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Ministério Público do Estado de Santa CatarinaCentro de Apoio Operacional Criminal (CCR)Parecer n. 005/2008/CCR
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. LEI N. 11.705/2008. ALTERAÇÕES AO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALGUMAS PONDERAÇÕES.
Senhores Membros do Ministério Público:
A recente edição da Lei n. 11.705, de 19 de junho de
2008, alterando o Código de Trânsito Brasileiro, trouxe a imposição de novas
regras, administrativas e penais, para o condutor que dirigir veículo automotor
sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência. Conseqüentemente, mesmo a par do debate que tem
provocado na sociedade em geral, com respeitáveis opiniões favoráveis e
contrárias ao novo texto legal, atrevemo-nos a tecer alguns singelos
comentários, ainda que correndo o risco de falar a respeito de um assunto
novo, controvertido e não sedimentado. Até porque a novel legislação tem
gerado dúvidas variadas, inclusive no âmbito do nosso Ministério Público, cujos
membros têm procurado cotidianamente este Centro de Apoio Operacional
Criminal, externando-as. Todavia, longe de uma opinião final sobre as
discussões que estão apenas começando, o nosso propósito é o de contribuir
para com o debate institucional, sem qualquer caráter vinculativo (art. 54, VI, da
Lei Complementar Estadual n. 197, de 13 de julho de 2008).
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Pois bem, antes do exame propriamente dito dos
novos comandos trazidos pela Lei n. 11.705/08, não devemos esquecer que a
embriaguez ao volante é uma das mais graves causas dos milhares de
acidentes de trânsito ocorridos neste País, reconhecidamente. De fato, a
sociedade brasileira tem testemunhado, atônita, a ação irresponsável e, não
raras vezes, sem punição, de motoristas alcoolizados que insistem em fazer
dos seus veículos verdadeiras armas, usando-as para retirar a vida de um
incontável número de pessoas indefesas. No nosso Estado, a situação não é
diferente. Sabidamente, já há algum tempo, Santa Catarina vem figurando
como um dos entes federativos líderes do vergonhoso ranking nacional dos
acidentes com mortes, nas estradas, provocados pelo consumo indiscriminado
de bebida alcoólica, infelizmente.
Nesse passo, antes de qualquer exegese, sob pena
do completo divórcio da realidade, é preciso ter em mente que qualquer nova
lei que trate de trânsito, tipificando uma infração administrativa ou mesmo um
crime, necessariamente deve vir acompanhada da esperança de lograr diminuir
as indecentes estatísticas fatais, fruto da impunidade e da falta de mecanismos
ágeis de repressão, dentre outros aspectos, sem dúvida alguma. E, com efeito,
sem perder de vista essa premissa, próximo da triste realidade do trânsito e na
defesa intransigente da vida, é que a Lei n. 11.705/08 deve ser interpretada.
Aliás, impende esclarecer que, já nas primeiras semanas de vigência da nova
Lei, houve significativa redução do número de acidentes com mortes no nosso
Estado, conforme amplamente divulgado pela mídia, o que não pode ser
esquecido em qualquer interpretação legislativa, certamente, diga-se de
passagem.
Prosseguimos, pois.
1. A NOVA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA :
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De início, impõe-se distinguir o crime e a infração
administrativa de embriaguez ao volante. A conduta prevista no art. 306 tipifica
o delito de embriaguez ao volante, enquanto que a disciplina do art. 165
estabelece a infração administrativa, ambos do CTB. Por enquanto, ficaremos
com a infração administrativa apenas, por uma questão metodológica.
Em sua redação original, o Código de Trânsito
Brasileiro (Lei n. 9.503/97) dispunha que constituía infração administrativa
“dirigir sob influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de
sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica” (antigo art. 165 do CTB). Era necessário,
portanto, a presença de seis decigramas de álcool por litro de sangue para a
configuração da referida infração. Entretanto, há dois anos, com o advento da
Lei n. 11.275/2006, a exigência de seis decigramas foi parcialmente suprimida
da legislação. O art. 165 passou a dispor que constitui infração administrativa
“dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou
que determine dependência física ou psíquica”, pura e simplesmente.
Dissemos que a exigência foi parcialmente suprimida porque, a despeito disso,
o art. 276 do CTB continuava a dispor que “a concentração de seis decigramas
de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de
dirigir veículo automotor”, o que gerava discussão a respeito do quantum da
concentração alcoólica para efeito da caracterização da embriaguez: bastava
dirigir sob a influência de álcool ou era preciso uma concentração mínima de
seis decigramas? Agora, porém, a recente edição da Lei n. 11.705/2008,
finalmente, pôs uma pá de cal nessa discussão, ao asseverar, expressamente,
que dirigir sob a influência de álcool, por si, caracteriza a infração
administrativa, sem preocupar-se com a concentração o teor alcoólico do
motorista, tão-só, em suma.
Eis a nova redação dos artigos 165 e 276 do CTB:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
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Infração - gravíssima; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.
[...]
Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Não há dúvida, portanto, que qualquer concentração
de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penas do art. 165 do CTB.
Essa premissa veio expressa na Lei e não admite discussão. Decorreu daí o
apelido de “lei seca”. A tolerância do nível máximo de álcool por litro de sangue
foi igualada a zero. Na verdade, o efeito catastrófico do álcool forçou o Brasil a
reduzir continuamente os limites de alcoolemia, até chegar ao patamar mínimo,
a exemplo de vários outros países do mundo. Agora, não se admite mais que
alguém ingira qualquer quantidade de álcool e venha a dirigir veículo
automotor. Se assim proceder estará cometendo uma infração administrativa,
punida com multa e suspensão do direito de dirigir (penalidades), além da
apreensão da carteira e da retenção provisória do veículo (medidas
administrativas imediatas). Não é preciso que esteja dirigido de forma anormal
(perigo concreto). Basta que esteja sob a influência do álcool, qualquer que
seja o teor da sua concentração (perigo abstrato). Repetimos: “qualquer
concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades
previstas no artigo 165”, asseverou o art. 276 do CTB, expressamente. Foi uma
opção legislativa e ponto final.
