escala cada vez maior os assalariados produtivos que requer.

Marx trata da formação de um exército industrial de reserva como resultado

da acumulação capitalista e meio para nova acumulação.

Mas, se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa. Ela proporciona às suas mutáveis necessidades de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do verdadeiro acréscimo populacional (MARX: 1984, p. 262-263).

Nessa perspectiva, podemos perceber como é representativa a taxa de

desocupação da PEA em grande parte dos municípios dos quais se deslocam

trabalhadores para o frigorífico de aves da Copagril, sobretudo nos municípios de São

José das Palmeiras (16%), Guaíra (14%), Santa Helena, Mundo Novo (12,5) e Toledo

(11%). Enfatizamos que tais taxas revelam a realidade de 2000, o que significa que, em

uma década, podem ter ocorrido alterações. Ainda assim, para nós, tais taxas são

representativas à medida que justamente os municípios com maior taxa de desocupação

são os que enviam maior número de trabalhadores para o emprego no frigorífico.

Em contrapartida a essas taxas, lembramos das características do trabalho no

frigorífico de aves da Copagril, apontando que, à custa da realização do trabalho em

ritmo extenuante, outros tantos trabalhadores encontram-se ociosos, pressionando

inclusive os que estão empregados a aumentar o ritmo de trabalho com rebaixamento

salarial, de modo que se fosse preciso aumentar os salários dos trabalhadores para

garantir um maior número de trabalhadores de Marechal Cândido Rondon no

frigorífico, isso poderia provocar uma preocupação para outros empresários, sobretudo

do ramo alimentício de Marechal Cândido Rondon, que hoje compartilham de

condições salariais e de realização do trabalho muito próximas. A condenação de uma parcela da classe trabalhadora à ociosidade forçada em virtude do sobretrabalho da outra parte e vive-versa torna-se um meio de enriquecimento do capitalista individual e acelera, simultaneamente, a produção do exército industrial de reserva numa escala adequada ao processo de acumulação capitalista (MARX: 1984, p. 266-267).

É, portanto, sob o complexo tecido do trabalho que se inserem os

trabalhadores do frigorífico de aves da Copagril, marcados por uma trajetória na qual

ora são camponeses, ora assalariados, ora informalizados, ora autônomos ou por vezes

desempregados, condição esta que nos é tão cara para identificarmos a disponibilidade

dos trabalhadores ao capital, no caso específico, ao emprego no frigorífico.

De tal modo, a condição de despossessão é, determinante no que tange a

formação de trabalhadores livres para o capital, e/ou trabalhadores sem alternativas de

emprego, como verificamos, no caso dos trabalhadores empregados no frigorífico de

aves da Copagril, sobretudo, quanto aos trabalhadores que se deslocam de São José das

Palmeiras, Santa Helena e Eldorado. Assim, pudemos perceber que grande parte dos

trabalhadores entrevistados já trabalharam no campo, seja como proprietários,

agregados ou arrendatários e que em algum momento perderam essa condição de acesso

aos meios de produção. No município de São José das Palmeiras, dos 14 trabalhadores

que entrevistamos, três moram no campo e trabalham no frigorífico, sendo que destes,

duas trabalhadoras residem na Vila Rural e uma mora com a família em uma pequena

propriedade rural de 2,6 ha, onde possuem algumas vacas de leite como principal fonte

de renda.

Baseados em Mészáros (2002) e Harvey (2004), sublinhamos que o capital é

um sistema voltado à expansão, de modo que, para atentar a sua premissa de

acumulação, a expansão de suas relações enquanto intensificação das formas de

exploração do trabalho e expansão geográfica são fundamentais para que a dinâmica de

acumulação do capital não cesse.

