mito e filosofia 2 2012

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Textos Adaptados pela Professora Sônia M. T. Xavier Mito e Filosofia O novo problema pode ser assim formulado: a Filosofia nasceu (32)realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos ou nasceu por uma ruptura radical com os mitos? O que é um mito? Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.). A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade vem do fato de que ele ou testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem testemunhou os acontecimentos narrados. Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o mito – é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável. Como o mito narra a origem do mundo e de tudo o que nele existe? De três maneiras principais: 1. Encontrando o pai e a mãe das coisas e dos seres, isto é, tudo o que existe decorre de relações sexuais entre forças divinas pessoais. Essas relações geram os demais deuses: os titãs (seres semi- humanos e semidivinos), os heróis (filhos de um deus com uma humana ou de uma deusa com um humano), os humanos, os metais, as plantas, os animais, as qualidades, como quente- frio, seco-úmido, claro-escuro, bom- mau, justo-injusto, belo-feio, certo- errado, etc. A narração da origem é, assim, uma genealogia, isto é, narrativa da geração dos seres, das coisas, das qualidades, por outros seres, que são seus pais ou antepassados. Tomemos um exemplo da narrativa mítica. Observando que as pessoas apaixonadas estão sempre cheias de ansiedade e de plenitude, inventam mil expedientes para estar com a pessoa amada ou para seduzi-la e também serem amadas, o mito narra a origem do amor, isto é, o nascimento do deus Eros (que conhecemos mais com o nome de Cupido): Houve uma grande festa entre os deuses. Todos foram convidados, menos a deusa Penúria, sempre miserável e faminta. Quando a festa acabou, Penúria veio, comeu os restos e dormiu com o deus Poros (o astuto engenhoso). Dessa relação sexual, nasceu Eros (ou Cupido), que, como 1

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Page 1: Mito e Filosofia 2 2012

Textos Adaptados pela Professora Sônia M. T. Xavier

Mito e Filosofia

O novo problema pode ser assim formulado: a Filosofia nasceu (32)realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos ou nasceu por uma ruptura radical com os mitos?O que é um mito?Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.).A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade vem do fato de que ele ou testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem testemunhou os acontecimentos narrados.Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade?Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o mito – é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável.

Como o mito narra a origem do mundo e de tudo o que nele existe?

De três maneiras principais:1. Encontrando o pai e a mãe das coisas e dos seres, isto é, tudo o que existe decorre de relações sexuais entre forças divinas pessoais. Essas relações geram os demais deuses: os titãs (seres semi-humanos e semidivinos), os heróis (filhos de um deus com uma humana ou de uma deusa com um humano), os humanos, os metais, as plantas, os animais, as qualidades, como quente-frio, seco-úmido, claro-escuro, bom-mau, justo-injusto, belo-feio, certo-errado, etc.A narração da origem é, assim, uma genealogia, isto é, narrativa da geração dos seres, das coisas, das qualidades, por outros seres, que são seus pais ou

antepassados. Tomemos um exemplo da narrativa mítica.Observando que as pessoas apaixonadas estão sempre cheias de ansiedade e de plenitude, inventam mil expedientes para estar com a pessoa amada ou para seduzi-la e também serem amadas, o mito narra a origem do amor, isto é, o nascimento do deus Eros (que conhecemos mais com o nome de Cupido):