Outras modificações também vieram à tona.
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A expressão “qualquer substância entorpecente ou
que determine dependência física ou psíquica” foi substituída por “qualquer
outra substância psicoativa que determine dependência”. Incluiu-se, portanto,
qualquer substância que possua a capacidade de alterar o comportamento, o
humor e a cognição do homem, desde que determine sua dependência, como
a maconha, cocaína, lança perfume, etc...
A penalidade de tal infração administrativa
gravíssima passou a ser de multa (cinco vezes) e suspensão do direito de
dirigir por doze meses, o que foi uma evidente evolução. A Lei anterior não
estabelecia o prazo para a suspensão. Além disso, de forma imediata, a Lei
autoriza a apreensão da carteira e a retenção provisória do veículo. Isso
porque é evidente que a aplicação da multa e da suspensão do direito de dirigir
deve preceder de regular processo administrativo, em que seja possibilitada a
ampla defesa do condutor, sob pena de ofensa aos mais comezinhos princípios
constitucionais.1 Esse, aliás, é o comando do art. 265 do CTB. Entretanto, as
outras duas conseqüências (temporárias) decorrentes da infração
administrativa (apreensão da carteira e retenção provisória do veículo) devem
ser aplicadas de imediato pela autoridade de trânsito, quando da abordagem
ao motorista. Porém, essa mesma autoridade deve restituir a habilitação e
liberar o automóvel tão logo superado o estado de embriaguez do motorista. No
caso de restituição do carro, ainda enquanto o motorista estiver embriagado, o
agente de trânsito pode entregá-lo a outra pessoa que proceda a sua direção.
Só depois de julgado o processo administrativo, com a possibilidade de defesa,
é que a multa e a suspensão da habilitação devem ser aplicadas.
Ainda no que se refere à infração administrativa, na
sua empreitada de combate à embriaguez ao volante, para a constatação da
influência do álcool ou de outra substância psicoativa, além do tradicional
exame de alcoolemia (teste do bafômetro ou sangue), o legislador estabeleceu
que os agentes públicos podem utilizar os instrumentos do art. 277 do CTB,
também alterado pela Lei n. 11.705/2008. Vejamos:
1 TJSC, Agravo de Instrumento 2003.009899-2, relator Des. Luiz Cézar Medeiros
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Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006)
§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.(Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006)
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
Note-se, portanto, conforme o comando do caput do
art. 277, que, diante da suspeita de dirigir sob a influência de álcool, o motorista
deve ser submetido à prova pericial para a constatação do seu estado (exame
de sangue, bafômetro, exame clínico, etc..). A suspeita de embriaguez não
equivale a sua certeza, no entanto. A certeza advirá do exame. É a mera
suspeita que autoriza a realização do exame, apenas. Essa suspeita ficará a
critério da autoridade de trânsito e pode ser a mais variada possível,
dependendo do caso concreto.
O § 2º do art. 277 deixou claro, também, que se o
condutor não quiser submeter-se a realização dos testes de alcoolemia, as
disposições legais permitem uma alternativa para suprir essa negativa. É
possível a obtenção de outras provas em direito admitidas (exame clínico,
testemunhas, etc...), acerca dos notórios sinais de embriaguez, como forma de
atestar a influência do álcool no motorista. Isso é pacífico na jurisprudência e
não exige comentários aprofundados.
Aliás, por falar na negativa do condutor em
submeter-se aos exames de alcoolemia, a nova Lei trouxe uma novidade não
tão pacífica assim (§ 3º). Ao contrário do que a leitura perfunctória do art. 277
pode parecer crer, o motorista tem a faculdade, sim, de recusar-se a fazer os
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testes de alcoolemia (sangue e aparelhos de ar). É sabido que a jurisprudência
nacional assentou que não se pode obrigar o motorista ao exame de
alcoolemia. De fato, à luz das normas e dos princípios constitucionais, ninguém
está obrigado a produzir provas contra si mesmo. Todavia, o cerne da questão,
aqui, não é este. O legislador não obrigou o motorista a submeter-se ao teste
de alcoolemia. Pelo contrário, deixou claro que ele pode recusar-se a essa
submissão. Entretanto, se essa for a sua opção incidirá nas mesmas penas da
infração administrativa de embriaguez ao volante. Em suma, pode-se
considerar, em outras palavras, que dirigir embriagado é uma infração
administrativa e recusar-se ao teste de alcoolemia é outra. Ambas, porém, são
punidas com a mesma sanção administrativa. Foi exatamente isso o que disse
o legislador ao escrever o § 3º do art. 277.
Sinceramente, não se vislumbra óbice constitucional
para o legislador determinar, por lei, que quem se recusar a submeter-se ao
exame de alcoolemia deve sujeitar-se às mesmas sanções administrativas
daquele que está dirigindo sob a influência de álcool. Ora, diante da situação
atual vivenciada nas estradas brasileiras (o que justifica a proporcionalidade), o
legislador entendeu que quem se recusar a fazer o teste de bafômetro, por
exemplo, está praticando uma infração administrativa. O motorista não tem a
obrigação de submeter-se ao bafômetro e, conseqüentemente, fazer prova
contra si. Isso é certo. Todavia, se assim entender, está praticando uma
infração administrativa punida com a mesma sanção prevista no art. 165 do
CTB. Não há obrigatoriedade, porque o motorista pode optar entre fazer o teste
ou arcar com a sanção administrativa. Qual a inconstitucionalidade desse novo
comando legislativo?