Assim, apresentamos informações quanto ao perfil dos trabalhadores, a fim

de compreendermos a formação do trabalhador para o capital. De acordo com as

entrevistas realizadas percebemos que não existe um padrão quanto à idade dos

trabalhadores empregados no frigorífico. No caso dos trabalhadores entrevistados que se

deslocam diariamente de outros municípios para o trabalho, percebemos que a idade

varia de 18 a 52 anos, para os quais, o emprego no frigorífico corresponde ao primeiro

emprego, até àqueles com ricas trajetórias e que o emprego no frigorífico representa, no

momento, a ‘única’ alternativa de sobrevivência e sustento da família.

Evidenciamos que, devido às próprias características do trabalho, por não

exigir experiência, qualificação profissional, podemos encontrar desde um grande

número de jovens trabalhando no frigorífico, bem como trabalhadores com mais de 50

anos. No caso dos jovens, trata-se, na maioria das vezes, do primeiro emprego. Para as

pessoas mais idosas, sobretudo para as mulheres, com pouca ou nenhuma escolaridade,

significa o primeiro emprego formal.

Quanto à escolaridade, descobrimos que dos 35 trabalhadores entrevistados

que deslocam-se diariamente para o trabalho, apenas 8 possuem ensino médio completo,

2 são analfabetos, uma trabalhadora voltou a estudar depois de mais de 20 anos de

deixar a escola e a grande maioria tem poucos anos de estudo, não chegando a concluir

o ensino fundamental.

A escolaridade dos trabalhadores também se mostra como algo relevante

quanto à formação do trabalhador para o capital, haja vista que, para desenvolver a

grande maioria das atividades no frigorífico de aves da Copagril, não é necessário

maiores níveis de conhecimento, qualificação profissional etc6, ao passo que o trabalho

se revela rotinizado, repetitivo, de modo que, conforme declarações dos trabalhadores, a

rapidez e a agilidade são adquiridos na prática, no dia-a-dia de trabalho. Contudo, a 6 Tratamos sobre a qualificação profissional nas indústrias alimentícias em Gemelli (2008).

conclusão a que chegamos é de que a escolaridade não se mostra como exigência para a

contratação no frigorífico.

Ainda sobre a escolaridade, sublinhamos a declaração da trabalhadora

Rosimeri, quando questionada sobre sua escolaridade.

Eu to estudando, eu to estudando ainda [...] eu estudo das 19:00 h até as 08:30h só, por causa do horário de trabalho né [...] eu to fazendo a terceira série ainda (risos), eu não tinha estudado quando era criança né, meu pai era daqueles um ‘ah as meninas muié não precisa estudar, só os homens’, os meus irmão tudo estudo eu não, e as meninas muié não, ele fala que menina muié faz serviço de casa não precisa estudar.7

Desde criança Rosimeri ajudava nos afazeres domésticos, bem como no

trabalho da agricultura (plantação de milho, cuidados com animais etc). Deste modo,

antes de trabalhar no frigorífico, Rosimeri ora trabalhava como empregada doméstica,

ora trabalhava no campo.8

Bueno (2011) realizou em sua dissertação na área da sociologia, um

estudo sobre a trajetória das mulheres trabalhadoras empregadas num frigorífico de aves

em São Carlos/SP. Nesse trabalho, intitulado “De Camponesas a Operárias:

Experiências do transitar feminino”, a autora assinala que muitas mulheres iniciam sua

vida laboral como forma de obediência à autoridade paterna, sobretudo, naqueles casos

em que o acesso a escolarização não era facilitado, de modo que o ingresso na atividade

laboral era a única alternativa

Esta questão é perceptível no caso da trabalhadora Rosimeri, que busca,

agora, através da continuação dos estudos, melhor possibilidade de emprego daquele

vislumbrado no frigorífico.

