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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação TESE O Conceito Filosófico de Natureza como Fundamento da Educação Ambiental: uma contribuição para a melhoria da Saúde Pública Denise Gamio Dias Pelotas, abril/2011

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  • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

    Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

    TESE

    O Conceito Filosófico de Natureza como Fundamento da Educação Ambiental: uma

    contribuição para a melhoria da Saúde Pública

    Denise Gamio Dias

    Pelotas, abril/2011

  • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

    Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

    TESE

    O Conceito Filosófico de Natureza como Fundamento da Educação ambiental: uma

    contribuição para a melhoria da Saúde Pública

    Denise Gamio Dias

    Pelotas, abril/2011.

    http://www.ufpel.tche.br/

  • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

    Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

    TESE

    O Conceito Filosófico de Natureza como Fundamento da Educação ambiental: uma

    contribuição para a melhoria da Saúde Pública

    Denise Gamio Dias

    Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Educação, na Linha de Pesquisa Filosofia e História da Educação, pela Universidade Federal de Pelotas. Orientador: Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira Coorientador: Prof. Dr. Hans-Georg Flickinger

    Pelotas, abril/2011.

    http://www.ufpel.tche.br/

  • BANCA EXAMINADORA _______________________________________________ Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira (Presidente / Orientador) ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Hans-Georg Flickinger (Universität Kassel, Alemanha / Coorientador) ______________________________ Prof. Dr. Rosalvo Shütz (UNIOESTE) _________________________________ Profa. Dra. Neiva Afonso Oliveira (UFPel) _____________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Cullen (Universidad de Buenos Aires, Argentina)

  • Dados Internacionais de Catalogação na Publicação:

    Bibliotecária Daiane Schramm – CRB-10/1881

    D541c Dias, Denise Gamio O Conceito filosófico de natureza como fundamento

    da Educação Ambiental: uma contribuição para a melhoria da saúde pública / Denise Gamio Dias ; Orientador : Avelino da Rosa Oliveira. – Pelotas, 2011.

    122f.

    Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas.

    1. Natureza. 2. Sensibilidade. 3. Educação Ambiental. 4. Saúde. I. Oliveira, Avelino da Rosa, orient. II. Título.

    CDD 370

  • Já há algum tempo percebi que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e que aquilo que depois fundamentei em princípios tão mal assegurados, só poderia ser muito duvidoso e incerto: de modo que me era necessário empreender seriamente, uma vez por todas, a tarefa de me desfazer de todas as opiniões que até então recebera em minha crença, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências (...) Agora que meu espírito está livre de todo cuidado, e que consegui um repouso seguro em solidão agradável, esforçar-me-ei seriamente e com liberdade em destruir de modo geral todas as minhas antigas opiniões. (Descartes)

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus pai, presente em todos os instantes de minha vida; aos meus pais,

    amigos e estimuladores de todas as jornadas; a minha família, que de mãos dadas

    ao meu lado me ajudam a prosseguir; ao meu orientador Prof. Avelino da Rosa

    Oliveira, que teve a sábia paciência para me ajudar mesmo nos momentos de

    dúvida, muitas vezes abdicou de seus momentos de descanso para me orientar, a ti

    Avelino muito obrigada; aos professores Gomercindo Ghiggi e Elomar Tambara pela

    leitura, revisão e sugestão do trabalho; à Profa. Neiva Afonso Olivieira, pelas

    discussões aprofundadas nas disciplinas que me ajudaram a melhor refletir; ao Prof.

    Coorientador Hans-Georg Flickinger, pela atenção, orientação, sabedoria e estímulo;

    aos professores da Linha de Pesquisa Filosofia e História da Educação, pela

    construção e amadurecimento acadêmico; ao professor Carlos Cullen, pela acolhida

    no doutorado sanduiche na Universidad de Buenos Aires; à profa. Conceição

    Martins, pela atenção e carinho na Missão de Estudos no Instituto Politécnico de

    Bragança – Portugal; ao professor Rosalvo Schutz pelo embasamento teórico e

    incentivo nos primeiros passos da construção deste trabalho; aos colegas Dirlei

    Pereira e Claudia Battestin, pelos estudos, discussões e crescimento acadêmico. A

    todos que direta ou indiretamente ajudaram na construção deste trabalho.

    Obrigrada.

  • RESUMO

    A presente Tese de Doutoramento surgiu a partir de uma trajetória de trabalho em Saúde Pública na comunidade Cohab Tablada, em Pelotas-RS. Mostrou-se, a seguir, a necessidade de estudo e aprofundamento na área da Educação Ambiental – campo repleto de lacunas científicas e interpretações equivocadas - através da filosofia, a fim de embasar a Educação Ambiental enquanto campo do conhecimento, permitindo seu avanço e, por conseguinte, a melhoria da Saúde Pública nas comunidades através do vislumbramento do componente ambiental da saúde, manifestado, por excelência, através da prevenção em saúde. A metodologia de escolha foi pesquisa teórico-filosófica, a fim de embasar teoricamente o campo da educação ambiental que apresenta um reducionismo expressivo em suas ações em consonância com a concepção de natureza da modernidade. O trabalho direciona-se para o emergir de atitudes de sensibilização frente à natureza, a fim de que possa aflorar a natureza interior sempre presente no ser humano. Este despertar de sensibilidade aproxima os dois campos do conhecimento – saúde e educação ambiental, sendo a ponte por excelência – sensibilidade - que resgatará elementos perdidos/recalcados/esquecidos com a cisão homem/natureza ocorrido, mais expressivamente, na modernidade. Este trabalho pretende contribuir/susidiar com ações/vivências que garantam o componente ambiental da saúde nas comunidades, executando ações de educação ambiental que contribuam na prevenção e redução de riscos de doenças e de outros agravos, estabelecendo as condições que assegurem a universalidade das ações e dos serviços de saúde ambiental relacionados à Saúde Pública.

    PALAVRAS-CHAVES: Natureza, Sensibilidade, Educação Ambiental, Saúde.

  • ABSTRAT

    This thesis arose from a work experience in public health in the community Cohab Tablada, in Pelotas-RS. It has been proved, then, the need for further study and in the area of Environmental Education - a field full of scientific gaps and misconceptions - through philosophy, to provide a foundation for environmental education as a field of knowledge, and its advance, and therefore, the improvement of public health in communities across the glimpse of the environmental component of health, expressed par excellence in health prevention. The methodology used was theoretical and philosophical research, in order to explain theoretically that the field of environmental education has a significant reductionism in its actions in line with the conception of the nature of modernity. The work is directed to the emergence of attitudes of awareness towards nature, so that might reveal the inner nature always present in humans. This awakening of sensibility approaching the two fields of knowledge - health and environmental education, being a bridge par excellence - sensibility - which will recover lost / repressed / forgotten items about the split man / nature occurred, most dramatically, in modern times. This work aims at giving a bestowmwnt to actions / experiences that ensure the environmental component of health in communities, developing environmental education activities that contribute to the prevention and mitigation of diseases and other health problems, establishing conditions to ensure the universalness of the actions and of environmental health services related to Public Health.

    Key-Words: Nature, sensibility, environment education, health.

  • LISTA DE FIGURAS

    Fig. 1 - Início do trabalho com as famílias dos presidiários, década de 1960. ..........31

    Fig. 2 - Distribuição de sopa para as famílias............................................................31

    Fig. 3 - Preparo da sopa pelos pioneiros que iniciaram o trabalho no bairro. ...........32

    Fig. 4 - Primeira instalação da Escola Lar de Jesus..................................................33

    Fig. 5 - Segunda instalação da Escola Lar de Jesus.................................................33

    Fig. 6 - Preparo da terra na horta da escola..............................................................34

    Fig. 7 - Alunos em sala de aula. ................................................................................34

    Fig. 8 - Alunos no refeitório da escola. ....................................................................355

    Fig. 9 - Mutirão para construção do prédio atual. ......................................................35

    Fig. 10 - Prédio atual. ................................................................................................36

    Fig. 11 - Alunos trabalhando na horta da escola. ......................................................36

    Fig. 12 - Horta da escola. ..........................................................................................37

    Fig. 13 - Transporte que levava os mantimentos vendidos no centro da cidade.......37

    Fig. 14 - Criação de porcos. ......................................................................................38

    Fig. 15 - Trabalho na horta. .......................................................................................39

    Fig. 16 - Destruição do telhado por vendaval. ...........................................................39

    Fig. 17 - Descontração dos alunos no recreio. ..........................................................40

    Fig. 18 - Representação esquemática da Cohab Tablada e indicação dos locais de

    fonte de contaminação e residências positivas e negativas para

    enteroparasitos.........................................................................................................126

  • SUMÁRIO

    Introdução............... .................................................................................................12

    Capítulo 1  Aproximação das Temáticas Saúde e Educação Ambiental Aliadas à Experiência na Comunidade .........................................................15

    Capítulo 2  Re-aproximação Histórica dos Espaço/Tempo Vividos: entrevistas com moradores, compreendendo a relação indivíduo-saúde-meio ambiente .....................................................................................25

    Capítulo 3  Situando a Educação Ambiental no Brasil e no Mundo .................46

    Capítulo 4  Conceito de Natureza ao Longo da História da Filosofia - Direcionando Horizontes..............................................................62

    4.1  Concepções de natureza em diferentes momentos históricos .....................68

    4.1.1  Filosofia Antiga ................................................................................70

    4.1.2  Filosofia Medieval ............................................................................75

    4.1.3  Filosofia Renascentista ....................................................................76

    4.1.4  Filosofia Moderna ............................................................................78

    4.1.5  Da antiguidade à modernidade: refletindo esta trajetória.................89

    4.1.6  Direcionando horizontes ..................................................................99

    Conclusão... ...........................................................................................................111