É imperioso observar que a ninguém é dado o direito
de dirigir veículo automotor indistintamente. Esse direito é concedido
administrativamente pelo Estado, lato sensu considerado. Para poder dirigir o
motorista tem que se submeter aos testes escritos (avaliação teórica), físicos
(avaliação médica) e de direção (avaliação prática). Só depois de ultrapassar
todas essas etapas é que está apto a dirigir. O poder público, finalmente, pode
concede-lhe esse direito. Posteriormente, diante do seu poder de polícia,
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compete à administração pública fiscalizar se o condutor continua apto a dirigir
ou não. Não podemos esquecer que as habilitações têm prazo de validade,
devendo ser renovadas periodicamente, submetendo-se o motorista a novas
avaliações. De igual sorte, não há óbice ao Estado proceder à fiscalização
contínua dos motoristas nas estradas, a fim de saber se estão dirigindo a
contento ou não, se continuam aptos ou não, permanente ou transitoriamente.
Esse é o típico poder de polícia da administração pública. Pode, então, é claro,
haver fiscalização no trânsito da embriaguez ao volante, quando o agente
público suspeitar desta condição. E, se pode, é justo que os motoristas tenham
o indiscriminado direito de recusar-se a essa fiscalização, sob a alegação de
que não podem ser submetidos aos exames de alcoolemia, porque não estão
obrigados a fazer prova contra si, num eventual futuro processo penal,
invocando o seu direito constitucional ao silêncio num simples processo
administrativo? Francamente!
O poder público determinou, por meio da edição da
Lei n. 11.705/08, que ninguém pode dirigir depois de ingerir qualquer
quantidade de álcool. Essa foi uma opção do legislador. Entendeu que a
direção sob a influência alcoólica (com qualquer concentração) reduz a
capacidade de concentração e de domínio do veículo. Achou exagerado o
número de acidentes envolvendo motoristas alcoolizados e resolveu tratar com
maior severidade a questão, determinando a tolerância zero. Por qual razão
não pode, portanto, fiscalizar os motoristas? E, para poder fiscalizá-los, impõe-
se saber o grau do teor alcoólico, necessariamente. É preciso usar o bafômetro
ou fazer o exame de sangue, portanto. Mas o motorista pode recusar-se. Afinal
ele não pode ser obrigado a fazer prova contra si. Todavia, a sua recusa,
asseverou a própria Lei, importa numa outra infração administrativa. Até porque
se, por um lado, o condutor tem direito individual de não fazer prova contra si,
por outro, o Estado tem a obrigação social de fiscalização do trânsito, também.
Ambas têm origem constitucional. Se não se pode impor a obrigação de fazer
prova contra si, por qual motivo a recusa do bafômetro não pode ser tida como
uma infração administrativa? O indivíduo foi compelido a fazer prova contra si?
Não. Só terá que fazer uma opção: ou faz o bafômetro ou incide numa outra
infração administrativa, punida com as mesmas penas do art. 165.
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Não se pode, aqui, interpretar a Lei de uma forma
simplista do ponto de vista constitucional. Está-se diante de uma legislação de
trânsito, com reflexos sociais. Assim, em suma, se a administração pública
entregou ao motorista o direito de dirigir, pode muito bem lhe retirar esse
direito, caso não cumpra com os requisitos que ela mesma, por lei,
estabeleceu. E, não se submeter ao exame de alcoolemia sempre que
chamado, data venia, é um desses requisitos. Não o fazendo, possível
perfeitamente a suspensão do direito de dirigir.
Por exemplo, ad argumentandum tantum, de acordo
com o art. 309 do CTB, dirigir veículo automotor sem permissão ou habilitação,
em via pública, gerando perigo de dano, é crime. Da mesma, dirigir sem
possuir habilitação também se constitui numa infração administrativa, nos
termos do art. 162, I, do CTB. Em razão disso, o agente de trânsito pode pedir
que o motorista lhe apresente a carteira, a fim de verificar se tem ou não
habilitação. E, se pode, o motorista tem a faculdade de dizer que não vai lhe
mostrar sua habilitação, porque afinal ninguém pode fazer prova contra si? O
agente que se vire para provar que ele, motorista, não estava habilitado? Não é
bem assim. Note-se que o porte da habilitação é obrigatório (art. 159, § 1º, do
CTB) e conduzir veículo automotor sem os documentos obrigatórios é uma
infração administrativa (art. 232 do CTB). Portanto, o motorista deve exibir a
sua habilitação ao agente de trânsito. Se não o fizer está sujeito à pena
administrativa, no mínimo. O mesmo acontece com o bafômetro. Entender que
o motorista pode recusar-se a fazer o bafômetro, sem poder ser punido
administrativamente por isso, é o mesmo que entender que motorista pode
recusar-se a exibir a sua habilitação e, ainda assim, não ser multado. A
situação é idêntica, com a devida venia.
Na verdade, na prática, diante da negativa do
motorista em submeter-se ao bafômetro, é como se fosse presumido o seu
estado de embriaguez. Isso apenas para fins de aplicação das penalidades e
medidas estritamente administrativas, longe da esfera criminal. Não se está
falando de crime, mas de simples infração administrativa, por enquanto.
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Ora, numa ação em que se discute a paternidade de
alguém, por exemplo, o que é muito mais importante, hoje já está sumulado
pelo Superior Tribunal de Justiça2 que o fato do réu recusar-se a fazer o exame
de DNA, por si, acarreta a inversão do ônus da prova. Caso isso aconteça,
presume-se que seja ele o pai da criança, até prova em contrário. Assim, se
esta presunção é possível em sede de investigação de paternidade, por qual
razão não pode ser usada num simples processo administrativo de trânsito? Só
porque ninguém pode ser compelido a fazer prova contra si. Mas não se está
compelindo ninguém. Há uma opção. O motorista pode optar entre submeter-
se aos exames e arriscar fazer prova contra si em eventual processo judicial
futuro, com pena mais rigorosa ou não fazer os testes e arcar com as
conseqüências administrativas: suspensão do direito de dirigir e multa.