Outro elemento que enfatizamos quanto ao perfil dos trabalhadores

entrevistados, é no que se refere ao número de membros na família e, atrelado a isso,

chamamos atenção para outra condição que faz com que os trabalhadores

busquem/aceitem o emprego no frigorífico de aves da Copagril, trata-se da

responsabilidade desses trabalhadores enquanto chefes de família e provedores da renda

7 Rosimeri. Idem. 8 Na sequência abordaremos as ocupações e trajetórias de trabalho dos trabalhadores.

e do sustento da família. De tal modo, podemos perceber que alguns casais trabalham

no frigorífico, em outros casos mãe e filhos ou ainda irmãos.

No caso das mulheres que representam 70% dos trabalhadores do

frigorífico, de acordo com informações do setor de recursos humanos da Copagril,

constatamos que, na maioria das vezes, essas trabalhadoras são chefes de famílias, e/ou

casadas e com filhos, sendo, deste modo, responsáveis pelo provimento financeiro da

casa ou tendo que auxiliar o marido no sustento da família. Ou seja, o capital se vale

dessas condições para rebaixar os salários e intensificar o trabalho, seja através do

aumento do ritmo de trabalho, da jornada de trabalho, ou da combinação desses dois

elementos.

De modo que segundo o depoimento de Luiz, trabalhador do frigorífico que

mora em Mundo Novo/MS, “Lá só para quem precisa de verdade, quem tem família,

porque ao contrário, mulher casada”9.

Na declaração de Marizete, trabalhadora que mora em São Clemente, ela

sinaliza que o trabalho no frigorífico é rápido e cansativo, mas que, mesmo assim, o

salário compensa. Deste modo, a indagamos sobre as vantagens de trabalhar no

frigorífico: “a vantagem é porque não tem outro emprego, eu preciso, não é que é

vantagem”10.

Também é relevante a entrevista da trabalhadora Judite, de São José das

Palmeiras, mãe de cinco filhos, casada, ela e o marido trabalham no frigorífico. Ela nos

declarou: “a minha sorte é que minhas meninas me ajudam, fazem todo o serviço da

casa, pra eu poder trabalhar”. Sobre as razões que a levam a trabalhar no frigorífico, a

resposta foi: “porque a gente precisa viver né, mudamos pra cidade tem pouco tempo, aí

compramos essa casa, estamos pagando ainda e temos cinco filhos pra cuidar ainda,

precisa pagar as contas, comprar comida.”11

Assim, novamente é representativo o caso da trabalhadora Rosimeri, que

mora no distrito de São Clemente no município de Santa Helena, trabalha há 2 dois anos

e 4 meses no frigorífico, divorciada, mãe de dois filhos. Quando solteira trabalhou no

campo no sítio dos pais, depois de casada mudou-se para o Paraguai e trabalhou em 9 Luiz. Entrevista realizada no dia 15 de maio de 2010 em São José das Palmeiras 10 Marizete. Entrevista realizada do dia 02 de outubro de 2010 em Santa Helena. 11 Judite. Entrevista realizada no dia 15 de maio de 2010 em São José das Palmeiras.

uma fazenda com o marido, quando se divorciou mudou-se para São Clemente e tendo

que sustentar os filhos e pagar aluguel, decidiu trabalhar no frigorífico, pois o salário de

doméstica não era suficiente para sustentar a família.12

O tempo que os trabalhadores entrevistados estão empregados no frigorífico

também é outro elemento importante, percebemos que os trabalhadores que estão há

mais tempo no frigorífico não pretendem trabalhar por muito tempo ainda. Este é o

caso, por exemplo, da trabalhadora Juliana, que mora em São José das Palmeiras e

trabalha há 3 anos no frigorífico. Ela nos atestou que pretende trabalhar por mais dois

anos no frigorífico e depois quer trabalhar como manicure. Juliana nos disse que vai

fazer um curso de manicure ainda enquanto trabalha no frigorífico, no município de

