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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
N.º 1147/2018-LJ/PGR
Sistema Único nº 200649/2018
HABEAS CORPUS Nº 158.856/RJ - EletrônicoIMPETRANTE: Alexandre Lopes de Oliveira e outrosCOATOR: 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (RHC 90.040)PACIENTE: José Carlos Reis LavourasRELATOR: Ministro Gilmar Mendes
Excelentíssimo Senhor Ministro Relator,
Egrégia Segunda Turma,
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS.INVESTIGAÇÃO DE ENVOLVIMENTO EMORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA.INEXISTÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE,IRRAZOABILIDADE OU TERATOLOGIA DO ATOJUDICIAL IMPUGNADO. CONSTRIÇÃO CAUTELARDEVIDAMENTE MOTIVADA. GRAVIDADECONCRETA DAS CONDUTAS DELITUOSAS.NECESSIDADE DE COIBIR A REITERAÇÃODELITIVA. FATOS DELITUOSOS SUPOSTAMENTENÃO CONTEMPORÂNEOS COM DECRETOPRISIONAL. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEIPENAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. EXCESSO DEPRAZO NÃO CONFIGURADO. COMPLEXIDADE DACAUSA. PACIENTE FORAGIDO COM DUPLACIDADANIA. PARECER PELA DENEGAÇÃO DAORDEM.
1. A prisão preventiva do paciente foi adequadamente motivadana garantia da ordem pública, a partir de elementos concretosque demonstram o risco de reiteração delitiva advindo de sualiberdade, inclusive em vista da contemporaneidade dos fatoscriminosos em tese praticados.
2. A prisão preventiva também é necessária para assegurar aaplicação da lei penal, em razão do elevado volume de recursosainda ocultados, inclusive no exterior, bem como pelo fato deque o paciente se encontra foragido da justiça brasileira,aproveitando-se da condição de cidadão português.
3. A suspensão do processo em ralação a paciente foragido,pendente pedido de extradição, não deve ocasionar a revogaçãoda prisão cautelar. Excesso de prazo não configurado.Possibilidade de livre retorno ao Brasil com a continuidade dasatividades ilícitas e com ações voltadas ao escamoteamento doscrimes cometidos.
Gabinete da Procuradora-Geral da República SAF Sul Quadra 4 Conjunto C - Brasília / DF - CEP 70050-900
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- Parecer pela denegação da ordem, com a manutenção dodecreto prisional.
I
Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado por Alexandre
Lopes de Oliveira e outros em favor de JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS, contra acórdão da 5ª
Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento a agravo regimental em
Recursos em Habeas Corpus n. 90.040/RJ e manteve a prisão preventiva decretada em
desfavor do paciente pelo Juízo da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, no âmbito
da “Operação Ponto Final” (cuja ação penal foi desmembrada com relação ao paciente
originando os autos 050650145.2017.4.02.5101), e mantida pelo Tribunal Regional Federal
da 2ª Região Federal.
O Juízo da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro decretou a prisão
preventiva do paciente, junto a diversos outros corréus, pela suposta prática dos delitos de
organização criminosa, de lavagem de ativos e de corrupção ativas1.
Foi impetrado o Habeas Corpus n. 0009210-87.2017.4.02.0000 no Tribunal
Regional Federal da 2ª Região, que manteve a prisão preventiva do paciente2.
Dessa decisão foi ajuizado o Recurso Ordinário em HC n. 90.040/RJ perante o
Superior Tribunal de Justiça, o qual foi indeferido monocraticamente pelo Ministro Relator
e, posteriormente, em sede de Agravo Regimental, negado provimento pela 5ª Turma do
STJ, em acórdão assim ementado:
“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS
QUE NEGOU PROVIMENTO À PRETENSÃO RECURSAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA
FEDERAL. CONEXÃO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE
ILEGALIDADE. DECISÃO FUNDAMENTADA. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS E
FUNDAMENTOS. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
1 Fls. 82/109 dos autos digitais.2 Fls. 80/81 dos autos digitais.
HC nº 158.856/RJ 2
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I - Conforme aduz a Súmula 122 desta Corte Superior, "Compete a Justiça Federal o processo
e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se
aplicando a regra do art. 78, II, "a", do código de processo penal".
II - In casu, a competência da Justiça Federal não é afetada pela origem do bem jurídico
atingido (federal ou estadual), uma vez que se está diante de esquema criminoso para desvio de
verba pública por uma organização criminosa, de tamanha magnitude, especificidade e com os
diversos esquemas de corrupção.
III - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se
justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, ex vi do
artigo 312 do Código de Processo Penal. IV - O decreto prisional encontra-se devidamente
fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, aptos a demonstrar a necessidade da
cautela, considerando os indícios de ser o paciente integrante de estruturada organização
criminosa voltada ao cometimento de crimes, inclusive contra a Administração Pública, o que
revela a gravidade concreta das condutas praticadas.
V - Adequada fundamentação do decisum a quo demonstrando a real possibilidade de
reiteração das condutas delitivas, portanto, não se faz viável a substituição da custódia por
medidas cautelares diversas da prisão, em razão dos múltiplos riscos à ordem pública. Agravo
Regimental desprovido. (AgRg na PET no RHC 90.040/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 13/04/2018)”
Em seguida, sobreveio o presente Habeas Corpus, distribuído por prevenção ao
Ministro Gilmar Mendes. Nesse writ, a defesa do paciente alega:
a) Ilegalidade da decisão que decretou a prisão preventiva, já que a
“Fetranspor é uma entidade privada, cujos membros (alguns) são acusados de transferir
dinheiro particular a políticos do Estado do Rio de Janeiro.”3;
b) que houve cerceamento de defesa e violação ao princípio da colegialidade
vez que, ao negar provimento monocraticamente ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus,
o Ministro Felix Fischer compeliu a defesa a interpor agravo regimental, ficando impedida
de realizar sustentação oral aos ministros da corte.
c) que a decisão da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro que decretou a prisão
preventiva do paciente, referendada pelo TRF2ªRegião e pelo STJ, não foi fundamentada
de acordo com a lei processual penal, vez que “não apontou concretamente nenhum fato
que indique que a liberdade de José Carlos Reis Lavouras possa colocar em risco a ordem
3 Fls. 38 dos autos digitais.
HC nº 158.856/RJ 3
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pública, a instrução criminal ou a aplicação da Lei Penal.”, de forma que o decreto
prisional representaria antecipação do julgamento de mérito;
d) que a prisão foi decretada com base nas palavras de dois delatores, sem
quaisquer elementos de prova, e com base na gravidade concreta dos delitos praticados,
requisito não exigido pelo artigo 282 do CPP;
e) que “não há contemporaneidade entre os fatos imputados e a necessidade
de resguardar a ordem pública”;
f) que está configurado constrangimento ilegal pelo excesso de prazo na
formação da culpa, mormente por ocasião da suspensão da ação penal
05065014520174025101.
O Ministro Relator4 requisitou informações ao Juízo da 7ª Vara Federal do Rio
de Janeiro, as quais foram prestadas às fls. 588/594.
Vieram os autos a esta Procuradoria-Geral da República, para emissão de parecer.
II
II.1.Contextualização dos fatos e das condutas imputadas ao paciente:
No presente caso, os fatos investigados na “Operação Ponto Final” demonstram
a participação intensa de JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS em intricada organização criminosa
chefiada e orquestrada pelo ex-Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, responsável
pelo desvio de milhões de dólares dos cofres do Estado.
O paciente era peça central do esquema criminoso envolvendo o sistema de
transporte público do Estado do Rio de Janeiro, ostentando posição privilegiada na
organização criminosa.
O colaborador Alvaro Nóvis revelou que JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS,
presidente do Conselho de Administração da FETRANSPOR e da RIOPAR, além de dono
da empresa Transportes Flores, o contratou para recolher regularmente propina paga por
empresas de ônibus integrantes dessa Federação, para administrar sua guarda e distribuição
4 Na fl. 585 dos autos digitais.
HC nº 158.856/RJ 4
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de parte dos valores a diversos políticos, sendo que esses aportes e despesas eram
controlados por meio de contabilidade paralela amplamente conhecida por LAVOURAS.
Em suma, apurou-se entre os anos de 2007 e 2016, por meio de seu secretário
de governo Wilson Carlos e com a operacionalização de Carlos Miranda e Carlos Bezerra,
o ex-governador reiteradamente cobrava propina no valor de 5% de todos os contratos
celebrados com o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Consumados os delitos
antecedentes de corrupção, entre os anos de 2007 e 2016, branqueavam-se as vantagens
indevidas de variadas formas, tais como:
a) doação eleitoral oficial ao Diretório Nacional do PMDB, contabilizada a
título de propina;
b) aquisição de joias de altíssimo valor de mercado (inclusive com pagamento
em espécie, sem emissão de notas fiscais);
c) aquisição de lancha em nome de “laranja”;
d) remessas milionárias de valores em espécie para Sérgio Cabral, sua esposa
Adriana Ancelmo e diversos outros familiares, além de Luiz Carlos Bezerra (assessor do
ex-governador na época dos fatos);
e) aquisição de iate, custeio de aluguel de sala comercial, pagamento de salário
de funcionários, simulação de contratos de advocacia, de consultoria e de prestação de
serviços fictícios, aplicação como receita e depósitos bancários em espécie sem origem
comprovada, retiradas (como lucros e dividendos) e integralização de cotas societárias em
nome de terceiros; utilizando-se para tanto de diversas empresas de fachada; etc.