A propósito, a situação foi muito bem exposta pelo
Procurador da República Bruno Freire de Carvalho Calabrich:
É um princípio jurídico pacificamente aceito que "ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo" (tradução do brocardo latino "nemo tenetur se detegere"). Lido o princípio de outra forma, diz-se que ninguém pode ser constrangido a contribuir para a própria acusação. Assim, o agente de trânsito ou qualquer outra autoridade não podem forçar ninguém a fazer o teste do bafômetro nem a se submeter a nenhum outro procedimento que possa resultar em uma prova contrária a seus interesses. Considerando esse princípio, a lei, como visto, tratou de prever sanções (precisamente as referidas penalidades e medidas administrativas) para aquele que se recuse a fazer o teste, de modo a tornar "interessante" para o motorista tal opção – para não ser punido administrativamente, o motorista pode "arriscar" o exame. O motorista, dessa forma, terá sempre a opção; jamais poderá ser "forçado" (coagido) a realizar o exame. A recusa a se submeter ao exame não é, a rigor, um "direito" do motorista, e sim uma obrigação, para cujo descumprimento a lei prevê sanções no âmbito administrativo. Mas, estando o condutor ciente de que pode ser punido administrativamente, a não submissão ao exame é, afinal, uma opção exclusivamente sua. As alternativas à sua frente, assim, são: (a) submeter-se ao exame e arriscar conseqüências penais mais gravosas, caso seja detectada uma concentração superior a 6 decigramas por litro de sangue; ou (b) não se submeter ao exame e sofrer as sanções administrativas previstas no art. 165 do CBT, a serem aplicadas de imediato (apreensão da habilitação e retenção provisória do veículo) e ao final de um processo administrativo regular (multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses). Claro que todas essas considerações, na prática, não valem para o motorista que não tem dúvidas quanto a seu estado de embriaguez. Aquele que não ingeriu nenhuma bebida alcoólica provavelmente não terá nenhuma objeção quanto a se submeter a qualquer exame.3
2 Súmula 301 do STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.3 O teste do bafômetro e a nova lei de trânsito. Aplicação e conseqüências. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1828, 3 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11461>. Acesso em: 10 jul. 2008.
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Em suma, diante da suspeita de que está dirigindo
sob a influência de álcool, o agente de trânsito pode pedir-lhe que se submeta
ao bafômetro. Todavia, o motorista pode recusar-se a fazer o teste de
alcoolemia. Recusando-se, porém, incide nas sanções administrativas do § 3
do art. 277: multa e suspensão do direito de dirigir por doze meses.
1. OS NOVOS ASPECTOS CRIMINAIS:
Não foi só do ponto de vista administrativo que
houve alteração legislativa. Aspectos penais e processuais penais também
sofreram mudanças, com o advento da Lei n. 11.705/2008.
Vejamos.
a) O fim da possibilidade de oferecimento de transação penal para o crime de embriaguez ao volante (art. 306)
A Lei n. 11.705/2008 revogou o parágrafo único do
art. 291 do CTB, criando mais dois parágrafos a esse dispositivo.
A norma revogada previa a possibilidade de se
aplicar aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao
volante e de participação em disputa não autorizada o disposto nos artigos 74
(composição civil), 76 (transação penal) e 88 (representação) da Lei n.
9.099/95. Com o advento da nova legislação, tais benesses serão possíveis
para o crime de lesão corporal culposa, não podendo ser aplicadas nos
processos de apuração do delito de embriaguez ao volante, por absoluta falta
de previsão legal. Com relação ao crime de “racha” os institutos da Lei n.
9.099/95 são aplicados em decorrência da quantidade da pena máxima,
inferior a dois anos, genericamente.
Eis a nova redação do art. 291 do CTB:
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Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.
§ 1o Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.705, de 2008)
I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente; (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (cinqüenta quilômetros por hora). (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
§ 2o Nas hipóteses previstas no § 1o deste artigo, deverá ser instaurado inquérito policial para a investigação da infração penal. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
Verifica-se que os institutos benevolentes do novo §
1º do art. 291 do CTB restringem-se, agora, apenas ao crime de trânsito de
lesão corporal culposa e, ainda assim, só quando o agente não estiver dirigindo
embriagado (inciso I), participando de racha (inciso II) ou transitando em
velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 Km/h (inciso III).
O legislador deu um tratamento mais rigoroso ao
delito de embriaguez ao volante, não permitindo a aplicação dos institutos da
Lei n. 9.099/95. Trata-se de importantíssima mudança que, além de impor um
maior rigor penal, sacramenta de vez uma discussão que ocorria em algumas
comarcas, acabando com a interpretação de que não caberia prisão em
flagrante para o crime do art. 306 do CTB, mas sim a instauração de mero
termo circunstanciado. Agora, mais do que nunca, é indubitável que cabe
prisão em flagrante delito.
b) a obrigatoriedade da aplicação da penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir na hipótese de réu reincidente
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O antigo art. 296 trazia uma faculdade ao juiz ao
dispor que “se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código,
o juiz poderá aplicar a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação
para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções cabíveis”
(grifos nossos). Todavia, com o advento da Lei nº 11.705/2008, o dispositivo
ficou com a seguinte redação:
“ Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o
juiz aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para
dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis.”
(grifos nossos)
Com efeito, a nova Lei confere uma obrigatoriedade
ao magistrado na aplicação de tal penalidade e não mera faculdade, o que foi
extremamente salutar, diga-se de passagem.
