ministÉrio pÚblico do estado de goiÁs … · sedimentou na esfera civilista, alcançou o direito...

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS ANO XII – N.19 – OUTUBRO DE 2009 GOIÂNIA – GOIÁS

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

ANO XII – N.19 – OUTUBRO DE 2009

GOIÂNIA – GOIÁS

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A responsabilidade dos trabalhos publicados é exclusivamente de seus autores.

Pede-se permuta On demande l'échange We ask for exchange

Edição, Organização e Capa: Coordenação de Editoração da ESMPGOFoto capa: Weimer CarvalhoImpressão: GRAFSET Gráfica e Editora Ltda.

Tiragem: 1000 exemplaresMinistério Público do Estado de GoiásProcuradoria Geral de Justiça do Estado de GoiásProcurador Geral de Justiça - Eduardo Abdon MouraEscola Superior do Ministério Público do Estado de GoiásDiretora - Alice de Almeida FreireEscola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás – ESMP-GORua 23, esquina c/ Av. Fued Sebba, Qd.06, Lts.15/24 Jardim Goiás - Goiânia - CEP 74.805 – 100 Fone: (62) 3243 8000e.mail: [email protected]; [email protected]

http://www.mp.go.gov.br

Editoração: Ana Holowate

Revisão ortográfica: Mirela Adriele da Silva Castro

Conselho Editorial: Alice de Almeida FreireAltamir Rodrigues Vieira JúniorFabíola Marquez TeixeiraFlávio Cardoso PereiraJoão Porto Silvério JúniorMarcelo Henrique dos SantosPaulo Henrique OtoniReuder Cavalcante MottaSpiridon Nicofotis Anyfantis

Apresentação ........................................................................................... .....05

ARTIGOS

Improbidade administrativa: configuração e reparação do dano moral ..... .....07Emerson Garcia

A Judicialização da Educação ............................. .....29Carlos Roberto Jamil CuryLuiz Antonio Miguel Ferreira

A convenção de Palermo no âmbito do Estado de Direito Constitucional e Transnacional ........................................................................................ .....73Angela Acosta Giovani de Moura

O Direito e a polêmica do início da vida humana ............................................93Lucas Danilo Vaz Costa Júnior

A prisão preventiva nos casos de violência doméstica ............................... ....97Maria Aparecida Nunes Amorim

Custo do não investimento na infância e juventude .......................................103Mário Luiz Ramidoff

A efetividade das ações coletivas na comarca de Itumbiara ........................109Maria Carolina Carvalho MottaJosé Querino Tavares Neto

Antecipação terapêutica do parto ................................................................129Paulo Rangel de Vieira

Uma abordagem interdisciplinar para o direito: a contribuição da antropologia ............................................................................................135Fernanda Brian

....................................

SUMÁRIO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 3

Revista do Ministério Público / Ministério Público do Estado de Goiás - , n.19 (outubro/dezembro 2009) - . - Goiânia : ESMP-GO. 1996 -v.; 22cm.154p.

Trimestral ISSN 1809-5917

1. Direito – periódicos. 2. Escola Superior do Ministério Público de Goiás.

CDU 34 (051)

T.G.G. CRB 1842

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A responsabilidade dos trabalhos publicados é exclusivamente de seus autores.

Pede-se permuta On demande l'échange We ask for exchange

Edição, Organização e Capa: Coordenação de Editoração da ESMPGOFoto capa: Weimer CarvalhoImpressão: GRAFSET Gráfica e Editora Ltda.

Tiragem: 1000 exemplaresMinistério Público do Estado de GoiásProcuradoria Geral de Justiça do Estado de GoiásProcurador Geral de Justiça - Eduardo Abdon MouraEscola Superior do Ministério Público do Estado de GoiásDiretora - Alice de Almeida FreireEscola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás – ESMP-GORua 23, esquina c/ Av. Fued Sebba, Qd.06, Lts.15/24 Jardim Goiás - Goiânia - CEP 74.805 – 100 Fone: (62) 3243 8000e.mail: [email protected]; [email protected]

http://www.mp.go.gov.br

Editoração: Ana Holowate

Revisão ortográfica: Mirela Adriele da Silva Castro

Conselho Editorial: Alice de Almeida FreireAltamir Rodrigues Vieira JúniorFabíola Marquez TeixeiraFlávio Cardoso PereiraJoão Porto Silvério JúniorMarcelo Henrique dos SantosPaulo Henrique OtoniReuder Cavalcante MottaSpiridon Nicofotis Anyfantis

Apresentação ........................................................................................... .....05

ARTIGOS

Improbidade administrativa: configuração e reparação do dano moral ..... .....07Emerson Garcia

A Judicialização da Educação ............................. .....29Carlos Roberto Jamil CuryLuiz Antonio Miguel Ferreira

A convenção de Palermo no âmbito do Estado de Direito Constitucional e Transnacional ........................................................................................ .....73Angela Acosta Giovani de Moura

O Direito e a polêmica do início da vida humana ............................................93Lucas Danilo Vaz Costa Júnior

A prisão preventiva nos casos de violência doméstica ............................... ....97Maria Aparecida Nunes Amorim

Custo do não investimento na infância e juventude .......................................103Mário Luiz Ramidoff

A efetividade das ações coletivas na comarca de Itumbiara ........................109Maria Carolina Carvalho MottaJosé Querino Tavares Neto

Antecipação terapêutica do parto ................................................................129Paulo Rangel de Vieira

Uma abordagem interdisciplinar para o direito: a contribuição da antropologia ............................................................................................135Fernanda Brian

....................................

SUMÁRIO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 3

Revista do Ministério Público / Ministério Público do Estado de Goiás - , n.19 (outubro/dezembro 2009) - . - Goiânia : ESMP-GO. 1996 -v.; 22cm.154p.

Trimestral ISSN 1809-5917

1. Direito – periódicos. 2. Escola Superior do Ministério Público de Goiás.

CDU 34 (051)

T.G.G. CRB 1842

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Artigo Parecer Ministerial - Apelação criminal 34734-2/213 (2008-0466-3313)..................................................................... ..................145Fernanda Brian

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/20094

APRESENTAÇÃO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 5

A edição nº 19 da Revista do Ministério Público do Estado de Goiás traz em sua capa o único chafariz de caldas presente em nosso país, localizado na cidade de Goiás, Patrimônio Cultural da Humanidade e erguido em 1778 como símbolo da fase áurea da mineração em nosso Estado. Essa iniciativa visa alertar para a necessidade da preservação do rico patrimônio histórico e representa um resgate de nossas raízes.

Dando continuidade às publicações anteriores, este número busca contribuir para o enriquecimento do debate no meio institucional a respeito de diversos temas da atualidade, com ênfase na abordagem jurídica e multidisciplinar, visando sobretudo à formação sistêmica e contínua dos membros e servidores do Ministério Público goiano.

Boa leitura a todos!

Alice de Almeida FreireDiretora da ESMP-GO

Presidente do Conselho Editorial da Revista MPGO

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Artigo Parecer Ministerial - Apelação criminal 34734-2/213 (2008-0466-3313)..................................................................... ..................145Fernanda Brian

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/20094

APRESENTAÇÃO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 5

A edição nº 19 da Revista do Ministério Público do Estado de Goiás traz em sua capa o único chafariz de caldas presente em nosso país, localizado na cidade de Goiás, Patrimônio Cultural da Humanidade e erguido em 1778 como símbolo da fase áurea da mineração em nosso Estado. Essa iniciativa visa alertar para a necessidade da preservação do rico patrimônio histórico e representa um resgate de nossas raízes.

Dando continuidade às publicações anteriores, este número busca contribuir para o enriquecimento do debate no meio institucional a respeito de diversos temas da atualidade, com ênfase na abordagem jurídica e multidisciplinar, visando sobretudo à formação sistêmica e contínua dos membros e servidores do Ministério Público goiano.

Boa leitura a todos!

Alice de Almeida FreireDiretora da ESMP-GO

Presidente do Conselho Editorial da Revista MPGO

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/20096

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:

CONFIGURAÇÃO E REPARAÇÃO DO DANO MORAL

Emerson Garcia*

Resumo:O ato de improbidade administrativa, enquanto prática deletéria ao patrimônio público, pode ensejar a configuração de um dano não patrimonial de natureza objetiva, que alcançará tanto a pessoa jurídica de direito público, mediata ou imediatamente lesada, como a própria coletividade. O objetivo dessas breves linhas é identificar em que intensidade tais pessoas jurídicas podem ser vítimas de danos dessa natureza e se é possível pleitear a sua reparação, juntamente com a do dano moral coletivo, na própria relação processual voltada ao sancionamento do ímprobo.

Palavras-chave: dano moral, improbidade administrativa, pessoa jurídica de direito público, ressarcimento integral do dano.

Delimitação do plano de estudo

Dano, em seus contornos mais amplos, é “a perda que 1alguém teve e o ganho que deixou de ter” . Quando o dano resulta

de uma ação à margem da ordem jurídica, surge, para aquele que o sofreu, o direito de ser ressarcido, e, para o autor, direto ou indireto,

* Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Doutorando e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Especialista em Education Law and Policy pela European Association for Education Law and Policy (Antuérpia – Bélgica) e em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa. Ex-Consultor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça (2005-2009). Assessor Jurídico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP). Membro da International Association of Prosecutors (The Hague – Holanda).

1 POTHIER, A. Oeuvres de Pothier, Traité des Obligations. Tome Premier. Paris: Chez L’Éditeur, 1821. p. 180-181.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 7

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/20096

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:

CONFIGURAÇÃO E REPARAÇÃO DO DANO MORAL

Emerson Garcia*

Resumo:O ato de improbidade administrativa, enquanto prática deletéria ao patrimônio público, pode ensejar a configuração de um dano não patrimonial de natureza objetiva, que alcançará tanto a pessoa jurídica de direito público, mediata ou imediatamente lesada, como a própria coletividade. O objetivo dessas breves linhas é identificar em que intensidade tais pessoas jurídicas podem ser vítimas de danos dessa natureza e se é possível pleitear a sua reparação, juntamente com a do dano moral coletivo, na própria relação processual voltada ao sancionamento do ímprobo.

Palavras-chave: dano moral, improbidade administrativa, pessoa jurídica de direito público, ressarcimento integral do dano.

Delimitação do plano de estudo

Dano, em seus contornos mais amplos, é “a perda que 1alguém teve e o ganho que deixou de ter” . Quando o dano resulta

de uma ação à margem da ordem jurídica, surge, para aquele que o sofreu, o direito de ser ressarcido, e, para o autor, direto ou indireto,

* Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Doutorando e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Especialista em Education Law and Policy pela European Association for Education Law and Policy (Antuérpia – Bélgica) e em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa. Ex-Consultor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça (2005-2009). Assessor Jurídico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP). Membro da International Association of Prosecutors (The Hague – Holanda).

1 POTHIER, A. Oeuvres de Pothier, Traité des Obligations. Tome Premier. Paris: Chez L’Éditeur, 1821. p. 180-181.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 7

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2 3o dever de indenizar . Essa construção, de origem romana e que se sedimentou na esfera civilista, alcançou o direito público, onde há muito se reconhece o dever de o Poder Público ressarcir os danos

4causados aos particulares . Sua simplicidade estrutural, no entanto, encobre um incontável número de polêmicas, que variam desde o exato alcance da concepção de dano, passando pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, até alcançar o quantum da indenização devida.

Conquanto se reconheça, face à sua inegável amplitude, que a temática faria melhor figura num tratado, não num breve artigo, cremos seja possível tecer algumas considerações a respeito da conexão existente entre improbidade administrativa e uma modalidade específica de dano, o moral. Para tanto, é necessário compreender a amplitude do dever jurídico de ressarcir o dano causado com o ato de improbidade, bem como refletir sobre os contornos estruturais do dano moral e a possibilidade de as pessoas jurídicas, mais especificamente daquelas que se enquadrem no conceito de sujeito passivo do ato de improbidade, virem a sofrê-lo.

Os atos de improbidade e as sanções cominadas

Diversamente ao que muitos afirmam, improbidade não guarda identidade com imoralidade e muito menos é por ela absorvida. O acerto dessa afirmação resulta da exegese do art. 37 da Constituição da República, que enunciou um extenso rol de regras e princípios vinculantes para a Administração Pública e, em seu § 4º, conferiu ao Legislativo plena liberdade de conformação para definir o que seriam atos de improbidade. Assim, ainda que o léxico estabelecesse a vinculação que ora se afasta, o que

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/20098

efetivamente não faz, pois probidade deriva do latim probus (pro + bho – da raiz bhu, nascer, brotar), indicando o que é bom, de boa qualidade, vale dizer, o que é correto, não apenas o que é moral, deve-se ter sempre presente que o semântico pode, apenas, ajudar a construir, mas não sobrepor-se ao normativo. Nessa linha, poderia a legislação constitucional considerar, como efetivamente fez, ato de improbidade a violação a todo e qualquer princípio regente da

5atividade estatal, cuja imperatividade não precisa ser lembrada , e não apenas à moralidade administrativa.

Na sistemática da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, que regulamentou o § 4º do art. 37 da Constituição da República, são três as modalidades de atos de improbidade administrativa: aqueles que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), causam dano ao patrimônio público (art. 10) ou violam os princípios regentes da atividade estatal (art. 11). Todas, no entanto, possuem um epicentro estrutural comum, a violação à juridicidade, terminologia cunhada por Merkl e que absorve todos os padrões normativos de observância obrigatória no Estado de Direito, como regras, princípios, costumes,

6etc. . Em qualquer caso, sempre será necessário aferir a presença de um referencial de proporcionalidade na própria incidência da Lei n. 8.429/1992, evitando submeter o agente público a um processo dessa natureza em situações de pouca ou nenhuma lesividade ao interesse

7público .Avançando, ainda é possível alcançar uma segunda

conclusão: todo ato de improbidade, e não apenas o tipificado no art. 11, viola algum princípio regente da atividade estatal. Essa

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 9

2 Cf. SOURDAT, M. A. Traité Général de la Responsabilité ou de L’Action en Dommages-Intérêts en Dehors des Contrats. Tome 1, 5. ed. Paris: Marchal et Billard, 1902. p. 1.

3 Cf. SAVIGNY, M. F. C. de. Traité de Droit Romain. Tome Premier. Paris: Firmin Didot Frères Libraires, 1840. p. 107.

4 Cf. WALINE, M. Droit Administratif. 9. ed. Paris: Éditions Sirey, 1963. p. 826 e ss.; BASSI, F. Lezioni di Diritto Amministrativo. 7. ed. Milano: A. Giuffrè Editore, 2003. p. 301 e ss.

5 Cf. ALEXY, R. Theorie der Grundrechte. Baden-Baden: Surhkamp Taschenbuch Verlag, 1994. p. 72; DWORKIN, R. Taking rights seriously. Massachussets: Harvard University Press, 1999. p. 22 e ss.; ZAGREBELSKY, G. Manuale di Diritto Costituzionale. Volume Primo - Il Sistema delle Fonti del Diritto. Torino: Unione Tipográfico-Editrice Torinese, 1987. p. 107; MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 250; e GARCIA, E. Conflito entre normas constitucionais. Esboço de uma teoria geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 177 e ss.

6 Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA, E.; FERNÁNDEZ, T.-R. Curso de Derecho Administrativo. v. I, 2. ed. Madrid: Civitas Edicionaes, 1977. p. 251.

7 Para maior desenvolvimento do tema, vide, de nossa autoria, a primeira parte da obra, intitulada “Improbidade Administrativa” (2008, p. 99-104), sendo a segunda parte da lavra de Rogério Pacheco Alves.

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2 3o dever de indenizar . Essa construção, de origem romana e que se sedimentou na esfera civilista, alcançou o direito público, onde há muito se reconhece o dever de o Poder Público ressarcir os danos

4causados aos particulares . Sua simplicidade estrutural, no entanto, encobre um incontável número de polêmicas, que variam desde o exato alcance da concepção de dano, passando pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, até alcançar o quantum da indenização devida.

Conquanto se reconheça, face à sua inegável amplitude, que a temática faria melhor figura num tratado, não num breve artigo, cremos seja possível tecer algumas considerações a respeito da conexão existente entre improbidade administrativa e uma modalidade específica de dano, o moral. Para tanto, é necessário compreender a amplitude do dever jurídico de ressarcir o dano causado com o ato de improbidade, bem como refletir sobre os contornos estruturais do dano moral e a possibilidade de as pessoas jurídicas, mais especificamente daquelas que se enquadrem no conceito de sujeito passivo do ato de improbidade, virem a sofrê-lo.

Os atos de improbidade e as sanções cominadas

Diversamente ao que muitos afirmam, improbidade não guarda identidade com imoralidade e muito menos é por ela absorvida. O acerto dessa afirmação resulta da exegese do art. 37 da Constituição da República, que enunciou um extenso rol de regras e princípios vinculantes para a Administração Pública e, em seu § 4º, conferiu ao Legislativo plena liberdade de conformação para definir o que seriam atos de improbidade. Assim, ainda que o léxico estabelecesse a vinculação que ora se afasta, o que

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efetivamente não faz, pois probidade deriva do latim probus (pro + bho – da raiz bhu, nascer, brotar), indicando o que é bom, de boa qualidade, vale dizer, o que é correto, não apenas o que é moral, deve-se ter sempre presente que o semântico pode, apenas, ajudar a construir, mas não sobrepor-se ao normativo. Nessa linha, poderia a legislação constitucional considerar, como efetivamente fez, ato de improbidade a violação a todo e qualquer princípio regente da

5atividade estatal, cuja imperatividade não precisa ser lembrada , e não apenas à moralidade administrativa.

Na sistemática da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, que regulamentou o § 4º do art. 37 da Constituição da República, são três as modalidades de atos de improbidade administrativa: aqueles que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), causam dano ao patrimônio público (art. 10) ou violam os princípios regentes da atividade estatal (art. 11). Todas, no entanto, possuem um epicentro estrutural comum, a violação à juridicidade, terminologia cunhada por Merkl e que absorve todos os padrões normativos de observância obrigatória no Estado de Direito, como regras, princípios, costumes,

6etc. . Em qualquer caso, sempre será necessário aferir a presença de um referencial de proporcionalidade na própria incidência da Lei n. 8.429/1992, evitando submeter o agente público a um processo dessa natureza em situações de pouca ou nenhuma lesividade ao interesse

7público .Avançando, ainda é possível alcançar uma segunda

conclusão: todo ato de improbidade, e não apenas o tipificado no art. 11, viola algum princípio regente da atividade estatal. Essa

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 9

2 Cf. SOURDAT, M. A. Traité Général de la Responsabilité ou de L’Action en Dommages-Intérêts en Dehors des Contrats. Tome 1, 5. ed. Paris: Marchal et Billard, 1902. p. 1.

3 Cf. SAVIGNY, M. F. C. de. Traité de Droit Romain. Tome Premier. Paris: Firmin Didot Frères Libraires, 1840. p. 107.

4 Cf. WALINE, M. Droit Administratif. 9. ed. Paris: Éditions Sirey, 1963. p. 826 e ss.; BASSI, F. Lezioni di Diritto Amministrativo. 7. ed. Milano: A. Giuffrè Editore, 2003. p. 301 e ss.

5 Cf. ALEXY, R. Theorie der Grundrechte. Baden-Baden: Surhkamp Taschenbuch Verlag, 1994. p. 72; DWORKIN, R. Taking rights seriously. Massachussets: Harvard University Press, 1999. p. 22 e ss.; ZAGREBELSKY, G. Manuale di Diritto Costituzionale. Volume Primo - Il Sistema delle Fonti del Diritto. Torino: Unione Tipográfico-Editrice Torinese, 1987. p. 107; MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional. Tomo II. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 250; e GARCIA, E. Conflito entre normas constitucionais. Esboço de uma teoria geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 177 e ss.

6 Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA, E.; FERNÁNDEZ, T.-R. Curso de Derecho Administrativo. v. I, 2. ed. Madrid: Civitas Edicionaes, 1977. p. 251.

7 Para maior desenvolvimento do tema, vide, de nossa autoria, a primeira parte da obra, intitulada “Improbidade Administrativa” (2008, p. 99-104), sendo a segunda parte da lavra de Rogério Pacheco Alves.

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constatação é particularmente clara em relação ao enriquecimento ilícito, isto em razão de sua elevada carga de ilegalidade e imoralidade, e não menos exata em relação ao dano causado ao patrimônio público, pois o prejuízo, para que seja tido como ilícito, configurando a improbidade administrativa, sempre será antecedido pela violação a algum princípio. Nesse particular, deve-se lembrar que a atividade estatal, conquanto ostente inegável utilidade para o interesse público, pode se mostrar extremamente arriscada (v.g.: um plano econômico) ou indiscutivelmente deficitária (v.g.: subvenções que busquem o desenvolvimento de uma região mais pobre), sendo o prejuízo financeiro plenamente aceitável.

Em consequência, o iter de individualização dos atos de improbidade há de iniciar, sempre, pela verificação da compatibilidade da conduta com os princípios regentes da atividade estatal. Presente a incompatibilidade, ter-se-á a aparente configuração do ato de improbidade descrito no art. 11. Se a conduta, além disso, importar em enriquecimento ilícito ou causar dano ao patrimônio público, ter-se-á o deslocamento da tipologia, respectivamente, para os arts. 9º e 10. Identificado o enquadramento da conduta na tipologia da Lei n. 8.429/1992, o que também exige sejam analisados o elemento subjetivo do agente, a qualidade dos sujeitos envolvidos e a presença de um critério de proporcionalidade, ter-se-á, como consequência desfavorável para o autor, a incidência das sanções cominadas no art. 12.

Não obstante o distinto grau de lesividade ao interesse público, o fato de as três modalidades de atos de improbidade pertencerem a um gênero comum ensejou a opção legislativa de sujeitá-las a feixes de sanções praticamente idênticos. Com exceção da “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio”, somente cominada às hipóteses de enriquecimento lícito, todo e qualquer ato de improbidade, a depender dos circunstancialismos do caso concreto, pode redundar em “ressarcimento integral do dano”, “perda da função pública”, “suspensão dos direitos políticos”, “pagamento de multa civil” e “proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios”.

De modo diverso ao que se verifica em relação ao inciso II do art. 12, onde o “ressarcimento integral do dano” é da própria

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200910

essência do ato de improbidade previsto no art. 10, cuja tipologia é direcionada aos atos que causam dano ao patrimônio público, há previsão expressa, nos incisos I e III do referido art. 12, de preceitos que relacionam as sanções cominadas às duas outras modalidades de atos de improbidade, de que esse ressarcimento só terá lugar “quando houver” dano. Observa-se, de imediato, que essa técnica legislativa não suscita maiores dúvidas em relação ao enriquecimento ilícito, pois tanto é possível que o agente público dê causa ao empobrecimento do patrimônio público em razão do seu enriquecimento pessoal (v.g.: apropriando-se de recursos públicos), como pode igualmente ocorrer que ele enriqueça sem que haja qualquer prejuízo patrimonial imediato para o sujeito passivo do ato de improbidade (v.g.: o recebimento de propina para acelerar um processo administrativo). A mesma clareza, no entanto, não se manifesta quando o ato de improbidade é daqueles que tão somente viola os princípios regentes da atividade estatal. Afinal, preservando um padrão mínimo de coerência em relação ao que afirmamos acima, a simples ocorrência do dano já seria suficiente para atrair a incidência da tipologia do art. 10. Haveria, assim, uma contraditctio in terminis ao se associar a figura do art. 11 da Lei de Improbidade ao “ressarcimento do dano”.

Não obstante o aparente êxito desse raciocínio inicial, é possível afirmar que o “ressarcimento do dano” previsto no inciso III do art. 12, além de compatível com a tipologia do art. 11, apresenta uma total harmonia sistêmica com a Lei de Improbidade.

Como verdadeiro dogma do moderno direito sancionador, tem-se que a incidência da sanção pressupõe a existência de um claro liame entre a vontade do agente e o comportamento tido como

8ilícito . Enquanto a tipologia do art. 10 aceita tanto o dolo como a culpa, a do art. 11, por ser silente a respeito do elemento subjetivo do agente público, somente se harmoniza com o dolo. Assim, agindo dolosamente, o agente pode violar apenas os princípios regentes da atividade estatal ou avançar e, também, causar dano ao patrimônio público. Mesmo que pare no minus, é plenamente factível que de sua conduta possa advir um dano indireto ao patrimônio público, que absorve não só os aspectos financeiros, como, também, o conjunto de

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 11

8 Cf. NIETO, A. Derecho Administrativo sancionador. 3. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2002. p. 342 e ss.

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constatação é particularmente clara em relação ao enriquecimento ilícito, isto em razão de sua elevada carga de ilegalidade e imoralidade, e não menos exata em relação ao dano causado ao patrimônio público, pois o prejuízo, para que seja tido como ilícito, configurando a improbidade administrativa, sempre será antecedido pela violação a algum princípio. Nesse particular, deve-se lembrar que a atividade estatal, conquanto ostente inegável utilidade para o interesse público, pode se mostrar extremamente arriscada (v.g.: um plano econômico) ou indiscutivelmente deficitária (v.g.: subvenções que busquem o desenvolvimento de uma região mais pobre), sendo o prejuízo financeiro plenamente aceitável.

Em consequência, o iter de individualização dos atos de improbidade há de iniciar, sempre, pela verificação da compatibilidade da conduta com os princípios regentes da atividade estatal. Presente a incompatibilidade, ter-se-á a aparente configuração do ato de improbidade descrito no art. 11. Se a conduta, além disso, importar em enriquecimento ilícito ou causar dano ao patrimônio público, ter-se-á o deslocamento da tipologia, respectivamente, para os arts. 9º e 10. Identificado o enquadramento da conduta na tipologia da Lei n. 8.429/1992, o que também exige sejam analisados o elemento subjetivo do agente, a qualidade dos sujeitos envolvidos e a presença de um critério de proporcionalidade, ter-se-á, como consequência desfavorável para o autor, a incidência das sanções cominadas no art. 12.

Não obstante o distinto grau de lesividade ao interesse público, o fato de as três modalidades de atos de improbidade pertencerem a um gênero comum ensejou a opção legislativa de sujeitá-las a feixes de sanções praticamente idênticos. Com exceção da “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio”, somente cominada às hipóteses de enriquecimento lícito, todo e qualquer ato de improbidade, a depender dos circunstancialismos do caso concreto, pode redundar em “ressarcimento integral do dano”, “perda da função pública”, “suspensão dos direitos políticos”, “pagamento de multa civil” e “proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios”.

De modo diverso ao que se verifica em relação ao inciso II do art. 12, onde o “ressarcimento integral do dano” é da própria

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essência do ato de improbidade previsto no art. 10, cuja tipologia é direcionada aos atos que causam dano ao patrimônio público, há previsão expressa, nos incisos I e III do referido art. 12, de preceitos que relacionam as sanções cominadas às duas outras modalidades de atos de improbidade, de que esse ressarcimento só terá lugar “quando houver” dano. Observa-se, de imediato, que essa técnica legislativa não suscita maiores dúvidas em relação ao enriquecimento ilícito, pois tanto é possível que o agente público dê causa ao empobrecimento do patrimônio público em razão do seu enriquecimento pessoal (v.g.: apropriando-se de recursos públicos), como pode igualmente ocorrer que ele enriqueça sem que haja qualquer prejuízo patrimonial imediato para o sujeito passivo do ato de improbidade (v.g.: o recebimento de propina para acelerar um processo administrativo). A mesma clareza, no entanto, não se manifesta quando o ato de improbidade é daqueles que tão somente viola os princípios regentes da atividade estatal. Afinal, preservando um padrão mínimo de coerência em relação ao que afirmamos acima, a simples ocorrência do dano já seria suficiente para atrair a incidência da tipologia do art. 10. Haveria, assim, uma contraditctio in terminis ao se associar a figura do art. 11 da Lei de Improbidade ao “ressarcimento do dano”.

Não obstante o aparente êxito desse raciocínio inicial, é possível afirmar que o “ressarcimento do dano” previsto no inciso III do art. 12, além de compatível com a tipologia do art. 11, apresenta uma total harmonia sistêmica com a Lei de Improbidade.

Como verdadeiro dogma do moderno direito sancionador, tem-se que a incidência da sanção pressupõe a existência de um claro liame entre a vontade do agente e o comportamento tido como

8ilícito . Enquanto a tipologia do art. 10 aceita tanto o dolo como a culpa, a do art. 11, por ser silente a respeito do elemento subjetivo do agente público, somente se harmoniza com o dolo. Assim, agindo dolosamente, o agente pode violar apenas os princípios regentes da atividade estatal ou avançar e, também, causar dano ao patrimônio público. Mesmo que pare no minus, é plenamente factível que de sua conduta possa advir um dano indireto ao patrimônio público, que absorve não só os aspectos financeiros, como, também, o conjunto de

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8 Cf. NIETO, A. Derecho Administrativo sancionador. 3. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2002. p. 342 e ss.

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bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, 9histórica, ambiental e turística .

Ressalte-se, no entanto, que essa linha limítrofe entre o fim do primeiro atuar doloso e o início do segundo é normalmente encoberta pela unidade existencial da conduta praticada pelo agente, o que torna impossível ou particularmente difícil a sua individualização. De qualquer modo, esse óbice será afastado quando a própria Lei incluir, sob a epígrafe do art. 11, condutas que normalmente redundam num dano ao patrimônio público. É o caso, por exemplo, da figura do inciso V do art. 11: “frustrar a licitude de concurso público”. Esse ato de improbidade pode redundar na anulação do concurso público e, consequentemente, acarretar a perda de todo o numerário despendido pelo Poder Público com a sua organização. Apesar de a Lei n. 8.429/1992 não deixar margem a dúvidas quanto à sua inclusão no art. 11, ter-se-á um dano e o correlato dever de ressarci-lo.

Em outras situações, a tarefa do operador do direito será sensivelmente mais complexa. É o caso, por exemplo, do inciso I do art. 11 (“praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”), cuja generalidade não precisa ser realçada e que, por isso, será necessariamente infringido em praticamente todos os atos de improbidade contemplados nos arts. 9º e 10. Assim, a depender das especificidades do caso concreto, não haverá óbice ao enquadramento da conduta em tipologias mais específicas, como soem ser as desses últimos artigos.

Constatado que o dever de ressarcir o dano causado pode decorrer de qualquer dos atos de improbidade previstos na Lei n. 8.429/1992, resta verificar a sua natureza jurídica, os contornos gerais do denominado dano moral e a possibilidade, ou não, de o ato de improbidade vir a causar um dano dessa natureza ao Poder Público.

O ressarcimento integral do dano

A ideia de ressarcimento integral do dano indica que a esfera jurídica do lesado deve retornar ao estado em que se encontrava por ocasião da prática do ato ilícito. Não obstante a sistemática adotada pela Lei n. 8.429/1992, que o incluiu sob a

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epígrafe das sanções, ele não representa uma punição para o 10ímprobo; afinal, busca, apenas, repor o status quo . Jérémie

Bentham, há mais de dois séculos, já observava que se a medida aplicada ao criminoso consiste numa soma de dinheiro que dele é exigida como equivalente à perda que causou a terceiro, tem-se um ato de satisfação pecuniária (satisfaction pécuniaire), não de

11 12punição . Kelsen , do mesmo modo, averba que

a obrigação de reparar o dano infligido a outro Estado, seja ela diretamente estipulada pelo Direito internacional geral ou estabelecida por meio de acordo entre os dois Estados envolvidos, não é uma sanção – tal como caracterizado às vezes – mas uma obrigação substitutiva que ocupa o lugar da obrigação original violada pelo delito (rectius: ato ilícito) internacional.

Em seus contornos gerais, o dever de ressarcir pressupõe: a) a ação ou omissão do agente, residindo o elemento volitivo no dolo ou na culpa; b) o dano; c) a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano ocorrido; d) que da conduta do agente, lícita (ex.: agente que age em estado de necessidade) ou ilícita, surja o dever jurídico de reparar. Especificamente em relação ao nosso objeto de estudo, tem-se que a prática do ato de improbidade faz surgir, para o agente, o público e os terceiros com ele conluiados, o dever de ressarcir o dano causado, o que decorre não só do “sancionamento” instituído pelo art. 12, como, também, do dever jurídico veiculado pelo art. 5º, verbis: “[o]correndo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”.

O vocábulo ressarcimento exprime a ideia de equivalência na contraprestação, apresentando-se como consequência da atividade do agente que ilicitamente causa dano ao sujeito passivo do ato de

10 No mesmo sentido: CARRARA, F. Programa do curso de Direito Criminal. v. II. Trad. de José Luiz V. de A. Franceschini. São Paulo: Editora Saraiva, 1957. § 693, p. 145.

11 Cf. DUMOND, É. Theorie des Peines et des Récompenses. Extraits des Manuscrits de Jérémie Bentham. Bruxelas: Societé Belge de Librarie, 1840. p. 14.

12 KELSEN, H. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

9 Cf. GARCIA, op. cit., p. 252-254.

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bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, 9histórica, ambiental e turística .

Ressalte-se, no entanto, que essa linha limítrofe entre o fim do primeiro atuar doloso e o início do segundo é normalmente encoberta pela unidade existencial da conduta praticada pelo agente, o que torna impossível ou particularmente difícil a sua individualização. De qualquer modo, esse óbice será afastado quando a própria Lei incluir, sob a epígrafe do art. 11, condutas que normalmente redundam num dano ao patrimônio público. É o caso, por exemplo, da figura do inciso V do art. 11: “frustrar a licitude de concurso público”. Esse ato de improbidade pode redundar na anulação do concurso público e, consequentemente, acarretar a perda de todo o numerário despendido pelo Poder Público com a sua organização. Apesar de a Lei n. 8.429/1992 não deixar margem a dúvidas quanto à sua inclusão no art. 11, ter-se-á um dano e o correlato dever de ressarci-lo.

Em outras situações, a tarefa do operador do direito será sensivelmente mais complexa. É o caso, por exemplo, do inciso I do art. 11 (“praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”), cuja generalidade não precisa ser realçada e que, por isso, será necessariamente infringido em praticamente todos os atos de improbidade contemplados nos arts. 9º e 10. Assim, a depender das especificidades do caso concreto, não haverá óbice ao enquadramento da conduta em tipologias mais específicas, como soem ser as desses últimos artigos.

Constatado que o dever de ressarcir o dano causado pode decorrer de qualquer dos atos de improbidade previstos na Lei n. 8.429/1992, resta verificar a sua natureza jurídica, os contornos gerais do denominado dano moral e a possibilidade, ou não, de o ato de improbidade vir a causar um dano dessa natureza ao Poder Público.

O ressarcimento integral do dano

A ideia de ressarcimento integral do dano indica que a esfera jurídica do lesado deve retornar ao estado em que se encontrava por ocasião da prática do ato ilícito. Não obstante a sistemática adotada pela Lei n. 8.429/1992, que o incluiu sob a

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epígrafe das sanções, ele não representa uma punição para o 10ímprobo; afinal, busca, apenas, repor o status quo . Jérémie

Bentham, há mais de dois séculos, já observava que se a medida aplicada ao criminoso consiste numa soma de dinheiro que dele é exigida como equivalente à perda que causou a terceiro, tem-se um ato de satisfação pecuniária (satisfaction pécuniaire), não de

11 12punição . Kelsen , do mesmo modo, averba que

a obrigação de reparar o dano infligido a outro Estado, seja ela diretamente estipulada pelo Direito internacional geral ou estabelecida por meio de acordo entre os dois Estados envolvidos, não é uma sanção – tal como caracterizado às vezes – mas uma obrigação substitutiva que ocupa o lugar da obrigação original violada pelo delito (rectius: ato ilícito) internacional.

Em seus contornos gerais, o dever de ressarcir pressupõe: a) a ação ou omissão do agente, residindo o elemento volitivo no dolo ou na culpa; b) o dano; c) a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano ocorrido; d) que da conduta do agente, lícita (ex.: agente que age em estado de necessidade) ou ilícita, surja o dever jurídico de reparar. Especificamente em relação ao nosso objeto de estudo, tem-se que a prática do ato de improbidade faz surgir, para o agente, o público e os terceiros com ele conluiados, o dever de ressarcir o dano causado, o que decorre não só do “sancionamento” instituído pelo art. 12, como, também, do dever jurídico veiculado pelo art. 5º, verbis: “[o]correndo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”.

O vocábulo ressarcimento exprime a ideia de equivalência na contraprestação, apresentando-se como consequência da atividade do agente que ilicitamente causa dano ao sujeito passivo do ato de

10 No mesmo sentido: CARRARA, F. Programa do curso de Direito Criminal. v. II. Trad. de José Luiz V. de A. Franceschini. São Paulo: Editora Saraiva, 1957. § 693, p. 145.

11 Cf. DUMOND, É. Theorie des Peines et des Récompenses. Extraits des Manuscrits de Jérémie Bentham. Bruxelas: Societé Belge de Librarie, 1840. p. 14.

12 KELSEN, H. Teoria geral do Direito e do Estado. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

9 Cf. GARCIA, op. cit., p. 252-254.

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improbidade. A reparação, consoante a dicção da Lei n. 8.429/1992, há de ser integral, o que torna cogente o dever de ressarcir todos os prejuízos sofridos pela pessoa jurídica lesada, qualquer que seja a sua natureza. Insuficiente o quantum fixado a título de reparação, caberá à Fazenda Pública ajuizar as ações necessárias à complementação do

13ressarcimento . Sob esse aspecto, é relevante observar que a independência com a esfera cível foi levada a extremos, já que a pessoa jurídica lesada será instada a integrar o polo ativo da ação caso

14não a tenha ajuizado (art. 17, § 3º); terá total liberdade para suprir as falhas e omissões detectadas na inicial; poderá produzir as provas que demonstrem a dimensão do dano; e terá ampla possibilidade de apresentar as irresignações recursais pertinentes; inexistindo, assim, justificativa para a injurídica possibilidade de renovação da lide. Com o objetivo de harmonizar referida norma com o instituto da

15coisa julgada , entendemos que o ulterior pleito indenizatório somente deve ser admitido quando: (1) a Fazenda Pública não houver integrado o polo ativo; (2) a dimensão do dano não tenha sido discutida; ou (3) fatos supervenientes, não valorados na lide originária, embasem a lide posterior.

Tratando-se de dano causado por mais de um agente público, ou por um agente público e um terceiro, uma vez demonstrado que concorreram voluntariamente para o resultado, ter-se-á a obrigação solidária de reparar, do que decorre a possibilidade de o montante

16devido ser integralmente cobrado de qualquer deles .Se o dever jurídico de ressarcir não parece suscitar maiores

dúvidas, o mesmo não pode ser dito em relação ao que está incluído sob a epígrafe do “dano”. É nesse ponto que iniciamos nossas considerações a respeito do dano moral na seara da improbidade administrativa.

Contornos gerais do dano moral no âmbito privado

O dano moral, por vezes, é caracterizado como uma ofensa de natureza não patrimonial, atingindo, primordialmente, os direitos da personalidade, assentados num referencial de humanidade e insuscetíveis de exata mensuração econômica. Sob essa perspectiva, somente a pessoa humana poderia sofrê-lo, não a pessoa jurídica, criação de ordem legal ou contratual desprovida de personalidade subjetiva, não sentindo dor ou emoção. Essa concepção inicial, no entanto, não se coaduna com a constatação de que alguns atributos da personalidade, como a imagem e a reputação, podem assumir contornos objetivos, não necessariamente associados ao referencial de humanidade.

A honra, além do aspecto subjetivo, afeto aos sentimentos característicos da espécie humana, também alcança a reputação e o bom nome da pessoa junto a terceiros que com ela se relacionem, ou que estejam em vias de se relacionar. A honra, assim, possui contornos de imanência, refletindo a própria estima, e de transcendência, indicando o reconhecimento externo do próprio

17valor . Partindo-se dessa distinção, pode-se falar, como o faz parte da doutrina italiana, em danos não patrimoniais subjetivos (dor física e moral) e danos não patrimoniais objetivos (ofensas ao bom nome, à

18reputação, etc.) , o que bem demonstra a estreiteza do entendimento 19que contextualiza a honra num plano puramente personalista .

Afinal, é plenamente factível que também as pessoas jurídicas possuem um conceito, uma reputação, permitindo, assim, venham a sofrer danos não patrimoniais objetivos.

A configuração do dano moral, como é intuitivo, pressupõe a violação de um bem ou interesse juridicamente tutelado. Nessa perspectiva, é necessária a verificação do referencial de juridicidade que dá sustentação aos direitos das pessoas naturais e jurídicas. Os

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13 Lei n. 8.429/1992, art. 17, § 2º.14 Lei n. 8.429/1992, art. 17, § 3º.15 CR/1988, art. 5º, XXXVI.16 Código Civil, art. 942. Em harmonia com o sistema, o TJRS decidiu que

“responde pelos prejuízos causados ao erário, solidariamente, tanto o servidor, beneficiado pela irregularidade, como o prefeito municipal, na qualidade de gestor dos gastos públicos, tendo conhecimento do ato ilegal, causador do dano sujeito à reparação” (3ª CC, AP n. 598331445, rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. em 11/3/1999).

17 Cf. ROSADO IGLESIAS, G. La titularidad de derechos fundamentales por la persona jurídica. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004. p. 197.

18 Cf. CORTESE, W. La responsabilità per danno all’immagine della pubblica amministrazione. Padova: CEDAM, 2004. p. 105 e ss.

19 Nesse sentido: BALAGUER CALLEJÓN, M. L. El derecho fundamental al honor. Madrid: Editorial Tecnos, 1992. p. 142; e COSSIO, M. de. Derecho al honor. Técnicas de protección y limites. Valencia: Tirant lo Blanch, 1993. p. 181.

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improbidade. A reparação, consoante a dicção da Lei n. 8.429/1992, há de ser integral, o que torna cogente o dever de ressarcir todos os prejuízos sofridos pela pessoa jurídica lesada, qualquer que seja a sua natureza. Insuficiente o quantum fixado a título de reparação, caberá à Fazenda Pública ajuizar as ações necessárias à complementação do

13ressarcimento . Sob esse aspecto, é relevante observar que a independência com a esfera cível foi levada a extremos, já que a pessoa jurídica lesada será instada a integrar o polo ativo da ação caso

14não a tenha ajuizado (art. 17, § 3º); terá total liberdade para suprir as falhas e omissões detectadas na inicial; poderá produzir as provas que demonstrem a dimensão do dano; e terá ampla possibilidade de apresentar as irresignações recursais pertinentes; inexistindo, assim, justificativa para a injurídica possibilidade de renovação da lide. Com o objetivo de harmonizar referida norma com o instituto da

15coisa julgada , entendemos que o ulterior pleito indenizatório somente deve ser admitido quando: (1) a Fazenda Pública não houver integrado o polo ativo; (2) a dimensão do dano não tenha sido discutida; ou (3) fatos supervenientes, não valorados na lide originária, embasem a lide posterior.

Tratando-se de dano causado por mais de um agente público, ou por um agente público e um terceiro, uma vez demonstrado que concorreram voluntariamente para o resultado, ter-se-á a obrigação solidária de reparar, do que decorre a possibilidade de o montante

16devido ser integralmente cobrado de qualquer deles .Se o dever jurídico de ressarcir não parece suscitar maiores

dúvidas, o mesmo não pode ser dito em relação ao que está incluído sob a epígrafe do “dano”. É nesse ponto que iniciamos nossas considerações a respeito do dano moral na seara da improbidade administrativa.

Contornos gerais do dano moral no âmbito privado

O dano moral, por vezes, é caracterizado como uma ofensa de natureza não patrimonial, atingindo, primordialmente, os direitos da personalidade, assentados num referencial de humanidade e insuscetíveis de exata mensuração econômica. Sob essa perspectiva, somente a pessoa humana poderia sofrê-lo, não a pessoa jurídica, criação de ordem legal ou contratual desprovida de personalidade subjetiva, não sentindo dor ou emoção. Essa concepção inicial, no entanto, não se coaduna com a constatação de que alguns atributos da personalidade, como a imagem e a reputação, podem assumir contornos objetivos, não necessariamente associados ao referencial de humanidade.

A honra, além do aspecto subjetivo, afeto aos sentimentos característicos da espécie humana, também alcança a reputação e o bom nome da pessoa junto a terceiros que com ela se relacionem, ou que estejam em vias de se relacionar. A honra, assim, possui contornos de imanência, refletindo a própria estima, e de transcendência, indicando o reconhecimento externo do próprio

17valor . Partindo-se dessa distinção, pode-se falar, como o faz parte da doutrina italiana, em danos não patrimoniais subjetivos (dor física e moral) e danos não patrimoniais objetivos (ofensas ao bom nome, à

18reputação, etc.) , o que bem demonstra a estreiteza do entendimento 19que contextualiza a honra num plano puramente personalista .

Afinal, é plenamente factível que também as pessoas jurídicas possuem um conceito, uma reputação, permitindo, assim, venham a sofrer danos não patrimoniais objetivos.

A configuração do dano moral, como é intuitivo, pressupõe a violação de um bem ou interesse juridicamente tutelado. Nessa perspectiva, é necessária a verificação do referencial de juridicidade que dá sustentação aos direitos das pessoas naturais e jurídicas. Os

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13 Lei n. 8.429/1992, art. 17, § 2º.14 Lei n. 8.429/1992, art. 17, § 3º.15 CR/1988, art. 5º, XXXVI.16 Código Civil, art. 942. Em harmonia com o sistema, o TJRS decidiu que

“responde pelos prejuízos causados ao erário, solidariamente, tanto o servidor, beneficiado pela irregularidade, como o prefeito municipal, na qualidade de gestor dos gastos públicos, tendo conhecimento do ato ilegal, causador do dano sujeito à reparação” (3ª CC, AP n. 598331445, rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. em 11/3/1999).

17 Cf. ROSADO IGLESIAS, G. La titularidad de derechos fundamentales por la persona jurídica. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004. p. 197.

18 Cf. CORTESE, W. La responsabilità per danno all’immagine della pubblica amministrazione. Padova: CEDAM, 2004. p. 105 e ss.

19 Nesse sentido: BALAGUER CALLEJÓN, M. L. El derecho fundamental al honor. Madrid: Editorial Tecnos, 1992. p. 142; e COSSIO, M. de. Derecho al honor. Técnicas de protección y limites. Valencia: Tirant lo Blanch, 1993. p. 181.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200916 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 17

direitos da personalidade (v.g.: honra, intimidade, etc.), nitidamente reconduzíveis à ideia de dignidade humana, costumam encontrar contemplação expressa ou implícita em diversas Constituições, não havendo maior dúvida quanto à juridicidade de seus contornos. Em relação às pessoas jurídicas, tem-se que algumas ordens

20 21constitucionais, como a portuguesa e a alemã , prevêem, expressamente, que também elas possuem direitos fundamentais, desde, naturalmente, que sejam compatíveis com a sua natureza; são excluídos, assim, os direitos que pressupõem, como requisito essencial à sua fruição, a condição humana (v.g.: direito à integridade física, à vida, etc.), e absorvidos aqueles que não a exijam (v.g.: o direito à reputação). Nessa linha, identificada a violação dos direitos fundamentais que lhes são inerentes, será plenamente possível a configuração do dano moral.

Mesmo nos sistemas em que a ordem constitucional é silente a respeito da temática – a grande maioria, diga-se de passagem –, tem sido acolhido o argumento de que o fenômeno associativo é indissociável da realidade social, sendo uma forma de maximizar o atendimento às necessidades individuais. A pessoa jurídica, assim, enquanto instrumento a serviço da pessoa humana, deve ter os contornos de sua proteção definidos em harmonia com a sua essência e ratio existencial, o ser humano. Nessa perspectiva, não haveria sentido, por exemplo, em reconhecer a liberdade de culto individual e negá-la à organização religiosa constituída especificamente para esse fim, estando plenamente difundido o argumento de que também as pessoas jurídicas possuem alguns direitos tidos como fundamentais.

O Tribunal Constitucional espanhol já teve oportunidade de afirmar que “nuestro ordenamiento constitucional, aun cuando no se explicite en los términos con que se proclama en los textos constitucionales de otros Estados, los derechos fundamentales

22rigen también para las personas jurídicas nacionales” .

23No direito italiano, a Suprema Corte de Cassação , centrando sua atenção na lei civil, entendeu que o dano não patrimonial deve ser ressarcido não só nas hipóteses expressamente

24previstas na letra do art. 2059 do Código Civil de 1942 , como, também, em todos os casos em que o ato ilícito tenha lesado um

25interesse ou valor de relevo constitucional . Em relação à pessoa humana, isso decorreria da inviolabilidade dos direitos

26fundamentais e da necessária interpretação evolutiva do texto constitucional. Quanto às pessoas jurídicas, somente a partir da Sentença n. 12.929/2007 a Corte efetivamente equiparou pessoas físicas e jurídicas, entendendo que as últimas estariam igualmente suscetíveis de sofrer danos não patrimoniais, isto com exceção daqueles de natureza biológica, no qual o aspecto físico é requisito imprescindível; em sua fundamentação, aduziu que a força normativa do art. 2º da Constituição de 1947 projeta-se, igualmente,

27sobre as formações sociais integradas pelos seres humanos .

23 Sentença n. 26972, 24/06/2008, publicada em 11/11/2008.24 “Il danno non patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi determinati dalla legi”.25 No mesmo sentido: Sentenças n. 8827 e 8828/2003.26 Nas palavras do Tribunal: “[d]al princípio del necessario, per i diritti

inviolabili della persona, della minima tutela costituita dal risarcimento, consegue che la lesione dei diritti inviolabili della persona che abbia determinato um danno non patrimoniale comporta l’obbligo di risarcire tale danno, quale che sia la fonte della responsabilità , contrattuale o extracontrattuale” (Sentença n. 26972/2008, considerando 4.1).

27 Nas palavras do Tribunal: “[p]oiché anche nei confronti della persona giuridica e in genere dell’ente collettivo è configurabile la risarcibilità del danno non patrimoniale allorquando il fatto lesivo incida su una situazione giuridica della persona giuridica o dell’ente che sia equivalente ai diritti fondamentali della persona umana garantiti dalla Costituzione, e fra tali diritti rientra l’immagine della persona giuridica o dell’ente; allorquando si verifichi la lesione di tale immagine è risarcibile, oltre al danno patrimoniale, se verificatosi, e se dimostrato, il danno non patrimoniale costituito dalla diminuzione della considerazione della persona giuridica o dell’ente che esprime la sua immagine, sia sotto il profilo della incidenza negativa che tale diminuzione comporta nell’agire delle persone fisiche che ricoprano gli organi della persona giuridica o dell’ente e, quindi, nell’agire dell’ente, sia sotto il profilo della diminuzione della considerazione da parte dei consociati in genere o di settori o categorie di essi con le quali la persona giuridica o l’ente di norma interagisca. Il suddetto danno non patrimoniale va liquidato alla persona giuridica o all’ente in via equitativa, tenendo conto di tutte le circostanze del caso concreto”.

20 Constituição portuguesa de 1976, art. 12, 2: “As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”.

21 Grundgesetz alemã de 1949, art. 19, 3: “Os direitos fundamentais, na medida em que sejam compatíveis com sua natureza, também protegem as pessoas jurídicas nacionais”.

22 Sentença n. 32/1989, de 13/02/1989. No mesmo sentido: Sentença n. 241/1992, de 21/12/1992.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200916 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 17

direitos da personalidade (v.g.: honra, intimidade, etc.), nitidamente reconduzíveis à ideia de dignidade humana, costumam encontrar contemplação expressa ou implícita em diversas Constituições, não havendo maior dúvida quanto à juridicidade de seus contornos. Em relação às pessoas jurídicas, tem-se que algumas ordens

20 21constitucionais, como a portuguesa e a alemã , prevêem, expressamente, que também elas possuem direitos fundamentais, desde, naturalmente, que sejam compatíveis com a sua natureza; são excluídos, assim, os direitos que pressupõem, como requisito essencial à sua fruição, a condição humana (v.g.: direito à integridade física, à vida, etc.), e absorvidos aqueles que não a exijam (v.g.: o direito à reputação). Nessa linha, identificada a violação dos direitos fundamentais que lhes são inerentes, será plenamente possível a configuração do dano moral.

Mesmo nos sistemas em que a ordem constitucional é silente a respeito da temática – a grande maioria, diga-se de passagem –, tem sido acolhido o argumento de que o fenômeno associativo é indissociável da realidade social, sendo uma forma de maximizar o atendimento às necessidades individuais. A pessoa jurídica, assim, enquanto instrumento a serviço da pessoa humana, deve ter os contornos de sua proteção definidos em harmonia com a sua essência e ratio existencial, o ser humano. Nessa perspectiva, não haveria sentido, por exemplo, em reconhecer a liberdade de culto individual e negá-la à organização religiosa constituída especificamente para esse fim, estando plenamente difundido o argumento de que também as pessoas jurídicas possuem alguns direitos tidos como fundamentais.

O Tribunal Constitucional espanhol já teve oportunidade de afirmar que “nuestro ordenamiento constitucional, aun cuando no se explicite en los términos con que se proclama en los textos constitucionales de otros Estados, los derechos fundamentales

22rigen también para las personas jurídicas nacionales” .

23No direito italiano, a Suprema Corte de Cassação , centrando sua atenção na lei civil, entendeu que o dano não patrimonial deve ser ressarcido não só nas hipóteses expressamente

24previstas na letra do art. 2059 do Código Civil de 1942 , como, também, em todos os casos em que o ato ilícito tenha lesado um

25interesse ou valor de relevo constitucional . Em relação à pessoa humana, isso decorreria da inviolabilidade dos direitos

26fundamentais e da necessária interpretação evolutiva do texto constitucional. Quanto às pessoas jurídicas, somente a partir da Sentença n. 12.929/2007 a Corte efetivamente equiparou pessoas físicas e jurídicas, entendendo que as últimas estariam igualmente suscetíveis de sofrer danos não patrimoniais, isto com exceção daqueles de natureza biológica, no qual o aspecto físico é requisito imprescindível; em sua fundamentação, aduziu que a força normativa do art. 2º da Constituição de 1947 projeta-se, igualmente,

27sobre as formações sociais integradas pelos seres humanos .

23 Sentença n. 26972, 24/06/2008, publicada em 11/11/2008.24 “Il danno non patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi determinati dalla legi”.25 No mesmo sentido: Sentenças n. 8827 e 8828/2003.26 Nas palavras do Tribunal: “[d]al princípio del necessario, per i diritti

inviolabili della persona, della minima tutela costituita dal risarcimento, consegue che la lesione dei diritti inviolabili della persona che abbia determinato um danno non patrimoniale comporta l’obbligo di risarcire tale danno, quale che sia la fonte della responsabilità , contrattuale o extracontrattuale” (Sentença n. 26972/2008, considerando 4.1).

27 Nas palavras do Tribunal: “[p]oiché anche nei confronti della persona giuridica e in genere dell’ente collettivo è configurabile la risarcibilità del danno non patrimoniale allorquando il fatto lesivo incida su una situazione giuridica della persona giuridica o dell’ente che sia equivalente ai diritti fondamentali della persona umana garantiti dalla Costituzione, e fra tali diritti rientra l’immagine della persona giuridica o dell’ente; allorquando si verifichi la lesione di tale immagine è risarcibile, oltre al danno patrimoniale, se verificatosi, e se dimostrato, il danno non patrimoniale costituito dalla diminuzione della considerazione della persona giuridica o dell’ente che esprime la sua immagine, sia sotto il profilo della incidenza negativa che tale diminuzione comporta nell’agire delle persone fisiche che ricoprano gli organi della persona giuridica o dell’ente e, quindi, nell’agire dell’ente, sia sotto il profilo della diminuzione della considerazione da parte dei consociati in genere o di settori o categorie di essi con le quali la persona giuridica o l’ente di norma interagisca. Il suddetto danno non patrimoniale va liquidato alla persona giuridica o all’ente in via equitativa, tenendo conto di tutte le circostanze del caso concreto”.

20 Constituição portuguesa de 1976, art. 12, 2: “As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”.

21 Grundgesetz alemã de 1949, art. 19, 3: “Os direitos fundamentais, na medida em que sejam compatíveis com sua natureza, também protegem as pessoas jurídicas nacionais”.

22 Sentença n. 32/1989, de 13/02/1989. No mesmo sentido: Sentença n. 241/1992, de 21/12/1992.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200918 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 19

No direito brasileiro, à mingua de restrição no texto constitucional, que não distingue entre pessoas humanas e pessoas jurídicas, prevendo uma cláusula geral de reparação dos danos

28morais , bem como por estar em plena harmonia com a natureza das coisas, tem sido acolhida a tese de que a pessoa jurídica pode sofrê-los, não sendo possível estabelecer uma simbiose entre a reputação dos seus membros e a sua. Trata-se de entendimento sedimentado pelas duas Turmas que compõem a Seção de Direito

29Privado do Superior Tribunal de Justiça , sendo convertida em 30enunciado de sua Súmula , o que denota a atual tendência em se

buscar a ampla reparação do dano causado. O Supremo Tribunal Federal, do mesmo modo, também admitiu a possibilidade de

31reparação do dano moral causado à pessoa jurídica , que não poderia ser alijada dos direitos fundamentais reconhecidos às pessoas em geral.

É indiscutível que determinados atos podem diminuir o 32conceito da pessoa jurídica junto à comunidade , ainda que não

haja uma repercussão imediata sobre o seu patrimônio. Existindo o dano não patrimonial ou moral, o que se constata a partir da avaliação da conduta tida como ilícita e das regras de experiência, deve ser promovido o seu ressarcimento integral, o que será feito com o arbitramento de numerário compatível com a qualidade dos envolvidos, as circunstâncias da infração e a extensão do dano, tudo sem prejuízo da reparação das perdas patrimoniais.

A causação de dano moral às pessoas jurídicas de direito público

Do mesmo modo que as pessoas jurídicas de direito privado, as de direito público também gozam de determinado conceito junto à coletividade, do qual muito depende o equilíbrio social e a subsistência de várias negociações, especialmente em relação: a) aos organismos internacionais, em virtude dos constantes empréstimos realizados; b) aos investidores nacionais e estrangeiros, ante a frequente emissão de títulos da dívida pública para a captação de receita; c) à iniciativa privada, para a formação de parcerias; d) às demais pessoas jurídicas de direito público, o que facilitará a obtenção de empréstimos e a moratória de dívidas já existentes, etc.

