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Miniaturas com histórias Rui Albuquerque Secção de colecionismo 2012 Amigos colecionadores, Conheço histórias interessantes, algumas mesmo engraçadas, que decidi partilhar convosco aqui neste espaço do Clube Millenniumbcp, pois parece-me ser o sítio ideal para o fazer. Afinal também podemos colecionar histórias! Neste trabalho, escolhi alguns dos meus pequenos Citroën que juntamente com fotos dos respetivos modelos reais vão servir de apoio aos relatos de alguns acontecimentos que marcaram, tanto a história da Citroën como a história do Automóvel. A marca fundada em 1919 pelo “visionaire” (apelido porque era tratado pelos seus pares) André Gustave Citroën, desde logo começou a andar “nas bocas do mundo”. Foram inovações tecnológicas, iniciativas de cariz humanitário, feitos desportivos, iniciativas de marketing, etc. Era considerado por muitos, como um “louco”. Para não ser maçador, irei resumir ao essencial todos os assuntos abordados, apesar do tema “ter pano para mangas”. Quero também dizer que me serviram de suporte, artigos recolhidos em diversos sítios na internet e em algumas publicações que possuo. Recolhi também da memória guardada, de conversas que tive com conhecedores do mundo automóvel e em particular conhecedores da Citroën. Deixo aqui a minha sentida homenagem ao meu avô João Soares de Almeida, que para além de um exímio contador de histórias era também um Mestre em mecânica. Ele dominava como ninguém toda a tecnologia Citroën. Não raras vezes, assisti curioso a inúmeras solicitações por parte de proprietários de ID/DS e SM para lhes “afinar” algo (nomeadamente sistema hidráulico, regulação dos faróis direcionais, etc.). Mais uma vez, espero que esta apresentação seja do vosso agrado. Divirtam-se!

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Page 1: Miniaturas com histórias Rui Albuquerque capota era em tela e ia desde o pára-brisas até ao pára-choques traseiro (fig.2). A suspensão era constituída por um sistema de barras

Miniaturas com histórias Rui Albuquerque

Secção de colecionismo

2012

Amigos colecionadores,

Conheço histórias interessantes, algumas mesmo engraçadas, que decidi partilhar convosco

aqui neste espaço do Clube Millenniumbcp, pois parece-me ser o sítio ideal para o fazer. Afinal

também podemos colecionar histórias!

Neste trabalho, escolhi alguns dos meus pequenos Citroën que juntamente com fotos dos

respetivos modelos reais vão servir de apoio aos relatos de alguns acontecimentos que

marcaram, tanto a história da Citroën como a história do Automóvel.

A marca fundada em 1919 pelo “visionaire” (apelido porque era tratado pelos seus pares)

André Gustave Citroën, desde logo começou a andar “nas bocas do mundo”. Foram inovações

tecnológicas, iniciativas de cariz humanitário, feitos desportivos, iniciativas de marketing, etc.

Era considerado por muitos, como um “louco”.

Para não ser maçador, irei resumir ao essencial todos os assuntos abordados, apesar do

tema “ter pano para mangas”. Quero também dizer que me serviram de suporte, artigos

recolhidos em diversos sítios na internet e em algumas publicações que possuo. Recolhi também

da memória guardada, de conversas que tive com conhecedores do mundo automóvel e em

particular conhecedores da Citroën.

Deixo aqui a minha sentida homenagem ao meu avô João Soares de Almeida, que para além

de um exímio contador de histórias era também um Mestre em mecânica. Ele dominava como

ninguém toda a tecnologia Citroën. Não raras vezes, assisti curioso a inúmeras solicitações por

parte de proprietários de ID/DS e SM para lhes “afinar” algo (nomeadamente sistema hidráulico,

regulação dos faróis direcionais, etc.).

Mais uma vez, espero que esta apresentação seja do vosso agrado. Divirtam-se!

