mira y lopez, e. estado atual da psicologia do pensamento

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DIVERSOS Curso: ESTADO ATUAL DA PSICOLOGIA DO PENSAMENTO Prot. Dr. EMÍLIO MIRA y LOPEZ Terceira Aula Resumo crítico dos trabalhos da Escola Wurzburg (I) Durante a primeira década dês te século surgiram trabalhos na Alemanha e principalmente nos Laboratórios de Psicologia Experimental da cidade de Wurzburg que, na ocasião, estavam sendo liderados pelo Prof. Marbe. f.sses trabalhos, ainda que não inteiramente sistemáticos e planificados previamen- te, foram se interligando de tal maneira que chegaram a constituir um ponto de vista dentro da doutrina do pensamento e criaram escola: a chamada Es- cola de Wurzburg. A característica essencial dessa escola foi justamente a de ter dado uma base experimental às críticas que, antes dela, estavam sendo feitas à doutrina associacionista, ou seja, à doutrina que interpretava o pro- cesso de pensamento e em geral tôdas as atividades intelectuais como decorren- do apenas da associação, da conexão, de uns dados com outros, dentro da consciência, dos chamados conteúdos da consciência, em virtude das chamadas Leis Associativas d'e Aristóteles. Ao comêço dêste Século, ou seja, em 1901, apareceu um trabalho de dois colaboradores: Mayer e Orth. tsses dois psicólogos, trabalhando sob a inspi- ração de Marbe, tentaram pela primeira vez explorar, examinar a questão de se o pensamento seria alguma coisa mais do que o simples resultado das asso- ciações de imagens, de idéias ou de conceitos; para tanto, fizeram uma lista de palavras as mais diversas e pediram a algumas pessoas de extraordinária capacidade de observação, entre as quais estava o próprio Külpe (que foi o "Man behind the screen" - "o homem atrás da cortina" - dentro de tôda essa série de pesquisas que vamos ver agora), que comunicassem imediatamen- te após ter procedido a experiência, as suas impressões a respeito das respostas dadas a cada uma das palavras que lhes eram sugeridas, quer dizer, convida- vam um reduzido número de pessoas muito seletas a fazer o que se chama uma retrospecção imediata. As instruções eram estas: "o senhor vai ouvir uma palavra e vai dizer tudo que essa palavra lhe determinar como reação no seu pensamento; imediatamente após terminada a sua resposta, o senhor vai pen- sar, esclarecer-se a si próprio e esclarecer-nos sôbre o que aconteceu na sua cabeça, o que aconteceu no seu plano consciente durante êsse intervalo que existia entre o exato momento em que ouviu a palavra e o momento em que terminar de dar a resposta". f.sse é o sistema que se chama hetero-retrospecti- 1) Gravação da aula.

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Mira y Lopez, e. Estado Atual Da Psicologia Do Pensamento

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Page 1: Mira y Lopez, e. Estado Atual Da Psicologia Do Pensamento

DIVERSOS

Curso:

ESTADO ATUAL DA PSICOLOGIA DO PENSAMENTO

Prot. Dr. EMÍLIO MIRA y LOPEZ

Terceira Aula

Resumo crítico dos trabalhos da Escola Wurzburg (I)

Durante a primeira década dês te século surgiram trabalhos na Alemanha e principalmente nos Laboratórios de Psicologia Experimental da cidade de Wurzburg que, na ocasião, estavam sendo liderados pelo Prof. Marbe. f.sses trabalhos, ainda que não inteiramente sistemáticos e planificados previamen­te, foram se interligando de tal maneira que chegaram a constituir um ponto de vista dentro da doutrina do pensamento e criaram escola: a chamada Es­cola de Wurzburg. A característica essencial dessa escola foi justamente a de ter dado uma base experimental às críticas que, já antes dela, estavam sendo feitas à doutrina associacionista, ou seja, à doutrina que interpretava o pro­cesso de pensamento e em geral tôdas as atividades intelectuais como decorren­do apenas da associação, da conexão, de uns dados com outros, dentro da consciência, dos chamados conteúdos da consciência, em virtude das chamadas Leis Associativas d'e Aristóteles.

Ao comêço dêste Século, ou seja, em 1901, apareceu um trabalho de dois colaboradores: Mayer e Orth. tsses dois psicólogos, trabalhando sob a inspi­ração de Marbe, tentaram pela primeira vez explorar, examinar a questão de se o pensamento seria alguma coisa mais do que o simples resultado das asso­ciações de imagens, de idéias ou de conceitos; para tanto, fizeram uma lista de palavras as mais diversas e pediram a algumas pessoas de extraordinária capacidade de observação, entre as quais já estava o próprio Külpe (que foi o "Man behind the screen" - "o homem atrás da cortina" - dentro de tôda essa série de pesquisas que vamos ver agora), que comunicassem imediatamen­te após ter procedido a experiência, as suas impressões a respeito das respostas dadas a cada uma das palavras que lhes eram sugeridas, quer dizer, convida­vam um reduzido número de pessoas muito seletas a fazer o que se chama uma retrospecção imediata. As instruções eram estas: "o senhor vai ouvir uma palavra e vai dizer tudo que essa palavra lhe determinar como reação no seu pensamento; imediatamente após terminada a sua resposta, o senhor vai pen­sar, esclarecer-se a si próprio e esclarecer-nos sôbre o que aconteceu na sua cabeça, o que aconteceu no seu plano consciente durante êsse intervalo que existia entre o exato momento em que ouviu a palavra e o momento em que terminar de dar a resposta". f.sse é o sistema que se chama hetero-retrospecti-