    Referências .......................................................................................................11616

  • 12

    INTRODUÇÃO

    A saúde compreende, entre outros aspectos, o ambiente, que nos remete ao

    conceito de saúde ambiental, entendido como um processo de transformação da

    norma legal e do aparelho institucional em um contexto de democratização; esta

    concepção foi trabalhada e pensada a partir da Reforma Sanitária, ampliando o

    conceito de saúde que anteriormente limitava-se à ausência de doença. Esta nova

    abordagem se dá em prol da promoção e da proteção à saúde dos cidadãos, cuja

    expressão material concretiza-se na busca do direito universal à saúde e de um

    ambiente ecologicamente equilibrado em consonância com os princípios e as

    diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), do Sistema Nacional de Meio Ambiente

    (Sisnama), do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh)

    e de outros afins. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007)

    A problemática ambiental hodierna nunca esteve tão em pauta nas

    discussões acadêmicas e na própria sociedade, por colocar em xeque, inclusive, a

    sobrevivência da humanidade. Guimarães, 1995 e Reigota 1995, enfatizam que a

    educação ambiental brasileira ainda transita sem objetivos e métodos de ação e

    avaliação claramente definidos por muitos de seus praticantes. Assim, a falta de

    arcabouço teórico-metodológico na educação ambiental leva a atividades

    desarticuladas pedagogicamente e ineficazes ou insuficientes para a transformação

    dos educandos via aquisição de novos hábitos, posturas e condutas frente ao caos

    ambiental que vivemos (PEDRINI, 2002, p 92).

    Além disso, a pluralidade de concepções da educação ambiental que

    começa a despontar, sobretudo a partir de 2000 e que nesse momento ainda recebe

    variadas adjetivações, revela que no momento histórico da instituição da Política

    Nacional de Educação Ambiental (PNEA), havia uma clara indefinição de como se

    desenharia um campo político-ideológico consolidando os diversos modelos

    possíveis desse fazer educativo. Assim, da mesma forma que não estavam dadas as

  • 13

    condições sociais nem acadêmicas, também não estavam dadas as condições

    políticas para a institucionalização da PNEA no país (LAYRARGUES, 2003, p54).

    Estas, talvez, sejam algumas das razões para a(o) não efetivação/vislumbramento

    do componente ambiental da saúde nas comunidades, uma vez que o campo da

    educação ambiental encontra-se ainda em construção/amadurecimento/formação.

    Quando pensamos em saúde remetemo-nos à lei do Sistema Único de

    Saúde (SUS); e, quando direcionamos nosso pensar à saúde ambiental, a ideia é

    agir em favor de um ambiente saudável que promova a saúde e previna contra a

    doença. A promoção da saúde é entendida como o processo de capacitação da

    comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma

    maior participação no controle desse processo (Carta de Ottawa, 1986). O cuidado

    com a saúde incorpora as dimensões sociais, econômicas, políticas, ambientais e

    culturais (Silva et aal, 2003, p 4), e nesta perspectiva as medidas de prevenção se

    constituem como espaço de excelência da educação ambiental.

    Nesse nebuloso enquadramento teórico, repleto de lacunas científicas e

    interpretações equivocadas, componho minha tese: a falta de fundamentação teórica

    do campo da educação ambiental impede a efetivação do componente ambiental da

    saúde na comunidade. Proponho, como possibilidade de enfrentamento desta

    problemática, um estudo filosófico do conceito de natureza, a fim de fundamentar a

    educação ambiental, possibilitando o resgate de aspectos que foram

    esquecidos/recalcados/negligenciados ao longo da história da filosofia; dessa forma,

    permitiremos o avanço da educação ambiental enquanto campo do conhecimento e

    impulsionaremos a melhoria da Saúde Pública nas comunidades através do

    vislumbramento de medidas de prevenção de doenças – espaço, por excelência,

    exercido pela educação ambiental. Para tanto, dividimos o trabalho em cinco

    capítulos.

    O primeiro capítulo aproxima as temáticas “saúde e educação ambiental”,

    mostrando o embricamento e a inseparabilidade dos dois campos do conhecimento.

    Além disso, traz a vivência da autora na comunidade Cohab Tablada através do

    trabalho de investigação realizado no Mestrado em Parasitologia – trabalho este que

    impulsionou a defesa desta tese.

  • 14

    O segundo capítulo aborda meu retorno à Cohab Tablada para realização

    de entrevistas com moradores que fizeram parte da construção do bairro, a fim de

    melhor compreender a relação/concepção de indivíduo- saúde-ambiente deste local,

    sendo, a comunidade, também autora neste processo de pesquisa, auxiliando

    na(o) direcionamento/encaminhamento/definição do método dessa investigação. Dar

    voz aos moradores do bairro Cohab Tablada permitiu-me ir além dos dados visíveis

    e objetificáveis através de análise quantitativa de pesquisa e acessar o inconsciente,

    conforme a Teoria Psicanalítica de Freud, aspecto complementar e indispensável

    para a compreensão dos fenômenos detectados e, principalmente, para a definição

    do novo direcionamento metodológico a seguir.

    O terceiro capítulo situa a temática da Educação Ambiental no Brasil e no

    mundo, mostrando as concepções/correntes existentes, bem como as incoerências,

    contradições e fragilidades deste campo do conhecimento. Esta fragilidade repercute

    direta e negativamente na saúde pública, uma vez que não conseguimos vislumbrar

    o componente ambiental da saúde que é manifestado, principalmente, através da

    prevenção e/ou diminuição de agravos de doenças.

    O quarto capítulo traz o conceito de natureza ao longo da história da

    filosofia, direcionando horizontes para o enfrentamento da problemática da

    educação ambiental que se encontra em um impasse teórico/conceitual, a fim de

    contribuir, positivamente, com a saúde pública. A ênfase neste capítulo é dada aos

    aspectos da natureza contemplados ao longo da tradição filosófica da natureza, mas

    que foram deixados de lado/negligenciados pela concepção moderna de natureza.

    Por fim, a conclusão faz o fechamento das temáticas discutidas ao longo do

    trabalho e ratifica a tese de que a falta de fundamentação teórica da Educação

    Ambiental não permite o vislumbramento do componente ambiental da saúde na

    comunidade.

  • 15

    Capítulo 1 Aproximação das Temáticas Saúde e Educação Ambiental Aliadas à Experiência na Comunidade

    A Saúde Pública é a ciência e a arte de promover a saúde, prevenir doenças

    e prolongar a vida do indivíduo na sociedade. A Saúde Ambiental, por sua vez, é a

    parte da Saúde Pública que engloba o diagnóstico, a análise e a atenuação ou

    resolução dos efeitos que o ambiente exerce sobre o bem-estar físico e mental do

    homem, como parte integrante de uma comunidade. (SILVA, 2003)

    A saúde deixou de ser considerada apenas “ausência de doença” e passou

    a incorporar em seu conceito, entre outros aspectos, o ecossistêmico para a

    avaliação e a criação de ambientes saudáveis. A partir de então, iniciou-se a

    formação, entre os profissionais de saúde, de uma nova mentalidade, integrando

    uma abordagem mais holística através da consciência ecológica,

    apontando/direcionando para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde da

    população. (RELATORIO LALONDE, 1974)

    Nesta mesma ótica de ampliação do conceito de saúde, as Conferências

    Internacionais de Promoção da Saúde realizadas em 1986, 1988 e 1991,

    respectivamente, em Ottawa, Adelaide e Sundsvall, representaram um significativo

    avanço na consolidação das novas propostas, perspectivas, necessidades e

    reivindicações que passaram a fazer parte da saúde. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

    2009)

    Já no Brasil, o marco de mudanças paradigmáticas das práticas em saúde

    foi, indiscutivelmente, o movimento pela Reforma Sanitária. A VIII Conferência

    Nacional de Saúde, que ocorreu em 1986, subsidiou a Constituição de 1988, que

    impulsionou as alterações da estrutura jurídico-institucional e ampliou o conceito de

    saúde vigente, passando a ser considerado, entre outros aspectos, resultante das

    condições de vida e do meio ambiente das populações. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

    2009)

  • 16

    Em 1983, foi criada a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e

    Desenvolvimento (CMMAD) com o propósito de rever o conceito de saúde de forma

    ampliada e de criar diretrizes com vistas a aplicar o novo conceito numa Agenda

    Global com ações definidas. Em 1987, esta Comissão apresentou o relatório Nosso

    Futuro Comum o qual se constituiu como base para a organização da Conferência

    das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada

    no Rio de Janeiro em 1992 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).