Houve uma grande festa entre os deuses. Todos foram convidados, menos a deusa Penúria, sempre miserável e faminta. Quando a festa acabou, Penúria veio, comeu os restos e dormiu com o deus Poros (o astuto engenhoso). Dessa relação sexual, nasceu Eros (ou Cupido), que, como sua mãe, está sempre faminto, sedento e miserável, mas, como seu pai, tem mil astúcias para se satisfazer e se fazer amado. Por isso, quando Eros fere alguém com sua flecha, esse alguém se apaixona e logo se sente faminto e sedento de amor, inventa astúcias para ser amado e satisfeito, ficando ora maltrapilho e semimorto, ora rico e cheio de vida.2. Encontrando uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz surgir alguma coisa no mundo. Nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre as forças divinas, ou uma aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens.O poeta Homero, na Ilíada, que narra a guerra de Tróia, explica por que, em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a vitória cabia aos gregos. Os deuses estavam divididos, alguns a favor de um lado e outros a favor do outro. A cada vez, o rei dos deuses, Zeus, ficava com um dos partidos, aliava-se com um grupo e fazia um dos lados - ou os troianos ou os gregos - vencer uma batalha.A causa da guerra, aliás, foi uma rivalidade entre as deusas. Elas apareceram em sonho para o príncipe troiano Paris, oferecendo a ele seus dons e ele escolheu a deusa do amor, Afrodite. As outras deusas, enciumadas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher do general grego Menelau, e isso deu início à guerra entre os humanos.3. Encontrando as recompensas ou castigos que os deuses dão a quem os desobedece ou a quem os obedece.Como o mito narra, por exemplo, o uso do fogo pelos homens? Para os homens, o fogo é essencial, pois com ele se diferenciam dos animais, porque tanto passam a cozinhar os alimentos, a iluminar caminhos na noite, a se aquecer no inverno quanto podem fabricar instrumentos de metal para o trabalho e para a guerra.Um titã, Prometeu, mais amigo dos homens do que dos deuses, roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina,

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eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também. Qual foi o castigo dos homens?Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males no mundo.Vemos, portanto, que o mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-seque são cosmogonias e teogonias.A palavra gonia vem de duas palavras gregas: do verbo gennao (engendrar, gerar, fazer nascer e crescer) e do substantivo genos (nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie). Gonia, portanto, quer dizer: geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto. Cosmos, como já vimos, quer dizer mundo ordenado e organizado. Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo, a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas.Teogonia é uma palavra composta de gonia e theós, que, em grego, significa: as coisas divinas, os seres divinos, os deuses. A teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses, a partir de seus pais e antepassados.Qual é a pergunta dos estudiosos? É a seguinte: A Filosofia, ao nascer, é, como já dissemos, uma cosmologia, uma explicação racional sobre a origem do mundo e sobre as causas das transformações e repetições das coisas; para isso, ela nasce de uma transformação gradual dos mitos ou de uma ruptura radical com os mitos? Continua ou rompe com a cosmogonia e a teogonia?Duas foram as respostas dadas.A primeira delas foi dada nos fins do século XIX e começo do século XX, quando reinava um grande otimismo sobre os poderes científicos e capacidades técnicas do homem. Dizia-se, então, que a Filosofia nasceu por uma ruptura radical com os mitos, sendo a primeira explicação científica da realidade produzida pelo Ocidente.A segunda resposta foi dada a partir de meados do século XX, quando os estudos dos antropólogos e dos historiadores mostraram a importância dos mitos na organização social e cultural das sociedades e como os mitos estão profundamente entranhados nos modos de pensar e de sentir de uma sociedade.Por isso, dizia-se que os gregos, como qualquer outro povo, acreditavam em seus mitos e que a Filosofia nasceu, vagarosa e gradualmente, do interior dos próprios mitos, como uma racionalização deles.Atualmente consideram-se as duas respostas exageradas e afirma-se que a Filosofia, percebendo as contradições

e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente.

Quais são as diferenças entre Filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais importantes:1. O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era, antes que tudo existisse tal como existe no presente. A Filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são;2. O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas sobrenaturais e personalizadas, enquanto a Filosofia, ao contrário, explica a produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais.O mito falava em Urano, Ponto e Gaia; a Filosofia fala em céu, mar e terra. O mito narra a origem dos seres celestes (os astros), terrestres (plantas, animais, homens) e marinhos pelos casamentos de Gaia com Urano e Ponto. A Filosofia explica o surgimento desses seres por composição, combinação e separação dos quatro elementos - úmido, seco, quente e frio, ou água, terra, fogo e ar.3. O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível, não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador. A Filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem da pessoa dofilósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.Condições históricas para o surgimento da FilosofiaResolvido esse problema, temos ainda um último a solucionar: O que tornou possível o surgimento da Filosofia na Grécia no final do século VII e no início do século VI antes de Cristo? Quais as condições materiais, isto é, econômicas, sociais, políticas e históricas que permitiram o surgimento da Filosofia?Podemos apontar como principais condições históricas para o surgimento da Filosofia na Grécia:

as viagens marítimas, que permitiram aos gregos descobrir que os locais que

os mitos diziam habitados por deuses, titãs e heróis eram, na verdade, habitados por outros seres humanos; e que as regiões dos mares que os mitos diziam habitados por monstros e seres fabulosos não possuíam nem monstros nem seres fabulosos. As viagens produziram o desencantamento ou a desmistificação domundo, que passou, assim, a exigir uma explicação sobre sua origem, explicaçãoque o mito já não podia oferecer;

