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Dariane Carvalho Campos “MINHA PERIFERIA” E “PONTO DE CULTURA: ESPELHO DA COMUNIDADE”: UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES DAS IDENTIDADES DOS JOVENS DE CLASSE BAIXA Santa Maria, RS 2006

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Page 1: “MINHA PERIFERIA” E “PONTO DE CULTURA: ESPELHO DA ... · 2 RESUMO Cultura é um conjunto de experiências apreendidas a partir das relações estabelecidas pelo indivíduo

Dariane Carvalho Campos

“MINHA PERIFERIA” E “PONTO DE CULTURA: ESPELHO DA COMUNIDADE”:

UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES DAS IDENTIDADES DOS JOVENS DE

CLASSE BAIXA

Santa Maria, RS

2006

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Dariane Carvalho Campos

“MINHA PERIFERIA” E “PONTO DE CULTURA: ESPELHO DA COMUNIDADE”:

UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES DAS IDENTIDADES DOS JOVENS DE

CLASSE BAIXA

Trabalho final de graduação apresentado Curso de Comunicação Social – Habilitação

Jornalismo – da Área de Artes, Letras e Comunicação, do Centro Universitário Franciscano,

como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social –

Habilitação Jornalismo.

Orientadora: Viviane Borelli

Santa Maria, RS

2006

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RESUMO

Cultura é um conjunto de experiências apreendidas a partir das relações estabelecidas pelo indivíduo. É através dessas ligações que há a constituição de identidades. Baseada nos Estudos Culturais e trabalhando com os conceitos de cultura, identidade e representação, a pesquisa se propôs a verificar se o quadro “Minha Periferia” pode se constituir em um espaço de representações das identidades dos jovens de classe baixa. A partir da observação de dois episódios selecionados e do projeto “Ponto Cultura: Espelho da comunidade”, oficina de produção audiovisual realizada no bairro Nonoai, em Santa Maria. A partir de descrição do “Minha Periferia” e do projeto social, realizou-se um grupo de discussão, onde os jovens puderam debater os temas apresentados. Ao finalizar o trabalho, identifica-se que para os participantes do projeto “Ponto Cultura: Espelho da comunidade”, o quadro como um espaço mais de representação do que de identificação dos jovens de classe baixa. Palavras-chaves: Cultura, representação, identidade e jovem de classe-baixa.

ABSTRACT

Culture is a set of experiences taken from the relations established by the individual. Through these links, there is the constitution of identities. Based on Cultural Studies and working with the conceptions of culture, identity and representation, the research proposal was to verify whether or not the program “My Periphery” can itself constitute in a space representing the identities of low class youths. From the observation of two selected episodes and the project “Culture Point: Reflection of Community”, audio-visual production workshop which took place in the Nonoai neighborhood in Santa Maria. From the description of “My Periphery” and the social project, there was a discussion group, where the youths could debate the presented subjects. Concluding the work, it is possible to identify for the partakers of the project “Culture Point: Reflection of the Community” it is more a space of representation than identification of the low class youths. Key-words: Culture, representation, identity, and low class youth.

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AGRADECIMENTOS

A professora Viviane Borelli, orientadora, pela paciência, dedicação e estímulo;

A Andriele, Bianca, Grazielle, Josiane , Luriane e Pedro, integrantes do projeto “Ponto

de Cultura: Espelho da comunidade”, pessoas fundamentais na realização dessa monografia;

A equipe da TV OVO, pela delicadeza com que me tratou;

A Marcos Borba, professor da oficina de audiovisual, por sua paciência e pela gentil

acolhida em suas aulas.

A André Campanhol, monitor da oficina, pela dedicação e presteza com que me

socorreu em alguns problemas técnicos;

Aos amigos que me apoiaram e incentivaram nas horas difíceis;

A meus pais, por todo o amor e carinho.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 5

2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................................ 8

2.1 PERSPESCTIVA DOS ESTUDOS CULTURAIS...................................................... 8

2.2 CULTURA..................................................................................................................... 10

2.3 IDENTIDADES............................................................................................................. 11

2.4 REPRESENTAÇÕES................................................................................................... 14

2.5 ALGUMAS PESQUISAS SOBRE O TEMA.............................................................. 17

3 DESCRIÇÃO DO QUADRO “MINHA PERIFERIA”................................................ 20

3.1 FORMATO 1 – “PROJETOS SOCIAIS”.................................................................. 21

3.2 FORMATO 2 – “ARTISTA”....................................................................................... 22

3.3 FORMATO 3 – “ÁFRICA”......................................................................................... 23

3.4 EPISÓDIOS SELECIONADOS.................................................................................. 24

3.4.1 A rua como representação da violência................................................................... 24

3.4.2 Tecnologia como forma de inclusão......................................................................... 25

3.5 O “PONTO DE CULTURA: ESPELHO DA COMUNIDADE”............................. 27

3.5.1 Personagens................................................................................................................ 28