    Esta Conferência impulsionou o comprometimento dos países com uma

    série de acordos firmados entre representações governamentais e não-

    governamentais, dos quais se pode citar: a Convenção Quadro das Nações Unidas

    sobre Mudanças Climáticas, a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade

    Biológica, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda

    21, entre outros. Nesta mesma oportunidade, outros acordos e convenções

    internacionais foram iniciados como a Convenção das Nações Unidas de Combate à

    Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)

    Percebemos que na Agenda 21, além do capítulo 6 que trata da Proteção e

    Promoção das Condições da Saúde Humana, inúmeros outros capítulos abordam a

    conexão existente entre saúde, meio ambiente e desenvolvimento. Esta Agenda,

    considerada como instrumento orientador, propõe ações também para o setor

    Saúde, em conjunto com outras medidas destinadas a promover o desenvolvimento

    sustentável, a fim de garantir qualidade de vida e preservação dos ecossistemas às

    gerações presentes e futuras. Esta inter-relação saúde-ambiente também pautou a

    reunião dos Chefes de Estado do Continente Ibero-Americano, em 1993, e a Cúpula

    das Américas, FGBVEM 1994, realizadas em Salvador e em Miami,

    respectivamente. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)

    No Brasil, o movimento para a elaboração da Política Nacional de Saúde

    Ambiental (PNSA) começou em 1994 com o processo preparatório para a

    Conferência Pan-Americana sobre Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Humano

    Sustentável (Copasad). Neste ínterim, foi criada uma Comissão Intraministerial para

    subsidiar o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) na elaboração do primeiro

    documento oficial inter-relacionando às áreas de saúde e ambiente: o Plano Nacio-

    nal de Saúde e Ambiente. Este processo contou com ampla participação de

  • 17

    especialistas, gestores e representantes de usuários1, culminando com a produção

    de dois textos pelo Ministério da Saúde, em 1995 e 1999, que são considerados os

    principais referenciais para a elaboração da presente proposta. (MINISTÉRIO DA

    SAÚDE, 2009)

    Em Washington, no ano de 1995, os Ministros da Saúde e do Meio Ambiente

    do Brasil inseriram-se à Carta Pan-Americana sobre Saúde e Ambiente para o

    Desenvolvimento Humano Sustentável. Este documento definiu os princípios

    políticos e estratégicos comuns a serem adotados pelos países das Américas. A

    continuidade deste processo ocorreu em 2002 em Ottawa, Canadá e em 2005 na

    Cidade de Mar Del Plata, Argentina. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)

    Na Cúpula Extraordinária das Américas em Monterrey, realizada no México

    em 2004, foi divulgada a Declaração de Novo Leon, que cita, conforme Brasil, 2009:

    “Cremos que assegurar a saúde ambiental das nossas populações constitui

    um investimento para o bem-estar e a prosperidade de longo prazo.

    Sentimo-nos estimulados pela nova parceria entre os Ministros da Saúde e

    do Meio Ambiente das Américas e recomendamos que elaborem uma

    agenda de cooperação para prevenir e minimizar os impactos negativos no

    meio ambiente e na saúde humana” (DECLARAÇÃO DE NOVA LEON,

    2004).

    A Constituição Federal de 1988 é considerada a referência normativa no que

    se refere à Saúde Ambiental no Brasil, conforme os seguintes artigos, citados por

    Brasil, 2009:

    Art. 23, incisos II, VI, VII e IX, estabelece a competência comum da União,

    dos estados, do Distrito Federal e dos municípios de cuidar da saúde,

    proteger o meio ambiente, promover programas de construção de moradias

    e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, além de

    1 Termo comumente utilizado, no campo da saúde, para o indivíduo que faz uso do Sistema Único de Saúde (SUS).

  • 18

    combater a poluição em qualquer de suas formas e preservar as florestas, a

    fauna e a flora;

    Art. 196, define a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantido

    mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

    doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

    serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;

    Art. 200, incisos II e VIII, fixa, como atribuições do Sistema Único de Saúde

    (SUS), entre outras, a execução de “ações de vigilância sanitária e

    epidemiológica, as de saúde do trabalhador” e “de proteção do meio

    ambiente”;

    Art. 225, assegura que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

    equilibrado, necessário à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

    Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

    presentes e futuras gerações.

    A Lei nº 8.080/90, que institui o Sistema Único de Saúde (SUS), destaca

    como fatores determinantes e condicionantes da saúde, entre outros, “a moradia, o

    saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte,

    o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”. Além disso, salienta que “os

    níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do

    País” (BRASIL, 1990, Art. 3.º). Aborda, também, ações que se destinam a garantir

    às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social

    (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009, Art. 3.º, parágrafo único).

    O campo de atuação do SUS definido no Art. 6º inclui ações relativas à

    vigilância epidemiológica; a vigilância sanitária; a participação na formulação da

    política e na execução de ações de saneamento básico; a colaboração na proteção

    do meio ambiente, nele compreendido o trabalho; o controle e a fiscalização de

    serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; a participação no

    controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de

    substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos, entre outros. (MINISTÉRIO

    DA SAÚDE, 2009)

    Conforme Ministério da Saúde, 2009, este ministério, em 1997, formulou o

    projeto VigiSUS com o objetivo de estruturar o Sistema Nacional de Vigilância em

  • 19

    Saúde Ambiental de acordo com as normas e diretrizes do SUS, estipulando o papel

    da Vigilância em Saúde Ambiental no que se refere a fatores que possam acarretar

    riscos à saúde humana. A estruturação desta Vigilância começa a institucionalizar-se

    a partir do Decreto n.º 3.450, de 9 de maio de 2000, que assegura a sua implantação

    em todo o território nacional.

    Brasil, 2003, Art. 27, XX, c, dispõe a Lei n.º 10.683/03 sobre a organização

    da Presidência da República e dos Ministérios, atribuindo como uma das

    competências do Ministério da Saúde a “saúde ambiental e ações de promoção,

    proteção e recuperação da saúde individual e coletiva, inclusive a dos trabalhadores

    e índios”. (BRASIL, 2009)

    Em 7 de março de 2005, a Instrução Normativa SVS/MS n.º 1 instaurou o

    Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental (Sinvsa) e estabeleceu os

    níveis de competência das três esferas de governo na área de vigilância em saúde

    ambiental, o que vem sendo estruturado de forma gradativa no País. Tal

    normatização define o ambiente de trabalho como objeto de vigilância, de forma

    complementar à Instrução Normativa de Vigilância à Saúde do Trabalhador,

    aprovada pela Portaria n.º 3.120, de 1.º de julho de 1998, que tem como objetivo

    instrumentalizar os setores responsáveis pela vigilância, nas secretarias estaduais e

    municipais, de forma a incorporarem, em suas práticas, mecanismos de análise e

    intervenções sobre os processos e os ambientes de trabalho. (MINISTÉRIO DA

    SAÚDE, 2009)

    A Portaria n.º 777, de 28 de abril de 2004, também atua na vigilância

    ambiental, apontando os agravos relacionados à saúde do trabalhador como de

    notificação compulsória em rede sentinela de serviços de saúde. (MINISTÉRIO DA

    SAÚDE, 2009)

    Podemos ressaltar, também, a Lei n.º 8.142/90, que trata das políticas

    nacionais de saneamento, educação ambiental, recursos hídricos, resíduos sólidos,

    entre outros que se inserem à discussão da saúde ambiental. (MINISTÉRIO DA

    SAÚDE, 2009)

    A educação ambiental reproduz a relação meramente objetificadora e

    instrumental do homem com a natureza. Com isso, a educação ambiental não

    apenas reproduz o reducionismo desta racionalidade utilitarista, mas impede que a

  • 20

    educação ambiental assuma um papel importante na saúde pública. A educação

    ambiental deve ser considerada meio por excelência/parte integrante da política de

    saúde pública. A fundamentação da educação ambiental como elemento constitutivo

    da política de saúde pública encontra-se no próprio conceito moderno de saúde que

    vislumbra a inter/transdisciplinaridade para abarcar diferentes aspectos que

    contemplam a saúde na sua integralidade, já que nem a prevenção nem o controle

    social - participação do usuário – como diretrizes podem ser implementados sem

    uma educação ambiental capaz de corrigir nosso olhar reducionista para com a

    natureza externa e também interna.

    Conforme Brasil, 2009, as competências abordadas aqui têm que se abrir às

    possibilidades vindouras, firmar acordos e reavaliar a estrutura institucional para - a

    partir da saúde ambiental - construir espaços que favoreçam a sinergia, a articulação

    e a integração dessas áreas afins.

    A saúde ambiental, portanto, conforme Brasil, 2009, integra a área da saúde

    pública e as correspondentes intervenções/ações relacionadas à conexão saúde -

    meio ambiente, no intuito de melhorar a qualidade de vida da população sob o ponto

    de vista da sustentabilidade.

    Nessa perspectiva, percebemos que o Ministério da Saúde vem

    implementando um Sistema de Vigilância em Saúde Ambiental, em todo o País, para

    aprimorar um modelo de atuação no âmbito do SUS, e vem constituindo

    competências que objetivam a implementação de ações que entrelacem saúde

    humana, degradação e contaminação ambiental. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).

    Reafirmo, porém, que a não efetivação/vislumbramento do componente ambiental da

    saúde na comunidade ocorre pela fragilidade do campo da educação ambiental, ou

    seja, pela falta de fundamentação teórica/conceitual.

    Existem, ainda, outros órgãos do governo que fazem interface com a saúde

    ambiental. A economia aborda o tema nos projetos de crescimento e há, ainda,

    programas e projetos de diferentes Ministérios como o da Educação, das Cidades,

    Ciência e Tecnologia, Trabalho e Emprego, da Agricultura, de Planejamento e

    Gestão; das Relações Exteriores, do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio do

    Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Integração Nacional, dos

  • 21

    Transportes, da Defesa da Justiça e da Cultura que também encontram conexões

    com a área da Saúde Ambiental. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)

    São várias as demandas de saúde que estão imbricadas com o meio

    ambiente, sendo necessária intervenção dos gestores municipais e estaduais do

    SUS, a partir do estabelecimento de parcerias do Governo Federal com órgãos e

    instituições em suas respectivas áreas de competências. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

    2009)

    A Vigilância em Saúde Ambiental, conforme o Conselho Nacional de Saúde,

    2007:

    “Consiste em um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a

    detecção de mudanças nos fatores determinantes e condicionantes do meio

    ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar

    as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco ambientais

    relacionados às doenças ou a outros agravos à saúde” (MINISTÉRIO DA

    SAÚDE, 2007),

    A explanação da relação saúde-ambiente sob o marco da sustentabilidade

    compreende, então, a instituição de uma política que expresse a multiplicidade de

    forças interativas geradas em torno da promoção do bem-estar e da saúde humana.