Page 2: Miniaturas com histórias Rui Albuquerque capota era em tela e ia desde o pára-brisas até ao pára-choques traseiro (fig.2). A suspensão era constituída por um sistema de barras

Miniaturas com histórias Rui Albuquerque

Traction Avant

(1934-1957)

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1

A

8

2

9

3

B

10

4

11

5

C

6 12

Produção: 7CV 1934-1941 Motores: 1.3 – 1.5 – 1.6 – 1.9 – 2.9

11CV 1934-1957 Transmissão: 3 velocidades manuais

15CV 1938-1953 Peso: 1.025 a 1.170 Kg

Produção total: 759.111 Antecessor: Rosalie Sucessor: ID/DS

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Miniaturas com histórias Rui Albuquerque

Traction Avant

O Traction (conhecido por cá como “Arrastadeira”) foi um dos modelos produzidos pela

Citroën que mais revolucionou a indústria automóvel. Era uma referência para os seus rivais.

Foi concebido e desenvolvido por uma equipa liderada pelo Engenheiro André Lefèbvre.

Flaminio Bertoni desenvolveu a carroçaria. O sucesso do Traction deveu-se à perspicácia de

ter sido concebido como um “concentrado” de avanços tecnológicos. Tecnologias que eram

já utilizadas por alguns concorrentes, mas de forma avulsa: tração dianteira (Traction Avant),

carroçaria monobloco (fig.4), suspensão com rodas independentes e travões com circuito

hidraulico, permitiam baixar o centro de gravidade e melhorar a repartição das massas,

conferindo-lhe invejáveis qualidades de estabilidade, habitabilidade e conforto. Nasceu o mito

de que nenhum Traction jamais capotaria, tal era a eficácia do seu comportamento

principalmente em curva. O avanço tecnológico para qualquer outro veiculo da concorrência

era tal, que grande parte deles logo se tornaram obsoletos. Ainda hoje, a maioria dos veículos

possui tração dianteira e carroçaria monobloco.

As fotos A, B e C, mostram o meu Traction 15 SIX (escala 1/18). 15 indica o número de

cavalos vapor (CV) e Six, o número de cilindros. Foram produzidas várias versões, desde

cabriolets (fig.2.3), coupés (fig.9), comerciais, limousines presidenciais a carros de bombeiros.

As carroçarias podiam ter 2, 4 e 5 portas e as motorizações iam desde o 7 CV (fig.7.8) veículo

mais popular, passando pelo 11CV, até ao 15CV (fig.1). Foram construidos 759.111 veículos

durante os 23 anos de produção, número que permite aferir a popularidade alcançada por

este modelo, nas suas diversas versões. Os últimos Traction fabricados já possuiam suspensão

hidraúlica nas rodas traseiras, conferindo-lhes o estatuto de pré-série do seu sucessor ID/DS

(Boca de sapo). Resta-me referir que o seu interior (fig.10) resumia-se ao mínimo

indispensável, algo comum na época.

Algumas curiosidades:

François Lecot foi uma figura próxima de André Citroën e ao volante do Traction

estabeleceu vários records: num 7Sport percorreu 5000Km sem paragens numa volta à França

e Bélgica em 77 horas. Num veículo idêntico fez Paris-Moscovo-Paris completando 5400Km

(fig.5). Em 1935 inicia um raid de 400.000 Km durante um ano (fig.6), fazendo uma média

diária de 1.100 Km. A mais bizarra iniciativa de Lecot com o aval de André Citroën foi terem

inscrito um autocarro Citroën T45 (fig.11.12) no rally Monte Carlo de 1934 (Citroën inovou

mais uma vez, ao criar o marketing desportivo). Não se sabe se os passageiros do autocarro

144 (nº de corrida) tiveram de pagar bilhete, mas o que é certo é que tiveram um lugar

privilegiado dentro de um dos rallys mais apreciados do desporto automóvel (já nessa altura).

Evitaram dessa forma, os engarrafamentos ou qualquer outras contrariedades de quem quer ir

ver os concorrentes de perto. Eles estavam na própria caravana dos concorrentes. Como

devem calcular este acontecimento foi notícia que percorreu os quatro cantos do mundo,

levando o nome Citroën a ser comentado em todo o lado. Também no rally Monte Carlo, mas

em 1952, o Dr. João de Lacerda (fundador do museu do Caramulo) e Jaime Azarujinha, ao

volante de uma Arrastadeira, terminam num interessante 13º lugar. Curiosamente Stirling

Moss/John Cooper terminaram esse rally na 2ª posição ao volante de um Sunbeam Talbot.

Sydney H. Allard/G.Warburton tripulando um Allard, foram os vencedores.