Toledo, e que depois do término do curso vai trabalhar informalmente, atendendo às

clientes em domicílio e em sua própria casa.13

Já a trabalhadora Marines, também moradora de São José das Palmeiras, nos

disse que quer ver se “aguenta” trabalhar no frigorífico por mais um ano. Perguntei a

ela, no que pretende trabalhar após deixar o trabalho no frigorífico. Ela nos destacou

que pretende trabalhar só em casa, e ajudar o marido no cuidado com a pequena

propriedade (1 quarta de terra) que o casal possui na vila rural, onde plantam feijão

para o consumo da família e mandioca, também para o consumo, mas principalmente

para a venda.14

Assim o pouco tempo de trabalho no frigorífico, representa também uma

característica quanto à resistência às condições de trabalho, de modo que quando os

trabalhadores conseguem outras oportunidades de emprego, tendem a deixar o trabalho

no frigorífico.

Para apontarmos outros elementos quanto à formação do trabalhador para o

capital, apresentamos as trajetórias de migrações e trabalho dos trabalhadores

entrevistados que se deslocam/deslocaram diariamente para trabalhar no frigorífico.

Com a realização da pesquisa, observamos que a grande maioria dos

trabalhadores possui uma trajetória de migrações, seja dentro do mesmo município,

12 Rosimeri. Idem. 13 Juliana. Idem. 14 Marines. Idem.

morando ora no campo, ora na cidade, ou mudando-se de um município para outro, de

outros estados para o Paraná e para o Mato Grosso do Sul e/ou mesmo para o Paraguai.

De forma geral, os trabalhadores, quando nasceram, moravam no campo,

aliás, há vários casos em que os pais destes trabalhavam como empregados em

fazendas, ou, em outras situações, os pais eram donos de pequenas propriedades de

terra. Em ambos os casos, constatou-se que, à medida que esses trabalhadores casam,

precisam ir em busca de emprego, uma vez que, como observado no caso dos

trabalhadores em que os pais eram donos da propriedade, esta não era suficiente para

garantir também o sustento da nova família que se formava. De tal modo, estes

trabalhadores, apenas possuidores da força de trabalho, se tornam disponíveis para as

diversas formas de trabalho, em geral sem carteira assinada e com relações de trabalho

marcadas pela precariedade, conforme destacaremos a seguir.

Outro aspecto quanto à formação do trabalhador para o capital que

percebemos nas entrevistas com os trabalhadores é quanto ao histórico de inserções

profissionais deles, que geralmente se deu de maneira precária.

No caso das mulheres trabalhadoras, quase todas informaram nas entrevistas

que tiveram como ocupações anteriores ao emprego no frigorífico, o trabalho como

empregada doméstica/diarista, muitas vezes sem carteira assinada. Também é recorrente

o trabalho no campo, seja com os pais ou com o marido, sendo neste caso, na maioria

das vezes, na condição de arrendatários, além de trabalharem como bóias-frias.

Assim, quando se trata das mulheres trabalhadoras, o emprego no frigorífico

representa a possibilidade de um emprego com carteira de trabalho assinada, ou ainda,

na maioria dos casos, trata-se do primeiro emprego que representa essa seguridade.

Quando perguntamos aos trabalhadores acerca dos benefícios em trabalhar

no frigorífico. Todos responderam apontando as garantias em torno da carteira de

trabalho assinada e do vínculo formal. Em comparação às formas de trabalho anteriores,

o emprego no frigorífico representa estabilidade bem como as garantias que o trabalho

informal não abarca.

Portanto, as trajetórias desses trabalhadores se mostram como essenciais

para a formação de trabalhadores disponíveis ao emprego no frigorífico, uma vez que o

frigorífico se vale dessa condição de precariedade para intensificar a jornada de

trabalho, rebaixar os salários e tornar o emprego no capitalismo ainda mais perverso.