Tudo isso decorreu, originariamente, do avanço da “Operação Lava Jato”, mas
coube à 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro processar e apreciar
os respectivos feitos devido a conexão instrumental e probatória, além de continência, com
a chamada “Operação Saqueador” (Processo n. 0057817-33.2012.4.02.5101), que por sua
vez originou as "Operações Eficiência" e "Calicute", sendo que esta última culminou com a
deflagração da "Operação Ponto Final".
Tal deflagração decorreu das provas obtidas pelo acordo de colaboração
premiada firmado entre a Procuradoria-Geral da República o doleiro Álvaro Novis,
juntamente com seu funcionário Edimar Dantas, conjugado com declarações que o réu Luiz
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Carlos Bezerra havia apresentado no interrogatório da Ação Penal n. 0509503-
57.2016.4.02.5101.
Com efeito, o conteúdo das declarações prestadas pelos referidos colaboradores
foi surpreendente e aclarou ainda mais as ilicitudes perpetradas pela organização criminosa
liderada pelo ex-governador Sérgio Cabral, desta vez incidente sobre o transporte público
municipal e intermunicipal do Rio de Janeiro, com a efetiva contribuição e solidariedade
dos empresários Jacob Barata Filho, JOSÉ CARLOS LAVOURAS, João Augusto Monteiro,
Marcelo Traça que integram a cúpula da FETRANSPOR – Federação das Empresas de
Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro – juntamente com Lélis Marcos
Teixeira, então presidente executivo da entidade e de seu principal sindicato filiado, o RIO
ÔNIBUS – Sindicato das Empresas de Ônibus da Cidade do Rio de Janeiro.
A FETRANSPOR é composta de 10 (dez) sindicatos patronais do setor de
ônibus responsáveis por transporte urbano, interurbano, de turismo e de fretamento. Esses
sindicatos, por sua vez, reúnem mais de 200 (duzentas) empresas responsáveis por 81%
(oitenta e um por cento) do transporte público regular do Estado do Rio de Janeiro.
Além dessas entidades sindicais patronais, os referidos empresários também
exercem o controle da sociedade empresária RIOPAR Participações S.A.2, que foi
constituída em agosto de 2012 e opera, sem licitação, a bilhetagem eletrônica de todos os
transportes públicos no Estado do Rio de Janeiro (Bilhete Único e RIOCARD) objeto de
recente ação civil pública do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Em síntese, a “Operação Ponto Final” logrou demonstrar que os indigitados
empresários dentre os quais está JOSÉ CARLOS LAVOURAS – integrantes do núcleo econômico
da organização criminosa – eram responsáveis por controlar a arrecadação semanal de
propina (oriunda das tarifas) junto às empresas de ônibus, repassando os valores ilícitos a
vários agentes públicos, incluindo o ex-governador Sérgio Cabral que recebeu, entre os
dias 30/7/2010 e 20/10/2016, por 203 (duzentas e três) vezes, a quantia total de R$
144.781.800,00 (cento e quarenta e quatro milhões setecentos e oitenta e um mil e
oitocentos reais). Além disso, R$ 43.400.000,00 (quarenta e três milhões e quatrocentos
mil reais) foram destinados, por ao menos 108 (cento e oito) vezes, entre julho de 2010 e
fevereiro de 2016, a Rogério Onofre, então Presidente do DETRO – Departamento de
Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro.
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Conforme as planilhas apresentadas ao Ministério Público Federal pelos
colaboradores – contemporâneas aos fatos – os valores milionários da propina foram
ocultados e movimentados ao largo do sistema bancário oficial. Os valores eram recolhidos
regularmente nas garagens de empresas de ônibus vinculadas à FETRANSPOR (por ordem
de JOSÉ CARLOS LAVOURAS) para, após, serem custodiados em transportadoras de valores, as
quais exacerbavam a autorização para custódia que qualquer empresa dessa natureza possui
– isto é, operavam francamente como instituições financeiras, inclusive com a manutenção
de contas em nome de empresas e de pessoas físicas; faziam intensas operações de
compensação entre elas, até mesmo aplicando uma espécie de remuneração mensal no
saldo custodiado.
Os repasses do dinheiro, previamente arrecadado pelo doleiro Álvaro Novis
(repita-se) a mando de JOSÉ CARLOS LAVOURAS, foram consequências do pacto espúrio
existente entre o núcleo político e o núcleo empresarial da organização, que visava
assegurar inúmeras contrapartidas da Administração Pública: (1) a manutenção de
subsídios bilionários arcados pelo Estado do Rio de Janeiro; (2) a não realização de
processos de licitação das linhas de ônibus intermunicipais; (3) a concessão de benefícios
fiscais específicos como, por exemplo, o desconto de 50% (cinquenta por cento) no IPVA –
imposto sobre a propriedade de veículos automotores – em 2014; e (4) os reiterados
aumentos das tarifas, sem observância das regras técnicas e benefícios ao setor.
São, portanto, inúmeros os aparentes vínculos da organização criminosa
inicialmente descrita na denominada “Operação Saqueador” (atos de lavagem de dinheiro
conexos à prática de corrupção em obras públicas) com outros procedimentos criminais
ainda em curso na 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, tais
como a “Operação Calicute” (corrupção em obras públicas a cargo do Governo do Estado
do Rio de Janeiro), a “Operação Mascate” (lavagem de dinheiro e quadrilha/organização
criminosa), a “Operação Eficiência” (corrupção em obras públicas a cargo do Governo do
Estado do Rio de Janeiro, lavagem internacional de dinheiro e evasão de divisas), a
“Operação Pripyat” (corrupção em obras públicas a cargo da Eletronuclear), a “Operação
Fratura Exposta” (corrupção em contratações administrativas na área de saúde pública,
além de lavagem de capitais), a “Operação Tolypeutes” (corrupção em obras públicas a
cargo do Governo do Estado do Rio de Janeiro), a “Operação Ratatouille” (corrupção em
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contratações administrativas na aquisição de merenda escolar e alimentos para presídios,
além de organização criminosa) e a “Operação Ponto Final” (corrupção praticada por
diretores das entidades do ramo de transportes do Rio de Janeiro, cujas vantagens indevidas
eram arrecadadas de empresas de ônibus e repassadas aos agentes políticos a fim de manter
as regalias do setor; além de lavagem de dinheiro, organização criminosa, evasão de divisas
e outros crimes contra o sistema financeiro).
Na introdução e no tópico n. 1 do decreto prisional de JOSÉ CARLOS LAVOURAS e
dos demais integrantes da ORCRIM investigada na "Operação Ponto Final", exarado em
2/7/2017 nos autos n. 0504942-53.2017.4.02.5101, o Juízo Titular da 7ª Vara Federal
Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro consignou uma síntese dessa importante
contextualização, nos seguintes termos:
O Ministério Público Federal afirma que com o desenrolar das investigações no âmbito das
Operações Calicute e Eficiência foi possível desbaratar uma gigantesca Organização
Criminosa-ORCRIM responsável por desvio milionário de dinheiro dos cofres públicos do
Governo do Estado do Rio de Janeiro, cuja liderança é atribuída ao ex-governador Sérgio
Cabral dos Santos Filho.
Em decorrência das investigações, e principalmente a partir das provas trazidas aos autos
em razão das medidas cautelares decretadas judicialmente no bojo das referidas operações e
durante a instrução da respectiva ação penal, foi possível identificar vários núcleos e
operadores financeiros atuantes na organização criminosa, inclusive no âmbito do transporte
público.
Assim, a partir do depoimento prestado em sede de interrogatório por Luiz Carlos Bezerra,
réu na ação penal nº 0509503-57.2016.4.02.5101, ele admitiu que as anotações feitas nas suas
agendas apreendidas (medida cautelar nº 0509567-67.2016.4.02.5101) referiam-se à
contabilidade paralela da Organização Criminosa – ORCRIM supostamente liderada por Sergio
Cabral e que procedia desta forma para prestar constas a Carlos Miranda. Em tais
apontamentos, constam os codinomes “Jardim”, “Flowers” e “Garden”, sendo referentes à
Companhia Viação Flores.
Aduz o Ministério Público Federal que, conforme pesquisa da ASSPA, a “Companhia
Viação Flores” trata-se da Empresa de Transportes Flores Ltda., cujo sócio administrador,
JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS, além de sócio de mais treze empresas ligadas ao ramo
de transporte, figura como membro do Conselho de Administração da RIOPAR
PARTICIPAÇÕES SA (Bilhete Único e RioCard), juntamente com JACOB BARATA FILHO,
na condição de presidente, e LÉLIS MARCOS TEIXEIRA como secretário da mesa apuradora.
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Foi ainda apurado que JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS e LÉLIS MARCOS
TEIXEIRA integram o quadro de administração da Federação das Empresas de Transportes de
Passageiros do Estado do Rio de Janeiro – FETRANSPOR, bem como o conselho de
administração da CONCESSIONÁRIA DO VLT CARIOCA S.A, juntamente com JACOB
BARATA FILHO, este último sócio de diversas empresas vinculadas ao ramo de transportes.
Ao prosseguir nas investigações, o MPF apresentou outras evidências, por meio dos termos
de colaboração premiada de EDIMAR MOREIRA DANTAS e ÁLVARO JOSÉ GALLIEZ
NOVIS, suposto operador financeiro da ORCRIM, que indicaram a estreita ligação entre os
empresários citados, com a organização criminosa. E também de MARCELO TRAÇA
GONÇALVES, vice-presidente do conselho de administração da FETRASNPOR e associado à
concessionária do VLT Carioca S/A, e de ROGERIO ONOFRE, ex-diretor do DETRO, com os
referidos empresários.