    No âmbito das políticas públicas, no atual arranjo das atribuições no Governo

    Federal, este campo se relaciona diretamente com pelo menos cinco Ministérios:

    Saúde, Meio Ambiente, Trabalho e Emprego, Cidades e Educação. (CASTRO, 2006;

    MALO, 2006)

    De acordo com Silva et al, 2003, 73% dos municípios brasileiros não

    possuem um instrumento regulador para os serviços de drenagem urbana; 72% do

    volume de lixo coletado nos municípios com população de até 20000 habitantes têm

    como destino final o lixão; apenas 29% dos 2,9 milhões de toneladas de resíduos

    sólidos industriais classe 1 (inflamáveis, tóxicos, patogênicos, reativos ou corrosivos)

    produzidos no Brasil, são tratados adequadamente, sendo o restante destinado a

    lixões, sem tratamento, o que pode causar danos ecológicos e contaminação do

  • 22

    solo. Todos estes fatores que contribuem para a falta de qualidade do ambiente

    determinam as causas da morbidade2 e mortalidade3 da população.

    Frente ao exposto, percebemos que o marco normativo que entrelaça as

    questões da saúde às condições ambientais já existe; porém a capacidade desigual

    de gestão dos estados e municípios em atenderem as demandas na implementação

    e/ou aprimoramento dos serviços prestados, somado à fragilidade do campo da

    educação ambiental, conduz a uma precariedade de atendimento dos serviços

    envolvidos com a saúde ambiental. Além disso, na prática profissional é possível

    perceber que o componente ambiental da saúde não é observado/vislumbrado nas

    comunidades da periferia da cidade de Pelotas, em virtude da fragilidade no campo

    da Educação Ambiental cuja intervenção se faz necessária e urgente, a fim de que

    possamos vislumbrar, na comunidade, uma saúde mais efetiva e integral no que se

    refere ao seu componente ambiental, manifestado, entre outros aspectos, pela

    prevenção em saúde.

    Sou enfermeira egressa da Universidade Federal de Pelotas, iniciei minha

    trajetória profissional na área hospitalar, trabalhando no Intensivismo adulto (UTI

    Geral) e pediátrico (UTI Pediátrica). Chamava-me a atenção o grande número de

    crianças que, em determinados períodos do ano, internavam por obstrução intestinal

    por bolo de Ascaris lumbricoides4 ou, ainda, crianças com diarréia persistente, a

    esclarecer, muitas vezes diagnosticada como giardíase5.

    Julguei necessário aprofundar-me nestas questões e acabei deixando o

    modelo tradicional de saúde, hospitalocêntrico, médico-centrado e curativo para

    dedicar-me à Saúde Pública nas comunidades, à prevenção de doenças nas

    Unidades Básicas de Saúde, pois acreditava que nesta outra “ponta” da assistência

    eu poderia contribuir de forma mais efetiva com a comunidade na qual trabalhava,

    minimizando as complicações que chegariam a nível hospitalar como Diabetes

    2 Variável característica das comunidades de seres vivos, refere-se ao conjunto dos indivíduos que adquirem doenças (ou determinadas doenças) num dado intervalo de tempo em uma determinada população. A morbidade mostra o comportamento das doenças e dos agravos à saúde na população. 3 Variável característica das comunidades de seres vivos; refere-se ao conjunto dos indivíduos que morreram num dado intervalo do tempo. Representa o risco ou probabilidade que qualquer pessoa na população apresenta de poder vir a morrer ou de morrer em decorrência de uma determinada doença. 4 Ascaris lumbricóides é um parasita conhecido como “lombriga intestinal”. Este microorganismo infecta os seres humanos e mais frequentemente as crianças. Aloja-se normalmente no intestino delgado e às vezes dirige-se para outras partes do corpo. Seu comprimento pode variar de 15 a 25 cm. 5 Infecção do intestino delgado provocada pelo protozoário Giardia lamblia.

  • 23

    Mellitus descompensada, Hipertensão Arterial Sistêmica, Pré-natal de alto risco e,

    meu foco principal naquele momento, as Parasitoses intestinais.

    Iniciei o Mestrado em Parasitologia na UFPel onde realizei a “Prevalência

    estacional de enteroparasitoses em uma população de zero a quatorze anos no

    bairro Cohab Tablada6, Pelotas-RS”. O trabalho estatístico/epidemiológico

    desenvolvido não expressou indicadores visíveis que levassem a apontar pistas para

    a explicação do fenômeno detectado, além da presença de esgoto a “céu aberto” e

    cães errantes que, por si só, segundo a literatura, não perpetuam a continuidade da

    cadeia epidemiológica das parasitoses para os índices encontrados, apontando a

    existência de outros fatores associados que não são detectáveis em variáveis

    quantitativas de pesquisa. Acredito ser necessário buscar um outro caminho, talvez

    complementar, para poder compreender/entender a realidade identificada, bem

    como apontar caminhos para seu enfrentamento. Como hipótese, acredito que há

    uma série de fatores inerentes à comunidade que devem ser

    investigados/levantados que fazem parte da subjetividade dos seres humanos, da

    história da comunidade e de sua relação com o meio ambiente, que não são

    mensuráveis em variáveis quantitativas de pesquisa, que se encontram imersas no

    encontro das temáticas “saúde” e “meio ambiente” e que podem ser acessadas

    através do inconsciente, conforme a teoria psicanalítica de Freud, dando voz aos

    moradores da comunidade.

    Este trabalho apontou-me questões mais abrangentes, direcionando meu

    olhar para as questões ambientais não só no bairro encontradas, mas no planeta,

    mediante a crise ambiental em que vivemos. As ações em saúde estão imbricadas

    com as ações no campo da educação ambiental, acredito que este(a)

    estreitamento/proximidade dos dois campos do conhecimento possa apontar

    caminhos para a explicação dos dados encontrados na comunidade, uma vez que o

    não vislumbramento do componente ambiental da saúde na comunidade ocorre por

    fragilidade da educação ambiental hodierna. O aprofundamento/a continuidade

    deste trabalho é uma resposta/possibilidade de mudança real para o diagnóstico

    detectado, já que este também é nosso compromisso enquanto pesquisador ético;

    professor, formador de opinião, representante de uma Universidade Pública e ser 6 Bairro da cidade de Pelotas-RS com aproximadamente 10 mil habitantes. Situação sócio-econômica média e baixa, o trabalho foi desenvolvido na área mais carente do bairro. Ver Figura 18.

  • 24

    humano – além de coletarmos dados e constatarmos problemáticas temos o dever

    de ajudar a comunidade estudada a buscar alternativas de solução ou de

    enfrentamento para o resultado encontrado.

    Este pensar vai ao encontro de Berner, 1996, quando diz que somos

    interpelados e convocados, enquanto professores, a dar uma resposta ética às

    tarefas às quais nos confronta o mundo moderno e, principalmente, na pesquisa.

    Esta responsabilidade é em primeiro lugar uma responsabilidade humana e antes de

    falar de qualquer responsabilidade do filósofo é preciso sustentar a responsabilidade

    do homem. Acredito que esta responsabilidade possa ser concebida como um modo

    de “resposta à comunidade?”.

    Atualmente sou servidora técnica administrativa - Enfermeira - da Faculdade

    de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas na qual atuo no ensino,

    pesquisa e extensão nas disciplinas de Saúde Coletiva e Saúde Pública,

    diretamente nas comunidades da periferia da cidade de Pelotas, onde desenvolvo

    ações de educação em saúde com abordagem social, histórica, cultural e ambiental.

    A presença do componente ambiental no conceito de saúde é legítima,

    assim como o embricamento dos dois campos do conhecimento na política do

    Sistema Único de Saúde (SUS). A vivência na comunidade nos aponta a

    necessidade de compor o próximo passo de efetivação deste componente, a fim de

    que se possa vislumbrar a saúde de forma integral, uma vez que as medidas de

    prevenção, realizadas na saúde pública, encontram também seu espaço, na

    Educação Ambiental, contribuindo, diretamente, na melhoria da saúde e da

    qualidade de vida da população. Acredito que uma das causas da dificuldade de

    implementação de ações em educação ambiental se faz presente pelo impasse,

    inclusive conceitual, sendo necessária sua fundamentação para consolidá-la

    enquanto campo do conhecimento, permitindo seu real avanço para além do

    impasse em que se encontra, a fim de que se possa vislumbrar este componente da

    saúde na comunidade de forma efetiva.

  • 25

    Capítulo 2 Re-aproximação Histórica dos Espaço/Tempo Vividos: entrevistas com moradores, compreendendo a relação indivíduo-saúde-meio ambiente

    Na tentativa de ir além das estatísticas e adentrar na subjetividade das

    pessoas que residem na Cohab Tablada, Pelotas-RS, retornei à comunidade para

    buscar alguns indicativos que apontassem uma nova trajetória, dando continuidade

    à investigação que até então, para mim, não estava devidamente cumprida, pelo

    menos, não a parte do retorno efetivo à população investigada. Este retorno ajudou-

    me, junto com a comunidade, no direcionamento e definição da nova metodologia a

    ser implementada.

    Para tanto, busquei em Minayo & Sanches (1993), a questão de que não há

    contradição entre pesquisa quantitativa e qualitativa. Ambas abordam aspectos

    singulares. A primeira atua em níveis de realidade, inferindo dados, indicadores,

    fatores de risco e tendências observáveis. A segunda, por sua vez, trabalha com

    valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões. Afirmam que um

    método não exclui o outro, apresentam objetivos diferentes, podendo haver

    complementaridade entre eles. Foi justamente este aspecto de complementaridade

    que busquei para ajudar-me a melhor compreender a problemática antes identificada

    e direcionar os passos seguintes.