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a invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as

estações do ano, as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando,com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural e não como um poder divino incompreensível;

a invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que não se realiza

através das coisas concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização;

o surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato,

dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir;

a invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas - como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses -, supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita, mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve;a invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da Filosofia:

1. A idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade - da polis - servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo comoum mundo racional.2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste, um poeta vidente, que recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma revelação sobrenatural, dizia aos homens quais eram as decisões dos deuses que eles deveriam obedecer.

Agora, com a polis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como a palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razõespara fazer ou não fazer alguma coisa.A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e adecisão racional , valorizou o pensamento racional e criou condições para quesurgisse o discurso ou a palavra filosófica.3. A política estimula um pensamento e um discurso que não procuram ser formulados por seitas secretas dos iniciados em mistérios sagrados, mas que procuram, ao contrário, ser públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e discutidos. A idéia de um pensamento que todos podem compreender e discutir, que todos podem comunicar e transmitir, é fundamental para a Filosofia.Principais características da Filosofia nascenteO pensamento filosófico em seu nascimento tinha como traços principais:

tendência à racionalidade, isto é, a razão e somente a razão, com seus

princípios e regras, é o critério da explicação de alguma coisa;

tendência a oferecer respostas conclusivas para os problemas, isto é, colocado

um problema, sua solução é submetida à análise, à crítica, à discussão e àdemonstração, nunca sendo aceita como uma verdade, se não for provadoracionalmente que é verdadeira;

exigência de que o pensamento apresente suas regras de funcionamento, isto é,

o filósofo é aquele que justifica suas idéias provando que segue regras universaisdo pensamento. Para os gregos, é uma lei universal do pensamento que acontradição indica erro ou falsidade. Uma contradição acontece quando afirmo enego a mesma coisa sobre uma mesma coisa (por exemplo: “Pedro é um meninoe não um menino”, “A noite é escura e clara”, “O infinito não tem limites e élimitado”). Assim, quando uma contradição aparecer numa exposição filosófica,ela deve ser considerada falsa;

recusa de explicações preestabelecidas e, portanto, exigência de que, para cada

problema, seja investigada e encontrada a solução própria exigida por ele;

tendência à generalização, isto é, mostrar que uma explicação tem validade

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para muitas coisas diferentes porque, sob a variação percebida pelos órgãos denossos sentidos, o pensamento descobre semelhanças e identidades.Por exemplo, para meus olhos, meu tato e meu olfato, o gelo é diferente da neblina, que é diferente do vapor de uma chaleira, que é diferente da chuva, que édiferente da correnteza de um rio. No entanto, o pensamento mostra que se trata sempre de um mesmo elemento (a água), passando por diferentes estados e formas (líquido, sólido, gasoso), por causas naturais diferentes (condensação, liquefação, evaporação).Reunindo semelhanças, o pensamento conclui que se trata de uma mesma coisa que aparece para nossos sentidos de maneiras diferentes, e como se fossem

coisas diferentes. O pensamento generaliza porque abstrai (isto é, separa e reúne os traços semelhantes), ou seja, realiza uma síntese.E o contrário também ocorre. Muitas vezes nossos órgãos dos sentidos nos fazem perceber coisas diferentes como se fossem a mesma coisa, e o pensamento demonstrará que se trata de uma coisa diferente sob a aparência da semelhança.