O grande obstáculo que se enfrenta, no entanto, é identificar a base normativa que dá sustentação ao direito à imagem e à reputação das pessoas jurídicas de direito público, que, juntamente com algumas pessoas jurídicas de direito privado, são sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade.

Inicialmente, observa-se que os direitos fundamentais surgiram como fatores de limitação à atuação do Estado, que reconhece e assegura a indenidade de uma esfera jurídica afeta ao indivíduo. Lembrando o título da sugestiva monografia de Paul

33Kirchhof , o Estado normalmente se apresenta como “garantidor e inimigo da liberdade”. Em consequência, seria contraditório, ao menos sob a ótica de parte da doutrina, que o principal algoz dos direitos fundamentais, justificador de sua própria existência, seja

28 CR/1988, art. 5º, V: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. CR/1988, art. 5º, X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

29 “Responsabilidade civil. Dano moral. Pessoa jurídica. A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial daí decorrente. Recurso conhecido, pela divergência, mas improvido” (STJ, 4ª Turma, REsp. n. 60.033-2-MG, rel. Min. Ruy Rosado, j. em 9/8/1995, RJSTJ 85/269). “Protesto indevido. Danos morais. Pessoa jurídica. Responde o banco pelos prejuízos decorrentes do protesto indevido de título já pago. Pacificou-se o entendimento desta Corte no sentido de que as pessoas jurídicas podem sofrer danos morais” (STJ, 3ª Turma, REsp. n. 251.078-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 18/5/2000, DJ de 14/8/2000). No mesmo sentido: 4ª Turma, REsp. n. 112.236-RJ, rel. Min. Ruy Rosado, j. em 28/4/1997, RJSTJ 102/370, e 3ª Turma, REsp. n. 58.660-7-MG, rel. Min Waldemar Zveiter, j. em 3/6/1997, RSTJ 103/175.

30 Súmula n. 227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.31 2ª T., AGREG n. 244.072/SP, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 02/04/2002, DJ

de 17/05/2002.32 O art. 219 do Código Penal Militar pune a conduta do militar que venha a

propalar fatos que sabe inverídicos, capazes de ofender a dignidade ou abalar o crédito das Forças Armadas ou a confiança que estas merecem do público.

33 KIRCHHOF, P. Der Staat als Garant und Gegner der Freiheit – Von Privileg und Überfluss zu einer Kultur des Masses. München: Ferdinand Schöningh, 2004.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200918 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 19

No direito brasileiro, à mingua de restrição no texto constitucional, que não distingue entre pessoas humanas e pessoas jurídicas, prevendo uma cláusula geral de reparação dos danos

28morais , bem como por estar em plena harmonia com a natureza das coisas, tem sido acolhida a tese de que a pessoa jurídica pode sofrê-los, não sendo possível estabelecer uma simbiose entre a reputação dos seus membros e a sua. Trata-se de entendimento sedimentado pelas duas Turmas que compõem a Seção de Direito

29Privado do Superior Tribunal de Justiça , sendo convertida em 30enunciado de sua Súmula , o que denota a atual tendência em se

buscar a ampla reparação do dano causado. O Supremo Tribunal Federal, do mesmo modo, também admitiu a possibilidade de

31reparação do dano moral causado à pessoa jurídica , que não poderia ser alijada dos direitos fundamentais reconhecidos às pessoas em geral.

É indiscutível que determinados atos podem diminuir o 32conceito da pessoa jurídica junto à comunidade , ainda que não

haja uma repercussão imediata sobre o seu patrimônio. Existindo o dano não patrimonial ou moral, o que se constata a partir da avaliação da conduta tida como ilícita e das regras de experiência, deve ser promovido o seu ressarcimento integral, o que será feito com o arbitramento de numerário compatível com a qualidade dos envolvidos, as circunstâncias da infração e a extensão do dano, tudo sem prejuízo da reparação das perdas patrimoniais.

A causação de dano moral às pessoas jurídicas de direito público

Do mesmo modo que as pessoas jurídicas de direito privado, as de direito público também gozam de determinado conceito junto à coletividade, do qual muito depende o equilíbrio social e a subsistência de várias negociações, especialmente em relação: a) aos organismos internacionais, em virtude dos constantes empréstimos realizados; b) aos investidores nacionais e estrangeiros, ante a frequente emissão de títulos da dívida pública para a captação de receita; c) à iniciativa privada, para a formação de parcerias; d) às demais pessoas jurídicas de direito público, o que facilitará a obtenção de empréstimos e a moratória de dívidas já existentes, etc.

O grande obstáculo que se enfrenta, no entanto, é identificar a base normativa que dá sustentação ao direito à imagem e à reputação das pessoas jurídicas de direito público, que, juntamente com algumas pessoas jurídicas de direito privado, são sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade.

Inicialmente, observa-se que os direitos fundamentais surgiram como fatores de limitação à atuação do Estado, que reconhece e assegura a indenidade de uma esfera jurídica afeta ao indivíduo. Lembrando o título da sugestiva monografia de Paul

33Kirchhof , o Estado normalmente se apresenta como “garantidor e inimigo da liberdade”. Em consequência, seria contraditório, ao menos sob a ótica de parte da doutrina, que o principal algoz dos direitos fundamentais, justificador de sua própria existência, seja

28 CR/1988, art. 5º, V: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. CR/1988, art. 5º, X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

29 “Responsabilidade civil. Dano moral. Pessoa jurídica. A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial daí decorrente. Recurso conhecido, pela divergência, mas improvido” (STJ, 4ª Turma, REsp. n. 60.033-2-MG, rel. Min. Ruy Rosado, j. em 9/8/1995, RJSTJ 85/269). “Protesto indevido. Danos morais. Pessoa jurídica. Responde o banco pelos prejuízos decorrentes do protesto indevido de título já pago. Pacificou-se o entendimento desta Corte no sentido de que as pessoas jurídicas podem sofrer danos morais” (STJ, 3ª Turma, REsp. n. 251.078-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. em 18/5/2000, DJ de 14/8/2000). No mesmo sentido: 4ª Turma, REsp. n. 112.236-RJ, rel. Min. Ruy Rosado, j. em 28/4/1997, RJSTJ 102/370, e 3ª Turma, REsp. n. 58.660-7-MG, rel. Min Waldemar Zveiter, j. em 3/6/1997, RSTJ 103/175.

30 Súmula n. 227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.31 2ª T., AGREG n. 244.072/SP, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 02/04/2002, DJ

de 17/05/2002.32 O art. 219 do Código Penal Militar pune a conduta do militar que venha a

propalar fatos que sabe inverídicos, capazes de ofender a dignidade ou abalar o crédito das Forças Armadas ou a confiança que estas merecem do público.

33 KIRCHHOF, P. Der Staat als Garant und Gegner der Freiheit – Von Privileg und Überfluss zu einer Kultur des Masses. München: Ferdinand Schöningh, 2004.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200920 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 21

34por eles beneficiado ; em outras palavras, não seria possível a “confusão” entre destinatário e titular dos direitos fundamentais. Como afirmou o Tribunal Constitucional espanhol, “no pueden desconocerse las importantes dificultades que existen para reconocer la titularidad de derechos fundamentales a tales entidades, pues la noción misma de derecho fundamental que está en la base del art. 10 CE resulta poco compatible con entes de

35naturaleza pública” . Assim, caso um ente público viole certos aspectos da esfera jurídica de outro ente público, ainda que facilmente enquadráveis na categoria dos direitos fundamentais, o que se teria, em verdade, seria mero conflito de competências.

Mesmo aqueles que apregoam a exclusão das pessoas jurídicas de direito público da titularidade e do âmbito de proteção dos direitos fundamentais reconhecem que alguns entes públicos, enquanto realidades distintas do Estado-comunidade (rectius: o Poder Público), com interesses próprios e autonomia de ação, como são os conselhos de fiscalização profissional e as universidades, possuem os direitos fundamentais compatíveis com

36a sua natureza . Acresça-se, em reverência à juridicidade e por imperativo de ordem lógica, que não se pode negar às pessoas jurídicas de direito público certas garantias processuais, como o devido processo legal e o princípio do juiz natural, sejam, ou não, cognominadas de direitos fundamentais.

Reconheça-se, ou não, que a funcionalidade dos direitos fundamentais projeta-se sobre as pessoas jurídicas de direito público, é inegável que também elas, enquanto unidades existenciais autônomas, dotadas de capacidade jurídica e que estabelecem relações intersubjetivas no âmbito do Estado de Direito, têm uma esfera jurídica própria e, por via reflexa, possuem “direitos”. Esses “direitos” tanto podem estar expressos na Constituição e na lei como derivar de sua essência, do referencial de juridicidade que permeia todo e qualquer Estado de Direito. Nessa linha, se não se nega a coerência lógica da tese que afirma

estarem os direitos fundamentais primordialmente voltados à proteção do indivíduo contra o Estado, não se pode negar, igualmente, que também o Estado possui direitos em relação ao indivíduo (v.g.: direito de propriedade, direito de defesa, etc.).

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais torna evidente que também eles influenciarão na interpretação da ordem jurídica, o que necessariamente contextualiza seus comandos num padrão de juridicidade, terminando por influir no delineamento de todo e qualquer “direito”, seja, ou não, fundamental, seja, ou não, outorgado a pessoas privadas. Não é por outra razão que o Tribunal Constitucional espanhol já reconheceu que as pessoas jurídicas de direito público têm direito à “tutela efectiva de los jueces y tribunales”, o que decorre da capacidade de ser parte de um

37processo ; e possuem os mesmos direitos de liberdade de que desfruta a generalidade dos cidadãos, em especial aqueles

38previstos no art. 20 da Constituição espanhola .Conquanto seja difícil definir, com precisão, a exata

extensão dos “direitos” afetos às pessoas jurídicas de direito público, observa-se que alguns deles, mais especificamente aqueles afetos à sua personalidade jurídica e à sua capacidade de agir, são facilmente perceptíveis. A personalidade jurídica de um

34 Cf. ROSADO IGLESIAS, op. cit., p. 251-253. 35 Sentença n. 91/1995, de 19/06/1995.36 MIRANDA, J.; MEDEIROS, R. Constituição Portuguesa anotada. Tomo I.

Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 114.

37 Sentença n. 19/1983, de 14/03/1983.38 Constituição espanhola de 1978, art. 20: “1. Se reconocen y protegen los

derechos: a) A expresar y difundir libremente los pensamientos, ideas y opiniones mediante la palabra, el escrito o cualquier otro medio de reproducción. b) A la producción y creación literaria, artística, científica y técnica. c) A la libertad de cátedra. d) A comunicar o recibir libremente información veraz por cualquier medio de difusión. La ley regulará el derecho a la cláusula de conciencia y al secreto profesional en el ejercicio de estas libertades. 2. El ejercicio de estos derechos no puede restringirse mediante ningún tipo de censura previa. 3. La ley regulará la organización y el control parlamentario de los medios de comunicación social dependientes del Estado o de cualquier ente público y garantizará el acceso a dichos medios de los grupos sociales y políticos significativos, respetando el pluralismo de la sociedad y de las diversas lenguas de España. 4. Estas libertades tienen su límite en el respeto a los derechos reconocidos en este Título, en los preceptos de las leyes que lo desarrollen y, especialmente, en el derecho al honor, a la intimidad, a la propia imagen y a la protección de la juventud y de la infancia. 5. Sólo podrá acordarse el secuestro de publicaciones, grabaciones y otros medios de información en virtud de resolución judicial”.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200920 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 21

34por eles beneficiado ; em outras palavras, não seria possível a “confusão” entre destinatário e titular dos direitos fundamentais. Como afirmou o Tribunal Constitucional espanhol, “no pueden desconocerse las importantes dificultades que existen para reconocer la titularidad de derechos fundamentales a tales entidades, pues la noción misma de derecho fundamental que está en la base del art. 10 CE resulta poco compatible con entes de

35naturaleza pública” . Assim, caso um ente público viole certos aspectos da esfera jurídica de outro ente público, ainda que facilmente enquadráveis na categoria dos direitos fundamentais, o que se teria, em verdade, seria mero conflito de competências.

Mesmo aqueles que apregoam a exclusão das pessoas jurídicas de direito público da titularidade e do âmbito de proteção dos direitos fundamentais reconhecem que alguns entes públicos, enquanto realidades distintas do Estado-comunidade (rectius: o Poder Público), com interesses próprios e autonomia de ação, como são os conselhos de fiscalização profissional e as universidades, possuem os direitos fundamentais compatíveis com

36a sua natureza . Acresça-se, em reverência à juridicidade e por imperativo de ordem lógica, que não se pode negar às pessoas jurídicas de direito público certas garantias processuais, como o devido processo legal e o princípio do juiz natural, sejam, ou não, cognominadas de direitos fundamentais.

Reconheça-se, ou não, que a funcionalidade dos direitos fundamentais projeta-se sobre as pessoas jurídicas de direito público, é inegável que também elas, enquanto unidades existenciais autônomas, dotadas de capacidade jurídica e que estabelecem relações intersubjetivas no âmbito do Estado de Direito, têm uma esfera jurídica própria e, por via reflexa, possuem “direitos”. Esses “direitos” tanto podem estar expressos na Constituição e na lei como derivar de sua essência, do referencial de juridicidade que permeia todo e qualquer Estado de Direito. Nessa linha, se não se nega a coerência lógica da tese que afirma

estarem os direitos fundamentais primordialmente voltados à proteção do indivíduo contra o Estado, não se pode negar, igualmente, que também o Estado possui direitos em relação ao indivíduo (v.g.: direito de propriedade, direito de defesa, etc.).

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais torna evidente que também eles influenciarão na interpretação da ordem jurídica, o que necessariamente contextualiza seus comandos num padrão de juridicidade, terminando por influir no delineamento de todo e qualquer “direito”, seja, ou não, fundamental, seja, ou não, outorgado a pessoas privadas. Não é por outra razão que o Tribunal Constitucional espanhol já reconheceu que as pessoas jurídicas de direito público têm direito à “tutela efectiva de los jueces y tribunales”, o que decorre da capacidade de ser parte de um

37processo ; e possuem os mesmos direitos de liberdade de que desfruta a generalidade dos cidadãos, em especial aqueles

38previstos no art. 20 da Constituição espanhola .Conquanto seja difícil definir, com precisão, a exata

extensão dos “direitos” afetos às pessoas jurídicas de direito público, observa-se que alguns deles, mais especificamente aqueles afetos à sua personalidade jurídica e à sua capacidade de agir, são facilmente perceptíveis. A personalidade jurídica de um

34 Cf. ROSADO IGLESIAS, op. cit., p. 251-253. 35 Sentença n. 91/1995, de 19/06/1995.36 MIRANDA, J.; MEDEIROS, R. Constituição Portuguesa anotada. Tomo I.

Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 114.

37 Sentença n. 19/1983, de 14/03/1983.38 Constituição espanhola de 1978, art. 20: “1. Se reconocen y protegen los

derechos: a) A expresar y difundir libremente los pensamientos, ideas y opiniones mediante la palabra, el escrito o cualquier otro medio de reproducción. b) A la producción y creación literaria, artística, científica y técnica. c) A la libertad de cátedra. d) A comunicar o recibir libremente información veraz por cualquier medio de difusión. La ley regulará el derecho a la cláusula de conciencia y al secreto profesional en el ejercicio de estas libertades. 2. El ejercicio de estos derechos no puede restringirse mediante ningún tipo de censura previa. 3. La ley regulará la organización y el control parlamentario de los medios de comunicación social dependientes del Estado o de cualquier ente público y garantizará el acceso a dichos medios de los grupos sociales y políticos significativos, respetando el pluralismo de la sociedad y de las diversas lenguas de España. 4. Estas libertades tienen su límite en el respeto a los derechos reconocidos en este Título, en los preceptos de las leyes que lo desarrollen y, especialmente, en el derecho al honor, a la intimidad, a la propia imagen y a la protección de la juventud y de la infancia. 5. Sólo podrá acordarse el secuestro de publicaciones, grabaciones y otros medios de información en virtud de resolución judicial”.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200922

39 Também admitindo a reparação do dano moral: FAZZIO JÚNIOR, W. Improbidade administrativa e crimes de Prefeitos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 304; MATTOS NETO, A. J. de. Responsabilidade civil por improbidade administrativa. Revista dos Tribunais n. 752/40, jun. 1998; TOURINHO, R. A. R. A. “O Estado como sujeito passivo de danos morais decorrentes de ato de improbidade administrativa”. Revista Fórum Administrativo, p. 39, jan. 2002; ______. Discricionariedade administrativa, ação de improbidade & controle principiológico. Curitiba: Editora Juruá, 2004. p. 210-211; e GOMES, J. J. Apontamentos sobre a improbidade administrativa. In: ______. Improbidade administrativa. 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. p. 264-265.

40 Juarez Freitas entende que a multa cominada no art. 12 da Lei n. 8.429/1992 tem a função de reparar o dano moral (FREITAS, J. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de Informação Legislativa, n. 129/55). Em nosso entender, inexiste similitude entre a multa civil e o dano moral. Aquela tem natureza punitiva, sendo estabelecida com observância dos valores relativos estabelecidos na Lei n. 8.429/1992. O dano moral, por sua vez, tem natureza indenizatória, sendo mensurado de acordo com a dimensão da mácula causada.

ente é claro indicativo de que ele existe juridicamente, configurando uma unidade a que se atribui a capacidade de ter direitos e deveres. Em torno dessa unidade existencial aglutinam-se inúmeros “direitos” afetos à sua própria essência, como são, por exemplo, os de: (1) ter denominação ou símbolo próprio; (2) expressar, por meio de seus agentes, o entendimento a respeito de temáticas específicas; e (3) ter uma imagem, daí decorrendo a proteção de sua reputação. É plenamente possível, assim, que o ato de improbidade venha a macular o conceito de que gozam as pessoas jurídicas relacionadas no art. 1º da Lei n. 8.429/1992, daí decorrendo um dano de natureza não patrimonial passível de

39 40indenização .Não se sustenta, é evidente, que todo e qualquer ato de

improbidade seja suscetível de causar danos não patrimoniais ao respectivo sujeito passivo. Em múltiplas situações, no entanto, tal será inequívoco. À guisa de ilustração, mencionaremos apenas algumas, dentre as hipóteses previstas na Lei n. 8.429/1992, que poderão eventualmente acarretar um prejuízo não patrimonial: a) recebimento de vantagem de qualquer natureza para tolerar a prática do contrabando e do narcotráfico (art. 9º, V); b) perceber vantagem para intermediar a liberação de verba pública (art. 9º,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 23

41 Lei n 8.429/1992, art. 18..

IX); c) causar dano ao erário com a realização de operação financeira sem a observância das normas legais (art. 10, VI); d) liberar verba pública ou aplicá-la com inobservância da sistemática legal (art. 10, XI); e) revelar indevidamente o teor de medida econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço (art. 11, VII).

Ao reconhecermos que o direito à imagem e à reputação é ínsito e inseparável da própria personalidade jurídica, integrando a esfera jurídica do sujeito passivo do ato de improbidade, temos de atribuir, por via reflexa, ao sujeito ativo do ato de improbidade, o dever jurídico de respeitá-lo ou, em caso de descumprimento, o dever de ressarcir integralmente o dano causado. Em casos tais, deverá o órgão jurisdicional contextualizar o ilícito praticado, transcendendo os lindes do processo e identificando a dimensão da mácula causada à reputação do ente estatal, o que permitirá a correta valoração do dano não patrimonial e a justa fixação da indenização devida, que será revertida à pessoa jurídica lesada

41pelo ilícito .

Os atos de improbidade e o dano moral coletivo

Além do dano não patrimonial de natureza objetiva, é importante perquirir a possibilidade de o ato de improbidade causar um dano não patrimonial de natureza subjetiva (dor física e moral). Sendo evidente que a pessoa jurídica não pode sofrer uma dor moral, o prisma de análise há de ser deslocado para a coletividade, que efetivamente poderá experimentar um sofrimento com o dano a bens jurídicos de natureza não econômica. Note-se que estamos perante um evidente redimensionamento do individualismo oitocentista, que estabelecia uma correspondência biunívoca entre direito e personalidade, sendo ontologicamente refratário à própria defesa coletiva de direitos alheios.

O reconhecimento do dano moral enquanto dano in actio ipsa, o que dispensa a demonstração da efetiva dor e sofrimento,

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200922

39 Também admitindo a reparação do dano moral: FAZZIO JÚNIOR, W. Improbidade administrativa e crimes de Prefeitos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 304; MATTOS NETO, A. J. de. Responsabilidade civil por improbidade administrativa. Revista dos Tribunais n. 752/40, jun. 1998; TOURINHO, R. A. R. A. “O Estado como sujeito passivo de danos morais decorrentes de ato de improbidade administrativa”. Revista Fórum Administrativo, p. 39, jan. 2002; ______. Discricionariedade administrativa, ação de improbidade & controle principiológico. Curitiba: Editora Juruá, 2004. p. 210-211; e GOMES, J. J. Apontamentos sobre a improbidade administrativa. In: ______. Improbidade administrativa. 10 anos da Lei n. 8.429/92. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. p. 264-265.

40 Juarez Freitas entende que a multa cominada no art. 12 da Lei n. 8.429/1992 tem a função de reparar o dano moral (FREITAS, J. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de Informação Legislativa, n. 129/55). Em nosso entender, inexiste similitude entre a multa civil e o dano moral. Aquela tem natureza punitiva, sendo estabelecida com observância dos valores relativos estabelecidos na Lei n. 8.429/1992. O dano moral, por sua vez, tem natureza indenizatória, sendo mensurado de acordo com a dimensão da mácula causada.

ente é claro indicativo de que ele existe juridicamente, configurando uma unidade a que se atribui a capacidade de ter direitos e deveres. Em torno dessa unidade existencial aglutinam-se inúmeros “direitos” afetos à sua própria essência, como são, por exemplo, os de: (1) ter denominação ou símbolo próprio; (2) expressar, por meio de seus agentes, o entendimento a respeito de temáticas específicas; e (3) ter uma imagem, daí decorrendo a proteção de sua reputação. É plenamente possível, assim, que o ato de improbidade venha a macular o conceito de que gozam as pessoas jurídicas relacionadas no art. 1º da Lei n. 8.429/1992, daí decorrendo um dano de natureza não patrimonial passível de

39 40indenização .Não se sustenta, é evidente, que todo e qualquer ato de

improbidade seja suscetível de causar danos não patrimoniais ao respectivo sujeito passivo. Em múltiplas situações, no entanto, tal será inequívoco. À guisa de ilustração, mencionaremos apenas algumas, dentre as hipóteses previstas na Lei n. 8.429/1992, que poderão eventualmente acarretar um prejuízo não patrimonial: a) recebimento de vantagem de qualquer natureza para tolerar a prática do contrabando e do narcotráfico (art. 9º, V); b) perceber vantagem para intermediar a liberação de verba pública (art. 9º,

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41 Lei n 8.429/1992, art. 18..

IX); c) causar dano ao erário com a realização de operação financeira sem a observância das normas legais (art. 10, VI); d) liberar verba pública ou aplicá-la com inobservância da sistemática legal (art. 10, XI); e) revelar indevidamente o teor de medida econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço (art. 11, VII).

Ao reconhecermos que o direito à imagem e à reputação é ínsito e inseparável da própria personalidade jurídica, integrando a esfera jurídica do sujeito passivo do ato de improbidade, temos de atribuir, por via reflexa, ao sujeito ativo do ato de improbidade, o dever jurídico de respeitá-lo ou, em caso de descumprimento, o dever de ressarcir integralmente o dano causado. Em casos tais, deverá o órgão jurisdicional contextualizar o ilícito praticado, transcendendo os lindes do processo e identificando a dimensão da mácula causada à reputação do ente estatal, o que permitirá a correta valoração do dano não patrimonial e a justa fixação da indenização devida, que será revertida à pessoa jurídica lesada

41pelo ilícito .

Os atos de improbidade e o dano moral coletivo

Além do dano não patrimonial de natureza objetiva, é importante perquirir a possibilidade de o ato de improbidade causar um dano não patrimonial de natureza subjetiva (dor física e moral). Sendo evidente que a pessoa jurídica não pode sofrer uma dor moral, o prisma de análise há de ser deslocado para a coletividade, que efetivamente poderá experimentar um sofrimento com o dano a bens jurídicos de natureza não econômica. Note-se que estamos perante um evidente redimensionamento do individualismo oitocentista, que estabelecia uma correspondência biunívoca entre direito e personalidade, sendo ontologicamente refratário à própria defesa coletiva de direitos alheios.

O reconhecimento do dano moral enquanto dano in actio ipsa, o que dispensa a demonstração da efetiva dor e sofrimento,

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exigindo, apenas, a prova da conduta tida como ilícita, é um claro indicativo da possibilidade de sua defesa no plano transindividual, volvendo o montante da indenização em benefício de toda a coletividade, que é vista em sua inteireza, não dissecada numa visão anatômica, pulverizada entre os indivíduos que a integram. Como se percebe, para que seja demonstrada a existência e a possibilidade de reparação do dano moral coletivo, sequer é preciso recorrer à figura dos danos punitivos (punitive damages).

Na modernidade, o direito deixa de ser visto como panacéia do indivíduo e assume a funcionalidade de fator de integração e pacificação social, daí a crescente importância atribuída à tutela coletiva de interesses patrimoniais ou puramente morais.

A Lei n. 8.429/1992, como temos defendido, não se destina unicamente à proteção do erário, concebido como o patrimônio econômico dos sujeitos passivos dos atos de improbidade, devendo alcançar, igualmente, o patrimônio público em sua acepção mais ampla, incluindo o patrimônio moral. Danos ao patrimônio histórico e cultural, bem como ao meio ambiente, afora o prejuízo de ordem econômica, mensurável com a valoração do custo estimado para a recomposição do status quo, causam evidente comoção no meio social, sendo passíveis de caracterizar um dano moral coletivo, o qual encontra previsão expressa no art. 1º da Lei n. 7.347/1985, com a redação dada pela Lei n.

428.884/1994 .A reparabilidade do dano moral coletivo, no entanto,

suscitará algumas dificuldades. A primeira delas é constatada pelo fato de a Lei n. 8.429/1992 somente abordar os danos causados ao

43patrimônio das pessoas jurídicas referidas em seu art. 1º , o que poderia não incluir o dano moral causado à coletividade. Para contornar o obstáculo, deve-se observar que o patrimônio público, de natureza moral ou patrimonial, em verdade, pertence à própria coletividade, o que, ipso facto, demonstra que qualquer dano causado àquele erige-se como dano causado a esta. Assim, ao se falar num dano dessa natureza, apesar da separação das partes que

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44 Esse direito é decorrência lógica das regras e dos princípios instituídos pelo art. 37 da CR/1988 e da própria disciplina dispensada à ação popular pelo art. 5º, LXXIII, da CR/1988.

atingem a pessoa jurídica lesada e a coletividade, não se está instituindo uma verdadeira dicotomia entre os sujeitos passivos do ilícito, mas, unicamente, individualizando uma parcela do dano experimentado pelo verdadeiro titular do bem jurídico, o povo.

A segunda dificuldade é vislumbrada no mecanismo a ser utilizado para a identificação do dano. Aqui, será necessário aquilatar a natureza do bem imediatamente lesado pelo ímprobo, a natureza dessa lesão e a dimensão do impacto causado na coletividade, o que permitirá a aferição da comoção e do mal-estar passíveis de individualizar um dano moral de proporções coletivas.

Em terceiro lugar, não se pode deixar de mencionar a dificuldade em se mensurar o valor da indenização a ser fixada a título de compensação pelo dano moral causado, o que, em passado recente, chegou a ser erguido à categoria de óbice intransponível à própria reparação do dano moral. Nessa última etapa, entendemos que o valor da indenização deve ser suficiente para desestimular novas práticas ilícitas e para possibilitar que o Poder Público implemente atividades paralelas que possam contornar o ilícito praticado e recompor a paz social (v.g.: o agente público que determine a destruição de área de proteção ambiental diuturnamente utilizada pela população local, além de ser condenado a recompô-la, deve ser condenado a indenizar o dano moral causado à coletividade, que se viu privada da utilização de uma área de lazer, sendo o numerário direcionado à implementação de atividades de natureza similar, como a criação de um horto).

Acresça-se, ainda, que todos os membros da coletividade 44têm o direito de exigir dos administradores públicos que atuem

com estrita observância ao princípio da juridicidade, o que pode ser considerado um direito transindividual e indisponível, de natureza eminentemente difusa, já que pulverizado entre todas as pessoas. Essa concepção, no entanto, em que pese o fato de todos auferirem os efeitos de uma boa administração, não deve ser conduzida a extremos, culminando em identificar a ocorrência do

42 A Lei n. 7.347/1985, art. 1º: “Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados [...]”.

43 Lei n. 8.429/1992, art. 10.

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exigindo, apenas, a prova da conduta tida como ilícita, é um claro indicativo da possibilidade de sua defesa no plano transindividual, volvendo o montante da indenização em benefício de toda a coletividade, que é vista em sua inteireza, não dissecada numa visão anatômica, pulverizada entre os indivíduos que a integram. Como se percebe, para que seja demonstrada a existência e a possibilidade de reparação do dano moral coletivo, sequer é preciso recorrer à figura dos danos punitivos (punitive damages).

Na modernidade, o direito deixa de ser visto como panacéia do indivíduo e assume a funcionalidade de fator de integração e pacificação social, daí a crescente importância atribuída à tutela coletiva de interesses patrimoniais ou puramente morais.

A Lei n. 8.429/1992, como temos defendido, não se destina unicamente à proteção do erário, concebido como o patrimônio econômico dos sujeitos passivos dos atos de improbidade, devendo alcançar, igualmente, o patrimônio público em sua acepção mais ampla, incluindo o patrimônio moral. Danos ao patrimônio histórico e cultural, bem como ao meio ambiente, afora o prejuízo de ordem econômica, mensurável com a valoração do custo estimado para a recomposição do status quo, causam evidente comoção no meio social, sendo passíveis de caracterizar um dano moral coletivo, o qual encontra previsão expressa no art. 1º da Lei n. 7.347/1985, com a redação dada pela Lei n.

428.884/1994 .A reparabilidade do dano moral coletivo, no entanto,

suscitará algumas dificuldades. A primeira delas é constatada pelo fato de a Lei n. 8.429/1992 somente abordar os danos causados ao

43patrimônio das pessoas jurídicas referidas em seu art. 1º , o que poderia não incluir o dano moral causado à coletividade. Para contornar o obstáculo, deve-se observar que o patrimônio público, de natureza moral ou patrimonial, em verdade, pertence à própria coletividade, o que, ipso facto, demonstra que qualquer dano causado àquele erige-se como dano causado a esta. Assim, ao se falar num dano dessa natureza, apesar da separação das partes que

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44 Esse direito é decorrência lógica das regras e dos princípios instituídos pelo art. 37 da CR/1988 e da própria disciplina dispensada à ação popular pelo art. 5º, LXXIII, da CR/1988.

atingem a pessoa jurídica lesada e a coletividade, não se está instituindo uma verdadeira dicotomia entre os sujeitos passivos do ilícito, mas, unicamente, individualizando uma parcela do dano experimentado pelo verdadeiro titular do bem jurídico, o povo.

A segunda dificuldade é vislumbrada no mecanismo a ser utilizado para a identificação do dano. Aqui, será necessário aquilatar a natureza do bem imediatamente lesado pelo ímprobo, a natureza dessa lesão e a dimensão do impacto causado na coletividade, o que permitirá a aferição da comoção e do mal-estar passíveis de individualizar um dano moral de proporções coletivas.

Em terceiro lugar, não se pode deixar de mencionar a dificuldade em se mensurar o valor da indenização a ser fixada a título de compensação pelo dano moral causado, o que, em passado recente, chegou a ser erguido à categoria de óbice intransponível à própria reparação do dano moral. Nessa última etapa, entendemos que o valor da indenização deve ser suficiente para desestimular novas práticas ilícitas e para possibilitar que o Poder Público implemente atividades paralelas que possam contornar o ilícito praticado e recompor a paz social (v.g.: o agente público que determine a destruição de área de proteção ambiental diuturnamente utilizada pela população local, além de ser condenado a recompô-la, deve ser condenado a indenizar o dano moral causado à coletividade, que se viu privada da utilização de uma área de lazer, sendo o numerário direcionado à implementação de atividades de natureza similar, como a criação de um horto).

Acresça-se, ainda, que todos os membros da coletividade 44têm o direito de exigir dos administradores públicos que atuem

com estrita observância ao princípio da juridicidade, o que pode ser considerado um direito transindividual e indisponível, de natureza eminentemente difusa, já que pulverizado entre todas as pessoas. Essa concepção, no entanto, em que pese o fato de todos auferirem os efeitos de uma boa administração, não deve ser conduzida a extremos, culminando em identificar a ocorrência do

42 A Lei n. 7.347/1985, art. 1º: “Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados [...]”.

43 Lei n. 8.429/1992, art. 10.

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dano moral sempre que for violado algum princípio administrativo ou mesmo lesado o erário.

Por último, observa-se que a indenização do dano moral causado à coletividade não deve reverter à pessoa jurídica lesada, tal qual preceitua o art. 18 da Lei n. 8.429/1992 em relação aos danos causados aos sujeitos passivos dos atos de improbidade. Apesar da unidade do ato ilícito, os seus efeitos devem ser vistos de forma bipartida, vale dizer, aqueles causados ao sujeito passivo do ato de improbidade e aqueles causados à coletividade, aplicando-se, em relação aos últimos, o disposto no art. 13 da Lei n. 7.347/1985 (“Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo [...]”).

Epílogo

A contenção da improbidade administrativa, enquanto ato ilícito que desestabiliza as relações político-administrativas e causa um evidente custo social, exige sejam envidados esforços no sentido de se buscar a máxima efetividade da Lei n. 8.429/1992, o que inclui o “ressarcimento integral do dano causado”. Na medida em que o sujeito passivo do ato de improbidade, titular de direitos e deveres por força de sua personalidade jurídica, pode sofrer um dano não patrimonial que comprometa a sua imagem e reputação, tem-se o surgimento, para o sujeito ativo, do dever de ressarci-lo. Acresça-se que a unidade existencial do ato de improbidade permite que, na mesma relação processual, seja igualmente imposta a obrigação de ressarcir o dano não patrimonial causado à coletividade.

Referências

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dano moral sempre que for violado algum princípio administrativo ou mesmo lesado o erário.

Por último, observa-se que a indenização do dano moral causado à coletividade não deve reverter à pessoa jurídica lesada, tal qual preceitua o art. 18 da Lei n. 8.429/1992 em relação aos danos causados aos sujeitos passivos dos atos de improbidade. Apesar da unidade do ato ilícito, os seus efeitos devem ser vistos de forma bipartida, vale dizer, aqueles causados ao sujeito passivo do ato de improbidade e aqueles causados à coletividade, aplicando-se, em relação aos últimos, o disposto no art. 13 da Lei n. 7.347/1985 (“Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo [...]”).

Epílogo

A contenção da improbidade administrativa, enquanto ato ilícito que desestabiliza as relações político-administrativas e causa um evidente custo social, exige sejam envidados esforços no sentido de se buscar a máxima efetividade da Lei n. 8.429/1992, o que inclui o “ressarcimento integral do dano causado”. Na medida em que o sujeito passivo do ato de improbidade, titular de direitos e deveres por força de sua personalidade jurídica, pode sofrer um dano não patrimonial que comprometa a sua imagem e reputação, tem-se o surgimento, para o sujeito ativo, do dever de ressarci-lo. Acresça-se que a unidade existencial do ato de improbidade permite que, na mesma relação processual, seja igualmente imposta a obrigação de ressarcir o dano não patrimonial causado à coletividade.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 29

A JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Carlos Roberto Jamil Cury* Luiz Antonio Miguel Ferreira**

Resumo:O presente texto busca apresentar as relações que se firmam entre o direito e a educação, com a consequente intervenção do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Conselho Tutelar no cotidiano escolar, e os reflexos que apresenta essa relação.

Palavras-chave: Educação e Direito, educação e exigibilidade, educação e justiciabilidade, Direito à educação e cidadania.

Introdução

A atual Constituição Federal de 1988 representou um marco significativo no encaminhamento dos problemas relativos à educação brasileira, posto que estabeleceu diretrizes, princípios e normas que destacam a importância que o tema merece. Reconheceu a educação como “um direito social e fundamental, possibilitando o desenvolvimento de ações por todos aqueles responsáveis pela sua concretização, ou seja, o Estado, família,

1sociedade e a escola (educadores)” , bem como a concebeu como um direito público subjetivo, assim compreendido como a

2faculdade de se exigir a prestação prometida pelo Estado .

* Professor Titular da UFMG (aposentado); Professor Adjunto da PUC Minas.** Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em

educação pela UNESP. Autor do livro O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Professor: reflexos na sua formação e atuação. (Cortez, 2008).

1 FERREIRA, L. A. M. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o professor: reflexos na sua formação e atuação. São Paulo: Cortez, 2008. p. 37.

2 E “se há um direito público subjetivo à educação, o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional” (José Cretella Júnior apud MUNIZ, R. M. F. O direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 99).

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200928

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 29

A JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Carlos Roberto Jamil Cury* Luiz Antonio Miguel Ferreira**

Resumo:O presente texto busca apresentar as relações que se firmam entre o direito e a educação, com a consequente intervenção do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Conselho Tutelar no cotidiano escolar, e os reflexos que apresenta essa relação.

Palavras-chave: Educação e Direito, educação e exigibilidade, educação e justiciabilidade, Direito à educação e cidadania.

Introdução

A atual Constituição Federal de 1988 representou um marco significativo no encaminhamento dos problemas relativos à educação brasileira, posto que estabeleceu diretrizes, princípios e normas que destacam a importância que o tema merece. Reconheceu a educação como “um direito social e fundamental, possibilitando o desenvolvimento de ações por todos aqueles responsáveis pela sua concretização, ou seja, o Estado, família,

1sociedade e a escola (educadores)” , bem como a concebeu como um direito público subjetivo, assim compreendido como a

2faculdade de se exigir a prestação prometida pelo Estado .

* Professor Titular da UFMG (aposentado); Professor Adjunto da PUC Minas.** Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em

educação pela UNESP. Autor do livro O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Professor: reflexos na sua formação e atuação. (Cortez, 2008).

1 FERREIRA, L. A. M. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o professor: reflexos na sua formação e atuação. São Paulo: Cortez, 2008. p. 37.

2 E “se há um direito público subjetivo à educação, o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional” (José Cretella Júnior apud MUNIZ, R. M. F. O direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 99).

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3 OLIVEIRA, R. P. de. A educação na Assembléia Constituinte de 1946. In: FÁVERO, O. (Org.). A educação nas constituintes brasileiras – 1823-1988. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001. p. 41.

4 KONZEN, A. A. O direito a educação escolar. In: BRANCHER, L. N.; RODRIGUES, M. M.; VIEIRA, A. G. (Orgs.). O direito é aprender. Brasília: FUNDESCOLA/MEC, 1999. p. 659.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200930

Na verdade, estabeleceu uma verdadeira declaração de direitos 3relativos à educação que, segundo Oliveira , resumem-se em:

?gratuidade do ensino oficial em todos os níveis;

?garantia do direito aos que não se escolarizaram na idade ideal;

?perspectiva da obrigatoriedade do ensino médio, substituída pela perspectiva de sua universalização com a EC. 14;

?atendimento especializado aos portadores de deficiência;

?atendimento, em creche e pré-escola, às crianças de até cinco anos de idade (redação de acordo com a Emenda Constitucional n. 53/06);

?oferta do ensino noturno regular;

?previsão dos programas suplementares de material didático-escolar;

?prioridade de atendimento à criança e ao adolescente.

Essa versão legal do direito à educação, dentro desse conjunto, não se mostrava presente nas constituições passadas e, por consequência, no ordenamento jurídico vigente. Até então, tínhamos boas intenções e proteção limitada com relação à educação, mas não uma proteção legal, ampliada e com instrumentos jurídicos adequados à sua efetivação. Basta analisar

4o que afirma Konzen a respeito do assunto:

Até a vigência da atual Constituição Federal, a educação, no Brasil, era havida, genericamente, como uma necessidade e um importante fator de mudança social, subordinada, entretanto, e em muito, às injunções e aos acontecimentos políticos, econômicos, históricos e culturais. A normatividade de então limitava-se, como fazia expressamente na Constituição Federal de 1967, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n. 01, de 17 de outubro de 1969, ao afirmar da educação como um direito de

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 31

5 CHRISPINO, Á.; CHRISPINO, R. S. P. A Judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores. Ensaio: Avaliação e políticas públicas em educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, jan./mar. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php? pid=S0104-403620080001 00002&script=sci_arttext&tlng=pt.

todos e dever do Estado, com a conseqüente obrigatoriedade do ensino dos 7 aos 14 anos e a gratuidade nos estabelecimentos oficiais, restringindo-se, quanto ao restante, inclusive na legislação ordinária, a dispor sobre a organização dos sistemas de ensino. Em outras palavras, a educação, ainda que afirmada como um direito de todos, não possuía, sob o enfoque jurídico e em qualquer de seus aspectos, excetuada a obrigatoriedade da matrícula, qualquer instrumento de exigibilidade, fenômeno de afirmação de determinado valor como direito suscetível de gerar efeitos práticos e concretos no contexto pessoal dos destinatários da norma.

Assim, a partir da atual Constituição e das leis que se seguiram, a educação passou a ser efetivamente regulamentada, com instrumental jurídico necessário para dar ação concreta ao que foi estabelecido, pois de nada adiantaria prever regras jurídicas com relação à educação (com boas intenções) se não fossem previstos meios para a sua efetividade.

Dessa forma, a partir de 1988, o Poder Judiciário passou a ter funções mais significativas na efetivação desse direito. Inaugurou-se, no Poder Judiciário, uma nova relação com a educação, que se materializou através de ações judiciais visando a sua garantia e efetividade. Pode-se designar este fenômeno como a judicialização da educação, que significa a intervenção do Poder Judiciário nas questões educacionais em vista da proteção desse direito até mesmo para se cumprir as funções constitucionais do Ministério Público e outras instituições legitimadas.

Essa nova relação foi bem analisada, por exemplo, no artigo denominado “A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores”, de autoria de Álvaro

5Chrispino e Raquel S. P. Chrispino , no qual o tema educação e direito voltou a ser debatido.

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3 OLIVEIRA, R. P. de. A educação na Assembléia Constituinte de 1946. In: FÁVERO, O. (Org.). A educação nas constituintes brasileiras – 1823-1988. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001. p. 41.

4 KONZEN, A. A. O direito a educação escolar. In: BRANCHER, L. N.; RODRIGUES, M. M.; VIEIRA, A. G. (Orgs.). O direito é aprender. Brasília: FUNDESCOLA/MEC, 1999. p. 659.

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Na verdade, estabeleceu uma verdadeira declaração de direitos 3relativos à educação que, segundo Oliveira , resumem-se em:

?gratuidade do ensino oficial em todos os níveis;

?garantia do direito aos que não se escolarizaram na idade ideal;

?perspectiva da obrigatoriedade do ensino médio, substituída pela perspectiva de sua universalização com a EC. 14;

?atendimento especializado aos portadores de deficiência;

?atendimento, em creche e pré-escola, às crianças de até cinco anos de idade (redação de acordo com a Emenda Constitucional n. 53/06);

?oferta do ensino noturno regular;

?previsão dos programas suplementares de material didático-escolar;

?prioridade de atendimento à criança e ao adolescente.

Essa versão legal do direito à educação, dentro desse conjunto, não se mostrava presente nas constituições passadas e, por consequência, no ordenamento jurídico vigente. Até então, tínhamos boas intenções e proteção limitada com relação à educação, mas não uma proteção legal, ampliada e com instrumentos jurídicos adequados à sua efetivação. Basta analisar

4o que afirma Konzen a respeito do assunto:

Até a vigência da atual Constituição Federal, a educação, no Brasil, era havida, genericamente, como uma necessidade e um importante fator de mudança social, subordinada, entretanto, e em muito, às injunções e aos acontecimentos políticos, econômicos, históricos e culturais. A normatividade de então limitava-se, como fazia expressamente na Constituição Federal de 1967, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n. 01, de 17 de outubro de 1969, ao afirmar da educação como um direito de

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5 CHRISPINO, Á.; CHRISPINO, R. S. P. A Judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores. Ensaio: Avaliação e políticas públicas em educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, jan./mar. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php? pid=S0104-403620080001 00002&script=sci_arttext&tlng=pt.

todos e dever do Estado, com a conseqüente obrigatoriedade do ensino dos 7 aos 14 anos e a gratuidade nos estabelecimentos oficiais, restringindo-se, quanto ao restante, inclusive na legislação ordinária, a dispor sobre a organização dos sistemas de ensino. Em outras palavras, a educação, ainda que afirmada como um direito de todos, não possuía, sob o enfoque jurídico e em qualquer de seus aspectos, excetuada a obrigatoriedade da matrícula, qualquer instrumento de exigibilidade, fenômeno de afirmação de determinado valor como direito suscetível de gerar efeitos práticos e concretos no contexto pessoal dos destinatários da norma.

Assim, a partir da atual Constituição e das leis que se seguiram, a educação passou a ser efetivamente regulamentada, com instrumental jurídico necessário para dar ação concreta ao que foi estabelecido, pois de nada adiantaria prever regras jurídicas com relação à educação (com boas intenções) se não fossem previstos meios para a sua efetividade.

Dessa forma, a partir de 1988, o Poder Judiciário passou a ter funções mais significativas na efetivação desse direito. Inaugurou-se, no Poder Judiciário, uma nova relação com a educação, que se materializou através de ações judiciais visando a sua garantia e efetividade. Pode-se designar este fenômeno como a judicialização da educação, que significa a intervenção do Poder Judiciário nas questões educacionais em vista da proteção desse direito até mesmo para se cumprir as funções constitucionais do Ministério Público e outras instituições legitimadas.

Essa nova relação foi bem analisada, por exemplo, no artigo denominado “A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos educadores”, de autoria de Álvaro

5Chrispino e Raquel S. P. Chrispino , no qual o tema educação e direito voltou a ser debatido.

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Como destacado no texto, os autores caracterizaram “a judicialização das relações escolares como aquela ação da Justiça no universo da escola e das relações escolares, resultando em condenações das mais variadas”, destacando que os profissionais da educação não estão sabendo lidar com todas as variáveis que caracterizam as relações escolares. Fundamentaram o texto no Código Civil, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor para destacar a responsabilidade civil dos educadores, apresentando várias decisões da Justiça brasileira sobre ações envolvendo as escolas. Destacam, por fim, a necessidade de se firmar um novo pacto entre os atores educacionais (professores, gestores e comunidade), a fim de preparar os educadores para que possam dar direção e tomar decisões sobre o universo escolar.

Os autores apontam a responsabilidade objetiva (dano e relação de causalidade, sem a necessidade de demonstração de culpa) dos estabelecimentos de ensino (públicos ou privados) nas relações escolares, como, por exemplo, na obrigação de guarda e vigilância do aluno, acidentes que ocorrem em laboratório de química ou na aula de educação física, e outras hipóteses, citando várias decisões a respeito.

Não obstante o citado artigo revelar, com muita propriedade, uma face da judicialização das relações que se firmam com a escola e os educadores, ou seja, a responsabilidade civil, não há como negar que outras relações também se verificam e acabam por colocar a educação sob atribuições do poder judiciário. Este estudo busca apresentar essas outras situações.

Isso porque, como já afirmado, a partir da Constituição Federal de 1988, com o efetivo reconhecimento da educação como direito social e direito público subjetivo e da judicialização destes direitos (saúde, educação, proteção à maternidade e a infância, trabalho, segurança, lazer, moradia), cada vez mais o poder judiciário está sendo chamado a dirimir questões das mais variadas e que antes não eram levadas ao seu conhecimento.

De sorte que, além da responsabilidade civil da escola e dos educadores, outras demandas surgiram envolvendo esses atores. A consolidação dos direitos sociais apresentou como reflexo uma nova faceta, que não tem precedente na história do direito: uma relação direta entre a justiça e a educação. Como a mesma ocorre? É o que se passa a demonstrar.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 33

Justiça e educação

A educação está regulamentada por meio do capítulo de educação na Constituição Federal de 1988, e por meio de leis como a do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/96), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF, agora substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, o Plano Nacional de Educação, e inúmeros decretos e resoluções que direcionam toda a atividade educacional, com reflexos diretos para os estabelecimentos escolares e os sistemas de ensino onde estão presentes responsáveis pelo ensino como diretores, coordenadores pedagógicos, supervisores, professores, os próprios alunos e dirigentes de ensino, seja dos órgãos executivos, seja dos órgãos normativos.

Essa legislação, em síntese, regulamentou a educação como um direito de todos e um dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Buscou a universalização do ensino público (em especial, do ensino fundamental, dado seu caráter obrigatório), garantindo escola para todos, inclusive àqueles que não tiveram acesso na idade própria, ou seja, uma educação para todos, criando mecanismos para a sua garantia.

Não há como negar uma relação especial entre o direito (a lei) e a educação e a necessidade de seu conhecimento para o pleno desenvolvimento de suas atividades, apesar do desconhecimento de aspectos específicos da parte de muitos educadores, o que pode gerar posturas de resistência a essa novidade.

Com esse paradigma, novas situações surgiram, envolvendo a escola e outros atores que até então não participavam diretamente da questão educacional a não ser esporadicamente. Com efeito, como a universalização e obrigatoriedade do ensino (fundamental) implicam em colocar todas as crianças na escola, ou seja, todas as crianças com suas características pessoais, o sistema educacional passou a conviver com uma maior grandeza de diversidade sociocultural, em que as crianças adentram pela escola

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Como destacado no texto, os autores caracterizaram “a judicialização das relações escolares como aquela ação da Justiça no universo da escola e das relações escolares, resultando em condenações das mais variadas”, destacando que os profissionais da educação não estão sabendo lidar com todas as variáveis que caracterizam as relações escolares. Fundamentaram o texto no Código Civil, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor para destacar a responsabilidade civil dos educadores, apresentando várias decisões da Justiça brasileira sobre ações envolvendo as escolas. Destacam, por fim, a necessidade de se firmar um novo pacto entre os atores educacionais (professores, gestores e comunidade), a fim de preparar os educadores para que possam dar direção e tomar decisões sobre o universo escolar.

Os autores apontam a responsabilidade objetiva (dano e relação de causalidade, sem a necessidade de demonstração de culpa) dos estabelecimentos de ensino (públicos ou privados) nas relações escolares, como, por exemplo, na obrigação de guarda e vigilância do aluno, acidentes que ocorrem em laboratório de química ou na aula de educação física, e outras hipóteses, citando várias decisões a respeito.

Não obstante o citado artigo revelar, com muita propriedade, uma face da judicialização das relações que se firmam com a escola e os educadores, ou seja, a responsabilidade civil, não há como negar que outras relações também se verificam e acabam por colocar a educação sob atribuições do poder judiciário. Este estudo busca apresentar essas outras situações.

Isso porque, como já afirmado, a partir da Constituição Federal de 1988, com o efetivo reconhecimento da educação como direito social e direito público subjetivo e da judicialização destes direitos (saúde, educação, proteção à maternidade e a infância, trabalho, segurança, lazer, moradia), cada vez mais o poder judiciário está sendo chamado a dirimir questões das mais variadas e que antes não eram levadas ao seu conhecimento.

De sorte que, além da responsabilidade civil da escola e dos educadores, outras demandas surgiram envolvendo esses atores. A consolidação dos direitos sociais apresentou como reflexo uma nova faceta, que não tem precedente na história do direito: uma relação direta entre a justiça e a educação. Como a mesma ocorre? É o que se passa a demonstrar.

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Justiça e educação

A educação está regulamentada por meio do capítulo de educação na Constituição Federal de 1988, e por meio de leis como a do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/96), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF, agora substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, o Plano Nacional de Educação, e inúmeros decretos e resoluções que direcionam toda a atividade educacional, com reflexos diretos para os estabelecimentos escolares e os sistemas de ensino onde estão presentes responsáveis pelo ensino como diretores, coordenadores pedagógicos, supervisores, professores, os próprios alunos e dirigentes de ensino, seja dos órgãos executivos, seja dos órgãos normativos.

Essa legislação, em síntese, regulamentou a educação como um direito de todos e um dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Buscou a universalização do ensino público (em especial, do ensino fundamental, dado seu caráter obrigatório), garantindo escola para todos, inclusive àqueles que não tiveram acesso na idade própria, ou seja, uma educação para todos, criando mecanismos para a sua garantia.

Não há como negar uma relação especial entre o direito (a lei) e a educação e a necessidade de seu conhecimento para o pleno desenvolvimento de suas atividades, apesar do desconhecimento de aspectos específicos da parte de muitos educadores, o que pode gerar posturas de resistência a essa novidade.

Com esse paradigma, novas situações surgiram, envolvendo a escola e outros atores que até então não participavam diretamente da questão educacional a não ser esporadicamente. Com efeito, como a universalização e obrigatoriedade do ensino (fundamental) implicam em colocar todas as crianças na escola, ou seja, todas as crianças com suas características pessoais, o sistema educacional passou a conviver com uma maior grandeza de diversidade sociocultural, em que as crianças adentram pela escola

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com peculiaridades próprias. Tal situação faz aparecer as pessoas e suas individualidades, rompendo com um imaginário homogeneizante.

Não que tal realidade relativa às peculiaridades não existisse, mas como a educação era elitista e seletiva, a grandeza numérica, associada a um perfil sociocultural mais homogêneo, não ganhava tanta expressão. Por exemplo, em 1950, de acordo com o IBGE, pouco mais de 17% possuía o grau primário completo, o que impunha sérios obstáculos à democratização do

6ensino para todos .Por outro lado, a atual legislação também acabou por

estabelecer um sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente (entre eles o direito à educação) envolvendo o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Segurança Pública, o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar. Essas instituições, chamadas a operar na área educacional e da infância e da juventude, também não se apresentavam devidamente preparadas para tal desafio, até porque, os conselhos de direitos e conselhos tutelares foram criados nessa oportunidade, ou seja, inexistiam antes da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. O Poder Judiciário e o Ministério Público desempenhavam outras atividades na área menorista, pouco voltada à questão educacional. A entrada da LDB e das leis reguladoras do FUNDEF e do FUNDEB criaram os Conselhos de Acompanhamento e Controle dos Recursos que devem ser aplicados na educação escolar.

Soma-se a essa situação o reconhecimento, na Constituição Federal, da educação como o primeiro dos direitos sociais. Assim,

ofoi estabelecido: “Art. 6 São direitos sociais a educação, a saúde,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 35

6 Nesse sentido, afirma Esteves (ESTEVES, J. M. Mudanças sociais e função docente. In: NOVOA, A. (Org.). Profissão professor. 3. ed. Portugal: Porto Celina, 1995. p. 96): A passagem de um sistema de ensino de elite para um sistema de ensino de massas implica um aumento quantitativo de professores e alunos, mas também o aparecimento de novos problemas qualitativos, que exigem uma reflexão profunda. Ensinar hoje é diferente do que era há vinte anos atrás. Fundamentalmente, porque não tem a mesma dificuldade trabalhar com um grupo de crianças homogeneizadas pela seleção ou enquadrar a cem por cento as crianças de um país, com os cem por cento de problemas sociais que essas crianças levam consigo.

o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (grifos nossos).

Esse reconhecimento implica na obrigação do Poder Público de garantir a educação visando a igualdade das pessoas e, por outro lado, garante ao interessado o poder de buscar no Judiciário a sua concretização.

A Constituição de 1988 foi além, estabelecendo, em capítulo próprio, várias disposições relacionadas ao direito à educação e apontando ao Estado algumas obrigações como, por exemplo:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os

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com peculiaridades próprias. Tal situação faz aparecer as pessoas e suas individualidades, rompendo com um imaginário homogeneizante.

Não que tal realidade relativa às peculiaridades não existisse, mas como a educação era elitista e seletiva, a grandeza numérica, associada a um perfil sociocultural mais homogêneo, não ganhava tanta expressão. Por exemplo, em 1950, de acordo com o IBGE, pouco mais de 17% possuía o grau primário completo, o que impunha sérios obstáculos à democratização do

6ensino para todos .Por outro lado, a atual legislação também acabou por

estabelecer um sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente (entre eles o direito à educação) envolvendo o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Segurança Pública, o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar. Essas instituições, chamadas a operar na área educacional e da infância e da juventude, também não se apresentavam devidamente preparadas para tal desafio, até porque, os conselhos de direitos e conselhos tutelares foram criados nessa oportunidade, ou seja, inexistiam antes da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. O Poder Judiciário e o Ministério Público desempenhavam outras atividades na área menorista, pouco voltada à questão educacional. A entrada da LDB e das leis reguladoras do FUNDEF e do FUNDEB criaram os Conselhos de Acompanhamento e Controle dos Recursos que devem ser aplicados na educação escolar.

Soma-se a essa situação o reconhecimento, na Constituição Federal, da educação como o primeiro dos direitos sociais. Assim,

ofoi estabelecido: “Art. 6 São direitos sociais a educação, a saúde,

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6 Nesse sentido, afirma Esteves (ESTEVES, J. M. Mudanças sociais e função docente. In: NOVOA, A. (Org.). Profissão professor. 3. ed. Portugal: Porto Celina, 1995. p. 96): A passagem de um sistema de ensino de elite para um sistema de ensino de massas implica um aumento quantitativo de professores e alunos, mas também o aparecimento de novos problemas qualitativos, que exigem uma reflexão profunda. Ensinar hoje é diferente do que era há vinte anos atrás. Fundamentalmente, porque não tem a mesma dificuldade trabalhar com um grupo de crianças homogeneizadas pela seleção ou enquadrar a cem por cento as crianças de um país, com os cem por cento de problemas sociais que essas crianças levam consigo.

o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (grifos nossos).