Neste contexto, as formas de trabalho realizadas antes do emprego no

frigorífico se mostram importantes para a própria adaptação às condições de trabalho no

frigorífico. Nesse sentido, vale citar o caso da trabalhadora Jurema, 52 anos, moradora

de São José das Palmeiras, que trabalha a dois anos no frigorífico. Ela nos apontou que

por 25 anos morou no sítio, primeiro junto com os pais e que, depois de casada a área de

terra se tornou insuficiente para suprir todas as necessidades da família, de modo que,

para garantir o sustento, ela começou cedo a trabalhar em outras propriedades rurais,

sobretudo, como “bóia-fria”, capinando roças de milho e mandioca. A respeito do

trabalho na roça, ela aponta.

No frigorífico é melhor, porque na roça não é fácil, eu precisava trabalhador todo dia, não importava se fazia sol ou chuva. Levava marmita para roça e ficava lá o dia todo, quantas vez que ia comer embaixo de chuva, pingando água na comida, ou sentada no chão embaixo de um sol de rachar.15

Contudo, no caso dos trabalhadores do frigorífico de aves da Copagril, as

trajetórias dos trabalhadores são importantes, sobretudo, para ter como parâmetro, no

que significa a continuidade da exploração do trabalho no frigorífico, uma vez que as

trajetórias de trabalho são marcadas pela insegurança quanto à relação contratual,

instabilidade e principalmente pelo trabalho como doméstica ou no campo, trabalhando,

sobretudo em fazendas, no cuidado com animais/tirando leite/cuidando da pastagem,

capinando o plantio de milho/mandioca ou plantando/colhendo milho/soja etc.

Nessa perspectiva, lembramos que, apesar de os trabalhadores apontarem

características negativas do trabalho no frigorífico, como os baixos salários, vários

trabalhadores (sobretudo as mulheres trabalhadoras) nos apontaram que este é o maior

salário que já receberam durante toda a vida de trabalho. Isso é corriqueiro, sobretudo,

no caso das trabalhadoras, como podemos perceber na entrevista de Marines, que reside

na Vila Rural em São José das Palmeiras. Quando a questionamos se o salário

compensa a rotina de trabalho, ela nos declarou,

15 Jurema. Entrevista realizada no dia 15 de maio de 2010 em São José das Palmeiras.

[...]eu acho que compensa, porque quando eu trabalhava de doméstica aí, eu trabalhava todo dia, tinha que trabalhar 3 mês pra ganha o dinheiro que eu ganho hoje lá (frigorífico de aves da Copagril). Ia todo dia a pé daqui lá, dia de chuva. [...] Mas salário tinha que ser um pouquinho melhor.16

No caso dos homens trabalhadores, o emprego no frigorífico não representa,

via de regra, o primeiro emprego com carteira assinada. No entanto, em comparação às

demais ocupações exercidas por eles ao longo de suas trajetórias profissionais, ainda se

mostra um emprego com maior estabilidade, haja vista que, no caso dos homens, as

ocupações mais registradas entre os trabalhadores entrevistas são a de trabalhador rural,

trabalhando principalmente em época de safra das diferentes culturas e nas diversas

regiões do Brasil e/ou do Paraguai. Neste caso, ressalta-se o caso de um trabalhador que

mora em Santa Helena que, em épocas de colheita de soja, viajava para trabalhar no

Maranhão. Outro trabalhava no período de plantio (soja-milho) em fazendas no

Paraguai, outros ainda relataram que trabalhavam em indústrias do próprio município,

no caso um frigorífico de bois em Eldorado/MS, e deixaram o emprego pela

desinstalação do frigorífico naquele município. Também encontramos trabalhadores que

trabalhavam como servente de pedreiro, como lavador de carros e como cortador de

cana.

Nesse sentido, vale destacar a declaração do trabalhador Valdecir - morador

do município de Eldorado, 45 anos, casado, três filhos – quanto às razões que o fizeram

se deslocar todos os dias até Marechal Cândido Rondon, para trabalhar no frigorífico,

“nossa cidade tava quebrada, não tinha serviço, vai fazer o que? Tem família pra trata.