No presente momento, o Ministério Público Federal, em conjunto com a Polícia Federal,
entende necessária a autorização do Juízo para a tomada de medidas cautelares mais gravosas,
considerando o envolvimento relevante de cada um dos investigados nos ilícitos perpetrados
pela ORCRIM que descreve.
É o relatório. DECIDO.
Trata-se da continuidade de investigações e processos criminais em curso neste Juízo
Federal especializado quanto à prática de diversos crimes por uma mesma ORCRIM que teria
atuado por vários anos no Governo do Estado do Rio de Janeiro, no seio da Secretaria de
Obras, Secretaria de Transportes, Secretaria de Saúde, razão pela qual considero interessante
reiterar algumas impressões que tenho lançado ao decidir sobre medidas cautelares
semelhantes.
A referida ORCRIM teria atuado desde 2007 até os dias atuais na intimidade do Governo
do Estado do Rio de Janeiro e, após as práticas de inúmeros atos de corrupção, teria cometido
outros tantos ilícitos com o objetivo de atribuir falsamente características de legitimidade aos
recursos criminosamente auferidos. Tenho consignado que, como qualquer outra organização
profissional, a ORCRIM demanda uma estrutura profissional que conte com alguns agentes que
sejam de confiança do “líder”. Nestes casos, não se trata de prática criminosa individual, mas
sim de múltiplos atos ilícitos cometidos por um conglomerado sofisticado de pessoas naturais e
jurídicas, com tarefas divididas entre os diversos membros.
Para o órgão ministerial o esquema de corrupção engendrado no âmbito do Governo do
Estado encontra-se organizado a partir de quatro núcleos básicos de agentes, a saber: o núcleo
econômico, formado pelos executivos das empresas organizadas em cartel; o núcleo
administrativo, composto por gestores públicos do Governo do Estado, os quais
solicitaram/receberam propinas de empreiteiras e outras empresas, no caso dos autos, do setor
HC nº 158.856/RJ 9
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de transporte; o núcleo financeiro operacional, cuja principal função era promover a lavagem
do dinheiro desviado dos cofres públicos; e o núcleo político, integrado pelo líder da
organização Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho.
As investigações levadas a efeito até então, em análise ainda preliminar, permitiram
identificar com clareza o modo de atuação de significativa parte das ações da organização
criminosa, além de indícios suficientes de materialidade e autoria para demonstrar a prática de
diversos crimes. Nesse sentido, encontram-se em curso neste Juízo as ações penais (proc. nos
0509503-57.2016.4.02.5101 e 0501634-09.2014.4.02.5101) sobre fatos intimamente
relacionados aos ora analisados.
(...)
Como dito alhures, a presente operação é fruto da descoberta de esquemas revelados nos
acordos de leniência firmados no bojo da operação Calicute, bem como das colaborações
homologadas pelo STJ, todas de investigados ligados a ORCRIM liderada por Sergio Cabral.
Nesses depoimentos, foi confirmado o pagamento de propinas, nos moldes do realizado pelas
empreiteiras (com investigação em curso nesse Juízo), só que no setor de transporte público,
com o fito de garantir tarifas e contratos relacionados ao Estado do Rio de Janeiro. Assim,
igualmente àquela operação, a empreitada criminosa, ora em comento, relaciona-se ao desvio
de verbas públicas em setor público, por agentes públicos e empresários intimamente ligados ao
ex-governador Sérgio Cabral.
Nessa toada, foi homologado pelo STJ, na Petição n° 11.962-DF, e compartilhado com esse
Juízo, acordo de colaboração com ÁLVARO JOSÉ GALLIEZ NOVIS, suposto operador
financeiro da ORCRIM. Segundo o próprio afirmou, ele foi contratado por JOSÉ CARLOS
REIS LAVOURAS (Presidente do Conselho de Administração da FETRANSPOR e sócio da
Viação Flores) para recolher regularmente dinheiro em algumas empresas de ônibus integrantes
da Federação, e repassar para alguns agentes políticos, especialmente, Sergio Cabral, in verbis:
“Que a relação com LAVOURAS se iniciou por volta de 1990, com uma relação de
amizade, que com o passar do tempo LAVOURAS virou cliente da corretora HOYA, que a
partir de 1991 a FETRANSPOR, a mando de JOSE CARLOS LAVOURA, passou a utilizar
os serviços do Colaborador para efetuar custódia e pagamentos de vantagens indevidas a
políticos, que o colaborador sabia que os pagamentos feitos pela FETRANSPOR eram
realizados para garantir benefícios relacionados a linhas de ônibus, tarifas, etc, ...” –
depoimento prestado no STJ (grifei)
“Que os pagamentos feitos a CARLOS MIRANDA eram destinados ao ex-governador
SERGIO CABRAL; Que as entregas feitas a CARLOS MIRANDA se davam da seguinte
forma: CARLOS MIRANDA entrava em contato com JOSÉ CARLOS LAVOURAS,
indicando o endereço da entrega; Que, então, LAVOURAS indicava ao Colaborador o local
HC nº 158.856/RJ 10
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onde deveria ser entregue o recurso; Que os pagamentos para SERGIO CABRAL via CARLOS
MIRANDA se iniciaram no período em que SERGIO CABRAL encontrava-se da ALERJ; Que
já efetuou pagamentos para SERGIO DE CASTRO OLIVEIRA ('SERJÃO'), mas de forma
mais esporádica” - depoimento prestado na sede do Ministério Público (grifei).
Assim, ao que parece, sujeitos ocupantes de cargos de direção das entidades do ramo dos
transportes pagavam vantagens indevidas, provenientes das empresas de ônibus, aos agentes
políticos com o intuito de manter as regalias no setor, alimentando o esquema criminoso, o que
torna impossível desvincular os delitos imputados a cada empresário de toda a estrutura
orquestrada pela organização criminosa. (...)”
Nesse contexto, se mostram importantes algumas considerações adicionais
acerca do “caixa dois” da FETRANSPOR, de sua contabilidade paralela e da contribuição
regular das empresas que aderiram ao esquema de propinas, com atenção especial para o
protagonismo de JOSÉ CARLOS LAVOURAS na organização e administração do esquema
criminoso. Veja-se:
Na qualidade de colaborador, o doleiro Álvaro Novis – dono da HOYA
CORRETORA e operador financeiro da organização criminosa liderada por Sérgio Cabral
no setor de transporte público do Rio de Janeiro – revelou ter sido contratado, em 1990 ou
1991, por JOSÉ CARLOS LAVOURAS – Presidente do Conselho de Administração da
FETRANSPOR (desde 1988) e da RIOPAR, além de dono da Empresa de Transportes
FLORES Ltda. – para ajudá-lo no recolhimento regular de dinheiro de caixa dois nas
garagens de algumas empresas de ônibus vinculadas à FETRANSPOR, com o auxílio de
empresas de transporte de valores nas quais ficavam custodiados até a ordem de
distribuição a políticos ou aos próprios donos das empresas de ônibus que participavam da
“caixinha”.
A distribuição do dinheiro era sempre determinada por JOSÉ CARLOS
LAVOURAS, às vezes à transportadora de valores, outras vezes ao próprio Álvaro Novis, que
entregava valores pessoalmente ou delegava a tarefa aos seus funcionários da HOYA
CORRETORA. O Presidente do Conselho de Administração da FETRANSPOR (JOSÉ
CARLOS LAVOURAS) também se responsabilizava por repassar aos “colaboradores”,
mensalmente, a relação das empresas de ônibus e os valores que deveriam ser recolhidos
em cada uma delas, toda semana. O repasse dessa planilha era realizado por intermédio de
Carlos Roberto Alves, gerente financeiro da federação. Por conta disso, JOSÉ CARLOS
HC nº 158.856/RJ 11
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LAVOURAS era o principal articulador dos pagamentos espúrios. Cabia a ele a
intermediação entre os demais empresários do setor, o Presidente Executivo da
FETRANSPOR (Lélis Teixeira), os agentes públicos e os operadores financeiros da
organização criminosa.
O colaborador Álvaro Novis revelou ainda que o controle de ingresso e saída
de valores era feito em planilhas cujos lançamentos estavam a cargo de seu funcionário
Edimar Dantas, que também celebrou acordo de colaboração premiada. A FETRANSPOR
possuía 2 (duas) contas “centralizadoras” nesse sistema de contabilidade paralela, uma sob
o codinome F/NETUNO e a outra F/SABI. A primeira servia para registro dos créditos
gerados pela “caixinha” das empresas de ônibus que participavam do esquema. A segunda
era usada dizia respeito aos débitos de distribuição de propinas em dinheiro destinadas a
agentes públicos, entre os quais figurava o ex-governador Sérgio Cabral, o então Presidente
do DETRO (Rogério Onofre) e políticos não incluídos nas denúncias das ações penais n.
0505914-23.2017.4.02.5101 e 0505915-08.2017.4.02.5101 por gozarem de foro por
prerrogativa de função, mas que detinham competência para editar atos administrativos que
regulavam o setor de transporte público municipal e intermunicipal do Estado do Rio de
Janeiro e, consequentemente, poder para afetar os interesses das empresas de ônibus, seja
praticando atos em seu benefício, seja deixando de praticar atos que pudessem lhes
prejudicar.