Esse reconhecimento implica na obrigação do Poder Público de garantir a educação visando a igualdade das pessoas e, por outro lado, garante ao interessado o poder de buscar no Judiciário a sua concretização.

A Constituição de 1988 foi além, estabelecendo, em capítulo próprio, várias disposições relacionadas ao direito à educação e apontando ao Estado algumas obrigações como, por exemplo:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os

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7 MUNIZ, R. M. F. O direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 122.8 E até mesmo a responsabilidade penal, posto que poucas são as informações

que mostram a aplicação do art. 246 do Código Penal, que estabelece o crime de abandono intelectual, prevendo: Art. 246 – Deixar sem justa causa de prover à instrução primária de filho em idade escolar – Pena: Detenção de quinze dias a um mês e multa.

educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Em face desses dispositivos, com eficácia plena, fica evidente que se o Poder Público, como Poder Executivo, não cumpre com a sua obrigação, poderá o interessado acionar o Poder Judiciário visando a sua responsabilização.

7Nesse sentido, afirma Muniz que

as normas constitucionais que disciplinam o direito à educação, ora vista como integrante do direito à vida, ora como direito social, hão de ser entendidas como de eficácia plena e aplicabilidade imediata, produzindo efeitos jurídicos, onde todos são investidos no direito subjetivo público, com o efetivo exercício e gozo indispensáveis para o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Resulta dessa situação uma relação direta envolvendo o direito e a educação, sendo que a justiça passou a ser chamada amiúde a solucionar conflitos no âmbito escolar que extrapolam a

8questão da responsabilidade civil , ou seja, se antes se contemplava, na esfera do judiciário, ações de indenizações ou reparação de danos envolvendo o sistema educacional, ou mandados de segurança para garantia de atribuições de aulas a professores, hoje a realidade é bem diversa e várias são as situações em que se provoca o judiciário com questões educacionais. A efetividade do direito à educação prevista no Constituição Federal, a ocorrência de atos infracionais ocorridos no ambiente escolar e a garantia da educação de qualidade passaram a ser objeto de questionamento judicial.

A educação e a proteção judicial à educação

Do que foi exposto, pode-se resumir que a garantia do direito à educação, sob o enfoque legal, ocorre nos seguintes tópicos:

?Universalização do acesso e da permanência da criança e do adolescente;

?Gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental;

?Atendimento especializado aos portadores de deficiência;

?Atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos de idade;

?Oferta de ensino noturno regular e adequado às condições do adolescente trabalhador;

?Atendimento no ensino fundamental por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;

?Direito de ser respeitado pelos educadores;

?Direito de contestar os critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

?Direito de organização e participação em entidades estudantis;

?Acesso à escola próximo da residência;

?Ciência dos pais e ou responsáveis do processo pedagógico e participação na definição da proposta educacional;

?Pleno desenvolvimento do educando;

?Preparo para o exercício da cidadania e para o trabalho;

?Qualidade da educação;

Quando um destes direitos relacionados à educação não for devidamente satisfeito pelos responsáveis públicos ou, quando for o caso, privados, gera aos interessados a possibilidade do questionamento judicial. Daí o surgimento da judicialização da educação, que ocorre quando aspectos relacionados ao direito à educação passam a ser objeto de análise e julgamento pelo Poder Judiciário. Em outros termos, a “educação, condição para a formação do homem é tarefa fundamental do Estado, é um dos deveres primordiais, sendo que, se não o cumprir, ou o fizer de

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7 MUNIZ, R. M. F. O direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 122.8 E até mesmo a responsabilidade penal, posto que poucas são as informações

que mostram a aplicação do art. 246 do Código Penal, que estabelece o crime de abandono intelectual, prevendo: Art. 246 – Deixar sem justa causa de prover à instrução primária de filho em idade escolar – Pena: Detenção de quinze dias a um mês e multa.

educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Em face desses dispositivos, com eficácia plena, fica evidente que se o Poder Público, como Poder Executivo, não cumpre com a sua obrigação, poderá o interessado acionar o Poder Judiciário visando a sua responsabilização.

7Nesse sentido, afirma Muniz que

as normas constitucionais que disciplinam o direito à educação, ora vista como integrante do direito à vida, ora como direito social, hão de ser entendidas como de eficácia plena e aplicabilidade imediata, produzindo efeitos jurídicos, onde todos são investidos no direito subjetivo público, com o efetivo exercício e gozo indispensáveis para o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Resulta dessa situação uma relação direta envolvendo o direito e a educação, sendo que a justiça passou a ser chamada amiúde a solucionar conflitos no âmbito escolar que extrapolam a

8questão da responsabilidade civil , ou seja, se antes se contemplava, na esfera do judiciário, ações de indenizações ou reparação de danos envolvendo o sistema educacional, ou mandados de segurança para garantia de atribuições de aulas a professores, hoje a realidade é bem diversa e várias são as situações em que se provoca o judiciário com questões educacionais. A efetividade do direito à educação prevista no Constituição Federal, a ocorrência de atos infracionais ocorridos no ambiente escolar e a garantia da educação de qualidade passaram a ser objeto de questionamento judicial.

A educação e a proteção judicial à educação

Do que foi exposto, pode-se resumir que a garantia do direito à educação, sob o enfoque legal, ocorre nos seguintes tópicos:

?Universalização do acesso e da permanência da criança e do adolescente;

?Gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental;

?Atendimento especializado aos portadores de deficiência;

?Atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos de idade;

?Oferta de ensino noturno regular e adequado às condições do adolescente trabalhador;

?Atendimento no ensino fundamental por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;

?Direito de ser respeitado pelos educadores;

?Direito de contestar os critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

?Direito de organização e participação em entidades estudantis;

?Acesso à escola próximo da residência;

?Ciência dos pais e ou responsáveis do processo pedagógico e participação na definição da proposta educacional;

?Pleno desenvolvimento do educando;

?Preparo para o exercício da cidadania e para o trabalho;

?Qualidade da educação;

Quando um destes direitos relacionados à educação não for devidamente satisfeito pelos responsáveis públicos ou, quando for o caso, privados, gera aos interessados a possibilidade do questionamento judicial. Daí o surgimento da judicialização da educação, que ocorre quando aspectos relacionados ao direito à educação passam a ser objeto de análise e julgamento pelo Poder Judiciário. Em outros termos, a “educação, condição para a formação do homem é tarefa fundamental do Estado, é um dos deveres primordiais, sendo que, se não o cumprir, ou o fizer de

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10relações educacionais . Para além da garantia de acesso ao ensino público de qualidade, são exemplos de situações que envolvem o

11Poder Judiciário e a educação, entre outras :

a. Merenda escolar: a Constituição Federal (art. 208, VII), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 54, VII), a LDB (art. 4.º, VIII) e a meta 18 do capítulo do ensino fundamental do Plano Nacional de Educação estabelecem a necessidade de atendimento ao educando, no ensino fundamental, de programa suplementar de alimentação. Assim, o fornecimento e a qualidade da alimentação passaram a ser objeto de análise judicial, como se observa das seguintes ementas:

Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face do Município de Sapé – P B e F N D E – F u n d o N a c i o n a l d e Desenvolvimento da Educação. A ação tramita perante o Tribunal Regional Federal da Paraíba – Seção judiciária – 2007.82.00.008137-5. Consta como pedido da ação civil pública: a) a regularização do fornecimento da merenda escolar, conforme o cardápio elaborado, sem deixar faltar um item sequer para a elaboração dos alimentos, inclusive os envolvidos na preparação (açúcar, óleo, gás de cozinha, água filtrada, etc.), promovendo a adequação do programa a todas as exigências previstas na lei e no regulamento; b) providencie a adequação das condições de transporte de alimentos perecíveis às escolas situadas fora do núcleo urbano, disponibilizando para tanto acondicionamento adequado por meio de freezers, etc. c) providencie a adequação das condições das escolas para a conservação e armazenamento dos gêneros alimentícios, disponibilizando água encanada, filtros,

9maneira i l ícita, pode ser responsabilizado” . Essa responsabilização com a intervenção do Poder Judiciário consolida o processo de judicialização da educação.

Esse fenômeno se verifica em face da ocorrência de fatores que impliquem na ofensa a esse direito, decorrentes de:

a) Mudanças no panorama legislativo; b) Reordenamento das instituições judicial e escolar; c) Posicionamento ativo da comunidade na busca pela

consolidação dos direitos sociais.

A nova legislação, que reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos; a educação como direito social e público subjetivo; que garante a busca pelos interessados da efetividade e consolidação desse direito; a acessibilidade da Justiça, com mudança de paradigma em relação a questões como educação, saúde, criança e adolescente; o surgimento da intervenção de outras instituições como Conselho Tutelar e Ministério Público, apresentam-se como fatores determinantes desse novo fenômeno: a judicialização da educação.

Como afirmado, o paradigma atual é o da educação para todos. Os índices de escolaridade aumentaram significativamente, demonstrando que após o novo comando constitucional está ocorrendo a efetiva matrícula das crianças no ensino obrigatório, cumprindo-se a determinação legal. Diante dessa nova realidade e dos conflitos e problemas oriundos dessa relação, fica evidente que a intervenção judicial não mais se limita a questões como a da responsabilidade civil dos educadores ou criminal dos pais ou responsáveis. Novos questionamentos relacionados à educação são levados diariamente ao Poder Judiciário, que passou a ter uma relação mais direta, com uma visão mais social e técnica dos problemas afetos à educação.

Decorre dessa nova realidade o chamamento do Poder Judiciário por parte do próprio interessado (aluno e/ou responsável), Ministério Público, Defensores Públicos ou Conselho Tutelar, com inúmeras hipóteses de judicialização das

9 MUNIZ, op. cit., p. 211.

10 Podem-se obter mais informações a respeito dessas instituições através dos sites: www.tj.sp.gov.br, www.mp.sp.gov.br, www.mj.gov.br/defensoria, www.stj.gov.br.

11 Nos tópicos seguintes são citadas ementas (súmulas - resumos) de decisões dos Tribunais, bem como de ações promovidas pelo Ministério Público (ação civil pública ou inquéritos civis) relacionadas à educação.

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10relações educacionais . Para além da garantia de acesso ao ensino público de qualidade, são exemplos de situações que envolvem o

11Poder Judiciário e a educação, entre outras :

a. Merenda escolar: a Constituição Federal (art. 208, VII), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 54, VII), a LDB (art. 4.º, VIII) e a meta 18 do capítulo do ensino fundamental do Plano Nacional de Educação estabelecem a necessidade de atendimento ao educando, no ensino fundamental, de programa suplementar de alimentação. Assim, o fornecimento e a qualidade da alimentação passaram a ser objeto de análise judicial, como se observa das seguintes ementas:

Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face do Município de Sapé – P B e F N D E – F u n d o N a c i o n a l d e Desenvolvimento da Educação. A ação tramita perante o Tribunal Regional Federal da Paraíba – Seção judiciária – 2007.82.00.008137-5. Consta como pedido da ação civil pública: a) a regularização do fornecimento da merenda escolar, conforme o cardápio elaborado, sem deixar faltar um item sequer para a elaboração dos alimentos, inclusive os envolvidos na preparação (açúcar, óleo, gás de cozinha, água filtrada, etc.), promovendo a adequação do programa a todas as exigências previstas na lei e no regulamento; b) providencie a adequação das condições de transporte de alimentos perecíveis às escolas situadas fora do núcleo urbano, disponibilizando para tanto acondicionamento adequado por meio de freezers, etc. c) providencie a adequação das condições das escolas para a conservação e armazenamento dos gêneros alimentícios, disponibilizando água encanada, filtros,

9maneira i l ícita, pode ser responsabilizado” . Essa responsabilização com a intervenção do Poder Judiciário consolida o processo de judicialização da educação.

Esse fenômeno se verifica em face da ocorrência de fatores que impliquem na ofensa a esse direito, decorrentes de:

a) Mudanças no panorama legislativo; b) Reordenamento das instituições judicial e escolar; c) Posicionamento ativo da comunidade na busca pela

consolidação dos direitos sociais.

A nova legislação, que reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos; a educação como direito social e público subjetivo; que garante a busca pelos interessados da efetividade e consolidação desse direito; a acessibilidade da Justiça, com mudança de paradigma em relação a questões como educação, saúde, criança e adolescente; o surgimento da intervenção de outras instituições como Conselho Tutelar e Ministério Público, apresentam-se como fatores determinantes desse novo fenômeno: a judicialização da educação.

Como afirmado, o paradigma atual é o da educação para todos. Os índices de escolaridade aumentaram significativamente, demonstrando que após o novo comando constitucional está ocorrendo a efetiva matrícula das crianças no ensino obrigatório, cumprindo-se a determinação legal. Diante dessa nova realidade e dos conflitos e problemas oriundos dessa relação, fica evidente que a intervenção judicial não mais se limita a questões como a da responsabilidade civil dos educadores ou criminal dos pais ou responsáveis. Novos questionamentos relacionados à educação são levados diariamente ao Poder Judiciário, que passou a ter uma relação mais direta, com uma visão mais social e técnica dos problemas afetos à educação.

Decorre dessa nova realidade o chamamento do Poder Judiciário por parte do próprio interessado (aluno e/ou responsável), Ministério Público, Defensores Públicos ou Conselho Tutelar, com inúmeras hipóteses de judicialização das

9 MUNIZ, op. cit., p. 211.

10 Podem-se obter mais informações a respeito dessas instituições através dos sites: www.tj.sp.gov.br, www.mp.sp.gov.br, www.mj.gov.br/defensoria, www.stj.gov.br.

11 Nos tópicos seguintes são citadas ementas (súmulas - resumos) de decisões dos Tribunais, bem como de ações promovidas pelo Ministério Público (ação civil pública ou inquéritos civis) relacionadas à educação.

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geladeiras, armários, e tudo o mais necessário conforme as normas de correta manipulação de

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12 Apelação cível n. 59.494-0/0 - Comarca de Ituverava - TJSP - Relator Des. Nigro Conceição - j. 09/11/00.

13 Apelação com revisão 5383415200 - Relator(a): Paulo Dimas Mascaretti - Comarca: Igarapava - Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Público - Data do julgamento: 16/07/2008 - Data de registro: 22/07/2008.

14 Apelação cível n. 241.185-5/0-00. Apelantes: Prefeitura Municipal de Teodoro Sampaio e Fazenda Pública Estadual - Apelado: Ministério Público.

15 Apelação cível n. 110.690-0/5-00, da comarca de São Paulo. Apelante: Municipalidade de São Paulo. Apelado: Promotor de Justiça da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional de Santana.

Responsabilidade e dever do estado. Obrigação de fazer. Descumprimento. Multa. Cabimento. Prazo e valor da multa. Necessidade de apreciação do

16conjunto probatório.

c. Falta de professores: a falta de professores prejudica o pleno desenvolvimento do educando, regra básica prevista na Constituição Federal (art. 205), Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 53) e LDB (art. 2, 12 e 13). Por outro lado, a LDB estabelece toda uma política de organização educacional (arts. 10 a 13) e normas relativas aos profissionais da educação (art. 67) que, uma vez desrespeitadas, enseja medida judicial, como a ação a seguir mencionada:

Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Amapá objetivando que o Estado do Amapá imediatamente lote professores em todas as disciplinas ministradas nas seguintes escolas da rede estadual sediadas na Cidade de Calçoene: Professor Sílvio Elito da Lima Santos, Amaro Brasilino de F. Filho e Lobo Dálmada, fixando multa diária a ser paga pessoalmente pelo senhor secretário de Estado da Educação, no caso do não-cumprimento da obrigação, conforme previsto no art. 213, § 2º, do ECA.

É certo que essa questão é extremamente complexa, posto que nem sempre a decisão judicial encontra efetividade, uma vez que em muitos situações não existem professores habilitados ou interessados nas vagas abertas. A intervenção judicial, nesse caso, somente encontrará resultado desde que ocorra demanda para as vagas existentes.

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geladeiras, armários, e tudo o mais necessário conforme as normas de correta manipulação de

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12 Apelação cível n. 59.494-0/0 - Comarca de Ituverava - TJSP - Relator Des. Nigro Conceição - j. 09/11/00.

13 Apelação com revisão 5383415200 - Relator(a): Paulo Dimas Mascaretti - Comarca: Igarapava - Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Público - Data do julgamento: 16/07/2008 - Data de registro: 22/07/2008.

14 Apelação cível n. 241.185-5/0-00. Apelantes: Prefeitura Municipal de Teodoro Sampaio e Fazenda Pública Estadual - Apelado: Ministério Público.

15 Apelação cível n. 110.690-0/5-00, da comarca de São Paulo. Apelante: Municipalidade de São Paulo. Apelado: Promotor de Justiça da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional de Santana.

Responsabilidade e dever do estado. Obrigação de fazer. Descumprimento. Multa. Cabimento. Prazo e valor da multa. Necessidade de apreciação do

16conjunto probatório.

c. Falta de professores: a falta de professores prejudica o pleno desenvolvimento do educando, regra básica prevista na Constituição Federal (art. 205), Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 53) e LDB (art. 2, 12 e 13). Por outro lado, a LDB estabelece toda uma política de organização educacional (arts. 10 a 13) e normas relativas aos profissionais da educação (art. 67) que, uma vez desrespeitadas, enseja medida judicial, como a ação a seguir mencionada:

Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Amapá objetivando que o Estado do Amapá imediatamente lote professores em todas as disciplinas ministradas nas seguintes escolas da rede estadual sediadas na Cidade de Calçoene: Professor Sílvio Elito da Lima Santos, Amaro Brasilino de F. Filho e Lobo Dálmada, fixando multa diária a ser paga pessoalmente pelo senhor secretário de Estado da Educação, no caso do não-cumprimento da obrigação, conforme previsto no art. 213, § 2º, do ECA.

É certo que essa questão é extremamente complexa, posto que nem sempre a decisão judicial encontra efetividade, uma vez que em muitos situações não existem professores habilitados ou interessados nas vagas abertas. A intervenção judicial, nesse caso, somente encontrará resultado desde que ocorra demanda para as vagas existentes.

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d. Condições para o desenvolvimento do aluno com deficiência: o atendimento educacional especializado ao aluno com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (CF, art. 208, III, ECA, art. 54, III, e LDB, art. 4º, III) provocou medidas judiciais para a garantia desse direito, conforme se observa a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL - Ação civil pública com pedido de tutela antecipada. Criança portadora de paralisia cerebral infantil aliada a retardo mental. Liminar deferida. Procedência da ação sob pena de multa diária, condenando o apelante a inserir a

17criança em unidade de educação infantil.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Fornecimento de tratamento a portadores de síndrome de autismo - Educação especializada - Art. 5º CF - Norma constitucional de proteção à saúde pública - Controle jurisdicional dos atos discricionários - Garantia de direito à saúde pública - Recurso não

18provido.

APELAÇÃO CÍVEL - Mandado de Segurança com pedido de Liminar - Portadora de Deficiência Física - Direito a ensino especializado - Legalidade - Dever do Município - Inteligência dos Artigos 208, I e III da CF; 227 “Caput” da CE; e da Lei 7853/89 - Sentença Mantida - Recursos oficial e voluntário do Secretário da Fazenda Municipal

19de Araçatuba Improvidos.

Ensino Especializado Criança com retardo no desenvolvimento neuropsicomotor, atraso na fala e epilepsia. Inexistência de escola especializada na rede pública. Necessidade de garantir plena efetividade ao direito à educação - Inteligência do artigo 208 da CF, artigo 249, § 1°t da CE, Lei n° 8 069/1990 (ECA), Leis Federais n° 7.853/1989 e 9.394/1996 - Segurança concedida para determinar a matrícula do impetrante em instituição particular

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 43

16 AgRg no Ag 646.240/RS, Rel. Ministro José Delgado, 1ª turma, julgado em 05/05/2005, DJ 13.06.2005, p. 178.

17 Apelação cível n. 149.237-0/9-00 - São Paulo - TJSP - Câmara Especial - voto n. 3.636.

18 Apelação cível n. 564.314.5/5-00-00 - Comarca de São Paulo. Apelante: Juízo ex officio. Apelado: Victor Martucelli (menor representado por genitora).

19 Apelação cível n. 279.484-5/7-00. Comarca: Araçatuba. Apelante: Secretário Municipal da Fazenda de Araçatuba e Outro. Recorrente: Juízo ex-officio. Apelada: Maria Luiza Domingues Cardoso (menor representada por sua mãe).

de ensino especializado - Recurso voluntário e 20reexame necessário não providos.

e. Adequação do prédio escolar: O atendimento ao aluno com deficiência requer a adequação da unidade escolar. Essa regra está prevista na Constituição Federal (art. 227, § 2º e 244) e em leis específicas como a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989 (art. 2º, parágrafo único), o Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999 (art. 24 e 46) e a Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (art. 11, 12 e 21), que estabeleceu normas para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência mediante a supressão de barreiras e obstáculos. O Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei n. 10.172/2001, estabeleceu como um dos objetivos e metas da educação básica a acessibilidade das escolas, com a adaptação para o atendimento do aluno com deficiência. Assim, várias são as ações visando dar cumprimento a essa previsão legal.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Obrigação de Fazer – Interesse difuso – Adaptação de prédio de escola pública para portadores de deficiência física – Obrigação prevista nos artigos 127, par. 2º e 244 da CF, artigo 280 da CE – Legitimidade ativa do Ministério Público – Lei Federal nº 7853/89 – Inexistência de violação do princípio da violação da separação dos Poderes – Multa diária para o caso de descumprimento da obrigação – Inexistência de ilegalidade – Artigo 644 do CPC –

21Recurso provido para julgar a ação procedente.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Objetivo – Facilitação do acesso de deficientes físicos em escola pública estadual – Obrigação de fazer por parte do Estado – Exegese dos artigos 227, parágrafos

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200942

d. Condições para o desenvolvimento do aluno com deficiência: o atendimento educacional especializado ao aluno com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (CF, art. 208, III, ECA, art. 54, III, e LDB, art. 4º, III) provocou medidas judiciais para a garantia desse direito, conforme se observa a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL - Ação civil pública com pedido de tutela antecipada. Criança portadora de paralisia cerebral infantil aliada a retardo mental. Liminar deferida. Procedência da ação sob pena de multa diária, condenando o apelante a inserir a

17criança em unidade de educação infantil.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Fornecimento de tratamento a portadores de síndrome de autismo - Educação especializada - Art. 5º CF - Norma constitucional de proteção à saúde pública - Controle jurisdicional dos atos discricionários - Garantia de direito à saúde pública - Recurso não

18provido.

APELAÇÃO CÍVEL - Mandado de Segurança com pedido de Liminar - Portadora de Deficiência Física - Direito a ensino especializado - Legalidade - Dever do Município - Inteligência dos Artigos 208, I e III da CF; 227 “Caput” da CE; e da Lei 7853/89 - Sentença Mantida - Recursos oficial e voluntário do Secretário da Fazenda Municipal

19de Araçatuba Improvidos.

Ensino Especializado Criança com retardo no desenvolvimento neuropsicomotor, atraso na fala e epilepsia. Inexistência de escola especializada na rede pública. Necessidade de garantir plena efetividade ao direito à educação - Inteligência do artigo 208 da CF, artigo 249, § 1°t da CE, Lei n° 8 069/1990 (ECA), Leis Federais n° 7.853/1989 e 9.394/1996 - Segurança concedida para determinar a matrícula do impetrante em instituição particular

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16 AgRg no Ag 646.240/RS, Rel. Ministro José Delgado, 1ª turma, julgado em 05/05/2005, DJ 13.06.2005, p. 178.

17 Apelação cível n. 149.237-0/9-00 - São Paulo - TJSP - Câmara Especial - voto n. 3.636.

18 Apelação cível n. 564.314.5/5-00-00 - Comarca de São Paulo. Apelante: Juízo ex officio. Apelado: Victor Martucelli (menor representado por genitora).

19 Apelação cível n. 279.484-5/7-00. Comarca: Araçatuba. Apelante: Secretário Municipal da Fazenda de Araçatuba e Outro. Recorrente: Juízo ex-officio. Apelada: Maria Luiza Domingues Cardoso (menor representada por sua mãe).

de ensino especializado - Recurso voluntário e 20reexame necessário não providos.

e. Adequação do prédio escolar: O atendimento ao aluno com deficiência requer a adequação da unidade escolar. Essa regra está prevista na Constituição Federal (art. 227, § 2º e 244) e em leis específicas como a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989 (art. 2º, parágrafo único), o Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999 (art. 24 e 46) e a Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (art. 11, 12 e 21), que estabeleceu normas para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência mediante a supressão de barreiras e obstáculos. O Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei n. 10.172/2001, estabeleceu como um dos objetivos e metas da educação básica a acessibilidade das escolas, com a adaptação para o atendimento do aluno com deficiência. Assim, várias são as ações visando dar cumprimento a essa previsão legal.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Obrigação de Fazer – Interesse difuso – Adaptação de prédio de escola pública para portadores de deficiência física – Obrigação prevista nos artigos 127, par. 2º e 244 da CF, artigo 280 da CE – Legitimidade ativa do Ministério Público – Lei Federal nº 7853/89 – Inexistência de violação do princípio da violação da separação dos Poderes – Multa diária para o caso de descumprimento da obrigação – Inexistência de ilegalidade – Artigo 644 do CPC –

21Recurso provido para julgar a ação procedente.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Objetivo – Facilitação do acesso de deficientes físicos em escola pública estadual – Obrigação de fazer por parte do Estado – Exegese dos artigos 227, parágrafos

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200944

2º e 244 da Constituição da República e das Leis sEstaduais nº . 5500/86 e 9086/95 – Recurso

22provido.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Deficiente físico – Acesso as salas de aula em escola pública dificultado por escadas – Obrigação de fazer consistente na realização de obras para as devidas adaptações do prédio – Admissibilidade – Direito de livre circulação em imóvel de uso comum assegurado na Constituição Federal de 1988, sobretudo a escola pública, que deve facilitar o quanto se pode o acesso ao ensino – Norma cuja aplicabilidade não pode ser condicionada à edição de lei estadual, que, passados dezesseis anos da Constituição Federal, não foi providenciada, constituindo reprovável conduta que fere p r inc íp ios é t i cos e os ten ta f l ag ran te inconstitucionalidade por omissão – Ação

23procedente – Recursos improvidos.

f. Vaga em creche e pré-escola: existem ainda as hipóteses em que não se garantiu o oferecimento adequado de educação para todos, em especial para creche e pré-escola às crianças de 0 a 5

24anos de idade , gerando também a intervenção judicial:

CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). RECURSO E X T R A O R D I N Á R I O C O N H E C I D O E IMPROVIDO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 45

20 Apelação n 752.718.5/4-00 - Comarca: Campinas (Paulinia). Apte: Prefeitura Municipal de Paulinea. Apdos: Paulo Eduardo Rodrigues da Silva (rep. p/ genitora) e outro.

21 Apelação ível n 231.136-5/9-00, da Comarca de Ribeirão Preto. Apelante: Ministério Público. Apelada: Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.

.

c .

22 Apelação ível n 244.235-5/0-00, da comarca de Ribeirão Preto. Apelante: Ministério Público. Apelado: Fazenda Pública Estadual.

23 Apelação ível n 275.964-5/9-00, da comarca de Ribeirão Preto. Apelante: Fazenda Pública Estadual. Apelado: Ministério Público.

24 Várias decisões referem-se à pré-escola para crianças até 6 anos de idade. Contudo, alteração da Constituição Federal promovida pela Emenda Constitucional n. 53,

de 2006 ao artigo 208, IV, estabeleceu como dever do estado a educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 anos de idade.

c .

c .

a

- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).

- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.

- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.

- Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200944

2º e 244 da Constituição da República e das Leis sEstaduais nº . 5500/86 e 9086/95 – Recurso

22provido.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Deficiente físico – Acesso as salas de aula em escola pública dificultado por escadas – Obrigação de fazer consistente na realização de obras para as devidas adaptações do prédio – Admissibilidade – Direito de livre circulação em imóvel de uso comum assegurado na Constituição Federal de 1988, sobretudo a escola pública, que deve facilitar o quanto se pode o acesso ao ensino – Norma cuja aplicabilidade não pode ser condicionada à edição de lei estadual, que, passados dezesseis anos da Constituição Federal, não foi providenciada, constituindo reprovável conduta que fere p r inc íp ios é t i cos e os ten ta f l ag ran te inconstitucionalidade por omissão – Ação

23procedente – Recursos improvidos.

f. Vaga em creche e pré-escola: existem ainda as hipóteses em que não se garantiu o oferecimento adequado de educação para todos, em especial para creche e pré-escola às crianças de 0 a 5

24anos de idade , gerando também a intervenção judicial:

CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). RECURSO E X T R A O R D I N Á R I O C O N H E C I D O E IMPROVIDO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 45

20 Apelação n 752.718.5/4-00 - Comarca: Campinas (Paulinia). Apte: Prefeitura Municipal de Paulinea. Apdos: Paulo Eduardo Rodrigues da Silva (rep. p/ genitora) e outro.

21 Apelação ível n 231.136-5/9-00, da Comarca de Ribeirão Preto. Apelante: Ministério Público. Apelada: Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.

.

c .

22 Apelação ível n 244.235-5/0-00, da comarca de Ribeirão Preto. Apelante: Ministério Público. Apelado: Fazenda Pública Estadual.

23 Apelação ível n 275.964-5/9-00, da comarca de Ribeirão Preto. Apelante: Fazenda Pública Estadual. Apelado: Ministério Público.

24 Várias decisões referem-se à pré-escola para crianças até 6 anos de idade. Contudo, alteração da Constituição Federal promovida pela Emenda Constitucional n. 53,

de 2006 ao artigo 208, IV, estabeleceu como dever do estado a educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 anos de idade.

c .

c .

a

- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).

- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.

- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.

- Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200946

atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

- Embora inques t ionáve l que res ida , primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão

25pertinente à “reserva do possível”.

MENOR - Mandado de Segurança - Creche municipal - Garantia de vaga à criança - Requisitos ensejadores presentes - Recurso

26oficial improvido.

EDUCAÇÃO - Mandado de segurança visando matrícula de menor impúbere em creche - Alegação da municipalidade de insuficiência de vagas para atender à demanda - fato que não exime a administração de cumprir sua obrigação não podendo se beneficiar da própria omissão - Segurança concedida - Recursos

27Improvidos.

MANDADO DE SEGURANÇA - Direito das c r i a n ç a s à c r e c h e - G a r a n t i a c o n s t i t u c i o n a l m e n t e p r e v i s t a - Responsabilidade prioritária do Município pelo atendimento da educação infantil - Imposição de obrigação de fazer ao Município como decorrência da própria atividade jurisdicional - Violação do princípio da Independência dos

28Poderes não configurada - Recursos improvidos.

MENOR - Apelação - Ação civil pública para compelir o Município à abertura de matrículas na rede de ensino infantil a todas as crianças de zero a seis anos de idade, sem exceção - Legitimidade do Ministério Público reconhecida - Dever estatal com a educação - Competência municipal para o atendimento em creches e pré-escolas das crianças de zero a seis anos - Necessidade que se equivale à obrigatoriedade - Sentença de procedência

29mantida - Recurso improvido.

g. Outras hipóteses: a intervenção judicial nas questões educacionais ocorre da forma mais diversa possível e em relação a temas variados. Tendo sempre como fundamento a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, os Pareceres e Resoluções dos Conselhos de Educação e portarias, as decisões a seguir, refletem a relação estabelecida entre a Justiça e a Educação e os inúmeros temas que são levados a julgamento.

Transferência compulsória do aluno:

APELAÇÃO CÍVEL - Mandado de Segurança - Ensino - Transferência compulsória de aluno - Não obediência ao due process of law - Descabimento da medida - Concessão da

30segurança. Recurso provido.

MANDADO DE SEGURANÇA - Transferência compulsória de aluno - Necessidade de preservação do direito de defesa no processo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 47

25 Recurso extraordinário 541.281-4 São Paulo- relator: min. Celso de Mello - recorrente: município de São Paulo - advogado: Luiz Henrique Marquez - recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo.

26 Apelação Cível 1641620600 - Relator: Eduardo Pereira - Comarca: F.D. Paulínia/Campinas. Órgão julgador: Câmara Especial - Data do julgamento: 30/06/2008 - Data de registro: 17/07/2008.

27 Apelação com revisão 7356475500 - Relator: Luiz Burza Neto - Comarca: São José do Rio Preto. Órgão julgador: 12ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 25/06/2008 . Data de registro: 14/07/2008.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200946

atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

- Embora inques t ionáve l que res ida , primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão

25pertinente à “reserva do possível”.

MENOR - Mandado de Segurança - Creche municipal - Garantia de vaga à criança - Requisitos ensejadores presentes - Recurso

26oficial improvido.

EDUCAÇÃO - Mandado de segurança visando matrícula de menor impúbere em creche - Alegação da municipalidade de insuficiência de vagas para atender à demanda - fato que não exime a administração de cumprir sua obrigação não podendo se beneficiar da própria omissão - Segurança concedida - Recursos

27Improvidos.

MANDADO DE SEGURANÇA - Direito das c r i a n ç a s à c r e c h e - G a r a n t i a c o n s t i t u c i o n a l m e n t e p r e v i s t a - Responsabilidade prioritária do Município pelo atendimento da educação infantil - Imposição de obrigação de fazer ao Município como decorrência da própria atividade jurisdicional - Violação do princípio da Independência dos

28Poderes não configurada - Recursos improvidos.

MENOR - Apelação - Ação civil pública para compelir o Município à abertura de matrículas na rede de ensino infantil a todas as crianças de zero a seis anos de idade, sem exceção - Legitimidade do Ministério Público reconhecida - Dever estatal com a educação - Competência municipal para o atendimento em creches e pré-escolas das crianças de zero a seis anos - Necessidade que se equivale à obrigatoriedade - Sentença de procedência

29mantida - Recurso improvido.

g. Outras hipóteses: a intervenção judicial nas questões educacionais ocorre da forma mais diversa possível e em relação a temas variados. Tendo sempre como fundamento a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, os Pareceres e Resoluções dos Conselhos de Educação e portarias, as decisões a seguir, refletem a relação estabelecida entre a Justiça e a Educação e os inúmeros temas que são levados a julgamento.

Transferência compulsória do aluno:

APELAÇÃO CÍVEL - Mandado de Segurança - Ensino - Transferência compulsória de aluno - Não obediência ao due process of law - Descabimento da medida - Concessão da

30segurança. Recurso provido.

MANDADO DE SEGURANÇA - Transferência compulsória de aluno - Necessidade de preservação do direito de defesa no processo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 47

25 Recurso extraordinário 541.281-4 São Paulo- relator: min. Celso de Mello - recorrente: município de São Paulo - advogado: Luiz Henrique Marquez - recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo.

26 Apelação Cível 1641620600 - Relator: Eduardo Pereira - Comarca: F.D. Paulínia/Campinas. Órgão julgador: Câmara Especial - Data do julgamento: 30/06/2008 - Data de registro: 17/07/2008.

27 Apelação com revisão 7356475500 - Relator: Luiz Burza Neto - Comarca: São José do Rio Preto. Órgão julgador: 12ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 25/06/2008 . Data de registro: 14/07/2008.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200948

31administrativo - Recurso improvido.

Problemas disciplinares:

ENSINO ESTADUAL - Freqüência do aluno ao estabelecimento em que se encontra matriculado - Questões disciplinares ensejaram transferência de escola - Inexistência de direito líquido e certo -

32Ordem denegada - Recurso desprovido.

MANDADO DE SEGURANÇA. Suspensão do direito da utilização de serviço público gratuito, por motivo disciplinar. Observância do devido processo legal e direito de defesa. Não desatende ao devido processo legal e não exclui o direito de defesa, a suspensão do beneficio (transporte escolar gratuito) por motivo de indisciplina, se precedida da devida notificação ao responsável que, não obstante, não adotou nenhuma providência corretiva - Segurança mal concedida. Recurso oficial provido

33para denegar a segurança.

Criação de cursos:

Ação Civil Pública. Criação de vagas em curso de ensino médio - Princípio da Inafastabilidade da jurisdição. Ingerência do Judiciário na Administração Pública inocorrente. Possibilidade/ necessidade para garantia de direito constitucional. Repercussão orçamentária que não afasta a imposição constitucional. Obrigação de fazer r e g u l a r m e n t e i m p o s t a p o r p r e c e i t o

34constitucional.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 49

Fechamento de salas de aula:

Mandado de Segurança - Autoridade de Ensino não pode suprimir salas de aulas, com fundamento na Resolução n. 97/2004 e Resolução SE n. 125/98, as quais violam o disposto nos artigos 208 e seus incisos e 227, “caput” todos da Constituição Federal. As referidas Resoluções apenas determinam que a matrícula do aluno deverá respeitar o turno de seu trabalho, inclusive dos que comprovarem ser aprendizes, na forma do Estatuto da Criança e do Adolescente. Desta forma, o ato da autoridade impetrada que implicou em retrocesso social, fato expressamente vedado pelos artigos 208 e seus incisos e 227 “caput” todos da Constituição Federal violou direito líquido e certo

35dos alunos.

Cancelamento de matrículas:

Ação Civil Pública – Determinação da Secretaria de Educação que cancelava a matrícula de crianças e adolescentes que não comparecessem nos primeiros dez dias do ano letivo. Manifesta ilegalidade. Determinar o cancelamento da matrícula de crianças e adolescentes em razão de falta escolares, ainda que injustificadas, viola o direito de acesso à

36educação.

Mandado de Segurança – Ensino. Anulação de ato administrativo. Indeferimento de matrícula em curso de língua estrangeira, ministrado pelo Centro de Estudos de Línguas, da Secretaria

28 Apelação cível 1639550800 - Relator: Viana Santos. Comarca: Campinas. Órgão julgador: Câmara Especial. Data do julgamento: 23/06/2008. Data de registro: 04/07/2008.

29 Apelação n. 63.969.0/2-00. Recorrente: Município de Assis. Recorrido: Promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude de Assis.

30 Apelação cível n. 252 557 5/3-00 - Votuporanga - Apelante Valdonir da Silva - Apelado Diretor da Escola Estadual Cecília Meireles e Conselho da Escola Estadual Cecília Meireles.

31 Apel. n. 148.524-5/0. Comarca: Garça. Apte: Juízo Ex-Officio. Apelado: Marcus Vinícius Marques Ogeda - menor representado por sua mãe Ana Luiza César Marques Cavalcante.

32 AC n. 382.260.5/1-00 - Serra Negra - 2a Vara Cível - Voto n. 13.715 - Apte. Juliano Matrandrea de Barros Silveira (AJ). Apd°. Diretora da Escola Estadual Jovino Silveira.

33 Apelação cível n. 115.743.5/2-00, da Comarca de Palestina, em que é recorrente o Juízo. Ex Officio e recorrida Ana Rosa Araújo Gavião Silva.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200948

31administrativo - Recurso improvido.

Problemas disciplinares:

ENSINO ESTADUAL - Freqüência do aluno ao estabelecimento em que se encontra matriculado - Questões disciplinares ensejaram transferência de escola - Inexistência de direito líquido e certo -

32Ordem denegada - Recurso desprovido.

MANDADO DE SEGURANÇA. Suspensão do direito da utilização de serviço público gratuito, por motivo disciplinar. Observância do devido processo legal e direito de defesa. Não desatende ao devido processo legal e não exclui o direito de defesa, a suspensão do beneficio (transporte escolar gratuito) por motivo de indisciplina, se precedida da devida notificação ao responsável que, não obstante, não adotou nenhuma providência corretiva - Segurança mal concedida. Recurso oficial provido

33para denegar a segurança.

Criação de cursos:

Ação Civil Pública. Criação de vagas em curso de ensino médio - Princípio da Inafastabilidade da jurisdição. Ingerência do Judiciário na Administração Pública inocorrente. Possibilidade/ necessidade para garantia de direito constitucional. Repercussão orçamentária que não afasta a imposição constitucional. Obrigação de fazer r e g u l a r m e n t e i m p o s t a p o r p r e c e i t o

34constitucional.

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Fechamento de salas de aula:

Mandado de Segurança - Autoridade de Ensino não pode suprimir salas de aulas, com fundamento na Resolução n. 97/2004 e Resolução SE n. 125/98, as quais violam o disposto nos artigos 208 e seus incisos e 227, “caput” todos da Constituição Federal. As referidas Resoluções apenas determinam que a matrícula do aluno deverá respeitar o turno de seu trabalho, inclusive dos que comprovarem ser aprendizes, na forma do Estatuto da Criança e do Adolescente. Desta forma, o ato da autoridade impetrada que implicou em retrocesso social, fato expressamente vedado pelos artigos 208 e seus incisos e 227 “caput” todos da Constituição Federal violou direito líquido e certo

35dos alunos.

Cancelamento de matrículas:

Ação Civil Pública – Determinação da Secretaria de Educação que cancelava a matrícula de crianças e adolescentes que não comparecessem nos primeiros dez dias do ano letivo. Manifesta ilegalidade. Determinar o cancelamento da matrícula de crianças e adolescentes em razão de falta escolares, ainda que injustificadas, viola o direito de acesso à

36educação.

Mandado de Segurança – Ensino. Anulação de ato administrativo. Indeferimento de matrícula em curso de língua estrangeira, ministrado pelo Centro de Estudos de Línguas, da Secretaria

28 Apelação cível 1639550800 - Relator: Viana Santos. Comarca: Campinas. Órgão julgador: Câmara Especial. Data do julgamento: 23/06/2008. Data de registro: 04/07/2008.

29 Apelação n. 63.969.0/2-00. Recorrente: Município de Assis. Recorrido: Promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude de Assis.

30 Apelação cível n. 252 557 5/3-00 - Votuporanga - Apelante Valdonir da Silva - Apelado Diretor da Escola Estadual Cecília Meireles e Conselho da Escola Estadual Cecília Meireles.

31 Apel. n. 148.524-5/0. Comarca: Garça. Apte: Juízo Ex-Officio. Apelado: Marcus Vinícius Marques Ogeda - menor representado por sua mãe Ana Luiza César Marques Cavalcante.

32 AC n. 382.260.5/1-00 - Serra Negra - 2a Vara Cível - Voto n. 13.715 - Apte. Juliano Matrandrea de Barros Silveira (AJ). Apd°. Diretora da Escola Estadual Jovino Silveira.

33 Apelação cível n. 115.743.5/2-00, da Comarca de Palestina, em que é recorrente o Juízo. Ex Officio e recorrida Ana Rosa Araújo Gavião Silva.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200950

Estadual da Educação, com fundamento na Resolução n. 6, de 22/01/2003, que estabeleceu como beneficiários do curso de línguas somente aqueles alunos matriculados na rede pública de ensino. Alegação de incompatibilidade superveniente do impetrante com o programa CEL diante do fato de não mais estar matriculado na rede pública de ensino. Inadmissibilidade. Aluno carente que foi contemplado com bolsa de estudos em escola da rede particular para o ensino médio. Hipossuficiência não afastada. Ofensa aos dispositivos constitucionais que garantem o acesso integral à educação. Segurança concedida.

37Decisão Mantida.

Licença gestante:

Mandado de Segurança - Adolescente - Estudante - Licença gestante com prazo de 120 dias - Dirigente Regional de Ensino que concedeu afastamento de apenas 90 dias, fundado na Lei n. 6.202/75. - Prazo de 120 dias previsto no artigo 7º, inciso XVIII, da CF. Prevalência da norma constitucional. Ordem

38concedida. Sentença mantida.

Progressão continuada:

Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo - Comarca de Várzea Paulista objetivando que o Estado e o Município passem a adotar o sistema de avaliação dos alunos do ensino fundamental, exigindo a comprovação, em média anual, de absorção de pelo menos 50% do conteúdo ministrado, por matéria, fixando multa diária no caso do não-

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 51

34 Tribunal de Justiça de São Paulo - Apelação Cível n. 335.913.5/3-00. Comarca de Sumaré. Recorrente: Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Apelado: Ministério Público.

35 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível 427.364-5/2-00. Comarca de Pacaembu. Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo. Apelado: Ministério Público.

36 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Recurso ex officio n. 60.258-0/6-00. Fazenda Pública do Estado de São Paulo e Ministério Público.

37 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 465.757-5/4. Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo. Comarca de Araçatuba.

38 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação cível n. 161.501-0/02 – Presidente Prudente. Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo. Apelado: Ministério Público.

cumprimento da obrigação.

h. Escolas particulares: além dos temas mencionados, existem outros que se referem especificamente às escolas particulares. Na discussão que se trava com as escolas particulares, o fundamento legal extrapola o já mencionado, ou seja, a Constituição Federal, LDB, ECA, resoluções e portarias, incluindo como suporte o Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. As discussões travadas têm ligação direta com eventual cobrança por parte das escolas. São exemplos de decisões que bem demonstram essa relação:

Apelação - Cobrança - Prestação de serviços educacionais – Comprovação do réu de cancelamento de matrícula solicitada pelo aluno. Tendo a instituição de ensino demonstrado expressamente que o réu protocolou pedido de cancelamento de sua matrícula, não há como exigir-

39se o pagamento das mensalidades restantes.

Fornecimento de histórico escolar - Negativa ante a existência de débito - Inadmissibilidade -

40Segurança concedida - Recurso improvido.

Mandado de Segurança - Prestação de serviços educacionais. Recusa de fornecimento de certificado de conclusão de curso de ensino médio. Inadmissibilidade. O caput do artigo 6º da Lei n. 9.870, de 23 de novembro de 1999, proíbe a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento. Além disso, a negativa da autoridade impetrada atenta contra o artigo 205 da CF, uma vez que impede a continuidade dos

41estudos do impetrante.

Prestação de serviços - Aplicabilidade do Código

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200950

Estadual da Educação, com fundamento na Resolução n. 6, de 22/01/2003, que estabeleceu como beneficiários do curso de línguas somente aqueles alunos matriculados na rede pública de ensino. Alegação de incompatibilidade superveniente do impetrante com o programa CEL diante do fato de não mais estar matriculado na rede pública de ensino. Inadmissibilidade. Aluno carente que foi contemplado com bolsa de estudos em escola da rede particular para o ensino médio. Hipossuficiência não afastada. Ofensa aos dispositivos constitucionais que garantem o acesso integral à educação. Segurança concedida.

37Decisão Mantida.

Licença gestante:

Mandado de Segurança - Adolescente - Estudante - Licença gestante com prazo de 120 dias - Dirigente Regional de Ensino que concedeu afastamento de apenas 90 dias, fundado na Lei n. 6.202/75. - Prazo de 120 dias previsto no artigo 7º, inciso XVIII, da CF. Prevalência da norma constitucional. Ordem

38concedida. Sentença mantida.

Progressão continuada:

Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo - Comarca de Várzea Paulista objetivando que o Estado e o Município passem a adotar o sistema de avaliação dos alunos do ensino fundamental, exigindo a comprovação, em média anual, de absorção de pelo menos 50% do conteúdo ministrado, por matéria, fixando multa diária no caso do não-

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 51

34 Tribunal de Justiça de São Paulo - Apelação Cível n. 335.913.5/3-00. Comarca de Sumaré. Recorrente: Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Apelado: Ministério Público.

35 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível 427.364-5/2-00. Comarca de Pacaembu. Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo. Apelado: Ministério Público.

36 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Recurso ex officio n. 60.258-0/6-00. Fazenda Pública do Estado de São Paulo e Ministério Público.

37 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 465.757-5/4. Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo. Comarca de Araçatuba.

38 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação cível n. 161.501-0/02 – Presidente Prudente. Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo. Apelado: Ministério Público.

cumprimento da obrigação.

h. Escolas particulares: além dos temas mencionados, existem outros que se referem especificamente às escolas particulares. Na discussão que se trava com as escolas particulares, o fundamento legal extrapola o já mencionado, ou seja, a Constituição Federal, LDB, ECA, resoluções e portarias, incluindo como suporte o Código de Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. As discussões travadas têm ligação direta com eventual cobrança por parte das escolas. São exemplos de decisões que bem demonstram essa relação:

Apelação - Cobrança - Prestação de serviços educacionais – Comprovação do réu de cancelamento de matrícula solicitada pelo aluno. Tendo a instituição de ensino demonstrado expressamente que o réu protocolou pedido de cancelamento de sua matrícula, não há como exigir-

39se o pagamento das mensalidades restantes.

Fornecimento de histórico escolar - Negativa ante a existência de débito - Inadmissibilidade -

40Segurança concedida - Recurso improvido.

Mandado de Segurança - Prestação de serviços educacionais. Recusa de fornecimento de certificado de conclusão de curso de ensino médio. Inadmissibilidade. O caput do artigo 6º da Lei n. 9.870, de 23 de novembro de 1999, proíbe a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento. Além disso, a negativa da autoridade impetrada atenta contra o artigo 205 da CF, uma vez que impede a continuidade dos

41estudos do impetrante.

Prestação de serviços - Aplicabilidade do Código

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200952

de Defesa do Consumidor à prestação de serviços educacionais - Multa limitada à 2% - Desconto pontualidade que configura multa disfarçada e inadmissível “bis in idem” - Retenção de documentos escolares - Dano moral - Indenização

42reduzida - Recurso improvido.

Não pode a apelante, sem justa causa, recusar-se a fornecer os documentos necessários para a transferência do apelado, uma vez que a Lei nº 9.870/99 no seu artigo 6º “caput” e §1º, proíbe a aplicação de penalidades em razão de inadimplemento e, ainda, dispõe expressamente, que a instituição de ensino tem o dever de expedir, a qualquer tempo, os documentos mencionados.

43Recurso improvido.

Contrato de prestação de serviços educacionais - Diploma - Cobrança de taxa para expedição - Ilegalidade. Conseqüência lógica da freqüência a qualquer curso, de ensino fundamental, médio ou superior, é que, após a sua conclusão, seja emitido o correspondente certificado ou diploma, cujo custo por nova proveniente do Conselho Federal de

44Educação, presume-se incluído na mensalidade.

Cobranças ilegais ou abusivas, às vezes não se limitam a escolas particulares, atingindo também as públicas. As decisões a seguir transcritas referem-se à cobrança feita por escolas públicas.

MATÉRIA CONSTITUCIONAL - Acesso ao ensino fundamental e médio - Garantia da gratuidade - Cobrança de taxa para inscrição ao exame supletivo -

45Ilegalidade - Recurso parcialmente provido.

ACÃO CIVIL PÚBLICA - Exames supletivos - Taxa de inscrição - gratuidade de ensino público (Constituição Federal, artigo 206, IV) - A norma do

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 53

42 Apelação cível n. 930565-0/9, São Jose do Rio Preto,TJSP, Relator: Des. Eduardo Sá Pinto Sandeville.

43 Apelação cível n. 1050329-0/4, São Paulo, Relator: Des. Gomes Varjão.44 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Bebedouro. Recurso

n. 010107.45 Apelação cível n. 118.878-5 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Público -

Relator: Alves Bevilacqua – 20/06/00 - V.U.

39 Apelação cível n. 1117339-0/2, Santo André, TJSP, Relatora: Des. Lino Machado.

40 Apelação cível n. 1160767-0/2, Ituverava, TJSP, Relator: Des. João Omar Marçura.

41 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso n. 1.075.234.0/1. São Paulo.

artigo 206, IV, da Constituição Federal, de eficácia limitada, no que diz respeito a educação de jovens e adultos (“ensino supletivo”) foi integrada pela norma do artigo 37 da LDB, e assim é aplicável - As normas dos artigos 249, § 3º, e 250 da Constituição do Estado de São Paulo, estabelecem a gratuidade do ensino supletivo fundamental e médio - Recurso do Ministério

46Público provido para julgar procedente a ação.

Ato infracional

Diante da diversidade dos alunos que integram o sistema educacional, há que se distinguir um ato infracional de um ato (in)disciplinar.

Ato infracional, define o Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”.

Assim, toda infração prevista no Código Penal, na Lei de Contravenção Penal e Leis Penais esparsas (ex. Lei de tóxico, porte de arma), quando praticada por uma criança ou adolescente, corresponde a um ato infracional. O ato infracional, em obediência ao princípio da legalidade, somente se verifica quando a conduta do infrator se enquadra em algum crime ou contravenção prevista na legislação em vigor. Um dos principais problemas que a escola pública enfrenta refere-se à ocorrência de ato infracional quando se defronta com a questão da violência, sobretudo a física.

Hoje, mais do que nunca, diante das relações de conflitos existentes em nossa sociedade, a escola passou a experimentar, com mais frequência, a ocorrência de atos infracionais. Quando essa situação se verifica, o problema sai da esfera escolar para atingir o sistema de garantia de direitos, ou seja, o Conselho Tutelar (quando o ato infracional for praticado por criança) ou a

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de Defesa do Consumidor à prestação de serviços educacionais - Multa limitada à 2% - Desconto pontualidade que configura multa disfarçada e inadmissível “bis in idem” - Retenção de documentos escolares - Dano moral - Indenização

42reduzida - Recurso improvido.

Não pode a apelante, sem justa causa, recusar-se a fornecer os documentos necessários para a transferência do apelado, uma vez que a Lei nº 9.870/99 no seu artigo 6º “caput” e §1º, proíbe a aplicação de penalidades em razão de inadimplemento e, ainda, dispõe expressamente, que a instituição de ensino tem o dever de expedir, a qualquer tempo, os documentos mencionados.

43Recurso improvido.

Contrato de prestação de serviços educacionais - Diploma - Cobrança de taxa para expedição - Ilegalidade. Conseqüência lógica da freqüência a qualquer curso, de ensino fundamental, médio ou superior, é que, após a sua conclusão, seja emitido o correspondente certificado ou diploma, cujo custo por nova proveniente do Conselho Federal de

44Educação, presume-se incluído na mensalidade.

Cobranças ilegais ou abusivas, às vezes não se limitam a escolas particulares, atingindo também as públicas. As decisões a seguir transcritas referem-se à cobrança feita por escolas públicas.

MATÉRIA CONSTITUCIONAL - Acesso ao ensino fundamental e médio - Garantia da gratuidade - Cobrança de taxa para inscrição ao exame supletivo -

45Ilegalidade - Recurso parcialmente provido.

ACÃO CIVIL PÚBLICA - Exames supletivos - Taxa de inscrição - gratuidade de ensino público (Constituição Federal, artigo 206, IV) - A norma do

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42 Apelação cível n. 930565-0/9, São Jose do Rio Preto,TJSP, Relator: Des. Eduardo Sá Pinto Sandeville.

43 Apelação cível n. 1050329-0/4, São Paulo, Relator: Des. Gomes Varjão.44 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Comarca de Bebedouro. Recurso

n. 010107.45 Apelação cível n. 118.878-5 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Público -

Relator: Alves Bevilacqua – 20/06/00 - V.U.

39 Apelação cível n. 1117339-0/2, Santo André, TJSP, Relatora: Des. Lino Machado.

40 Apelação cível n. 1160767-0/2, Ituverava, TJSP, Relator: Des. João Omar Marçura.

41 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso n. 1.075.234.0/1. São Paulo.

artigo 206, IV, da Constituição Federal, de eficácia limitada, no que diz respeito a educação de jovens e adultos (“ensino supletivo”) foi integrada pela norma do artigo 37 da LDB, e assim é aplicável - As normas dos artigos 249, § 3º, e 250 da Constituição do Estado de São Paulo, estabelecem a gratuidade do ensino supletivo fundamental e médio - Recurso do Ministério

46Público provido para julgar procedente a ação.

Ato infracional

Diante da diversidade dos alunos que integram o sistema educacional, há que se distinguir um ato infracional de um ato (in)disciplinar.

Ato infracional, define o Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”.

Assim, toda infração prevista no Código Penal, na Lei de Contravenção Penal e Leis Penais esparsas (ex. Lei de tóxico, porte de arma), quando praticada por uma criança ou adolescente, corresponde a um ato infracional. O ato infracional, em obediência ao princípio da legalidade, somente se verifica quando a conduta do infrator se enquadra em algum crime ou contravenção prevista na legislação em vigor. Um dos principais problemas que a escola pública enfrenta refere-se à ocorrência de ato infracional quando se defronta com a questão da violência, sobretudo a física.

Hoje, mais do que nunca, diante das relações de conflitos existentes em nossa sociedade, a escola passou a experimentar, com mais frequência, a ocorrência de atos infracionais. Quando essa situação se verifica, o problema sai da esfera escolar para atingir o sistema de garantia de direitos, ou seja, o Conselho Tutelar (quando o ato infracional for praticado por criança) ou a

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Polícia (civil e militar), Ministério Público e Poder Judiciário 47(quando o ato for praticado por adolescente) .

Essas situações acabam por judicializar ações envolvendo a escola, mas que digam respeito à prática de crimes ou contravenções penais. Vários são os exemplos de medidas aplicadas a adolescentes infratores que praticam ato infracional relacionados ao ambiente escolar, como, por exemplo, em caso de lesão corporal ou vias de fatos (por brigas entre alunos, alunos e funcionários ou professores), desacato e injúria (ofensas dirigidas aos alunos e aos professores), crimes de dano (quando danificam a escola ou mesmo os veículos de professores), porte de entorpecente e de arma, tráfico de entorpecente, etc.

Nessas hipóteses, quando o adolescente infringe a lei, é responsabilizado, ficando sujeito a uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:I - advertência;II - obrigação de reparar o dano;III - prestação de serviços à comunidade;IV - liberdade assistida;V - inserção em regime de semi-liberdade;VI - internação em estabelecimento educacional.

Assim, o adolescente envolvido com a prática de ato infracional na escola é devidamente responsabilizado. A violência que resulta em ato infracional ultrapassa os limites da escola e acaba por judicializar essa relação.

Quando a conduta não caracterizar ato infracional, deve ser analisada de forma exclusiva pela própria escola em face do regimento escolar, como ato de indisciplina, que deve ser

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 55

46 Apelação ível n. 76.640-0/1 - São Paulo - Câmara Especial - Relator: Alvaro Lazzarini – 12 07 01 - U.V.

47 Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente que se considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade (art. 2º).

c/ /

considerado como:

Se entendermos por disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas normas; 2) o desconhecimento delas. No primeiro caso, a indisciplina traduz-se por uma forma de desobediência insolente; no segundo, pe lo caos dos compor tamentos , pe la

48desorganização das relações.