Vai trabalhar de pedreiro, se chove você não tira nada”.17

Valdecir mora na cidade e tem em parceria com um irmão uma propriedade

rural de 2 alqueires, na qual plantam melancia, mas a propriedade não garante o sustento

das duas famílias. Em busca de um salário garantido todos os meses e com acesso aos

direitos trabalhistas, Valdecir começou a trabalhar no frigorífico.

16 Marines. Idem. 17 Valdecir. Idem.

Também percebemos que, no caso dos homens que trabalham no frigorífico,

é comum que aos finais de semana busquem outras formas para complementar a renda

da família, pois quando chegávamos para fazer as entrevistas, aos sábados pela manhã,

não encontramos alguns trabalhadores do frigorífico em casa porque estavam

trabalhando, principalmente no campo, para garantir uma maior renda mensal.

No caso das mulheres, é mais difícil que elas busquem esse complemento na

renda familiar, sobretudo devido a elevada jornada de trabalho, o que impede que, por

exemplo, durante a semana realizem as funções domésticas, sendo que o sábado é

reservado para lavar roupa, limpar a casa etc. Mesmo assim, algumas trabalhadoras

destacaram que, eventualmente, fazem alguns bicos, sobretudo na época de final de ano,

fazendo faxina/lavam casa, ou seja, trabalham como diaristas.

Silva (2010), que estudou em sua dissertação a relação entre expansão

industrial e pobreza, assinala que, para as trabalhadoras, muitas vezes o trabalho

provoca um agravamento em sua vida, tanto do ponto de vista do convívio familiar,

quanto pelo fato de a sociedade transferir para a mulher os trabalhos domiciliares, o que

ocasiona a dupla jornada de trabalho e a piora de suas condições de vida.

Contudo, é a garantia dos direitos trabalhistas, através do vínculo formal de

trabalho, que faz com que esses trabalhadores se desloquem diariamente de outros

municípios para trabalhar no frigorífico

No entanto, lembramos que, apesar dos trabalhadores destacarem os direitos

trabalhistas que um emprego formal proporciona, muitos destes direitos têm sido

burlados, como é o caso do frigorífico de aves da Copagril.

Nesse sentido, faremos um parêntese para falar sobre o trabalho de Heck

(2010) que, na ocasião da realização de sua monografia de conclusão de curso, analisou

490 processos trabalhistas, movidos contra a Faville, Frimesa e Copagril, comprovando

que inúmeros direitos são burlados das mais diversas formas pelas indústrias

pesquisadas, sendo que todos estes direitos não pagos reduzem custos às indústrias e

contribuem para intensificar a precarização do trabalho.

Entendemos que o frigorífico de aves da Copagril tem conseguido se

expandir, baseado na superexploração do trabalho, porque no Oeste Paranaense e no

Sudoeste do Mato Grosso do Sul tem-se uma gama de trabalhadores que vê na

possibilidade do emprego no frigorífico uma alternativa para a venda de sua força de

trabalho, mediante a situação precária a que estão inseridos na dinâmica das relações de

trabalho.

O trabalho no frigorífico de aves da Copagril representa a aceitação de

qualquer labor por parte desse exército de trabalhadores, que necessitam vender sua

força de trabalho para reproduzir-se. Esses trabalhadores, para não somarem-se às filas

de desempregados, representam o efeito da formação de um conjunto de trabalhadores

livres/disponíveis para a exploração capitalista, e que aceitam, as formas mais precárias

de emprego.

Nesse sentido, a formação de trabalhadores que aceitem as condições de

trabalho, existentes, por exemplo, no frigorífico de aves da Copagril, é fundamental para

a expansão e reprodução capitalista, pois é somente através do trabalho produtivo que se

extraí a mais-valia, premissa para a acumulação.