3.5.2 Ambiente..................................................................................................................... 32

3.5.3 Atividades................................................................................................................... 34

4 DISCUSSÕES ENTRE OS PROJETOS SOCIAIS...................................................... 37

4.1 “MINHA PERIFERIA”: REPRESENTAÇÃO DO JOVEM DE CLASSE

BAIXA.................................................................................................................................. 38

4.2 IDENTIDADE: A CONSTITUIÇÃO PELAS DIFERENÇAS E

SEMELHANÇAS................................................................................................................ 40

4.3 CULTURA E COMUNIDADE: PRODUÇÕES IDENTITÁRIAS.......................... 41

4.4 INDIVÍDUO E GRUPO............................................................................................... 42

4.5 VIOLÊNCIA: UMA QUESTÃO DE CONTEXTO................................................... 43

4.6 EXCLUSÃO DIGITAL NA PERIFERIA................................................................... 44

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 46

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 49

7 ANEXOS ........................................................................................................................... 51

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1 INTRODUÇÃO

Atualmente, um dos poucos espaços em que a mídia televisiva faz referência a

aspectos positivos dos jovens de classe baixa é aos domingos à noite, no quadro “Minha

Periferia”, do programa Fantástico. Por ser uma revista eletrônica, possui uma produção

elaborada com mais tempo e trabalha com uma agenda pré-determinada, em que as notícias

não são necessariamente factuais.

Segundo o site do programa Fantástico1, o quadro “Minha Periferia”2 foi inserido na

programação “para mostrar como as comunidades carentes estão usando todo tipo de arte para

construir uma vida melhor”. Nesse espaço, a comunidade mostra os projetos desenvolvidos no

local, principalmente os aspectos positivos da periferia.

O quadro apresenta uma variedade de temas relacionados à cultura como: teatro,

música, dança, cinema, tecnologia, dentre outras curiosidades. A apresentadora do programa é

Regina Case, que com seu jeito descontraído de falar e de vestir pode ser um meio para uma

possível identificação de pessoas de classe popular.

Nesse contexto, questiona-se o “Minha Periferia” como um possível espaço de

representação de identidades dos jovens de classe baixa. E ninguém melhor para avaliá-lo que

um grupo com características similares e que participe de projeto social que tem objetivo de

desenvolver e promover a cultura.

A questão principal está centrada na questão de que se os projetos sociais mostrados

no quadro “Minha Periferia” pode se constituir num espaço de representação de identidades3

dos jovens de classe baixa, através de comparação com o projeto social “Ponto de Cultura:

Espelho da comunidade”, que é desenvolvido em Santa Maria e possui características

semelhantes aos temas de um dos formatos do quadro do Fantástico, em que são apresentados

projetos sociais e culturais da periferia. O projeto santa-mariense realiza, dentre outras ofertas,

a oficina de formação audiovisual na vila Nonoai, região sul da cidade.

Com quase um ano de existência, o projeto social tem como objetivo principal a

realização de oficinas de vídeo para adolescentes e jovens da periferia de Santa Maria. Com

duração de seis meses, a oficina é realizada duas vezes por semana, com duração de 1 Em http://www.globo.com/fantastico. consultado em 21 de maio de 2006. 2 Regina Casé também apresenta um programa com nome similar ao apresentado na pesquisa, o “Central da Periferia”. Com objetivos distintos, enquanto um trabalha com a visibilidade de projetos sociais, o outro mostra o que é sucesso nas paradas musicais da periferia. 3 Optou-se por utilizar a denominação ‘identidades’, pois se acredita que o conceito de cultura está implícito. Após os estudos realizados, chegou-se à conclusão de que não há relação de identidade sem a cultura. A palavra ‘identidade’ será padronizada no plural, pois se acredita na construção de várias identidades e não apenas de uma.

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aproximadamente três horas, podendo chegar até cinco horas ao dia, dependendo da etapa de

produção em que as turmas estiverem.

O “Ponto de Cultura: Espelho da comunidade” é uma iniciativa da TV OVO4, que

tem como meta trabalhar com jovens que possuam um potencial para o aprendizado e que,

geralmente, a sociedade não oferece oportunidades para o seu desenvolvimento. A intenção

do projeto cria um canal de informação que valoriza a cultura, a solidariedade, a cidadania, a

educação, a participação e o lazer das vilas de Santa Maria.

A pesquisa se propõe a verificar as possíveis relações entre os projetos sociais

apresentados no quadro “Minha Periferia” e o projeto “Ponto de Cultura: Espelho da

comunidade”, identificando se há e quais são os vínculos entre os dois projetos. Isso se dá

pelo fato de, num primeiro momento, serem identificadas semelhanças entre os temas do

quadro, especialmente em relação aos projetos sociais nele veiculados e o trabalho realizado

na vila Nonoai, em Santa Maria.