1) Gravação da aula.

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vo, em virtude do qual se restabelece a introspecção, ou seja, a auto-análise, como uma categoria de técnica científica, no momento em que a psicologia experimental pura, principalmente liderada por "\Vundt e Titchner, estava atacando violentamente a técnica introspectiva; assim, já de início centraram o procedimento com que se começou o ataque experimental pela Escola Wurz­burg no pôsto que se poderia chamar as correntes da moda dentro do pensa­mento dos psicólogos do início do século; conjuntamente já se poderia pre­dizer que quaisquer que fôssem os resultados obtidos iriam ser violentamente combatidos pelos indivíduos que representavam, naquele momento, a posição experimental pura, objetiva, como eram principalmente Wundt, na Alema­nha, e Titchner, nos Estados Unidos da América.

Mas, qual foi o resultado?

Vejam vocês: durante o ano, cada dia se reuniram essas pessoas entre as quais Külpe, Bühler e o próprio Mayer e Orth em colaboração, e se lhes apre-5entavam em forma visual, para não perder tempo, as palavras mediante um aparelho de apresentação de palavras, uma frase ou outra, mas com intervalo suficiente para anotar taquigràficamente a resposta individual. Apresentava-se, por exemplo, a palavra "sal", ou a palavra "mar", e imediatamente ficavam todos esperando o que ia acontecer aos indivíduos aos quais era dada essa palavra. E cada um reagia com uma expressão qualquer. Dizia, por exemplo, o sujeito experimentado: "A primeira coisa que imaginei foi uma montanha de sal; imediatamente pensei na neve e também numa montanha de açúcar e foi assim que me acudiu a palavra doce."

O indivíduo recebia o estímulo, dava a resposta verbal, mas, imediata­mente após, apenas terminava de dar a palavra ou as palavras (as vêzes não era só uma palavra, era uma frase), revisava as lembranças imediatas que êle tinha dessa experiência e dizia tudo quanto lhe parecia, que lhe tinha aconte­cido dentro de sua cabeça, nesse intervalo.

Temos que levar em consideração quem eram as pessoas que faziam a experiência: todos professôres universitários, homens extraordinàriamente cu!­tos, honestos, como Külpe, que foi o "man behind the screen" - "o homem atrás da cortina" - em tôdas as experiências e que não figura como autor de nenhum trabalho referente a êsse problema, embora os tenha descrito em 1911. í.le era filósofo e escritor; ocupava, em Bõon, em 1909, a cadeira de teo­ria das espécies. Entretanto, possuía êsses conhecimentos psicológicos porque seguiu o curso de psicologia com Wundt e era um homem muito dado a in­trospecção. As associações, as observações, as auto-observações de Külpe, não sômente nesses experimentos iniciais, mais, em todos OS que depois fizeram o resto dós pesquisadores: Ach, ''Valt, Messer e, sobretudo, Bühlcr, são excepcio­nais. Acontece com Külpe o que acontece, às vêzes, aos pintores: tornam-se célebres pelos seus quadros, que não teriam feito se não tivessem tido o mo­dêlo; depois, lembramo-nos do nome do pintor e esquecemos o do modêlo.

De fato, a colabora!;ão de Külpe neste caso foi mais importante que a do modêlo do quadro porque não somente era o que, em têrmos depreciativos se chama "versllchstiel''', ou seja, de animal de experimentação C01110, também,

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quem fornecia realmente todo o material sôbre o qual se la construir a dou­trina da escola.