    Para compreender o processo de investigação concretizado e buscar

    caminhos que apontem para um enfrentamento da problemática identificada, realizei,

    inicialmente, entrevistas com moradores que fizeram parte da construção do bairro

    Cohab Tablada, para reconhecer a subjetividade das relações dos seres humanos

    que ali vivem, e reconstruir, historicamente, a relação dos indivíduos com a saúde e

    o meio ambiente.

    O ambiente físico revela sua própria memória através das vozes da

    comunidade, manifestando sua importância como fator constitutivo à compreensão

    do diagnóstico detectado, bem como da crise ambiental hodierna. Este diálogo com

  • 26

    os moradores do bairro é capaz de reativar o sentido humano que escapa às

    restrições do olhar objetificador das ciências cartesianas; o diálogo exige o ouvido

    como seu órgão por excelência, isto é, seu sentido principal abrindo, assim, um novo

    espaço para a compreensão não apenas dos fatos objetivos, mas também do

    próprio homem que está envolvido na criação destes fatos (FLICKINGER, 1994).

    Acredito que o vínculo estabelecido com a comunidade permitiu-me maior

    acesso aos moradores do bairro. Ao retornar à Unidade Básica de Saúde fui bem

    acolhida pelos profissionais os quais me indicaram as pessoas que fizeram parte da

    história de construção do bairro. Conversei com vários moradores que me

    permitiram construir um perfil sócioambiental do bairro desde sua fundação, a fim de

    melhor compreender o diagnóstico detectado e buscar alternativas de

    enfrentamento. Ao redigir este capítulo fiz uso de linguagem coloquial, a fim de

    procurar transcrever mais fidedignamente as falas dos entrevistados.

    Conversei inicialmente com a senhora Hilda7. Contou-me que quando foi

    morar na comunidade havia recebido do prefeito da época um lote de terra, porém

    os demais moradores, que eram poucos, em sua maioria eram posseiros. Na época,

    em torno de 1940, havia apenas o presídio municipal, em instalação bem inferior à

    atual, e uma grande quantidade de “mato”. Não havia luz elétrica nem água nas

    casas, havia uma “bica” a mais ou menos 500 m de sua casa onde os moradores

    buscavam água para beber, lavarem suas roupas e banhar-se. A escola era em

    casa, o pastor ensinava ensino religioso, não havia coleta de lixo e, aos poucos, um

    grande lixão foi se formando no bairro, na frente das casas (sofás, coisas velhas) e

    mesmo no próprio pátio; as pessoas dormiam até tarde, não se preocupavam com o

    lixo, “com nada”.

    A convivência cotidiana com muitas dificuldades vividas pela população,

    levou um grupo de luteranos das congregações de Pelotas, na década de 60, a dar

    início a um trabalho articulado de assistência social quando foi criada o Serviço de

    Assistência Redenção (SARE) com sede à Rua Voluntários da Pátria 1641. Neste

    local, o SARE criou uma creche, voltada para o atendimento de crianças carentes de

    zero a seis anos e um ambulatório com atendimento médico e odontológico em

    articulação com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas.

    7 Moradora há 40 anos no bairro, 12 filhos, viúva há 18 anos, do lar, 77 anos.

  • 27

    A reivindicação da comunidade permanecia e, no final da década de 70,

    abriu nova frente para suas ações assistenciais, desta vez na Vila Santos Dumont,

    localizada na Cohab Tablada, privilegiando a área de atenção à saúde. A instalação

    da Unidade de Atenção Básica se constituiu em atividade pioneira em Pelotas e a

    segunda iniciativa em atenção básica no Estado do Rio Grande do Sul no sentido de

    descentralizar a ação cuidadora em atenção básica, orientada pela concepção de

    integridade da atenção, conforme preconiza a Conferência Internacional sobre

    cuidados primários de saúde, realizada em Alma-Ata (URSS), em 19788.

    Na Carta de Ottawa para a Promoção da Saúde, marco na história da Saúde

    Pública, são referenciados como requisitos fundamentais para a saúde: a paz, a

    educação, a habitação, o poder aquisitivo, um ecossistema saudável, a conservação

    dos recursos naturais e a equidade. Vê-se a promoção da saúde como um processo

    de educação permanente de todos os envolvidos para atuar na melhoria da sua

    qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação no controle deste processo.

    Em 7 de junho de 1980 foi criada a Associação Beneficente Luterana de

    Pelotas (ABELUPE), associação civil de caráter beneficente, sem fins lucrativos, que

    absorveu as atividades desenvolvidas pelo SARE na Rua Voluntários da Pátria e na

    Vila Santos Dumont. Foi realizado um diagnóstico que identificou grau elevado de

    carências da comunidade atendida, fazendo com que a ABELUPE instalasse, em

    1986, uma nova creche na Vila Santos Dumont voltada para acolher crianças de

    zero a seis anos, que se encontravam em situação de risco. Ao longo disso, o Posto

    de saúde e a creche vêm tendo uma ação articulada e complementar, considerando

    o conceito de atenção integral à saúde. Os diagnósticos de situação de risco social

    feitos pelo posto orientam a definição de famílias a serem atendidas pela creche.

    Uma vez inseridas nesse programa sócioeducativo, as crianças e suas famílias são

    alvo de uma série de ações protetoras e promotoras da saúde.

    8 A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde concentrou ações para que os cuidados primários de saúde fossem desenvolvidos e aplicados em todo o mundo e, particularmente, nos países em desenvolvimento, num espírito de cooperação técnica e em consonância com a nova ordem econômica internacional. A OMS e o UNICEF, assim como outras organizações internacionais, entidades multilaterais e bilaterais, organizações governamentais, agências financeiras, todos os que trabalham no campo da saúde e toda a comunidade mundial apoiam um compromisso nacional e internacional para com os cuidados primários de saúde, canalizando maior volume de apoio técnico e financeiro para esse fim, particularmente nos países em desenvolvimento.

  • 28

    Em 1989 a ABELUPE, em razão das necessidades da população, passou a

    concentrar todas as suas ações na Vila Santos Dumont. Neste local, já são 36 anos

    de atuação na área da atenção primária à saúde e 19 anos de manutenção da

    creche, ambas de forma ininterrupta.

    Para a manutenção de suas atividades, a ABELUPE tem contado com a

    ajuda de um grupo de trinta associados que fazem contribuições mensais em

    dinheiro, em gêneros, em roupas e, através de trabalho voluntário, promove eventos

    beneficentes.

    Quando pergunto à senhora Hilda sobre a relação das pessoas da

    comunidade com o meio em que vivem - o meio ambiente - ela me relata novamente

    a despreocupação a cerca das questões ambientais, a grande quantidade de lixo e

    desleixo da comunidade por um grande período. Em 2003, houve por iniciativa da

    Unidade Básica de Saúde com parceria entre UFPel, UCPel e Escola de

    Comunicação Social (ECOS) o lançamento do Projeto “Comunidade em Ação” que

    tinha como objetivo a limpeza do bairro e a conscientização da comunidade; houve

    um mutirão do exército que retirou vários caminhões de lixo na frente das casas e

    dentro dos pátios; isto ocorreu por duas ou três vezes em períodos diferentes e

    através deste projeto houve uma melhora na questão do lixo em 70% no bairro.

    Hoje, o mesmo projeto desenvolve-se em Cerrito Alegre com a implantação de uma

    horta comunitária a qual não foi possível ser implantada no bairro por não haver área

    disponível na época.

    A Declaração de Alma-Ata para os Cuidados Primários em Saúde, de 1978,

    realçou esse novo pensamento de caracterização do processo saúde-doença,

    incorporando as dimensões sociais, políticas, culturais, ambientais e econômicas

    como componentes indispensáveis às ações e aos serviços de saúde. Nesse

    sentido, as ações ambientais são necessárias para vislumbrar-se o componente

    ambiental da saúde na comunidade.

    No dia seguinte conversei com dois moradores: a senhora Regina9 e o

    senhor Emílio10, que corroboram com dona Hilda ao fazerem referência, no início da

    construção do bairro, à existência de poucas casas, à inexistência de infra-estrutura

    (água, luz, esgoto, asfalto, coleta de lixo) e ressaltam que a Associação de Bairro 9 Moradora do bairro há 25 anos e funcionária da Unidade Básica de Saúde há 13. 10 Morador há 41 anos no bairro, comerciante

  • 29

    esteve sempre atuante. Contaram-me a história da implantação da Unidade Básica

    de Saúde no bairro, braço forte da comunidade com inúmeras ações; fizeram

    referência ao presídio municipal e à violência no bairro; que os primeiros moradores

    foram abrindo as ruas “a facão” no meio do “mato”. Havia uma “bica” na qual

    buscavam água e a maioria das casas era de “lata de óleo”. O senhor Emílio

    participou da Associação de moradores do bairro, foi sempre atuante nos

    movimentos de reivindicações, porém hoje está afastado. Comentou sobre o Projeto

    Comunidade em Ação, porém não percebeu diferença em relação à limpeza do

    bairro após o término do projeto, uma vez que não houve continuidade. No que se

    refere à relação das pessoas com o meio ambiente relatou que a comunidade não

    se preocupa com o meio ambiente, é “tudo muito sujo”, “tem muito lixo”.