Fonte: Disponível em: http://www.psicologiaceliaanselme.com.br/pdf/psicologia/Chau%C3%AD,%20Marilena%20-%20Convite%20%C3%80%20Filosofia.pdf. Acesso: 02/02/2011- p. 32 - 37)

Mito, Rito e Religião

É necessário deixar bem claro, nesta tentativa de

conceituar o mito, que o mesmo não tem aqui a

conotação usual de fábula, lenda, invenção, ficção,

mas a acepção que lhe atribuíam e ainda atribuem as

sociedades arcaicas, as impropriamente denominadas

culturas primitivas, onde mito é o relato de um

acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante

a intervenção de entes sobrenaturais. Em outros

termos, mito, é o relato de uma história verdadeira,

ocorrida nos tempos dos princípios, quando com a

interferência de entes sobrenaturais, uma realidade

passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo, ou

tão-somente um fragmento, um monte, uma pedra,

uma ilha, uma espécie animal ou vegetal, um

comportamento humano. Mito é, pois, a narrativa de

uma criação: conta-nos de que modo algo, que não

era, começou a ser.

De outro lado, o mito é sempre uma representação

coletiva, transmitida através de várias gerações e que

relata uma explicação do mundo. Mito é, por

conseguinte, a parole, a palavra "revelada", o dito. E,

desse modo, se o mito pode se exprimir ao nível da

linguagem, "ele é, antes de tudo, uma palavra que

circunscreve e fixa um acontecimento". "O mito é

sentido e vivido antes de ser inteligido e formulado.

Mito é a palavra, a imagem, o gesto, que circunscreve

o acontecimento no coração do homem, emotivo como

uma criança, antes de fixar-se como narrativa".

O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas

cuja essência é efetivamente uma representação

coletiva, que chegou até nós através de várias

gerações. E, na medida em que pretende explicar o

mundo e o homem, isto é, a complexidade do real, o

mito não pode ser lógico: ao revés, é ilógico e

irracional. Abre-se como uma janela a todos os ventos;

presta-se a todas as interpretações. Decifrar o mito é,

pois, decifrar-se. E, como afirma Roland Barthes, o

mito não pode, conseqüentemente, "ser um objeto, um

conceito ou uma idéia: ele é um modo de significação,

uma forma". Assim, não se há de definir o mito "pelo

objeto de sua mensagem, mas pelo modo como a

profere".

É bem verdade que a sociedade industrial usa

o mito como expressão de fantasia, de mentiras, daí

mitomania, mas não é este o sentido que

hodiernamente se lhe atribui.

O mesmo Roland Barthes, aliás, procurou reduzir,

embora significativamente, o conceito de mito,

apresentando-o como qualquer forma substituível de

uma verdade. Uma verdade que esconde outra

verdade. Talvez fosse mais exato defini-lo como uma

verdade profunda de nossa mente. É que poucos se

dão ao trabalho de verificar a verdade que existe no

mito, buscando apenas a ilusão que o mesmo contém.

Muitos vêem no mito tão-somente os significantes, isto

é, a parte concreta do signo. É mister ir além das

aparências e buscar-lhe os significados, quer dizer, a

parte abstrata, o sentido profundo.

Talvez se pudesse definir mito, dentro do conceito de

Carl Gustav Jung, como a conscientização de

arquétipos do inconsciente coletivo, quer dizer, um elo

entre o consciente e o inconsciente coletivo, bem como

as formas através das quais o inconsciente se

manifesta.

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Compreende-se por inconsciente coletivo a herança

das vivências das gerações anteriores. Desse modo, o

inconsciente coletivo expressaria a identidade de todos

os homens, seja qual for a época e o lugar onde

tenham vivido.

Arquétipo, do grego "arkhétypos", etimologicamente,

significa modelo primitivo, idéias inatas. Como

conteúdo do inconsciente coletivo foi empregado pela

primeira vez por Yung. No mito, esses conteúdos

remontam a uma tradição, cuja idade é impossível

determinar. Pertencem a um mundo do passado,

primitivo, cujas exigências espirituais são semelhantes

às que se observam entre culturas primitivas ainda

existentes. Normalmente, ou didaticamente, se

distinguem dois tipos de imagens:

a) imagens (incluídos os sonhos) de caráter pessoal,

que remontam a experiências pessoais esquecidas ou

reprimidas, que podem ser explicadas pela anamnese

individual;

b) imagens (incluídos os sonhos) de caráter impessoal,

que não podem ser incorporados à história individual.