Melhor que nada será que eu leia ràpidamente as conclusões dês se pri­meiro trabalho; vai ser um pouco difícil lê-las com exatidão porque vou lê-las já traduzidas do inglês ao meu portunhol; mas, mesmo assim vou mais ou menos dar conta do que diziam Orth e Mayer: "Além de comprovar que qual­quer estímulo verbal determina na mente humana a evocação de imagens e atos de vontade, descobrimos a existência de um terceiro grupo de fatos de consciência que até agora não tinha sido tomado em consideração na psico­logia. No curso das novas experiências, uma e outra vez, temo-nos enfrentado com êsse fato, de existência de alguma coisa que não correspondia à imagem, a representações, nem a tensões de consciência e propomos sem saber que isso é dar-lhe já categoria de fato psíquico e vamos chamá-lo "estado de consciên­cia". A palavra alemã que êles usaram foi "BEWUSTEINLAGE" essa BSL; êsse "estado de consciência" não é uma imagem, não é um conceito, não é uma idéia e, entretanto, têm uma existência com provável de tôda a série de experiências que êles fizeram. Consiste fundamentalmente no que poderíamos dizer em um pré-conhecimento de alguma coisa, isto é, num saber que não se apóia inicialmente em nenhum conteúdo expressivo. Além das imagens, além dos dados que, de acôrdo com a lei das associações, seriam combinados dentro do decorrer de um processo de pensamento, existiria um "não sabemos quê" que não pode ser reduzido a nenhum dêsses dados. Aí parou a pesquisa de Orth e Mayer, os quais não fizeram outra coisa que criar um nome p"ra isso.

Marbe, então, contribuiu com um segundo trabalho no mesmo ano. A pesquisa de Marbe foi dirigida para outro setor: êle dizia que a característica de todo o pensamento é a de dar lugar a um juízo. Todo pensamento pode ser formulado em uma afirmação ou em uma negação e constitui o juízo. Então, vamos ver qual é o critério psicológico para definir êsse juízo. Se eu digo, por exemplo: "a neve é branca" ou "vejo uma mesa", eu estou evidente­mente utilizando o meu pensamento na forma d'um juízo, d'uma afirmação. "Fulano não está presente" é uma afirmação negativa, mas é uma afirmação de juízo. Marbe, então, quis contribuir para o descobrimento da "essência psi­cológica de juízo" e, para tanto, usando os mesmos sujeitos que já se tinh:1D1 prestado a essa experiência, colocou-os em campo experimental e lhes fêz ela­borar tôda uma série de juízos experimentais. Por exemplo, dava-lhes dois pe­sos e fazia-os pesar cada um dêsses pesos na mão; a seguir, trocavam de mão e lhes perguntava qual dos dois pesos pesava mais. Naturalmente, a pessoa dizia "êste" e imediatamente após haverem formulado o juízo, Marbe per­guntava: "que lhe aconteceu nesse momento?" "Vamos ver o que você pensou para dizer que "êste" pesava mais, ou que era mais branco, ou que "aquêle" era mais prêto, enfim, para formular o seu juízo."

Pois bem, com grande desilusão Marbe, depois de uma série de experiên­cias, se encontrava com uma série de indivíduos muito bem preparados para introspecção que dizi:1l11: "bem, eu achei que 'êste' pesava mais; como, por que, qual a substância consciente do juízo, isso eu não posso expressar". As expres­sões "eu acho", "eu sei", levou Marbe a' dizer (!ue êle tinha fracassado no seu

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propósito inicial de investigar o conteúdo psicológico do juízo; mas, por ou­tro lado, êle convenceu-se de que deveria haver alguma coisa, que o indivíduo não sabia o que era, que o levava a fazer "êsse" juízo. Que o indivíduo não soubesse o que era, era uma coisa; mas o que devia haver era outra, porque o indivíduo afirmava "isso pesa mais, isso é mais branco, vale mais, vale me­nos" e, se afirmava ou negava a coisa que antes não teria afirmado ou negado, é porque tinha adquirido no decorrer dessa experiência com um elemento nôvo um elemento de juízo. Em certo modo, isso que Külpe havia intuído, mas não sabia o que era exatamente, correspondia à "BSL", que Orth e Mayer também haviam definido dessa maneira: quer dizer, alguma coisa nova, algum elemento nôvo, que não estava contido nas associações, nem nas imagens, nem nos elementos afetivos; não estava, portanto, presente em nenhum dos dados que na ocasião constituíam, poderíamos assim dizer, o conjunto dos elementos próprios da consciência tal como era nesse momento conhecidos pelos experi­mentadores.