c) O delito de embriaguez ao volante como crime de perigo abstrato
Antes de realizar uma análise detida sobre as
alterações feitas pelo legislador, vejamos a antiga e a nova redação do art. 306
do CTB, cujo comando estabelece o crime de embriaguez ao volante:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: (redação antiga)
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
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Na vigência da Lei anterior, estava praticamente
consolidado que o crime de embriaguez ao volante era classificado como de
perigo concreto. Não bastava apenas comprovar que o sujeito dirigia
embriagado. Era necessário se provar que, do modo como dirigia, poderia, em
tese, causar um dano a alguém. Impunha-se que o motorista estivesse
dirigindo de forma anormal. Isso porque o art. 306 do CTB previa o seguinte
elemento normativo do tipo: “expondo a dano potencial a incolumidade de
outrem”. Nesse sentido, era a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CRIME DE PERIGO CONCRETO. POTENCIALIDADE LESIVA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. SÚMULA 07/STJ.I - O delito de embriaguez ao volante previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/97, por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da demonstração da potencialidade lesiva. In casu, em momento algum restou claro em que consistiu o perigo, razão pela qual impõe-se a absolvição do réu-recorrente (Precedente).II - A análise de matéria que importa em reexame de prova não pode ser objeto de apelo extremo, em face da vedação contida na Súmula 7 – STJ (Precedente).Recurso desprovido. 4
RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB). PERIGO CONCRETO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO DANO POTENCIAL.A simples transcrição de ementas dos acórdãos paradigmas, sem que se evidencie a similitude das situações, não se presta à demonstração do dissídio jurisprudencial, para fins de conhecimento do recurso.O crime de embriaguez ao volante, definido no art. 306 do CTB, é de perigo concreto, necessitando, para sua caracterização, da demonstração do dano potencial o que, in casu, segundo a r. sentença e o v.acórdão ora recorrido, não aconteceu. Recurso não conhecido.5
Com a nova Lei e a supressão do comando
normativo “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”, fica evidente
que o crime passou a ser classificado como de perigo abstrato. Com isso, a
exemplo do que ocorre na infração administrativa, não é mais necessária a
comprovação de que, em tese, o condutor poderia causar dano a alguém. Não
precisa mais estar dirigindo de forma anormal. Basta o simples fato de dirigir
sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa, para configurar o
crime previsto no art 306 do CTB.
4 STJ. REsp 608078 / RS. 5ª T. Relator: Min. Felix Fischer. Julgado em 23.06.2004.5 STJ. REsp 566867 / RS. 5ª T. Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca. Julgado em 28.04.2004.
14
Na verdade, sabidamente, os crimes podem ser de
perigo concreto ou abstrato. No primeiro, o perigo precisa ser provado. O
motorista precisa estar dirigindo seu carro de forma anormal (andando em alta
velocidade, p. ex.) para expor concretamente alguém a perigo. No segundo
caso, o perigo é presumido (abstrato). O crime é considerado pela lei em face
de determinado comportamento do agente, independentemente de estar, d
maneira concreta, expondo outrem a perigo. No caso, a exemplo do porte
ilegal de arma de fogo, o legislador entendeu fazer da embriaguez ao volante
um crime de perigo abstrato. Não mais é preciso, portanto, que o motorista
esteja dirigindo de forma anormal para praticar o crime. Basta dirigir
embriagado, com mais de seis decigramas de álcool por litro de sangue. Foi
uma opção legislativa, diante do melancólico número de mortes ocorridas nas
estradas brasileiras, que têm o álcool como pano de fundo.
d) As condutas incriminadas no novo art. 306 do CTB
Com a nova redação dada ao art. 306 do CTB, duas
são as condutas incriminadas: 1) conduzir veículo automotor, na via pública,
estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6
(seis) decigramas; e 2) conduzir veículo automotor, na via pública, sob
influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
No que tange à primeira, apesar de não mais se
exigir a exposição a dano potencial a incolumidade de outrem, a nova Lei
incluiu no tipo objetivo a seguinte exigência: “estando [o agente] com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas”. Dessa forma, imprescindível para a configuração do crime a
comprovação dessa concentração alcoólica no sangue do condutor. Não é
suficiente, como na infração administrativa, dirigir veículo após a ingestão de
qualquer quantidade de álcool. É necessária uma concentração mínima de
álcool por litro de sangue (seis decigramas).
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Essa nova exigência é altamente preocupante. Na
sistemática anterior, não se fazia necessário para a configuração do delito a
concentração alcoólica. Bastava dirigir sob a influência de álcool. Assim, essa
influência poderia ser comprovada tanto pelo exame de alcoolemia quanto por
outros meios previstos no art. 277 do CTB. Isso era pacífico na jurisprudência.
Agora, em razão da exigência de uma concentração mínima de álcool no
sangue para configurar o delito, como esse fato poderá ser demonstrado? Será
imprescindível o uso do exame de sangue ou outro teste de alcoolemia
(bafômetro) para atestar a materialidade do crime? Os demais instrumentos do
art. 277 do CTB serão capazes de averiguar a concentração alcoólica no
sangue? Com a recusa do condutor em realizar o exame de alcoolemia haverá
possibilidade de se configurar a materialidade do delito? Ao se recusar a fazer
o exame do bafômetro, o condutor será apenas autuado pela infração
administrativa? E a seara criminal? Exames clínicos ou depoimentos
testemunhais serão suficientes, uma vez que agora é requisito típico a
concentração matemática de alcoolemia de seis decigramas?
A princípio, não há dúvida de que a materialidade do
delito deverá encetar-se, em regra, pelos testes de alcoolemia (leia-se exame
de sangue e alveolar, o popular bafômetro). Quando o exame for de sangue,
será preciso a concentração mínima de seis decigramas de álcool por litro de
sangue para confirmar a infração. Quando se tratar do bafômetro, o disposto
no parágrafo único do art. 306, incluído pela nova Lei, resolve a questão, visto
que “o Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre os distintos
testes de alcoolemia, para efeito da caracterização do crime tipificado neste
artigo”. E, com efeito, o Decreto n. 6.488, de 19 de junho de 2008, já
regulamentou essa questão, asseverando que os seis decigramas do exame
de sangue equivalem a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos
pulmões no exame alveolar (o popular bafômetro).