Correspondem a certos elementos coletivos: são

hereditárias.

A palavra textual de Jung ilustra melhor o que expôs:

“Os conteúdos do inconsciente pessoal são aquisições

da existência individual, ao passo que os conteúdos do

inconsciente coletivo são arquétipos que existem

sempre a priori”.

Embora se tenha que admitir a importância da tradição

e da dispersão por migrações, casos há e muito

numerosos em que essas imagens pressupõem uma

camada psíquica coletiva: é o inconsciente coletivo.

Mas, como este não é verbal, quer dizer, não podendo

o inconsciente se manifestar de forma conceitual,

verbal, ele o faz através de símbolos. Atente-se para a

etimologia de símbolo, do grego "sýmbolon", do verbo

"symbállein", "lançar com", arremessar ao mesmo

tempo, "com-jogar". De início, símbolo era um sinal de

reconhecimento: um objeto dividido em duas partes,

cujo ajuste e confronto permitiam aos portadores de

cada uma das partes se reconhecerem. O símbolo é,

pois, a expressão de um conceito de eqüivalência.

Assim, para se atingir o mito, que se expressa por

símbolos, é preciso fazer uma eqüivalência, uma "con-

jugação", uma "re-união", porque, se o signo é sempre

menor do que o conceito que representa, o símbolo

representa sempre mais do que seu significado

evidente e imediato.

Em síntese, os mitos são a linguagem imagística dos

princípios. "Traduzem" a origem de uma instituição, de

um hábito, a lógica de uma gesta, a economia de um

encontro.

Na expressão de Goethe, os mitos são as relações

permanentes da vida.

Se mito é, pois, uma representação coletiva,

transmitida através de várias gerações e que relata

uma explicação do mundo, então o que é mitologia?

Se mitologema é a soma dos elementos antigos

transmitidos pela tradição e mitema as unidades

constitutivas desses elementos, mitologia é o

"movimento" desse material: algo de estável e mutável

simultaneamente, sujeito, portanto, a transformações.

Do ponto de vista etimológico, mitologia é o estufo dos

mitos, concebidos como história verdadeira.

Quanto à religião, do latim "religione", a palavra

possivelmente se prende ao verbo "religare", ação de

ligar.

Religião pode, assim, ser definida como o conjunto das

atitudes e atos pelos quais o homem se prende, se liga

ao divino ou manifesta sua dependência em relação a

seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Tomando-se

o vocábulo num sentido mais estrito, pode-se dizer que

a religião para os antigos é a reatualização e a

ritualização do mito. O rito possui, "o poder de suscitar

ou, ao menos, de reafirmar o mito".

Através do rito, o homem se incorpora ao mito,

beneficiando-se de todas as forças e energias que

jorraram nas origens. A ação ritual realiza no imediato

uma transcendência vivida. O rito toma, nesse caso, "o

sentido de uma ação essencial e primordial através da

referência que se estabelece do profano ao sagrado".

Em resumo: o rito é a praxis do mito. É o mito em ação.

O mito rememora, o rito comemora.

Rememorando os mitos, reatualizando-os, renovando-

os por meio de certos rituais, o homem torna-se apto a

repetir o que os deuses e os heróis fizeram "nas

origens", porque conhecer os mitos é aprender o

segredo da origem das coisas. "E o rito pelo qual se

exprime (o mito) reatualiza aquilo que é ritualizado: re-

criação, queda, redenção". E conhecer a origem das

coisas - de um objeto, de um nome, de um animal ou

planta - "eqüivale a adquirir sobre as mesmas um

poder mágico, graças ao qual é possível dominá-las,

multiplicá-las ou reproduzí-las à vontade". Esse retorno

às origens, por meio do rito, é de suma importância,

porque "voltar às origens é readquirir as forças que

jorraram nessas mesmas origens". Não é em vão que

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na Idade Média muitos cronistas começavam suas

histórias com a origem do mundo. A finalidade era

recuperar o tempo forte, o tempo primordial e as

bênçãos que jorraram illo tempore.