A arrecadação dos recursos para alimentar a conta “F/SABI” contava com
a atuação coordenada dos empresários JOSÉ CARLOS LAVOURAS, Jacob Barata Filho,
Marcelo Traça, Lélis Teixeira e João Augusto Monteiro – cabendo ao primeiro, como
Presidente do Conselho de Administração da FETRANSPOR, articular os
recolhimentos das “contribuições” junto às empresas de ônibus que participavam da
“caixinha de propina” e repassar as ordens de distribuição de valores ao operador
Álvaro Novis. Este último também realizava o controle dos sobreditos pagamentos e da
devolução de valores aos próprios empresários de ônibus que contribuíam para a
“caixinha” – certamente para arcar com propinas a servidores públicos ainda não
identificados e/ou para outros usos inconfessáveis.
A análise dos arquivos recuperados no pendrive entregue pelos colaboradores
ao Superior Tribunal de Justiça permitiu identificar que tais “contribuições” – aportadas
HC nº 158.856/RJ 12
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por 26 (vinte e seis) empresas de ônibus, apenas no período de janeiro de 2013 a fevereiro
de 2016 – totalizaram R$ 250.580.638,13 (duzentos e cinquenta milhões, quinhentos e
oitenta mil, seiscentos e trinta e oito reais e treze centavos), conforme apontado no
Relatório de Pesquisa nº 5940/2017, da Assessoria de Pesquisa e Análise do Ministério
Público Federal – ASSPA/MPF. A tabela a seguir sintetiza essas informações:
Além dos montantes recolhidos nas empresas de ônibus, parte dos valores que
os empresários mantinham em contas paralelas também foi utilizada para alimentar o
“caixa de propina” da FETRANSPOR na conta F/SABI. Assim, somados os valores
recolhidos nas empresas relacionadas acima – todas vinculadas aos denunciados – com os
recursos mantidos em suas contas particulares, chega-se à seguinte estimativa de valores:
Denunciado Valores para o caixa da propina
JOSÉ CARLOS LAVOURAS R$ 77.606.964,33
Jacob Barata Filho R$ 27.754.990,00
João Augusto Monteiro R$ 23.419.394,00
Marcelo Traça Gonçalves R$ 40.924.165,11
Lélis Marcos Teixeira R$ 1.000.000,00
HC nº 158.856/RJ 13
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Nota-se, portanto, o protagonismo e a extrema influência de JOSÉ CARLOS
LAVOURAS no funcionamento e manutenção das atividades da ORCRIM investigada.
LAVOURAS fazia o gerenciamento dos recursos recolhidos das empresas e repassados ao
políticos e empresários envolvidos no esquema, coordenando todo o esquema criminoso.
II.2. Legalidade da decisão da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro quedecretou a prisão preventiva do paciente.
Da análise dos fatos mencionados acima, percebe-se que não assiste razão à
defesa do paciente quando afirma ser ilegal a decisão da 7ª Vara Federal Criminal do Rio
de Janeiro, por não haver verba federal envolvida nos crimes perpetrados. Tais argumentos
já foram exaustivamente analisados e refutados pelo juízo de piso, pelo Tribunal Regional
Federal da 2ª Região e Superior Tribunal de Justiça
Salientou-se, à exaustão, que a prisão de JOSÉ CARLOS LAVOURAs decorreu da
chamada “Operação Ponto Final”, que foi um desdobramento das Operações Calicute
(processo 0509503-57.2016.4.02.5101) e Eficiência (processo 0510282-
12.2016.4.02.5101). Em tais operações, apura-se a prática de sistemática e estruturada de
atos de corrupção, evasão de divisas (com engenhoso processo de envio de recursos para o
exterior) e lavagem de dinheiro, praticados por organização criminosa chefiada pelo ex-
Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, inclusive com o desvio de verba pública
federal destinada à reforma do estádio do Maracanã, à construção do Arco Metropolitano e
ao chamado PAC das Favelas.
Analisado os processos e seus desdobramentos, nota-se que os agentes, os fatos
criminosos e as operações estão intimamente interligadas e devem ser todas processadas e
julgadas por um mesmo juízo, mormente tendo em vista o amplo quadro de conexão
probatória que as envolve.
Diferentemente do que alega a defesa, tem-se que a competência para julgar os
crimes investigados pela “Operação Ponto Final” não foi fixada em razão da origem do
dinheiro desviado - se estadual ou federal – e sim por prevenção às Operações Calicute e
Eficiência, ambas em trâmite na 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Além disso,
HC nº 158.856/RJ 14
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deve-se observar o patente interesse da União, seja por causa da conexão entre as ações
penais referentes à mesma organização criminosa, seja pela imputação de crimes contra o
sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro em contas no exterior.
Assim, como já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça5:“Compete à
Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência
federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo
Penal.”.
Evidente, portanto, a legalidade da prisão preventiva decretada pela 7ª Vara
Federal Criminal do Rio de Janeiro contra o paciente.
II.3. Inocorrência de cerceamento de defesa ou de ofensa ao princípio da
colegialidade.
Os impetrantes afirmam, sem maiores considerações, que a decisão
monocrática que negou provimento ao Recurso Ordinário em HC interposto pela defesa
junto ao STJ, violou o princípio da colegialidade e cerceou o direito de defesa do paciente
pois impediu a realização de sustentação oral pela defesa técnica.
Contrariamente ao alegado, houve, sim, a devida observância da garantia
constitucional da ampla defesa, sendo oportunizado ao paciente o amplo acesso a seus
advogados e aos documentos que instruem a ação penal nº 050650145.2017.4.02.5101.
Além disso, a orientação jurisprudencial dessa Suprema Corte “é firme no sentido de que a
sustentação oral, em princípio, não é ato essencial à defesa”6, de forma que sua ausência
não pode ser ensejar a reforma da decisão da 5ª Turma do STJ que manteve a prisão
preventiva do denunciado.
Embora afirmem genericamente terem sido impedidos de realizar a defesa
adequada do paciente por não ser admitida a sustentação oral no julgamento do agravo
regimental, os impetrantes não demonstraram, em nenhum momento, evidências concretas
de qualquer o prejuízo efetivo a sua atuação. A súmula 523 do STF é clara ao afirmar que:
“No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só
o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.”
5 Enunciado de Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça.6 HC 140495, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 23/05/2017,PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 06-06-2017 PUBLIC 07-06-2017.
HC nº 158.856/RJ 15
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E não há prova de prejuízo!
De outro lado, o STF “reconhece a validade do julgamento monocrático (em
casos de aplicação de jurisprudência dominante) e a constitucionalidade da vedação de
sustentação oral no julgamento de agravo regimental.7”, de forma que não há cerceamento
de defesa a ser reconhecido.
A mera alegação genérica de prejuízo não enseja decretação de nulidade. Nesse
sentido:
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOSIMPLES. PRONÚNCIA. ARTIGO 413, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSOPENAL. EXCESSO DE LINGUAGEM NÃO CONFIGURADO.NULIDADES PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DEEFETIVO PREJUÍZO. 1. O juízo singular se limitou a narrar os fatos descritosda denúncia e as provas colhidas na instrução processual com o fim dedemonstrar a materialidade do fato e indícios suficientes de autoria, sem emitirqualquer juízo de valor, alinhado no que preceitua o art. 413 do Código deProcesso Penal. 2. O sistema de nulidades previsto no Código de ProcessoPenal, no qual vigora o princípio do pas de nullité sans grief, orienta que,inexistindo prejuízo, não se proclama a nulidade do ato processual. EstaSuprema Corte tem, reiteradamente, se posicionado no sentido de que sefaz necessária a demonstração de efetivo prejuízo para a decretação denulidade, seja ela absoluta ou relativa (HC 107.769/PR, Rel. Min. CármenLúcia, 1ª Turma, DJe 28.11.2011), hipótese não ocorrida no presente feito. 3.Agravo regimental conhecido e não provido. (HC 125215 AgR, Relator(a):Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 04/06/2018, PROCESSOELETRÔNICO DJe-116 DIVULG 12-06-2018 PUBLIC 13-06-2018)
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVODE AGRAVO REGIMENTAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DEDROGAS. CORRUPÇÃO PASSIVA. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL.ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INADEQUAÇÃO DA VIAELEITA. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado em substituição ao agravoregimental cabível na origem. Inadequação da via eleita. Precedentes. 2. OSupremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada no sentido deque não se proclama nulidade sem a demonstração de efetivo prejuízo, nostermos da Súmula 523/STF: “No processo penal, a falta da defesa constituinulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova deprejuízo para o réu.”. 3. Na hipótese dos autos, houve alegação de nulidadedesacompanhada da indispensável comprovação de efetivo prejuízo,conforme exigido pelo art. 563 do CPP e pela Súmula 523/STF. No caso, ojulgador, diante do conflito entre a razoável duração do processo e a garantia daampla defesa, ordenou o prosseguimento da causa, tendo em vista que a defesa
7 (HC 138413 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 15-03-2017 PUBLIC 16-03-2017)
HC nº 158.856/RJ 16
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não apresentou prova convincente de prejuízo para os acusados. 4. Ausência deteratologia, ilegalidade flagrante ou abuso de poder que autorize a concessão daordem de ofício. 5. Habeas Corpus não conhecido, revogada a liminar. (HC147709 / TO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Relator(a) p/ Acórdão:Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma. DJe-115 DIVULG 11-06-2018PUBLIC 12-06-2018 )
Não há que se reconhecer, portanto, o alegado cerceamento de defesa.
II.4. Da presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva de JOSÉ CARLOS
REIS LAVOURAS.
Tendo em conta os sólidos e coerentes fundamentos fáticos e jurídicos
plasmados nas decisões dos juízos e tribunais inferiores, proferidas até hoje, fica evidente a
legalidade e necessidade da prisão preventiva do paciente JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS.