O problema todo começa quando o motorista,
usando da faculdade constitucional de não ser obrigado a fazer prova contra si,
recusa-se a submeter-se ao teste de alcoolemia. Se isso acontecer, a infração
administrativa está caracterizada (art. 165, § 3º). Entretanto, como ficará a
16
situação na esfera criminal? É possível valer-se de outros meios de prova para
atestar a materialidade do delito? Ora, se não for possível valer-se de outros
meios de prova, mas apenas dos testes de alcoolemia, praticamente se tornou
letra morta o crime previsto n art. 306, uma vez que basta o condutor recusar-
se a fazer o teste que não poderá ser processado criminalmente. Portanto,
essa conclusão não pode ser tão simples assim, sob pena do art. 306 cair no
vazio. Por outro lado, o tipo penal previsto no art. 306 deixa claramente
expresso que o crime só pode ocorrer se o condutor estiver com uma
concentração mínima de seis decigramas de álcool por litro de sangue, o que
exige prova técnica de alcoolemia para a correta aferição desse critério
matemático, em tese (art. 158 do CPP). Como resolver esse impasse?
Antes de tudo é preciso ter em mente que essa é
uma questão de prova, apenas, que vai depender do caso concreto. O que se
discute é qual a prova adequada. A princípio, a prova técnica (teste de
alcoolemia) é o meio mais apropriado. Todavia, diante da recusa do condutor,
podem ser usados outros meios de prova, como o exame clínico (que é uma
prova pericial) ou mesmo depoimentos testemunhais? Arriscamo-nos a
responder que nos casos de embriaguez patente (e só nesses casos) esses
outros meios de provas podem ser usados para lastrear a convicção do juiz.
Explicamos melhor.
De fato, certo é que o critério matemático imposto
pela nova redação do art. 306, no caso de uma embriaguez de grau médio para
baixo, em que o condutor apresenta parcos sinais de ingestão de álcool, com
pouco odor, falando adequadamente, andando com equilíbrio, dificilmente
poderá ser atestada senão pelo uso dos testes de alcoolemia. Se o condutor
tomou uma taça de vinho, por exemplo, caso se recuse a fazer o bafômetro,
não há forma de saber se alcançou a concentração mínima exigida para a
caracterização do delito. Só o exame de alcoolemia poderá atestar com
precisão o grau mínimo de embriaguez.
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No entanto, na situação de uma embriaguez patente,
em que o condutor ingeriu não uma taça de vinho, mas uma dúzia de garrafas,
por exemplo, apresentando-se cambaleando, não se agüentando em pé, quase
em coma alcoólico, com forte odor, voz completamente embargada, é evidente
que o seu grau de embriaguez excedeu, em muito, o limite de seis decigramas
de álcool por litro de sangue. Por que, então, este motorista não pode ser
submetido a um exame clínico, a fim de que os médicos atestem
aproximadamente o seu grau de embriaguez, o qual evidentemente é bem
superior ao limite mínimo? Isso é perfeitamente possível do ponto de vista
médico, acreditamos (prova pericial). Por que não pode o magistrado, por meio
do seu livre convencimento, valer-se da prova testemunhal, para atestar se de
fato o réu ingeriu as dez garrafas de vinho, pouco antes de dirigir?
Vamos além nos exemplos.
Suponhamos que, em regra, dois copos de cerveja
sejam suficientes para alcançar o limite de seis decigramas de álcool por litro
de sangue. Se ficar comprovado, por meio de testemunhas, que o condutor
ingeriu não dois copos, mas duas dúzias de cerveja pouco antes de dirigir,
estando quase que em coma alcoólico, não é certo que a sua concentração
alcoólica ultrapassou, em muito, o limite legal estabelecido no art. 306? Há
alguma dúvida da caracterização do delito?
Encontradas, outro exemplo, dentro do carro, várias
garrafas de cachaça, com o condutor confessando que acabou de consumi-las,
completamente embriagado, mas recusando-se ao bafômetro, há alguma
dúvida de que o limite de seis decigramas foi alcançado? É evidente que não.
O art. 158 do CPP assevera que quando a infração
deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. No caso, porém, como
o condutor recusou-se a fazer o teste de alcoolemia, perfeitamente possível a
aplicação do disposto no art. 167 do CPP, analogicamente, podendo a prova
testemunhal suprir a falta da perícia. Ademais, se outros meios de prova
18
podem ser usados para atestar a infração administrativa de embriaguez ao
volante (art. 277, § 2º, do CTB), por qual razão não podem ser utilizados para o
prova da mesma conduta na esfera criminal?
Temos, pois, que apesar de o tipo penal prever o
limite matemático de concentração alcoólica, a prova deste fato não pode
cingir-se aos testes de alcoolemia apenas. Se através de exames clínicos, da
prova testemunhal ou de qualquer outro meio probatório lícito for possível
concluir, com certeza, que a concentração alcoólica do condutor foi em muito
superior ao limite mínimo, diante da sua recusa em submeter-se aos testes de
alcoolemia, não vislumbramos óbice ao uso de outros instrumentos probatórios.
O que importa é ter a certeza de que o condutor dirigiu o seu automóvel com
uma concentração superior ao limite mínimo. E, no caso de embriaguez
patente, escancarada, é perfeitamente possível aferir-se tal conclusão de outra
forma, longe dos testes de alcoolemia.
Até porque, diga-se de passagem, só para
argumentar, os testes de alcoolemia não podem ser tidos como incontroversos.
É possível que o bafômetro acuse a concentração mínima de álcool exigida,
porém ainda assim o delito não esteja presente. Por exemplo, alguém que,
antes de dirigir, efetuou um gargarejo com um líquido anti-séptico bucal, cuja
fórmula contém certa quantidade de álcool, sem ingeri-lo e, minutos depois,
numa blitz, guiando seu carro, submeteu-se ao teste do bafômetro, cujo
resultado foi positivo. Não pode esse alguém, por meio da prova testemunhal,
buscar a atipicidade da sua conduta? Claro que sim. Mas então se a prova
testemunhal serve para desconstituir a conclusão do bafômetro, não pode, na
sua ausência, diante da certeza do caso e da recusa do condutor, substituí-la?
Não vislumbramos óbice algum.