Ainda sobre o perfil dos trabalhadores no frigorífico de aves da Copagril e

da formação dos trabalhadores para o trabalho sob formas extremamente precarizadas,

um dos dirigentes nos acrescentou, “pra quem quer trabalho, tem a vontade, depende de

nós mesmo, se nós queremos isso, não sei onde vai o futuro, onde nós queremos que

todo mundo estude, tenha um segundo grau, ensino superior, eu não sei quem vai fazer

o serviço operacional”18.

Nessa declaração, nos parece claramente o elemento da formação do

trabalhador para o capital relacionado à formação de trabalhadores disponíveis ao

capital, o que mostra que, para os frigoríficos, no caso o frigorífico de aves da Copagril,

é importante a existência de trabalhadores com baixa ou nenhuma escolaridade, pois,

segundo o dirigente, “para estes tem trabalho a vontade”. Como observamos ao longo

dessa pesquisa, trabalho é o que não falta no frigorífico de aves da Copagril, muito

trabalho e num ritmo intenso, e aí fica justamente a frase que colocou o dirigente,

“depende de nós, se nos queremos isso” e de fato muitos trabalhadores não querem isso,

não por não quererem crescer profissionalmente, como ressaltaram os representantes do

setor de recursos humanos do frigorífico, ou por serem fracos, preguiçosos ou gostarem

18 Entrevista realizada no dia 08 de março de 2010.

de “trabalho mole”, mas porque o trabalho no frigorífico se mostra tão aviltante que me

parece ser muito coerente não querermos isso para nós.

Isso ficou evidente quando perguntávamos aos trabalhadores, mesmo para

aqueles que apontavam aspectos positivos do trabalho no frigorífico, se gostariam que

seus filhos também trabalhassem no frigorífico. As respostas, sem exceção, se

direcionavam para o mesmo sentido da declaração da trabalhadora Neusa, “não, eu

trabalho, mas eu não quero que minhas filhas trabalhem lá [...] eu falo pra ela é assim,

não é pra você trabalhar na Copagril, uma que dá dó por causa do sono a gente sente a

falta do sono e sabe como é que é. Pensa bem um filho teu né, trabalhando lá”19.

É diante destes trabalhadores “que não querem isso (trabalhar no frigorífico)

para si”, que a formação do trabalhador para o capital se revela enquanto um elemento à

expansão capitalista ainda mais importante, no caso do frigorífico de aves da Copagril,

apontados como tal formação se expressa na mobilidade territorial do trabalho e

assinalamos que não se trata de uma particularidade do frigorífico estudado, percebemos

nas entrevistas com os trabalhadores, que outros frigoríficos – C.Vale, Sadia, Frango

Bello – se valem da mesma estratégia.

Considerações finais

Contudo, percebemos que, de modo geral, os trabalhadores entrevistados,

possuem trajetórias marcadas pela mobilidade forçada, de modo que vivenciaram

inserções profissionais marcadas pela precarização das relações de emprego, seja no

campo ou na cidade, em um emprego formal ou informal. De tal modo, entendemos que

essa condição é também um elemento da formação para o trabalho, à medida que a

existência desses sujeitos, marcados por inserções de emprego precárias, serve inclusive

como estímulo, no caso do frigorífico de aves da Copagril, à expansão capitalista via

extração da mais-valia absoluta.

Concluímos que a formação para o trabalho e/ou a formação do trabalhador

para o capital se mostra importante para a expansão capitalista em Marechal Cândido

19 Neusa. Idem.

Rondon via territorialização do frigorífico de aves da Copagril, combinada com a

mobilidade do trabalho, em busca de trabalhadores que aceitem/necessitem do emprego

no frigorífico, o que se apresenta como uma estratégia para que os níveis de exploração

no frigorífico se mostrem extremamente aviltantes, com fortes marcas da extração do

trabalho excedente, associada à mais-valia absoluta. Portanto, a mobilidade territorial do

trabalho articulada à formação para o trabalho, consiste numa mobilidade forçada,

submetendo os trabalhadores à lógica perversa e destrutiva do capital até os níveis em

que os trabalhadores possam suportar.

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