    Conheci na tarde seguinte a senhora Maria11, alfabetizadora de adultos;

    contou-me que inicia suas atividades com uma palestra sobre assuntos gerais de

    interesse da comunidade e depois ministra aula na perspectiva de Paulo Freire e do

    método Abelhinha. Na última experiência de 15 alunos, 9 aprenderam a ler e a

    escrever. O trabalho é voluntário e realizado na UBS do bairro. Em relação às

    condições de vida da comunidade conta como eram precárias na fundação do

    bairro. Não havia banheiro nas casas, apenas uma patente ou um buraco onde

    ficavam as excretas. Lembra que a UBS ajudava muito com cursos de higiene,

    manicure, crochê, pintura, culinária, doces e bordados, estimulando a comunidade a

    ter renda própria. Considera a UBS o “braço forte” do bairro desde sua fundação. Em

    relação ao ambiente, dona Maria faz alusão ao Projeto Comunidade em Ação no

    qual considera que houve melhoria significativa na limpeza do bairro, porém ainda

    há desleixo, as pessoas colocam lixo na frente das casas após o caminhão de lixo

    passar.

    A liderança católica na comunidade, senhor João Carlos12, contou-me que

    quando veio morar no bairro havia grande quantidade de campo, precárias

    condições, o ônibus não entrava na “vila”. Faz alusão à importância da UBS para o

    bairro com vários projetos, grupo de mulheres, de idosos, cursos para a

    comunidade e a presença da creche que favorece as mães que trabalham “fora de

    casa”. Também faz referência ao Projeto Comunidade em Ação que promoveu 11 61 anos, estudou até a 5ª série, alfabetizadora de adultos na UBS, moradora há 34 anos no bairro. 12 25 anos morador do bairro, comerciante, liderança católica na comunidade.

  • 30

    plantio de várias árvores, reposição de lâmpadas queimadas, organização das ruas,

    retirada do lixo, incentivo ao fechamento de valetões na frente de casas etc.

    Considera que houve uma conscientização em relação ao lixo após o projeto, mas

    ainda é preciso mais. Faz alusão ao trabalho social da igreja católica que doa

    alimentos a 14 famílias carentes do bairro, mensalmente; faz distribuição de roupas,

    de cobertores, auxilia pessoas doentes e encaminha enterros.

    Percebe-se que a intersetorialidade das ações de saúde, um dos princípios

    fundamentais do SUS, reforça a promoção à saúde e reflete concepções que

    compreendem um conjunto de ações que incidem sobre determinantes e

    condicionantes da saúde; inclui-se, neste contexto, o componente ambiental,

    fundamental para que se vislumbre a saúde em sua totalidade.

    Ao conversar com a professora Vera13, a mesma fez referência aos

    primeiros moradores do bairro que eram familiares dos presidiários, em sua maioria

    oriundos de outras cidades, cujas famílias vinham acompanhá-los. Era uma região

    de muito mato, havia corujas e “casas feitas de folhas”; por este motivo, inicialmente,

    o bairro ficou conhecido como Vila das Corujas, depois foi dividido pela rua do

    presídio, a Cristóvão José dos Santos, em Vila Santos Dumont e Vila Municipal que

    permanece até hoje, sendo as duas subdivisões enquadradas como Cohab Tablada.

    Em relação à questão ambiental a professora cita o Projeto Comunidade em

    Ação que promoveu plantio de árvores na Avenida Guadalajara, uma das principais

    do bairro, e criação de ciclovia; porém, no geral, o bairro permanece bastante

    desleixado com valetas a céu aberto, lixo na frente das casas, e a não colaboração

    dos moradores. Na escola em que trabalha desenvolve há 5 anos o Projeto Lixo

    Reciclável, com maior adesão das crianças.

    Na semana seguinte conversei com a senhora Diosma14, que desde 1961

    trabalha no bairro. Conta-me que no início de sua trajetória havia somente o presídio

    e atrás dele alguns barracos. Pelotas, naquela época, era muito pacata e os

    presidiários vinham de outras localidades juntamente com suas famílias que ali se

    instalaram. As famílias eram muito pobres, analfabetos, não trabalhavam, não

    tinham perspectivas, mas eram pessoas dignas, queriam trabalhar e não sabiam

    como. O bairro constituía-se basicamente de mata nativa, considerado como se 13 Moradora há 46 anos no bairro, professora há 26 anos na comunidade. 14 Fundadora da Escola Lar de Jesus. Trabalha há 57 anos na comunidade.

  • 31

    fosse “pra fora”, interior, tinha bastante coruja, cobras e animais peçonhentos. É

    professora e, junto com dois voluntários, fez um trabalho assistencialista nos

    domicílios com distribuição de alimentos e de roupas. (Fig. 1)

    Fig. 1 - Início do trabalho com as famílias dos presidiários, década de 1960.

    Fig. 2 - Distribuição de sopa para as famílias.

  • 32

    O centro espírita Lar de Jesus foi fundado em 15/10/1961 com distribuição

    de sopa, visitação às famílias dos presidiários, incentivando as famílias a buscar

    alternativas para melhorarem suas condições de vida.

    Fig. 3 - Preparo da sopa pelos pioneiros que iniciaram o trabalho no bairro.

    As crianças não tinham acesso à escola, por este motivo dona Diosma teve

    a iniciativa de construir uma escola que em 07/03/1963 começou a funcionar com

    professores voluntários no centro espírita Lar de Jesus.

  • 33

    Fig. 4 - Primeira instalação da Escola Lar de Jesus.

    O espaço ficou pequeno e foi solicitado ao prefeito da época um terreno

    maior, onde é hoje a escola Lar de Jesus. As telhas foram conseguidas no quartel e

    a madeira na Faculdade de Odontologia, já que o material utilizado na Faculdade

    vinha em caixas de madeira.

    Fig. 5 - Segunda instalação da Escola Lar de Jesus.

  • 34

    Fig. 6 - Preparo da terra na horta da escola.

    Fig. 7 - Alunos em sala de aula.

  • 35

    Fig. 8 - Alunos no refeitório da escola.

    Fig. 9 - Mutirão para construção do prédio atual.

  • 36

    Fig. 10 - Prédio atual.

    O transporte urbano atendia até o Corredor das Tropas, hoje Avenida São

    Francisco de Paula. Após a morte de um dos voluntários, dona Diosma continuou

    com seus filhos, sendo um deles, hoje, diretor da Escola Lar de Jesus. Organizou-se

    uma horta junto à escola e havia um transporte que levava verduras para venda em

    feira no centro da cidade, com renda revertida para a própria escola.

    Fig. 11 - Alunos trabalhando na horta da escola.

  • 37

    Fig. 12 - Horta da escola.

    Fig. 13 - Transporte que levava os mantimentos vendidos no centro da cidade.

    Havia criação de galinhas, vacas e porcos na escola, que serviam inclusive

    para a subsistência de grande parte da comunidade. A empresa HP começou a

    empregar pessoas, as mulheres dos apenados começaram a trabalhar como

    domésticas, babás, e a melhorar de vida. Em 1968 o prédio atual foi construído com

    auxílio de um grande mutirão da comunidade.

  • 38

    Fig. 14 - Criação de porcos.

    Dona Diosma faz referência à UBS que na década de 80 contribuiu muito

    com o seu trabalho, principalmente com o apoio da Universidade Federal de Pelotas

    no que se refere às ações de saúde para a comunidade. As escolas do bairro,

    Nossa Senhora das Dores e, depois, Leivas Leite, também vieram somar ações.

    Considera a vila privilegiada com várias ações sociais. Em relação à questão

    ambiental dona Diosma, revela que sempre houve preocupação e mesmo na horta

    havia conscientização dos alunos, porém, no geral, avalia o bairro com pouca

    conscientização e ação preservadora/regeneradora.

  • 39

    Fig. 15 - Trabalho na horta.

    Contou-me que a mata nativa foi extinta inicialmente pelos moradores e que

    houve plantação de eucaliptos por particulares, posteriormente. Um período depois

    houve novamente cortes de árvores para a construção da Cohab pelo governo do

    estado.

    Fig. 16 - Destruição do telhado por vendaval.

  • 40

    Fig. 17 - Descontração dos alunos no recreio.

    O “valetão” da Rua Guadalajara, ainda hoje existente, era terreno da

    aeronáutica; vários posseiros instalaram-se no local. Após várias disputas judiciais a

    prefeitura do município comprou e cedeu para os invasores. O Corredor das Tropas

    era assim chamado, porque o gado percorria este caminho para os abatedouros15, já

    que havia curso d’água para os animais beberem no transcurso.

    Realizei uma auditoria com a bióloga Ana Beatriz16 para melhor entender o

    ambiente descrito pelos moradores. Olhando as fotos falou-me da possibilidade de

    desmatamento inicial, plantação de eucaliptos e novo desmatamento, indo ao

    encontro da fala de dona Diosma.

    Após expor as características do bairro comentamos a identificação do

    mesmo como “Vila das corujas” nome que causa desconforto à maioria dos

    moradores. Pensei inicialmente que esta terminologia relacionava-se à vegetação

    predominante, possível local para a presença deste animal. Porém, a bióloga

    expondo-me a cadeia alimentar da coruja, falou acerca da grande presença de

    roedores no bairro, em especial de ratos, devido aos inúmeros lixões na localidade.

    Esta explicação reportou-me à visão negativa e até por que não dizer “pejorativa”

    15 Existiam três abatedouros na época: no Anglo, no Areal e onde hoje localiza-se o colégio Cassiano do Nascimento na Avenida D. Joaquim. 16 Bióloga da Secretaria Municipal de Saúde de Pelotas.

  • 41

    que os moradores têm em relação a esta terminologia - vila das corujas - uma vez

    que faz referência a um bairro sujo, com pouco apreço.