Tanto o que é exibido na mídia quanto o que é produzido pelo grupo Ponto de Cultura

tem como características similares o fato de que o trabalho é realizado com jovens de classe

baixa que buscam, por meio da cultura, a construção de uma vida melhor5. As oficinas

oferecidas têm como um de seus objetivos a profissionalização, em que cada integrante tem a

oportunidade de aprender a sua futura profissão. Os projetos utilizam a arte para construir

uma vida melhor.

Para atingir o objetivo proposto, foram realizados vários passos: primeiramente, a

descrição e análise de episódios do “Minha Periferia”, para compreender como e se o quadro

pode ser considerado um espaço de representação das identidades dos jovens de classe baixa.

Depois, foi realizada a observação da comunidade escolhida, buscando-se elementos que

pudessem estabelecer relações entre os projetos sociais apresentados no quadro e o projeto

“Ponto de Cultura: Espelho da comunidade”. E, por último, realizou-se o grupo de discussão,

no qual foram exibidos os episódios selecionados, com a finalidade de debater os temas

abordados e identificar marcas que remetessem à construção de identidades.

Este trabalho está divido em cinco capítulos. No segundo capítulo, faz-se uma breve

revisão bibliográfica a partir do viés dos Estudos Culturais, em que se discute os conceitos de 4 A TV OVO é uma associação sem fins lucrativos que surgiu em 1997, na Vila Caramelo, em decorrência de uma oficina de audiovisual oferecida na comunidade. É uma TV comunitária que tem por finalidade a realização de oficinas de vídeo, nas quais os jovens das comunidades de Santa Maria mostram o seu ponto de vista do local onde moram. 5 Material consultado em: www.Globo.com/fantástico

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cultura, identidade e representação. No terceiro, delimita-se o corpus e descreve-se o quadro

“Minha Periferia” e o projeto “Ponto de Cultura: Espelho da comunidade”. No quarto, são

analisadas as relações entre os projetos sociais através de elementos que busquem responder à

problemática proposta, e, por fim, apresentam-se as considerações finais.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

Para a realização da proposta, precisa-se discutir conceitos-chave como cultura,

identidade e representação. Faz-se necessário entender como são constituídas as relações entre

cultura, identidade e sociedade. É através desses encadeamentos que os significados são

construídos.

Apresenta-se, então, alguns fundamentos dos Estudos Culturais como base para o

estudo, no qual são abordadas as definições acima citadas, segundo uma preocupação com as

diferentes representações, produções identitárias e práticas culturais.

2.1 PERSPESCTIVA DOS ESTUDOS CULTURAIS

Com suas primeiras manifestações, datadas do final dos anos 50, os estudos culturais

têm origem na Inglaterra, tendo como seus fundadores Richard Hoggart, Raymond Williams e

Edward Palmer Thompson. Este campo teórico tinha como preocupação central o estudo das

relações entre cultura e poder, objetivando a mudança social.

Dentro do contexto do pós-guerra, diante das alterações das classes operárias, é que

nasce o Center For Comtemporary Cultural Studies, cujo intelectual de maior contribuição

para o estudo das questões relacionadas às culturas e às identidades é Stuart Hall, que, mesmo

não tendo sido um dos fundadores, tornou-se um dos pensadores de maior destaque.

Segundo Brundell, “Os estudos culturais não dizem respeito apenas ao estudo da

cultura. Nunca pretenderam dizer que a cultura poderia ser identificada e analisada de forma

independente das realidades sociais concretas dentro das quais existem a partir das quais se

manifestam”. (BRUNDELL apud ESCOSTEGUY, 2001, p. 27).

Nos estudos culturais há uma ressalva aos vínculos existentes entre investigação e

formações sociais. Centrados no meio onde a cultura é produzida no seu contexto e dando

certa atenção a particularidades, eles produzem uma teoria baseada nas diferenças culturais.

Os processos culturais estão intimamente conectados com as relações

sociais, especialmente com formações e relações de classe, com

divisões sexuais, com a estruturação racial das relações sociais e com

as opressões de geração como uma forma de dependência. A cultura

não é um campo nem autônomo nem extremamente determinado,

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mas um espaço de diferenças e lutas sociais. (ESCOSTEGUY apud

JOHNSON, 2001, p. 60)

Na América Latina, os estudos culturais apresentam como seus pensadores Jesús

Martín-Barbero e Nestor García Canclini. Eles propõem uma análise dos processos culturais,

em que se identifica a cultura como uma forma interdependente, caracterizada por uma

relação dinâmica entre outras esferas, principalmente com os processos produtivos.