Assim, a indisciplina escolar se apresenta como o descumprimento das normas fixadas pela escola e demais legislações aplicadas (ex. Estatuto da Criança e do Adolescente - ato infracional). Ela se traduz num desrespeito, seja do colega, seja do professor, seja ainda da própria instituição escolar (depredação das instalações, por exemplo).

Evasão escolar

Antes da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, os casos de evasão escolar se restringiam à intervenção da própria escola.

A escola era competente para analisar o fato e utilizar os mecanismos necessários para fazer o aluno voltar a estudar. Hoje, a situação é diferente, pois os casos envolvendo evasão escolar e elevados níveis de repetência devem ser comunicados ao Conselho Tutelar e, na ausência de solução, ser levados ao conhecimento do Poder Judiciário. Essa regra está prevista no artigo 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Implica essa intervenção judicial na busca da efetividade do direito à educação.

São várias e as mais diversas as causas da evasão escolar ou infrequência do aluno. No entanto, levando-se em consideração os fatores determinantes da ocorrência do fenômeno, pode-se classificá-las, agrupando-as, da seguinte maneira:

?Escola: não atrativa, autoritária, professores despreparados, em número insuficiente, ausência de motivação, etc.;

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Polícia (civil e militar), Ministério Público e Poder Judiciário 47(quando o ato for praticado por adolescente) .

Essas situações acabam por judicializar ações envolvendo a escola, mas que digam respeito à prática de crimes ou contravenções penais. Vários são os exemplos de medidas aplicadas a adolescentes infratores que praticam ato infracional relacionados ao ambiente escolar, como, por exemplo, em caso de lesão corporal ou vias de fatos (por brigas entre alunos, alunos e funcionários ou professores), desacato e injúria (ofensas dirigidas aos alunos e aos professores), crimes de dano (quando danificam a escola ou mesmo os veículos de professores), porte de entorpecente e de arma, tráfico de entorpecente, etc.

Nessas hipóteses, quando o adolescente infringe a lei, é responsabilizado, ficando sujeito a uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:I - advertência;II - obrigação de reparar o dano;III - prestação de serviços à comunidade;IV - liberdade assistida;V - inserção em regime de semi-liberdade;VI - internação em estabelecimento educacional.

Assim, o adolescente envolvido com a prática de ato infracional na escola é devidamente responsabilizado. A violência que resulta em ato infracional ultrapassa os limites da escola e acaba por judicializar essa relação.

Quando a conduta não caracterizar ato infracional, deve ser analisada de forma exclusiva pela própria escola em face do regimento escolar, como ato de indisciplina, que deve ser

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46 Apelação ível n. 76.640-0/1 - São Paulo - Câmara Especial - Relator: Alvaro Lazzarini – 12 07 01 - U.V.

47 Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente que se considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade (art. 2º).

c/ /

considerado como:

Se entendermos por disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas normas; 2) o desconhecimento delas. No primeiro caso, a indisciplina traduz-se por uma forma de desobediência insolente; no segundo, pe lo caos dos compor tamentos , pe la

48desorganização das relações.

Assim, a indisciplina escolar se apresenta como o descumprimento das normas fixadas pela escola e demais legislações aplicadas (ex. Estatuto da Criança e do Adolescente - ato infracional). Ela se traduz num desrespeito, seja do colega, seja do professor, seja ainda da própria instituição escolar (depredação das instalações, por exemplo).

Evasão escolar

Antes da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, os casos de evasão escolar se restringiam à intervenção da própria escola.

A escola era competente para analisar o fato e utilizar os mecanismos necessários para fazer o aluno voltar a estudar. Hoje, a situação é diferente, pois os casos envolvendo evasão escolar e elevados níveis de repetência devem ser comunicados ao Conselho Tutelar e, na ausência de solução, ser levados ao conhecimento do Poder Judiciário. Essa regra está prevista no artigo 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Implica essa intervenção judicial na busca da efetividade do direito à educação.

São várias e as mais diversas as causas da evasão escolar ou infrequência do aluno. No entanto, levando-se em consideração os fatores determinantes da ocorrência do fenômeno, pode-se classificá-las, agrupando-as, da seguinte maneira:

?Escola: não atrativa, autoritária, professores despreparados, em número insuficiente, ausência de motivação, etc.;

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200956

48 LA TAILLE, Y. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, J. G. (Org.). Indisciplina da escola: alternativas teóricas e práticas. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1996. p. 10.

?Aluno: desinteressado, indisciplinado, com problema de saúde, gravidez, etc.;

?Pais/responsáveis: não cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar, desinteresse em relação ao destino dos filhos, etc.;

?Social: trabalho com incompatibilidade de horário para os estudos, agressão entre os alunos, violência em relação a gangues, etc.

Essas causas são concorrentes e não exclusivas, ou seja, a evasão escolar se verifica em razão da somatória de vários fatores e não necessariamente de um especificamente. Detectar o problema e enfrentá-lo é a melhor maneira para proporcionar o retorno efetivo do aluno à escola.

Verifica-se, em relação às causas que existem, algumas de competência exclusiva do sistema de justiça, como, por exemplo, as relacionadas à violência, descumprimento dos deveres referentes ao poder familiar, entre outras. Nesse caso, a intervenção judicial se faz necessária para garantir o aluno na escola, resultando dessa relação a judicialização de outro tema referente à educação.

Qualidade da educação

A Constituição Federal (art. 205), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 53) e a LDB (art. 2º) traçaram os seguintes objetivos para a educação:

?desenvolvimento pleno da criança e do adolescente;

?preparo para o exercício da cidadania;

?qualificação para o trabalho.

O objetivo é dar uma diretriz única para os fins da educação e traz implicitamente à tona a questão da qualidade do ensino, posto que somente uma educação de qualidade pode favorecer esse

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 57

desenvolvimento, bem como seu preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho. Um aluno que deixa o ensino fundamental sem o conhecimento básico das disciplinas ministradas, sem saber ler e escrever adequadamente, não se desenvolveu plenamente e pode ter comprometido a sua qualificação para o trabalho.

Quando isso ocorre, ou seja, na hipótese da educação ministrada não atingir ou não contemplar esses objetivos, questiona-se: pode ser discutida, no âmbito do poder judiciário, a qualidade da educação? Como discutir este tema?

A Constituição Federal apresenta, de forma mais direta, a questão da qualidade da educação e os responsáveis pela mesma, quando estabelece:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:[...]VII - garantia de padrão de qualidade.[...]Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil;

§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio;

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório;§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.

Dessa forma, antes mesmo de discutir o que é qualidade da educação e se é possível o questionamento legal da mesma, a

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200956

48 LA TAILLE, Y. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: AQUINO, J. G. (Org.). Indisciplina da escola: alternativas teóricas e práticas. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1996. p. 10.

?Aluno: desinteressado, indisciplinado, com problema de saúde, gravidez, etc.;

?Pais/responsáveis: não cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar, desinteresse em relação ao destino dos filhos, etc.;

?Social: trabalho com incompatibilidade de horário para os estudos, agressão entre os alunos, violência em relação a gangues, etc.

Essas causas são concorrentes e não exclusivas, ou seja, a evasão escolar se verifica em razão da somatória de vários fatores e não necessariamente de um especificamente. Detectar o problema e enfrentá-lo é a melhor maneira para proporcionar o retorno efetivo do aluno à escola.

Verifica-se, em relação às causas que existem, algumas de competência exclusiva do sistema de justiça, como, por exemplo, as relacionadas à violência, descumprimento dos deveres referentes ao poder familiar, entre outras. Nesse caso, a intervenção judicial se faz necessária para garantir o aluno na escola, resultando dessa relação a judicialização de outro tema referente à educação.

Qualidade da educação

A Constituição Federal (art. 205), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 53) e a LDB (art. 2º) traçaram os seguintes objetivos para a educação:

?desenvolvimento pleno da criança e do adolescente;

?preparo para o exercício da cidadania;

?qualificação para o trabalho.

O objetivo é dar uma diretriz única para os fins da educação e traz implicitamente à tona a questão da qualidade do ensino, posto que somente uma educação de qualidade pode favorecer esse

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desenvolvimento, bem como seu preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho. Um aluno que deixa o ensino fundamental sem o conhecimento básico das disciplinas ministradas, sem saber ler e escrever adequadamente, não se desenvolveu plenamente e pode ter comprometido a sua qualificação para o trabalho.

Quando isso ocorre, ou seja, na hipótese da educação ministrada não atingir ou não contemplar esses objetivos, questiona-se: pode ser discutida, no âmbito do poder judiciário, a qualidade da educação? Como discutir este tema?

A Constituição Federal apresenta, de forma mais direta, a questão da qualidade da educação e os responsáveis pela mesma, quando estabelece:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:[...]VII - garantia de padrão de qualidade.[...]Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil;

§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio;

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório;§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.

Dessa forma, antes mesmo de discutir o que é qualidade da educação e se é possível o questionamento legal da mesma, a

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200958

Constituição Federal deixou clara quem são os responsáveis por 49essa qualidade. Nesse sentido, esclarece Cabral , quanto a

organização do sistema de ensino:

Portanto, conforme a CF/88 e a organização do sistema de ensino brasileiro, acima descrito, compete aos Municípios e ao Estado promover o ensino fundamental de qualidade, o Município é responsável pelas séries iniciais do ensino fundamental (primeira à quinta série) e o Estado pelas demais séries (sexta a nona série), sendo que a União deve exercer a função redistributiva e supletiva, de forma a garantir padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou seja, a União em caso de oferta irregular por falta de qualidade no ensino fundamental, responde judicialmente de forma concorrente, solidária, com o Estado ou Município – dependendo da série em que se promova a deficiência na qualidade educacional – sendo ambos responsáveis pela promoção de uma educação de qualidade no ensino fundamental.

Essa questão é de extrema importância, posto que não somente em relação à qualidade da educação, mas todo e qualquer questionamento jurídico da educação no Poder Judiciário deve levar em consideração o ente responsável pelo ensino que se pretende questionar. Em outras palavras, quem é a parte legítima passiva para responder a ação judicial que se vai ingressar. Isso

50porque, adverte Cabral , “a falta de conhecimento sobre quem é quem no âmbito da execução de nossos direitos, das políticas públicas e, mais especificamente, do direito à educação, muitas vezes inviabiliza o próprio exercício do direito”.

Ciente de quem são os responsáveis pela educação, a segunda etapa consiste em saber o que é qualidade e como esse debate se realiza no Judiciário. É inegável que todos os temas já abordados, como, por exemplo, transporte escolar, merenda, falta de professores, extinção de salas de aulas, etc., indiretamente tem uma ligação com a questão da qualidade. Na verdade, todos os temas

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 59

50 CABRAL, op. cit., p. 105.51 OLIVEIRA, R. P. de; ARAÚJO, G. C. de. Qualidade do ensino: uma nova

dimensão da luta pelo direito à educação. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 28, p. 6-8. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext& pid=S1413-24782005000100002&lng=pt&nrm =iso>. Acesso em: nov. 2008.

referidos resumem-se na busca da qualidade da educação. Mas essa questão vai além e é muito complexa, como bem esclarecem

51Romualdo Portela de Oliveira e Gilda Cardoso de Araújo :

É muito difícil, mesmo entre os especialistas chegar-se a uma noção do que seja qualidade de ensino [...] provavelmente, essa questão terá múlt iplas respostas, seguindo valores, experiências e posição social dos sujeitos. Uma das formas para se apreender essas noções de qualidade é buscar indicadores utilizados socialmente para aferi-la. Nessa perspectiva, a tensão entre qualidade e quantidade (acesso) tem sido o condicionador último da qualidade possível, ou, de outra forma, a quantidade (de escola) determina a qualidade (de educação) que se queira.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96) estabelece:

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:[...]IX - garantia de padrão de qualidade;[...]Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: [...]IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. (grifos nossos)

Constata-se que se trata de afirmação vaga e sem a consistência necessária para colocar, no âmbito do Poder Judiciário,

52a discussão referente à qualidade da educação. Como afirma Cury , “esse padrão de qualidade deverá ter algum parâmetro de referência até para se ter uma certa verificabilidade de resultado no âmbito do

49 CABRAL, K. M. A Justicialidade do Direito à qualidade do ensino fundamental no Brasil. 2008. 195p. Dissertação [Mestrado em Educação] - Faculdade de Educação, Universidade do Estado de São Paulo – UNESP, 2008. p. 105.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200958

Constituição Federal deixou clara quem são os responsáveis por 49essa qualidade. Nesse sentido, esclarece Cabral , quanto a

organização do sistema de ensino:

Portanto, conforme a CF/88 e a organização do sistema de ensino brasileiro, acima descrito, compete aos Municípios e ao Estado promover o ensino fundamental de qualidade, o Município é responsável pelas séries iniciais do ensino fundamental (primeira à quinta série) e o Estado pelas demais séries (sexta a nona série), sendo que a União deve exercer a função redistributiva e supletiva, de forma a garantir padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou seja, a União em caso de oferta irregular por falta de qualidade no ensino fundamental, responde judicialmente de forma concorrente, solidária, com o Estado ou Município – dependendo da série em que se promova a deficiência na qualidade educacional – sendo ambos responsáveis pela promoção de uma educação de qualidade no ensino fundamental.

Essa questão é de extrema importância, posto que não somente em relação à qualidade da educação, mas todo e qualquer questionamento jurídico da educação no Poder Judiciário deve levar em consideração o ente responsável pelo ensino que se pretende questionar. Em outras palavras, quem é a parte legítima passiva para responder a ação judicial que se vai ingressar. Isso

50porque, adverte Cabral , “a falta de conhecimento sobre quem é quem no âmbito da execução de nossos direitos, das políticas públicas e, mais especificamente, do direito à educação, muitas vezes inviabiliza o próprio exercício do direito”.

Ciente de quem são os responsáveis pela educação, a segunda etapa consiste em saber o que é qualidade e como esse debate se realiza no Judiciário. É inegável que todos os temas já abordados, como, por exemplo, transporte escolar, merenda, falta de professores, extinção de salas de aulas, etc., indiretamente tem uma ligação com a questão da qualidade. Na verdade, todos os temas

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 59

50 CABRAL, op. cit., p. 105.51 OLIVEIRA, R. P. de; ARAÚJO, G. C. de. Qualidade do ensino: uma nova

dimensão da luta pelo direito à educação. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 28, p. 6-8. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext& pid=S1413-24782005000100002&lng=pt&nrm =iso>. Acesso em: nov. 2008.

referidos resumem-se na busca da qualidade da educação. Mas essa questão vai além e é muito complexa, como bem esclarecem

51Romualdo Portela de Oliveira e Gilda Cardoso de Araújo :

É muito difícil, mesmo entre os especialistas chegar-se a uma noção do que seja qualidade de ensino [...] provavelmente, essa questão terá múlt iplas respostas, seguindo valores, experiências e posição social dos sujeitos. Uma das formas para se apreender essas noções de qualidade é buscar indicadores utilizados socialmente para aferi-la. Nessa perspectiva, a tensão entre qualidade e quantidade (acesso) tem sido o condicionador último da qualidade possível, ou, de outra forma, a quantidade (de escola) determina a qualidade (de educação) que se queira.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96) estabelece:

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:[...]IX - garantia de padrão de qualidade;[...]Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: [...]IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. (grifos nossos)

Constata-se que se trata de afirmação vaga e sem a consistência necessária para colocar, no âmbito do Poder Judiciário,

52a discussão referente à qualidade da educação. Como afirma Cury , “esse padrão de qualidade deverá ter algum parâmetro de referência até para se ter uma certa verificabilidade de resultado no âmbito do

49 CABRAL, K. M. A Justicialidade do Direito à qualidade do ensino fundamental no Brasil. 2008. 195p. Dissertação [Mestrado em Educação] - Faculdade de Educação, Universidade do Estado de São Paulo – UNESP, 2008. p. 105.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200960

que é a finalidade das instituições escolares”.Existem vários estudos referentes à qualidade da educação,

levando-se em consideração a questão do custo-aluno qualidade ou a qualidade aferida mediante testes padronizados em larga

53escala . Na verdade, existem diversos indicadores para se aferir a 54qualidade da educação. Como afirma Cury : a “qualidade é, assim,

um modo de ser que afeta a educação como um todo envolvendo sua estrutura, seu desenvolvimento, seu contexto e o nosso modo de conhecê-la”.

Para a Justiça, o ideal seria o estabelecimento de mecanismos objetivos para avaliação da qualidade do ensino, de modo a unificar a atuação do Judiciário, como, por exemplo,

55utilizando-se dos parâmetros mínimos estabelecidos por Pinto , fixar a análise por aluno, de modo que qualquer Juiz do País possa avaliar diretamente a situação de seu município, levando-se em consideração:

?Tamanho: considera-se que as escolas não devem nem ser muito grandes (o que dificulta as práticas de socialização e aumenta a indisciplina), mas, ao mesmo tempo, devem ter um número de alunos que permita à maioria dos professores lecionar em apenas uma escola; ?Instalações: assegurando-se salas ambientes

(bibliotecas, laboratórios, etc.), espaços de alimentação, lazer e de prática desportiva, com dotação orçamentária para uma manutenção adequada;?Recursos didáticos em qualidade e quantidade,

aqui incluídas as tecnologias de comunicação e informação, garantidos os recursos para a manutenção dos equipamentos;?Razão alunos/turma que garanta uma relação

mais próxima entre os professores e seus alunos;?Remuneração do pessoal: assegurar um piso

salarial nacionalmente unificado, associado ao grau de formação dos trabalhadores da educação

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 61

53 Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB); Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM); Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC) e a Avaliação da Educação Básica (ANEB). Em nível internacional, tem-se o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA).

54 CURY, op. cit.55 PINTO, J. M. de R. Da vinculação constitucional de recursos para a

educação, passando pelos fundos, ao custo-aluno qualidade. [São Paulo]: [s.n.], 2006. [não paginado]

e um plano de ascensão na carreira que estimule a permanência na profissão;?Formação: dotação anual de recursos

financeiros para a formação continuada de todos os profissionais da escola;?Jornada de trabalho: definição de jornada

semanal de 40 horas, com 20% da mesma, no caso do professores destinados a atividades de planejamento, avaliação e reuniões com os pais, cumpridas nas escolas. No caso das creches (0 a 3 anos), optou-se pela jornada padrão de 30 horas semanais para os professores, também com 20% para atividades complementares;?Jornada do aluno: fixação de uma jornada

mínima de 10 horas/dia, no caso das creches (cuja média nacional já é superior a 8 horas/dia) e de 5 horas/dia, nas demais etapas (cuja média nacional é um pouco acima de 4 horas/dia);?Projetos especiais da escola: garantia de um

repasse mínimo de recursos para que as escolas possam desenvolver atividades próprias previstas em seu projeto pedagógico;?Gestão democrática: entende-se que a gestão

democrática envolve uma série de aspectos que não possuem, necessariamente, um impacto monetário no custo aluno, mas é evidente que quando se propicia a jornada exclusiva do professor em uma escola, o tempo remunerado para atividades extra-classe, a proximidade da escola das residências dos alunos, um menor número de alunos/turma e de alunos/escola, todas estas medidas, facilitam muito (embora não assegurem) a construção de relações mais democrática em sala de aula e na escola.

52 CURY, C. R. J. Qualidade em Educação. Belo Horizonte: [s.n.], 2007. [não paginado]

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200960

que é a finalidade das instituições escolares”.Existem vários estudos referentes à qualidade da educação,

levando-se em consideração a questão do custo-aluno qualidade ou a qualidade aferida mediante testes padronizados em larga

53escala . Na verdade, existem diversos indicadores para se aferir a 54qualidade da educação. Como afirma Cury : a “qualidade é, assim,

um modo de ser que afeta a educação como um todo envolvendo sua estrutura, seu desenvolvimento, seu contexto e o nosso modo de conhecê-la”.

Para a Justiça, o ideal seria o estabelecimento de mecanismos objetivos para avaliação da qualidade do ensino, de modo a unificar a atuação do Judiciário, como, por exemplo,

55utilizando-se dos parâmetros mínimos estabelecidos por Pinto , fixar a análise por aluno, de modo que qualquer Juiz do País possa avaliar diretamente a situação de seu município, levando-se em consideração:

?Tamanho: considera-se que as escolas não devem nem ser muito grandes (o que dificulta as práticas de socialização e aumenta a indisciplina), mas, ao mesmo tempo, devem ter um número de alunos que permita à maioria dos professores lecionar em apenas uma escola; ?Instalações: assegurando-se salas ambientes

(bibliotecas, laboratórios, etc.), espaços de alimentação, lazer e de prática desportiva, com dotação orçamentária para uma manutenção adequada;?Recursos didáticos em qualidade e quantidade,

aqui incluídas as tecnologias de comunicação e informação, garantidos os recursos para a manutenção dos equipamentos;?Razão alunos/turma que garanta uma relação

mais próxima entre os professores e seus alunos;?Remuneração do pessoal: assegurar um piso

salarial nacionalmente unificado, associado ao grau de formação dos trabalhadores da educação

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 61

53 Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB); Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM); Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC) e a Avaliação da Educação Básica (ANEB). Em nível internacional, tem-se o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA).

54 CURY, op. cit.55 PINTO, J. M. de R. Da vinculação constitucional de recursos para a

educação, passando pelos fundos, ao custo-aluno qualidade. [São Paulo]: [s.n.], 2006. [não paginado]

e um plano de ascensão na carreira que estimule a permanência na profissão;?Formação: dotação anual de recursos

financeiros para a formação continuada de todos os profissionais da escola;?Jornada de trabalho: definição de jornada

semanal de 40 horas, com 20% da mesma, no caso do professores destinados a atividades de planejamento, avaliação e reuniões com os pais, cumpridas nas escolas. No caso das creches (0 a 3 anos), optou-se pela jornada padrão de 30 horas semanais para os professores, também com 20% para atividades complementares;?Jornada do aluno: fixação de uma jornada

mínima de 10 horas/dia, no caso das creches (cuja média nacional já é superior a 8 horas/dia) e de 5 horas/dia, nas demais etapas (cuja média nacional é um pouco acima de 4 horas/dia);?Projetos especiais da escola: garantia de um

repasse mínimo de recursos para que as escolas possam desenvolver atividades próprias previstas em seu projeto pedagógico;?Gestão democrática: entende-se que a gestão

democrática envolve uma série de aspectos que não possuem, necessariamente, um impacto monetário no custo aluno, mas é evidente que quando se propicia a jornada exclusiva do professor em uma escola, o tempo remunerado para atividades extra-classe, a proximidade da escola das residências dos alunos, um menor número de alunos/turma e de alunos/escola, todas estas medidas, facilitam muito (embora não assegurem) a construção de relações mais democrática em sala de aula e na escola.

52 CURY, C. R. J. Qualidade em Educação. Belo Horizonte: [s.n.], 2007. [não paginado]

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200962

Além desses indicadores, verificar o resultado dos índices dos testes padronizados aplicados aos alunos.

Constata-se, do exposto, que a questão da qualidade da 56educação é complexa e talvez, por conta disso, afirma Cabral ,

não há nenhuma decisão emitida pelos Tribunais Superiores brasileiros – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça – sobre ações pleiteando a qualidade do ensino ou a responsabilização do Poder Executivo pela falta de qualidade, em nenhum nível de ensino.

Assim, não obstante o reconhecimento legal pela Constituição Federal e demais legislações da necessidade de uma educação de qualidade, no âmbito do Poder Judiciário essa questão ainda não foi debatida como deveria.

Na verdade, o que se discute no Poder Judiciário é a não 57qualidade. Isso porque, como diz Oliveira , “[...] na falta de uma

noção precisa de qualidade, é certo que tenhamos acordo, no momento, no que diz respeito à constatação de sua ausência”.

58E a não qualidade, assevera Cury é a

falta de escolas, é a falta de vagas nas escolas, são as barreiras excludentes da desigualdade social inclusive legais como era o caso dos exames de admissão, a discriminação que desigualava o ensino profissional, os limites do ensino não-gratuito e a descontinuidade administrativa. A não qualidade se expressou e ainda está presente nas repetências sucessivas redundando nas reprovações seguidas do desencanto, da evasão e abandono. Como diz Oliveira (2006): passávamos da exclusão da escola para a exclusão na escola.

Em síntese, o debate sobre a qualidade da educação no âmbito judicial ainda está centrado em situações pontuais como a falta de vagas, a falta de professores, de transporte, de merenda, etc. Não se constata uma análise mais ampla no sentido de se

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 63

56 CABRAL, op. cit., p. 150.

57 OLIVEIRA, R. P. de. A educação na Assembléia Constituinte de 1946. In: FÁVERO, O. (Org.). A educação nas constituintes brasileiras – 1823-1988. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001. p. 55.

58 CURY, op. cit.

discutir uma ação afirmativa que pontue todas essas questões sob o signo da qualidade.

Consequências da judicialização da educação

É inegável que, em razão dessa relação estabelecida entre a justiça e a educação, várias são as consequências para os atores envolvidos. Merecem destaque as seguintes hipóteses:

Sistema de educação

a) Transferência de responsabilidade: Grande parte das questões escolares, que devem ser solucionadas na própria escola, são transferidas para a esfera judicial. Os responsáveis pela educação não assumem o compromisso que é próprio da educação em esgotar os recursos internos baseados no diálogo. Exemplo típico dessa situação refere-se à questão da violência. Hoje, muitos casos encaminhados à justiça revestem-se mais de características de ato de indisciplina do que ato infracional. A escola, muitas vezes, sequer esgota os mecanismos previstos no próprio regimento escolar, preferindo provocar a atuação do Judiciário, Ministério Público, Autoridade Policial e Conselho Tutelar. Sendo ato de indisciplina, a competência para analisá-lo continua sendo da própria escola e não do sistema de garantia de direitos;

b) Desconhecimento da legislação relacionada à criança e ao adolescente: Outra questão da judicialização da educação diz respeito a esse desconhecimento legal. Várias são as situações em que a escola provoca a instituição errada para o encaminhamento das ocorrências. Provoca-se o Poder Judiciário ou o Ministério Público quando, na verdade, o caso deveria ser encaminhado ao Conselho Tutelar. Desconhecem-

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200962

Além desses indicadores, verificar o resultado dos índices dos testes padronizados aplicados aos alunos.

Constata-se, do exposto, que a questão da qualidade da 56educação é complexa e talvez, por conta disso, afirma Cabral ,

não há nenhuma decisão emitida pelos Tribunais Superiores brasileiros – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça – sobre ações pleiteando a qualidade do ensino ou a responsabilização do Poder Executivo pela falta de qualidade, em nenhum nível de ensino.

Assim, não obstante o reconhecimento legal pela Constituição Federal e demais legislações da necessidade de uma educação de qualidade, no âmbito do Poder Judiciário essa questão ainda não foi debatida como deveria.

Na verdade, o que se discute no Poder Judiciário é a não 57qualidade. Isso porque, como diz Oliveira , “[...] na falta de uma

noção precisa de qualidade, é certo que tenhamos acordo, no momento, no que diz respeito à constatação de sua ausência”.

58E a não qualidade, assevera Cury é a

falta de escolas, é a falta de vagas nas escolas, são as barreiras excludentes da desigualdade social inclusive legais como era o caso dos exames de admissão, a discriminação que desigualava o ensino profissional, os limites do ensino não-gratuito e a descontinuidade administrativa. A não qualidade se expressou e ainda está presente nas repetências sucessivas redundando nas reprovações seguidas do desencanto, da evasão e abandono. Como diz Oliveira (2006): passávamos da exclusão da escola para a exclusão na escola.

Em síntese, o debate sobre a qualidade da educação no âmbito judicial ainda está centrado em situações pontuais como a falta de vagas, a falta de professores, de transporte, de merenda, etc. Não se constata uma análise mais ampla no sentido de se

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56 CABRAL, op. cit., p. 150.

57 OLIVEIRA, R. P. de. A educação na Assembléia Constituinte de 1946. In: FÁVERO, O. (Org.). A educação nas constituintes brasileiras – 1823-1988. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001. p. 55.

58 CURY, op. cit.

discutir uma ação afirmativa que pontue todas essas questões sob o signo da qualidade.

Consequências da judicialização da educação

É inegável que, em razão dessa relação estabelecida entre a justiça e a educação, várias são as consequências para os atores envolvidos. Merecem destaque as seguintes hipóteses:

Sistema de educação

a) Transferência de responsabilidade: Grande parte das questões escolares, que devem ser solucionadas na própria escola, são transferidas para a esfera judicial. Os responsáveis pela educação não assumem o compromisso que é próprio da educação em esgotar os recursos internos baseados no diálogo. Exemplo típico dessa situação refere-se à questão da violência. Hoje, muitos casos encaminhados à justiça revestem-se mais de características de ato de indisciplina do que ato infracional. A escola, muitas vezes, sequer esgota os mecanismos previstos no próprio regimento escolar, preferindo provocar a atuação do Judiciário, Ministério Público, Autoridade Policial e Conselho Tutelar. Sendo ato de indisciplina, a competência para analisá-lo continua sendo da própria escola e não do sistema de garantia de direitos;

b) Desconhecimento da legislação relacionada à criança e ao adolescente: Outra questão da judicialização da educação diz respeito a esse desconhecimento legal. Várias são as situações em que a escola provoca a instituição errada para o encaminhamento das ocorrências. Provoca-se o Poder Judiciário ou o Ministério Público quando, na verdade, o caso deveria ser encaminhado ao Conselho Tutelar. Desconhecem-

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200964

se as atribuições do sistema de garantia de direitos. Há também situações em que esse desconhecimento legal acaba por levar ao Judiciário ou ao Conselho Tutelar situações que não poderiam ser encaminhadas antes do esgotamento das medidas administrativas. No mesmo sentido, ocorre essa hipótese quando da instauração de procedimento em face do aluno e não são obedecidos os princípios constitucionais básicos da ampla defesa e do contraditório.

Vale lembrar que não está se pretendendo que todo e qualquer profissional da educação tenha o conhecimento do direito. No entanto, toda legislação que lhe diga respeito diretamente não pode ser ignorada. Exemplo dessa situação ocorre com o capítulo do direito à educação previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que não pode ser desconhecido do educador.

59Como afirma Batista , “os graves problemas da escola brasileira não podem ser solucionados sem a ação dos profissionais que nela trabalham”. Mas, nesse caso, tais profissionais devem ter ciência da legislação relacionada à sua atuação.

c) Trabalho em parceria: Não há como negar que a tarefa educativa é de competência do professor. Contudo, vários problemas que ocorrem na escola, antes mesmo de se transformarem em questões judiciais, podem ser resolvidos com um trabalho conjunto do sistema educativo (diretores, coordenadores, supervisores e professores) com o sistema de proteção dos direitos da criança e do adolescente (Conselho Tutelar, Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Militar e Civil). Nesse

60sentido, vale destacar Batista quando este afirma que

o pedagogo precisa estar preparado para ações integradas com os demais profissionais e com o espaço educativo como um todo, assim como para o entendimento da realidade e a produção de saberes pedagógicos com vistas à construção de p rá t i cas educa t ivas que ve icu lem os conhecimentos e valores necessários à sociedade contemporânea.

Até porque “os problemas escolares deixaram de ser

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 65

59 BATISTA, J. B. Formação de educadores: desafios e possibilidades. Revista Ciências e Letras, Porto Alegre, n. 26, p. 231-241, jul./dez.1999. p. 233.

60 BATISTA, op. cit., p. 237.61 ALMEIDA, M. I. O sindicato como instância formadora de professores: novas

contribuições ao desenvolvimento profissional. Tese (doutorado em educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 1999. p. 12.

eminentemente educacionais, os problemas sociais converteram-se em problemas escolares e os professores não estão preparados

61pra enfrentar essa nova realidade” . O enfrentamento desses problemas deve ocorrer de forma conjunta. Todos em prol de uma educação de qualidade.

Sistema de proteção

a) Desconhecimento do sistema educacional: Nessa situação, ocorre o inverso do que foi mencionado no item anterior, ou seja, o despreparo dos integrantes do sistema de proteção – Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia, Policial Militar, Conselheiro Tutelar e Conselheiro Municipal – desconhecem o sistema de ensino e há um despreparo para lidar com os problemas da educação. Para muitos integrantes desse sistema, o problema educacional ainda está restrito ao professor. Se a escola é ruim ou não atrativa, se ela não apresenta educação de qualidade, se os alunos são indisciplinados: a culpa é do professor transformado em culpado de todos os fracassos escolares.

62Nesse sentido, aponta Almeida :

Os professores foram transformados em verdadeiros bodes expiatórios frente aos imensos problemas presentes nos sistemas de ensino, favorecendo o enfraquecimento de sua profissionalização e do seu reconhecimento social. Responsabilizá-lo pelos insucessos da escola atende a vários interesses, dentre eles aos dos governantes, que podem se eximir das responsabilidades quanto ao que acontece; aos dos pais, que não tem que enfrentar os problemas escolares com seus filhos; aos dos pesquisadores, que não precisam rever a direção de suas

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se as atribuições do sistema de garantia de direitos. Há também situações em que esse desconhecimento legal acaba por levar ao Judiciário ou ao Conselho Tutelar situações que não poderiam ser encaminhadas antes do esgotamento das medidas administrativas. No mesmo sentido, ocorre essa hipótese quando da instauração de procedimento em face do aluno e não são obedecidos os princípios constitucionais básicos da ampla defesa e do contraditório.

Vale lembrar que não está se pretendendo que todo e qualquer profissional da educação tenha o conhecimento do direito. No entanto, toda legislação que lhe diga respeito diretamente não pode ser ignorada. Exemplo dessa situação ocorre com o capítulo do direito à educação previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que não pode ser desconhecido do educador.

59Como afirma Batista , “os graves problemas da escola brasileira não podem ser solucionados sem a ação dos profissionais que nela trabalham”. Mas, nesse caso, tais profissionais devem ter ciência da legislação relacionada à sua atuação.

c) Trabalho em parceria: Não há como negar que a tarefa educativa é de competência do professor. Contudo, vários problemas que ocorrem na escola, antes mesmo de se transformarem em questões judiciais, podem ser resolvidos com um trabalho conjunto do sistema educativo (diretores, coordenadores, supervisores e professores) com o sistema de proteção dos direitos da criança e do adolescente (Conselho Tutelar, Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Militar e Civil). Nesse

60sentido, vale destacar Batista quando este afirma que

o pedagogo precisa estar preparado para ações integradas com os demais profissionais e com o espaço educativo como um todo, assim como para o entendimento da realidade e a produção de saberes pedagógicos com vistas à construção de p rá t i cas educa t ivas que ve icu lem os conhecimentos e valores necessários à sociedade contemporânea.

Até porque “os problemas escolares deixaram de ser

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59 BATISTA, J. B. Formação de educadores: desafios e possibilidades. Revista Ciências e Letras, Porto Alegre, n. 26, p. 231-241, jul./dez.1999. p. 233.

60 BATISTA, op. cit., p. 237.61 ALMEIDA, M. I. O sindicato como instância formadora de professores: novas

contribuições ao desenvolvimento profissional. Tese (doutorado em educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 1999. p. 12.

eminentemente educacionais, os problemas sociais converteram-se em problemas escolares e os professores não estão preparados

61pra enfrentar essa nova realidade” . O enfrentamento desses problemas deve ocorrer de forma conjunta. Todos em prol de uma educação de qualidade.

Sistema de proteção

a) Desconhecimento do sistema educacional: Nessa situação, ocorre o inverso do que foi mencionado no item anterior, ou seja, o despreparo dos integrantes do sistema de proteção – Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia, Policial Militar, Conselheiro Tutelar e Conselheiro Municipal – desconhecem o sistema de ensino e há um despreparo para lidar com os problemas da educação. Para muitos integrantes desse sistema, o problema educacional ainda está restrito ao professor. Se a escola é ruim ou não atrativa, se ela não apresenta educação de qualidade, se os alunos são indisciplinados: a culpa é do professor transformado em culpado de todos os fracassos escolares.

62Nesse sentido, aponta Almeida :

Os professores foram transformados em verdadeiros bodes expiatórios frente aos imensos problemas presentes nos sistemas de ensino, favorecendo o enfraquecimento de sua profissionalização e do seu reconhecimento social. Responsabilizá-lo pelos insucessos da escola atende a vários interesses, dentre eles aos dos governantes, que podem se eximir das responsabilidades quanto ao que acontece; aos dos pais, que não tem que enfrentar os problemas escolares com seus filhos; aos dos pesquisadores, que não precisam rever a direção de suas

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62 ALMEIDA, op. cit., p. 11.63 ESTEVES, op. cit., p. 104.

pesquisas, em boa parte sem sintonia com a realidade escolar.

63Mesmo posicionamento aponta Esteves :

Grande parte da sociedade, alguns meios de comunicação e também alguns governantes chegaram à conclusão simplista e linear de que os professores, como responsáveis diretos do sistema de ensino, são também os responsáveis diretos de todas as lacunas, fracassos, imperfeições e males que nele existem.

Acabam por culpar o professor e consequentemente a escola 64pelo fracasso do aluno. Conforme esclarece Schön :

“atribuímos à culpa às escolas e aos professores, o que equivale a culpar as vítimas”. Sim, porque outros fatores se somam para apontar a situação atual da escola, como financiamento, retribuição salarial, jornada, carreira e condições de trabalho, entre outras. A aplicação da lei na esfera educacional requer do profissional do direito o conhecimento real da situação educacional, sob pena de cometer erros e equívocos.

b) Exagero na forma de agir: existe ainda a situação em que, na ânsia de provocar a defesa do direito à educação, os integrantes do sistema de proteção extrapolam na judicialização dos atos, instaurando protocolados, inquéritos civis, procedimentos judiciais de situações que não deveriam merecer a atenção do sistema de justiça. Nessa hipótese, há uma indevida invasão do sistema legal no educacional.

c) Burocratização das ações: em um mundo informatizado e dinâmico, as instituições jurídicas ainda convivem, em sua grande maioria, com um sistema retrógrado e burocratizante. As relações entre esse sistema e o educacional ficam muitas vezes emperradas. Exemplo típico dessa intervenção burocrática diz respeito ao combate à evasão escolar. Quando ocorre a efetiva intervenção, esta muitas vezes é tardia, posto que a criança e o adolescente não mais têm condições de voltar

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 67

64 SCHÖN, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1997. p. 79.

ao sistema de ensino.

Considerações finais

65Afirma Pimenta que

a educação é um processo de humanização que ocorre na sociedade humana com a finalidade explícita de tornar os indivíduos participantes do processo civilizatório e responsáveis por levá-lo adiante. Enquanto prática social é realizada por todas as instituições da sociedade. Enquanto processo sistemático e intencional ocorre em algumas, dentre as quais se destaca a escola.

A garantia da educação como um direito social e público subjetivo decorre de ações e medidas na esfera política e administrativa. A ausência de política pública que garanta o processo educacional, realizada de forma sistemática pela escola, acaba por acarretar medidas judiciais que interferem no cotidiano educacional. Poderia se indagar, diante dessa situação: não estaria o Poder Judiciário invadindo atribuições exclusivas do Poder Executivo? A resposta é dada pelo Desembargador Roberto Vallim Bellocchi, quando afirma:

É função essencial do Poder Judiciário, por intermédio da atividade jurisdicional reconhecer os direitos subjetivos dos jurisdicionados e lhes conceder tutela útil e efetiva. Em outras palavras, o respeito aos direitos subjetivos dos cidadãos legitima o Poder Judiciário a imposição de comandos a todos aqueles, incluindo o Estado, que

66vierem a molestá-los.

67Ademais, esclarece Cabral : “[...] os juízes são impelidos a

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200966

62 ALMEIDA, op. cit., p. 11.63 ESTEVES, op. cit., p. 104.

pesquisas, em boa parte sem sintonia com a realidade escolar.

63Mesmo posicionamento aponta Esteves :

Grande parte da sociedade, alguns meios de comunicação e também alguns governantes chegaram à conclusão simplista e linear de que os professores, como responsáveis diretos do sistema de ensino, são também os responsáveis diretos de todas as lacunas, fracassos, imperfeições e males que nele existem.

Acabam por culpar o professor e consequentemente a escola 64pelo fracasso do aluno. Conforme esclarece Schön :

“atribuímos à culpa às escolas e aos professores, o que equivale a culpar as vítimas”. Sim, porque outros fatores se somam para apontar a situação atual da escola, como financiamento, retribuição salarial, jornada, carreira e condições de trabalho, entre outras. A aplicação da lei na esfera educacional requer do profissional do direito o conhecimento real da situação educacional, sob pena de cometer erros e equívocos.

b) Exagero na forma de agir: existe ainda a situação em que, na ânsia de provocar a defesa do direito à educação, os integrantes do sistema de proteção extrapolam na judicialização dos atos, instaurando protocolados, inquéritos civis, procedimentos judiciais de situações que não deveriam merecer a atenção do sistema de justiça. Nessa hipótese, há uma indevida invasão do sistema legal no educacional.

c) Burocratização das ações: em um mundo informatizado e dinâmico, as instituições jurídicas ainda convivem, em sua grande maioria, com um sistema retrógrado e burocratizante. As relações entre esse sistema e o educacional ficam muitas vezes emperradas. Exemplo típico dessa intervenção burocrática diz respeito ao combate à evasão escolar. Quando ocorre a efetiva intervenção, esta muitas vezes é tardia, posto que a criança e o adolescente não mais têm condições de voltar

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64 SCHÖN, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1997. p. 79.

ao sistema de ensino.

Considerações finais

65Afirma Pimenta que

a educação é um processo de humanização que ocorre na sociedade humana com a finalidade explícita de tornar os indivíduos participantes do processo civilizatório e responsáveis por levá-lo adiante. Enquanto prática social é realizada por todas as instituições da sociedade. Enquanto processo sistemático e intencional ocorre em algumas, dentre as quais se destaca a escola.

A garantia da educação como um direito social e público subjetivo decorre de ações e medidas na esfera política e administrativa. A ausência de política pública que garanta o processo educacional, realizada de forma sistemática pela escola, acaba por acarretar medidas judiciais que interferem no cotidiano educacional. Poderia se indagar, diante dessa situação: não estaria o Poder Judiciário invadindo atribuições exclusivas do Poder Executivo? A resposta é dada pelo Desembargador Roberto Vallim Bellocchi, quando afirma:

É função essencial do Poder Judiciário, por intermédio da atividade jurisdicional reconhecer os direitos subjetivos dos jurisdicionados e lhes conceder tutela útil e efetiva. Em outras palavras, o respeito aos direitos subjetivos dos cidadãos legitima o Poder Judiciário a imposição de comandos a todos aqueles, incluindo o Estado, que

66vierem a molestá-los.

67Ademais, esclarece Cabral : “[...] os juízes são impelidos a

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agir sobre assuntos políticos referentes à Administração Pública, pois houve uma evolução das expectativas dos cidadãos a respeito da responsabilidade política”.

Essa relação que se firma entre a educação e a justiça na sociedade contemporânea está muito evidente, conforme ficou demonstrado pelas decisões citadas, quando se está em questão a existência de um molestamento de direitos pelos responsáveis. Contudo, extrapola o Poder Judiciário, sendo que outras instituições também se apresentam relevantes na garantia do direito à educação, podendo ser citado como exemplo o Ministério Público. Apenas a título de ilustração, em levantamento realizado junto ao Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, constatou-se, no período de 01 de janeiro de 2008 a 19 de agosto de 2008, que foram protocolados 628 expedientes relacionados à área da Infância e da Juventude. Desse total, 288 referem-se à questão educacional, o que representa um total de 45,85%. Em vários Estados da federação, o Ministério Público está organizado de forma a contemplar Centros de Apoio aos Promotores de Justiça na área da educação. Essa informação revela como o tema educação tem se apresentado para as instituições jurídicas, como o Ministério Público, que integra o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente.

Em síntese, pode-se afirmar que a judicialização da educação representa a busca de mais e melhores instrumentos de defesa de direitos juridicamente protegidos. Essa proteção judicial avança na consolidação desse direito da criança e do adolescente e significa a exigência da obrigatoriedade da transformação do legal no real.

Referências

ALMEIDA, M. I. O sindicato como instância formadora de professores:

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 69

65 PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. p. 23.

66 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação civil n. 107.397-0/0-00, comarca de Bauru.

67 CABRAL, op. cit., p. 148.

novas contribuições ao desenvolvimento profissional. Tese (doutorado em educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 1999.

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______. Estatuto da Criança e do Adolescente: promulgado em 13 de julho de 1990. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. (Coleção Saraiva de Legislação)

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agir sobre assuntos políticos referentes à Administração Pública, pois houve uma evolução das expectativas dos cidadãos a respeito da responsabilidade política”.

Essa relação que se firma entre a educação e a justiça na sociedade contemporânea está muito evidente, conforme ficou demonstrado pelas decisões citadas, quando se está em questão a existência de um molestamento de direitos pelos responsáveis. Contudo, extrapola o Poder Judiciário, sendo que outras instituições também se apresentam relevantes na garantia do direito à educação, podendo ser citado como exemplo o Ministério Público. Apenas a título de ilustração, em levantamento realizado junto ao Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, constatou-se, no período de 01 de janeiro de 2008 a 19 de agosto de 2008, que foram protocolados 628 expedientes relacionados à área da Infância e da Juventude. Desse total, 288 referem-se à questão educacional, o que representa um total de 45,85%. Em vários Estados da federação, o Ministério Público está organizado de forma a contemplar Centros de Apoio aos Promotores de Justiça na área da educação. Essa informação revela como o tema educação tem se apresentado para as instituições jurídicas, como o Ministério Público, que integra o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente.

Em síntese, pode-se afirmar que a judicialização da educação representa a busca de mais e melhores instrumentos de defesa de direitos juridicamente protegidos. Essa proteção judicial avança na consolidação desse direito da criança e do adolescente e significa a exigência da obrigatoriedade da transformação do legal no real.

Referências

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66 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação civil n. 107.397-0/0-00, comarca de Bauru.

67 CABRAL, op. cit., p. 148.

novas contribuições ao desenvolvimento profissional. Tese (doutorado em educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 1999.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200972 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 73

Resumo:O Decreto n. 5015, de 12 de março de 2004, que ratificou a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, também chamada de Convenção de Palermo, sustentou recente determinação do Conselho Nacional de Justiça que, através da Recomendação n. 3, de 30 de maio de 2006, orienta e recomenda ao Conselho de Justiça Federal, aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça dos Estados, a criação de varas especializadas para o combate ao crime organizado, “com apoio na necessidade de resposta judicial ágil e pronta, em relação às medidas especiais de investigação aplicáveis no combate ao crime organizado, nos termos da

1Lei nº 9.034/95 e da Convenção de Palermo” . No entanto, as normas que criam ou ampliam o jus puniendi do Estado Brasileiro, por força do princípio da reserva legal, se originam na lei formal, fruto do poder que representa a soberania popular, com autoridade única e exclusiva para limitar o direito à liberdade. Trata-se de conquista oriunda da evolução que marcou os modelos de Estado de Direito, desde a vitoriosa derrocada do Estado Absolutista, com o objetivo de restringir e limitar o poder punitivo do Estado. O atual e moderno Estado de Direito Constitucional e Transnacional tem como característica a incorporação, na ordem interna, do direito internacional de direitos humanos, e justamente pelo conteúdo voltado à preservação da dignidade da pessoa humana é que os Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos têm aplicação imediata, tão logo ratificados por Decreto Presidencial. Todavia, num ordenamento jurídico penal garantista, amparado por uma Constituição Democrática e Cidadã, não se admite o mesmo tratamento quando o conteúdo do Tratado Internacional é voltado para o direito penal incriminador, tendo em vista a restrição e a limitação que impõe

A CONVENÇÃO DE PALERMO NO ÂMBITO DO ESTADO DE DIREITO CONSTITUCIONAL

E TRANSNACIONAL

Angela Acosta Giovani de Moura*

* Promotora de Justiça do Estado de Goiás em Quirinópolis. Professora de Direito Penal na Faculdade de Direito de Quirinópolis.

1 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Ata da 20ª sessão ordinária, de 30 de maio de 2006. Disponível em: <https:// www.cnj.jus.br/siteantigocnj/ index.php?option=com_content&task=view&id=84&Itemid=158&fontstyle=f-default)>. Acesso em: 24 abr. 2009.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200972 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 73

Resumo:O Decreto n. 5015, de 12 de março de 2004, que ratificou a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, também chamada de Convenção de Palermo, sustentou recente determinação do Conselho Nacional de Justiça que, através da Recomendação n. 3, de 30 de maio de 2006, orienta e recomenda ao Conselho de Justiça Federal, aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça dos Estados, a criação de varas especializadas para o combate ao crime organizado, “com apoio na necessidade de resposta judicial ágil e pronta, em relação às medidas especiais de investigação aplicáveis no combate ao crime organizado, nos termos da

1Lei nº 9.034/95 e da Convenção de Palermo” . No entanto, as normas que criam ou ampliam o jus puniendi do Estado Brasileiro, por força do princípio da reserva legal, se originam na lei formal, fruto do poder que representa a soberania popular, com autoridade única e exclusiva para limitar o direito à liberdade. Trata-se de conquista oriunda da evolução que marcou os modelos de Estado de Direito, desde a vitoriosa derrocada do Estado Absolutista, com o objetivo de restringir e limitar o poder punitivo do Estado. O atual e moderno Estado de Direito Constitucional e Transnacional tem como característica a incorporação, na ordem interna, do direito internacional de direitos humanos, e justamente pelo conteúdo voltado à preservação da dignidade da pessoa humana é que os Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos têm aplicação imediata, tão logo ratificados por Decreto Presidencial. Todavia, num ordenamento jurídico penal garantista, amparado por uma Constituição Democrática e Cidadã, não se admite o mesmo tratamento quando o conteúdo do Tratado Internacional é voltado para o direito penal incriminador, tendo em vista a restrição e a limitação que impõe

A CONVENÇÃO DE PALERMO NO ÂMBITO DO ESTADO DE DIREITO CONSTITUCIONAL

E TRANSNACIONAL

Angela Acosta Giovani de Moura*

* Promotora de Justiça do Estado de Goiás em Quirinópolis. Professora de Direito Penal na Faculdade de Direito de Quirinópolis.

1 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Ata da 20ª sessão ordinária, de 30 de maio de 2006. Disponível em: <https:// www.cnj.jus.br/siteantigocnj/ index.php?option=com_content&task=view&id=84&Itemid=158&fontstyle=f-default)>. Acesso em: 24 abr. 2009.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200974

aos direitos e garantias individuais ao longo do tempo conquistadas. Assim sendo, a Convenção de Palermo não pode sustentar a criação de varas especializadas para julgamento de crimes que ainda não foram os tipificados pela legislação ordinária interna.

Palavras-chave: Direito Internacional, Convenção de Palermo, Estado de Direito Constitucional e Transnacional, Crime organizado, Direito Penal.

Introdução

Em maio de 2003 o Congresso Nacional aprovou, por meio de decreto legislativo, o texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, oportunizando, assim, ao Presidente da República, através do Decreto n. 5015, de 12 de março de 2004, determinar, em seu artigo primeiro, a execução e o cumprimento do texto legal daquele diploma que passou, a partir da sua publicação, a integrar a ordem jurídica interna.

Referido diploma elege uma série de instrumentos legais objetivando o combate ao crime organizado transnacional e também conceitua a conduta que caracteriza crime organizado, levando o Conselho Nacional de Justiça ao entendimento de que estando o crime organizado tipificado legalmente em nosso ordenamento normativo, impusera-se a criação de varas especializadas para o seu julgamento.

O tema, no entanto, merece reflexão no âmbito do atual Estado de Direito Constitucional, enfocando-se os direitos e as garantias individuais da pessoa humana ao longo da evolução histórica, bem como a feição assumida pelo moderno Direto Penal que pretende ser garantista, indagando-se, num primeiro momento, se um Decreto presidencial, embasado em um Decreto Legislativo, pode criminalizar condutas e, ao mesmo tempo, guardar harmonia com o princípio constitucional da reserva legal que, dentre outros, informa o atual e moderno Estado de Direito Constitucional e Transnacional.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 75

Do Estado de Direito legal ao Estado de Direito Constitucional

O moderno e atual Estado Democrático de Direito ideologicamente foi construído ao longo de árdua caminhada evolutiva, apresentando-se, inicialmente, num modelo absolutista, por centralizar o poder na figura do monarca, a quem cabiam todas as decisões relativas aos assuntos públicos.

Nesse período, o Estado, apesar de criador da ordem jurídica, a ela não se submetia.

O poder, exercido de forma arbitrária, sucumbiu diante das ideias reacionárias e filosóficas que permearam o Século das Luzes, dando lugar ao surgimento do Estado Liberal, que tinha como pressuposto não mais a sujeição do cidadão ao arbítrio e aos interesses do monarca, mas ao governo das leis provenientes de uma assembleia popular.

A evolução do Estado de Direito Liberal, Positivista ou Legal, marca o início de sua trajetória com o movimento iluminista, com a derrocada do absolutismo e com a revolução francesa e estadunidense, culminando com a limitação do poder político do Estado pelo Direito, por meio de garantias individuais e pelas liberdades de expressão e associação.

Nesse modelo de Estado legalista ou positivista, surge a teoria da tripartição dos poderes e a teoria da soberania popular, assim como a forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático:

A consolidação desse novo modelo e seus pressupostos impunha que o Estado possuísse uma ordem normativa em função da qual o próprio poder político estaria limitado, ou seja, exigiu-se que a política fosse o exercício de uma ação normatizada, o que resultou na elaboração da idéia do Estado de direito. Nesse sentido, Bonavides (2004, p. 41) evidencia que “Foi assim – da oposição histórica e secular, na Idade Moderna, entre a liberdade do indivíduo e o absolutismo do monarca – que nasceu a primeira noção de Estado de Direito, mediante um ciclo de evolução histórica e decantação conceitual [...]”. A pugna decide-se no movimento de 1789, quando o direito

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200974

aos direitos e garantias individuais ao longo do tempo conquistadas. Assim sendo, a Convenção de Palermo não pode sustentar a criação de varas especializadas para julgamento de crimes que ainda não foram os tipificados pela legislação ordinária interna.

Palavras-chave: Direito Internacional, Convenção de Palermo, Estado de Direito Constitucional e Transnacional, Crime organizado, Direito Penal.

Introdução

Em maio de 2003 o Congresso Nacional aprovou, por meio de decreto legislativo, o texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, oportunizando, assim, ao Presidente da República, através do Decreto n. 5015, de 12 de março de 2004, determinar, em seu artigo primeiro, a execução e o cumprimento do texto legal daquele diploma que passou, a partir da sua publicação, a integrar a ordem jurídica interna.

Referido diploma elege uma série de instrumentos legais objetivando o combate ao crime organizado transnacional e também conceitua a conduta que caracteriza crime organizado, levando o Conselho Nacional de Justiça ao entendimento de que estando o crime organizado tipificado legalmente em nosso ordenamento normativo, impusera-se a criação de varas especializadas para o seu julgamento.

O tema, no entanto, merece reflexão no âmbito do atual Estado de Direito Constitucional, enfocando-se os direitos e as garantias individuais da pessoa humana ao longo da evolução histórica, bem como a feição assumida pelo moderno Direto Penal que pretende ser garantista, indagando-se, num primeiro momento, se um Decreto presidencial, embasado em um Decreto Legislativo, pode criminalizar condutas e, ao mesmo tempo, guardar harmonia com o princípio constitucional da reserva legal que, dentre outros, informa o atual e moderno Estado de Direito Constitucional e Transnacional.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 75

Do Estado de Direito legal ao Estado de Direito Constitucional

O moderno e atual Estado Democrático de Direito ideologicamente foi construído ao longo de árdua caminhada evolutiva, apresentando-se, inicialmente, num modelo absolutista, por centralizar o poder na figura do monarca, a quem cabiam todas as decisões relativas aos assuntos públicos.

Nesse período, o Estado, apesar de criador da ordem jurídica, a ela não se submetia.

O poder, exercido de forma arbitrária, sucumbiu diante das ideias reacionárias e filosóficas que permearam o Século das Luzes, dando lugar ao surgimento do Estado Liberal, que tinha como pressuposto não mais a sujeição do cidadão ao arbítrio e aos interesses do monarca, mas ao governo das leis provenientes de uma assembleia popular.

A evolução do Estado de Direito Liberal, Positivista ou Legal, marca o início de sua trajetória com o movimento iluminista, com a derrocada do absolutismo e com a revolução francesa e estadunidense, culminando com a limitação do poder político do Estado pelo Direito, por meio de garantias individuais e pelas liberdades de expressão e associação.

Nesse modelo de Estado legalista ou positivista, surge a teoria da tripartição dos poderes e a teoria da soberania popular, assim como a forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático:

A consolidação desse novo modelo e seus pressupostos impunha que o Estado possuísse uma ordem normativa em função da qual o próprio poder político estaria limitado, ou seja, exigiu-se que a política fosse o exercício de uma ação normatizada, o que resultou na elaboração da idéia do Estado de direito. Nesse sentido, Bonavides (2004, p. 41) evidencia que “Foi assim – da oposição histórica e secular, na Idade Moderna, entre a liberdade do indivíduo e o absolutismo do monarca – que nasceu a primeira noção de Estado de Direito, mediante um ciclo de evolução histórica e decantação conceitual [...]”. A pugna decide-se no movimento de 1789, quando o direito

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200976

natural da burguesia revolucionária investe no 2poder o terceiro estado.

A teoria do contrato social modelou o perfil desse novo modelo de Estado, que encontrou no respeito à Razão e à Liberdade os alicerces para a construção de um novo paradigma, com prioridade do cidadão diante do Estado, submissão do exercício do poder estatal ao respeito à liberdade individual, proteção dos direitos naturais da pessoa humana que o Estado se propunha reconhecer e proteger, como contraprestação da parcela cedida pelos cidadãos de sua liberdade.