Imediatamente após, surgiram as expenencias de Ach. Ach usou meios inteiramente diferentes: a hipnose; queria saber realmente o que fazia orien­tar os pensamentos, o que fazia realmente selecionar entre as inúmeras asso­ciações possíveis de um elemento qualquer que se apresentava na consciência, umas e não outras; porque existia sempre uma direção no pensamento e havia uma resposta peculiar, particular perante cada situação em cada indivíduo. Ach, então, levou as coisas por outro lado: colocava os seus sujeitos em hip­nose e dava-lhes determinada instrução a respeito do que deveriam fazer, uma vez acordados, quando se lhes apresentasse o estímulo. Marbe, Mayer e Orth ingênuamente apresentavam os estímulos aos sujeitos; Ach não. Hipnotiza­va-os previamente e lhes dizia: "quando vocês virem tal palavra, tal objeto, terão que fazer tal coisa". Por exemplo: "eu vou lhes apresentar duas cartas de baralho e a primeira vez que vocês virem essas duas cartas do baralho me dirão sua soma (que era, por exemplo, um 7 de ouro e um 3 de espadas); a pessoa dizia: "10". Mas, depois de colocar outro par de cartas no baralho, você ao invés de dar a soma vai dar a diferença; se eu lhe apresento um "ca­valo" de espadas e um 2 de ouros, dirá "9". Ach, então, acordava o sujeito, mandava-o embora e, à tarde do mesmo dia em que êle havia sido hipnotizado e no decorrer de uma série de outras experiências, surgiam as 2 cartas do baralho; o indivíduo dizia "10" da primeira vez e "9" da segunda. "Por que você diz lO? Vamos fazer a retrospecção, vamos ver o que aconteceu dentro de sua cabeça que lhe fêz dizer 10 ou 9 outra vez". Aí, naturalmente, o indi· víduo ficava surprêso e reagia com uma estupefação: "eu não sei! Eu tive que dizer 10, eu me vi impelido a dizer 10, ou a dizer 9". Quer dizer, umas vêzes êles tinham um sentimento, uma impressão de terem sido compelidos, de te­rem sido obrigados por uma fôrça, que não sabiam qual era, a dar a resposta e, outras vêzes, ao contrário, atribuíam isso à pura casualidade; mas, de qual­quer jeito, a resposta era negativa: "não sei por que fiz isso".

Ach, depois de uma série de experiências, demonstrou que o indivíduo, nessa ocasião, realmente não era autor, mas simples expectador do que acon­tecia no centro do seu pensamento; o indivíduo dava o resultado mas não sabia como havia sido elaborado e nem tinha idéia de ter sido êle o elabora-

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dor. Existe uma tendência determinante que leva a fôrça necessària para dar a associação, ou seja, para estabelecer a conexão entre um dado e outro (entre­a presença do baralho, nesse caso, e a soma das cartas ou o resto) e, além disso, existe um "AUFGABE", ou seja, uma tarefa.

Ach deu um passo à frente porque se as experiências de Orth e de Mayer haviam sido negativas no sentido de não saber o que havia além das associa­ções, Ach formula que,_de um lado, há "Aufgabe", ou seja, o alvo; de outro, há essa tendência detérminante, a fôrça que se dirige ao alvo. Essa tendência determinante (outra contribuição muito importante de Ach) não é puramen­te psicológica, nem puramente mental, mas, é acompanhada de uma disposi­ção fisiológica básica, que corresponde ao conceito do que chamamos atitude, ou seja, "EINSTELLUNG", uma posição ou postura de todo o ser individual perante o problema. Então, como conseqüência dos trabalhos de Ach, surgem três conceitos: I) o conceito de "AUFGABE", tarefa, alvo, objetivo, o pensa­mento é dirigido; 2) o conceito de "INSTELLUNG", atitude perante o alvo. perante a tarefa; 3) o conceito de tendência determinante, que outros auto­res depois chamaram "LEITGEDANKE", ou seja, idéia diretriz. Ach cha­mou·a "tendência determinante".

Em virtude disso, é natural, já não temos apenas os trilhos que eram as associações; temos o ponto de chegada, o ponto final da linha por onde vai o veículo, a fôrça do motor, que é a tendência determinante.

Ach não somente provou isso como, também, que quase tudo podia ser inconsciente, como no caso das cartas. De fato, o indivíduo era hipnotizado, não tinha consciência da tarefa, ignorava a "Aufgabe"; também não tinha a menor consciência de que êle estava com uma atitude prqpícia para dizer a som~ e não a multiplicação, a divisão ou outra qualquer coisa. Entretanto, êle não sentia a fôrça de tendência determinante; tudo era inconsciente, "Um­berwusst".

Külpe foi quem apontou uma demonstração muito bonita, muito poéti­ca, da existência dêsses fenômenos, completamente inconscientes, no pensamen­to criador. í.le descobriu uma carta de Mozart, na qual êste descreve o que lhe acontecia quando se inspirava, quando criava as suas famosas composições musicais. Nesta carta há uma passagem maravilhosa: "Quando eu estou com­pletamente dono de mim, inteiramente só e em boa disposição de ânimo, pas­seando, por exemplo, num bosque, numa floresta, ou caminhando depois de uma boa refeição, ou, às vêzes, no leito, à noite, quando não tenho sono, mi­nhas idéias surgem abundantes e com a maior facilidade. Como e quando elas vêm, não sei; tampouco posso buscá-las, tampouco posso forçá-las; estas idéias me agradam, fixam-se na minha memória e, se continuo nessa disposição de ânimo, é possível que delas faça um bom "prato musical", isto é, que mais tarde as cozinhe, as elabore de acôrdo com as regras do contraponto, com as peculiaridades dos diversos instrumentos." Diz depois: "Tudo isso excita-me a alma e, se eu não fôr perturbado, isso sozinho vai crescendo, vai-se metodi­zando, vai-se definindo, até acabar numa magnífica visão da obra, como um bom quadro, como uma bela estátua de um só olhar."