Por fim, impende esclarecer que a negativa do
bafômetro ou qualquer outro teste de alcoolemia não pode sujeitar o motorista
à prisão em flagrante. O condutor tem esse direito, como já vimos. Pode optar
entre fazer o bafômetro e arriscar-se à caracterização imediata do delito ou
pode negar-se e, conseqüentemente, optar pela sanção administrativa prevista
19
no art. 277, § 3º, do CTB. O que não pode é ser preso em razão dessa
negativa, simplesmente. Essa é uma infração administrativa, apenas. A não ser
no caso de embriaguez patente, facilmente comprovada por outros meios de
prova, como já falamos, quando o crime está configurado. Nesses casos,
apenas nesses casos, possível é a prisão em flagrante do condutor, mesmo
diante da recusa do bafômetro, pela prática do delito previsto no art. 306.
Socorremo-nos novamente da lição de Bruno Freire de Carvalho
Calabrich, Procurador da República, em artigo recém publicado:
Considerando a opção que o motorista tem de se recusar ao teste do bafômetro ou a qualquer outro exame (aceitando, com isso, a aplicação das sanções do artigo 165 do CBT), a única hipótese para que seja forçosamente levado a uma delegacia é o caso de ser preso em flagrante pelo crime de embriaguez ao volante. Mas a prisão em flagrante por esse crime só pode ocorrer quando estiver claramente caracterizada a embriaguez do motorista, o que de regra resulta de um exame de alcoolemia positivo. Não sendo realizado esse exame, outra possibilidade é o caso de embriaguez patente, verificada no ato pelos agentes de trânsito ou por médicos em virtude de "notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor", conforme previsão do art. 277, §2º do CBT. Embora a lei, neste artigo 277, refira-se apenas à comprovação da infração administrativa do art. 165 do CBT, não há por que não aplicá-la também ao crime do artigo 306. O problema, entretanto, será uma questão de prova, a ser ponderada tanto pela autoridade responsável pela lavratura de um (eventual) auto de prisão em flagrante quanto pelo Ministério Público e pelo Judiciário, ao ensejo do processo penal a ser instaurado contra o motorista que for flagrado em (suposto) estado de embriaguez evidente. É de se admitir, entretanto, a dificuldade prática da substituição de uma prova técnica (como o bafômetro) por outra prova, considerando a exigência "matemática", para a configuração do crime, de uma concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Assim, a prisão em flagrante em caso de recusa do agente ao teste do bafômetro deve ocorrer apenas em casos de embriaguez evidente, que há de ser documentada pelo delegado de polícia no auto de prisão em flagrante, inclusive com testemunhas e com qualquer outra prova apta a demonstrar o fato. Se não se tratar de uma situação de notória embriaguez, comete abuso de autoridade o agente que "prende" ou "conduz coercitivamente" o motorista para fazer um exame ao qual ele se recusa. Na dúvida quanto a seu estado de embriaguez, o condutor não pode ser preso; caso assim se proceda, a prisão será ilegal e deve ser prontamente invalidada pelo Judiciário, submetendo-se os responsáveis a um processo criminal por abuso de autoridade, além de outras sanções administrativas e cíveis cabíveis.6
6O teste do bafômetro e a nova lei de trânsito. Aplicação e conseqüências. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1828, 3 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11461>. Acesso em: 10 jul. 2008.
20
Já, com relação à segunda conduta punível prevista
no art. 306 (conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de
qualquer outra substância psicoativa que determine dependência), não existe
qualquer exigência de concentração mínima da substância psicoativa no
sangue do condutor. Bastará, para a incidência nesse delito, que o agente dirija
sob a influência de uma substância psicoativa (distinta do álcool), não
importando a quantidade. A constatação desse fato pode ser atestada de
várias formas, igualmente. O importante, apenas, é ter-se a certeza de que o
condutor guiou seu automóvel sob a influência de substância psicoativa capaz
de causar dependência (maconha, cocaína, etc...), que não seja o álcool.
e) revogação do inciso V do parágrafo único do art. 302 do CTB
Outra importante alteração trazida pela novel
legislação diz respeito à supressão do inciso V do parágrafo único do art. 302
do CTB. Esse inciso caracterizava uma causa de aumento de pena do crime de
homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor, na hipótese de o
agente perpetrar a infração sob a influência de álcool ou outra substância
tóxica de efeitos análogos.
Vejamos:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006) (Revogado pela Lei nº 11.705, de 2008)
21
Importante conseqüência advinda de tal supressão é
a possibilidade de configuração de concurso material entre os crimes de
embriaguez ao volante (art. 306 do CTB) e homicídio culposo (art. 302 do
CTB). Antes, tal concurso de crimes ficava impossibilitado, pois a embriaguez
era expressamente prevista como causa especial de aumento de pena.
Entrementes, o reconhecimento desse concurso
material não é um mau negócio para o réu. Isso porque o quantum da causa
especial de aumento de pena do homicídio culposo (art. 302) era maior do que
a pena imputada ao crime de embriaguez ao volante, mesmo considerado o
concurso material de crimes. A pena mínima do delito previsto no art. 302 é de
dois anos de detenção e a causa especial aumentava essa pena em um terço
(oito meses). E, hoje, a pena mínima do crime entalhado no art. 306 é de seis
meses de detenção. Assim, mesmo considerado o concurso material, nesse
ponto específico, a alteração legislativa foi extremamente favorável ao réu, o
que, acreditamos, está longe de ser o propósito do legislador em sede de
crime de trânsito, em razão da realidade das estradas brasileiras.
A não ser que se entenda que a retirada da causa
especial de aumento de pena originalmente prevista no inc. V do art. 302, na
verdade, teve a intenção de lastrear ainda mais o entendimento de que o
homicídio praticado pelo condutor embriagado não é um crime culposo, mas
sim típica característica do dolo eventual. Com o casamento do álcool +
direção, assume o condutor o risco de provocar qualquer resultado lesivo,
devendo ser responsabilizado pela prática de homicídio doloso, caso venha a
matar alguém (dolo eventual), por exemplo. Talvez por isso o legislador tenha
suprimido a mencionada causa especial de aumento de pena do texto do art.