O mero descontentamento da defesa com a manutenção da prisão preventiva e
com os argumentos apresentados pelos magistrados das instâncias inferiores, os quais
denegaram os sucessivos pedidos de liberdade do paciente, não significa que as decisões
não foram devidamente fundamentadas nem, tampouco, que os fundamentos não
encontram respaldo nas provas produzidas e nos fatos evidenciados durante toda a
investigação.
Os impetrantes limitam-se a repisar argumentos já apreciados – e refutados –
pelo juízo de piso, pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região e pelo Superior Tribunal de
Justiça, desconsiderando todo o debate efetuado nas instâncias inferiores e vilipendiando o
princípio da colegialidade. Buscam, na prática, evitar a todo custo que o paciente responda
perante a lei brasileira pelos gravíssimos crimes por ele praticados, no âmbito de grande e
intrincada organização criminosa.
Em outras palavras, as alegações contidas nesta impetração revelam mero
inconformismo com decisões legítimas de instâncias inferiores, sendo insuficientes a
ensejar a revogação da prisão preventiva do paciente, decretada pela autoridade coatora
originária.
Não há como afirmar que a segregação cautelar decretada em face de JOSÉ
CARLOS REIS LAVOURAS pelo juízo da 7a Vara Federal Criminal da SJ/RJ carece de
fundamentação concreta e não demonstra a presença dos requisitos legais.
HC nº 158.856/RJ 17
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Com efeito, para que a prisão preventiva seja adequadamente decretada, devem
estar presentes: (i) uma das condições de admissibilidade (pressupostos normativos) previstas
no artigo 313, do CPP e os requisitos genéricos das cautelares fumus comissi delicti e
periculum libertatis; (ii) um dos pressupostos (requisitos fáticos) previstos no artigo 312,
caput, do CPP (garantia da ordem pública, ordem econômica, aplicação da lei penal ou
instrução criminal, ou do seu parágrafo único; (iii) a necessidade, adequação e utilidade do
provimento (proporcionalidade), próprio das medidas intrusivas na esfera de liberdade do
cidadão, e a insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão.
Todos estes requisitos foram devidamente preenchidos no presente caso e
apontados na decisão que decretou a prisão preventiva, conforme será demonstrado a
seguir.
É necessário que se busque, na interpretação das normas de direito material e
formal, a harmonia entre sua finalidade e o interesse coletivo, até porque a liberdade não
representa um direito absoluto, ele está condicionado aos marcos interpessoais e complexos
do indivíduo na sociedade que integra.
A prisão cautelar, portanto, é medida excepcional, mas inevitável quando a
liberdade do agente põe em risco a ordem pública, a instrução processual ou a aplicação da
lei penal. Deve-se ressaltar que a prisão cautelar tem natureza processual e a dúvida,
neste âmbito, milita em prol da sociedade, tendo grande relevo à conveniência da
instrução, que deve ser realizada de maneira equilibrada e com necessária lisura na busca
da verdade real.
São muitos os precedentes do Supremo Tribunal Federal que chancelam o uso
excepcional da prisão preventiva para impedir que o investigado, acusado ou sentenciado
torne a praticar certos delitos enquanto responde a inquérito ou processo criminal. Da
mesma forma, a segregação cautelar é plenamente cabível quando decretada para garantir
que o acusado se furte à aplicação da lei. Os fundamentos legais corretos, nesse caso, para
decretação e manutenção da custódia cautelar, é a garantia da ordem pública e da aplicação
da lei penal, previstas no art. 312 do Código de Processo Penal, perfeitamente compatíveis
com o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5o, inciso LVII, CF/1988).
Adiante transcrevem-se trechos de vários julgados ilustrativos:
HC nº 158.856/RJ 18
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Prisão preventiva. Afora a gravidade concreta da infração penal, a reiteração naprática criminosa constitui motivo hábil a justificar a manutenção da prisão cautelarpara resguardar a ordem pública, conforme o art. 312 do Código de Processo Penal.(STF, 1a Turma, HC-AgR n. 116.744, rel. Min. Rosa Weber, DJ de 13/8/2013)
A privação cautelar da liberdade individual – cuja decretação resulta possível emvirtude de expressa cláusula inscrita no próprio texto da Constituição da República(CF, art. 5o, LXI), não conflitando, por isso mesmo, com a presunção constitucionalde inocência (CF, art. 5o , LVII) – reveste-se de caráter excepcional, somente devendoser ordenada, por tal razão, em situações de absoluta e real necessidade. (STF, 2 a
Turma, HC n. 94.194/CE, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20.11.2012)
A decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública estádevidamente fundamentada em fatos concretos a justificar a segregação cautelar, emespecial diante da possibilidade de reiteração criminosa, a qual revela a necessidadeda constrição. (STF, 2a Turma, HC n. 96.997, rel Min. Ricardo Levandowski, DJ de9/6/2009)
A custódia cautelar do Paciente mostra-se suficientemente fundamentada na garantiada ordem pública, não havendo, portanto, como se reconhecer o constrangimento,notadamente porque, ao contrário do que se alega na petição inicial, existem nos autoselementos concretos, e não meras conjecturas, que apontam a periculosidade doPaciente, circunstância suficiente para a manutenção da prisão processual. (STF, 1a
Turma, HC n. 94.260, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 17/6/2008)
[…] a garantia da ordem pública, por sua vez, visa, entre outras coisas, evitar areiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos (STF, 2a Turma,HC n. 84.658/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 03/6/2005) INCLUIRAPLICAÇÃO DA LEI PENAL
Ao contrário do que alega a defesa, todo e qualquer fato (isolado ou em
combinação com outros elementos) capaz de indicar de que a personalidade do agente é
voltada à criminalidade e ostenta risco de reiteração constitui, em tese, fundamento idôneo
da medida cautelar de prisão preventiva para garantia da ordem pública.
Nesse amplo rol de condutas, condições ou circunstâncias, estão abrangidos,
por exemplo, o histórico pessoal do suspeito, seu comportamento perante a comunidade e,
até mesmo, as características específicas do(s) delito(s) cuja prática se lhe atribui – seja no
mesmo processo ou inquérito, seja em outro(s) – em especial quando corroboradas por
elementos diversos que convirjam para a mesma conclusão.
A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal coleciona vários precedentes. Eis
alguns:
HC nº 158.856/RJ 19
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A Magistrada, no momento da prolação da sentença, fundamentou suficientemente anecessidade de decretação da prisão do paciente, não só diante da gravidade doscrimes praticados e da repercussão destes, mas, igualmente, para evitar a repetição daação criminosa. 4. Tais fundamentos encontram amparo no art. 312 do Código deProcesso Penal, que autoriza a prisão cautelar para garantia da ordem pública. 5. Hájusta causa no decreto de prisão preventiva para garantia da ordem pública, quando oagente se revela propenso a prática delituosa, demonstrando menosprezo pelas normaspenais. Nesse caso, a não decretação da prisão pode representar indesejável sensaçãode impunidade, que incentiva o cometimento de crimes e abala a credibilidade doPoder Judiciário. (STF, 1a Turma, HC n. 83.868, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de5/3/2009).
Se as circunstâncias concretas da prática do crime revelam a periculosidade do agentee o risco de reiteração delitiva e, por conseguinte, à ordem pública, justificada está adecretação ou a manutenção da prisão cautelar, desde que igualmente presentes boasprovas da materialidade e da autoria [...] (RHC n. 106.697, Primeira Turma, MinistraRelatora Rosa Weber, DJe 11/5/2012)
A decisão proferida pelo juiz de direito - que decretou a prisão preventiva - observouestritamente o disposto no art. 1°, da Lei n° 9.034/95 e no art. 312, do CPP, eis que háelementos indicativos no sentido de que as atividades criminosas eram realizadasde modo reiterado, organizado e com alta poder ofensivo à ordem pública. 5. Agarantia da ordem pública é representada pelo imperativo de se impedir a reiteraçãodas práticas criminosas. (STF, 2a Turma, HC n. 94.739, rel. Min. Ellen Gracie, DJ de7/10/2008)
Aliás, no RHC n. 134.121/PE, em decisão monocrática datada de 20/4/2016, o
Ministro Luiz Fux confirmou ser possível até mesmo o uso de atos infracionais pretéritos
como fundamentos para a prisão preventiva, nos seguintes termos:
A prevalecer o argumento de que a prática de atos infracionais na menoridadenão se comunica com a vida criminal adulta, ter-se-á que admitir o absurdo de que oagente poderá reiterar na prática criminosa logo após adquirir a maioridade, sem quese lhe recaia a possibilidade de ser preso preventivamente.
A possibilidade real de reiteração delituosa constitui, fora de dúvida, baseempírica subsumível à hipótese legal da garantia da ordem pública.
No caso concreto deste habeas corpus, infere-se da leitura dos autos que os
motivos que fundamentaram a decretação da prisão preventiva de JOSÉ CARLOS REIS
LAVOURAS são hígidos e se apoiaram em inúmeros elementos probatórios, todos idôneos
para o deferimento. Observa-se ainda que a medida atende, integralmente, aos requisitos
dispostos no art. 312 do Código de Processo Penal.
II.4.a. Condições de admissibilidade (pressupostos normativos) previstas no artigo
313, do CPP e o requisito genérico das cautelares fumus comissi delicti.
HC nº 158.856/RJ 20
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De acordo com o disposto no artigo 313 do Código de Processo Penal a prisão
preventiva é admitida: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade
máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso,
em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver
violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou
pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; ou
ainda quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer
elementos suficientes para esclarecê-la.