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TPV (Toute Petite Voiture)

(Protótipo 1939)

1 7

A

2

8

3

9

B

4

5 10

C

6 11

Produção: 250 protótipos Transmissão: 4 velocidades

Motor: 375 cc (arranque por manivela fixa) Sucessor: 2CV

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Miniaturas com histórias Rui Albuquerque

TPV

O TPV não passou de um protótipo, contudo atribuo-lhe a importância de figurar neste

espaço, por ter sido o embrião do lendário 2CV.

Pierre Jules Boulanger, diretor geral da Citroën, fez chegar ao departamento de estudos

da marca o seguinte caderno de encargos: “Desenvolvam uma viatura que possa transportar

dois agricultores com tamancos, 50Kg de batatas ou um barril, a uma velocidade de 60 Km/h,

com um consumo de 3 litros aos 100Km. A viatura deverá passar nos piores caminhos, deverá

ser o mais simples possível para poder ser conduzida sem problemas mesmo por uma

condutora inexperiente. O seu conforto deverá ser irrepreensível, pois os cestos de ovos

transportados na bagageira devem chegar intactos. O seu preço deverá ser inferior a 1/3 do

valor de um 11CV e por fim, não se preocupem com a estética.”.

Lefèbvre tinha mais um ambicioso desafio pela frente e em 1933 iniciou o projeto Toute

Petite Voiture. Durante 3 anos foram construídas 250 unidades (fig.11). O TPV tinha uma

carroçaria feita numa liga de Duralinox, ondulada para aumentar a rigidez. As jantes eram de

magnésio. A capota era em tela e ia desde o pára-brisas até ao pára-choques traseiro (fig.2). A

suspensão era constituída por um sistema de barras de torção. Quanto ao motor (fig.8), após

várias experiências, optou-se por um bicilindro de 375cc. Mais tarde o projeto estava já numa

fase avançada, quando em 1939 a Alemanha invade a Polónia e rebenta a 2ª Guerra Mundial.

A França estava na eminencia de ser ocupada, e para que o inimigo não se apoderasse deste

projeto, a Michelin que era proprietária da Citroën na altura, mandou destruir todos os

protótipos e suspender o projeto. Pouco tempo antes do fim da guerra, o projeto foi retomado

com algumas alterações introduzidas, de entre as quais destaco: a carroçaria passou a ser em

aço, a suspensão foi reformulada, passando a ter um sistema de molas longitudinais em vez de

barras de torção e o motor inicialmente refrigerado a água, passa a ser arrefecido a ar pois os

estudos indicaram que o peso do conjunto seria inferior, para além de evitarem os problemas

de congelamento no inverno. Nos anos 90, num sótão do centro de ensaios em La Ferté-

Vidame (fig.5), foram encontrados três desses protótipos (fig.6) que se encontram atualmente,

tal como foram encontrados, no conservatório da Citroën em Aulnay-sous-Bois.

As fotos A, B e C mostram o meu TPV (escala 1/43).

Algumas curiosidades:

O TPV apresentava um único farol, o limpa pára-brisas era manual e as portas só abriam

por dentro, e para isso era necessário abrir primeiro o vidro da janela(?). Os bancos dianteiros

eram tipo “hamac” (tela ou rede suspensa por dois pontos de fixação fig.9) com uma almofada

para o assento (fig.9). Por se encontrar atrasado o desenvolvimento do motor, os primeiros

veículos usaram um motor de moto BMW de 500 cc. O nome de código utilizado no TPV foi:

Bécassine (Narceja; ave pernilonga que habita em zonas encharcadas). A Boulanger, que era

um indivíduo alto, pareceu-lhe inadequada a altura do interior, e ordenou que na versão

seguinte houvesse espaço suficiente para poder conduzir com o chapéu na cabeça. Uma das

premissas da sua filosofia era a de que o carro tinha que desenhar-se em função das pessoas e

satisfazer as necessidades dos seus condutores. Os pilotos de testes queixaram-se de que

durante os testes noturnos de estrada, os condutores que vinham em sentido contrário, os

confundiam com motos, devido à utilização de um único farol, causando alguns calafrios. Por

questões de segurança, foi mandado acrescentar o 2º farol do lado direito.