O Estado Liberal trazia como característica central a submissão do poder (agora tripartido) à lei criada pelo Estado, através da participação popular, e à mesma se submeter. O Estado deve se limitar pelo Direito (princípio da legalidade) que ele mesmo elabora.

A Lei criada pelo Estado é aquela que “provém do poder legislativo que, fazendo uso de sua soberania, a elabora de acordo com a vontade geral, para fazer respeitar os direitos individuais dos

3cidadãos, para acabar com os desmandos do antigo regime etc.” .Esclarece a doutrina que esse modelo de Estado de Direito

legal, inaugurando, por um lado, uma nova fase voltada para a dignidade da pessoa humana, contaminou-se, por outro lado, pelo apego demasiado a letra fria da lei, pelo exagerado formalismo e legalismo conduzido pelo pensamento de Kelsen, que não comportava qualquer discussão em torno do conteúdo da lei, que sempre deveria prevalecer, sem a necessidade de ter a sua fonte na Constituição Federal, uma vez que era resultado da vontade geral.

O período marca o poder judiciário como um órgão legalista, mero aplicador da lei, descomprometido com o valor justiça, pois havia confusão em torno de vigência da lei e sua validade, conforme acentua Luiz Flávio Gomes. Uma vez em vigor, era válida e, portanto, perfeitamente aplicável ao caso

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 77

concreto, em nada importando se o seu conteúdo divorciava-se das garantias apregoadas no texto constitucional.

Destarte, maculado pelo legalismo, o Direito deixa de ser a garantia dos direitos, reduzindo-se a lei a mero instrumento político e, nessa condição, “ela não se legitima por um conteúdo de

4justiça e sim por ser expressão da vontade política do povo” .Outros modelos de Estado surgiram em reação ao

individualismo burguês que marcou o Estado Legal, contestando a insuficiente garantia que o Direito representava para a grande parcela da população, a ausência de proteção efetiva dos direitos individuais e econômicos, a irrealização da igualdade material, etc.

Foi com essa postura que o Estado democrático e social de Direito, representando a soma das liberdades conquistadas com o Estado liberal, objetivando possibilitar a todos a justiça social, substituiu o modelo legalista do Estado Liberal e somente não se firmou porque não alcançou o modelo constitucionalista.

A crise dos modelos anteriores marcadas, segundo 5Ferrajoli , pela crise da legalidade, crise na sua função social e

crise no tradicional conceito de soberania, aliados aos horrores das duas Grandes Guerras, contribuíram para a busca de um novo paradigma de Estado, fundado, dentre outros, nos princípios da dignidade da pessoa humana.

O Estado Constitucional de Direito, identificado pela incorporação de diversos princípios ético-políticos aos seus estatutos fundamentais, substitui o modelo anterior, somando às conquistas adquiridas a eleição da Carta Magna como referencial de validade para as leis infraconstitucionais.

Dentro desse contexto se apresenta o Estado constitucional de direito que, para além do Estado de direito clássico, é caracterizado por possuir três fatores relevantes:

a) a supremacia da constituição, e, dentro desta, dos direitos fundamentais, sejam estes de natureza liberal ou social;

b) a consagração do princípio da legalidade como subsunção 2 JUNIOR, J. N. M. Estado Constitucional de Direito: Breves considerações sobre o

Estado de Direito. 2007. Disponível em: http://www2.uel.br/revistas/direitopub/ pdfs/VOLUME_2/num_3/joao% 20nunes.pdf.

3 GOMES, L. F. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. p. 18. Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 06 mai. 2009.

4 ACKERMAN, B. A nova separação dos poderes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. VII.

5 FERRAJOLI apud GOMES, op. cit., p. 28.

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natural da burguesia revolucionária investe no 2poder o terceiro estado.

A teoria do contrato social modelou o perfil desse novo modelo de Estado, que encontrou no respeito à Razão e à Liberdade os alicerces para a construção de um novo paradigma, com prioridade do cidadão diante do Estado, submissão do exercício do poder estatal ao respeito à liberdade individual, proteção dos direitos naturais da pessoa humana que o Estado se propunha reconhecer e proteger, como contraprestação da parcela cedida pelos cidadãos de sua liberdade.

O Estado Liberal trazia como característica central a submissão do poder (agora tripartido) à lei criada pelo Estado, através da participação popular, e à mesma se submeter. O Estado deve se limitar pelo Direito (princípio da legalidade) que ele mesmo elabora.

A Lei criada pelo Estado é aquela que “provém do poder legislativo que, fazendo uso de sua soberania, a elabora de acordo com a vontade geral, para fazer respeitar os direitos individuais dos

3cidadãos, para acabar com os desmandos do antigo regime etc.” .Esclarece a doutrina que esse modelo de Estado de Direito

legal, inaugurando, por um lado, uma nova fase voltada para a dignidade da pessoa humana, contaminou-se, por outro lado, pelo apego demasiado a letra fria da lei, pelo exagerado formalismo e legalismo conduzido pelo pensamento de Kelsen, que não comportava qualquer discussão em torno do conteúdo da lei, que sempre deveria prevalecer, sem a necessidade de ter a sua fonte na Constituição Federal, uma vez que era resultado da vontade geral.

O período marca o poder judiciário como um órgão legalista, mero aplicador da lei, descomprometido com o valor justiça, pois havia confusão em torno de vigência da lei e sua validade, conforme acentua Luiz Flávio Gomes. Uma vez em vigor, era válida e, portanto, perfeitamente aplicável ao caso

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concreto, em nada importando se o seu conteúdo divorciava-se das garantias apregoadas no texto constitucional.

Destarte, maculado pelo legalismo, o Direito deixa de ser a garantia dos direitos, reduzindo-se a lei a mero instrumento político e, nessa condição, “ela não se legitima por um conteúdo de

4justiça e sim por ser expressão da vontade política do povo” .Outros modelos de Estado surgiram em reação ao

individualismo burguês que marcou o Estado Legal, contestando a insuficiente garantia que o Direito representava para a grande parcela da população, a ausência de proteção efetiva dos direitos individuais e econômicos, a irrealização da igualdade material, etc.

Foi com essa postura que o Estado democrático e social de Direito, representando a soma das liberdades conquistadas com o Estado liberal, objetivando possibilitar a todos a justiça social, substituiu o modelo legalista do Estado Liberal e somente não se firmou porque não alcançou o modelo constitucionalista.

A crise dos modelos anteriores marcadas, segundo 5Ferrajoli , pela crise da legalidade, crise na sua função social e

crise no tradicional conceito de soberania, aliados aos horrores das duas Grandes Guerras, contribuíram para a busca de um novo paradigma de Estado, fundado, dentre outros, nos princípios da dignidade da pessoa humana.

O Estado Constitucional de Direito, identificado pela incorporação de diversos princípios ético-políticos aos seus estatutos fundamentais, substitui o modelo anterior, somando às conquistas adquiridas a eleição da Carta Magna como referencial de validade para as leis infraconstitucionais.

Dentro desse contexto se apresenta o Estado constitucional de direito que, para além do Estado de direito clássico, é caracterizado por possuir três fatores relevantes:

a) a supremacia da constituição, e, dentro desta, dos direitos fundamentais, sejam estes de natureza liberal ou social;

b) a consagração do princípio da legalidade como subsunção 2 JUNIOR, J. N. M. Estado Constitucional de Direito: Breves considerações sobre o

Estado de Direito. 2007. Disponível em: http://www2.uel.br/revistas/direitopub/ pdfs/VOLUME_2/num_3/joao% 20nunes.pdf.

3 GOMES, L. F. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. p. 18. Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 06 mai. 2009.

4 ACKERMAN, B. A nova separação dos poderes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. VII.

5 FERRAJOLI apud GOMES, op. cit., p. 28.

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efetiva de todos os poderes públicos ao direito; ec) a funcionalização de todos os poderes do Estado para garantir o

desfrute dos direitos de caráter liberal e a efetividade dos direitos sociais.

O Estado Constitucional de Direito tem seu principal foco na Constituição, por estar o poder submetido ao direito e, portanto, à lei, que é geral e abstrata, com sua origem na vontade geral, diferindo do modelo anterior, Estado Legal ou Liberal, cujo poder era concentrado no Legislativo, sem eleição da Constituição como instrumento legal de controle e limite desse poder.

Nesse novo modelo de Estado de direito, assume relevância o papel do Poder Judiciário como poder constituído que tem a última palavra em nome dos sujeitos de direito, cabendo-lhe fazer valer as garantias e os direitos fundamentais conquistados no Estado Liberal, pois o Juiz não se limita a função de simples aplicador da lei, executando a vontade do legislador ordinário, como no passado legalista e positivista. Cumpre-lhe agora a função de interpretar a lei diante da Constituição, fonte de validade da primeira.

A Constituição Federal, de acordo com a visão piramidal proposta por Kelsen, é a fonte de validade de todas as outras que lhe são inferiores, as quais não podem contrariá-la, sob pena de serem expurgadas do ordenamento jurídico, face o vício de inconstitucionalidade.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 e a nova pirâmide normativa

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, parágrafo segundo, incorporou as normas internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico interno. Essa incorporação alarga o campo constitucional dos direitos e garantias individuais elencados no dispositivo, aprimorando o moderno e atual modelo de Estado de Direito: Estado de Direito Constitucional e Transnacional.

Flavia Piovesan, enfrentando o tema, assinala que a introdução do parágrafo segundo e terceiro no artigo 5º da Constituição Federal, que se deu com a Emenda Constitucional n.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 79

45 de 2004, deram ao Estado Constitucional do Direito uma 6perspectiva internacional .

O Estado Constitucional é regido pela Constituição Federal e, com a reforma de 1988 e a Emenda n. 45 de 2004, deve ser enfocado sob a ótica internacional a essa ordem incorporado, quando a matéria é de direitos humanos.

Importa afirmar que o sistema piramidal de hierarquia das leis abriu espaço para aglutinar o direito internacional de direitos humanos na ordem interna.

No Estado Liberal e positivista, a Lei Ordinária era o foco e único instrumento de solução dos conflitos. No Estado Constitucional, a Constituição Federal assume a direção de comando no sistema normativo piramidal e leis inferiores não lhe podem contrariar. No Estado Constitucional e Transnacional de Direito, que surge da somatória dos modelos anteriores, possuem relevância não somente a Constituição Federal, mas, ainda, o Direito Internacional de Direitos Humanos. Assim, o Estado Constitucional e Transnacional de Direito é constituído de normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionais de direitos humanos.

A posição normativa hierárquica do Direito Internacional de Direitos Humanos na ordem interna

A Constituição Federal de 1988, inaugurando nova ordem jurídica, possibilitou a integração do direito internacional de direitos humanos na ordem interna, embora nem sempre houvesse a devida atenção pelos interpretes jurídicos, tanto que tratados e convenções de direitos humanos em que o Brasil é signatário há décadas, como o Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros, somente agora, frente à recente posição do Supremo Tribunal Federal, passaram a ter, na ordem interna, o devido tratamento.

De acordo com as disposições contidas na Constituição Federal em seu art. 5º, § 1º, as normas definidoras dos direitos e

6 PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 48.

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efetiva de todos os poderes públicos ao direito; ec) a funcionalização de todos os poderes do Estado para garantir o

desfrute dos direitos de caráter liberal e a efetividade dos direitos sociais.

O Estado Constitucional de Direito tem seu principal foco na Constituição, por estar o poder submetido ao direito e, portanto, à lei, que é geral e abstrata, com sua origem na vontade geral, diferindo do modelo anterior, Estado Legal ou Liberal, cujo poder era concentrado no Legislativo, sem eleição da Constituição como instrumento legal de controle e limite desse poder.

Nesse novo modelo de Estado de direito, assume relevância o papel do Poder Judiciário como poder constituído que tem a última palavra em nome dos sujeitos de direito, cabendo-lhe fazer valer as garantias e os direitos fundamentais conquistados no Estado Liberal, pois o Juiz não se limita a função de simples aplicador da lei, executando a vontade do legislador ordinário, como no passado legalista e positivista. Cumpre-lhe agora a função de interpretar a lei diante da Constituição, fonte de validade da primeira.

A Constituição Federal, de acordo com a visão piramidal proposta por Kelsen, é a fonte de validade de todas as outras que lhe são inferiores, as quais não podem contrariá-la, sob pena de serem expurgadas do ordenamento jurídico, face o vício de inconstitucionalidade.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 e a nova pirâmide normativa

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, parágrafo segundo, incorporou as normas internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico interno. Essa incorporação alarga o campo constitucional dos direitos e garantias individuais elencados no dispositivo, aprimorando o moderno e atual modelo de Estado de Direito: Estado de Direito Constitucional e Transnacional.

Flavia Piovesan, enfrentando o tema, assinala que a introdução do parágrafo segundo e terceiro no artigo 5º da Constituição Federal, que se deu com a Emenda Constitucional n.

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45 de 2004, deram ao Estado Constitucional do Direito uma 6perspectiva internacional .

O Estado Constitucional é regido pela Constituição Federal e, com a reforma de 1988 e a Emenda n. 45 de 2004, deve ser enfocado sob a ótica internacional a essa ordem incorporado, quando a matéria é de direitos humanos.

Importa afirmar que o sistema piramidal de hierarquia das leis abriu espaço para aglutinar o direito internacional de direitos humanos na ordem interna.

No Estado Liberal e positivista, a Lei Ordinária era o foco e único instrumento de solução dos conflitos. No Estado Constitucional, a Constituição Federal assume a direção de comando no sistema normativo piramidal e leis inferiores não lhe podem contrariar. No Estado Constitucional e Transnacional de Direito, que surge da somatória dos modelos anteriores, possuem relevância não somente a Constituição Federal, mas, ainda, o Direito Internacional de Direitos Humanos. Assim, o Estado Constitucional e Transnacional de Direito é constituído de normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionais de direitos humanos.

A posição normativa hierárquica do Direito Internacional de Direitos Humanos na ordem interna

A Constituição Federal de 1988, inaugurando nova ordem jurídica, possibilitou a integração do direito internacional de direitos humanos na ordem interna, embora nem sempre houvesse a devida atenção pelos interpretes jurídicos, tanto que tratados e convenções de direitos humanos em que o Brasil é signatário há décadas, como o Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros, somente agora, frente à recente posição do Supremo Tribunal Federal, passaram a ter, na ordem interna, o devido tratamento.

De acordo com as disposições contidas na Constituição Federal em seu art. 5º, § 1º, as normas definidoras dos direitos e

6 PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 48.

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garantias fundamentais têm aplicação imediata. Vale dizer que, uma vez ratificada, integra a ordem interna com o status de lei ordinária, segundo a melhor doutrina.

Todavia, a Emenda Constitucional n. 45/2004, altera o status normativo do direito internacional de direitos humanos, quando aprovado pela maioria qualificada do Congresso Nacional, conforme disposto no § 3º do mesmo dispositivo constitucional.

A propósito: “§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Decreto Legislativo com força de Emenda Constitucional).

Assim, ante o texto constitucional, o direito internacional de direitos humanos pode também ter o valor normativo de emenda constitucional, se aprovado pela maioria qualificada das duas casas legislativas.

No entanto, somente no final do ano passado o Supremo Tribunal Federal firmou posição no sentido de acolher o direito internacional na ordem interna, e objetivando encerrar o debate na doutrina acerca do status normativo dos tratados e convenções de direito internacional quando em conflito com lei nacional, assevera que os mesmos não devem ser compreendidos sob a ótica da horizontalidade ou temporalidade legal, mas à luz do princípio pro homine.

T R ATA D O S I N T E R N A C I O N A I S D E DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A Q U E S T à O D E S U A P O S I Ç Ã O HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 81

humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em m a t é r i a d e d i r e i t o s h u m a n o s . A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos , a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A N O R M A M A I S FAVO R Á V E L C O M O C R I T É R I O Q U E D E V E R E G E R A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o

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garantias fundamentais têm aplicação imediata. Vale dizer que, uma vez ratificada, integra a ordem interna com o status de lei ordinária, segundo a melhor doutrina.

Todavia, a Emenda Constitucional n. 45/2004, altera o status normativo do direito internacional de direitos humanos, quando aprovado pela maioria qualificada do Congresso Nacional, conforme disposto no § 3º do mesmo dispositivo constitucional.

A propósito: “§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Decreto Legislativo com força de Emenda Constitucional).

Assim, ante o texto constitucional, o direito internacional de direitos humanos pode também ter o valor normativo de emenda constitucional, se aprovado pela maioria qualificada das duas casas legislativas.

No entanto, somente no final do ano passado o Supremo Tribunal Federal firmou posição no sentido de acolher o direito internacional na ordem interna, e objetivando encerrar o debate na doutrina acerca do status normativo dos tratados e convenções de direito internacional quando em conflito com lei nacional, assevera que os mesmos não devem ser compreendidos sob a ótica da horizontalidade ou temporalidade legal, mas à luz do princípio pro homine.

T R ATA D O S I N T E R N A C I O N A I S D E DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A Q U E S T à O D E S U A P O S I Ç Ã O HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos

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humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em m a t é r i a d e d i r e i t o s h u m a n o s . A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos , a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A N O R M A M A I S FAVO R Á V E L C O M O C R I T É R I O Q U E D E V E R E G E R A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o

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respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais

7favorável à proteção efetiva do ser humano.

A decisão da Suprema Corte foi prolatada em habeas corpus que invocava a ilegalidade da prisão de depositário infiel, frente às disposições contidas no artigo 7º, item 7, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que determina que “Ninguém deve ser detido por dívidas.Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de

8inadimplemento de obrigação alimentar” .Depois de longo debate, o Supremo Tribunal Federal

acolhe as disposições contidas no referido Diploma Internacional, incorporado na ordem interna pelo Decreto 678/92, antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, para restabelecer a liberdade do depositário infiel, malgrado a disposição contida no artigo 5º, LXVII, da Carta Magna, prevendo e permitindo a prisão civil em situação semelhante.

Insta observar, de acordo com a moderna doutrina, que a decisão do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, longe de derrogar seus princípios, orientou-se de acordo com o novo paradigma que marca o Estado de Direito Constitucional e Transnacional, que para solucionar os conflitos que envolvam restrição a liberdade, ou que violem qualquer garantia individual, pauta-se pelas orientações normativas que melhor promovam a dignidade humana. Não houve eleição do direito internacional em desprestígio à ordem constitucional, nem esta fora revogada por aquela, pois a nova pirâmide normativa não deve ser compreendida sob o patamar antigo e legalista orientado pela horizontalidade e temporalidade das leis, uma vez que o sistema legal interno e o sistema internacional incorporado a ordem interna devem ser compreendidos como sistemas que se

7 HC 90.450/MG, Rel. Min. Celso de Mello.8 Convenção Americana dos Direitos Humanos, Decreto 678/1992.

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completam, não se excluem, e que exigem, para serem interpretados, a eleição do método do diálogo proposto pela antiga teoria do diálogo das fontes, aplicando-se ao caso concreto a espécie normativa que melhor o soluciona.

Assim, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal corrobora com a tendência marcante do atual modelo de Estado de Direito Constitucional e Transnacional que, após árdua caminhada, vem coroar os propósitos iluministas que ergueram bandeiras a favor da dignidade da pessoa humana ao proclamar no acórdão acima citado que

[o] Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

Valor normativo dos Tratados e Convenções de Direito Penal na ordem interna

Característica marcante do atual modelo de Estado de Direito Constitucional e Transnacional está a relevância que o direito internacional assume na ordem interna, ocupando posição hierárquica de destaque quando a matéria é de direitos humanos. Todavia, a mesma solução não se verifica quando a internacionalização se refere a Tratados e Convenções em matéria não penal, conforme acentua a melhor doutrina.

O Direito Penal Internacional estabelece, a princípio, as relações do indivíduo com organismos internacionais, com definição de crimes e penas, como se verifica com o Tratado de Roma, que traz a criminalização internacional de condutas ao definir os crimes

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respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais

7favorável à proteção efetiva do ser humano.

A decisão da Suprema Corte foi prolatada em habeas corpus que invocava a ilegalidade da prisão de depositário infiel, frente às disposições contidas no artigo 7º, item 7, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que determina que “Ninguém deve ser detido por dívidas.Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de

8inadimplemento de obrigação alimentar” .Depois de longo debate, o Supremo Tribunal Federal

acolhe as disposições contidas no referido Diploma Internacional, incorporado na ordem interna pelo Decreto 678/92, antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, para restabelecer a liberdade do depositário infiel, malgrado a disposição contida no artigo 5º, LXVII, da Carta Magna, prevendo e permitindo a prisão civil em situação semelhante.

Insta observar, de acordo com a moderna doutrina, que a decisão do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, longe de derrogar seus princípios, orientou-se de acordo com o novo paradigma que marca o Estado de Direito Constitucional e Transnacional, que para solucionar os conflitos que envolvam restrição a liberdade, ou que violem qualquer garantia individual, pauta-se pelas orientações normativas que melhor promovam a dignidade humana. Não houve eleição do direito internacional em desprestígio à ordem constitucional, nem esta fora revogada por aquela, pois a nova pirâmide normativa não deve ser compreendida sob o patamar antigo e legalista orientado pela horizontalidade e temporalidade das leis, uma vez que o sistema legal interno e o sistema internacional incorporado a ordem interna devem ser compreendidos como sistemas que se

7 HC 90.450/MG, Rel. Min. Celso de Mello.8 Convenção Americana dos Direitos Humanos, Decreto 678/1992.

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completam, não se excluem, e que exigem, para serem interpretados, a eleição do método do diálogo proposto pela antiga teoria do diálogo das fontes, aplicando-se ao caso concreto a espécie normativa que melhor o soluciona.

Assim, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal corrobora com a tendência marcante do atual modelo de Estado de Direito Constitucional e Transnacional que, após árdua caminhada, vem coroar os propósitos iluministas que ergueram bandeiras a favor da dignidade da pessoa humana ao proclamar no acórdão acima citado que

[o] Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

Valor normativo dos Tratados e Convenções de Direito Penal na ordem interna

Característica marcante do atual modelo de Estado de Direito Constitucional e Transnacional está a relevância que o direito internacional assume na ordem interna, ocupando posição hierárquica de destaque quando a matéria é de direitos humanos. Todavia, a mesma solução não se verifica quando a internacionalização se refere a Tratados e Convenções em matéria não penal, conforme acentua a melhor doutrina.

O Direito Penal Internacional estabelece, a princípio, as relações do indivíduo com organismos internacionais, com definição de crimes e penas, como se verifica com o Tratado de Roma, que traz a criminalização internacional de condutas ao definir os crimes

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internacionais. Nesse caso, o jus puniendi pertence ao Tribunal Penal Internacional ao qual, inclusive, o Brasil reconhece e se submete, conforme artigo 5º da CF, pois são os Estados soberanos que subscreveram e ratificaram o respectivo tratado.

No entanto, na ordem interna, a relação se verifica entre o indivíduo e o jus puniendi do Estado brasileiro, de forma que tais tratados e convenções não podem servir de fonte do Direito penal incriminador, ou seja, nenhum documento internacional, em matéria de definição de crimes e penas, pode ser fonte normativa direta e válida para o Direito interno brasileiro, como acentua o professor Luiz Flávio Gomes.

As normas penais incriminadoras que criam ou ampliam o jus puniendi são originadas na lei. Decorre do principio da reserva legal, um dos princípios resultantes das conquistas individuais que derrogou o Estado Absolutista, impondo a prévia existência de lei formal para a punição de crimes. Essa formalidade a que se refere o princípio da Reserva Legal é aquela que decorre da expressão da soberania popular.

O procedimento constitucional previsto para aprovação e validade na ordem jurídica interna dos Tratados e Convenções, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que se inicia com a celebração de acordos internacionais, é de competência privativa do Presidente da República, conforme determina o seu artigo 84, inciso VIII.

Todavia, conforme demonstrado no mesmo dispositivo legal, apesar da competência para a celebração de tratados, convenções e atos internacionais ser privativa do chefe do executivo, tais tratados internacionais devem sujeitar-se ao referendo do Congresso Nacional.

Vale ressaltar, porém, que o objetivo desse referendo limita-se a autorizar ou rejeitar a ratificação do tratado, não podendo, em nenhuma hipótese, interferir no conteúdo do tratado ou alterar o seu texto original.

Verifica-se, pois, que mesmo os Tratados e Convenções Internacionais, por força do disposto no artigo 84, VIII, são celebrados pelo Presidente da República, e embora tenham que obter aprovação do Legislativo, não podem ser por este alterados, pois ele se limita apenas a aprovar ou não o texto do Tratado

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200984

Internacional, via Decreto Legislativo. O Congresso Nacional, no exercício da soberania popular, não pode alterar o conteúdo do que foi unilateralmente pactuado pelo Chefe do Executivo.

A partir da referida autorização do Poder Legislativo, o Presidente da República deve ratificar o tratado, exprimindo, assim, sua vontade de obrigar-se no plano internacional.

A ratificação deve ser um ato formal, e se materializa através de um instrumento de ratificação, o qual é assinado pelo chefe do executivo, e a troca dos instrumentos de ratificação por parte dos Estados contratantes fixa o momento da entrada em vigor do tratado celebrado na ordem jurídica internacional.

A última fase do procedimento de celebração de um tratado internacional no Brasil é a fase integrativa de eficácia, que compreende a promulgação e a publicação.

A promulgação ocorre através de decreto do Presidente da República e representa o ato pelo qual o Estado contratante torna público o tratado celebrado.

Além disso, o referido decreto deve ser publicado no Diário Oficial da União, para que produza efeitos ex tunc, abrangendo, assim, as datas previstas no tratado para a sua entrada em vigor, tendo em vista que na maioria dos tratados celebrados pelo Brasil há a previsão da entrada em vigor após a troca de instrumentos de ratificação.

Portanto, não se pode dar aos Tratados e Convenções Internacionais de Direito Penal o mesmo tratamento dispensado aos Tratados e Convenções de Direitos Humanos, pois estes ampliam direitos e garantias, enquanto aqueles cerceiam, restringem direitos e garantias, sobretudo o direito à liberdade. Daí porque somente a espécie normativa resultante da vontade popular representada pelo Poder Legislativo pode criminalizar condutas ou restringir direitos e garantias: “Como dizia o Marquês de Beccaria, Cesare Bonessana, só uma norma procedente do poder legislativo, que representa toda uma sociedade unida pelo contrato social, pode limitar a sagrada liberdade do indivíduo, definindo os

9delitos e estabelecendo penas” .O Tratado de Palermo, que definiu o crime organizado

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 85

9 GOMES, L. F. Estado Constitucional de Direito e a Nova Pirâmide Jurídica. São Paulo: Premier, 2008. p. 41.

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internacionais. Nesse caso, o jus puniendi pertence ao Tribunal Penal Internacional ao qual, inclusive, o Brasil reconhece e se submete, conforme artigo 5º da CF, pois são os Estados soberanos que subscreveram e ratificaram o respectivo tratado.

No entanto, na ordem interna, a relação se verifica entre o indivíduo e o jus puniendi do Estado brasileiro, de forma que tais tratados e convenções não podem servir de fonte do Direito penal incriminador, ou seja, nenhum documento internacional, em matéria de definição de crimes e penas, pode ser fonte normativa direta e válida para o Direito interno brasileiro, como acentua o professor Luiz Flávio Gomes.

As normas penais incriminadoras que criam ou ampliam o jus puniendi são originadas na lei. Decorre do principio da reserva legal, um dos princípios resultantes das conquistas individuais que derrogou o Estado Absolutista, impondo a prévia existência de lei formal para a punição de crimes. Essa formalidade a que se refere o princípio da Reserva Legal é aquela que decorre da expressão da soberania popular.

O procedimento constitucional previsto para aprovação e validade na ordem jurídica interna dos Tratados e Convenções, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que se inicia com a celebração de acordos internacionais, é de competência privativa do Presidente da República, conforme determina o seu artigo 84, inciso VIII.

Todavia, conforme demonstrado no mesmo dispositivo legal, apesar da competência para a celebração de tratados, convenções e atos internacionais ser privativa do chefe do executivo, tais tratados internacionais devem sujeitar-se ao referendo do Congresso Nacional.

Vale ressaltar, porém, que o objetivo desse referendo limita-se a autorizar ou rejeitar a ratificação do tratado, não podendo, em nenhuma hipótese, interferir no conteúdo do tratado ou alterar o seu texto original.

Verifica-se, pois, que mesmo os Tratados e Convenções Internacionais, por força do disposto no artigo 84, VIII, são celebrados pelo Presidente da República, e embora tenham que obter aprovação do Legislativo, não podem ser por este alterados, pois ele se limita apenas a aprovar ou não o texto do Tratado

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Internacional, via Decreto Legislativo. O Congresso Nacional, no exercício da soberania popular, não pode alterar o conteúdo do que foi unilateralmente pactuado pelo Chefe do Executivo.

A partir da referida autorização do Poder Legislativo, o Presidente da República deve ratificar o tratado, exprimindo, assim, sua vontade de obrigar-se no plano internacional.

A ratificação deve ser um ato formal, e se materializa através de um instrumento de ratificação, o qual é assinado pelo chefe do executivo, e a troca dos instrumentos de ratificação por parte dos Estados contratantes fixa o momento da entrada em vigor do tratado celebrado na ordem jurídica internacional.

A última fase do procedimento de celebração de um tratado internacional no Brasil é a fase integrativa de eficácia, que compreende a promulgação e a publicação.

A promulgação ocorre através de decreto do Presidente da República e representa o ato pelo qual o Estado contratante torna público o tratado celebrado.

Além disso, o referido decreto deve ser publicado no Diário Oficial da União, para que produza efeitos ex tunc, abrangendo, assim, as datas previstas no tratado para a sua entrada em vigor, tendo em vista que na maioria dos tratados celebrados pelo Brasil há a previsão da entrada em vigor após a troca de instrumentos de ratificação.

Portanto, não se pode dar aos Tratados e Convenções Internacionais de Direito Penal o mesmo tratamento dispensado aos Tratados e Convenções de Direitos Humanos, pois estes ampliam direitos e garantias, enquanto aqueles cerceiam, restringem direitos e garantias, sobretudo o direito à liberdade. Daí porque somente a espécie normativa resultante da vontade popular representada pelo Poder Legislativo pode criminalizar condutas ou restringir direitos e garantias: “Como dizia o Marquês de Beccaria, Cesare Bonessana, só uma norma procedente do poder legislativo, que representa toda uma sociedade unida pelo contrato social, pode limitar a sagrada liberdade do indivíduo, definindo os

9delitos e estabelecendo penas” .O Tratado de Palermo, que definiu o crime organizado

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9 GOMES, L. F. Estado Constitucional de Direito e a Nova Pirâmide Jurídica. São Paulo: Premier, 2008. p. 41.

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transnacional, não possui valor normativo suficiente para delimitar internamente o conceito de organização criminosa, mesmo depois de referendado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo Executivo, como se verifica com os Tratados de Direitos Humanos, uma vez que aqui há sempre uma ampliação de direitos e garantias individuais, devendo ser imediatamente aplicado. Porém, no Tratado Internacional de direito penal incriminador, como a Convenção de Palermo, ocorre o inverso, ou seja, verifica-se a criminalização de condutas, verdadeira limitação à liberdade individual, exigindo-se maior intervenção do poder que representa a soberania popular.

Dessa forma, não se prestando à criminalização de condutas, os Tratados e Convenções de Direito Penal Incriminador, embora aprovados por Decreto Legislativo e ratificados por Decreto do Presidente da República, integram o ordenamento jurídico interno, servindo apenas de instrumento para orientar o Legislativo na produção de norma legal que atenda aos compromissos assumidos pelo Brasil junto à comunidade internacional e, mesmo assim, desde que não se afastem dos princípios constitucionais que sustentam o atual modelo garantista do Estado Constitucional de Direito.

Da tipificação de crime organizado no sistema jurídico nacional

Inicialmente, importa afirmar não existir, até então no Brasil, legislação penal incriminadora que tenha definido e tipificado conduta que caracterize crime organizado.

Em pleno vigor, a Lei 9.034/95, alterada pela Lei 10.217/01, não define o tipo penal de crime organizado, estando em pauta acirrada discussão doutrinária e política referente ao conceito de organização criminosa. Maior discussão se assenta na composição do número de agentes mínimos, características e finalidade da organização.

Todavia, com a inclusão da Convenção de Palermo no ordenamento jurídico brasileiro, trazendo o conceito de organização criminosa, alguns setores da doutrina passaram a entender por encerrada a discussão em torno do tema, tendo a

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200986 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 87

10 GOMES, 2009, internet.

Convenção condições de ser aplicada de imediato. Essa é a posição do Conselho Nacional de Justiça, órgão dirigido atualmente pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, registra-se a decisão do Supremo Tribunal Federal que, em habeas corpus impetrado com o objetivo de trancamento de ação penal, externou o entendimento de plena vigência da Convenção de Palermo no ordenamento jurídico, ainda que tipificando conduta criminosa.

Apesar de ser um procedimento totalmente inconstitucional, o STJ, Quinta Turma, no HC 77.771-SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 30.05.08, acabou aceitando tal definição, para uso no Direito penal interno brasileiro: “HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO A R T . 1 . º D A L E I N . º 9 . 6 1 3 / 9 8 . A P L I C A B I L I D A D E . O R G A N I Z A Ç Ã O CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES

10PARA A PERSECUÇÃO PENAL.

Referidos posicionamentos parecem não se ajustar ao princípio da reserva legal e ao princípio da legalidade, sustentáculos do Estado de Direito Constitucional com vistas ao modelo garantista em matéria penal, pois a Convenção de Palermo, embora integrando o ordenamento jurídico interno, no sistema penal brasileiro somente se admite a existência de crime quando lei formal previamente o defina.

Embora o decreto legislativo aprovando o Tratado de Palermo se insira entre as espécies normativas previstas no ordenamento jurídico, não pode ser fonte de direito penal incriminador, com autoridade para tipificar condutas.

O artigo 22 da Constituição Federal expressamente determina que somente a União pode legislar sobre Direito penal.

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transnacional, não possui valor normativo suficiente para delimitar internamente o conceito de organização criminosa, mesmo depois de referendado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo Executivo, como se verifica com os Tratados de Direitos Humanos, uma vez que aqui há sempre uma ampliação de direitos e garantias individuais, devendo ser imediatamente aplicado. Porém, no Tratado Internacional de direito penal incriminador, como a Convenção de Palermo, ocorre o inverso, ou seja, verifica-se a criminalização de condutas, verdadeira limitação à liberdade individual, exigindo-se maior intervenção do poder que representa a soberania popular.

Dessa forma, não se prestando à criminalização de condutas, os Tratados e Convenções de Direito Penal Incriminador, embora aprovados por Decreto Legislativo e ratificados por Decreto do Presidente da República, integram o ordenamento jurídico interno, servindo apenas de instrumento para orientar o Legislativo na produção de norma legal que atenda aos compromissos assumidos pelo Brasil junto à comunidade internacional e, mesmo assim, desde que não se afastem dos princípios constitucionais que sustentam o atual modelo garantista do Estado Constitucional de Direito.

Da tipificação de crime organizado no sistema jurídico nacional

Inicialmente, importa afirmar não existir, até então no Brasil, legislação penal incriminadora que tenha definido e tipificado conduta que caracterize crime organizado.

Em pleno vigor, a Lei 9.034/95, alterada pela Lei 10.217/01, não define o tipo penal de crime organizado, estando em pauta acirrada discussão doutrinária e política referente ao conceito de organização criminosa. Maior discussão se assenta na composição do número de agentes mínimos, características e finalidade da organização.

Todavia, com a inclusão da Convenção de Palermo no ordenamento jurídico brasileiro, trazendo o conceito de organização criminosa, alguns setores da doutrina passaram a entender por encerrada a discussão em torno do tema, tendo a

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200986 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 87

10 GOMES, 2009, internet.

Convenção condições de ser aplicada de imediato. Essa é a posição do Conselho Nacional de Justiça, órgão dirigido atualmente pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, registra-se a decisão do Supremo Tribunal Federal que, em habeas corpus impetrado com o objetivo de trancamento de ação penal, externou o entendimento de plena vigência da Convenção de Palermo no ordenamento jurídico, ainda que tipificando conduta criminosa.

Apesar de ser um procedimento totalmente inconstitucional, o STJ, Quinta Turma, no HC 77.771-SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 30.05.08, acabou aceitando tal definição, para uso no Direito penal interno brasileiro: “HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO A R T . 1 . º D A L E I N . º 9 . 6 1 3 / 9 8 . A P L I C A B I L I D A D E . O R G A N I Z A Ç Ã O CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES

10PARA A PERSECUÇÃO PENAL.

Referidos posicionamentos parecem não se ajustar ao princípio da reserva legal e ao princípio da legalidade, sustentáculos do Estado de Direito Constitucional com vistas ao modelo garantista em matéria penal, pois a Convenção de Palermo, embora integrando o ordenamento jurídico interno, no sistema penal brasileiro somente se admite a existência de crime quando lei formal previamente o defina.

Embora o decreto legislativo aprovando o Tratado de Palermo se insira entre as espécies normativas previstas no ordenamento jurídico, não pode ser fonte de direito penal incriminador, com autoridade para tipificar condutas.

O artigo 22 da Constituição Federal expressamente determina que somente a União pode legislar sobre Direito penal.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200988

Somente o Estado, através do poder legislativo, detentor do direito de punir, é único titular da criação e ampliação do jus puniendi, cabendo-lhe exclusivamente a criação de normas penais que incriminam condutas.

O Estado, embora detentor do jus puniendi, na criação e ampliação de criminalização de condutas, não pode exercê-lo à margem dos princípios limitadores do seu direito de punir, pois esta é uma característica do Estado de Direito Constitucional.

Em matéria penal que incrimina condutas, o princípio da reserva legal adquire dimensão de destaque. Inserido no inciso XXXIX, do artigo 5º da Constituição Federal, exige que a conduta, para ser crime, deve subsumir-se ao tipo legal definido por lei.Mas ainda há que se perguntar: que lei? A resposta é: a lei formal, a lei produzida pelo Congresso N a c i o n a l s e g u n d o o p r o c e d i m e n t o constitucionalmente estabelecido, pois cabe a União legislar sobre a matéria (art. 22, I). Não se admite a definição de infração penal nem por decreto, nem por lei delegada e, conseqüentemente, nem por lei

11delegada.

Ainda, colhe-se da doutrina de Rogério Greco:

Um direito Penal que procura estar inserido sob uma ótica garantista deve obrigatoriamente discernir os critérios de legalidade formal e material, sendo ambos indispensáveis à aplicação da lei penal. Por legalidade formal entende-se a obediência aos trâmites procedimentais previstos pela Constituição para que determinado diploma legal possa vir a fazer parte de nosso ordenamento jurídico. Contudo, em um Estado Constitucional de Direito, no qual se pretende adotar um modelo penal garantista, além da legalidade formal deve haver, também, aquela de cunho material. Devem ser obedecidas não só as formas e procedimentos impostos pela Constituição, mas também, e principalmente, o seu conteúdo, respeitando-se

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 89

12 GRECO, R. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 98-99.

suas proibições e imposições para a garantia de 12nossos direitos fundamentais por ela previstos.

Atualmente não se pode deixar de considerar que o modelo de direito penal se pauta, no Brasil, pelos princípios limitadores do poder punitivo do Estado, previstos na Constituição Federal, deixando de ser legítima a intervenção Estatal no direito à liberdade do cidadão quando se apresentar criminalizando condutas por vias avessas à legalidade formal e material.

A norma penal no modelo garantista deve não somente ter vigência, mas apresentar-se válida. A norma é vigente quando presente a legalidade formal. No entanto, somente será válida e, portanto, passível de aplicação, se estiver conforme o texto constitucional.

O modelo atual de Estado Constitucional de Direito que incorporou o direito internacional de direitos humanos à ordem interna exige, ainda, que a validade da norma também se condicione à conformidade com os tratados e convenções de direitos humanos incorporados à ordem interna.

O ordenamento jurídico penal ainda não apresenta lei vigente e válida que conceitue crime organizado, ante a ausência da descrição típica da referida conduta proibida. A Convenção de Palermo, além de ser espécie normativa desprovida de legalidade formal, não se prestando a criminalização de condutas na ordem interna, conceitua o que vem a ser crime organizado transnacional, não preenchendo o vácuo existente pela falta de conceituação legal de crime organizado sem os contornos da transnacionalidade. Ademais, é princípio basilar do Estado Constitucional a vedação do emprego de analogia ou qualquer outro recurso para a criminalização de condutas.

Conclusão

O moderno Estado Constitucional de Direito Transnacional está intimamente relacionado com o princípio da legalidade, sobretudo em matéria penal, pois a subordinação de

11 SILVA, J. A. Comentários contextuais à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 138.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200988

Somente o Estado, através do poder legislativo, detentor do direito de punir, é único titular da criação e ampliação do jus puniendi, cabendo-lhe exclusivamente a criação de normas penais que incriminam condutas.

O Estado, embora detentor do jus puniendi, na criação e ampliação de criminalização de condutas, não pode exercê-lo à margem dos princípios limitadores do seu direito de punir, pois esta é uma característica do Estado de Direito Constitucional.

Em matéria penal que incrimina condutas, o princípio da reserva legal adquire dimensão de destaque. Inserido no inciso XXXIX, do artigo 5º da Constituição Federal, exige que a conduta, para ser crime, deve subsumir-se ao tipo legal definido por lei.Mas ainda há que se perguntar: que lei? A resposta é: a lei formal, a lei produzida pelo Congresso N a c i o n a l s e g u n d o o p r o c e d i m e n t o constitucionalmente estabelecido, pois cabe a União legislar sobre a matéria (art. 22, I). Não se admite a definição de infração penal nem por decreto, nem por lei delegada e, conseqüentemente, nem por lei

11delegada.

Ainda, colhe-se da doutrina de Rogério Greco:

Um direito Penal que procura estar inserido sob uma ótica garantista deve obrigatoriamente discernir os critérios de legalidade formal e material, sendo ambos indispensáveis à aplicação da lei penal. Por legalidade formal entende-se a obediência aos trâmites procedimentais previstos pela Constituição para que determinado diploma legal possa vir a fazer parte de nosso ordenamento jurídico. Contudo, em um Estado Constitucional de Direito, no qual se pretende adotar um modelo penal garantista, além da legalidade formal deve haver, também, aquela de cunho material. Devem ser obedecidas não só as formas e procedimentos impostos pela Constituição, mas também, e principalmente, o seu conteúdo, respeitando-se

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12 GRECO, R. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 98-99.

suas proibições e imposições para a garantia de 12nossos direitos fundamentais por ela previstos.

Atualmente não se pode deixar de considerar que o modelo de direito penal se pauta, no Brasil, pelos princípios limitadores do poder punitivo do Estado, previstos na Constituição Federal, deixando de ser legítima a intervenção Estatal no direito à liberdade do cidadão quando se apresentar criminalizando condutas por vias avessas à legalidade formal e material.

A norma penal no modelo garantista deve não somente ter vigência, mas apresentar-se válida. A norma é vigente quando presente a legalidade formal. No entanto, somente será válida e, portanto, passível de aplicação, se estiver conforme o texto constitucional.

O modelo atual de Estado Constitucional de Direito que incorporou o direito internacional de direitos humanos à ordem interna exige, ainda, que a validade da norma também se condicione à conformidade com os tratados e convenções de direitos humanos incorporados à ordem interna.

O ordenamento jurídico penal ainda não apresenta lei vigente e válida que conceitue crime organizado, ante a ausência da descrição típica da referida conduta proibida. A Convenção de Palermo, além de ser espécie normativa desprovida de legalidade formal, não se prestando a criminalização de condutas na ordem interna, conceitua o que vem a ser crime organizado transnacional, não preenchendo o vácuo existente pela falta de conceituação legal de crime organizado sem os contornos da transnacionalidade. Ademais, é princípio basilar do Estado Constitucional a vedação do emprego de analogia ou qualquer outro recurso para a criminalização de condutas.

Conclusão

O moderno Estado Constitucional de Direito Transnacional está intimamente relacionado com o princípio da legalidade, sobretudo em matéria penal, pois a subordinação de

11 SILVA, J. A. Comentários contextuais à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 138.

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todos à lei é a única forma de se evitar a intervenção arbitrária do Estado nos direitos e garantias dos cidadãos, além de impedir que o Estado detenha o poder absoluto.

A Resolução do Conselho Nacional de Justiça que determina a criação de varas especializadas para o julgamento de crimes que sequer encontram tipificação no direito penal e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, admitindo a conceituação de organização criminosa adotado pela Convenção de Palermo, instrumento legal que, embora integrado a ordem interna, não se submeteu ao devido processo constitucional para sua formalização, parecem afrontar a Constituição Federal.

Esse pró-ativismo da Suprema Corte em matéria penal pode comprometer as garantias conquistadas ao longo do processo evolutivo do Estado de Direito, pois qualquer restrição ao direito a liberdade do cidadão sem a observância da legalidade formal e material, aumentando o poder punitivo do Estado, é suscetível de ensejar um retrocesso ao antigo e derrocado modelo de Estado Absolutista, com a diferença do poder se concentrar não mais nas mãos de um soberano, mas sob a autoridade daquele órgão que deveria, no atual e moderno Estado de Direito Constitucional, ser o fiel guardião das garantias conquistadas, sobretudo ao aplicar o Direito e promover a Justiça.

Referências

ACKERMAN, B. A nova separação dos poderes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. VII.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Ata da 20ª sessão ordinária, de 30 de maio de 2006. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/ siteantigocnj/index.php?option=com_content&task=view&id=84& Itemid=158&fontstyle=f-default)>. Acesso em: 24 abr. 2009.

GOMES, L. F. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 06 mai. 2009.

______. Estado Constitucional de Direito e a Nova Pirâmide Jurídica. São Paulo: Premier, 2008.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 91

GRECO, R. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

JUNIOR, J. N. M. Estado Constitucional de Direito: Breves considerações sobre o Estado de Direito. 2007. Disponível em: http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_2/num _3/joao%20nunes.pdf.

PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2009.

SILVA, J. A. Comentários contextuais à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200990

todos à lei é a única forma de se evitar a intervenção arbitrária do Estado nos direitos e garantias dos cidadãos, além de impedir que o Estado detenha o poder absoluto.

A Resolução do Conselho Nacional de Justiça que determina a criação de varas especializadas para o julgamento de crimes que sequer encontram tipificação no direito penal e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, admitindo a conceituação de organização criminosa adotado pela Convenção de Palermo, instrumento legal que, embora integrado a ordem interna, não se submeteu ao devido processo constitucional para sua formalização, parecem afrontar a Constituição Federal.

Esse pró-ativismo da Suprema Corte em matéria penal pode comprometer as garantias conquistadas ao longo do processo evolutivo do Estado de Direito, pois qualquer restrição ao direito a liberdade do cidadão sem a observância da legalidade formal e material, aumentando o poder punitivo do Estado, é suscetível de ensejar um retrocesso ao antigo e derrocado modelo de Estado Absolutista, com a diferença do poder se concentrar não mais nas mãos de um soberano, mas sob a autoridade daquele órgão que deveria, no atual e moderno Estado de Direito Constitucional, ser o fiel guardião das garantias conquistadas, sobretudo ao aplicar o Direito e promover a Justiça.

Referências

ACKERMAN, B. A nova separação dos poderes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. VII.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Ata da 20ª sessão ordinária, de 30 de maio de 2006. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/ siteantigocnj/index.php?option=com_content&task=view&id=84& Itemid=158&fontstyle=f-default)>. Acesso em: 24 abr. 2009.

GOMES, L. F. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 06 mai. 2009.

______. Estado Constitucional de Direito e a Nova Pirâmide Jurídica. São Paulo: Premier, 2008.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 91

GRECO, R. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

JUNIOR, J. N. M. Estado Constitucional de Direito: Breves considerações sobre o Estado de Direito. 2007. Disponível em: http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_2/num _3/joao%20nunes.pdf.

PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2009.

SILVA, J. A. Comentários contextuais à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

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6 FARIAS, op. cit., p. 138.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200992 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 93

Resumo:O presente artigo científico versa sobre a grande celeuma instaurada no cenário jurídico-científico acerca da definição do início da vida humana, a partir da Lei da Biossegurança, cuja constitucionalidade foi confirmada pela Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510. Após elencar os argumentos empregados no voto líder, de lavra do eminente Min. Carlos Brito, relator da referida ação, o texto aponta a viabilidade científica e terapêutica na utilização de embriões sem potencialidade reprodutiva para a pesquisa com células-tronco, verdadeira mutação bioética de cariz evolutivo-social, sem qualquer vulneração à dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: início da vida, momento, mutação bioética, pesquisa, células-tronco, embriões inviáveis, fins terapêuticos.

Os estudos bioéticos demonstram que se tornou inadiável instaurar um debate público e amplo sobre o que seria certo ou errado frente aos avanços das ciências biológicas. Com efeito, a Lei 9.434/97 redefiniu o término da vida com base no fim do funcionamento cerebral, em substituição ao critério da parada cardiorrespiratória, o que implica mutação bioética com relação ao momento da morte. De igual maneira, a reprodução assistida, agora contemplada no art. 1.597 do Código Civil, pode implicar alteração quanto ao momento do início da vida.

A discussão atual versa sobre a manipulação de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, ou seja, a utilização de embriões inviáveis ou congelados há três anos ou mais, devido ao não aproveitamento em fecundação assistida. Segundo os cientistas, as células embrionárias possuem maior utilidade

O DIREITO E A POLÊMICA DO INÍCIO DA VIDA HUMANA

Lucas Danilo Vaz Costa Júnior*

* Promotor de Justiça em Goiás. Especialista em Direito Processual.

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6 FARIAS, op. cit., p. 138.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200992 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 93

Resumo:O presente artigo científico versa sobre a grande celeuma instaurada no cenário jurídico-científico acerca da definição do início da vida humana, a partir da Lei da Biossegurança, cuja constitucionalidade foi confirmada pela Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510. Após elencar os argumentos empregados no voto líder, de lavra do eminente Min. Carlos Brito, relator da referida ação, o texto aponta a viabilidade científica e terapêutica na utilização de embriões sem potencialidade reprodutiva para a pesquisa com células-tronco, verdadeira mutação bioética de cariz evolutivo-social, sem qualquer vulneração à dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: início da vida, momento, mutação bioética, pesquisa, células-tronco, embriões inviáveis, fins terapêuticos.

Os estudos bioéticos demonstram que se tornou inadiável instaurar um debate público e amplo sobre o que seria certo ou errado frente aos avanços das ciências biológicas. Com efeito, a Lei 9.434/97 redefiniu o término da vida com base no fim do funcionamento cerebral, em substituição ao critério da parada cardiorrespiratória, o que implica mutação bioética com relação ao momento da morte. De igual maneira, a reprodução assistida, agora contemplada no art. 1.597 do Código Civil, pode implicar alteração quanto ao momento do início da vida.

A discussão atual versa sobre a manipulação de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, ou seja, a utilização de embriões inviáveis ou congelados há três anos ou mais, devido ao não aproveitamento em fecundação assistida. Segundo os cientistas, as células embrionárias possuem maior utilidade

O DIREITO E A POLÊMICA DO INÍCIO DA VIDA HUMANA

Lucas Danilo Vaz Costa Júnior*

* Promotor de Justiça em Goiás. Especialista em Direito Processual.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200994

terapêutica se comparadas com as células adultas, por serem dotadas da capacidade natural de dar origem a órgãos complexos do corpo humano.

Presente esse contexto, em 24/03/2005, o Congresso Nacional aprovou a Lei Federal 11.105/2005, conhecida como Lei da Biossegurança, a qual, dentre outros aspectos, regulamentou a utilização das denominadas células-tronco embrionárias para fins terapêuticos e de pesquisa científica no país.

Entretanto, sob o entendimento de que tal diploma normativo vulneraria o direito à vida, o Procurador-Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510, em face do art. 5º da Lei de Biossegurança, para que o Supremo Tribunal Federal decidisse qual seria o momento do início da vida para, então, julgar a inconstitucionalidade da antedita lei. Todavia, o Pretório Excelso, sem fixar qual seria o marco do início da vida, julgou improcedente o pedido formulado na sobredita ADI, ao argumento de que a Constituição Federal não garante a inviolabilidade absoluta do direito à vida nem confere dignidade ao embrião humano mantido em laboratório.

O eminente Min. Carlos Ayres Brito, relator da ADI 3510, defendeu que a Constituição Federal, quando se refere a direitos e garantias constitucionais, fala do indivíduo-pessoa, ser humano, já nascido, desconsiderando o estado de embrião e feto, apesar de a legislação infraconstitucional ter cuidado do direito do nascituro, do ser concebido e ainda não nascido. O ministro sustentou a tese de que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano. Segundo ele, tem de haver a participação ativa da futura mãe. E o embrião, como mero material genético, não sobrevive no útero sem a mãe. Afirmou ainda que o zigoto (embrião em estágio inicial) é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro

1formado .Convém distinguir embrião e nascituro. Com efeito, o

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 95

2 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 942.

3 VIEIRA, T. R. et al. Células-tronco embrionárias e os direitos do nascituro - parte I. Revista Jurídica Consulex, ano X, n. 223, p. 14, 30 de abril de 2006.

nascituro é o ente humano concebido, mas não nascido. Trata-se de homem ou mulher em processo de gestação no útero da mãe.

2Conforme Silva , indica aquele que há de nascer, o ente gerado ou concebido que tem existência no ventre materno.

Já o embrião, não obstante ser dotado de carga genética própria, é um organismo celular resultante da união do óvulo com o espermatozóide, cujo êxito forma uma única célula denominada zigoto (ou ovo), o qual, implantado no útero materno, dá ensejo à concepção.

Nessa esteira, sobre o momento em que se inicia a vida 3humana, Maria Helena Diniz, citada por Vieira , ressalta, com

propriedade:

[...] a vida teria início, naturalmente, com a concepção no ventre materno. Desse modo, na fertilização in vitro, embora seja a fecundação do óvulo pelo espermatozóide que inicia a vida, seria a nidação do zigoto ou do ovo que a garantiria; logo, para alguns autores o nascituro só seria ‘pessoa’ quando o ovo fecundado fosse implantado no útero materno, sob a condição de nascimento com vida. Entretanto, noutra ponta há a corrente minoritária que afirma que o embrião já é pessoa.

Conquanto polêmico o tema, notadamente por conta de incursões de ordem religiosa, temos que a pesquisa científica não ameaça a dignidade humana quando se trata do emprego de células-tronco de embriões inviáveis, pois o legislador, acertadamente, permitiu pesquisas com embriões sem potencialidade reprodutiva, para os quais havia duas saídas, o descarte ou a pesquisa direcionada à utilidade terapêutica. Na ponderação de interesses, de forma correta, o legislador optou pela segunda alternativa.

Por certo, o tema divide opiniões e trava o embate a respeito da definição do início da vida. Assim como o conceito de morte evoluiu para atender aos anseios da sociedade, a saber, transplante de órgãos, o início da vida tende a ser amparado por conceitos

1 DISTRITO FEDERAL. Ação Direita de Inconstitucionalidade 3.510-0. Dispnível em: http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ adi3510relator.pdf.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200994

terapêutica se comparadas com as células adultas, por serem dotadas da capacidade natural de dar origem a órgãos complexos do corpo humano.

Presente esse contexto, em 24/03/2005, o Congresso Nacional aprovou a Lei Federal 11.105/2005, conhecida como Lei da Biossegurança, a qual, dentre outros aspectos, regulamentou a utilização das denominadas células-tronco embrionárias para fins terapêuticos e de pesquisa científica no país.

Entretanto, sob o entendimento de que tal diploma normativo vulneraria o direito à vida, o Procurador-Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510, em face do art. 5º da Lei de Biossegurança, para que o Supremo Tribunal Federal decidisse qual seria o momento do início da vida para, então, julgar a inconstitucionalidade da antedita lei. Todavia, o Pretório Excelso, sem fixar qual seria o marco do início da vida, julgou improcedente o pedido formulado na sobredita ADI, ao argumento de que a Constituição Federal não garante a inviolabilidade absoluta do direito à vida nem confere dignidade ao embrião humano mantido em laboratório.

O eminente Min. Carlos Ayres Brito, relator da ADI 3510, defendeu que a Constituição Federal, quando se refere a direitos e garantias constitucionais, fala do indivíduo-pessoa, ser humano, já nascido, desconsiderando o estado de embrião e feto, apesar de a legislação infraconstitucional ter cuidado do direito do nascituro, do ser concebido e ainda não nascido. O ministro sustentou a tese de que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano. Segundo ele, tem de haver a participação ativa da futura mãe. E o embrião, como mero material genético, não sobrevive no útero sem a mãe. Afirmou ainda que o zigoto (embrião em estágio inicial) é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro

1formado .Convém distinguir embrião e nascituro. Com efeito, o

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2 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 942.

3 VIEIRA, T. R. et al. Células-tronco embrionárias e os direitos do nascituro - parte I. Revista Jurídica Consulex, ano X, n. 223, p. 14, 30 de abril de 2006.

nascituro é o ente humano concebido, mas não nascido. Trata-se de homem ou mulher em processo de gestação no útero da mãe.

2Conforme Silva , indica aquele que há de nascer, o ente gerado ou concebido que tem existência no ventre materno.

Já o embrião, não obstante ser dotado de carga genética própria, é um organismo celular resultante da união do óvulo com o espermatozóide, cujo êxito forma uma única célula denominada zigoto (ou ovo), o qual, implantado no útero materno, dá ensejo à concepção.

Nessa esteira, sobre o momento em que se inicia a vida 3humana, Maria Helena Diniz, citada por Vieira , ressalta, com

propriedade:

[...] a vida teria início, naturalmente, com a concepção no ventre materno. Desse modo, na fertilização in vitro, embora seja a fecundação do óvulo pelo espermatozóide que inicia a vida, seria a nidação do zigoto ou do ovo que a garantiria; logo, para alguns autores o nascituro só seria ‘pessoa’ quando o ovo fecundado fosse implantado no útero materno, sob a condição de nascimento com vida. Entretanto, noutra ponta há a corrente minoritária que afirma que o embrião já é pessoa.