No referido contexto é que se inserem as inúmeras condutas penalmente
relevantes imputadas ao paciente JOSÉ CARLOS LAVOURAS e os demais membros da referida
organização criminosa Jacob Barata Filho, Lélis Marcos Teixeira, Marcelo Traça
Gonçalves, Cláudio Sá Garcia de Freitas, David Augusto da Câmara Sampaio, Rogério
Onofre de Oliveira, Dayse Deborah Alexandra Neves, Otacílio de Almeida Monteiro e
Enéas da Silva Bueno, cujos papéis abrangiam atividades ilícitas habituais de altíssima
gravidade, relevância e periculosidade social, conforme será detalhado adiante.
II.4.b. Das condutas criminosas atribuídas especificamente ao paciente JOSÉ CARLOS
LAVOURAS:
Sabe-se que José Carlos Lavouras, Presidente do Conselho de Administração
da FETRANSPOR desde 1988 e empresário do setor de transporte público a frente de
inúmeras empresas de ônibus, era o principal articulador dos pagamentos espúrios
realizados pela ORCRIM, fazendo a intermediação entre os demais empresários do setor, o
Presidente Executivo da FETRANSPOR, Lélis Teixeira, os agentes públicos e os
operadores financeiros Álvaro Novis e Edimar Dantas.
Com efeito, o paciente foi denunciado pelos crimes de corrupção ativa,
pertinência a organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem
de dinheiro, praticados no âmbito de intrincada organização criminosa, em que detinha
papel central e estratégico na execução e ocultação das empreitadas criminosas perpetradas
no setor de transporte público do Estado do Rio de Janeiro.
HC nº 158.856/RJ 21
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Assim, pela participação no esquema criminoso descrito, foram imputados a
JOSÉ CARLOS LAVOURAS as seguintes condutas criminosas:
a) Corrupção ativa por 203 vezes (art. 333 c/c art. 71 ambos do CP), entre o
período de 30/07/2010 a 20/10/2016, por prometer, oferecer e pagar vantagem indevida ao
ex-Governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, num valor total de R$ 144.781.800,00
(cento e quarenta e quatro milhões, setecentos e oitenta e um mil e oitocentos reais), para
que determiná-lo à prática de atos de ofício em benefício das empresas do setor de
transporte público do Estado do Rio de Janeiro.
b) Lavagem de dinheiro por 197 vezes (art. 1º, §4º, da Lei 9.613/98) por
ocultar e dissimular a origem, natureza, disposição, movimentação e propriedade de pelo
menos R$ 141.430.000,00 (cento e quarenta e um milhões, quatrocentos e trinta mil reais)
entre o período de 30/07/2010 e 20/10/2016;
c) Crimes contra o sistema financeiro nacional: c.1) fazer operar
instituição financeira sem autorização (artigo 16), e c.2) movimentação contábil
paralela (art. 11) ambos da Lei n° 7.492/86, por ter, de forma consciente e voluntária, em
em comunhão de desígnios com outros denunciados, operado instituição financeira sem a
devida autorização, valendo-se da posição de custódia do Banco Guanabara perante a
transportadora de valores PROSEGUR.
d) Pertinência a organização criminosa (art. 2º, §4º, II, da Lei n°
12.850/2013) por ter, entre o período de 01/01/2007 e 17/11/2016, integrado, promovido,
constituído, financiado, de forma estável, consciente e voluntária, uma organização
criminosa voltada à prática de crimes de corrupção ativa e passiva, fraude à licitação,
cartel, lavagem de dinheiro, dentre outros, em detrimento do Estado do Rio de Janeiro.
De tudo transcrito até o momento, verifica-se que JOSÉ CARLOS LAVOURAS tinha
total ciência e ingerência sobre os pagamentos de propina pela FETRANSPOR, através do
operador financeiro Álvaro Novis, contratado pessoalmente por ele, além de conhecer a
fundo a sistemática adotada pela ORCRIM, inclusive com a utilização de empresas de
transporte de valores, bem como da remessa da propina arrecadada para contas mantidas no
exterior.
HC nº 158.856/RJ 22
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Os supracitados crimes são punidos com pena privativa de liberdade máxima
superior à 4 anos, estando preenchido, assim, o requisito exigido no artigo 313 do Código
de Processo Penal.
Além disso, a parte final do artigo 312 do CPP exige, para a decretação da
prisão preventiva, a prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (fumus
comissi delicti).
A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente examinou
minuciosamente as provas de materialidade e indícios de autoria do delito, destacando a
participação de JOSÉ CARLOS LAVOURAS no esquema ilícito.
E frise-se: a prisão se baseou em inúmeras provas corroborativas e não apenas
no depoimento de colaboradores, como tenta fazer crer a defesa.
Esses elementos suprem o requisito da justa causa para a implementação da
constrição cautelar. Cabe destacar que já foi ofertada e recebida denúncia no âmbito da
“Operação Ponto Final”, o que reforça a presença do fumus comissi delicti na espécie.
II.4.c. Pressupostos (requisitos fáticos) previstos no artigo 312, caput, do CPP
(garantia da ordem pública, ordem econômica, aplicação da lei penal ou instrução
criminal ou do seu parágrafo único) e periculum libertatis.
O artigo 312 exige, ainda, como pressuposto da decretação da prisão
preventiva, a existência do periculum libertatis, representado pela comprovação do risco
efetivo que o agente causa à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à
aplicação da lei penal.
Ao contrário do quanto alegado pela defesa, a existência do periculum
libertatis no presente caso foi devidamente demonstrada no decreto prisional e nas
informações prestadas pelo Juízo da 7a Vara Criminal da SJ/RJ, conforme se observa do
trecho descrito a seguir:
“Restou apurado, ainda, que JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS e LÉLISMARCOS TEIXEIRA eram integrantes do quadro de administração daFederação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de
HC nº 158.856/RJ 23
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Janeiro - FETRANSPOR, bem como o Conselho de Administração daCONCESSIONÁRIA DO VLT CARIOCA S.A, juntamente com JACOBBARATA FILHO, este último sócio de diversas empresas vinculadas ao ramode transportes (Relatório 2935/2017 - fls. 156-167 dos autos originários).
Premissas essas que firmaram o convencimento deste juízo, no sentido deJOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS, LÉLIS MARCOS TEIXEIRA, JACOBBARATA FILHO, MARCELO TRAÇA e JOÃO AUGUSTO MORAISMONTEIRO juntos, posicionados nos cargos de alto escalão daFETRANSPOR, RIOPAR, RIOÔNIBUS e Concessionária do VLT CariocaS/A, eram os verdadeiros responsáveis pelo comando do setor detransportes do Rio de Janeiro.
Outras evidências que ampararam o decreto de prisão preventiva advieram determos de colaboração premiada feitos por EDIMAR MOREIRA DANTAS eÁLVARO JOSÉ GALLIEZ NOVIS, supostos operadores financeiros doesquema, os quais atestaram uma estreita ligação entre os empresários citados,com dita organização criminosa. E também de MARCELO TRAÇAGONÇALVES, Vice- Presidente do Conselho de Administração daFETRASNPOR e associado à concessionária do VLT Carioca S/A, e deROGERIO ONOFRE, ex-diretor do DETRO, com os referidos empresários.
Veio a corroborar a exposição de LUIZ CARLOS BEZERRA os elementoscoligidos na cautelar de quebra de sigilo telefônico, onde foram identificadas34 (trinta e quatro) ligações telefônicas entre a EMPRESA DETRANSPORTES FLORES LTDA, administrada por JOSÉ CARLOS REISLAVOURAS e o primeiro.
De todo o material coligido e acima mencionado, dentre outros elementosde prova, foi permitida a identificação, com mais clareza, do modo deatuação de significativa parte das ações da organização criminosa, além deindícios suficientes de materialidade e autoria para demonstrar a práticade diversos crimes. Nesse sentido, já está em curso neste juízo ação penal(autos nº 0509503-57.2016.4.02.5101) sobre fatos intimamente relacionadosaos ora analisados.
Por oportuno, faz-se necessário enfatizar que, em casos como os tais, não setrata de prática criminosa individual, mas sim de múltiplos atos ilícitoscometidos por um conglomerado sofisticado de pessoas naturais e jurídicas,com tarefas divididas entre os diversos membros.
E não se pode deixar de considerar que os casos de corrupção não podemser tratados como crimes menores, pois a gravidade de ilícitos penais nãodeve ser medida apenas sob o enfoque da violência física imediata, já queos primeiros, tal como naqueles em que há violência ou grave ameaça, têmenorme potencial para atingir, com severidade, um número infinitamentemaior de pessoas. Basta considerar que os recursos públicos que sãodesviados por práticas corruptas deixam de ser utilizados em serviçospúblicos essenciais, como saúde e segurança públicas.
HC nº 158.856/RJ 24
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(…)
Repita-se, aqui, que os relatos contidos nas representações formuladas pelaacusação demonstraram, em análise inicial e provisória, a existência de núcleosorganizados para o fim da prática reiterada de crimes contra a AdministraçãoPública; núcleos estes que, inter-relacionados, subsidiaram uma organizaçãocriminosa para o mesmo fim, qual seja, a lesão ao erário com a subsequentelavagem, ocultação e divisão do produto ilícito entre agentes públicos corruptose pessoas e empresas particulares voltadas a práticas empresariais corruptas.