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Vejam bem como Mozart percebe que tôda essa invenção, tôda essa pro­dução em um prazeroso sonho acordado, que êsse estado semiconsciente é um estado de passividade do eu que está como que sonhando.

Diz outra coisa muito importante ainda: "ouvir tudo isso em conjunto é o melhor prazer e tem sido êste o maior dom que eu devo agradecer ai Deus". "Cada idéia me é dada como se ela sozinha se fizesse e, depois, quando a colo­cava no papel, raras vêzes divergiam da que estava na minha imaginação." Aqui temos outra vez êsse saber que se apresenta "d'emblée", isto é, conjun­tamente. Vejam bem que Mozart tira dêsse "tout ensemble" a peça; êle ouve em conjunto, tem, portanto, a visão sintética ou panorâmica de sua obra antes de ter escrito detalhadamente cada um dos seus compassos.

Isso corresponue, na psicologia de "Gestalt", à configuração geral, global, e demonstra a ação de fôrça que era a tendência determinante confirmando a existência dêsse "Knowing That", dêsse "BEWUSSTEINLAGE", que os in­glêses traduziram pela palavra "awareness". "BEWUSSTEINLAGE", "AWA­RENESS", e "KNOWING THAT" são equivalentes. Em português, talvez o melhor têrmo correspondente seja "intelecção".

Quando se fala de que existem pensamentos inconscientes não se está di­zendo um absurdo pois, de fato, todos os pensamentos são inconscientes ini­cialmente; só se tornam conscientes quando se formulam verbalmente e se apóiam em algum contexto concreto; antes disso, todo o pensamento passa por uma fase de formação, uma fase embrionária, na qual o indivíduo não tem idéia dêle. Existe entre essa fase embrionária inconsciente e a fase de for­mulação consciente uma fase intermediária, na qual surge outro elemento psicológico que foi colocado em destaque, não por Marbe, nem por Ach e, sim, por vValt, que lhe dá o nome de "Bewustheit": a "Bewustheit", ou seja, a noção de que vai acontecer alguma coisa, é uma tarefa que o indivíduo não sabe o que é. Por exemplo, para que os senhores compreendam: quantas vêzes os senhores têm que fazer uma determinada tarefa e, para não esquecer, lan­çam mão dos "auxílios de memória": fazem um nó no lenço ou trocam () anel de dedo. Passa o tempo e os senhores vêem o nó no lenço, vêem o anel no outro dedo, mas não se lembram para que o fizeram. É isso precisamente o que se chama "bewustheit", ou seja, "noção de que se tem que fazer algu­ma coisa". Mas, se apesar dêsses lembretes os senhores não se lembraram do que tinham que fazer, não tem importância; o que interessa é que existe um elemento inconsciente ("Bewustheit") que cria um alestar, um estado de in­quietação contra o qual a consciência não pode fazer nada mais que sofrer. Não é com a fôrça de vontade nesse momento que os senhores conseguem se lembrar. Às vêzes, justamente depois de exaustos, deixando de pensar, excla· mam: "ah! agora me lembro, foi tal coisa".

Walt afirma: "as associações são os trilhos, porém êstes não são os que determinam a marcha do trem e o lugar aonde vai o trem; os trilhos simples­mente limitam as possibilidades do trem, mas em uma rêde ferroviária, com os mesmos trilhos, pode haver trens que caminham depressa, outros que ca­minham devagar, e, sobretudo, há trens que podem ir aos mais diversos luga­res. É isto que dá importância ao alvo que o trem tenha que atingir, ou seja,

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"The Task", a tarefa. A base potencial da sua máquina é a tendência deter­minante, mas temos também o influxo do maquinista, do sistema de agulhas e de outra série de elementos que não têm nada a ver com os trilhos, isto é, com as vias de associação nervosa.

Começou, então, a segunda série de experiências da Escola de Wurzburg, entre as quais devem<?s destacar principalmente as de Walt e as de Messer. Walt aportou definitivamente nessa contribuição experimental e demonstrou que existia a "task", ou seja, a tarefa, e, além disso, a tendência reprodutiva. Conseguiu-o mediante uma série de experiências nas quais êle evidenciou que, quando a tarefa tinha sido esquecida, ou tinha sido interrompida, ainda exis­tia a tendência determinante, ainda existia uma fôrça que levava o indivíduo à sua procura e se consumia em uma série de associações paralelas ou próximas àquelas que levaria ao alvo se o alvo estivesse presente. Acontecia aqui fato se­melhante ao que nos acontece quando perdemos uma coisa e sabemos mais ou menos onde está mas não exatamente onde está. Ficamos farejando, osci­lando ao redor, em um círculo mais ou menos amplo a não conseguimos achar. Isso está demonstrando que existe uma persistência da tendência determinante mesmo na ausência de consciência da tarefa, mesmo na ausência da "AUFGABE".