Conquanto polêmico o tema, notadamente por conta de incursões de ordem religiosa, temos que a pesquisa científica não ameaça a dignidade humana quando se trata do emprego de células-tronco de embriões inviáveis, pois o legislador, acertadamente, permitiu pesquisas com embriões sem potencialidade reprodutiva, para os quais havia duas saídas, o descarte ou a pesquisa direcionada à utilidade terapêutica. Na ponderação de interesses, de forma correta, o legislador optou pela segunda alternativa.

Por certo, o tema divide opiniões e trava o embate a respeito da definição do início da vida. Assim como o conceito de morte evoluiu para atender aos anseios da sociedade, a saber, transplante de órgãos, o início da vida tende a ser amparado por conceitos

1 DISTRITO FEDERAL. Ação Direita de Inconstitucionalidade 3.510-0. Dispnível em: http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ adi3510relator.pdf.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200996

científicos para atender aos fins terapêuticos, sem qualquer violação ao disposto na Constituição Federal.

Referências

DISTRITO FEDERAL. Ação Direita de Inconstitucionalidade 3.510-0. Dispnível em: http://www.stf.gov.br/ arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/ anexo/adi3510relator.pdf.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

VIEIRA, T. R. et al. Células-tronco embrionárias e os direitos do nascituro - parte I. Revista Jurídica Consulex, ano X, n. 223, p. 14, 30 de abril de 2006.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 97

Resumo:O sistema processual penal brasileiro consubstanciado no Código de Processo Penal de 1941 foi elaborado partindo-se da premissa de um juízo de antecipação da culpabilidade. Cabe, portanto, ao operador do Direito, interpretar o Título IX do CPP, “Da Prisão e da Liberdade Provisória”, à luz da Constituição da República de 1988, bem como sobre a batuta dos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade. É diante desse alerta que se analisará a constitucionalidade do inciso IV, do art. 313 do Código de Processo Penal, frente à nova jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca da prisão preventiva e o princípio da não culpabilidade ou presunção de inocência.

Palavras-chave: Prisão preventiva, Lei Maria da Penha, Constitucionalidade.

O ano de 2009 está sendo brindado com lúcidas decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca da prisão preventiva, cautelar por excelência, e o princípio da não culpabilidade. É o reflexo de anos de trabalho de doutrinadores acerca das incongruências do Código de Processo Penal frente ao sistema de direitos e garantias constitucionais brasileiro. Certamente chegará aos Tribunais Superiores a controvérsia envolvendo o disposto no art. 313, IV, do Código de Processo Penal, e espera-se uma decisão que coadune com a Constituição de 1988. O art. 313, IV, do CPP dispõe:

A PRISÃO PREVENTIVA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Maria Aparecida Nunes Amorim*

* Promotora de Justiça do Estado de Goiás, p s-graduada em Direito Penal pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Direito Penal pela Universidade de Brasília.

ó

Page 97: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS … · sedimentou na esfera civilista, alcançou o direito público, onde há muito se reconhece o dever de o Poder Público ressarcir os

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200996

científicos para atender aos fins terapêuticos, sem qualquer violação ao disposto na Constituição Federal.

Referências

DISTRITO FEDERAL. Ação Direita de Inconstitucionalidade 3.510-0. Dispnível em: http://www.stf.gov.br/ arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/ anexo/adi3510relator.pdf.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

VIEIRA, T. R. et al. Células-tronco embrionárias e os direitos do nascituro - parte I. Revista Jurídica Consulex, ano X, n. 223, p. 14, 30 de abril de 2006.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 97

Resumo:O sistema processual penal brasileiro consubstanciado no Código de Processo Penal de 1941 foi elaborado partindo-se da premissa de um juízo de antecipação da culpabilidade. Cabe, portanto, ao operador do Direito, interpretar o Título IX do CPP, “Da Prisão e da Liberdade Provisória”, à luz da Constituição da República de 1988, bem como sobre a batuta dos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade. É diante desse alerta que se analisará a constitucionalidade do inciso IV, do art. 313 do Código de Processo Penal, frente à nova jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca da prisão preventiva e o princípio da não culpabilidade ou presunção de inocência.

Palavras-chave: Prisão preventiva, Lei Maria da Penha, Constitucionalidade.

O ano de 2009 está sendo brindado com lúcidas decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca da prisão preventiva, cautelar por excelência, e o princípio da não culpabilidade. É o reflexo de anos de trabalho de doutrinadores acerca das incongruências do Código de Processo Penal frente ao sistema de direitos e garantias constitucionais brasileiro. Certamente chegará aos Tribunais Superiores a controvérsia envolvendo o disposto no art. 313, IV, do Código de Processo Penal, e espera-se uma decisão que coadune com a Constituição de 1988. O art. 313, IV, do CPP dispõe:

A PRISÃO PREVENTIVA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Maria Aparecida Nunes Amorim*

* Promotora de Justiça do Estado de Goiás, p s-graduada em Direito Penal pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Direito Penal pela Universidade de Brasília.

ó

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1 Redação dada pela Lei n. 6.416, de 24/05/1977.2 Incluído pela Lei n. 11.340, de 2006.3 GUIMARÃES, I. S.; MOREIRA, R. de A. A Lei Maria da Penha – aspectos

criminológicos, de política criminal e do procedimento penal. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 157.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200998

Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes

1dolosos: [...]IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas

2protetivas de urgência.

3Rômulo de Andrade Moreira , Procurador de Justiça da Bahia, em obra de sua coautoria, A Lei Maria da Penha – aspectos criminológicos, de política criminal e procedimento penal, escreve sobre o referido artigo:

A q u i m a i s u m a b s u r d o e u m a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha. Permite-se que qualquer que seja o crime (doloso), ainda que apenado com detenção (uma ameaça, por exemplo), seja decretada a prisão preventiva, bastando que estejam presentes o fumus commissi delicti (indícios da autoria e prova da existência do crime – art. 312, CPP) e que a prisão seja necessária para garantir a execução das medidas de proteção de urgência. A lei criou, portanto, este novo requisito a ensejar a prisão preventiva.

É certo que os defensores árduos da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), talvez cegados por posições ideológicas extremadas que impedem de vislumbrar inconstitucionalidades na referida lei em nome da defesa do gênero mulher, entendem que houve apenas um equívoco do legislador, vez que o disposto no art. 313, IV, do CPP deveria constar de fato na redação do art. 312 daquele diploma legal. Eles consideram que há a natureza de verdadeiro fundamento da prisão preventiva no disposto no inciso quarto do art. 313, CPP, e que é possível, portanto, sem pecha de

4 GUIMARÃES; MOREIRA, op. cit., p. 156.5 TÁVORA, N.; ALENCAR, R. R. Curso de Direito Processual Penal. 3.ed.

rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 483.6 NUCCI, G. de S. Leis penais e processuais penais comentadas. 3.ed. rev. atual

e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1141-1142.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 99

inconstitucionalidade, a decretação da preventiva para que se garanta a eficácia das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Nessa visão distorcida não seria mais necessária a demonstração dos requisitos da garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal, além da magnitude da lesão causada nos casos dos crimes

4contra o Sistema Financeiro Nacional . Data vênia, o debate não pode se resumir a tal assertiva, pois o problema reside em reconhecer a preventiva in casu como verdadeira prisão de cunho

5obrigacional , bem como a possibilidade de infligir uma verdadeira prisão pena a alguém que não foi definitivamente julgado, podendo ser que a pena definitiva, se culpado o agressor, seja bem menor do que a pena cautelar cumprida durante o

6decorrer do processo .Ambas situações são incompatíveis com a Constituição

Federal e com o sistema de princípios penais e processuais penais plasmados no sistema brasileiro. A primeira tese, de que a prisão preventiva, no caso do art. 313, IV, não pode ser entendida como de cunho obrigacional, é defendida por Nestor Távora, defensor público em Alagoas, e por Rosmar Alencar, Juiz Federal. Eles compreendem que não há que se imprimir a tal preventiva um efeito coativo à realização das medidas protetivas em razão da própria interpretação sistemática do diploma 11.340/06. O art. 22 da referida lei traz:

Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas

oprotetivas de urgência, entre outras: [...]§ 3 Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer

omomento, auxílio da força policial. § 4 Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art.

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1 Redação dada pela Lei n. 6.416, de 24/05/1977.2 Incluído pela Lei n. 11.340, de 2006.3 GUIMARÃES, I. S.; MOREIRA, R. de A. A Lei Maria da Penha – aspectos

criminológicos, de política criminal e do procedimento penal. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 157.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/200998

Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes

1dolosos: [...]IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas

2protetivas de urgência.

3Rômulo de Andrade Moreira , Procurador de Justiça da Bahia, em obra de sua coautoria, A Lei Maria da Penha – aspectos criminológicos, de política criminal e procedimento penal, escreve sobre o referido artigo:

A q u i m a i s u m a b s u r d o e u m a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha. Permite-se que qualquer que seja o crime (doloso), ainda que apenado com detenção (uma ameaça, por exemplo), seja decretada a prisão preventiva, bastando que estejam presentes o fumus commissi delicti (indícios da autoria e prova da existência do crime – art. 312, CPP) e que a prisão seja necessária para garantir a execução das medidas de proteção de urgência. A lei criou, portanto, este novo requisito a ensejar a prisão preventiva.

É certo que os defensores árduos da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), talvez cegados por posições ideológicas extremadas que impedem de vislumbrar inconstitucionalidades na referida lei em nome da defesa do gênero mulher, entendem que houve apenas um equívoco do legislador, vez que o disposto no art. 313, IV, do CPP deveria constar de fato na redação do art. 312 daquele diploma legal. Eles consideram que há a natureza de verdadeiro fundamento da prisão preventiva no disposto no inciso quarto do art. 313, CPP, e que é possível, portanto, sem pecha de

4 GUIMARÃES; MOREIRA, op. cit., p. 156.5 TÁVORA, N.; ALENCAR, R. R. Curso de Direito Processual Penal. 3.ed.

rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 483.6 NUCCI, G. de S. Leis penais e processuais penais comentadas. 3.ed. rev. atual

e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 1141-1142.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 99

inconstitucionalidade, a decretação da preventiva para que se garanta a eficácia das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Nessa visão distorcida não seria mais necessária a demonstração dos requisitos da garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal, além da magnitude da lesão causada nos casos dos crimes

4contra o Sistema Financeiro Nacional . Data vênia, o debate não pode se resumir a tal assertiva, pois o problema reside em reconhecer a preventiva in casu como verdadeira prisão de cunho

5obrigacional , bem como a possibilidade de infligir uma verdadeira prisão pena a alguém que não foi definitivamente julgado, podendo ser que a pena definitiva, se culpado o agressor, seja bem menor do que a pena cautelar cumprida durante o

6decorrer do processo .Ambas situações são incompatíveis com a Constituição

Federal e com o sistema de princípios penais e processuais penais plasmados no sistema brasileiro. A primeira tese, de que a prisão preventiva, no caso do art. 313, IV, não pode ser entendida como de cunho obrigacional, é defendida por Nestor Távora, defensor público em Alagoas, e por Rosmar Alencar, Juiz Federal. Eles compreendem que não há que se imprimir a tal preventiva um efeito coativo à realização das medidas protetivas em razão da própria interpretação sistemática do diploma 11.340/06. O art. 22 da referida lei traz:

Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas

oprotetivas de urgência, entre outras: [...]§ 3 Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer

omomento, auxílio da força policial. § 4 Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009100

461 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 7(Código de Processo Civil) . (grifos nossos)

Ora, se o legislador inseriu na lei a possibilidade de o juiz requisitar a força policial a qualquer tempo para efetivação das medidas protetivas, não há que se valer, portanto, da decretação da prisão preventiva, vez que outra alternativa menos onerosa e mais condizente com a ordem constitucional foi oferecida ao magistrado. Impende notar, ainda, que o parágrafo quarto do art. 22 em tela invoca a aplicação de dispositivos do Código de Processo Civil que tratam de ferramentas de coação para dar efetividade a certas obrigações, imposição de astreintes, busca e apreensão etc. Há, portanto, outros meios eficazes para a proteção da mulher e menos onerosos ao réu para se percorrer. E quanto ao segundo questionamento acerca da preventiva nos delitos de

8violência doméstica, Guilherme de Souza Nucci critica a possibilidade da preventiva em todos os delitos que envolvem violência doméstica, e alerta:

Se preenchidos os requisitos legais (art. 312, CPP), cabe a custódia cautelar. Entretanto, é fundamental muita cautela para tomar essa medida. Há delitos incompatíveis com a decretação de prisão preventiva. Ilustrando: a lesão corporal possui pena de detenção de três meses a três anos; a ameaça, de detenção de um a seis meses, ou multa. São infrações penais que não comportam preventiva, pois a pena a ser aplicada, no futuro, seria insuficiente para “cobrir” o tempo de prisão cautelar (aplicando-se, naturalmente, a detração conforme art. 42 do Código Penal). Leve-se em conta, inclusive, para essa ponderação, que vigora no Brasil a chamada política da pena mínima, vale dizer, os juízes, raramente, aplicam pena acima do piso e, quando o fazem é um elevação ínfima, bem distante do máximo. Estaria configurada uma violação abominável contra o réu, que ficaria

7 BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato 2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 30 mai. 2009.

8 NUCCI, op. cit., p. 1141-1142.

cautelarmente detido por mais tempo do que a pena futura a ser aplicada. Por tal motivo, o juiz deve ponderar, como se faz nos processos criminais comuns, se a prisão preventiva é, realmente, necessária e compatível com o crime cometido em tese.

Insta observar que a aplicação do art. 313, inciso IV, somente será possível se presentes pelo menos os requisitos da preventiva, bem como uma das hipóteses da decretação da cautelar, no art. 312 do Código de Processo. A aplicação da prisão preventiva somente tendo como escopo a efetividade das medidas protetivas pode ensejar injustiças maiores perante o sistema penal, seja em razão de existirem outros meios que impõem uma eficácia às medidas protetivas, seja em razão de a prisão cautelar no caso se consubstanciar em uma injustiça em virtude da possibilidade de o réu ficar preso cautelarmente por um tempo superior ao de sua condenação futura e definitiva. Dessarte, é muito provável que a interpretação futura dos Tribunais Superiores possa corrigir a distorção efetivada pela falta de técnica legislativa do parlamentar brasileiro, em respeito à unidade da Constituição e da interpretação de todo o sistema legislativo, de acordo com a Constituição Federal, e não o contrário. A prisão preventiva nos delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher será possível se presente a comprovação da materialidade, os indícios da autoria e a subsunção a uma das hipóteses autorizadoras da decretação constantes no art. 312 do CPP. Dessa forma, a proteção será oferecida de maneira equânime à ofendida, bem como ao acusado, em respeito ao princípio da proporcionalidade e ao princípio da isonomia.

Referências

BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/ L11340.htm>. Acesso em: 30 mai. 2009.

GUIMARÃES, I. S.; MOREIRA, R. de A. A Lei Maria da Penha –

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461 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 7(Código de Processo Civil) . (grifos nossos)

Ora, se o legislador inseriu na lei a possibilidade de o juiz requisitar a força policial a qualquer tempo para efetivação das medidas protetivas, não há que se valer, portanto, da decretação da prisão preventiva, vez que outra alternativa menos onerosa e mais condizente com a ordem constitucional foi oferecida ao magistrado. Impende notar, ainda, que o parágrafo quarto do art. 22 em tela invoca a aplicação de dispositivos do Código de Processo Civil que tratam de ferramentas de coação para dar efetividade a certas obrigações, imposição de astreintes, busca e apreensão etc. Há, portanto, outros meios eficazes para a proteção da mulher e menos onerosos ao réu para se percorrer. E quanto ao segundo questionamento acerca da preventiva nos delitos de

8violência doméstica, Guilherme de Souza Nucci critica a possibilidade da preventiva em todos os delitos que envolvem violência doméstica, e alerta:

Se preenchidos os requisitos legais (art. 312, CPP), cabe a custódia cautelar. Entretanto, é fundamental muita cautela para tomar essa medida. Há delitos incompatíveis com a decretação de prisão preventiva. Ilustrando: a lesão corporal possui pena de detenção de três meses a três anos; a ameaça, de detenção de um a seis meses, ou multa. São infrações penais que não comportam preventiva, pois a pena a ser aplicada, no futuro, seria insuficiente para “cobrir” o tempo de prisão cautelar (aplicando-se, naturalmente, a detração conforme art. 42 do Código Penal). Leve-se em conta, inclusive, para essa ponderação, que vigora no Brasil a chamada política da pena mínima, vale dizer, os juízes, raramente, aplicam pena acima do piso e, quando o fazem é um elevação ínfima, bem distante do máximo. Estaria configurada uma violação abominável contra o réu, que ficaria

7 BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato 2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 30 mai. 2009.

8 NUCCI, op. cit., p. 1141-1142.

cautelarmente detido por mais tempo do que a pena futura a ser aplicada. Por tal motivo, o juiz deve ponderar, como se faz nos processos criminais comuns, se a prisão preventiva é, realmente, necessária e compatível com o crime cometido em tese.

Insta observar que a aplicação do art. 313, inciso IV, somente será possível se presentes pelo menos os requisitos da preventiva, bem como uma das hipóteses da decretação da cautelar, no art. 312 do Código de Processo. A aplicação da prisão preventiva somente tendo como escopo a efetividade das medidas protetivas pode ensejar injustiças maiores perante o sistema penal, seja em razão de existirem outros meios que impõem uma eficácia às medidas protetivas, seja em razão de a prisão cautelar no caso se consubstanciar em uma injustiça em virtude da possibilidade de o réu ficar preso cautelarmente por um tempo superior ao de sua condenação futura e definitiva. Dessarte, é muito provável que a interpretação futura dos Tribunais Superiores possa corrigir a distorção efetivada pela falta de técnica legislativa do parlamentar brasileiro, em respeito à unidade da Constituição e da interpretação de todo o sistema legislativo, de acordo com a Constituição Federal, e não o contrário. A prisão preventiva nos delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher será possível se presente a comprovação da materialidade, os indícios da autoria e a subsunção a uma das hipóteses autorizadoras da decretação constantes no art. 312 do CPP. Dessa forma, a proteção será oferecida de maneira equânime à ofendida, bem como ao acusado, em respeito ao princípio da proporcionalidade e ao princípio da isonomia.

Referências

BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/ L11340.htm>. Acesso em: 30 mai. 2009.

GUIMARÃES, I. S.; MOREIRA, R. de A. A Lei Maria da Penha –

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009102

aspectos criminológicos, de política criminal e do procedimento penal. Salvador: JusPodivm, 2008.

NUCCI, G. de S. Leis penais e processuais penais comentadas. 3.ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

TÁVORA, N.; ALENCAR, R. R. Curso de Direito Processual Penal. 3.ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2009.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 103

Resumo:O custo econômico, político e social da falta de investimento humano, estrutural e responsável na infância e na juventude impede a efetivação dos direitos fundamentais afetos às pessoas que se encontram na peculiar condição de desenvolvimento, isto é, crianças e adolescentes. A promoção e a defesa dos direitos fundamentais afetos à criança e ao adolescente se consolidam na implementação da dotação orçamentária destinada às políticas sociais públicas formuladas em prol da infância e da juventude, com absoluta prioridade.

Palavras-chave: Direito da Criança e do Adolescente, políticas públicas, direitos fundamentais, doutrina da proteção integral, absoluta prioridade.

O custo econômico, político e social da falta de investimento humano, estrutural e responsável na infância e na juventude, por certo somente é superável pelo desinvestimento congênere que se opera através do desmantelamento das políticas públicas já estabelecidas. Por política pública entende-se, aqui, na área infanto-juvenil, principalmente, a vinculação legislativa da destinação de recursos públicos a programas e planos de atendimento das necessidades vitais básicas afetas à criança e ao adolescente. Isto é, a determinação legal de dotação orçamentária específica para o desenvolvimento e manutenção de programas e planos de custeio de ações e serviços que atendam às demandas próprias e inerentes à formação pessoal, familiar e comunitária das crianças e dos adolescentes.

CUSTO DO NÃO INVESTIMENTO NA INFÂNCIA E NA JUVENTUDE

Mário Luiz Ramidoff*

* Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná. Mestre (CPGD-UFSC) e Doutor em Direito (PPGD-UFPR). Professor da UniCuritiba.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009102

aspectos criminológicos, de política criminal e do procedimento penal. Salvador: JusPodivm, 2008.

NUCCI, G. de S. Leis penais e processuais penais comentadas. 3.ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

TÁVORA, N.; ALENCAR, R. R. Curso de Direito Processual Penal. 3.ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2009.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 103

Resumo:O custo econômico, político e social da falta de investimento humano, estrutural e responsável na infância e na juventude impede a efetivação dos direitos fundamentais afetos às pessoas que se encontram na peculiar condição de desenvolvimento, isto é, crianças e adolescentes. A promoção e a defesa dos direitos fundamentais afetos à criança e ao adolescente se consolidam na implementação da dotação orçamentária destinada às políticas sociais públicas formuladas em prol da infância e da juventude, com absoluta prioridade.

Palavras-chave: Direito da Criança e do Adolescente, políticas públicas, direitos fundamentais, doutrina da proteção integral, absoluta prioridade.

O custo econômico, político e social da falta de investimento humano, estrutural e responsável na infância e na juventude, por certo somente é superável pelo desinvestimento congênere que se opera através do desmantelamento das políticas públicas já estabelecidas. Por política pública entende-se, aqui, na área infanto-juvenil, principalmente, a vinculação legislativa da destinação de recursos públicos a programas e planos de atendimento das necessidades vitais básicas afetas à criança e ao adolescente. Isto é, a determinação legal de dotação orçamentária específica para o desenvolvimento e manutenção de programas e planos de custeio de ações e serviços que atendam às demandas próprias e inerentes à formação pessoal, familiar e comunitária das crianças e dos adolescentes.

CUSTO DO NÃO INVESTIMENTO NA INFÂNCIA E NA JUVENTUDE

Mário Luiz Ramidoff*

* Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná. Mestre (CPGD-UFSC) e Doutor em Direito (PPGD-UFPR). Professor da UniCuritiba.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009104

Por isso, é importante ressaltar que os aspectos econômicos, políticos e sociais não são estanques e muito menos puros. Ou seja, não podem ser considerados isolados ou mesmo destacadamente um dos outros, pois, na verdade, imbricam-se num verdadeiro mix conceitual para que se possa efetivamente contemplar as complexas condições humanas elementares da existência humana, quais sejam: a infância e a juventude. Por mais grave que seja a falta ou a carência econômico-financeira pessoal e familiar desses seres humanos que se encontram na condição peculiar de desenvolvimento, é certo que continuam a sustentar a titularidade de direitos fundamentais pertinentes à condição jurídica de “sujeitos de direito”.

Tal condição humana elementar à criança e ao adolescente, enquanto ser humano em formação da personalidade (desenvolvimento físico e psíquico), enseja o reconhecimento legal da absoluta prioridade (garantia) na “efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, nos termos do

1art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente .Idêntica proposição afirmativa dos direitos fundamentais

afetos à infância e à juventude já havia sido consignada no texto constitucional – art. 227, da Constituição da República de 1988 – através da adoção da denominada “doutrina da proteção integral”,

2 3cuja vertente humanitária se fundamenta na “teoria do interesse” ,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 105

4isto é, do superior e do “melhor interesse da criança” e do adolescente, enquanto opção político-ideológica social do Constituinte de 1987/1988.

A compreensão para o enfrentamento das inúmeras e diferenciadas espécies de ameaças e de violências – por vezes

5endêmicas, como, por exemplo, a corrupção – aos direitos fundamentais afetos à infância e à juventude, perpassa não só pela

6análise de suas “origens e teorias” , mas, também, pela elaboração de estudos e pesquisas acerca das reais condições de vida

7experimentadas pela população infanto-juvenil . Por isso, é fundamental a participação popular nas discussões acerca da formulação da “Lei de Diretrizes Orçamentárias”, bem como do

8“Plano Plurianual” e da “Lei Orçamentária Anual” . Os baixos níveis de escolaridade e desempenho acadêmico

da população infanto-juvenil, então, associados aos altos índices

1 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRASIL. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/ L8069.htm).

2 Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada em Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.

3 MACCORMICK, N. Derecho legal y socialdemocracia: ensayos sobre filosofía jurídica y política. Trad. de Maria Lola González Soler. Madrid: Tecnos, 1990.

4 PEREIRA, T. da S. (Coord.). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

5 RAMIDOFF, M. L. Repúdio à responsabilização penal de adolescentes infratores. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/. Acesso em: 11 out. 2007. Vale dizer, “é certo que tais medidas legislativas de caráter meramente repressivo-punitivo não reduzirão, como nunca reduziram, sequer, minimamente, a violência estrutural – isto é, a miséria, o desemprego, a falta de apoio institucional às famílias, a corrupção (“mensalões”, “sanguessugas”, “apagões aéreos”, “operação furacão”, etc.) –, na qual se encontra histórico e culturalmente mergulhada a família, a sociedade e o Estado brasileiro”.

6 BAUER, G. G. T. Origens e teorias sobre a violência. Curitiba, 2007. Texto inédito. O autor destaca o aspecto político do conteúdo da violência, a qual, por vezes, “é decorrente de relacionamentos sociais” vinculados a questões estruturais, como, por exemplo, a “situação de autoridade”, que produz faltas e desvios de poder. A violência necessita de instrumental “para se efetivar, obedecendo a uma lógica de realização, utilizando-se dos meios mais apropriados para atingir os objetivos almejados [...] passando-se a fazer uso de meios administrativo-burocráticos estatais e de conhecimentos científicos para a eliminação ou extermínio de grupos e povos inteiros, como meta e ação fundamental da política”.

7 CUNNINGHAM, W. (Coord.). Jovens em situação de risco no Brasil. v. I. (Achados relevantes para as políticas públicas – Policy Briefing). v. II (Relatório Técnico). Brasília: Unidade de Gerenciamento do Brasil, do Banco Mundial, 2007.

8 VENERI, T. Orçamento público do Paraná. Curitiba: Assembléia Legislativa do Paraná, 2007.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009104

Por isso, é importante ressaltar que os aspectos econômicos, políticos e sociais não são estanques e muito menos puros. Ou seja, não podem ser considerados isolados ou mesmo destacadamente um dos outros, pois, na verdade, imbricam-se num verdadeiro mix conceitual para que se possa efetivamente contemplar as complexas condições humanas elementares da existência humana, quais sejam: a infância e a juventude. Por mais grave que seja a falta ou a carência econômico-financeira pessoal e familiar desses seres humanos que se encontram na condição peculiar de desenvolvimento, é certo que continuam a sustentar a titularidade de direitos fundamentais pertinentes à condição jurídica de “sujeitos de direito”.

Tal condição humana elementar à criança e ao adolescente, enquanto ser humano em formação da personalidade (desenvolvimento físico e psíquico), enseja o reconhecimento legal da absoluta prioridade (garantia) na “efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, nos termos do

1art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente .Idêntica proposição afirmativa dos direitos fundamentais

afetos à infância e à juventude já havia sido consignada no texto constitucional – art. 227, da Constituição da República de 1988 – através da adoção da denominada “doutrina da proteção integral”,

2 3cuja vertente humanitária se fundamenta na “teoria do interesse” ,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 105

4isto é, do superior e do “melhor interesse da criança” e do adolescente, enquanto opção político-ideológica social do Constituinte de 1987/1988.

A compreensão para o enfrentamento das inúmeras e diferenciadas espécies de ameaças e de violências – por vezes

5endêmicas, como, por exemplo, a corrupção – aos direitos fundamentais afetos à infância e à juventude, perpassa não só pela

6análise de suas “origens e teorias” , mas, também, pela elaboração de estudos e pesquisas acerca das reais condições de vida

7experimentadas pela população infanto-juvenil . Por isso, é fundamental a participação popular nas discussões acerca da formulação da “Lei de Diretrizes Orçamentárias”, bem como do

8“Plano Plurianual” e da “Lei Orçamentária Anual” . Os baixos níveis de escolaridade e desempenho acadêmico

da população infanto-juvenil, então, associados aos altos índices

1 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRASIL. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/ L8069.htm).

2 Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada em Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.

3 MACCORMICK, N. Derecho legal y socialdemocracia: ensayos sobre filosofía jurídica y política. Trad. de Maria Lola González Soler. Madrid: Tecnos, 1990.

4 PEREIRA, T. da S. (Coord.). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

5 RAMIDOFF, M. L. Repúdio à responsabilização penal de adolescentes infratores. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/. Acesso em: 11 out. 2007. Vale dizer, “é certo que tais medidas legislativas de caráter meramente repressivo-punitivo não reduzirão, como nunca reduziram, sequer, minimamente, a violência estrutural – isto é, a miséria, o desemprego, a falta de apoio institucional às famílias, a corrupção (“mensalões”, “sanguessugas”, “apagões aéreos”, “operação furacão”, etc.) –, na qual se encontra histórico e culturalmente mergulhada a família, a sociedade e o Estado brasileiro”.

6 BAUER, G. G. T. Origens e teorias sobre a violência. Curitiba, 2007. Texto inédito. O autor destaca o aspecto político do conteúdo da violência, a qual, por vezes, “é decorrente de relacionamentos sociais” vinculados a questões estruturais, como, por exemplo, a “situação de autoridade”, que produz faltas e desvios de poder. A violência necessita de instrumental “para se efetivar, obedecendo a uma lógica de realização, utilizando-se dos meios mais apropriados para atingir os objetivos almejados [...] passando-se a fazer uso de meios administrativo-burocráticos estatais e de conhecimentos científicos para a eliminação ou extermínio de grupos e povos inteiros, como meta e ação fundamental da política”.

7 CUNNINGHAM, W. (Coord.). Jovens em situação de risco no Brasil. v. I. (Achados relevantes para as políticas públicas – Policy Briefing). v. II (Relatório Técnico). Brasília: Unidade de Gerenciamento do Brasil, do Banco Mundial, 2007.

8 VENERI, T. Orçamento público do Paraná. Curitiba: Assembléia Legislativa do Paraná, 2007.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009106

de miserabilidade dos núcleos familiares em que se encontra inserido considerável número de crianças e adolescentes, no Brasil, aumentam consideravelmente as possibilidades de vitimização dessas pessoas que se encontram na condição peculiar de desenvolvimento, principalmente quando desenvolvem comportamentos relacionados à “atividade sexual, violência, uso

9ilegal de drogas e desemprego” . Dessa forma, a identificação de “determinantes

contextuais e conjunturais”, aliada à comparação das “experiências internacionais”, constituem-se importantes elementos “na formulação e na execução das políticas sociais públicas” (art. 4º do Estatuto), em prol da efetivação dos direitos fundamentais afetos à criança e ao adolescente.

As políticas sociais públicas perpassam pelo investimento de recursos públicos na (re)estruturação material – como, por exemplo, instalações adequadas para o regular funcionamento do Conselho Tutelar – e pessoal – como, por exemplo, contratação e formação profissional permanente, plano de cargo e salários, etc. – dos equipamentos, das instituições públicas e organizações sociais que realizam atendimento direto e indireto a crianças e adolescentes que se encontram em situação de ameaça ou de violência – art. 70, do Estatuto.

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, juntamente com as Secretarias Especiais da Criança e do Adolescente, por seu turno, deverão deliberar acerca das diretrizes das políticas sociais públicas a serem implementadas através da intervenção de proposições afirmativas das organizações sociais.

A articulação das esferas de poder – Federal, Estadual, Distrital e Municipal – deve atentar para a estratégia político-administrativa de descentralização do atendimento. Contudo, é importante frisar que a descentralização, enquanto diretriz da política de atendimento que se opera através da municipalização – inc. I, do art. 88, do Estatuto –, por certo não isenta as demais esferas de poder da responsabilidade, principalmente, acerca do investimento de recursos públicos e financiamentos de programas e planos de atendimento – art. 227, da Constituição da República de 1988 e art. 4º, § único, alínea “d”, do Estatuto.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 107

10 CADEMARTORI, S. U. de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

11 DIMENSTEIN, G. Quanto custa Renan Calheiros. Jornal Folha de São Paulo, Cotidiano, p. C11, Domingo 16 de setembro de 2007.

12 Segundo o autor (op. cit.), “não há fórmula matemática para calcular o custo da desconfiança, mas, certamente, a falta de confiança nas instituições explica uma boa parte da miséria brasileira”.

Política de atendimento, assim, enquanto expressão das políticas sociais públicas destinadas à efetivação dos direitos fundamentais inerentes à criança e ao adolescente, constitui-se num instrumental obrigatório e vinculante para o Administrador Público. Assim, por política de atendimento também deve ser entendida a destinação orçamentária de recursos públicos (dotação) para fins previamente especificados por lei para execução de ações e serviços de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

A promoção e a defesa dos direitos fundamentais afetos à criança e ao adolescente se consolidam na implementação da dotação orçamentária destinada às políticas sociais públicas formuladas em prol da infância e da juventude, devendo-se, assim, constituírem-se em compromissos democráticos da família, da comunidade (sociedade civil) e, principalmente, dos Poderes

10Públicos que se entendam como expressões constitucionais do Estado Democrático de Direito.

Enfim, o custo econômico, político e social da falta de investimento humano, estrutural e responsável, na infância e na

11juventude, importa na redução drástica do “capital social” brasileiro. Isto é, a diminuição da “riqueza que nasce do relacionamento entre os indivíduos dispostos a aceitar desafios

12conjuntos”, segundo Gilberto Dimenstein , para quem “há muitos estudos mostrando a relação entre desenvolvimento econômico e capital social, especialmente quando vinculados a investimento em qualificação educacional, ou seja, na produção de capital humano”.

Dessa maneira, será possível diminuir o custo pessoal, familiar e comunitário decorrente do não investimento econômico (dotações orçamentárias), político (políticas sociais públicas) e social (fortalecimento dos Conselhos dos Direitos e dos Conselhos Tutelares) na infância e na juventude brasileira.

9 CUNNINGHAM, op. cit.

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de miserabilidade dos núcleos familiares em que se encontra inserido considerável número de crianças e adolescentes, no Brasil, aumentam consideravelmente as possibilidades de vitimização dessas pessoas que se encontram na condição peculiar de desenvolvimento, principalmente quando desenvolvem comportamentos relacionados à “atividade sexual, violência, uso

9ilegal de drogas e desemprego” . Dessa forma, a identificação de “determinantes

contextuais e conjunturais”, aliada à comparação das “experiências internacionais”, constituem-se importantes elementos “na formulação e na execução das políticas sociais públicas” (art. 4º do Estatuto), em prol da efetivação dos direitos fundamentais afetos à criança e ao adolescente.

As políticas sociais públicas perpassam pelo investimento de recursos públicos na (re)estruturação material – como, por exemplo, instalações adequadas para o regular funcionamento do Conselho Tutelar – e pessoal – como, por exemplo, contratação e formação profissional permanente, plano de cargo e salários, etc. – dos equipamentos, das instituições públicas e organizações sociais que realizam atendimento direto e indireto a crianças e adolescentes que se encontram em situação de ameaça ou de violência – art. 70, do Estatuto.

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, juntamente com as Secretarias Especiais da Criança e do Adolescente, por seu turno, deverão deliberar acerca das diretrizes das políticas sociais públicas a serem implementadas através da intervenção de proposições afirmativas das organizações sociais.

A articulação das esferas de poder – Federal, Estadual, Distrital e Municipal – deve atentar para a estratégia político-administrativa de descentralização do atendimento. Contudo, é importante frisar que a descentralização, enquanto diretriz da política de atendimento que se opera através da municipalização – inc. I, do art. 88, do Estatuto –, por certo não isenta as demais esferas de poder da responsabilidade, principalmente, acerca do investimento de recursos públicos e financiamentos de programas e planos de atendimento – art. 227, da Constituição da República de 1988 e art. 4º, § único, alínea “d”, do Estatuto.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 107

10 CADEMARTORI, S. U. de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

11 DIMENSTEIN, G. Quanto custa Renan Calheiros. Jornal Folha de São Paulo, Cotidiano, p. C11, Domingo 16 de setembro de 2007.

12 Segundo o autor (op. cit.), “não há fórmula matemática para calcular o custo da desconfiança, mas, certamente, a falta de confiança nas instituições explica uma boa parte da miséria brasileira”.

Política de atendimento, assim, enquanto expressão das políticas sociais públicas destinadas à efetivação dos direitos fundamentais inerentes à criança e ao adolescente, constitui-se num instrumental obrigatório e vinculante para o Administrador Público. Assim, por política de atendimento também deve ser entendida a destinação orçamentária de recursos públicos (dotação) para fins previamente especificados por lei para execução de ações e serviços de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

A promoção e a defesa dos direitos fundamentais afetos à criança e ao adolescente se consolidam na implementação da dotação orçamentária destinada às políticas sociais públicas formuladas em prol da infância e da juventude, devendo-se, assim, constituírem-se em compromissos democráticos da família, da comunidade (sociedade civil) e, principalmente, dos Poderes

10Públicos que se entendam como expressões constitucionais do Estado Democrático de Direito.

Enfim, o custo econômico, político e social da falta de investimento humano, estrutural e responsável, na infância e na

11juventude, importa na redução drástica do “capital social” brasileiro. Isto é, a diminuição da “riqueza que nasce do relacionamento entre os indivíduos dispostos a aceitar desafios

12conjuntos”, segundo Gilberto Dimenstein , para quem “há muitos estudos mostrando a relação entre desenvolvimento econômico e capital social, especialmente quando vinculados a investimento em qualificação educacional, ou seja, na produção de capital humano”.

Dessa maneira, será possível diminuir o custo pessoal, familiar e comunitário decorrente do não investimento econômico (dotações orçamentárias), político (políticas sociais públicas) e social (fortalecimento dos Conselhos dos Direitos e dos Conselhos Tutelares) na infância e na juventude brasileira.

9 CUNNINGHAM, op. cit.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009108

Referências

BAUER, G. G. T. Origens e teorias sobre a violência. Curitiba, 2007.

BRASIL. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil/LEIS/ L8069.htm.

CADEMARTORI, S. U. de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

CUNNINGHAM, W. (Coord.). Jovens em situação de risco no Brasil. v. I. (Achados relevantes para as políticas públicas – Policy Briefing). v. II (Relatório Técnico). Brasília: Unidade de Gerenciamento do Brasil, do Banco Mundial, 2007.

DIMENSTEIN, G. Quanto custa Renan Calheiros. Jornal Folha de São Paulo, Cotidiano, p. C11, Domingo 16 de setembro de 2007.

MACCORMICK, N. Derecho legal y socialdemocracia: ensayos sobre filosofía jurídica y política. Trad. de Maria Lola González Soler. Madrid: Tecnos, 1990.

PEREIRA, T. da S. (Coord.). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

RAMIDOFF, M. L. Repúdio à responsabilização penal de adolescentes infratores. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/. Acesso em: 11 out. 2007.

VENERI, T. Orçamento público do Paraná. Curitiba: Assembléia Legislativa do Paraná, 2007.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 109

Resumo:O presente trabalho tem por objetivo investigar a efetividade das Ações Coletivas na Comarca de Itumbiara/Goiás, no período compreendido entre 1999 a 2008. Para tanto, além da pesquisa doutrinária e jurisprudencial sobre a temática, realizou-se também uma pesquisa de campo que investigou arquivos do Ministério Público local, bem como do Fórum local. O levantamento dos dados possibilitou responder as problemáticas colocadas no início do trabalho, quais sejam: se houve iniciativas, nesta última década, pela busca da tutela jurisdicional coletiva; se os legitimados legais têm cumprido seu papel, agindo na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; se o judiciário tem correspondido positivamente no que tange às ações coletivas processadas em âmbito local; se há efetividade das iniciativas jurisdicionais, resultando nos benefícios almejados. Os resultados colocam em xeque a questão da acessibilidade à justiça e da efetividade da tutela jurisdicional.

Palavras-chave: Ações coletivas, direitos coletivos, efetividade.

Introdução

As ações coletivas têm o intuito de abarcar direitos que atingem a sociedade como um todo ou, ainda, determinados grupos

A EFETIVIDADE DAS AÇÕES COLETIVAS NA COMARCA DE ITUMBIARA/GO

(1998/2008)

Maria Carolina Carvalho Motta* José Querino Tavares Neto**

* Advogada. Professora do Curso de Direito do Iles/Ulbra Itumbiara/GO. Mestranda do programa de Mestrado em Direito da UNAERP/SP.

** Pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra. Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (1997), Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001). Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, professor titular da Universidade de Ribeirão Preto, do Mestrado em Direito da UNAERP/SP e do Mestrado em Desenvolvimento Regional das Faculdades ALFA, em Goiânia/GO.

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Referências

BAUER, G. G. T. Origens e teorias sobre a violência. Curitiba, 2007.

BRASIL. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil/LEIS/ L8069.htm.

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RAMIDOFF, M. L. Repúdio à responsabilização penal de adolescentes infratores. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/. Acesso em: 11 out. 2007.

VENERI, T. Orçamento público do Paraná. Curitiba: Assembléia Legislativa do Paraná, 2007.

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Resumo:O presente trabalho tem por objetivo investigar a efetividade das Ações Coletivas na Comarca de Itumbiara/Goiás, no período compreendido entre 1999 a 2008. Para tanto, além da pesquisa doutrinária e jurisprudencial sobre a temática, realizou-se também uma pesquisa de campo que investigou arquivos do Ministério Público local, bem como do Fórum local. O levantamento dos dados possibilitou responder as problemáticas colocadas no início do trabalho, quais sejam: se houve iniciativas, nesta última década, pela busca da tutela jurisdicional coletiva; se os legitimados legais têm cumprido seu papel, agindo na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; se o judiciário tem correspondido positivamente no que tange às ações coletivas processadas em âmbito local; se há efetividade das iniciativas jurisdicionais, resultando nos benefícios almejados. Os resultados colocam em xeque a questão da acessibilidade à justiça e da efetividade da tutela jurisdicional.

Palavras-chave: Ações coletivas, direitos coletivos, efetividade.

Introdução

As ações coletivas têm o intuito de abarcar direitos que atingem a sociedade como um todo ou, ainda, determinados grupos

A EFETIVIDADE DAS AÇÕES COLETIVAS NA COMARCA DE ITUMBIARA/GO

(1998/2008)

Maria Carolina Carvalho Motta* José Querino Tavares Neto**

* Advogada. Professora do Curso de Direito do Iles/Ulbra Itumbiara/GO. Mestranda do programa de Mestrado em Direito da UNAERP/SP.

** Pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra. Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (1997), Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001). Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, professor titular da Universidade de Ribeirão Preto, do Mestrado em Direito da UNAERP/SP e do Mestrado em Desenvolvimento Regional das Faculdades ALFA, em Goiânia/GO.

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devidamente organizados. E por esse motivo, tutelar esses direitos têm sido, ao mesmo tempo, um desafio e uma missão, já que a legislação outorga legitimidade para essas ações a determinados órgãos específicos. São eles: o Ministério Público, a União, os Estados e Municípios, bem como o Distrito Federal, entidades e órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à tutela dos interesses e direitos que se quer proteger e associações constituídas há mais de ano, que incluam, entre seus fins institucionais, a defesa dos interesses e direitos que se quer proteger.

Tornar a proteção dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos mais eficaz através do processo coletivo é uma preocupação que se inicia com o advento da Lei 7347/85, que disciplinou os procedimentos pertinentes à Ação Civil Pública para proteger o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A constituição de 1988, por sua vez, colocou a Ação Popular no rol dos direitos fundamentais e, ainda, ampliou sua abrangência para alcançar, ao lado da defesa do patrimônio público, também a defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural (art.

o5 , inciso LXXIII). Deu status constitucional à Ação Civil Pública ao elencá-la entre atribuições do Ministério Público (art. 129, inciso III). Quanto à defesa do consumidor, esta foi colocada como fundamento da ordem econômica (art. 170, inciso V) e também

ocomo dever do Estado e Direito Fundamental (art. 5 , inciso XXXII). Mas foi com a Lei 8078/90, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, que se consolidou a ideia de eficácia desses direitos em seu Título III, tratando da defesa do consumidor em juízo e autorizando, portanto, as ações coletivas, bem como definindo o que viriam a ser os direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Da completa interação entre o Código de Defesa do Consumidor (art. 90) e a Lei da Ação Civil Pública (art. 21), surgiu na doutrina o reconhecimento da existência de um microssistema integrado para a tutela jurisdicional coletiva.

Os diplomas legais foram surgindo para regulamentar uma preocupação antiga de que determinadas categorias de direitos não poderiam ficar relegadas a procedimentos comuns que tanto abarrotam o judiciário. O velho brocardo “A Justiça tarda, mas não

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 111

falha”, amplamente divulgado, não mais surte efeito nos meios jurídicos e, atualmente, está em descrédito. O que se assiste no cenário jurídico nacional é a falta de celeridade do processo, causando, assim, um retardo exagerado das decisões que, muitas vezes, inviabilizam a concretização do direito levado a juízo.

Nesse diapasão, nasceu a necessidade de investigar se a sociedade itumbiarense tem gozado das benesses legais ou se tem sido relegada ao esquecimento. Para tanto, necessário se fez responder aos seguintes questionamentos: Houve iniciativas, nesta última década, pela busca da tutela jurisdicional coletiva? Os legitimados legais têm cumprido seu papel, agindo na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos? O judiciário tem correspondido positivamente no que tange às ações coletivas processadas em âmbito local? Há efetividade das iniciativas jurisdicionais, resultando nos benefícios almejados?

A relevância desses questionamentos nos conduziu ao efetivo estudo dos interesses legitimados pelas ações coletivas. O debate em torno do assunto tem se acentuado nas últimas décadas, visto que há no Congresso Nacional um projeto de lei que visa estabelecer na ordem jurídica brasileira um Sistema Único de Processo Coletivo para imprimir à tutela dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos mais efetividade.

A panorâmica do arcabouço legislativo brasileiro nos indica que a violação aos direitos metaindividuais não se dá por falta de lei, em tese. Por outro lado, é lugar comum e fato notório que as violações aos interesses metaindividuais são inúmeras, havendo uma sensação de que poucos têm sido os avanços no combate a tais violações. Esse panorama é nacional e não só do Município de Itumbiara.

Surgem as hipóteses de que ou não está havendo atuação na defesa de tais interesses ou os legitimados a defender tais interesses não têm obtido os resultados esperados. O que nos leva a buscar saber também as principais causas para a ausência de resultados.

A nossa pesquisa buscou, dentro do recorte de tempo e espaço escolhido, responder aos questionamentos acima. Sua importância transcende a Comarca de Itumbiara, eis que as conclusões aqui obtidas podem bem espelhar a situação de

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devidamente organizados. E por esse motivo, tutelar esses direitos têm sido, ao mesmo tempo, um desafio e uma missão, já que a legislação outorga legitimidade para essas ações a determinados órgãos específicos. São eles: o Ministério Público, a União, os Estados e Municípios, bem como o Distrito Federal, entidades e órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à tutela dos interesses e direitos que se quer proteger e associações constituídas há mais de ano, que incluam, entre seus fins institucionais, a defesa dos interesses e direitos que se quer proteger.

Tornar a proteção dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos mais eficaz através do processo coletivo é uma preocupação que se inicia com o advento da Lei 7347/85, que disciplinou os procedimentos pertinentes à Ação Civil Pública para proteger o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A constituição de 1988, por sua vez, colocou a Ação Popular no rol dos direitos fundamentais e, ainda, ampliou sua abrangência para alcançar, ao lado da defesa do patrimônio público, também a defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural (art.

o5 , inciso LXXIII). Deu status constitucional à Ação Civil Pública ao elencá-la entre atribuições do Ministério Público (art. 129, inciso III). Quanto à defesa do consumidor, esta foi colocada como fundamento da ordem econômica (art. 170, inciso V) e também

ocomo dever do Estado e Direito Fundamental (art. 5 , inciso XXXII). Mas foi com a Lei 8078/90, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, que se consolidou a ideia de eficácia desses direitos em seu Título III, tratando da defesa do consumidor em juízo e autorizando, portanto, as ações coletivas, bem como definindo o que viriam a ser os direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Da completa interação entre o Código de Defesa do Consumidor (art. 90) e a Lei da Ação Civil Pública (art. 21), surgiu na doutrina o reconhecimento da existência de um microssistema integrado para a tutela jurisdicional coletiva.

Os diplomas legais foram surgindo para regulamentar uma preocupação antiga de que determinadas categorias de direitos não poderiam ficar relegadas a procedimentos comuns que tanto abarrotam o judiciário. O velho brocardo “A Justiça tarda, mas não

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falha”, amplamente divulgado, não mais surte efeito nos meios jurídicos e, atualmente, está em descrédito. O que se assiste no cenário jurídico nacional é a falta de celeridade do processo, causando, assim, um retardo exagerado das decisões que, muitas vezes, inviabilizam a concretização do direito levado a juízo.

Nesse diapasão, nasceu a necessidade de investigar se a sociedade itumbiarense tem gozado das benesses legais ou se tem sido relegada ao esquecimento. Para tanto, necessário se fez responder aos seguintes questionamentos: Houve iniciativas, nesta última década, pela busca da tutela jurisdicional coletiva? Os legitimados legais têm cumprido seu papel, agindo na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos? O judiciário tem correspondido positivamente no que tange às ações coletivas processadas em âmbito local? Há efetividade das iniciativas jurisdicionais, resultando nos benefícios almejados?

A relevância desses questionamentos nos conduziu ao efetivo estudo dos interesses legitimados pelas ações coletivas. O debate em torno do assunto tem se acentuado nas últimas décadas, visto que há no Congresso Nacional um projeto de lei que visa estabelecer na ordem jurídica brasileira um Sistema Único de Processo Coletivo para imprimir à tutela dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos mais efetividade.

A panorâmica do arcabouço legislativo brasileiro nos indica que a violação aos direitos metaindividuais não se dá por falta de lei, em tese. Por outro lado, é lugar comum e fato notório que as violações aos interesses metaindividuais são inúmeras, havendo uma sensação de que poucos têm sido os avanços no combate a tais violações. Esse panorama é nacional e não só do Município de Itumbiara.

Surgem as hipóteses de que ou não está havendo atuação na defesa de tais interesses ou os legitimados a defender tais interesses não têm obtido os resultados esperados. O que nos leva a buscar saber também as principais causas para a ausência de resultados.

A nossa pesquisa buscou, dentro do recorte de tempo e espaço escolhido, responder aos questionamentos acima. Sua importância transcende a Comarca de Itumbiara, eis que as conclusões aqui obtidas podem bem espelhar a situação de

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inúmeras Comarcas no País, cujas causas de falta de efetividade das ações podem ser as mesmas ou semelhantes.

Assim, o que se buscou com a presente pesquisa foi a verificação, a confrontação de que os mecanismos legais postos à disposição para a efetivação dos direitos coletivos estão cumprindo a sua função social, resolvendo o problema global do acesso à justiça, garantia essa que, como já dito anteriormente, tem guarita constitucional.

A problemática do acesso à justiça

O problema do acesso à justiça para efetivação dos direitos violados do cidadão no Brasil é crônico. Vivemos numa sociedade capitalista que atualmente demonstra seu lado mais cruel exibindo-se sob o manto do neoliberalismo. A consequência direta deste “estilo” de vida sob a tutela dos direitos é exatamente a desigualdade das partes que em última análise leva a parte economicamente mais frágil da relação jurídica ficar às margens do sistema jurisdicional.

Para resgatar tais circunstâncias nasceu a necessidade de imprimir ao sistema jurisdicional mecanismos mais enérgicos, que colocassem o cidadão comum ao menos em posição de reclamar os direitos fundamentais que lhes foram reconhecidos constitucionalmente. Para tanto, necessário se faz que esse cidadão tenha a sua disposição caminhos de acesso à justiça a fim de efetivar tais direitos.

1São ensinamentos de Mauro Cappelletti :

Embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de ‘efetividade’ é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’ – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 113

2 CAPELLETTI; GARTH, op. cit., p. 31.

jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente, é utópica. As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas. A questão é saber até onde avançar na direção do objetivo utópico e a que custo.

E mais adiante completa:

O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos em seqüência cronológica. Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira ‘onda’ desse movimento novo – foi a ‘assistência judiciária’; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os ‘interesses difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente ‘enfoque de acesso a justiça’ porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e

2compreensivo.

Dessa forma, é de se verificar que não há como se falar em acesso à justiça sem refletir sobre os princípios e garantias do processo que têm como objetivo último a efetividade dos direitos. Muitas vezes o acesso à justiça se confunde com a garantia de ingresso em juízo, mas, se assim o fosse, estaríamos a imprimir-lhe um significado simplista. A garantia de ingresso em juízo deve ser somada à necessidade de universalidade do processo e da jurisdição, bem como à garantia do devido processo legal.

Várias tentativas têm sido empregadas pelo legislador em prol da universalidade do processo e da jurisdição, quais sejam: a

1 CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 31.

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inúmeras Comarcas no País, cujas causas de falta de efetividade das ações podem ser as mesmas ou semelhantes.

Assim, o que se buscou com a presente pesquisa foi a verificação, a confrontação de que os mecanismos legais postos à disposição para a efetivação dos direitos coletivos estão cumprindo a sua função social, resolvendo o problema global do acesso à justiça, garantia essa que, como já dito anteriormente, tem guarita constitucional.

A problemática do acesso à justiça

O problema do acesso à justiça para efetivação dos direitos violados do cidadão no Brasil é crônico. Vivemos numa sociedade capitalista que atualmente demonstra seu lado mais cruel exibindo-se sob o manto do neoliberalismo. A consequência direta deste “estilo” de vida sob a tutela dos direitos é exatamente a desigualdade das partes que em última análise leva a parte economicamente mais frágil da relação jurídica ficar às margens do sistema jurisdicional.

Para resgatar tais circunstâncias nasceu a necessidade de imprimir ao sistema jurisdicional mecanismos mais enérgicos, que colocassem o cidadão comum ao menos em posição de reclamar os direitos fundamentais que lhes foram reconhecidos constitucionalmente. Para tanto, necessário se faz que esse cidadão tenha a sua disposição caminhos de acesso à justiça a fim de efetivar tais direitos.

1São ensinamentos de Mauro Cappelletti :

Embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de ‘efetividade’ é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’ – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos

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2 CAPELLETTI; GARTH, op. cit., p. 31.

jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente, é utópica. As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas. A questão é saber até onde avançar na direção do objetivo utópico e a que custo.

E mais adiante completa:

O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos em seqüência cronológica. Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira ‘onda’ desse movimento novo – foi a ‘assistência judiciária’; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os ‘interesses difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente ‘enfoque de acesso a justiça’ porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e

2compreensivo.

Dessa forma, é de se verificar que não há como se falar em acesso à justiça sem refletir sobre os princípios e garantias do processo que têm como objetivo último a efetividade dos direitos. Muitas vezes o acesso à justiça se confunde com a garantia de ingresso em juízo, mas, se assim o fosse, estaríamos a imprimir-lhe um significado simplista. A garantia de ingresso em juízo deve ser somada à necessidade de universalidade do processo e da jurisdição, bem como à garantia do devido processo legal.

Várias tentativas têm sido empregadas pelo legislador em prol da universalidade do processo e da jurisdição, quais sejam: a

1 CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 31.

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busca da inclusão de pequenos conflitos ou de pessoas menos favorecidas no Poder Judiciário e a legitimação de pessoas e entidades à postulação judicial, como ocorre com os interesses difusos. Nesse sentido, o legislador também dá a sua contribuição no direito material ao dar-lhe modificações que diminuem o campo de incidência da impossibilidade jurídica de determinado pedido que, anteriormente, era disciplinado por normas restritivas.

Soma-se a isso o fato da necessidade de aprimoramento do instrumento estatal destinado a fornecer tutela jurisdicional através do implemento de princípios que tenham por objetivo a segurança do processo. É nesse sentido que se afirma que o processo deve ser o meio apto para atingir a pacificação social, e isso somente se torna possível quando se assegura o correto desenvolvimento da relação processual, possibilitando às partes condições rigorosamente iguais de participação efetiva na formação do convencimento do juiz.

3Nesse diapasão, Cândido Rangel Dinamarco assim se posiciona:

Nem a garantia do contraditório tem valor próprio, todavia apesar de tão intimamente ligada à idéia do processo, a ponto de hoje dizer-se que é parte essencial deste. Ela e mais as garantias de ingresso em juízo, do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade entre as partes – todas elas somadas visam a um único fim, que é a síntese de todas e dos propósitos integrados no direito processual constitucional: o acesso à justiça. Uma vez que o processo tem por escopo magno a pacificação com justiça, é indispensável que todo ele se estruture e seja praticado segundo essas regras voltadas a fazer dele um canal de condução à ordem jurídica justa.Tal é o significado substancial das garantias e princípios constitucionais e legais do processo. Falar da efetividade do processo, ou da sua instrumentalidade em sentido positivo, é falar da sua aptidão, mediante a observância racional

3 DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 375.

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4 BEDAQUE, J. R. dos S. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 51.

desses princípios e garantias, a pacificar segundo critérios de justiça.

Ocorre que é preciso encontrar a justa medida da aplicação da técnica processual sem transformá-la num formalismo excessivo que acaba por impedir o ingresso em juízo e, por consequência, a aplicação da jurisdição em prol da efetividade dos direitos. Sem a busca do bom senso processual, surgirá a problemática da morosidade como obstáculo à sua efetividade, causando inevitáveis prejuízos às partes.

4José Roberto dos Santos Bedaque assim sintetiza essa questão:

O caminho mais seguro é a simplificação do procedimento, com a flexibilização das exigências formais, a fim de que possam ser adequadas aos fins pretendidos ou até ignoradas, quando não se revelarem imprescindíveis em determinadas situações. O sistema processual não deve ser concebido como uma camisa de força, retirando do juiz a possibilidade de adoção de soluções compatíveis com as especificidades de cada processo. As regras do procedimento devem ser simples, regulando o mínimo necessário à garantia do contraditório mas, na medida do possível, sem sacrifício da cognição exauriente.