Além do mais, o rito, reiterando o mito, aponta o

caminho, oferece um modelo exemplar, colocando o

homem na contemporaneidade do sagrado. É o que

nos diz, com sua autoridade, Mircea Eliade: "Um objeto

ou um ato não se tornam reais, a não ser na medida

em que repetem um arquétipo. Assim a realidade se

adquire exclusivamente pela repetição ou participação;

tudo que não possui um modelo exemplar é vazio de

sentido, isto é, carece de realidade".

O rito, que é o aspecto litúrgico do mito, transforma a

palavra em verbo, sem o que ela é apenas lenda,

"legenda", o que deve ser lido e não mais proferido.

À idéia de reiteração prende-se a idéia de tempo. O

mundo transcendente dos deuses e heróis é

religiosamente acessível e reatualizável, exatamente

porque o homem das culturas primitivas não aceita a

irreversibilidade do tempo: o rito abole o tempo

profano, cronológico, é linear e, por isso mesmo,

irreversível (pode-se "comemorar" uma data histórica,

mas não fazê-la voltar no tempo), o tempo mítico,

ritualizado, é circular, voltando sempre sobre si mesmo.

É precisamente essa reversibilidade que liberta o

homem do peso do tempo morto, dando-lhe a

segurança de que ele é capaz de abolir o passado, de

recomeçar sua vida e recriar seu mundo. O profano é

tempo da vida; o sagrado, o "tempo" da eternidade.

A "consciência mítica", embora rejeitada no mundo

moderno, ainda está viva e atuante nas civilizações

denominadas primitivas: "O mito, quando estudado ao

vivo, não é uma explicação destinada a satisfazer a

uma curiosidade científica, mas uma narrativa que faz

reviver uma realidade primeva, que satisfaz as

profundas necessidades religiosas, aspirações morais,

a pressões e a imperativos de ordem social e mesmo a

exigências práticas. Nas civilizações primitivas, o mito

desempenha uma função indispensável: ele exprime,

exalta e codifica a crença; salvaguarda e impõe os

princípios morais; garante a eficácia do ritual e oferece

regras práticas para a orientação do homem. O mito é

um ingrediente vital da civilização humana; longe de

ser uma fabulação vã, ele é, ao contrário, uma

realidade viva, à qual se recorre incessantemente; não

é, absolutamente, uma teoria abstrata ou uma fantasia

artística, mas uma verdadeira codificação da religião

primitiva e da sabedoria prática".

Pesquise sobre Filosofia e outros assuntos:

Fonte: Disponível em: http://www.mundodosfilosofos.com.br/mito.htmAcesso: 10/02/2012

Elaborado e Idealizado por Rosana Madjarof — Mantido por Carlos Duarte

Caixa de Pandora

A Caixa de Pandora - Ao homem imprudente  e

temeroso são atribuidos os males humanos

Conta-nos as várias versões do mito grego que Prometeu (o que vê antes ou prudente, previdente) é o criador da humanidade. Era um dos Titãs, filho de Jápeto e Clímene e também irmão de Epimeteu (o que vê depois, inconsequente), Atlas e Menécio. Os dois últimos se uniram a Cronos na batalha dos Titãs contra os deuses olímpicos e, por terem fracassado, foram castigados por Zeus que então tornou-se o maior de todos os deuses.

Prevendo o fim da guerra, Prometeu uniu-se a Zeus e recomendou que seu irmão Epimeteu também o fizesse. Com isso, Prometeu foi aumentando os seu talentos e conhecimentos, o que despertou a ira de Zeus, que resolveu acabar com a humanidade. Mas a pedido de Prometeu, o protetor dos homens, não o fez.

Um dia, foi oferecido um touro em sacrifício e coube a Prometeu decidir quais partes caberiam aos homens e quais partes caberiam aos deuses. Assim, Prometeu matou o touro e com o couro fez dois sacos. Em um colocou as carnes e no outro os ossos e a gordura. Ao oferecer a Zeus para que escolhesse, esse escolheu o que continha banha e, por este ato, puniu Prometeu retirando o fogo dos humanos.