As experiências de Walt estão muito bem resumidas no livro de Hum­phrey: "Thinking", que figura na bibliografia da aula de hoje. Na realidade, elas são as mais decisivas contribuições da Escola de vVurzburg. De fato, as experiências de Ach, dando-lhes uma categoria mais objetiva e mais experi­mental, mas sem chegarem a definir exatamente qual a origem, qual a natu­reza da tendência determinante e da atitude.

Messer foi o primeiro a manter o que havia dito antes, ou seja, que a "Bewustheit" era o estado do pensamento embrionário; êle surge na nossa consciência da mesma maneira que a criança surge, com o parto, no exterior; mai, a criança ficou nove meses antes de poder fazer isso no ventre de sua mãe.

O pensamento está também em estado potencial, formando·se dentro da cabeça do indivíduo, de maneira que, quando surge nela, pode fazê-lo de im­proviso, bruscamente; entretanto, já há uma pré-história. Messer, então, como conseqüência fundamental dês se trabalho, postulou a necessidade de estudar a dinâmica do pensamento. Os pensamentos não são apenas conteúdos inte· lectuais, não são apenas substâncias mentais; são resultados de processos que surgem, se concretizam e podem, também, desfigurar-se; portanto, é preciso estudá-los no seu curso evolutivo. O pensamento não é fixo a não ser o pensa­mento obsessivo, que é um caso patológico.

Chegamos assim a substituir o estudo que poderíamo~ chamar "fotográfi­co" pelo estudo "cinematográfico" do pensamento.

Aqui começa a entrar em cena K. Bühler, brilhantemente, para afirmar: "não há provàvelmente uma questão científica à qual se tenha dado até hoje respostas mais diversas que a de pensar: pensar é "conceituar", pensar é "ana­lisar", pensar é "julgar", pensar é "perceber" a essência do pensamento e abs-

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tração; a essência do pensamento é relação, a essência do pensamento é ativi­dade, um processo voluntário etc. etc. Mas, se nós queremos agora saber qual é o conteúdo específico do que êle chama "thought experience", ou seja, a experiência do pensamento, não sabemos o que é e quais são as constituin­tes dessas experiências do pensamento. Uns dizem que são constituintes de tipo sensível, de imagens, de restos de imagens ou combinações de imagens; outros preferem associações de palavras; outros tensões. De fato, ainda não sabemos o que é. Mas, não será somando cartas no baralho nem respondendo a pala­vras sôltas que iremos descobrir o seu mistério. Isso são apenas situações intei­ramente artificiais pelas quais se elaboraram produtos, que também não são naturais. Temos então que colocar o indivíduo em situações que não tenham êsse caráter artificial e que lhe obriguem, além disso, ao máximo esfôrço e concentração.

Bühler aqui fazia a mesma objeção que eu fiz, há anos, às pesquisas que se estavam fazendo sôbre as correlações vasculares do pensamento. Na minha tese doutoral sôbre as correlações cardiovasculares - publicada há mais de 30 anos - figurava o seguinte: "Todos os pesquisadores que têm querido bus­car correlações vasculares do pensamento a partir de Lombroso, com o seu pletismógrafo, têm cometido o êrro de dar ao indivíduo tarefas muito sim­ples: pense numa catedral, pense em Napoleão, pense na sua mãe, pense numa coisa concreta; mas, não lhe deram uma tarefa que o obrigasse a pensar in­tensa e completamente." De fato, Bühler, ao invés de usar essas experiências tão simples, ao invés de utilizar-se dêsses estímulos tão elementares, apresen­tou uma série de problemas seríssimos ante os seus sujeitos de experimenta­ção. Por exemplo, êle perguntava assim: "o monismo representa a negação da personalidade? (is monisme really negation of the personality?)".

Naturalmente, depois de um certo tempo se diz que é um absurdo, que o monismo nada tem a ver com a personalidade. Mas, antes de dizer isso, o sujeito teve que fazer uma porção de coisas, e aí então a retrospecção de Kulpe pode ser muito mais rica que quando se dava apenas a palavra certa. Depois, êle vai apresentando frases: "as côres mais brilhantes com as quais brilha a virtude são invenções daqueles que carecem dela"; e pergunta aos sujeitos: "o que isso significa?" Isso é uma "task", isto é uma tarefa, isto sim dá ele­mentos de juízo. Então, como exemplo para ver a retrospecção do indivíduo diante dessa pergunta, um dêles diz: "De início eu fiquei estonteado porque não chegava a compreender o que significava a frase; tive que repeti-la várias vêzes, tive a impressão que não tinha sentido, depois fui interrompido por ocasionais reverberações das palavras, algumas delas destacavam-se sôbre as outras: "côres", "virtudes", falta" etc.; afinal, subitamente, com uma sensa­ção de relaxação, eu compreendi o que queria dizer isso: que aquêles que carecem de alguma coisa são os que a imaginam melhor, isto é a imaginação vai além da realidade e então compreendi o sentido da frase. Mas, quando eu tive essa compreensão, de que aquêles que carecem de alguma coisa são os que imaginam melhor, pensei também no problema que eu tenho em casa: minha mulher está querendo, de qualquer maneira, que nos mudemos para outra cidade em que ela esteve quando muito pequena e que a imagina mui­to melhor do que ela é agora. Bem, isso me deu uma base para eu depois apre-

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sentar o fato como exemplo, quando voltei para casa, e discutir com ela, de nôvo, o assunto."