3. Obstáculos à efetividade do direito coletivo

É notório que os conflitos sociais que surgem no âmbito da tutela coletiva dos direitos transcendem a esfera do indivíduo atingindo uma coletividade cada vez maior de pessoas. Necessário se faz que haja, então, uma mudança de paradigma processual para viabilizar a adoção de um sistema que privilegia o tratamento coletivo dos problemas enfrentados por um número considerável de pessoas, tutelando direitos relevantes ou até mesmo aqueles considerados como de “bagatela”, mas com alto valor se

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009114

busca da inclusão de pequenos conflitos ou de pessoas menos favorecidas no Poder Judiciário e a legitimação de pessoas e entidades à postulação judicial, como ocorre com os interesses difusos. Nesse sentido, o legislador também dá a sua contribuição no direito material ao dar-lhe modificações que diminuem o campo de incidência da impossibilidade jurídica de determinado pedido que, anteriormente, era disciplinado por normas restritivas.

Soma-se a isso o fato da necessidade de aprimoramento do instrumento estatal destinado a fornecer tutela jurisdicional através do implemento de princípios que tenham por objetivo a segurança do processo. É nesse sentido que se afirma que o processo deve ser o meio apto para atingir a pacificação social, e isso somente se torna possível quando se assegura o correto desenvolvimento da relação processual, possibilitando às partes condições rigorosamente iguais de participação efetiva na formação do convencimento do juiz.

3Nesse diapasão, Cândido Rangel Dinamarco assim se posiciona:

Nem a garantia do contraditório tem valor próprio, todavia apesar de tão intimamente ligada à idéia do processo, a ponto de hoje dizer-se que é parte essencial deste. Ela e mais as garantias de ingresso em juízo, do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade entre as partes – todas elas somadas visam a um único fim, que é a síntese de todas e dos propósitos integrados no direito processual constitucional: o acesso à justiça. Uma vez que o processo tem por escopo magno a pacificação com justiça, é indispensável que todo ele se estruture e seja praticado segundo essas regras voltadas a fazer dele um canal de condução à ordem jurídica justa.Tal é o significado substancial das garantias e princípios constitucionais e legais do processo. Falar da efetividade do processo, ou da sua instrumentalidade em sentido positivo, é falar da sua aptidão, mediante a observância racional

3 DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 375.

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4 BEDAQUE, J. R. dos S. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 51.

desses princípios e garantias, a pacificar segundo critérios de justiça.

Ocorre que é preciso encontrar a justa medida da aplicação da técnica processual sem transformá-la num formalismo excessivo que acaba por impedir o ingresso em juízo e, por consequência, a aplicação da jurisdição em prol da efetividade dos direitos. Sem a busca do bom senso processual, surgirá a problemática da morosidade como obstáculo à sua efetividade, causando inevitáveis prejuízos às partes.

4José Roberto dos Santos Bedaque assim sintetiza essa questão:

O caminho mais seguro é a simplificação do procedimento, com a flexibilização das exigências formais, a fim de que possam ser adequadas aos fins pretendidos ou até ignoradas, quando não se revelarem imprescindíveis em determinadas situações. O sistema processual não deve ser concebido como uma camisa de força, retirando do juiz a possibilidade de adoção de soluções compatíveis com as especificidades de cada processo. As regras do procedimento devem ser simples, regulando o mínimo necessário à garantia do contraditório mas, na medida do possível, sem sacrifício da cognição exauriente.

3. Obstáculos à efetividade do direito coletivo

É notório que os conflitos sociais que surgem no âmbito da tutela coletiva dos direitos transcendem a esfera do indivíduo atingindo uma coletividade cada vez maior de pessoas. Necessário se faz que haja, então, uma mudança de paradigma processual para viabilizar a adoção de um sistema que privilegia o tratamento coletivo dos problemas enfrentados por um número considerável de pessoas, tutelando direitos relevantes ou até mesmo aqueles considerados como de “bagatela”, mas com alto valor se

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009116

coletivamente considerados.Com o intuito de dar efetividade a esse novel processo

coletivo surgiram inúmeros institutos jurídicos (Ação Popular, Ação Civil Pública, Ação Popular Ambiental, Mandado de Segurança Coletivo, entre outros) além de normas específicas para a aplicação dos direitos coletivos (Lei da Ação Popular – Lei 4717/65, Lei da Ação Civil Pública – Lei 7347/85, Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078/90, Lei da Improbidade Administrativa – Lei 8429/92, Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90, Lei da Pessoa portadora de deficiências – Lei 7853/89, Lei protetiva dos investidores de Mercado de Valores Imobiliários – Lei 7913/89 e Lei de prevenção e repressão às Infrações contra a Ordem Econômica/Antitruste – Lei 8884/94) que formam um único sistema interligado de proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

A justificativa para que esses diversos textos legais formem todo um sistema interligado se dá pelo fato de que havendo lacuna ou ausência de disciplina normativa em um texto legal, aplica-se primeiramente a norma de outra lei pertencente ao sistema único coletivo e só depois dispositivo do Código de Processo Civil. Isso porque as leis esparsas guardam entre si características afetas aos direitos coletivos em contrapartida ao Código de Processo Civil que guarda características próprias a direitos individuais.

A existência desse sistema único coletivo, apesar de não ser expressamente reconhecido na legislação, encontra respaldo em algumas jurisprudências, senão vejamos:

Processual civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ressarcimento de danos ao patrimônio público. Prazo prescricional da ação popular. Analogia (Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio). Prescrição reconhecida.

1. A ação civil pública e a ação popular veiculam pretensões relevantes para a coletividade.2. Destarte, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da ação civil pública, inafastável a

5 Precedentes do STJ:REsp 890552/MG, Relator Ministro José Delgado, DJ de 22.03.2007 e REsp 406.545/SP, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 09/12/2002. [...] (STJ – Resp No. 727.131-SP, REL. Luiz Fux, j. 11.3.2008 – DJU 23.04.2008).

6 aTRF 1 . região. Processo: AG 2000.01.00.046939-7/DF; Agravo de Instrumento Relator: Des. Federal I’talo Fioravanti Sabo Mendes. Convocado: Juiz Federal Glaucio Maciel Gonçalves. Órgão Julgador: Quarta Turma Pub.: 07/02/2006. DJ, p.37, Decisão: 12/12/2005.

7 aTRF 1 . região - Processo: AG 2000.01.00.046922-/DF; Agravo de Instrumento, Relator: Juiz Federal Carlos Augusto Pires Brandão. Órgão Julgador: Segunda Turma Suplementar. Pub: 23/09/2005 DJ p. 151 Decisão: 31/08/2005.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 117

incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das ações civis públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem

5legis dispositio.

Processo Civil. Ação Civil Pública. Defesa da Moralidade. Improbidade administrativa. Declaração de nulidade de contratos temporários. Litisconsortes passivos. Quase 300. Citação por edital. Possibilidade. Art. 94 da Lei 8.078/90, aplicada por força do art. 21 da Lei 7.347/85. Art. 7º, II, da Lei 4.717/65. Recurso desprovido.

1. É possível citar litisconsortes passivos por edital, em ação civil pública visando à defesa da moralidade pública, considerando a existência de quase 300 réus.2. Agravo desprovido.Decisão: A Turma, por unanimidade, NEGOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento, nos

6termos do voto do Juiz Relator.

Processo civil. Agravo de Instrumento. Ação civil pública. Litisconsorte passivo necessário. Citação por edital. Possibilidade.

1. Na ação civil pública, quando expressivo o número de litisconsortes passivos, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 94 do Código de Defesa do consumidor e no art. 7º, II, da Lei de Ação Popular, que prescrevem citação por edital. Precedentes esta corte.2. Agravo de instrumento improvido.Decisão: A Turma, por unanimidade, negou

7provimento ao agravo de instrumento.

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coletivamente considerados.Com o intuito de dar efetividade a esse novel processo

coletivo surgiram inúmeros institutos jurídicos (Ação Popular, Ação Civil Pública, Ação Popular Ambiental, Mandado de Segurança Coletivo, entre outros) além de normas específicas para a aplicação dos direitos coletivos (Lei da Ação Popular – Lei 4717/65, Lei da Ação Civil Pública – Lei 7347/85, Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078/90, Lei da Improbidade Administrativa – Lei 8429/92, Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90, Lei da Pessoa portadora de deficiências – Lei 7853/89, Lei protetiva dos investidores de Mercado de Valores Imobiliários – Lei 7913/89 e Lei de prevenção e repressão às Infrações contra a Ordem Econômica/Antitruste – Lei 8884/94) que formam um único sistema interligado de proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

A justificativa para que esses diversos textos legais formem todo um sistema interligado se dá pelo fato de que havendo lacuna ou ausência de disciplina normativa em um texto legal, aplica-se primeiramente a norma de outra lei pertencente ao sistema único coletivo e só depois dispositivo do Código de Processo Civil. Isso porque as leis esparsas guardam entre si características afetas aos direitos coletivos em contrapartida ao Código de Processo Civil que guarda características próprias a direitos individuais.

A existência desse sistema único coletivo, apesar de não ser expressamente reconhecido na legislação, encontra respaldo em algumas jurisprudências, senão vejamos:

Processual civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ressarcimento de danos ao patrimônio público. Prazo prescricional da ação popular. Analogia (Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio). Prescrição reconhecida.

1. A ação civil pública e a ação popular veiculam pretensões relevantes para a coletividade.2. Destarte, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da ação civil pública, inafastável a

5 Precedentes do STJ:REsp 890552/MG, Relator Ministro José Delgado, DJ de 22.03.2007 e REsp 406.545/SP, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 09/12/2002. [...] (STJ – Resp No. 727.131-SP, REL. Luiz Fux, j. 11.3.2008 – DJU 23.04.2008).

6 aTRF 1 . região. Processo: AG 2000.01.00.046939-7/DF; Agravo de Instrumento Relator: Des. Federal I’talo Fioravanti Sabo Mendes. Convocado: Juiz Federal Glaucio Maciel Gonçalves. Órgão Julgador: Quarta Turma Pub.: 07/02/2006. DJ, p.37, Decisão: 12/12/2005.

7 aTRF 1 . região - Processo: AG 2000.01.00.046922-/DF; Agravo de Instrumento, Relator: Juiz Federal Carlos Augusto Pires Brandão. Órgão Julgador: Segunda Turma Suplementar. Pub: 23/09/2005 DJ p. 151 Decisão: 31/08/2005.

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incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das ações civis públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem

5legis dispositio.

Processo Civil. Ação Civil Pública. Defesa da Moralidade. Improbidade administrativa. Declaração de nulidade de contratos temporários. Litisconsortes passivos. Quase 300. Citação por edital. Possibilidade. Art. 94 da Lei 8.078/90, aplicada por força do art. 21 da Lei 7.347/85. Art. 7º, II, da Lei 4.717/65. Recurso desprovido.

1. É possível citar litisconsortes passivos por edital, em ação civil pública visando à defesa da moralidade pública, considerando a existência de quase 300 réus.2. Agravo desprovido.Decisão: A Turma, por unanimidade, NEGOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento, nos

6termos do voto do Juiz Relator.

Processo civil. Agravo de Instrumento. Ação civil pública. Litisconsorte passivo necessário. Citação por edital. Possibilidade.

1. Na ação civil pública, quando expressivo o número de litisconsortes passivos, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 94 do Código de Defesa do consumidor e no art. 7º, II, da Lei de Ação Popular, que prescrevem citação por edital. Precedentes esta corte.2. Agravo de instrumento improvido.Decisão: A Turma, por unanimidade, negou

7provimento ao agravo de instrumento.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009118

No entanto, ocorre que apesar de reconhecida uma relativa integração entre esses dispositivos legais, verifica-se que os mesmos carecem de uma readequação, visto que a diversidade de textos normativos deixa algumas dúvidas de ordem técnica, atingindo a própria atuação dos legitimados ativos. Entraves à efetividade do processo podem surgir aqui, já que os aspectos estruturais atinentes ao Poder Judiciário, bem como à legislação, podem acabar por emperrar a contraprestação jurisdicional.

No que concerne ao Poder Judiciário, a diversidade de legislações abrindo uma discussão ampla sobre técnicas processuais adequadas pode ensejar interpretações múltiplas de uma mesma regra, acabando por ocasionar insegurança jurídica. Soma-se a isso o fato de que as interpretações divergentes podem refletir no resultado da demanda, vez que a demora na entrega da prestação da tutela jurisdicional coletiva pode ensejar o acentuamento da gravidade dos danos ocasionados em função da destacada importância dos objetos por ela tutelados como, por exemplo, o meio ambiente.

8Aurélio Wander Bastos , analisando a situação, assim se posiciona:

[...] no quadro de crise política, o que o Poder Judiciário precisa é reconhecer seus próprios limites e programar as suas reformulações, tendo em vista as suas tradicionais competências, os efeitos residuais dos fatos sociais novos, os fatos consuetudinários que necessitam de proteção legal, as próprias relações sociais juridicamente desprezadas, o envolvimento judicial nos conflitos em processo de complexificação e, especialmente, o seu papel nos conflitos de poderes.

Por outro lado, a elaboração legislativa da técnica processual revela a necessidade de uma formação mais precisa e harmoniosa com a realidade brasileira, o que por si só acarretaria menor número de dúvidas e cederia menos espaço para tantas e tamanhas controvérsias acerca de normas e institutos integrantes

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 119

da legislação relativa aos direitos ou interesses metaindividuais.A melhoria da técnica processual no sentido da unificação

dos institutos postos a disposição dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos contribuiria também para que o processo alcançasse os resultados desejados pelo direito material, daí decorrendo a maior efetividade, atingindo as garantias básicas de economia e celeridade do processo. Isso porque há uma tendência da interpretação de dispositivos e institutos afetos à legislação e aos princípios relativos aos direitos metaindividuais exclusivamente à luz da caracterização desses institutos segundo a sistemática individualista do Código de Processo Civil. Nesse sentido, merece aplauso a iniciativa da propositura do Projeto de Lei 5.139/2009 para dar nova redação à Lei da Ação civil Pública, revogando todos os dispositivos processuais conflitantes até então vigentes.

Há que se ressaltar, ainda, que não é suficiente a existência de uma boa legislação para a efetividade dos direitos; necessário se faz que paralelamente a ela surja uma nova mentalidade e atitude dos operadores do direito no sentido da conscientização dos fenômenos conflituosos da sociedade de massas.

Quadro geral das ações coletivas em Itumbiara/Goiás (1999/2008)

Na defesa de direitos difusos e individuais homogêneos na comarca de Itumbiara, Goiás, existem duas promotorias especializadas, a saber: a terceira promotoria, que tem competência para atuar na defesa do patrimônio público, do consumidor, das fundações e do cidadão; e a quarta promotoria, que atua também na defesa do patrimônio público e do meio ambiente. Tais promotorias também atuam perante as varas cíveis da comarca (duas), bem como a de fazendas públicas e juizado cível.

A atuação do Ministério Público na defesa desses direitos, cumprindo função constitucional, é notória. O banco de dados, bem como os arquivos das promotorias acima elencadas, demonstra que a partir do ano de 1999 há atuação para a propositura de Ações Civis Públicas, sendo que o número de protocolo dessas ações tem um aumento considerável a partir do ano de 2004, chegando em seu ponto máximo em 2006 e mantendo uma regularidade em 2007 e 2008.

8 BASTOS, A. W. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 240.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009118

No entanto, ocorre que apesar de reconhecida uma relativa integração entre esses dispositivos legais, verifica-se que os mesmos carecem de uma readequação, visto que a diversidade de textos normativos deixa algumas dúvidas de ordem técnica, atingindo a própria atuação dos legitimados ativos. Entraves à efetividade do processo podem surgir aqui, já que os aspectos estruturais atinentes ao Poder Judiciário, bem como à legislação, podem acabar por emperrar a contraprestação jurisdicional.

No que concerne ao Poder Judiciário, a diversidade de legislações abrindo uma discussão ampla sobre técnicas processuais adequadas pode ensejar interpretações múltiplas de uma mesma regra, acabando por ocasionar insegurança jurídica. Soma-se a isso o fato de que as interpretações divergentes podem refletir no resultado da demanda, vez que a demora na entrega da prestação da tutela jurisdicional coletiva pode ensejar o acentuamento da gravidade dos danos ocasionados em função da destacada importância dos objetos por ela tutelados como, por exemplo, o meio ambiente.

8Aurélio Wander Bastos , analisando a situação, assim se posiciona:

[...] no quadro de crise política, o que o Poder Judiciário precisa é reconhecer seus próprios limites e programar as suas reformulações, tendo em vista as suas tradicionais competências, os efeitos residuais dos fatos sociais novos, os fatos consuetudinários que necessitam de proteção legal, as próprias relações sociais juridicamente desprezadas, o envolvimento judicial nos conflitos em processo de complexificação e, especialmente, o seu papel nos conflitos de poderes.

Por outro lado, a elaboração legislativa da técnica processual revela a necessidade de uma formação mais precisa e harmoniosa com a realidade brasileira, o que por si só acarretaria menor número de dúvidas e cederia menos espaço para tantas e tamanhas controvérsias acerca de normas e institutos integrantes

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da legislação relativa aos direitos ou interesses metaindividuais.A melhoria da técnica processual no sentido da unificação

dos institutos postos a disposição dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos contribuiria também para que o processo alcançasse os resultados desejados pelo direito material, daí decorrendo a maior efetividade, atingindo as garantias básicas de economia e celeridade do processo. Isso porque há uma tendência da interpretação de dispositivos e institutos afetos à legislação e aos princípios relativos aos direitos metaindividuais exclusivamente à luz da caracterização desses institutos segundo a sistemática individualista do Código de Processo Civil. Nesse sentido, merece aplauso a iniciativa da propositura do Projeto de Lei 5.139/2009 para dar nova redação à Lei da Ação civil Pública, revogando todos os dispositivos processuais conflitantes até então vigentes.

Há que se ressaltar, ainda, que não é suficiente a existência de uma boa legislação para a efetividade dos direitos; necessário se faz que paralelamente a ela surja uma nova mentalidade e atitude dos operadores do direito no sentido da conscientização dos fenômenos conflituosos da sociedade de massas.

Quadro geral das ações coletivas em Itumbiara/Goiás (1999/2008)

Na defesa de direitos difusos e individuais homogêneos na comarca de Itumbiara, Goiás, existem duas promotorias especializadas, a saber: a terceira promotoria, que tem competência para atuar na defesa do patrimônio público, do consumidor, das fundações e do cidadão; e a quarta promotoria, que atua também na defesa do patrimônio público e do meio ambiente. Tais promotorias também atuam perante as varas cíveis da comarca (duas), bem como a de fazendas públicas e juizado cível.

A atuação do Ministério Público na defesa desses direitos, cumprindo função constitucional, é notória. O banco de dados, bem como os arquivos das promotorias acima elencadas, demonstra que a partir do ano de 1999 há atuação para a propositura de Ações Civis Públicas, sendo que o número de protocolo dessas ações tem um aumento considerável a partir do ano de 2004, chegando em seu ponto máximo em 2006 e mantendo uma regularidade em 2007 e 2008.

8 BASTOS, A. W. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 240.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009120

Não se pode deixar de registrar, aqui, que, no intuito de colher provas para uma instrução processual satisfatória, a lei dá ao Ministério Público a prerrogativa da instalação de Inquéritos Civis. Assim, no decorrer das investigações que o membro do Ministério Público instaura, pode-se constatar a fragilidade dos argumentos ou a falta de provas que evidenciam a desnecessidade da defesa em juízo dos direitos difusos e individuais homogêneos. Acresce-se a isso o fato de que em alguns casos é permitido ao Ministério Público, no âmbito das suas funções, estabelecer acordos com as partes indiciadas, evitando, assim, o ingresso em juízo de uma demanda.

Ademais, a atuação do Ministério Público na defesa do patrimônio público e do meio ambiente ensejou, no caso de Itumbiara, diversas ações penais que acabaram por requerer dedicação dos membros do Ministério Público.

Dessa forma, como o foco do trabalho se reveste da função jurisdicional efetivamente aplicada na condução das Ações Coletivas, a atuação do Ministério Público nos inquéritos civis e seus respectivos acordos, bem como nas ações penais resultantes de danos coletivos, não foram objeto de análise no presente trabalho, mas nem por isso podem deixar de serem lembrados como forma de atuação na defesa dos interesses difusos e individuais homogêneos na comarca de Itumbiara/Goiás.

No levantamento dos dados encontrou-se o seguinte resultado: nos anos de 1999/2000 apenas uma (1) Ação Civil Pública foi ajuizada; no ano de 2001 há o ajuizamento de uma (1) Ação Civil Pública e uma Ação popular; no ano de 2002 o número de Ações Civis Públicas sobe para duas; em 2003 para três; em 2004 para nove; em 2005 para onze; em 2006 para trinta e duas; em 2007 o número cai para vinte e seis e em 2008 para dezenove. O número total de Ações Civis Públicas efetivamente ajuizadas no Poder Judiciário da comarca de Itumbiara/Goiás, em que o Ministério Público é o legitimado ativo, nos últimos dez anos, é cento e cinco (105).

Verifica-se, ainda, que de autoria do Ministério Público local há registro de um Mandado de Injunção no ano de 2008. E ainda a propositura por particulares de duas Ações Populares: uma em 2001 e outra em 2004. Não há nenhum registro de qualquer mecanismo processual coletivo utilizado por Associações ou qualquer outro órgão

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 121

legitimado nos últimos dez anos na comarca de Itumbiara/Goiás.Dessas ações propostas, a grande maioria versa sobre

defesa do patrimônio público, sendo que a maior parte delas se traduz em Ações Civis Públicas de Improbidade Administrativa. Pudemos observar que nos anos de 1999 e 2000 as ações registradas na ordem de duas, uma para cada ano, versam sobre defesa do patrimônio público. Já em 2002, uma das duas ações propostas também se refere à defesa do patrimônio público. Em 2003, esse número sobe para três; em 2004 e 2005 para oito em cada ano, em um total de dezesseis; em 2006 para dezenove; em 2007 e 2008 para quinze em cada ano, em um total de trinta, totalizando o número de setenta e uma (71) Ações Civis Públicas em defesa do patrimônio público na comarca de Itumbiara/Goiás.

Há um grande destaque para a defesa do Meio Ambiente na comarca de Itumbiara/Goiás a partir do ano de 2005. Anterior a essa data registra-se apenas uma ação ambiental no ano de 2001. Assim, em 2005 são três Ações Civis Públicas ambientais; doze em 2006; dez em 2007; e duas em 2008, totalizando o número de vinte e oito (28) ações afetas a essa área.

As áreas afetas a direitos do consumidor e matérias afins aos direitos coletivos têm uma atuação diminuta em relação às duas outras áreas já analisadas. Assim, registra-se uma Ação Civil Pública nesse âmbito nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2007, em um total de quatro (4) e duas (2) na área do consumidor no ano de 2008, totalizando o número de seis (6) ações.

Há, portanto, um total geral de cento e oito (108) ações coletivas ajuizadas na comarca de Itumbiara/Goiás entre os anos de 1999 a 2008.

No que tange à parte passiva dessas ações, é de se observar que são demandados, na área da proteção ao patrimônio público, o município, o agente público e o particular, normalmente prestador de serviços ao poder público ou algum beneficiário do ato danoso. No âmbito do meio ambiente, bem como nas áreas afins à proteção dos direitos difusos, são demandados, de uma maneira geral, o município, o agente público e o particular, destaca-se apenas a área do consumidor em que os demandados são apenas particulares.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009120

Não se pode deixar de registrar, aqui, que, no intuito de colher provas para uma instrução processual satisfatória, a lei dá ao Ministério Público a prerrogativa da instalação de Inquéritos Civis. Assim, no decorrer das investigações que o membro do Ministério Público instaura, pode-se constatar a fragilidade dos argumentos ou a falta de provas que evidenciam a desnecessidade da defesa em juízo dos direitos difusos e individuais homogêneos. Acresce-se a isso o fato de que em alguns casos é permitido ao Ministério Público, no âmbito das suas funções, estabelecer acordos com as partes indiciadas, evitando, assim, o ingresso em juízo de uma demanda.

Ademais, a atuação do Ministério Público na defesa do patrimônio público e do meio ambiente ensejou, no caso de Itumbiara, diversas ações penais que acabaram por requerer dedicação dos membros do Ministério Público.

Dessa forma, como o foco do trabalho se reveste da função jurisdicional efetivamente aplicada na condução das Ações Coletivas, a atuação do Ministério Público nos inquéritos civis e seus respectivos acordos, bem como nas ações penais resultantes de danos coletivos, não foram objeto de análise no presente trabalho, mas nem por isso podem deixar de serem lembrados como forma de atuação na defesa dos interesses difusos e individuais homogêneos na comarca de Itumbiara/Goiás.

No levantamento dos dados encontrou-se o seguinte resultado: nos anos de 1999/2000 apenas uma (1) Ação Civil Pública foi ajuizada; no ano de 2001 há o ajuizamento de uma (1) Ação Civil Pública e uma Ação popular; no ano de 2002 o número de Ações Civis Públicas sobe para duas; em 2003 para três; em 2004 para nove; em 2005 para onze; em 2006 para trinta e duas; em 2007 o número cai para vinte e seis e em 2008 para dezenove. O número total de Ações Civis Públicas efetivamente ajuizadas no Poder Judiciário da comarca de Itumbiara/Goiás, em que o Ministério Público é o legitimado ativo, nos últimos dez anos, é cento e cinco (105).

Verifica-se, ainda, que de autoria do Ministério Público local há registro de um Mandado de Injunção no ano de 2008. E ainda a propositura por particulares de duas Ações Populares: uma em 2001 e outra em 2004. Não há nenhum registro de qualquer mecanismo processual coletivo utilizado por Associações ou qualquer outro órgão

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 121

legitimado nos últimos dez anos na comarca de Itumbiara/Goiás.Dessas ações propostas, a grande maioria versa sobre

defesa do patrimônio público, sendo que a maior parte delas se traduz em Ações Civis Públicas de Improbidade Administrativa. Pudemos observar que nos anos de 1999 e 2000 as ações registradas na ordem de duas, uma para cada ano, versam sobre defesa do patrimônio público. Já em 2002, uma das duas ações propostas também se refere à defesa do patrimônio público. Em 2003, esse número sobe para três; em 2004 e 2005 para oito em cada ano, em um total de dezesseis; em 2006 para dezenove; em 2007 e 2008 para quinze em cada ano, em um total de trinta, totalizando o número de setenta e uma (71) Ações Civis Públicas em defesa do patrimônio público na comarca de Itumbiara/Goiás.

Há um grande destaque para a defesa do Meio Ambiente na comarca de Itumbiara/Goiás a partir do ano de 2005. Anterior a essa data registra-se apenas uma ação ambiental no ano de 2001. Assim, em 2005 são três Ações Civis Públicas ambientais; doze em 2006; dez em 2007; e duas em 2008, totalizando o número de vinte e oito (28) ações afetas a essa área.

As áreas afetas a direitos do consumidor e matérias afins aos direitos coletivos têm uma atuação diminuta em relação às duas outras áreas já analisadas. Assim, registra-se uma Ação Civil Pública nesse âmbito nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2007, em um total de quatro (4) e duas (2) na área do consumidor no ano de 2008, totalizando o número de seis (6) ações.

Há, portanto, um total geral de cento e oito (108) ações coletivas ajuizadas na comarca de Itumbiara/Goiás entre os anos de 1999 a 2008.

No que tange à parte passiva dessas ações, é de se observar que são demandados, na área da proteção ao patrimônio público, o município, o agente público e o particular, normalmente prestador de serviços ao poder público ou algum beneficiário do ato danoso. No âmbito do meio ambiente, bem como nas áreas afins à proteção dos direitos difusos, são demandados, de uma maneira geral, o município, o agente público e o particular, destaca-se apenas a área do consumidor em que os demandados são apenas particulares.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009122

Situação atual das ações propostas

A análise do resultado das ações efetivamente propostas na comarca de Itumbiara/Goiás se torna interessante, visto que será a partir desse exame que será possível dimensionar qual tem sido o impacto dessas demandadas, seja em caráter institucional, seja em caráter social.

As ações propostas em 1999 e 2000, no total de duas, obtiveram uma sentença em primeiro grau no ano de 2007. A Ação Civil Pública proposta no ano de 2001 se finda sem julgamento do mérito em 2003 e a Ação Popular tem sentença de mérito em 2008. Das duas ações propostas em 2002, uma se finda com sentença de mérito que julga procedente o pedido inicial em 2006 e a outra se extingue sem julgamento de mérito em 2007. Daquelas propostas em 2003 (2), uma tem o pedido julgado procedente em 2006, em outra o pedido é julgado improcedente no ano de 2007 e há, ainda, uma pendente de julgamento em primeira instância. Seis ações interpostas em 2004 tiveram os pedidos julgados procedentes em 2004 (1), 2005 (2), 2006 (2) e 2007 (1) e três (3) ainda carecem de decisão no juízo de primeiro grau. Das onze ajuizadas em 2005, quatro tiveram os pedidos julgados

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 123

procedentes em 2006, três em 2007 e três em 2008 e uma teve o pedido julgado improcedente em 2006.

O ano de 2006 é atípico, pois há a proposição de trinta e duas ações, sendo que vinte e duas têm os pedidos julgados procedentes, sete em 2006, doze em 2007 e três em 2008, três têm os pedidos julgados improcedentes: uma em 2007, uma em 2008 e uma em 2009. Há ainda uma ação extinta sem julgamento do mérito em 2008 e seis que padecem de julgamento de primeiro grau. Já no ano de 2007, das vinte e seis ações que foram propostas, onze tiveram os pedidos julgados procedentes por sentença de primeiro grau, sendo que cinco foram julgadas em 2007, seis em 2008 e três em 2009. Uma teve seu pedido julgado improcedente e onze ainda não foram julgadas pelo juiz de primeiro grau. O ano de 2008 tem apenas quatro das suas dezenove ações com pedidos julgados procedentes, uma com pedido julgado improcedente e onze sem julgamento de primeiro grau.

Existem ainda alguns processos pendentes de recurso no Tribunal de Justiça do estado de Goiás e no Superior Tribunal de Justiça. Estão para julgamento em segundo grau vinte processos oriundos dos anos de 1999 (1), 2000 (1), 2001 (1), 2004 (1), 2006 (11) e 2007 (5) e apenas um aguarda julgamento de Agravo de Instrumento no Superior Tribunal de Justiça.

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Situação atual das ações propostas

A análise do resultado das ações efetivamente propostas na comarca de Itumbiara/Goiás se torna interessante, visto que será a partir desse exame que será possível dimensionar qual tem sido o impacto dessas demandadas, seja em caráter institucional, seja em caráter social.

As ações propostas em 1999 e 2000, no total de duas, obtiveram uma sentença em primeiro grau no ano de 2007. A Ação Civil Pública proposta no ano de 2001 se finda sem julgamento do mérito em 2003 e a Ação Popular tem sentença de mérito em 2008. Das duas ações propostas em 2002, uma se finda com sentença de mérito que julga procedente o pedido inicial em 2006 e a outra se extingue sem julgamento de mérito em 2007. Daquelas propostas em 2003 (2), uma tem o pedido julgado procedente em 2006, em outra o pedido é julgado improcedente no ano de 2007 e há, ainda, uma pendente de julgamento em primeira instância. Seis ações interpostas em 2004 tiveram os pedidos julgados procedentes em 2004 (1), 2005 (2), 2006 (2) e 2007 (1) e três (3) ainda carecem de decisão no juízo de primeiro grau. Das onze ajuizadas em 2005, quatro tiveram os pedidos julgados

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procedentes em 2006, três em 2007 e três em 2008 e uma teve o pedido julgado improcedente em 2006.

O ano de 2006 é atípico, pois há a proposição de trinta e duas ações, sendo que vinte e duas têm os pedidos julgados procedentes, sete em 2006, doze em 2007 e três em 2008, três têm os pedidos julgados improcedentes: uma em 2007, uma em 2008 e uma em 2009. Há ainda uma ação extinta sem julgamento do mérito em 2008 e seis que padecem de julgamento de primeiro grau. Já no ano de 2007, das vinte e seis ações que foram propostas, onze tiveram os pedidos julgados procedentes por sentença de primeiro grau, sendo que cinco foram julgadas em 2007, seis em 2008 e três em 2009. Uma teve seu pedido julgado improcedente e onze ainda não foram julgadas pelo juiz de primeiro grau. O ano de 2008 tem apenas quatro das suas dezenove ações com pedidos julgados procedentes, uma com pedido julgado improcedente e onze sem julgamento de primeiro grau.

Existem ainda alguns processos pendentes de recurso no Tribunal de Justiça do estado de Goiás e no Superior Tribunal de Justiça. Estão para julgamento em segundo grau vinte processos oriundos dos anos de 1999 (1), 2000 (1), 2001 (1), 2004 (1), 2006 (11) e 2007 (5) e apenas um aguarda julgamento de Agravo de Instrumento no Superior Tribunal de Justiça.

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Problemas levantados pela pesquisa para a efetividade das ações coletivas em Itumbiara/Goiás

Conforme se pode comprovar diante dos dados colhidos, as ações coletivas, apesar de contarem com um rol de legitimados para a sua propositura, são intentadas na sua ampla maioria pelo Ministério Público. Registramos, apenas, duas Ações Populares em que a parte autora era outra que não o membro do Ministério Público.

As Ações Civis Públicas, conforme salientado no primeiro capítulo, podem ser propostas pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios; pelas autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista, bem como por associações que, concomitantemente, estejam constituídas há pelo menos 1 (um) ano, nos termos da lei civil, e incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

No âmbito da Comarca de Itumbiara/Goiás, o que se pode constatar é que o Ministério Público cumpre tal função, ainda que apresente falhas. Não há atuação da Defensoria Pública porque o Estado de Goiás não conta com essa instituição sistematizada,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 125

sendo tal função cumprida por advogados dativos e pelo próprio Município, que mantém um diminuto quadro de advogados que prestam serviços para o público carente. No que tange aos entes federados e suas entidades de administração direta ou indireta a atuação também é nula. No entanto, não se pode deixar de registrar que na grande maioria dos casos são eles os entes passivos daquelas ações propostas pelo Ministério Público. Nem mesmo o PROCON, órgão criado para a proteção do consumidor, assume tal função, priorizando atividades meramente administrativas.

O fato mais agravante desse quadro é a apatia das Associações locais que, quando muito, encaminham uma problemática ao membro do Ministério Público. Não há registro, no período analisado (1999-2008), sequer de propositura de Mandado de Segurança Coletivo, quiçá de Ação Civil Pública por esses entes legitimados.

Apenas em dois momentos (2001 e 2004) tem-se o registro da propositura de Ação Popular por cidadãos que as intentaram em desfavor do poder público local visando anulações de atos administrativos lesivos à coletividade.

Tendo em vista a concentração desses trabalhos no órgão do Ministério Público surgiu a necessidade de avaliar qual a visão que seus profissionais têm sobre a efetividade das ações por eles interpostas. Através de entrevista direcionada ao titular da terceira Promotoria de Justiça da Comarca de Itumbiara/Goiás, verificou-se que a falta de atuação das Associações locais na defesa dos interesses coletivos foi atribuída à desestruturação dessas Associações, que não contam sequer com uma assessoria jurídica adequada. Tais fatores impediriam o acesso à justiça por esses entes legitimados. Observou-se, também, que no tocante aos entes federados e seus órgãos de administração direta e indireta o problema se concentra na falta de prioridade política em defender os direitos coletivos.

A ideia de efetividade deve, forçosamente, perpassar pela retribuição da tutela jurisdicional em tempo hábil. Dessa forma, o fato da demora no provimento final das ações coletivas é interpretada pelo membro do Ministério Público local como fato impeditivo de efetividade dessas ações. Acresce-se a isto a interpretação de que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás ainda

1

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5

TJ

STJ

0 2 4 6 8 10 12

Quantidade de ações pendentes de julgamento em instância superior maio/2009Fonte: MPGO

p2008

p2007

p2006

p2005

p2004

p2003

p2002

p2001

p2000

p1999

Ano

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situ

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ão c

olet

iva

Ações Coletivas em instâncias superiores x ano de propositura -

Comarca de Itumbiara 1999/2008

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Problemas levantados pela pesquisa para a efetividade das ações coletivas em Itumbiara/Goiás

Conforme se pode comprovar diante dos dados colhidos, as ações coletivas, apesar de contarem com um rol de legitimados para a sua propositura, são intentadas na sua ampla maioria pelo Ministério Público. Registramos, apenas, duas Ações Populares em que a parte autora era outra que não o membro do Ministério Público.

As Ações Civis Públicas, conforme salientado no primeiro capítulo, podem ser propostas pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios; pelas autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista, bem como por associações que, concomitantemente, estejam constituídas há pelo menos 1 (um) ano, nos termos da lei civil, e incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

No âmbito da Comarca de Itumbiara/Goiás, o que se pode constatar é que o Ministério Público cumpre tal função, ainda que apresente falhas. Não há atuação da Defensoria Pública porque o Estado de Goiás não conta com essa instituição sistematizada,

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sendo tal função cumprida por advogados dativos e pelo próprio Município, que mantém um diminuto quadro de advogados que prestam serviços para o público carente. No que tange aos entes federados e suas entidades de administração direta ou indireta a atuação também é nula. No entanto, não se pode deixar de registrar que na grande maioria dos casos são eles os entes passivos daquelas ações propostas pelo Ministério Público. Nem mesmo o PROCON, órgão criado para a proteção do consumidor, assume tal função, priorizando atividades meramente administrativas.

O fato mais agravante desse quadro é a apatia das Associações locais que, quando muito, encaminham uma problemática ao membro do Ministério Público. Não há registro, no período analisado (1999-2008), sequer de propositura de Mandado de Segurança Coletivo, quiçá de Ação Civil Pública por esses entes legitimados.

Apenas em dois momentos (2001 e 2004) tem-se o registro da propositura de Ação Popular por cidadãos que as intentaram em desfavor do poder público local visando anulações de atos administrativos lesivos à coletividade.

Tendo em vista a concentração desses trabalhos no órgão do Ministério Público surgiu a necessidade de avaliar qual a visão que seus profissionais têm sobre a efetividade das ações por eles interpostas. Através de entrevista direcionada ao titular da terceira Promotoria de Justiça da Comarca de Itumbiara/Goiás, verificou-se que a falta de atuação das Associações locais na defesa dos interesses coletivos foi atribuída à desestruturação dessas Associações, que não contam sequer com uma assessoria jurídica adequada. Tais fatores impediriam o acesso à justiça por esses entes legitimados. Observou-se, também, que no tocante aos entes federados e seus órgãos de administração direta e indireta o problema se concentra na falta de prioridade política em defender os direitos coletivos.

A ideia de efetividade deve, forçosamente, perpassar pela retribuição da tutela jurisdicional em tempo hábil. Dessa forma, o fato da demora no provimento final das ações coletivas é interpretada pelo membro do Ministério Público local como fato impeditivo de efetividade dessas ações. Acresce-se a isto a interpretação de que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás ainda

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Quantidade de ações pendentes de julgamento em instância superior maio/2009Fonte: MPGO

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Ações Coletivas em instâncias superiores x ano de propositura -

Comarca de Itumbiara 1999/2008

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mantém posição conservadora, mormente no que tange à proteção do patrimônio público, visto que as liminares concedidas em primeiro grau são em sua grande maioria cassadas em segundo grau, estendendo o dano coletivo no tempo de forma a reduzir sua reparação.

Ainda, em sua avaliação tal fato não traz prevenção geral, capaz de inibir outras condutas violadoras desses interesses. Soma-se a isso a convicção de que faltam ações institucionais do próprio Ministério Público no intuito de aproximar-se da sociedade civil demonstrando suas atuações e conquistas.

Considerações finais

Vimos que existem algumas hipóteses que impedem a efetividade das Ações Coletivas. A que mais chama a atenção, depois da realização da pesquisa de campo local, é a forma com a qual o Poder Judiciário do Estado de Goiás tem se posicionado frente aos casos que lhe são entregues via Ações Coletivas, principalmente no que tange à segunda instância, como no exemplo de Itumbiara/GO, em que a maioria dos casos refere-se à matéria de improbidade administrativa.

A sociedade jurídica brasileira, de uma maneira geral, tem assimilado com indiferença o posicionamento tradicionalista dos Tribunais Estaduais nas questões relacionadas à defesa do patrimônio público. Isso é fato facilmente comprovado em todo país nas ações em que, não obstante haverem provas irrefutáveis de malversação do dinheiro público, são os agentes públicos afastados de seus cargos por decisões de primeira instância e reconduzidos por decisões de segunda instância. Um desses casos mais emblemáticos tratou-se do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta.

No Brasil, como um todo, tem-se assistido inúmeras Ações Coletivas serem interpostas em desfavor de agentes públicos. Em Itumbiara/Goiás não há exceção a essa regra. Na grande maioria das vezes que uma Ação Coletiva é interposta o poder público aparece como ente passivo, seja através de atos de seus agentes ou de seus prestadores de serviços. Ou seja, sempre haverá uma decisão que interferirá na gestão pública, o que divide opiniões na

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 127

atuação do Poder Judiciário.Existem aqueles que afirmam que decisões que afetam a

gerência do Poder Executivo são decisões que põem em perigo a separação dos poderes. Há aqueles que afirmam que o Poder Judiciário tem o dever constitucional de aplicar a Justiça e que não pode se furtar a esse dever diante de atos de ilegalidade evidentes. O fato é que a postura atual tem criado um quadro de insegurança no tocante a ações inibidoras da violação dos direitos coletivos. Trata-se, sem dúvida, de uma crise política.

Diante disso, podemos afirmar que a efetividade das Ações Coletivas na Comarca de Itumbiara/Goiás é deficitária. Como podemos verificar nos dados colhidos, há um grande contingente de ações propostas com pedidos julgados procedentes em primeira instância com a confirmação em segundo grau, porém tal constatação não nos conduz a uma visão otimista do quadro.

Em todas as ações analisadas há pedido liminar, seja em ações cautelares, seja como pedidos incidentais, e na grande maioria delas esse pedido antecipatório é atendido em decisões de primeiro grau, havendo, portanto, um reconhecimento do Periculum in mora. E em todos esses casos o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás cassou essas liminares, relegando a segundo plano o perigo de agravamento do dano pelo decurso do tempo.

Segundo informações colhidas na entrevista ao membro do Ministério Público local, constatou-se que quando as ações chegam ao resultado final com o julgamento em segunda instância o dano já ocorreu e só resta requerer sua reparação. Ademais, forçoso se faz lembrar que em média os julgamentos das demandas demoram de dois a seis anos para se efetivarem e que alguns estão pendentes de julgamento há mais de sete anos.

No entanto, verifica-se que a partir de 2004 o tempo médio de julgamento das ações em primeira instância diminuiu, tendo registrado que algumas ações foram finalizadas em primeiro grau no mesmo ano de sua proposição ou no ano seguinte. A interpretação que se faz desse fato é a de que houve um amadurecimento do Magistrado na instrução e julgamento dessas ações, viabilizando uma maior efetividade em suas decisões e cumprindo sua função na tutela jurisdicional local.

É de se verificar, assim, que o intuito da pesquisa se cumpriu,

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mantém posição conservadora, mormente no que tange à proteção do patrimônio público, visto que as liminares concedidas em primeiro grau são em sua grande maioria cassadas em segundo grau, estendendo o dano coletivo no tempo de forma a reduzir sua reparação.

Ainda, em sua avaliação tal fato não traz prevenção geral, capaz de inibir outras condutas violadoras desses interesses. Soma-se a isso a convicção de que faltam ações institucionais do próprio Ministério Público no intuito de aproximar-se da sociedade civil demonstrando suas atuações e conquistas.

Considerações finais

Vimos que existem algumas hipóteses que impedem a efetividade das Ações Coletivas. A que mais chama a atenção, depois da realização da pesquisa de campo local, é a forma com a qual o Poder Judiciário do Estado de Goiás tem se posicionado frente aos casos que lhe são entregues via Ações Coletivas, principalmente no que tange à segunda instância, como no exemplo de Itumbiara/GO, em que a maioria dos casos refere-se à matéria de improbidade administrativa.

A sociedade jurídica brasileira, de uma maneira geral, tem assimilado com indiferença o posicionamento tradicionalista dos Tribunais Estaduais nas questões relacionadas à defesa do patrimônio público. Isso é fato facilmente comprovado em todo país nas ações em que, não obstante haverem provas irrefutáveis de malversação do dinheiro público, são os agentes públicos afastados de seus cargos por decisões de primeira instância e reconduzidos por decisões de segunda instância. Um desses casos mais emblemáticos tratou-se do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta.

No Brasil, como um todo, tem-se assistido inúmeras Ações Coletivas serem interpostas em desfavor de agentes públicos. Em Itumbiara/Goiás não há exceção a essa regra. Na grande maioria das vezes que uma Ação Coletiva é interposta o poder público aparece como ente passivo, seja através de atos de seus agentes ou de seus prestadores de serviços. Ou seja, sempre haverá uma decisão que interferirá na gestão pública, o que divide opiniões na

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atuação do Poder Judiciário.Existem aqueles que afirmam que decisões que afetam a

gerência do Poder Executivo são decisões que põem em perigo a separação dos poderes. Há aqueles que afirmam que o Poder Judiciário tem o dever constitucional de aplicar a Justiça e que não pode se furtar a esse dever diante de atos de ilegalidade evidentes. O fato é que a postura atual tem criado um quadro de insegurança no tocante a ações inibidoras da violação dos direitos coletivos. Trata-se, sem dúvida, de uma crise política.

Diante disso, podemos afirmar que a efetividade das Ações Coletivas na Comarca de Itumbiara/Goiás é deficitária. Como podemos verificar nos dados colhidos, há um grande contingente de ações propostas com pedidos julgados procedentes em primeira instância com a confirmação em segundo grau, porém tal constatação não nos conduz a uma visão otimista do quadro.

Em todas as ações analisadas há pedido liminar, seja em ações cautelares, seja como pedidos incidentais, e na grande maioria delas esse pedido antecipatório é atendido em decisões de primeiro grau, havendo, portanto, um reconhecimento do Periculum in mora. E em todos esses casos o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás cassou essas liminares, relegando a segundo plano o perigo de agravamento do dano pelo decurso do tempo.

Segundo informações colhidas na entrevista ao membro do Ministério Público local, constatou-se que quando as ações chegam ao resultado final com o julgamento em segunda instância o dano já ocorreu e só resta requerer sua reparação. Ademais, forçoso se faz lembrar que em média os julgamentos das demandas demoram de dois a seis anos para se efetivarem e que alguns estão pendentes de julgamento há mais de sete anos.

No entanto, verifica-se que a partir de 2004 o tempo médio de julgamento das ações em primeira instância diminuiu, tendo registrado que algumas ações foram finalizadas em primeiro grau no mesmo ano de sua proposição ou no ano seguinte. A interpretação que se faz desse fato é a de que houve um amadurecimento do Magistrado na instrução e julgamento dessas ações, viabilizando uma maior efetividade em suas decisões e cumprindo sua função na tutela jurisdicional local.

É de se verificar, assim, que o intuito da pesquisa se cumpriu,

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009128

conseguindo responder a problemática inicial e estabelecendo um panorama geral da efetividade das Ações Coletivas na Comarca de Itumbiara/Goiás, no período entre 1999 e 2008.

Referências

BASTOS, A. W. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

BEDAQUE, J. R. dos S. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998.

DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

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Resumo:O presente artigo discorre sobre um tema que atormenta a comunidade jurídica: Trata-se da possibilidade de antecipar o parto em casos de anencefalia do feto. Outras hipóteses definidas, genericamente, pela doutrina pátria como aborto eugenésico não serão aqui debatidas, porquanto a anencefalia possui peculiaridades em relação às mencionadas hipóteses.

Palavras-chave: Anencefalia, Estado laico, ADPF, ATP, aborto.

Introdução

A ciência médica atua com grau de certeza igual a 100% (cem por cento) no sentido de inviabilidade da vida de um feto que não desenvolve o cérebro ou as funções cerebrais.

No entanto, o artigo 128 do Código Penal não prevê essa hipótese como descriminante do crime de aborto, daí surgindo duas grandes correntes doutrinárias, cada uma delas sustentando argumentos relevantes para defender sua posição.

Trata-se de um debate antigo dentre os juristas, mas que ganhou relevância a partir do ano de 2004, com o ajuizamento pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde da ADPF n. 54, que tem como objetivo obter decisão do Supremo Tribunal Federal, com efeito vinculante, permitindo a Antecipação Terapêutica do Parto em casos de anencefalia do feto.

ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO

Paulo Rangel de Vieira*

* Promotor de Justiça Substituto do MP/GO, atualmente respondendo pelas Promotorias de Justiça das comarcas de Alvorada do Norte e Iaciara.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009128

conseguindo responder a problemática inicial e estabelecendo um panorama geral da efetividade das Ações Coletivas na Comarca de Itumbiara/Goiás, no período entre 1999 e 2008.

Referências

BASTOS, A. W. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

BEDAQUE, J. R. dos S. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Grace Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998.

DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 129

Resumo:O presente artigo discorre sobre um tema que atormenta a comunidade jurídica: Trata-se da possibilidade de antecipar o parto em casos de anencefalia do feto. Outras hipóteses definidas, genericamente, pela doutrina pátria como aborto eugenésico não serão aqui debatidas, porquanto a anencefalia possui peculiaridades em relação às mencionadas hipóteses.

Palavras-chave: Anencefalia, Estado laico, ADPF, ATP, aborto.

Introdução

A ciência médica atua com grau de certeza igual a 100% (cem por cento) no sentido de inviabilidade da vida de um feto que não desenvolve o cérebro ou as funções cerebrais.

No entanto, o artigo 128 do Código Penal não prevê essa hipótese como descriminante do crime de aborto, daí surgindo duas grandes correntes doutrinárias, cada uma delas sustentando argumentos relevantes para defender sua posição.

Trata-se de um debate antigo dentre os juristas, mas que ganhou relevância a partir do ano de 2004, com o ajuizamento pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde da ADPF n. 54, que tem como objetivo obter decisão do Supremo Tribunal Federal, com efeito vinculante, permitindo a Antecipação Terapêutica do Parto em casos de anencefalia do feto.

ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO

Paulo Rangel de Vieira*

* Promotor de Justiça Substituto do MP/GO, atualmente respondendo pelas Promotorias de Justiça das comarcas de Alvorada do Norte e Iaciara.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009130

Divergência doutrinária

Aqueles que entendem não ser possível interromper a gestação nas hipóteses de anencefalia sustentam, resumidamente, que a vida humana é o maior bem jurídico, de maneira que o Estado deve utilizar de todos os instrumentos jurídicos para exercer a tutela do direito à vida.

Dessa forma, uma vez que o Código Penal somente descriminaliza duas hipóteses de aborto (quais sejam, risco de vida da gestante e gravidez decorrente de estupro), é incabível a interpretação extensiva ou analogia in malam partem para permitir abortamento em outras situações, sob pena de quem assim proceder responder pelo delito de aborto.

No entanto, filiamo-nos à segunda corrente doutrinária.De fato, há vários fundamentos para sustentar a

possibilidade de interrupção da gestação em caso de fetos anencefálicos.

O primeiro deles (e o principal no nosso entendimento) diz respeito à própria tipicidade da conduta.

Com efeito, o artigo 3º da Lei n. 9.434/97 dispõe que somente após diagnosticada a morte encefálica é que poderá haver a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante.

Ficou, pois, definido como critério jurídico para aferição da ocorrência da morte a cessação do funcionamento das funções cerebrais.

Assim, uma vez constatada a ausência de funções cerebrais em um feto não há que falar-se em vida humana, razão pela qual não há bem jurídico a ser protegido pelo Direito.

Portanto, o fato é atípico, sendo esta a grande peculiaridade da anencefalia em relação às demais hipóteses denominadas pela doutrina de aborto eugenésico: Nessas hipóteses, há vida humana segundo o critério jurídico acima citado, o que não ocorre nos casos de ausência de funções cerebrais.

No caso em comento não foi definido um momento em que inicia a vida humana. Ocorreu apenas a visualização de um quadro onde não há vida humana em nenhum instante.

Isso porque, se para o ordenamento jurídico pátrio a morte

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 131

ocorre no instante em que cessam as funções cerebrais, certamente nunca ocorreu vida na hipótese de um ser que sequer desenvolveu as mencionadas funções.

Essa foi uma das teses sustentadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde na mencionada ADPF n. 54, que se encontra ainda pendente de julgamento.

A relevância desse fundamento é evidente, já que sequer poderia ser denominada “aborto” a conduta de interromper a gravidez nas hipóteses de anencefalia, porquanto o abortamento pressupõe vida humana a ser preservada.

Assim sendo, o ato de expelir feto que não possui funções cerebrais deve ser considerado apenas como ATP – Antecipação Terapêutica do Parto, visando preservar a saúde física e psicológica da gestante.

Embora pareça óbvio, o fundamento acima exposto encontra grande resistência tanto entre segmentos religiosos, quanto entre parte da comunidade jurídica.

Sobre a resistência de grupos religiosos, não há problema algum porquanto a Constituição da República consagra a liberdade de expressão. O que não se pode aceitar são decisões judiciais que negam autorização para interrupção da gravidez em casos de anencefalia com fundamento no credo religioso do magistrado. Não raras vezes, gestantes têm pedidos de autorização negados pelo Poder Judiciário não com fundamentos jurídicos, mas sim com argumentos religiosos.

Sem dúvida, o magistrado que assim procede esquece-se de que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito Laico, não havendo mais vinculação entre o Estado e a Igreja, que tantos males causou à humanidade durante séculos de História.

Essa noção de laicização é fundamental para a compreensão e solução do problema, uma vez que a possibilidade de realização da ATP é uma questão jurídica e não religiosa! Já demonstramos que, embora não sejamos a eles adeptos, existem argumentos jurídicos que podem ser sustentados para denegar autorização em tais casos.

Outro ponto abordado na ADPF n. 54 e que, no nosso entendimento, revela-se correto, é que a imposição à gestante de

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Divergência doutrinária

Aqueles que entendem não ser possível interromper a gestação nas hipóteses de anencefalia sustentam, resumidamente, que a vida humana é o maior bem jurídico, de maneira que o Estado deve utilizar de todos os instrumentos jurídicos para exercer a tutela do direito à vida.

Dessa forma, uma vez que o Código Penal somente descriminaliza duas hipóteses de aborto (quais sejam, risco de vida da gestante e gravidez decorrente de estupro), é incabível a interpretação extensiva ou analogia in malam partem para permitir abortamento em outras situações, sob pena de quem assim proceder responder pelo delito de aborto.

No entanto, filiamo-nos à segunda corrente doutrinária.De fato, há vários fundamentos para sustentar a

possibilidade de interrupção da gestação em caso de fetos anencefálicos.

O primeiro deles (e o principal no nosso entendimento) diz respeito à própria tipicidade da conduta.

Com efeito, o artigo 3º da Lei n. 9.434/97 dispõe que somente após diagnosticada a morte encefálica é que poderá haver a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante.

Ficou, pois, definido como critério jurídico para aferição da ocorrência da morte a cessação do funcionamento das funções cerebrais.

Assim, uma vez constatada a ausência de funções cerebrais em um feto não há que falar-se em vida humana, razão pela qual não há bem jurídico a ser protegido pelo Direito.

Portanto, o fato é atípico, sendo esta a grande peculiaridade da anencefalia em relação às demais hipóteses denominadas pela doutrina de aborto eugenésico: Nessas hipóteses, há vida humana segundo o critério jurídico acima citado, o que não ocorre nos casos de ausência de funções cerebrais.

No caso em comento não foi definido um momento em que inicia a vida humana. Ocorreu apenas a visualização de um quadro onde não há vida humana em nenhum instante.

Isso porque, se para o ordenamento jurídico pátrio a morte

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 131

ocorre no instante em que cessam as funções cerebrais, certamente nunca ocorreu vida na hipótese de um ser que sequer desenvolveu as mencionadas funções.

Essa foi uma das teses sustentadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde na mencionada ADPF n. 54, que se encontra ainda pendente de julgamento.

A relevância desse fundamento é evidente, já que sequer poderia ser denominada “aborto” a conduta de interromper a gravidez nas hipóteses de anencefalia, porquanto o abortamento pressupõe vida humana a ser preservada.

Assim sendo, o ato de expelir feto que não possui funções cerebrais deve ser considerado apenas como ATP – Antecipação Terapêutica do Parto, visando preservar a saúde física e psicológica da gestante.

Embora pareça óbvio, o fundamento acima exposto encontra grande resistência tanto entre segmentos religiosos, quanto entre parte da comunidade jurídica.

Sobre a resistência de grupos religiosos, não há problema algum porquanto a Constituição da República consagra a liberdade de expressão. O que não se pode aceitar são decisões judiciais que negam autorização para interrupção da gravidez em casos de anencefalia com fundamento no credo religioso do magistrado. Não raras vezes, gestantes têm pedidos de autorização negados pelo Poder Judiciário não com fundamentos jurídicos, mas sim com argumentos religiosos.

Sem dúvida, o magistrado que assim procede esquece-se de que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito Laico, não havendo mais vinculação entre o Estado e a Igreja, que tantos males causou à humanidade durante séculos de História.

Essa noção de laicização é fundamental para a compreensão e solução do problema, uma vez que a possibilidade de realização da ATP é uma questão jurídica e não religiosa! Já demonstramos que, embora não sejamos a eles adeptos, existem argumentos jurídicos que podem ser sustentados para denegar autorização em tais casos.

Outro ponto abordado na ADPF n. 54 e que, no nosso entendimento, revela-se correto, é que a imposição à gestante de

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009132

carregar no ventre um ser que jamais terá vida é conduta análoga à tortura e que fere por demais a dignidade da mulher.

De fato, a Carta Magna determina que ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III, CR), ao mesmo tempo em que consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, inciso III, CR) e garante a saúde como direito de todos e dever do Estado (artigo 196, CR).

É desnecessário tecer maiores comentários sobre o abalo psicológico da gestante que é constrangida a conduzir uma gravidez até o final quando existe certeza científica da inviabilidade da vida do feto em gestação.