    Percebi, ao reconstruir a história da comunidade Cohab Tablada, que a

    construção do resgate histórico da memória da comunidade perpassa pelo processo

    dialético, na medida em que desconstrói ou fragmenta a história da comunidade,

    possibilitando sua reconstrução com significados próprios que, na síntese, permite

    explicar/compreender os fenômenos e/ou apontar direcionamentos metodológicos. É

    uma possibilidade que ultrapassa o racional, trazendo elementos que ampliam nossa

    sensibilidade e despertam para outras abordagens em pesquisa, permitindo que a

    comunidade participe também no processo de investigação. Esta análise só foi

    permitida pela idéia de complementar o procedimento empírico-analítico com uma

    investigação histórico-interpretativa, junto à população. Como um mosaico,

    reconstruiu-se um quadro da região, composto tanto pelos dados recebidos através

    da pesquisa quantitativa realizada quanto pelas informações obtidas ao longo da

    reapropriação da história da região por parte dos primeiros moradores e

    representantes das diferentes correntes sociais atuantes na comunidade. Foi só a

    partir deste procedimento dialogante que resultou a formulação do método de

    investigação a ser realizado. Abriu-se, assim, uma ampla visão das condições locais

    que seria, a partir daí, a base para qualquer planejamento posterior (FLICKINGER,

    2000). Direciono meu pensar para Flickinger (2000), quando percebo que mesmo a

    mais perfeita descrição objetiva do ambiente com inferência estatística de inúmeros

    fatores, tomada por si só não nos oferece sentido autêntico. É somente através da

    interpretação dos dados levantados que se constitui seu possível sentido, a saber,

    dando-se espaço nele para o próprio intérprete. Os dados objetivos com os quais aí

    se descreve a construção do ambiente apresentam-se, na verdade, como um

    diálogo interpretativo do pesquisador que, ao se abrir sem preconceito científico ao

    outro, provoca ou convoca a abertura deste para si mesmo, permitindo a atribuição

    de sentido.

    Percebo, ainda, que a reconstrução da memória da comunidade só se

    legitimou a partir desta abertura. O que condiciona, portanto, a pesquisa empírico-

    objetiva é a determinação primordial do próprio objeto da investigação.

  • 42

    Determinação esta que se dá através de uma objetificação da realidade, no sentido

    de fazer-se dela objeto de investigação submetido às exigências metodológicas de

    pesquisa.

    Este pensar vai ao encontro de Flickinger (2000), quando diz:

    Percebe-se, deste modo, que à objetividade da pesquisa precede a

    objetificação, isto é, o ato de assemelhar a realidade às determinações de

    um possível objeto de pesquisa. Desde a Crítica da Razão Pura, de I. Kant,

    até a Teoria do Sistema ou da auto-organização resultado do debate sobre

    as condições de como a biologia poderia tornar-se uma ciência

    experimental, encontramos este traço comum. Ao falarmos da objetividade

    da investigação científica deveríamos falar, também, de sua condição

    primordial, por mim denominada de ato de objetificação. Este, é claro, não

    pode seguir as regras do procedimento científico, já que os precede,

    abrindo, assim, um amplo leque de motivos e expectativas subjetivas que

    encontram, pelo ato de objetificação, sua porta de entrada, sem minar a

    ilusão de objetividade do procedimento posterior. Vemo-nos forçados a

    admitir aí interferência constitutiva do homem-sujeito na investigação. Fato

    este que coloca em xeque a pretensão de exclusividade da abordagem

    causal-explicativa, tal como domina a maioria das ciências modernas. É

    inquestionável o grande sucesso da metodologia experimental-explicativa

    que vem caracterizando o desenvolvimento da cientificidade, ao longo dos

    últimos séculos. Mesmo as ciências sociais – Sociologia Empírica,

    Historiografia, Positivismo jurídico etc, - adotam, sucessivamente, esse

    caminho. É igualmente inegável, porém, que nas áreas humanas e sociais –

    das quais o planejamento faz parte – seja necessário levar em consideração

    a participação e interferência dos sujeitos no próprio processo de

    investigação, pois estes fazem parte da realidade pesquisada.

    Contra a suposta soberania do sujeito conhecedor, capaz de determinar as

    condições de seu acesso à realidade, a “Hermenêutica Filosófica” contrapõe ao ideal

    da explicação causal da experiência, uma abordagem compreensiva que obriga o

    homem a reconhecer o seu ser inserido, desde sempre, num mundo por ele não

    completamente instrumentalizável. Em outras palavras, o compreender recusa

  • 43

    qualquer postura subjetiva de domínio e, em consequência, de instrumentalização

    do mundo objetivo (FLICKINGER, 2000). Gadamer apresenta-nos um argumento

    incontestável para esta afirmação, lembrando que toda compreensão se efetua na

    linguagem e na história, por nós de modo algum objetiváveis. É que, sendo

    pressupostas ambas à nossa experiência, delas fazemos parte e as encontramos

    sempre como horizontes dentro dos quais nos tentamos situar, buscando um

    possível sentido às nossas experiências. Nem a linguagem, nem a história admitem

    uma objetificação plena, carregando em si um amplo leque de sentidos inesgotáveis,

    dos quais bem pouco nossa interpretação consegue identificar. Por isso, o

    compreender pressupõe a disposição do sujeito de integrar-se nesses dois

    horizontes, renunciando a todas as certezas últimas. “Não é de admirar, por isso,

    que o diálogo, o encontro com o outro e com a própria história, marquem nesse

    processo as aberturas que subjazem, como condições indispensáveis a toda e

    qualquer compreensão hermenêutica”. (FLICKINGER, 2000)

    Neste sentido, a complementaridade da reconstrução da memória da

    comunidade à pesquisa realizada vem lembrar, na verdade, a necessidade de um

    ato de auto-reflexão que leve em conta as experiências muitas vezes divergentes,

    vivenciadas pelos atores que fizeram parte da construção do espaço histórico hoje

    chamado Cohab Tablada. É, antes de tudo, a disposição de arriscar a perda das

    supostas autocertezas, permitir-se não ter o controle absoluto, e buscar

    direcionamentos junto com a comunidade, protagonista e pesquisadora também

    nesse processo, direcionando nosso olhar às possibilidades vindouras.

    Durante esta trajetória na comunidade pude juntar o ouvido ao vivido,

    compondo um quadro detalhado do bairro que me permitiu perceber, ao questionar a

    população acerca da questão ambiental, um reducionismo expressivo, uma vez que

    “o meio ambiente”, na grande maioria das falas, limitava-se a um único objeto: o

    “lixo”. Isto pode ocorrer por inúmeros motivos, sejam eles culturais da própria

    comunidade ou sociais. Percebi, também, como consequência, pouca evidência do

    componente ambiental da saúde no bairro, uma vez que não há preocupação efetiva

    com o ambiente e, por sua vez, com a educação ambiental.

    Sabemos que o meio ambiente não pode ser reduzido a preocupações com

    a ecologia – uma área das ciências biológicas – ou com a natureza. Os seres

  • 44

    humanos nem sabem mais o que é “natureza”, pois o meio ambiente já está tão

    completamente penetrado e reordenado pela vida sociocultural humana, que nada

    mais pode ser chamado com certeza de apenas natural ou social. A natureza se

    transforma em áreas de ação nas quais precisamos tomar decisões políticas,

    práticas e éticas (BECK, U; GIDDENS, A; LASH, S, 1997)

    Pensando o reducionismo evidenciado pela memória da comunidade,

    reportei-me ao reducionismo também verificado nas ações existentes na Educação

    Ambiental, cuja abordagem é compartimentada, limita-se a ações fragmentadas e

    desconectadas, não há um fio condutor crítico com base teórica e continuidade das

    ações educacionais. Consequentemente, este componente do conceito de saúde

    fica fragilizado e não conseguimos vislumbrá-lo nas comunidades de periferia onde

    desenvolvemos nossas ações em saúde, repercutindo negativamente na saúde

    como um todo.

    Neste sentido, ao analisar os trabalhos que abordam a educação ambiental,

    observa-se um grande número de autores que discutem os aspectos técnicos e

    comportamentais da questão do lixo em detrimento de seus aspectos políticos

    centrais à temática. As dispersas e isoladas iniciativas de criação de cooperativas de

    catadores de lixo, por exemplo, ainda não alcançaram uma articulação ampla e

    coesa o suficiente para transformar essa atividade em política pública. Nesse

    sentido, para Layrargues, 2003, há necessidade de se discutir o significado político-

    ideológico da reciclagem.

    Direcionemos, então, nosso olhar à reciclagem. Apesar da complexidade do

    tema, muitos programas de educação ambiental na escola são implementados de

    modo reducionista, já que, em função da reciclagem, desenvolvem apenas a Coleta

    Seletiva de Lixo, em detrimento de uma reflexão crítica e abrangente a respeito dos

    valores culturais da sociedade de consumo, do industrialismo, do modo de produção

    capitalista e dos aspectos políticos e econômicos da questão do lixo. Em função

    disso, pouco esforço tem sido dedicado à análise do significado ideológico da

    reciclagem, em particular da lata de alumínio – material que mais se destaca na

    reciclagem – e suas implicações para a educação ambiental reducionista, mais

    preocupada com a promoção de uma mudança comportamental sobre a técnica da

  • 45

    disposição dos valores culturais que sustentam o estilo de produção e consumo da

    sociedade moderna.