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Miniaturas com histórias Rui Albuquerque

SM

(1970-1975)

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8

A

2

9

3

10

B

4

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5 12

C

6 13

Produção total: 12.920 unidades Motores: Maserati 2.7L V6 e 3.0L V6

Prod. Portugal: 34 unidades Transmissão: 5 vel. Manual

Peso: 1460 Kg (carburador) 3 vel. Automático

1520 Kg (injeção) Sucessor: ?

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Miniaturas com histórias Rui Albuquerque

SM

Não posso falar do SM sem recordar um pouco a minha adolescência

Lembro-me do dia em que (salvo erro no ano de 1971), no meu trajeto diário para as aulas

em Mangualde, ao passar em frente à casa do Dr. Mário Alcântara, fiquei “pregado” ao chão. À

minha frente estava um carro “do outro mundo”! Já tinha ouvido falar de um novo modelo

Citroën lançado há alguns meses e sabia que era bonito, mas não podia imaginar que tão cedo

me iria cruzar com ele. Era azul metalizado (Bleu platine métallisé fig.10) e as suas linhas

confundiam-no com uma nave espacial. Não sei quanto tempo andei em seu redor a apreciar

todos os seus pormenores… aquela frente, meu Deus, nunca tinha visto nada assim! Seis faróis

por de trás de um enorme vidro (fig.1). O “tablier” parecia tirado do cockpit de um avião

(fig.12). Até o volante era oval em vez de redondo. A traseira mais estreita (tal como no DS) e

as rodas escondidas por dentro dos guarda-lamas davam-lhe um ar de “Dream Car”.

Felizmente não era sonho, pois pude cruzar-me com “ele” várias vezes, durante anos.

O SM surgiu numa época em que a Citroën estava numa fase de crescimento, pois em

França, e no mundo, viviam-se tempos áureos. Ignorava-se no entanto que seriam de pouca

duração. Em 1974 surge a crise do petróleo, trazendo consigo toda a austeridade que

conhecemos (racionamento da gasolina, limites de velocidade nas auto estradas, subida de

preço da gasolina, etc.) Ao fim de cinco anos as vendas tinham caído a pique e a sua produção

não era mais sustentável… Sa Magestée chegara ao Fim!

Algumas Curiosidades:

Apesar de ter tido uma “vida curta”, o SM soube impor-se na sociedade de luxo, jet set e

até no desporto automóvel. Foi carro oficial da Presidência da República Francesa durante

anos. Em 1995, 20 anos depois, o Presidente Jacques Chirac, na sua tomada de posse

escolheu-o novamente como carro oficial (fig.13). “Le jour de gloire est arrivé”!

Charlie Watts, baterista dos Rolling Stones, ao passar em frente a um concessionário onde

estava exposto um SM branco, achou-o tão bonito que… comprou dois! Em 1972 é eleito carro

do ano nos Estados Unidos, e recebe o prémio Motor Trend. Em 1972 no 6º rally TAP, Björn

Waldegaard/Hans Thorzelius num SM proto court (conhecido por “camionnette” devido à sua

traseira cortada), terminam em 3ºs da geral e 1ºs do grupo 5 (Fig.5,6). Em 1973 no rally Costa

de Marfim, dos setenta e três carros inscritos, só oito chegaram ao fim (no ano anterior

ninguém tinha terminado a prova) dos quais três dos quatro Citroën inscritos. Guy

Verrier/Umbricht são os Citroën melhor classificados ao terminarem no 6º lugar da geral

(fig.3,4). Nos EUA, Jerry Hathaway, mecânico apaixonado por SM’s, criou a “Le SM World Ltd”,

empresa dedicada exclusivamente à manutenção de SM’s. Evoluiu um carro, e atrelado a um

outro (pick up fig.8,9), levou-o até ao famoso Lago salgado de Bonneville, onde em 1985

conseguiu atingir a velocidade de 325 Km/h com uma potência puxada a 530 ch!

Dos meus pequenos SM, destaco o da figura B (escala 1/18) que considero uma réplica fiel

do “camionnette” do Rally Bandama na Costa do Marfim 1973. O da figura C (escala 1/67) foi o

meu preferido nas “corridas de carrinhos” e apesar dos maus tratos, conseguiu resistir

juntamente com o 2CV e a Dyane Pepsi, a essas brincadeiras de miúdo.

Confesso que de todos os carros produzidos pela Citroën, o meu preferido é sem dúvida o

!