302. Este era um poderoso argumento de quem defendia a possibilidade de
conjugação da influência alcoólica com o homicídio culposo. A situação deve
ser examinada, no entanto, caso a caso, sem generalidades, dependendo
muito do grau de embriaguez do motorista e de como ele dirigia.
22
O fato é que o legislador retirou do ordenamento
jurídico a causa especial de aumento de pena prevista no art. 302, V, do CTB,
o que permite concluir pela possibilidade do concurso material entre o crime de
homicídio culposo (art. 302) e a embriaguez ao volante (art. 306). E, ao mesmo
tempo, este é mais um argumento em favor dos que defendem a possibilidade
do dolo eventual quando do simples casamento do álcool e direção, a ser
analisado no caso concreto.
ANTE O EXPOSTO, concluímos, em suma:
1 – com relação à infração administrativa:
a) dirigir sob a influência de álcool, por si, caracteriza a infração
administrativa prevista no art. 165 do CTB, qualquer que seja a
concentração de álcool por litro de sangue, respeitada a margem de
tolerância dos testes de alcoolemia;
b) não só a influência do álcool no condutor tipifica a infração do art. 165 do
CTB, mas de “qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência”, como a maconha, cocaína, etc... (também qualquer que
seja o grau de concentração);
c) a aplicação da penalidade prevista no art. 165 do CTB,
necessariamente, deve ser precedida de processo administrativo,
dando-se oportunidade ao condutor do contraditório e da ampla defesa.
Só depois possível a aplicação da pena de multa e a suspensão do
direito de dirigir por doze meses. Quando da abordagem ao motorista
embriagado, todavia, o agente de trânsito, de forma imediata, deve
efetuar a apreensão da carteira e a retenção provisória do veículo
(medidas administrativas), procedendo à restituição (da habilitação e do
carro) tão logo superado o estado de embriaguez ou, no caso do
veículo, mesmo persistindo a embriaguez, quando outra pessoa
apresentar-se para dirigi-lo;
23
d) para a constatação da influência do álcool no condutor, além do
tradicional exame de alcoolemia (teste do bafômetro ou sangue),
possível é a utilização de outras provas em direito admitidas (exame
clínico, testemunhas, etc...), segundo dispõe o art. 277 do CTB; e
e) o motorista pode se recusar a submeter-se aos testes de alcoolemia,
tendo em vista que não pode ser obrigado a fazer prova contra si.
Entretanto, se esta for a sua opção, diante da suspeita de embriaguez,
incidirá nas mesmas penas da infração administrativa prevista no art.
277, § 3º, do CTB, presumindo-se a influência alcoólica.
2 – com relação aos aspectos penais e processuais penais
a) não há mais a possibilidade de oferecimento de transação penal para os
crimes de embriaguez ao volante, previsto no artigo 306 do CTB, em
qualquer hipótese, assim como para o delito de trânsito de lesão
corporal culposa apenas quando das hipóteses previstas nos incisos do
§ 1º do art. 291 do CTB;
b) da mesma forma, nos casos dos crimes de embriaguez ao volante é
possível a prisão em flagrante delito do condutor, observadas as
hipóteses do art. 302 do CPP;
c) passou a ser obrigatório aplicar a penalidade de suspensão da
permissão ou habilitação para dirigir, na hipótese de réu reincidente,
segundo a nova redação do art. 296 do CTB;
d) o crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB) passou a ser de
perigo abstrato, não se exigindo mais a exposição a dano potencial;
e) ao contrário da infração administrativa, porém, impõe-se uma
concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro
de sangue, para a caracterização do delito de embriaguez ao volante;
24
f) quando o delito previsto no art. 306, do CTB, for praticado não sob a
influência de álcool, mas de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência, não se exige concentração mínima, estando o
delito caracterizado qualquer que seja o grau da influência;
g) em regra, a constatação da concentração de álcool do condutor deve
ser verificada por meio de exame de alcoolemia (sangue ou bafômetro).
Quando o exame for de sangue, será preciso a concentração mínima de
seis decigramas. Quando se tratar do bafômetro, essas seis decigramas
equivalem a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos
pulmões, nos termos do Decreto n. 6.488, de 19 de junho de 2008;
h) o motorista pode se recusar a submeter-se aos testes de alcoolemia.
Tem a opção de não querer fazer o teste e arcar com as penas da
infração administrativa (art. 277, § 3º, do CTB) ou submeter-se ao teste
e arriscar-se na incidência da conduta criminosa, caso seja detectada
uma concentração superior a seis decigramas por litro de sangue;
i) se o motorista se recusar a submeter-se ao teste de alcoolemia, para a
configuração do crime de embriaguez ao volante, é possível valer-se de
outros meios de prova em direito admitido (exame clínico, prova
testemunhal, etc..), apenas quando o caso tratar-se de embriaguez
patente, ou seja, com acentuado grau de concentração alcoólica (em
muito superior ao limite estabelecido), de fácil percepção, sem
necessidade do exame matemático, mas possível de ser atestada por
meio de exame clínico ou de prova testemunhal;
j) nos casos de embriaguez patente, mesmo não se submetendo ao teste
de alcoolemia, possível é a prisão em flagrante do condutor. Nos demais
casos, a recusa do motorista ao teste de alcoolemia caracteriza apenas
infração administrativa e não autoriza a sua prisão em flagrante; e
25
k) a revogação do inciso V do parágrafo único do art. 302 do CTB permite
o reconhecimento do concurso material entre os crimes de homicídio
culposo praticado na direção de veículo automotor e embriaguez ao
volante, e serve de argumento para a caracterização do dolo eventual
(homicídio doloso), dependendo do caso concreto.
Essas as nossas conclusões.
Florianópolis, 10 de julho de 2008.
ROBISON WESTPHAL ANDREY CUNHA AMORIM FABIANO HENRIQUE GARCIAProcurador de Justiça Promotor de Justiça Promotor de JustiçaCoordenador-Geral Coordenador Coordenador-Adjunto
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