    Contra a suposta soberania do sujeito conhecedor, capaz de determinar as

    condições de seu acesso à realidade, a “Hermenêutica Filosófica” contrapõe ao ideal

    da explicação causal da experiência, uma abordagem compreensiva que obriga o

    homem a reconhecer o seu ser inserido, desde sempre, num mundo por ele não

    completamente instrumentalizável. Em outras palavras, o compreender recusa

    qualquer postura subjetiva de domínio e, em consequência, de instrumentalização

    do mundo objetivo (FLICKINGER, 2000). Gadamer apresenta-nos um argumento

    incontestável para esta afirmação, lembrando que toda compreensão se efetua na

    linguagem e na história, por nós de modo algum objetiváveis. É que, sendo

    pressupostas ambas à nossa experiência, delas fazemos parte e as encontramos

    sempre como horizontes dentro dos quais nos tentamos situar, buscando um

    possível sentido às nossas experiências. Nem a linguagem, nem a história admitem

    uma objetificação plena, carregando em si um amplo leque de sentidos inesgotáveis,

    dos quais bem pouco nossa interpretação consegue identificar. Por isso, o

    compreender pressupõe a disposição do sujeito de integrar-se nesses dois

    horizontes, renunciando a todas as certezas últimas. “Não é de admirar, por isso,

    que o diálogo, o encontro com o outro e com a própria história, marquem nesse

    processo as aberturas que subjazem, como condições indispensáveis a toda e

    qualquer compreensão hermenêutica”. (FLICKINGER, 2000)

    Nesta mesma ótica, como será exposto no próximo capítulo, a educação

    ambiental, como um todo, se apresenta de forma

    compartimentada/fragmentada/reducionista e, portanto, fragilizada.

  • 46

    Capítulo 3 Situando a Educação Ambiental no Brasil e no Mundo

    O modo como se realizam a educação e as diferentes compreensões da

    relação sociedade-natureza, requalificadas com a publicização das questões postas

    pelos estudos do meio ambiente, não nos permite, ao nos referirmos à educação

    ambiental, apresentá-la de forma única e monolítica. Esta deve ser vista como uma

    miríade complexa, constituída por sujeitos ecológicos com visões paradigmáticas de

    natureza e de sociedade diferentes, numa rede de interesses e interpretações em

    permanente conflito e diálogo. (CARVALHO, 2003)

    Primeiramente gostaria de expor alguns termos ou adjetivações atuais que

    estão presentes e complementam o termo “Educação Ambiental”: educação

    ambiental conservacionista (Guimarães, 2004), socioambiental, crítica (Guimarães,

    2004; Carvalho, 2004), emancipatória (Lima, 2003), transformadora (Loureiro, 2004),

    popular (Carvalho, 2001), alternativa (Carvalho, 2001), política, comunitária, radical

    (Meira Cartea, 2005), formal, não formal, para o desenvolvimento sustentável (Meira

    Cartea, 2006), alfabetização ecológica, pedagógica, educação ambiental no

    processo de gestão ambiental (Quintas, 2002) entre outras. Neste mosaico de

    denominações é possível perceber identidades, diversidades, convergências e,

    ainda, contradições (SORRENTINO (2002), SAUVÉ (2002), GAUDIANO (2001 e

    2002)).

    O conceito de Educação Ambiental já é adjetivado. Trata-se da qualidade

    ambiental aplicada à educação. Por que tantos adjetivos? O que significa o fato de

    haver tantas denominações quando se fala em Educação Ambiental? O que isto

    transparece no que se refere à produção teórico-conceitual nesta área? A

    diversidade de nomenclaturas retrata um momento da Educação Ambiental que

    aponta para a necessidade de se re-significar os sentidos identitários e

    fundamentais dos diferentes posicionamentos político-pedagógicos, não significando

    uma evolução no aspecto metodológico no campo do conhecimento ou outro

  • 47

    desenvolvimento qualquer. Acredito que a educação ambiental clama por um

    aprofundamento teórico que sustente suas bases, permitindo um avanço, na práxis,

    significativo e contínuo perene, que repercutirá diretamente na melhoria da saúde

    como um todo, uma vez que se vislumbrará na comunidade o seu componente

    ambiental.

    A educação ambiental “geral”, ela própria, não apresenta uma conceituação

    clara, e permite inclusive, divergências e contradições.

    No Congresso de Belgrado (1975), a Educação Ambiental foi definida como

    um processo que visa:

    “(...) formar uma população mundial consciente e preocupada com o

    ambiente e com os problemas que lhe dizem respeito, uma população que

    tenha os conhecimentos, as competências, o estado de espírito, as

    motivações e o sentido de participação e engajamento que lhe permita

    trabalhar individualmente e coletivamente para resolver os problemas atuais

    e impedir que se repitam (...)”

    No Capítulo 36 da Agenda 21, a Educação Ambiental é definida como o

    processo que busca:

    “(...) desenvolver uma população que seja consciente e preocupada com o

    meio ambiente e com os problemas que lhes são associados. Uma

    população que tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e

    compromissos para trabalhar, individual e coletivamente, na busca de

    soluções para os problemas existentes e para a prevenção de outros (...)”

    Segundo Reigota, 2002, p.61, a educação ambiental é:

  • 48

    “uma educação política que deve enfrentar na América Latina o desafio de

    mudar as idéias de modelo de desenvolvimento econômico, baseado na

    acumulação econômica, no autoritarismo político, no saque aos recursos

    naturais, no desprezo às culturas de grupos minoritários e aos direitos

    fundamentais do homem”.

    Para Gaudiano, 1998, é importante notar que educação ambiental é um

    conceito em construção, apresenta diferentes visões, o termo é usado com

    significados distintos e, muitas vezes, contraditórios.

    Pedrini, 2002, 13-14, acrescenta, ainda, que os educadores ambientais

    ainda estão se apropriando de conceitos e métodos de disciplinas já estabelecidas.

    Talvez por isso os educadores ambientais não estejam bem definidos e haja tantos

    “educadores ambientais de ocasião”.

    Independente das adjetivações e conceituações aplicadas à educação

    ambiental, no Brasil, basicamente poderíamos dividi-la em dois grupos.

    Um convencional, centrado no indivíduo, comportamentalista, com

    abordagens tecnicistas que se preocupam com os efeitos aparentes dos problemas

    ambientais e desprezam suas causas mais profundas e históricas.

    Para Lima, 2003, as análises cujas interpretações privilegiam os efeitos dos

    impactos ambientais em razão de suas raízes primeiras, realizam um reducionismo

    ao abordar os problemas que não podem ser transcendidos pela simples

    erradicação dos sintomas aparentes. Ou seja, a eliminação dos sintomas sem a

    supressão de suas causas formadoras traz uma ilusão de mudança, mas não

    transforma a realidade do problema que nos atinge.

    Percebemos uma visão unilateral da questão ambiental que fragmenta a

    realidade ao explicar o todo através das partes. Constata-se, desta forma, uma

    sequência de explicações que separam: a explicação técnica da política; a visão

    ecológica da social; a abordagem individualista da coletiva; a percepção dos efeitos

    das causas e a esfera do consumo da esfera da produção, todas, expressões

    reducionistas que não respondem à complexidade do problema. (LIMA, 1999)

    Loureiro, 2009, refere-se a esta questão:

  • 49

    Nesse tipo de pragmatismo exterioriza-se a realidade e coloca-se a solução

    exclusivamente no domínio tecnológico e na vontade de querer fazer e

    resolver, reduzindo a complexidade e a radicalidade paradigmática

    introduzida pelo ambientalismo (...) essa abordagem é reducionista,

    teoricamente inconsistente e politicamente inconseqüente. (Loureiro,

    2009:43-44)

    Como afirmam Adorno e Horkheimer, 1975, o modo tradicional de se ver a

    teoria e de construí-la sob princípios de escolas filosóficas, como o positivismo e o

    pragamatismo, a enfatiza apenas em seu significado isolado. Essa representação

    fragmentária abstrai a teoria em sua função na ciência e em seu significado para a

    existência humana. Induz alguns educadores a enxergá-la como algo que não ajuda

    a resolver os problemas postos e a separar aquele que pensa daquele que faz,

    reproduzindo a divisão hierarquizada e desigual do modo de produção capitalista.

    Esta abordagem conservadora da educação ambiental direciona-se ao

    exposto por Morin (1982), quando refere que “a ética do gênero humano está no

    desenvolvimento conjunto da consciência individual para além da individualidade, da

    participação comunitária e de sentimento de pertencimento a uma espécie, num todo

    indivisível entre indivíduo/sociedade/espécie”.

    A outra abordagem da educação ambiental que se contrapõe à primeira é a

    educação ambiental emancipatória, podendo incluir-se outras denominações como

    sinônimos ou concepções similares: crítica, popular ou transformadora. Esta

    segunda abordagem surge a partir de uma matriz histórico-crítica que vê a educação

    como elemento de transformação social, em que as atividades humanas

    relacionadas ao fazer educativo provocam metamorfoses individuais e coletivas,

    locais e globais, bem como econômicas e culturais. (LOUREIRO, 2004:90)

    Autores do pensamento complexo contrapõe-se à visão convencional e

    reducionista, no intuito de compreender as diversas relações necessárias ao abordar

    os estudos ambientais, a partir de uma perspectiva sistêmica na qual é possível

    reconhecer componentes, inter-relações e particularidades.

    Neste mesmo sentido, Leff, 2003, p 20, manifesta-se contrário às análises

    reducionistas, fragmentadas, simplificadas, baseadas em linearidade e binarismos,

  • 50

    propondo intervenções educativas condizentes com o pensamento complexo. Em

    um processo educativo pontuado por princípios de incerteza, de democracia e de

    justiça, poderia-se buscar a construção de conhecimentos numa perspectiva de

    compreensão sistêmica, rizomática da realidade e da construção do conhecimento.

    Para Loureiro, 2004, a educação ambiental transformadora busca redefinir a

    relação entre os homens e os demais seres do planeta; tem na participação e no

    exercício cidadão princípios para a definição da democracia e de relações mais

    adequadas com a vida planetária, enfocando o educar para transformar no sentido

    de romper com as práticas contrárias ao bem estar público, em prol da equidade e

    da solidariedade.

    Ao encontro deste pensar Dentz, 2006, coloca que a ação em educação

    ambiental não pode se desvincular de uma reflexão ampliada em torno das origens

    que, ao longo da história, possibilitaram a prod