Ademais, a própria saúde médica da gestante também é ameaçada, uma vez que várias vezes a gravidez conduzida até o final deixa sequelas de natureza física.

Por último, vale lembrar que existe ainda outra posição favorável à ATP, mas por outro fundamento. Para esses pensadores, a conduta, embora típica, não é punível por incidir a causa supralegal genérica de exclusão da culpabilidade inexibilidade de conduta diversa.

Conclusão

Diante de todo o exposto, podemos concluir citando o ilustre Jurista Luís Roberto Barroso, quando este afirma:

Pois bem. A antecipação terapêutica do parto em hipóteses de gravidez de feto anencefálico não está vedada no ordenamento jurídico. O fundamento das decisões judiciais que têm proibido sua realização data vênia de seus ilustres prolatores, não é a ordem jurídica vigente no Brasil, mas sim outro tipo de consideração. A restrição à liberdade de escolha e à autonomia da vontade da gestante, nesse caso, não se justifica, quer sob o aspecto do direito positivo, quer sob o prisma da ponderação de valores: como já referido, não há bem jurídico em conflito com os direitos aqui descritos.

133

Portanto, esperamos que a Suprema Corte adote este entendimento, reconhecendo a atipicidade da ATP nas hipóteses de anencefalia, para que possa prevalecer o direito fundamental à saúde e à não submissão a tortura, preservando, consequentemente, a dignidade das gestantes.

Referências

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DA BAHIA. Anencefalia e Supremo Tribunal Federal. Brasília: Ed. Letras Livres, 2004.

GRECO, R. Código Penal comentado. Niterói: Ed. Ímpetus, 2008.

MIRABETTE, J. F. Manual de Direito Penal. Parte Especial. São Paulo: Ed. Atlas, 2005.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009132

carregar no ventre um ser que jamais terá vida é conduta análoga à tortura e que fere por demais a dignidade da mulher.

De fato, a Carta Magna determina que ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III, CR), ao mesmo tempo em que consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, inciso III, CR) e garante a saúde como direito de todos e dever do Estado (artigo 196, CR).

É desnecessário tecer maiores comentários sobre o abalo psicológico da gestante que é constrangida a conduzir uma gravidez até o final quando existe certeza científica da inviabilidade da vida do feto em gestação.

Ademais, a própria saúde médica da gestante também é ameaçada, uma vez que várias vezes a gravidez conduzida até o final deixa sequelas de natureza física.

Por último, vale lembrar que existe ainda outra posição favorável à ATP, mas por outro fundamento. Para esses pensadores, a conduta, embora típica, não é punível por incidir a causa supralegal genérica de exclusão da culpabilidade inexibilidade de conduta diversa.

Conclusão

Diante de todo o exposto, podemos concluir citando o ilustre Jurista Luís Roberto Barroso, quando este afirma:

Pois bem. A antecipação terapêutica do parto em hipóteses de gravidez de feto anencefálico não está vedada no ordenamento jurídico. O fundamento das decisões judiciais que têm proibido sua realização data vênia de seus ilustres prolatores, não é a ordem jurídica vigente no Brasil, mas sim outro tipo de consideração. A restrição à liberdade de escolha e à autonomia da vontade da gestante, nesse caso, não se justifica, quer sob o aspecto do direito positivo, quer sob o prisma da ponderação de valores: como já referido, não há bem jurídico em conflito com os direitos aqui descritos.

133

Portanto, esperamos que a Suprema Corte adote este entendimento, reconhecendo a atipicidade da ATP nas hipóteses de anencefalia, para que possa prevalecer o direito fundamental à saúde e à não submissão a tortura, preservando, consequentemente, a dignidade das gestantes.

Referências

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DA BAHIA. Anencefalia e Supremo Tribunal Federal. Brasília: Ed. Letras Livres, 2004.

GRECO, R. Código Penal comentado. Niterói: Ed. Ímpetus, 2008.

MIRABETTE, J. F. Manual de Direito Penal. Parte Especial. São Paulo: Ed. Atlas, 2005.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009134 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 135

Resumo:Este artigo discute a interdisciplinaridade como instrumento de compreensão das questões jurídicas no campo da bioética. Inicia-se destacando importantes contribuições da Antropologia, tratando-se de uma ciência sobre a diferença cultural das sociedades, cuja missão é compreender os fenômenos socioculturais para além do senso comum, do etnocentrismo, do estereótipo, da homogeneidade dos olhares, que tem sempre como objeto o comportamento humano em sua singularidade cultural. Esse olhar propõe uma releitura do alcance da norma e das decisões sobre os acontecimentos humanos jurisdicionados, porquanto diante de cada caso concreto existe um acervo de singularidades. Adentra-se no tema da anencefalia e da união homoafetiva, em que se infere constantes tendências de julgamentos pré-formados, confessionais, morais e até religiosos. Diante disso, torna-se relevante a análise do que representa a laicidade no ordenamento jurídico brasileiro e qual é a razão pública para um julgamento, o que culmina no entendimento de que seja qual for o liame proposto no caso concreto, deverá sempre perseguir o que é razoável para tutelar o princípio da dignidade humana, cuja acepção tem caráter subjetivo para cada ser humano, sempre nos parâmetros da autonomia privada.

Palavras-chave: Bioética, Antropologia, interdisciplinaridade, dignidade da pessoa humana.

Uma abordagem interdisciplinar para o Direito: a contribuição da Antropologia

A análise aprofundada de questões jurídicas requer a

UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR PARA O DIREITO: A CONTRIBUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA

Fernanda Brian*

* Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Público com ênfase em Direito Tributário pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Atualmente servidora pública do Ministério Público do Estado de Goiás.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009134 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 135

Resumo:Este artigo discute a interdisciplinaridade como instrumento de compreensão das questões jurídicas no campo da bioética. Inicia-se destacando importantes contribuições da Antropologia, tratando-se de uma ciência sobre a diferença cultural das sociedades, cuja missão é compreender os fenômenos socioculturais para além do senso comum, do etnocentrismo, do estereótipo, da homogeneidade dos olhares, que tem sempre como objeto o comportamento humano em sua singularidade cultural. Esse olhar propõe uma releitura do alcance da norma e das decisões sobre os acontecimentos humanos jurisdicionados, porquanto diante de cada caso concreto existe um acervo de singularidades. Adentra-se no tema da anencefalia e da união homoafetiva, em que se infere constantes tendências de julgamentos pré-formados, confessionais, morais e até religiosos. Diante disso, torna-se relevante a análise do que representa a laicidade no ordenamento jurídico brasileiro e qual é a razão pública para um julgamento, o que culmina no entendimento de que seja qual for o liame proposto no caso concreto, deverá sempre perseguir o que é razoável para tutelar o princípio da dignidade humana, cuja acepção tem caráter subjetivo para cada ser humano, sempre nos parâmetros da autonomia privada.

Palavras-chave: Bioética, Antropologia, interdisciplinaridade, dignidade da pessoa humana.

Uma abordagem interdisciplinar para o Direito: a contribuição da Antropologia

A análise aprofundada de questões jurídicas requer a

UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR PARA O DIREITO: A CONTRIBUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA

Fernanda Brian*

* Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Público com ênfase em Direito Tributário pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Atualmente servidora pública do Ministério Público do Estado de Goiás.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009136

1 ROCHA, E. P. G. O que é etnocentrismo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.2 ROCHA, op. cit.

contribuição de diversas áreas do conhecimento, isto é, da interdisciplinaridade.

A Antropologia, assim como a filosofia, a história, a literatura e a psicologia são relevantes perspectivas argumentativas para os estudos jurídicos na bioética, em especial as questões jurídicas tratadas no âmbito dos direitos sexuais e da anencefalia.

A universalidade de conceitos jurídicos baseado no aspecto literal da lei acabou por negligenciar aspectos importantes do meio social e da cultura, que são conceitos chaves para a Antropologia.

1Segundo Everardo Rocha , a ciência sobre a diferença entre os seres humanos é a Antropologia, cuja missão é superar o senso comum, o etnocentrismo, o estereótipo, a homogeneidade dos olhares, que tem sempre como objeto a presença do humano em sua singularidade sociocultural.

Para a Antropologia, cultura é todo complexo que inclui conhecimento, crença, leis, moral, costumes e quaisquer outras capacidades adquiridas pelo homem em sociedade. A cultura é, portanto, a representação do que somos.

Outrossim, o etnocentrismo, definição essencial na Antropologia, significa conceber o mundo sob seu próprio ponto de vista, desconsiderando o contexto dos outros em seus próprios valores. É, em suma, a dificuldade de pensar a diferença.

2Como bem ressaltado por Everardo Rocha , as ideias que temos sobre “mulheres”, “negros”, “paraíbas”, “surfistas”, “velhos”, “gays”, todos são “outros” que representam juízos de valores perigosamente etnocêntricos.

O que se contrapõe ao etnocentrismo é a relativização. Relativizar é olhar o “outro” no seu próprio contexto, sem verdades absolutas. É nesse exercício que o Direito encontra mais dificuldade, já que o campo do saber jurídico é baseado em formulações pragmáticas e tem como objeto a solução de conflitos de interesses levadas a juízo, segundo o qual uma decisão é baseada em leis, analogias, princípios, costumes e, muitas vezes, em julgamentos pré-formados, confessionais, morais e até cristãos. Isso caracteriza, fundamentalmente, uma visão

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 137

etnocêntrica do mundo, desconsiderando as singularidades da presença humana.

A teoria jurídica tradicional aponta que o método pelo qual o juiz torna efetiva a aplicação do direito é lógico, pelo processo do silogismo. Segundo a doutrina jurídica clássica, é antiga a discussão acerca da aplicação da lei pelo juiz, que foi marcada no Iluminismo pela vontade de se estabelecer uma segurança jurídica absoluta através de normas rigorosamente planejadas. Em outro momento histórico, pensou-se na vinculação do juiz apenas à lei em seu aspecto literal. Já na modernidade, permaneceu a vinculação à lei, porém, com mais liberdade de interpretação e, atualmente, já existe uma maior autonomia, tendo à disposição dos juízes os métodos de interpretação, sob a égide do livre arbítrio nos limites da legalidade.

Com efeito, toda a trajetória do direito em atingir seu objetivo maior de justiça ganha grandes contornos ao se considerar a contribuição antropológica de examinar a individualidade do homem social em seu contexto singular, já que o centro gravitacional do direito reside em positivamente conferir direitos e impor deveres.

Nesse prisma, é importante perceber que a realidade é pura construção e tal assertiva é premissa fundamental para entender que nada é pronto e acabado. Logo, nenhuma lei pode ditar uma verdade seguramente absoluta, sob pena de destituir todo o complexo dinâmico dos valores humanos.

Observa-se que as regulamentações jurídicas não raro se tornam posteriormente inócuas pelo fato de ocorrerem constantes transformações culturais, progressos científicos, etc. A dinamicidade do cenário humano faz as normas se tornarem incoerentes ao contexto social vivido. Daí a dificuldade do campo jurídico em acompanhar as constantes transformações sociais de forma coerente.

Nesse contexto e sob a égide de que o objeto de estudo da Antropologia é a dinâmica dos cenários humanos, podemos afirmar que essa reflexão do ser humano social é uma ferramenta argumentativa para as bases de decisão no campo jurídico. Esse olhar propõe uma releitura do alcance da norma e das decisões sobre os acontecimentos humanos jurisdicionados, porquanto diante de cada caso concreto existe um acervo de singularidades.

Vislumbra-se, então, a impossibilidade de dissociar essa

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009136

1 ROCHA, E. P. G. O que é etnocentrismo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.2 ROCHA, op. cit.

contribuição de diversas áreas do conhecimento, isto é, da interdisciplinaridade.

A Antropologia, assim como a filosofia, a história, a literatura e a psicologia são relevantes perspectivas argumentativas para os estudos jurídicos na bioética, em especial as questões jurídicas tratadas no âmbito dos direitos sexuais e da anencefalia.

A universalidade de conceitos jurídicos baseado no aspecto literal da lei acabou por negligenciar aspectos importantes do meio social e da cultura, que são conceitos chaves para a Antropologia.

1Segundo Everardo Rocha , a ciência sobre a diferença entre os seres humanos é a Antropologia, cuja missão é superar o senso comum, o etnocentrismo, o estereótipo, a homogeneidade dos olhares, que tem sempre como objeto a presença do humano em sua singularidade sociocultural.

Para a Antropologia, cultura é todo complexo que inclui conhecimento, crença, leis, moral, costumes e quaisquer outras capacidades adquiridas pelo homem em sociedade. A cultura é, portanto, a representação do que somos.

Outrossim, o etnocentrismo, definição essencial na Antropologia, significa conceber o mundo sob seu próprio ponto de vista, desconsiderando o contexto dos outros em seus próprios valores. É, em suma, a dificuldade de pensar a diferença.

2Como bem ressaltado por Everardo Rocha , as ideias que temos sobre “mulheres”, “negros”, “paraíbas”, “surfistas”, “velhos”, “gays”, todos são “outros” que representam juízos de valores perigosamente etnocêntricos.

O que se contrapõe ao etnocentrismo é a relativização. Relativizar é olhar o “outro” no seu próprio contexto, sem verdades absolutas. É nesse exercício que o Direito encontra mais dificuldade, já que o campo do saber jurídico é baseado em formulações pragmáticas e tem como objeto a solução de conflitos de interesses levadas a juízo, segundo o qual uma decisão é baseada em leis, analogias, princípios, costumes e, muitas vezes, em julgamentos pré-formados, confessionais, morais e até cristãos. Isso caracteriza, fundamentalmente, uma visão

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 137

etnocêntrica do mundo, desconsiderando as singularidades da presença humana.

A teoria jurídica tradicional aponta que o método pelo qual o juiz torna efetiva a aplicação do direito é lógico, pelo processo do silogismo. Segundo a doutrina jurídica clássica, é antiga a discussão acerca da aplicação da lei pelo juiz, que foi marcada no Iluminismo pela vontade de se estabelecer uma segurança jurídica absoluta através de normas rigorosamente planejadas. Em outro momento histórico, pensou-se na vinculação do juiz apenas à lei em seu aspecto literal. Já na modernidade, permaneceu a vinculação à lei, porém, com mais liberdade de interpretação e, atualmente, já existe uma maior autonomia, tendo à disposição dos juízes os métodos de interpretação, sob a égide do livre arbítrio nos limites da legalidade.

Com efeito, toda a trajetória do direito em atingir seu objetivo maior de justiça ganha grandes contornos ao se considerar a contribuição antropológica de examinar a individualidade do homem social em seu contexto singular, já que o centro gravitacional do direito reside em positivamente conferir direitos e impor deveres.

Nesse prisma, é importante perceber que a realidade é pura construção e tal assertiva é premissa fundamental para entender que nada é pronto e acabado. Logo, nenhuma lei pode ditar uma verdade seguramente absoluta, sob pena de destituir todo o complexo dinâmico dos valores humanos.

Observa-se que as regulamentações jurídicas não raro se tornam posteriormente inócuas pelo fato de ocorrerem constantes transformações culturais, progressos científicos, etc. A dinamicidade do cenário humano faz as normas se tornarem incoerentes ao contexto social vivido. Daí a dificuldade do campo jurídico em acompanhar as constantes transformações sociais de forma coerente.

Nesse contexto e sob a égide de que o objeto de estudo da Antropologia é a dinâmica dos cenários humanos, podemos afirmar que essa reflexão do ser humano social é uma ferramenta argumentativa para as bases de decisão no campo jurídico. Esse olhar propõe uma releitura do alcance da norma e das decisões sobre os acontecimentos humanos jurisdicionados, porquanto diante de cada caso concreto existe um acervo de singularidades.

Vislumbra-se, então, a impossibilidade de dissociar essa

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009138

3 BARROSO, L. R. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 09 nov. 2008.

4 LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

5 LOREA, R. A. Acesso ao casamento no Brasil: uma questão de cidadania sexual. Ver. Estud. Fem., v. 14, n. 2, p. 488-496, set. 2006.

interdisciplinaridade com a ciência jurídica, já que o direito é uma invenção humana, um fenômeno cultural e histórico, concebido

3como técnica para solução de conflitos e pacificação social .Por exemplo, no campo da união homoafetiva, questão de

singular importância é o conceito de família. O antropólogo belga 4Lévi-Strauss demonstra, em seu livro As Estruturas Elementares

do Parentesco (1982), que nossa concepção de família como unidade central do núcleo social é etnocêntrica. Daí resulta que Lévi-Strauss estendeu seu olhar a outro aspecto do parentesco, que junta os elos da fraternidade, descendência e afinidade. Nessa visão antropológica, como podemos querer sustentar que somente um homem e uma mulher com fins reprodutivos constitui família?

Ainda no tema da união homoafetiva, a argumentação 5principal proposta no artigo de Roberto Arriada Lorea (2006) é a

de que não há necessidade de se criar uma nova lei para regular a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Não se afigura plausível a intenção legislativa de regular o casamento entre homossexuais, diferentemente do casamento entre heterossexuais, sob pena de incorrer em discriminação.

O articulista aprofunda o questionamento propondo a questão: qual o fundamento legal para se autorizar a discriminação dos homossexuais? Não há fundamento legal – o discurso é sempre moral. E o campo da moralidade é a absoluta incoerência.

Diz ainda o autor que a relevância de um Estado Laico adquire maior visibilidade quando se enfrentam temas que são afetos aos direitos sexuais, sendo fundamental que se possam debater questões vinculadas à sexualidade à luz do ordenamento jurídico vigente, e não na doutrina da religião. Não há necessidade de se justificar o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao contrário, a negativa de acesso é que deveria ser justificada.

Outra relevante temática é o caso da anencefalia. Conforme

6 DINIZ, D.; PENALVA, J. Anencefalia e Tortura. Boletim IBCCRIM. No prelo. Novembro 2008.

7 Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo Conselho Nacional dos Trabalhadores da Saúde, em abril de 2004, perante o Supremo Tribunal Federal. O pleito constitucional ainda está pendente de julgamento e tem como argumento principal o fato de que, por ser a anencefalia uma malformação incompatível com a vida, a interrupção da gestação, nesse caso, não deveria ser tipificada como crime, mas como um procedimento médico amparado em princípios constitucionais como o direito à saúde, à dignidade, à liberdade e a de estar livre de tortura.

8 Minicurso de extensão proferido no Ministério Público do Estado de Goiás no dia 31/10/2008, sobre o tema “Bioética:Desafios”.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 139

6 7apreciado por Débora Diniz e Janaína Penalva , a ADPF 54 é uma ação constitucional com o objetivo de reconhecer a atipicidade da interrupção da gestação, em caso de anencefalia do feto, não caracterizando o procedimento médico de antecipação do parto como aborto, que é considerado crime no Brasil. A medida judicial visa proteger os direitos de personalidade da mulher e obrigá-la a manter esse tipo de gestação caracteriza um desrespeito aos princípios constitucionais da dignidade, da intimidade, da liberdade e da não tortura, ou seja, é uma violência do Estado.

Nessa reflexão aparecem duas questões fundamentais, 8conforme discutido pela Dra. Débora Diniz , que atingem o âmago

da complexidade do papel do julgador, ao proferir uma decisão judicial sobre a vida particular das pessoas, no caso da necessidade de autorização da antecipação do parto perante um diagnóstico da anencefalia; da autorização para adoção pleiteada por casais homossexuais; no reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, etc. – são elas em duas vertentes intrínsecas – qual a razão pública para um julgamento? O que é laicidade para o ordenamento jurídico vigente?

Em verdade, muito há que se percorrer sobre esses questionamentos, contudo, o ponto fundamental é eleger o valor que fundamenta todo o ordenamento jurídico brasileiro na atualidade. O valor basilar que todas as normas perseguem é o princípio da dignidade da pessoa humana. É o que axiologicamente se elegeu como premissa na aplicação das leis, ou seja, toda aplicação jurídica se justifica para atender ao princípio

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009138

3 BARROSO, L. R. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 09 nov. 2008.

4 LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

5 LOREA, R. A. Acesso ao casamento no Brasil: uma questão de cidadania sexual. Ver. Estud. Fem., v. 14, n. 2, p. 488-496, set. 2006.

interdisciplinaridade com a ciência jurídica, já que o direito é uma invenção humana, um fenômeno cultural e histórico, concebido

3como técnica para solução de conflitos e pacificação social .Por exemplo, no campo da união homoafetiva, questão de

singular importância é o conceito de família. O antropólogo belga 4Lévi-Strauss demonstra, em seu livro As Estruturas Elementares

do Parentesco (1982), que nossa concepção de família como unidade central do núcleo social é etnocêntrica. Daí resulta que Lévi-Strauss estendeu seu olhar a outro aspecto do parentesco, que junta os elos da fraternidade, descendência e afinidade. Nessa visão antropológica, como podemos querer sustentar que somente um homem e uma mulher com fins reprodutivos constitui família?

Ainda no tema da união homoafetiva, a argumentação 5principal proposta no artigo de Roberto Arriada Lorea (2006) é a

de que não há necessidade de se criar uma nova lei para regular a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Não se afigura plausível a intenção legislativa de regular o casamento entre homossexuais, diferentemente do casamento entre heterossexuais, sob pena de incorrer em discriminação.

O articulista aprofunda o questionamento propondo a questão: qual o fundamento legal para se autorizar a discriminação dos homossexuais? Não há fundamento legal – o discurso é sempre moral. E o campo da moralidade é a absoluta incoerência.

Diz ainda o autor que a relevância de um Estado Laico adquire maior visibilidade quando se enfrentam temas que são afetos aos direitos sexuais, sendo fundamental que se possam debater questões vinculadas à sexualidade à luz do ordenamento jurídico vigente, e não na doutrina da religião. Não há necessidade de se justificar o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao contrário, a negativa de acesso é que deveria ser justificada.

Outra relevante temática é o caso da anencefalia. Conforme

6 DINIZ, D.; PENALVA, J. Anencefalia e Tortura. Boletim IBCCRIM. No prelo. Novembro 2008.

7 Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo Conselho Nacional dos Trabalhadores da Saúde, em abril de 2004, perante o Supremo Tribunal Federal. O pleito constitucional ainda está pendente de julgamento e tem como argumento principal o fato de que, por ser a anencefalia uma malformação incompatível com a vida, a interrupção da gestação, nesse caso, não deveria ser tipificada como crime, mas como um procedimento médico amparado em princípios constitucionais como o direito à saúde, à dignidade, à liberdade e a de estar livre de tortura.

8 Minicurso de extensão proferido no Ministério Público do Estado de Goiás no dia 31/10/2008, sobre o tema “Bioética:Desafios”.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 139

6 7apreciado por Débora Diniz e Janaína Penalva , a ADPF 54 é uma ação constitucional com o objetivo de reconhecer a atipicidade da interrupção da gestação, em caso de anencefalia do feto, não caracterizando o procedimento médico de antecipação do parto como aborto, que é considerado crime no Brasil. A medida judicial visa proteger os direitos de personalidade da mulher e obrigá-la a manter esse tipo de gestação caracteriza um desrespeito aos princípios constitucionais da dignidade, da intimidade, da liberdade e da não tortura, ou seja, é uma violência do Estado.

Nessa reflexão aparecem duas questões fundamentais, 8conforme discutido pela Dra. Débora Diniz , que atingem o âmago

da complexidade do papel do julgador, ao proferir uma decisão judicial sobre a vida particular das pessoas, no caso da necessidade de autorização da antecipação do parto perante um diagnóstico da anencefalia; da autorização para adoção pleiteada por casais homossexuais; no reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, etc. – são elas em duas vertentes intrínsecas – qual a razão pública para um julgamento? O que é laicidade para o ordenamento jurídico vigente?

Em verdade, muito há que se percorrer sobre esses questionamentos, contudo, o ponto fundamental é eleger o valor que fundamenta todo o ordenamento jurídico brasileiro na atualidade. O valor basilar que todas as normas perseguem é o princípio da dignidade da pessoa humana. É o que axiologicamente se elegeu como premissa na aplicação das leis, ou seja, toda aplicação jurídica se justifica para atender ao princípio

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009140

9 DINIZ, D.; VÉLEZ, A. C. G. Aborto e razão pública: o desafio da anencefalia no Brasil. Número Especial Gênero, Religião e Políticas Públicas, Mandrágora, São Bernardo do Campo, v. 13, p. 22-32, 2007.

10 ENGISCH, K. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 289.

11 ENGISH, op. cit., p. 290.

da dignidade da pessoa humana. Logo, a razão pública para um julgamento e o que representa a laicidade, seja qual for o liame proposto no caso concreto, deverá perseguir o que é razoável para tutelar a dignidade humana, cuja acepção subjetiva está na ordem individual de cada ser humano.

É nesse contexto de autonomia privada que partilhamos da reflexão da antropóloga Débora Diniz, ao analisar a questão dos direitos reprodutivos no Brasil, sustentando que “um Estado verdadeiramente laico é aquele que reconhece o aborto como

9matéria de ética privada” .No campo da bioética, a questão da anencefalia e dos direitos

sexuais está intrinsecamente ligada aos direitos de personalidade, às liberdades pessoais e à faculdade de autodeterminação do homem, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, que alicerça o ordenamento jurídico brasileiro.

Um questionamento interessante é o proposto por Karl 10Engisch , penalista alemão, que trata, em seu livro Introdução ao

pensamento jurídico (1996), entre outras questões, da problemática da aplicação da lei na vida in concreto, da interpretação e compreensão do direito, das questões do direito deficitário – lacunas e incorreções. No capítulo VII de sua obra, quando critica a valoração pessoal das normas, propõe o pertinente questionamento: “Com que Direito é lícito presumir, ou muito menos concluir, que aquilo que convém a um particular também convém a outro?”.

Esse questionamento faz menção à contribuição proposta pela antropologia no que tange a relativização, cujo intuito é sempre dissociar-se de um reducionismo literal das realidades.

11Logo em seguida, Engisch assevera: “A semelhança entre a ofensa corporal e a privação da liberdade consiste precisamente no fato de que, aqui como ali, são lesados bens jurídicos pessoais que, dentro de certos limites, são confiados ao poder de disposição do prejudicado”.

12 BORGES, R. C. B. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005.

13 BORGES, op. cit., p. 21.14 BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora da UNB,

1999. p. 76. Chama-se “interpretação sistemática” aquela forma de interpretação que tira os seus argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento, ou, mais exatamente, de uma parte do ordenamento (como Direito privado, Direito penal) constituam uma totalidade ordenada (mesmo que depois se deixe um pouco no vazio o que se deva entender com essa expressão), e, portanto, seja lícito esclarecer uma norma obscura ou diretamente integrar uma norma deficiente recorrendo ao chamado “espírito do sistema”, mesmo indo contra aquilo que resultaria de uma interpretação meramente literal.

15 BORGES, op. cit., p. 89.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 141

Na atualidade, sobre o poder de disposição, ou seja, as 12liberdades pessoais, Roxana Cardoso Brasileiro Borges discute o

assunto em seu livro Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada (2005).

Objetiva, em seu trabalho, demonstrar que há outras formas de exercício dos direitos de personalidade além da simples tutela negativa contra terceiros. Analisa a jurista, acerca do exercício positivo dos direitos de personalidade, que decorre do poder de autodeterminação das pessoas.

A autora argumenta que os direitos de personalidade são direitos que decorrem da personalidade humana, em que se protege o que é próprio da pessoa, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito à integridade intelectual, o direito ao próprio corpo, o direito à intimidade, o direito à privacidade, o direito à liberdade, à honra, ao nome, entre outros.

13Todos esses direitos são expressões da pessoa humana .Assim, de modo a garantir a eficácia da tutela dos direitos de

personalidade, é necessário considerar uma acepção aberta do direito, capaz de adaptar-se às novas circunstâncias que surgem a cada dia na

14sociedade – interpretação sistemática do direito . Caso contrário, haveria o risco de não assegurar a ampla proteção da pessoa.

Os direitos de personalidade são, além de uma liberdade negativa, uma liberdade positiva. Em sua vertente positiva, significa dar ênfase a autonomia jurídica individual e a autonomia privada, necessárias para uma tutela plena da autodeterminação do

15homem .

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009140

9 DINIZ, D.; VÉLEZ, A. C. G. Aborto e razão pública: o desafio da anencefalia no Brasil. Número Especial Gênero, Religião e Políticas Públicas, Mandrágora, São Bernardo do Campo, v. 13, p. 22-32, 2007.

10 ENGISCH, K. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 289.

11 ENGISH, op. cit., p. 290.

da dignidade da pessoa humana. Logo, a razão pública para um julgamento e o que representa a laicidade, seja qual for o liame proposto no caso concreto, deverá perseguir o que é razoável para tutelar a dignidade humana, cuja acepção subjetiva está na ordem individual de cada ser humano.

É nesse contexto de autonomia privada que partilhamos da reflexão da antropóloga Débora Diniz, ao analisar a questão dos direitos reprodutivos no Brasil, sustentando que “um Estado verdadeiramente laico é aquele que reconhece o aborto como

9matéria de ética privada” .No campo da bioética, a questão da anencefalia e dos direitos

sexuais está intrinsecamente ligada aos direitos de personalidade, às liberdades pessoais e à faculdade de autodeterminação do homem, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, que alicerça o ordenamento jurídico brasileiro.

Um questionamento interessante é o proposto por Karl 10Engisch , penalista alemão, que trata, em seu livro Introdução ao

pensamento jurídico (1996), entre outras questões, da problemática da aplicação da lei na vida in concreto, da interpretação e compreensão do direito, das questões do direito deficitário – lacunas e incorreções. No capítulo VII de sua obra, quando critica a valoração pessoal das normas, propõe o pertinente questionamento: “Com que Direito é lícito presumir, ou muito menos concluir, que aquilo que convém a um particular também convém a outro?”.

Esse questionamento faz menção à contribuição proposta pela antropologia no que tange a relativização, cujo intuito é sempre dissociar-se de um reducionismo literal das realidades.

11Logo em seguida, Engisch assevera: “A semelhança entre a ofensa corporal e a privação da liberdade consiste precisamente no fato de que, aqui como ali, são lesados bens jurídicos pessoais que, dentro de certos limites, são confiados ao poder de disposição do prejudicado”.

12 BORGES, R. C. B. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005.

13 BORGES, op. cit., p. 21.14 BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora da UNB,

1999. p. 76. Chama-se “interpretação sistemática” aquela forma de interpretação que tira os seus argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento, ou, mais exatamente, de uma parte do ordenamento (como Direito privado, Direito penal) constituam uma totalidade ordenada (mesmo que depois se deixe um pouco no vazio o que se deva entender com essa expressão), e, portanto, seja lícito esclarecer uma norma obscura ou diretamente integrar uma norma deficiente recorrendo ao chamado “espírito do sistema”, mesmo indo contra aquilo que resultaria de uma interpretação meramente literal.

15 BORGES, op. cit., p. 89.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 141

Na atualidade, sobre o poder de disposição, ou seja, as 12liberdades pessoais, Roxana Cardoso Brasileiro Borges discute o

assunto em seu livro Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada (2005).

Objetiva, em seu trabalho, demonstrar que há outras formas de exercício dos direitos de personalidade além da simples tutela negativa contra terceiros. Analisa a jurista, acerca do exercício positivo dos direitos de personalidade, que decorre do poder de autodeterminação das pessoas.

A autora argumenta que os direitos de personalidade são direitos que decorrem da personalidade humana, em que se protege o que é próprio da pessoa, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito à integridade intelectual, o direito ao próprio corpo, o direito à intimidade, o direito à privacidade, o direito à liberdade, à honra, ao nome, entre outros.

13Todos esses direitos são expressões da pessoa humana .Assim, de modo a garantir a eficácia da tutela dos direitos de

personalidade, é necessário considerar uma acepção aberta do direito, capaz de adaptar-se às novas circunstâncias que surgem a cada dia na

14sociedade – interpretação sistemática do direito . Caso contrário, haveria o risco de não assegurar a ampla proteção da pessoa.

Os direitos de personalidade são, além de uma liberdade negativa, uma liberdade positiva. Em sua vertente positiva, significa dar ênfase a autonomia jurídica individual e a autonomia privada, necessárias para uma tutela plena da autodeterminação do

15homem .

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009142

16Rosângelo Rodrigues de Miranda , escrevendo sobre a proteção da dignidade pessoal, pondera que:

Quando a Convenção Americana de Direitos Humanos consagra o direito à proteção da dignidade da pessoa, ela também, de modo implícito, está agasalhando e tutelando o princípio da autonomia privada, conditio sine qua non para o pleno florescer das capacidades humanas e, por via de conseqüência, para a efetiva apreensão do significado maior do conceito de dignidade da pessoa humana.

Desse modo, na esfera da bioética a verdadeira acepção perseguida é a tutela do princípio da dignidade humana, a fim de garantir a emancipação do homem, através do respeito por suas diferenças, do respeito por suas características, por sua consciência e sua faculdade de autodeterminar conforme seu

17próprio sentimento de dignidade .Reconhecer a subjetividade concreta do homem é requisito

para compreender a necessidade de proteger-lhe a vontade e, consequentemente, sua necessidade de autonomia, sob a égide do

18princípio da dignidade da pessoa humana .Isso posto, a releitura jurídica sob o olhar da Antropologia,

contribui para uma compreensão da complexidade da sociedade atual, bem como para o perigo da ditadura da maioria, da homogeneização da sociedade e da parcialidade das concepções morais e religiosas, que marcam muitas das decisões jurídicas quando está em pauta questões pertinentes à bioética. A partir dessa interdisciplinaridade, pondera-se que a tutela de direitos, especialmente no caso da anencefalia e da união homoafetiva, só se torna possível diante do livre desenvolvimento da personalidade humana.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 143

16 MIRANDA, R. R. de. Ensaio sobre a tutela da autonomia privada na Convenção Americana de Direitos Humanos. In: BORGES, R. C. B. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 138.

17 BORGES, op. cit., p. 112.18 Ibidem., p. 146.

Referências

BARROSO, L. R. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 09 nov. 2008.

BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora da UNB, 1999.

BORGES, R. C. B. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005.

DINIZ, D.; PENALVA, J. Anencefalia e Tortura. Boletim IBCCRIM. No prelo. Novembro 2008.

DINIZ, D.; VÉLEZ, A. C. G. Aborto e razão pública: o desafio da anencefalia no Brasil. Número Especial Gênero, Religião e Políticas Públicas, Mandrágora, São Bernardo do Campo, v. 13, p. 22-32, 2007.

ENGISCH, K. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

LOREA, R. A. Acesso ao casamento no Brasil: uma questão de cidadania sexual. Ver. Estud. Fem., v. 14, n. 2, p. 488-496, set. 2006.

MIRANDA, R. R. de. Ensaio sobre a tutela da autonomia privada na Convenção Americana de Direitos Humanos. In: BORGES, R. C. B. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 138.

ROCHA, E. P. G. O que é etnocentrismo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009142

16Rosângelo Rodrigues de Miranda , escrevendo sobre a proteção da dignidade pessoal, pondera que:

Quando a Convenção Americana de Direitos Humanos consagra o direito à proteção da dignidade da pessoa, ela também, de modo implícito, está agasalhando e tutelando o princípio da autonomia privada, conditio sine qua non para o pleno florescer das capacidades humanas e, por via de conseqüência, para a efetiva apreensão do significado maior do conceito de dignidade da pessoa humana.

Desse modo, na esfera da bioética a verdadeira acepção perseguida é a tutela do princípio da dignidade humana, a fim de garantir a emancipação do homem, através do respeito por suas diferenças, do respeito por suas características, por sua consciência e sua faculdade de autodeterminar conforme seu

17próprio sentimento de dignidade .Reconhecer a subjetividade concreta do homem é requisito

para compreender a necessidade de proteger-lhe a vontade e, consequentemente, sua necessidade de autonomia, sob a égide do

18princípio da dignidade da pessoa humana .Isso posto, a releitura jurídica sob o olhar da Antropologia,

contribui para uma compreensão da complexidade da sociedade atual, bem como para o perigo da ditadura da maioria, da homogeneização da sociedade e da parcialidade das concepções morais e religiosas, que marcam muitas das decisões jurídicas quando está em pauta questões pertinentes à bioética. A partir dessa interdisciplinaridade, pondera-se que a tutela de direitos, especialmente no caso da anencefalia e da união homoafetiva, só se torna possível diante do livre desenvolvimento da personalidade humana.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 143

16 MIRANDA, R. R. de. Ensaio sobre a tutela da autonomia privada na Convenção Americana de Direitos Humanos. In: BORGES, R. C. B. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 138.

17 BORGES, op. cit., p. 112.18 Ibidem., p. 146.

Referências

BARROSO, L. R. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina>. Acesso em: 09 nov. 2008.

BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora da UNB, 1999.

BORGES, R. C. B. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005.

DINIZ, D.; PENALVA, J. Anencefalia e Tortura. Boletim IBCCRIM. No prelo. Novembro 2008.

DINIZ, D.; VÉLEZ, A. C. G. Aborto e razão pública: o desafio da anencefalia no Brasil. Número Especial Gênero, Religião e Políticas Públicas, Mandrágora, São Bernardo do Campo, v. 13, p. 22-32, 2007.

ENGISCH, K. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

LOREA, R. A. Acesso ao casamento no Brasil: uma questão de cidadania sexual. Ver. Estud. Fem., v. 14, n. 2, p. 488-496, set. 2006.

MIRANDA, R. R. de. Ensaio sobre a tutela da autonomia privada na Convenção Americana de Direitos Humanos. In: BORGES, R. C. B. Disponibilidade dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 138.

ROCHA, E. P. G. O que é etnocentrismo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009144 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 145

Parecer: 1 / 6036 / 2008Natureza: Apelação criminal 34734-2/213 (2008-0466-3313)Comarca: GoiâniaApte.: JOSE LUIZ TERRAApdo.: Ministério PúblicoCâmara: 2ª CriminalRelator: Desa. Nelma Branco Ferreira PeriloProcurador de Justiça: Edison Miguel da Silva Jr

Colenda Câmara Criminal julgadora,

JOSÉ LUIZ TERRA, 24 anos na data do fato, foi denunciado nas penas do artigo 129, §9º, do Código Penal, c/c art. 5º, III e art. 7º, I, da Lei 11.340/06. Segundo a denúncia, no dia 03/10/07 ofendeu a integridade física da sua mãe Maria das Graças Ferreira Terra.

Não foi realizado exame do corpo de delito. Consta apenas Relatório médico com o seguinte registro (fls. 19): “Trauma em coluna lombar com dor e sem lesão neuro-vascular”.

Em 26/10/07 (fls. 48), a denúncia foi recebida. No interrogatório (fls. 62-64), declarou que chegou à casa de sua mãe embriagado e começaram a discutir por assuntos de família; que ela começou a dar-lhe tapas e vassouradas; que, quando estava

ARTIGO PARECER MINISTERIAL - APELAÇÃO CRIMINAL 34734-2/213 (2008-0466-3313)

Edison Miguel da Silva Jr. *

* Promotor de Justiça em Goiás.

Page 145: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS … · sedimentou na esfera civilista, alcançou o direito público, onde há muito se reconhece o dever de o Poder Público ressarcir os

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009144 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 145

Parecer: 1 / 6036 / 2008Natureza: Apelação criminal 34734-2/213 (2008-0466-3313)Comarca: GoiâniaApte.: JOSE LUIZ TERRAApdo.: Ministério PúblicoCâmara: 2ª CriminalRelator: Desa. Nelma Branco Ferreira PeriloProcurador de Justiça: Edison Miguel da Silva Jr

Colenda Câmara Criminal julgadora,

JOSÉ LUIZ TERRA, 24 anos na data do fato, foi denunciado nas penas do artigo 129, §9º, do Código Penal, c/c art. 5º, III e art. 7º, I, da Lei 11.340/06. Segundo a denúncia, no dia 03/10/07 ofendeu a integridade física da sua mãe Maria das Graças Ferreira Terra.

Não foi realizado exame do corpo de delito. Consta apenas Relatório médico com o seguinte registro (fls. 19): “Trauma em coluna lombar com dor e sem lesão neuro-vascular”.

Em 26/10/07 (fls. 48), a denúncia foi recebida. No interrogatório (fls. 62-64), declarou que chegou à casa de sua mãe embriagado e começaram a discutir por assuntos de família; que ela começou a dar-lhe tapas e vassouradas; que, quando estava

ARTIGO PARECER MINISTERIAL - APELAÇÃO CRIMINAL 34734-2/213 (2008-0466-3313)

Edison Miguel da Silva Jr. *

* Promotor de Justiça em Goiás.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009146

saindo, ela pulou nas suas costas e, ao retirá-la, ela caiu no chão; que não a agrediu; que está arrependido pelo ocorrido.

Em 17/06/08 (fls. 105-v), a denúncia foi julgada procedente, como incurso nas sanções do artigo 129, §9º, do Código Penal Brasileiro (fls. 103).

A pena-base foi fixada em 06 (seis) meses de detenção; agravada em 01 (um) mês por ser contra ascendente; restando definitiva em 7 meses de detenção, regime inicial aberto (fls. 104), com sursis pelo prazo de 2 anos (fls. 105).

Em 08/07/08 (fls. 115), foi intimado da condenação; a defesa técnica (Assistência Judiciária), em 29/08/08 (fls. 119-v). Em 29/08/08 (fls. 120), apelou. Nas razões (fls. 126-137), apontou nulidade do feito por ausência do exame de corpo de delito; insuficiência da prova para condenação e excesso na dosagem da pena. Ao final, requereu: (a) absolvição; (b) nulidade do feito; (c) redução da pena e substituição por restritiva de direito.

Nas contrarrazões (fls. 139-142), o Ministério Público no 1º Grau manifestou-se pelo não conhecimento do recurso, pois fora do prazo recursal, sem análise do mérito.

É o relatório.

Presentes os pressupostos, o recurso deve ser conhecido. A defesa técnica (Assistência Judiciária) foi intimada da sentença na mesma data que apelou (fls. 119-v e 120). Logo, o recurso é tempestivo.

1 Crime de gênero contra mulher – A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) estabeleceu no seu artigo 5º os crimes da sua abrangência nos seguintes termos:

configura violência doméstica e familiar contra a

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 147

mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (I) – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; (II) – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; (III) – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

1.1 Assim, o artigo 5º é taxativo: para os efeitos da Lei 11.340/06, configura violência doméstica e familiar contra a mulher somente a conduta baseada no gênero. Vale dizer, a Lei Maria da Penha não abrange toda e qualquer violência doméstica contra a mulher porque exige conduta baseada no gênero.

1.2 Por outro lado, interpretar o mencionado artigo 5º ignorando a exigência da relação de gênero para qualificar a conduta ou simplesmente atribuir ao termo gênero o mesmo significado de mulher, violaria o princípio constitucional da igualdade de sexos, pois: “o simples fato de a pessoa ser mulher não pode torná-la passível de proteção penal especial” (NUCCI, G. de S. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 1043).

1.3 Enfim, sob pena de inconstitucionalidade, violência doméstica não se confunde com violência de gênero. É necessário: “atentar para a diferença existente entre violência doméstica e a violência de gênero (art. 5º) por essência discriminatória, da qual a mulher é principal vítima” (PRADO, L. R. Curso de direito penal brasileiro. 7. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 142).

1.4 Com efeito, o termo gênero não pode ser confundido com sexo. “Este (sexo), na maioria das vezes, descreve características e

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009146

saindo, ela pulou nas suas costas e, ao retirá-la, ela caiu no chão; que não a agrediu; que está arrependido pelo ocorrido.

Em 17/06/08 (fls. 105-v), a denúncia foi julgada procedente, como incurso nas sanções do artigo 129, §9º, do Código Penal Brasileiro (fls. 103).

A pena-base foi fixada em 06 (seis) meses de detenção; agravada em 01 (um) mês por ser contra ascendente; restando definitiva em 7 meses de detenção, regime inicial aberto (fls. 104), com sursis pelo prazo de 2 anos (fls. 105).

Em 08/07/08 (fls. 115), foi intimado da condenação; a defesa técnica (Assistência Judiciária), em 29/08/08 (fls. 119-v). Em 29/08/08 (fls. 120), apelou. Nas razões (fls. 126-137), apontou nulidade do feito por ausência do exame de corpo de delito; insuficiência da prova para condenação e excesso na dosagem da pena. Ao final, requereu: (a) absolvição; (b) nulidade do feito; (c) redução da pena e substituição por restritiva de direito.

Nas contrarrazões (fls. 139-142), o Ministério Público no 1º Grau manifestou-se pelo não conhecimento do recurso, pois fora do prazo recursal, sem análise do mérito.

É o relatório.

Presentes os pressupostos, o recurso deve ser conhecido. A defesa técnica (Assistência Judiciária) foi intimada da sentença na mesma data que apelou (fls. 119-v e 120). Logo, o recurso é tempestivo.

1 Crime de gênero contra mulher – A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) estabeleceu no seu artigo 5º os crimes da sua abrangência nos seguintes termos:

configura violência doméstica e familiar contra a

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 147

mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (I) – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; (II) – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; (III) – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

1.1 Assim, o artigo 5º é taxativo: para os efeitos da Lei 11.340/06, configura violência doméstica e familiar contra a mulher somente a conduta baseada no gênero. Vale dizer, a Lei Maria da Penha não abrange toda e qualquer violência doméstica contra a mulher porque exige conduta baseada no gênero.

1.2 Por outro lado, interpretar o mencionado artigo 5º ignorando a exigência da relação de gênero para qualificar a conduta ou simplesmente atribuir ao termo gênero o mesmo significado de mulher, violaria o princípio constitucional da igualdade de sexos, pois: “o simples fato de a pessoa ser mulher não pode torná-la passível de proteção penal especial” (NUCCI, G. de S. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 1043).

1.3 Enfim, sob pena de inconstitucionalidade, violência doméstica não se confunde com violência de gênero. É necessário: “atentar para a diferença existente entre violência doméstica e a violência de gênero (art. 5º) por essência discriminatória, da qual a mulher é principal vítima” (PRADO, L. R. Curso de direito penal brasileiro. 7. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 142).

1.4 Com efeito, o termo gênero não pode ser confundido com sexo. “Este (sexo), na maioria das vezes, descreve características e

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Especificamente, o comportamento da mulher no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação de afeto não é definido pela sua anatomia, mas pela cultura na qual ela está inserida. Se for uma cultura machista, a mulher deve ser submissa ao homem. Deve servi-lo, com dedicação. Qualquer transgressão autoriza ideologicamente ao homem castigar a mulher para que ela aprenda o seu papel, compreenda o seu lugar na ordem das coisas. Quando assim age, o homem realiza uma conduta baseada no gênero.

1.9 Por isso – ou seja, porque dirigida contra todas as mulheres – a violência de gênero carrega um estigma como se fosse um sinal no corpo e na alma da mulher. “É como se alguém tivesse determinado que se nem todas as mulheres foram espancadas ou estupradas ainda, poderão sê-lo qualquer dia desses. Está escrito em algum lugar, pensam” (TELES E MELO, op. cit., p. 11).

APELAÇÃO CRIMINAL - LEI N. 11.340/06 ( M A R I A D A P E N H A ) - M E D I D A S PROTETIVAS DE URGÊNCIA - NÃO-APRECIAÇÃO POR CONSIDERADOS INCONSTITUCIONAIS ALGUNS DOS DISPOSITIVOS NELA ALBERGADOS - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - NÃO-FERIMENTO. - Por isonomia não cabe entender o conferir o mesmo tratamento a todos, mas tratar desigualmente os desiguais. – “A razão é simples. Aquilo que se há de procurar para saber se o cânone da igualdade sofrerá ofensa em dada hipótese não é o fator de desigualação assumido pela regra ou conduta examinada, porquanto, como se disse, sempre haverá nas coisas, pessoas, situações ou circunstâncias, múltiplos aspectos específicos que poderiam ser colacionados em dado grupo para apartá-lo dos demais. E estes mesmos aspectos de desigualação, colhidos pela regra, ora aparecerão como transgressores da isonomia ora como conformados a ela. Em verdade, o que se tem de indagar para concluir se uma norma desatende a igualdade ou se convive bem com ela é a seguinte: se o tratamento diverso outorgado a uns for 'justificável', por existir uma 'correlação lógica'

diferenças biológicas, enfatizando aspectos da anatomia e fisiologia dos organismos pertencentes ao sexo masculino e feminino. As diferenças sexuais assim descritas são dadas pela natureza” (TELES, M. A. de A.; MELO, M. de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003. p. 17).

1.5 Por isso, recusando o essencialismo biológico, o conceito de gênero é utilizado largamente nas ciências sociais designando a construção social do masculino e do feminino. A precursora desse conceito foi Simone de Beauvoir, que condensou os seus fundamentos na famosa frase: “Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher” (SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 45 e 107).

1.6 A crença segundo a qual a mulher é mais fraca que o homem não é biológica, mas cultural. É a cultura que proclama nos mais diversos aspectos as diferenças sociais entre mulher e homem. É a cultura que aponta para o lar como o lugar da mulher, o cuidar da casa, o cuidado com os filhos... e a submissão ao homem.

1.7 O termo gênero, então, é utilizado para:

demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais d i f e r enc i ados que fo ram cons t ru ídos historicamente, e criaram pólos de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino em detrimento dos direitos das mulheres, subordinando-as às necessidades pessoais e políticas dos homens, tornando-as dependentes. (TELES E MELO, op. cit., p. 16)

1.8 Portanto, não é a anatomia que define o papel social do feminino ou do masculino, mas a cultura. É a cultura que determina à mulher o papel social feminino e ao homem o papel social masculino, ou seja, o comportamento que se espera de cada um.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 149Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009148

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Especificamente, o comportamento da mulher no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação de afeto não é definido pela sua anatomia, mas pela cultura na qual ela está inserida. Se for uma cultura machista, a mulher deve ser submissa ao homem. Deve servi-lo, com dedicação. Qualquer transgressão autoriza ideologicamente ao homem castigar a mulher para que ela aprenda o seu papel, compreenda o seu lugar na ordem das coisas. Quando assim age, o homem realiza uma conduta baseada no gênero.

1.9 Por isso – ou seja, porque dirigida contra todas as mulheres – a violência de gênero carrega um estigma como se fosse um sinal no corpo e na alma da mulher. “É como se alguém tivesse determinado que se nem todas as mulheres foram espancadas ou estupradas ainda, poderão sê-lo qualquer dia desses. Está escrito em algum lugar, pensam” (TELES E MELO, op. cit., p. 11).

APELAÇÃO CRIMINAL - LEI N. 11.340/06 ( M A R I A D A P E N H A ) - M E D I D A S PROTETIVAS DE URGÊNCIA - NÃO-APRECIAÇÃO POR CONSIDERADOS INCONSTITUCIONAIS ALGUNS DOS DISPOSITIVOS NELA ALBERGADOS - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - NÃO-FERIMENTO. - Por isonomia não cabe entender o conferir o mesmo tratamento a todos, mas tratar desigualmente os desiguais. – “A razão é simples. Aquilo que se há de procurar para saber se o cânone da igualdade sofrerá ofensa em dada hipótese não é o fator de desigualação assumido pela regra ou conduta examinada, porquanto, como se disse, sempre haverá nas coisas, pessoas, situações ou circunstâncias, múltiplos aspectos específicos que poderiam ser colacionados em dado grupo para apartá-lo dos demais. E estes mesmos aspectos de desigualação, colhidos pela regra, ora aparecerão como transgressores da isonomia ora como conformados a ela. Em verdade, o que se tem de indagar para concluir se uma norma desatende a igualdade ou se convive bem com ela é a seguinte: se o tratamento diverso outorgado a uns for 'justificável', por existir uma 'correlação lógica'

diferenças biológicas, enfatizando aspectos da anatomia e fisiologia dos organismos pertencentes ao sexo masculino e feminino. As diferenças sexuais assim descritas são dadas pela natureza” (TELES, M. A. de A.; MELO, M. de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003. p. 17).

1.5 Por isso, recusando o essencialismo biológico, o conceito de gênero é utilizado largamente nas ciências sociais designando a construção social do masculino e do feminino. A precursora desse conceito foi Simone de Beauvoir, que condensou os seus fundamentos na famosa frase: “Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher” (SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 45 e 107).

1.6 A crença segundo a qual a mulher é mais fraca que o homem não é biológica, mas cultural. É a cultura que proclama nos mais diversos aspectos as diferenças sociais entre mulher e homem. É a cultura que aponta para o lar como o lugar da mulher, o cuidar da casa, o cuidado com os filhos... e a submissão ao homem.

1.7 O termo gênero, então, é utilizado para:

demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais d i f e r enc i ados que fo ram cons t ru ídos historicamente, e criaram pólos de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino em detrimento dos direitos das mulheres, subordinando-as às necessidades pessoais e políticas dos homens, tornando-as dependentes. (TELES E MELO, op. cit., p. 16)

1.8 Portanto, não é a anatomia que define o papel social do feminino ou do masculino, mas a cultura. É a cultura que determina à mulher o papel social feminino e ao homem o papel social masculino, ou seja, o comportamento que se espera de cada um.

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mínima inferior a um ano (presente os demais requisitos), enseja proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/95.

ISTO POSTO, o Ministério Público no 2º Grau manifesta-se pela nulidade do processo desde o recebimento da denúncia (inclusive), em razão da incompetência absoluta do Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, com a remessa ao Juízo comum para proposta de suspensão condicional do processo.

Goiânia (GO), 11 de dezembro de 2008

Edison Miguel da Silva Jr – Procurador de Justiça18ª Procuradoria de Justiça

entre o 'fator de discrímen' tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a norma e a conduta são

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 151Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009150

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mínima inferior a um ano (presente os demais requisitos), enseja proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/95.

ISTO POSTO, o Ministério Público no 2º Grau manifesta-se pela nulidade do processo desde o recebimento da denúncia (inclusive), em razão da incompetência absoluta do Juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, com a remessa ao Juízo comum para proposta de suspensão condicional do processo.

Goiânia (GO), 11 de dezembro de 2008

Edison Miguel da Silva Jr – Procurador de Justiça18ª Procuradoria de Justiça

entre o 'fator de discrímen' tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a norma e a conduta são

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 151Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009150

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009 153Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS

?O Conselho Consultivo da ESMP-GO definiu que a Revista do Ministério Público é de opinião doutrinária, cujo objetivo é fomentar o debate jurídico em temas que guardem pertinência e oportunidade com a atuação ministerial.

?Os artigos deverão ser preferencialmente inéditos.?Serão aceitos artigos doutrinários e peças funcionais,

observada a gramática normativa.?Cada artigo, na primeira lauda, deverá vir acompanhado de:

1- resumo (com o máximo de setenta palavras), sem parágrafos;2- palavras-chave (no máximo cinco palavras);3- título do trabalho;4- nome completo do autor (ou autores);5- minicurrículo (créditos), contendo o nome do autor (ou autores), com endereço, fax e e-mail, situação acadêmica, títulos, instituições às quais pertença e a principal atividade exercida.

?Formatação: fonte Times New Roman, corpo 12, entrelinha 1,5, justificado, sem recuos, deslocamentos ou espaçamentos, antes ou depois, e, tampouco, tabulador para determinar os parágrafos, os quais serão abertos automaticamente. Tamanho de papel A4, margens superior e inferior 2,5 cm e laterais 3,0 cm. Os artigos deverão conter de 3 a 6 laudas, utilizando os editores de texto Word (Microsoft) ou Writer (BrOffice).

?Bibliografia: as referências bibliográficas seguirão as normas da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, atendendo ao disposto na NBT ABNT 6023/2002. As citações deverão ser feitas em sistema de chamada, numérico ou autor/data, conforme especificado na NBR 10520/2002. A exatidão e a adequação das referências a trabalhos que tenham sido consultados e mencionados no corpo do artigo são de responsabilidade exclusiva do autor (ou autores).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Outubro/2009152

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS

?O Conselho Consultivo da ESMP-GO definiu que a Revista do Ministério Público é de opinião doutrinária, cujo objetivo é fomentar o debate jurídico em temas que guardem pertinência e oportunidade com a atuação ministerial.

?Os artigos deverão ser preferencialmente inéditos.?Serão aceitos artigos doutrinários e peças funcionais,

observada a gramática normativa.?Cada artigo, na primeira lauda, deverá vir acompanhado de:

1- resumo (com o máximo de setenta palavras), sem parágrafos;2- palavras-chave (no máximo cinco palavras);3- título do trabalho;4- nome completo do autor (ou autores);5- minicurrículo (créditos), contendo o nome do autor (ou autores), com endereço, fax e e-mail, situação acadêmica, títulos, instituições às quais pertença e a principal atividade exercida.

?Formatação: fonte Times New Roman, corpo 12, entrelinha 1,5, justificado, sem recuos, deslocamentos ou espaçamentos, antes ou depois, e, tampouco, tabulador para determinar os parágrafos, os quais serão abertos automaticamente. Tamanho de papel A4, margens superior e inferior 2,5 cm e laterais 3,0 cm. Os artigos deverão conter de 3 a 6 laudas, utilizando os editores de texto Word (Microsoft) ou Writer (BrOffice).

?Bibliografia: as referências bibliográficas seguirão as normas da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, atendendo ao disposto na NBT ABNT 6023/2002. As citações deverão ser feitas em sistema de chamada, numérico ou autor/data, conforme especificado na NBR 10520/2002. A exatidão e a adequação das referências a trabalhos que tenham sido consultados e mencionados no corpo do artigo são de responsabilidade exclusiva do autor (ou autores).

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?Aprovação: a ESMP-GO, ao receber os trabalhos, fará a sua análise pelo Conselho Editorial. O relator designado analisará o artigo que lhe for distribuído, conforme as regras estabelecidas pelo Conselho Consultivo.

?Trabalho aprovado será submetido à revisão gramatical e, se for o caso, será submetido à concordância do autor.

?Em caso de rejeição do artigo para publicação, somente será feita a comunicação ao seu autor (ou autores) havendo consulta pessoal à direção da ESMP-GO.

?Os trabalhos recebidos para seleção não serão devolvidos.?Não serão devidos direitos autorais ou qualquer remuneração

pela publicação dos trabalhos na revista.?Os artigos publicados a partir da 16ª edição já seguem o novo

acordo ortográfico da Língua Portuguesa.

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