Os senhores vêm aí uma riqueza enorme de ideações que não poderiam ter sido de maneira nenhuma estudadas se, em vez disso, se tivesse dado a pa­lavra virtude, por exemplo. Qual seria a resposta? "Santidade", ou "pensei numa virgem". É preciso, então, diz Bühler, dar elementos muito mais ricos para estudar o que acontece quando a pessoa pensa. Por isso, Bühler descreve então uma série de novos elementos, entre os quais principalmente o que êle chama a compreensão do significado, ou seja, o "meaning", a essência de qual­quer série de associações, de qualquer série de dados, que podem ter aparen­temente conexão gramatical, um significado e que, entretanto, tem outro ou vários outros.

Uma mesma temática e textura associativa podem ter os significados os mais diversos e, entretanto, diz Bühler, se nós estamos misturando na nossa experimentação o que são dados meramente associativos nós estaremos sem­pre confundindo-os e não conseguiremos adiantar o curso das nossas expe­riências.

Bühler deu o nome do acontecimento do "aah!" ao fato do descobrimento do significado. Diz êle: "o que acontece quando descobrimos o significado? Dizemos "aah!" É muito pobre ter que definir o descobrimento do significa­do dizendo aah!, mas, infelizmente, nesse momento eu não podia dizer maü nada". "Na realidade, quando descobrimos um significado, diz Bühler, senti­mos impressão de relaxação, satisfação igual a que se estivéssemos com fome e nos tivessem dado alimento, se estivéssemos com sono e nos tivessem dado leito, se estivéssemos com coceira e nos deixassem coçar; há uma distensão, uma relaxação geral, que está demonstrando que antes estávamos tensos, que tínha­mos uma postura dinâmica, uma tensão muscular." Bühler se dá conta, pela primeira vez, do que se chama hoje o "síndrome da contenção". O pensamen­to não é apenas um fenômeno intelectual; é fenômeno que causa a fadiga. Eu posso garantir aos senhores que, quando eu sair desta aula, daqui a poucos minutos, embora eu não tivesse me mexido na cadeira, vou estar muito mais fatigado que se estivesse tirando terra durante uma hora no meu sítio. Fisio­logicamente falando, meus movimentos musculares foram muito escassos; en­tão, por que me cansei? por que aumentou meu pulso? por que aumentou mi­nha respiração? por que aumentou minha pressão arterial? Se o pensamento fôsse um fenômeno puramente inteletivo, à mercê do que a memória produz, minha fadiga seria pràticamente nula; mas, é que nós não pensamos apenas com o cérebro; nós pensamos também com o corpo; somos nós que pensamos -corpo e mente. A totalidade do indivíduo é que pensa e para fazê-lo precisa agir imperceptivelmente. Von Bulow escreveu: "In der aufang war vicht das wort scridem der Tat." No início não era a palavra - era o fato. Tanhamos em conta que a palavra verbo indica "ação" ao mesmo tempo que "palavra". Assim, não é uma afirmação tão revolucionária como parece à primeira vista.

Em resumo, tôda a contribuição da escola de Wurzburg, que se estendeu durante a primeira década do nosso século, levou a compreender três fatos essenciais:

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1.0 - O pensamento não pode ser explicado pela doutrina associacionista na forma clássica. Tudo o que diz Aristóteles é verdade mas não é suficiente, quer dizer, as leis das associações são básicas, as asso­ciações existem, mas isso não explicaria outra coisa mais do que o pensamento desorganizado, mecânico, fatal, que surge justamente

nos estados anormais mentais, mas não o pensamento dirigido, orien­tado, não o pensamento nas suas manifestações mais elevadas.

2.° - Uma enorme quantidade de processos do pensamento são inconscien­tes, não se acusam na consciência do indivíduo; a consciência do indivíduo recebe o pensamento como a sociedade recebe uma criança já feita, mas enquanto está se fazendo a criança, nem a socie­dade, nem a mãe tem noção de como ela é.

3.° - Para que os pensamentos se elaborem é necessário que exista uma fôrça motriz, motriz no sentido mais concreto da palavra, ou seja, uma energia que não provenha da memória, uma energia que surja pela carência, pela inquietação do indivíduo como ser, como ente, perante um problema, perante uma tarefa. Inclusive, quando esta­mos sem fazer nada, divagando, apenas sonhando, apenas deixando livre o pensamento; aí está justamente a justificativa de tôdas as doutrinas psicanalíticas.