Depois disso, coube a Epimeteu distribuir aos seres qualidades para que pudessem sobreviver. Para alguns deu velocidade, a outros, força; a outros ainda deu asas, etc. No entanto, Epimeteu, que não sabe medir as consequências de seus atos, não deixou nenhuma

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qualidade para os humanos, que ficaram desprotegidos e sem recursos.

Foi então que Prometeu entrou no Olimpo (o monte onde residiam os deuses) e roubou uma centelha de fogo para entregar aos homens. O fogo representava a inteligência para construir moradas, defesas e, a partir disso, forçar a criação de leis para a vida em comum. Surge assim a política para que os homens vivam coletivamente, se defendam de feras e inimigos externos, bem como desenvolvam todas as técnicas.

Zeus jurou vingança e pediu para o deus coxo Hefestos que fizesse uma mulher de argila e que os quatro ventos lhe soprassem a vida e também que todas as deusas lhe enfeitassem. Essa mulher era Pandora (pan = todos, dora = presente), a primeira e mais bela mulher já criada e que foi dada, como estratégia de vingança, a Epimeteu, que, alertado por seu irmão, recusou respeitosamente o presente.

Ainda mais furioso, Zeus acorrentou Prometeu a um monte e lhe impôs um castigo doloroso, em que uma ave de rapina devoraria seu fígado durante o dia e, à noite, o fígado cresceria novamente para que no outro dia fosse outra vez devorado, e assim por toda eternidade.

No entanto, para disfarçar sua crueldade, Zeus espalhou um boato de que Prometeu tinha sido convidado ao Olimpo, por Atena, para um caso de amor secreto. Com isso, Epimeteu, temendo o destino de seu irmão, casou-se com Pandora que, ao abrir uma caixa enviada como presente (e que Prometeu tinha alertado para não fazê-lo), espalhou todas as desgraças sobre a humanidade (o trabalho, a velhice, a doença, as pragas, os vícios, a mentira, etc.), restando dentro dela somente a ilusória esperança.

Por isso, o mito da caixa de Pandora quer significar que ao homem imprudente e temeroso são atribuídos os males humanos como consequência da sua falta de conhecimento e previsão. Também é curioso observar como o homem depende de sua própria inteligência para não ficar nas mãos do destino, das intempéries e dos próprios humanos.

Por João Francisco P. Cabral Colaborador Brasil Escola Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Filosofia - Brasil Escola

Fonte:

Disponível em: http://www.brasilescola.com/filosofia/caixa-de-

pandora.htm Acesso: 02/02/2010

MOIRAS – MITOLOGIA GREGA

As moiras, como representado em uma tapeçaria do século

XVI

As moiras eram três irmãs que determinavam os destinos humanos, especialmente a duração da vida de uma pessoa e seu quinhão de atribulações e sofrimentos.

Cloto (em grego – "fiar") segurava o fuso e puxava o fio da vida.

Láquesis ("sortear") enrolava o fio e sorteava o nome dos que iam morrer. Distribuía o quinhão de atribuições de uma vida;

Átropos ("não voltar") cortava o fio. Determinava os que iam morrer.

As moiras eram filhas de Nix. Moira, no singular, era inicialmente o destino. Na Ilíada, representava uma lei que pairava sobre deuses e homens, pois nem Zeus estava autorizado a transgredí-la sem interferir na harmonia cósmica. Na Odisséia aparecem as fiandeiras. O mito grego predominou entre os romanos a tal ponto que os nomes das divindades caíram em desuso. Entre eles eram conhecidas por parcas chamadas Nona, Décima e Morta, que tinham respectivamente as funções de presidir ao nascimento, ao casamento e à morte. Os poetas da antigüidade descreviam as moiras como donzelas de aspecto sinistro, de grandes dentes e longas unhas. Nas artes plásticas, ao contrário, aparecem representadas como lindas donzelas. As três deusas decidiam o destino individual dos antigos gregos, e criaram Têmis, Nêmesis e as Erínias. Pertenciam à primeira geração divina, e assim como Nix eram domadoras de deusas e homens. Junto de Ilitia, Ártemis e Hecate, Cloto atuava como deusa dos nascimentos e parto. Láquesis atuava junto com Tiche, Pluto, Moros, etc. qualificando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. Atropo juntamente de Tânatos, Queres e Mors determinava o fim da

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