Conjuntura que, noutro viés, esta a denotar a gravidade social da práticacriminosa liderada por pessoa no exercício do cargo de Chefe do PoderExecutivo do Estado do Rio de Janeiro, e que durante muitos anos no PoderLegislativo do Estado do Rio de Janeiro e no Poder Legislativo da União foiportador dos votos de confiança de muitos milhões de cidadãos neste Estado, oque jamais poderá ser tratado com o rigor dirigido à prática criminosa comum.Preponderou, do até agora reunido na espécie, elementos suficientes eaptos à demonstração de uma atuação de empresários do setor dostransportes, que supostamente movimentam, através de suas empresas deônibus e da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros doEstado do Rio de Janeiro (FETRANSPOR), vultosas quantiasdirecionadas à organização criminosa, com o fito de manter privilégios noreferido setor.
De modo específico a JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS, é importantesalientar ainda o acordo de colaboração premiada firmado por ÁLVAROJOSÉ GALLIEZ NOVIS, homologado pelo Egrégio Superior Tribunal deJustiça (Petição nº 11.962/DF), no qual se esclareceu que a contrataçãodesse último, diretamente pelo paciente, repita-se, então Presidente doConselho de Administração da FETRANSPOR e sócio da Viação Flores,deu-se para o exercício da função, no esquema criminoso organizado, dearrecadar dinheiro em algumas empresas de ônibus integrantes daFederação e repassá-lo a pessoas indicadas. (...)
(…)
ÁLVARO JOSÉ GALLIEZ NOVIS acostou, ainda, no feitoretromencionado, um "pendrive" com a planilha indicativa do movimentoparalelo, entre os anos de 2010 a 2016, pelos ditos empresários,notadamente JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS, LÉLIS MARCOSTEIXEIRA, JACOB BARATA FILHO e JOÃO AUGUSTO MONTEIRO. Nacontabilidade, foram apurados mais de R$ 260.000.000,00 (duzentos esessenta milhões de reais) entre pagamentos aos empresários e políticos. Ocolaborador ainda informou a existência de acordo referente ao recebimento devantagem indevida, proveniente do setor de transporte por SERGIO CABRAL,através de CARLOS MIRANDA.
(…)
HC nº 158.856/RJ 25
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No mais, por meio de compartilhamento de provas deferido pelo ColendoSuperior Tribunal de Justiça, no bojo da cautelar n° 2017/0067367-1, foiacostado aos autos o acordo de colaboração firmado no âmbito da"Operação Quinto de Ouro" com JONAS LOPES DE CARVALHOJUNIOR, ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio deJaneiro - (fls. 1811/1817). Em tal depoimento, foi relatado que o orapaciente, juntamente com LÉLIS MARCOS TEIXEIRA e JACOB BARATAFILHO eram responsáveis por oferecer vultosas quantias aos conselheiros eao Governo do Rio de Janeiro, em nome da FETRANSPOR e dasempresas de ônibus, a fim de manter análise favorável em processos dotribunal relacionados aos serviços públicos de transporte.
Seria ingênuo se pensar, numa intrincada organização criminosa como ainvestigada, que uma vez que estes últimos não sejam mais ocupantes dasmesmas funções públicas no governo, não se estaria diante um riscoconcreto de reiteração criminosa, ou mesmo da prática de atos obstrutivosda gigantesca investigação que vem sendo feita pela Força Tarefa da LavaJato neste Estado. Em desfavor de tal ideia, basta ainda observar que opartido político atualmente responsável pela administração estadual é omesmo a que pertenciam (não consta que tenham sido excluídos dosquadros partidários) vários investigados e acusados da referidaorganização criminosa.
De outra monta, as cifras envolvidas nas citadas transações pelaorganização criminosa aqui apontado, na casa das centenas de milhões dereais, são indicativas da capacidade de influência política dosrepresentados e da potencial capacidade de desestimular testemunhas epessoas lateralmente envolvidas a colaborar com as investigações, que sãomuitas e complexas, ainda em curso.
Dessa feita, a prisão cautelar de JOSÉ CARLOS REIS LAVOURAS fez-senecessária para a continuidade às investigações relacionadas àorganização criminosa, bem como para o intento de interromper o supostociclo de propina no setor. Por consequência, evidentemente inócua qualqueroutra medida cautelar alternativa visando a impossibilitar o contato do pacientecom outros investigados, com qualquer pessoa com acesso ou influência aossetores relacionados da administração pública; ou, finalmente, para a evitaçãode um atuar dos membros no intuito de ocultar bens ou valores ilícitos ouobtidos criminosamente, o que é cada vez mais simples e rápido no atualestágio tecnológico e de interconectividade em que vivemos.”
Desse modo, observa-se que o paciente detinha inegável posição de liderança
na organização criminosa, tendo atuado em uma série de operações de arrecadação e
pagamento de propina, compra de medidas legislativas e de remessa ilegal de valores para
o exterior, além de atos de lavagem de capitais no Brasil.
HC nº 158.856/RJ 26
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Deve-se ressaltar, ainda, que o paciente - detentor de dupla cidadania (brasileira
e portuguesa) - foi para Portugal (coincidentemente) pouco antes da decretação de sua
prisão, onde se encontra foragido da justiça brasileira até os dias de hoje. Pendente pedido
de extradição junto à justiça portuguesa, o paciente tem livre trânsito pelos países
integrantes da União Europeia, o que permite fácil acesso a diversas instituições bancárias
em que os valores ilícitos transferidos para o exterior podem ser movimentados e,
provavelmente, ainda estão guardados.
Ou seja, em liberdade, o paciente poderá livremente vir ao Brasil e terá todos
os mecanismos necessários para continuar atuando de forma a maquiar os recursos que já
foram desviados e que ainda, eventualmente, permaneçam nas contas da quadrilha.
Com efeito, sendo a expressão “proteção à ordem pública” nitidamente
genérica, para que ela tenha concretude e robustez suficientes a justificar uma privação de
liberdade de natureza realmente cautelar e não meramente antecipatória da pena, faz-se
necessário lhe atribuir um significado que seja iluminado por critérios mais objetivos, ou
menos etéreos, calibrando-os, em seguida, pela noção de cautelaridade própria à prisão
preventiva.
Nessa linha é que por “proteção à ordem pública” como uma das finalidades da
prisão preventiva deve-se compreender, por exemplo, o acautelamento do corpo social
diante do justo e plausível receio de que o investigado ou réu, caso solto, volte a
delinquir8. E haverá receio plausível e justificado de reiteração delitiva quando as
circunstâncias objetivas como o tempo e o modo em que praticados os fatos criminosos
assim indicarem. 8 Sobre o tema, não ha como deixar de recorrer à lapidar lição do Min. Ayres Britto:
“O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade das pessoas e do patrimô-nio (art. 144 da CF/1988). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar maisou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoasou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e dro -gas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, po-rém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio socialcontra fatores de perturbação que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Nãoda incomum gravidade abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si docrime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito. Donde o vínculo operacionalentre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordempública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio (assim como daviolação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social”. (HC101.300, rel. min. Ayres Britto, j. 5-10-2010, 2ª T, DJE 18-11-2010)
HC nº 158.856/RJ 27
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Aqui, entra em cena a noção de contemporaneidade (dos fatos em relação ao
decreto de prisão), erigida por alguns, inclusive pelo Exmo. Relator Gilmar Mendes, como
requisito para que a prisão preventiva decretada unicamente para proteger a ordem pública
seja válida. Essa ideia parte do raciocínio de que crimes muito distantes no tempo, quando
desacompanhados de qualquer outra circunstância própria aos demais fundamentos que, à
luz do art. 312 do CP, justificam a prisão preventiva (como condutas do investigado de se
furtar à aplicação da lei penal), não são aptos a fazer nascer na comunidade justo e
plausível receio de reiteração delitiva, de modo que não oferecem, a princípio, risco à
ordem pública.
Seguindo esse raciocínio, vê-se que tempo do fato criminoso (o seu “quando”,
ou a sua contemporaneidade) importa apenas como mais um elemento que, quando
conjugado com outros, integra o processo de análise quanto à plausibilidade, ou não, do
risco de reiteração delitiva. Daí que não há fórmulas absolutas capazes de indicar o quão
recente deve ser um fato criminoso para que o receio da sua reiteração justifique a prisão
preventiva daquele que o cometeu.
A respeito da necessidade de que os fatos que ensejam a prisão preventiva
fundada no risco à ordem pública sejam contemporâneos à implementação da medida, vale
citar o entendimento exposto pelo Ministro Edson Fachin no julgamento do HC n.
143.333: “O que deve ser avaliado, em verdade, é se o lapso temporal verificado retira ou
não a plausibilidade concreta de reiteração delituosa. A aferição da atualidade do risco,
como todos os vetores da prisão preventiva, exige apreciação particularizada, descabendo
superlativar a análise abstrata da distância temporal do último ato ilícito imputado ao
agente.”
Aliás, outros Ministros dessa Suprema Corte têm, em decisões monocráticas
recentes, mantido prisões preventivas decretadas com base unicamente no risco à ordem
publica, relativas a crimes cometidos vários anos antes dos respectivos decretos prisionais,
justamente por considerarem que, apesar de o crime não ser tão recente, é a soma das
circunstâncias do caso concreto que deve indicar a plausibilidade do risco da reiteração
delitiva e, assim, justificar a segregação cautelar.
HC nº 158.856/RJ 28
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No HC n. 151.436, por exemplo, o Ministro Luís Fux, em dezembro de 2017,
manteve prisão preventiva decretada em 2017 contra paciente acusado da pratica, em 2013,
de crime ambiental e formação de quadrilha.