Que é que alimenta êsses pensamentos aparentemente inconexos, sem sen­tido, absurdos, senão a fôrça das nossas tendências ainda não satisfeitas, daquilo que não foi inteiramente realizado e, portanto, vai ainda manifestar-se, em forma de orientação mais ou menos fluída dos nossos pensamentos livres, dos nossos sonhos acordados? É nesses pensamentos aparentemente livres que o ana­lista pega os sinais indicadores das tendências reprimidas. Vemos, portanto, que, apesar dea Escola de Wurzburg não formular a teoria chamada de peri­férica do pensamento, criou as condições favoráveis para que essa teoria se manifestasse e, mesmo assim, originou uma crítica bárbara por parte dos asso­ciacionistas. A resposta dos associacionistas - a de Wundt principalmente - não se fêz esperar. Em 1920 já Wundt criticou tôdas as experiências da Escola de Wurzburg e as criticou com uma ironia formidável; dizia êle: "fazer a retros­pecção de uma experiência psíquica, mesmo que seja um quinto de segundo após, faz-me o mesmo efeito de eu querer ver a escuridão de uma habitação acendendo a luz". "O que eu faria no dia em que fôsse estudar a escuridão: como não vejo nada na escuridão, vou entrar muito devagarinho numa habi­tação de luz elétrica e "clic" a ver se vejo a escuridão!" Quando o indivíduo vai retrospeccionar, já passou a experiência, já tomou outra atitude. Se o in­divíduo, enquanto está fazendo a experiência, está pensando: "cuidado que eu devo gravar a coisa que eu vou retrospeccionar", a experiência está sendo artificial e, pelo contrário, se não pensou nada e vai retrospeccionar após, o que se acha? Um cadáver mental.

Essas foram as objeções fundamentais; outras foram feitas pelos mesmos psicólogos. Tôdas as experiências da Escola de Wurzburg foram feitas com meia dúzia de pessoas, muito cultas, evidentemente, muito inteligentes, mas não pode haver um "halo", uma auto-sugestão, não pode haver uma deforma-

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ção dessas experiências em virtude de serem êles sempre os mesmos indivíduos? O que teria acontecido se tivessem sido outros?

E assim segue a crítica à escola de Wurzburg.

Quanto a Titcher, destacou o seu discípulo mais brilhante, Clarke, para fazer uma série de pesquisas a respeito dêsses casos, nos quais havia o que se chamava a "bewussteinlagen", ou seja, a "noção de alguma coisa" que não se sabia o que era, o pensamento "sem imagens", no qual o indivíduo não podia dizer o que era que lhe tinha feito julgar tal ou qual coisa; êsses mate­riais seriam "extra-associativos".

Clarke, utilizando outros indivíduos da Universidade de Crownwell, e indo além de uma análise puramente verbal e subjetiva, como tinham feito os sujeitos da Escola de Wurzburg, chegou a concretizar que muitos dêsses casos em que o indivíduo acredita que não tem imagem nenhuma e, entretanto, tem certeza de uma afirmação ou de uma negação, são devidos à falta de capacidade de auto-análise, pois o indivíduo descuida·se justamente dos elementos kiné­ticos, ou elementos extra·intelectivos, principalmente afetivos. Diz Clarke; "nunca falta no indivíduo o que se chama "ERLEBNIS", ou seja, a "vivência", a experimentação de uma diferença existente entre a ausência e a presença do pensamento. Quer dizer, o pensamento não somente se acusa com um con­teúdo, com uma espécie de conteúdo subjetivo, mas também com uma diferença

, de estado, e essa diferença de estado, ainda que o indivíduo não a perceba, , nem possa descrevê-la, nós podemos referi-la a êsse fato de acompanhamento

da "ressonância afetiva" de Clarke, que poder ser analisada.

Em suma, não nos interessa entrar nas críticas porque hoje em dia a Escola {de Wurzburg está superada. Tudo isso parou em 1909, quando Külpe foi , chamado à sua cátedra de Bonn e começou a explicar a "Teoria das Técnicas". ,Isso demonstrou naturalmente que Külpe era o "primum mobile" de tôda a Escola de Wurzburg. Porém, essa Escola situa-se no decorrer do processo evolu­tivo das teorias do pensamento como sendo justamente a que permitiu o pri­meiro impacto sôbre a doutrina associacionista. Os outros impactos vieram de outras quatro Escolas:

a) Escola Psicanalítica;

b) Escola da Gestalt, de W'ertheimer, que tem sido evidentemente a que mais tem contribuído.

c), Escola Neuroreflexológica, e, finalmente, agora:

d) Escola Cibernetista liderada por Piaget. Nós veremos isso nas próximas aulas.