No HC n. 148.014, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, manteve-se a
prisão preventiva decretada em 09/03/2016 contra paciente acusado de praticar o crime de
roubo de veiculo automotor em 1/3/2011. Veja-se trecho da decisão:
˜Na espécie, verifico que, assim como consignado pelo STJ, a prisão cautelar está de-vidamente fundamentada, baseada na gravidade concreta da conduta evidenciada pe-las circunstâncias em que praticado o crime (subtração de caminhão e carga de ex-pressivo valor, com emprego de armas e restrição à liberdade da vítima) e nos fortesindícios de que o paciente integre uma quadrilha especializada em roubos de carga.
Observo, ainda, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que a pri-são preventiva tenha fundamento na reiteração criminosa como violadora da ordempública, haja vista a participação em organização criminosa”.
No caso dos autos, há farto material probatório a indicar a prática de crimes por
JOSÉ CARLOS LAVOURAS, associado criminosamente aos demais integrantes da organização
criminosa, desde os anos 80 até o início de 2017, pouco antes da decretação da prisão
preventiva dos membros da ORCRIM.
Dizer que crimes praticados por quase 30 (trinta) anos (em reiteração delitiva) -
de 1988 (quando o paciente assumiu a presidência da FETRANSPOR e iniciou as
atividades ilícitas) até, pelo menos, o início de 2017– não são aptos a justificar uma prisão
preventiva decretada em julho de 2017 por não serem contemporâneos, seria o mesmo que
dizer que essa modalidade de prisão apenas se justifica diante de fatos criminosos presentes
– o que, a toda evidência, equivaleria a eliminar a prisão preventiva do ordenamento
jurídico pátrio, fazendo subsistir, em seu lugar, apenas a prisão em flagrante.
A posição de liderança e articulação de sofisticada organização criminosa, a
circunstância de JOSÉ CARLOS LAVOURAS ter na prática de ilícitos a sua forma de trabalho há
décadas, a gravidade em concreto dos crimes por ele praticados (a demonstrar, na linha da
jurisprudência dessa Suprema Corte, a sua periculosidade), assim como a evidente
contemporaneidade dos crimes - tudo comprovado nos autos da ação principal, e não fruto
de mera especulação ou afirmações genéricas – indica que a única forma de sobrestar as
atividades ilícitas incorridas pelo paciente é mediante a sua custodia cautelar. Do contrário,
HC nº 158.856/RJ 29
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o risco de reiteração delitiva é óbvio e inegável; assim, a necessidade de manutenção do
decreto de prisão cautelar se funda, antes de mais nada, no risco que a liberdade de JOSÉ
CARLOS LAVOURAS traz à ordem pública.
Além disso, deve-se considerar a real possibilidade de o paciente continuar
atuando na ocultação e branqueamento dos valores desviados pela ORCRIM para o
exterior. Imaginar que uma vida criminosa, como a do paciente, será interrompida por
mágica é algo muito pueril. Não é isso que a realidade demonstra. Pelo contrário, apenas a
amarga, mas concretamente necessária, medida cautelar de prisão preventiva terá o condão
de preservar a ordem pública, impedindo que o paciente, garantida sua liberdade, possa
retornar ao Brasil e dar continuidade a sua bem sucedida carreira criminosa.
II.4.d. Inexiste constrangimento ilegal fundado em suposto excesso de prazo na
formação da culpa. Complexidade da causa justifica maior lapso temporal para
apuração das condutas imputadas aos acusados. Denúncia recebida nos autos
originais. Suspensão da ação penal 0506501-45.2017.4.02.5101 foi causada
exclusivamente pelo acusado, que se encontra foragido da justiça e se recusa a voltar
ao Brasil.
Por fim, a defesa busca a revogação do decreto prisional afirmando existir
constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, agravado pela
suspensão da ação penal 05065014520174025101.
A tese não merece êxito. Não restou configurado o constrangimento ilegal
alegado pelos impetrantes.
A jurisprudência dessa Suprema Corte é pacífica no sentido de que a
complexidade da causa justifica a extensão do lapso temporal para a realização das
investigações e para a formação da culpa em casos específicos. Exatamente o caso dos
autos, nos quais se investiga intrincada organização criminosa acusada da prática de
diversas condutas criminosas e composta por inúmeros investigados. Nesse sentido:
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO
QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA
CULPA NÃO CONFIGURADO. 1. A razoável duração do processo não pode ser considerada
HC nº 158.856/RJ 30
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de maneira isolada e descontextualizada das peculiaridades do caso concreto. 2. A
jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “o excesso de prazo
da instrução criminal não resulta de simples operação aritmética, impondo-se considerar
a complexidade do processo, atos procrastinatórios da defesa e número de réus
envolvidos, fatores que, analisados em conjunto ou separadamente, indicam ser, ou não,
razoável o prazo para o encerramento” (HC 180.426/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe
07.8.2012). 3. Agravo regimental conhecido e não provido.(HC 148351 AgR, Relator(a): Min.
ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 24/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
282 DIVULG 06-12-2017 PUBLIC 07-12-2017)
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DECISÃO
MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ-LA.
MANUTENÇÃO DA NEGATIVA DE SEGUIMENTO. EXCESSO DE PRAZO.
INOCORRÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO DA DEFESA E DESLINDE PRÓXIMO. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o
julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. Não há ilegalidade
evidente ou teratologia a justificar a excepcionalíssima concessão da ordem de ofício na
decisão que mantém prisão preventiva, na hipótese em que se verifica contribuição da
defesa para o alongar da marcha processual e a solução do feito já se avizinha. Ademais, o
prazo para formação da culpa não é dotado de expressão de improrrogabilidade,
incumbindo à avaliação das particularidades do caso concreto segundo critérios de
mínima razoabilidade. 3. Agravo regimental desprovido. (HC 134771 AgR, Relator(a): Min.
EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 28/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
243 DIVULG 16-11-2016 PUBLIC 17-11-2016)
Além disso, deve-se observar que a denúncia já foi oferecida (em 07/08/2017)
e recebida nos autos da ação principal, de forma que não se verifica o alegado
constrangimento ilegal por excesso de prazo.
Quanto à suspensão da ação penal 05065014520174025101 pelo juízo de piso,
verifica-se que é fruto da postura do próprio paciente que, aproveitando-se do fato de ter
dupla cidadania (brasileira e portuguesa), encontra-se em terras lusitanas e se recusa a
voltar para o Brasil, com o claro intuito de esquivar-se da aplicação da lei penal brasileira e
manter-se impune dos gravíssimos crimes aqui cometidos.
O suposto excesso de prazo, decorrente da suspensão da ação penal em
decorrência da fuga do próprio réu, não pode ser considerado em seu favor para embasar a
revogação da prisão preventiva.
HC nº 158.856/RJ 31
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
O Supremo Tribunal Federal vem mantendo a prisão preventiva de pacientes
cujas atitudes demonstraram, concretamente, a pretensão de se furtar à aplicação da lei
penal. Eis alguns julgados ilustrativos:
“Habeas corpus. 2. Homicídio qualificado nas modalidades tentada e consumada. Prisão
preventiva decretada. 3. Alegação de ausência dos requisitos autorizadores da custódia
cautelar (art. 312 do CPP). Demonstrada a necessidade da prisão para garantia da ordem
pública e da instrução criminal. Fundado receio de reiteração delitiva. Fuga do distrito da
culpa 4. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que é válido o decreto
cautelar fundamentado na fuga do distrito da culpa, notadamente quando demonstrada a
pretensão de se furtar à aplicação da lei penal, sob pena de o deslinde do crime em questão
ficar à mercê de seu suposto autor. 5. Ordem denegada. (STF, Segunda Turma, HC n.
130.507/MT, Ministro Relator Gilmar Mendes, votação unânime, julgado em 17/11/2015,
acórdão publicado no dia 2/12/2015)
PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MODO DE
EXECUÇÃO DO DELITO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. FUGA DO DISTRITO DA
CULPA. 1. Os fundamentos utilizados revelam-se idôneos para manter a segregação cautelar
do recorrente, na linha de precedentes desta Corte. A decisão aponta de maneira concreta a
necessidade de (a) garantir a ordem pública, considerada a gravidade em concreto do crime,
supostamente praticado com uso de violência doméstica, mediante disparos de arma de fogo
contra a própria esposa, causando-lhe a morte; e (b) para assegurar a aplicação da lei penal,
dada a intenção de empreender fuga do distrito da culpa. 2. A jurisprudência desta Corte
firmou-se no sentido de que a primariedade, a residência fixa e a ocupação lícita não possuem
o condão de impedir a prisão cautelar, quando presentes os requisitos do art. 312 do Código
de Processo Penal, como ocorre no caso. 3. Habeas corpus denegado. (STF, Segunda Turma,
HC n. 130.412/RS, Ministro Relator Teori Zavascki, votação unânime, julgado em 3/11/2015,
acórdão publicado no dia 19/11/2015)
Desta forma, havendo elementos concretos que apontam para possível
ocultação de recursos em poder dos envolvidos, para situação de fuga do paciente e a sua
grande facilidade de trânsito pelo continente europeu, verifica-se que a manutenção do
decreto de prisão preventiva se mostra necessária para a garantia da ordem pública e para
assegurar a aplicação da lei penal, caso o requerente retorne ao Brasil.
HC nº 158.856/RJ 32
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
IV
Ante o exposto, a PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA manifesta-se pela
denegação da ordem.
Brasília, 26 de julho de 2018.
Raquel Elias Ferreira DodgeProcuradora-Geral da República
HC nº 158.856/RJ 33
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