O interesse central dos estudos culturais é perceber as intersecções entre estruturas sociais e formas e práticas culturais. Assim, a análise dos meios de comunicação pelo prisma dessa perspectiva, na América Latina, é vista como comunicação, mas em relação à cultura e aos processos políticos, isto é, como parte da problemática do poder e hegemonia. (ESCOSTEGUY, 2001, p. 43)

A análise de formas culturais modernas em que há a inserção das indústrias culturais

passa a ser o foco das pesquisas. O estudo do popular se apresenta como principal objetivo

dos pensadores latino-americanos. “O que a Inglaterra experiencia, no final dos anos 50, a

América Latina passa a vivenciar acentuadamente nos anos 70.” (ESCOSTEGUY, 2001, p.

41). A questão central da existência e da necessidade dos estudos culturais latino-americanos

está ligada à preocupação sócio-cultural.

Nos anos 80, devido à modernização e à globalização, os pensadores passam a

repensar e reformular suas teorias, o que acarreta uma mudança na configuração da pesquisa.

Os deslocamentos com os quais se buscará refazer conceitual e metodologicamente o campo da comunicação virão do âmbito dos movimentos sociais e das novas dinâmicas culturais, abrindo, dessa forma, a investigação para as transformações da experiência social. (HALL apud ESCOSTEGUY, 2001, p. 41)

A partir desse momento, o interesse de análise dos estudiosos passa a focar questões

recorrentes da vida social e da cultura moderna. Os pensadores passam da fase de leituras

ideológicas para a atuação nas práticas sociais. A cultura deixa de ser pensada como algo

fechado e começa a ser estabelecida pela diversidade cultural, que vai ser a responsável pela

constituição das identidades.

A seguir, propõe-se uma breve discussão dos conceitos de cultura, identidade e

representação, que têm seus fundamentos nos Estudos Culturais. Mesmo sabendo que é difícil

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estabelecer uma distinção entre esses conceitos, uma vez que estão entrelaçados e

complementam-se, sugere-se uma divisão por questões metodológicas.

Por ser um conceito-chave para a temática, discute-se a definição de cultura como

questão central para a constituição e identificação de um grupo.

2.2 CULTURA

Cada povo possui a sua marca própria, ou seja, características que o diferencia dos

demais. O modo de vestir, de comer, de caminhar, de escrever, são alguns exemplos que

podem ser citados como fatores de distinção entre os povos. O conjunto dessas características

é denominado cultura, maneira pela qual as tradições e as crenças são exaltadas e preservadas.

Cultura é um conjunto de experiências humanas. É o conhecimento aliado ao costume

que, adquiridos pelas relações sociais, são cultivados através do tempo. No ato de pensar e

fazer cultura, consciente ou inconscientemente, foca-se o interesse em pensamentos em

comum, ou seja, para linhas de raciocínio e ação iguais. Esta ligação é criada pela identidade.

Para Escosteguy (2001, p. 29), “é impossível abstrair a análise da cultura das relações

de poder e das estratégias de mudança social”. A cultura é construída através das interações

pessoais contextualizadas no seu ambiente, pois é influenciada por forças políticas e sociais.

Para Canclini (1983), cultura não é apenas uma reprodução do social, pois faz parte da

sua produção:

O enfoque mais fecundo é aquele que entende a cultura como um instrumento voltado para a compreensão, reprodução e transformação do sistema social, através do qual é elaborada e construída a hegemonia de cada classe. De acordo com essa perspectiva, trataremos de ver as culturas das classes populares como resultado de uma apropriação desigual do capital cultural, a elaboração específica das suas condições de vida e interação conflituosa com os setores hegemônicos. (CANCLINI apud ESCOSTEGUY, 2001, p.95)

Partindo-se da idéia de Canclini (1983), pode-se dizer que toda e qualquer forma

cultural construída fora da alta sociedade será avaliada como predeterminada a ser inferior ou

precária. Dentro do poder hegemônico, a classe baixa não apresenta força cultural capaz de

combater a desigualdade social e a supremacia do poder econômico.

Ainda nesse contexto, a cultura produzida pelas classes baixas será encarada como

uma produção influenciada e organizada segundo as “necessidades que orientam as práticas

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culturais dos indivíduos, que são determinados pelas relações de produção.” (CUCHE, 2002,

p. 166).

Seguindo a mesma divisão socioeconômica de classes sociais, as produções culturais

de cada camada social se encontram distinguidas pelo contexto em que são elaboradas.

A cultura diz respeito aos enfrentamentos entre modos de vida diferentes, dada a existência de relações de poder no campo das práticas simbólicas. Logo, toma-se como ponto de partida que a sociedade capitalista é uma sociedade dividida desigualmente, e a cultura é uma das esferas onde essa divisão é estabelecida, mas também pode ser contestada. (ESCOSTEGUY ; JACKS, 2003)

A relação estabelecida entre a cultura e as outras formas de construção da sociedade é

um dos pontos de constantes crises dos estudos culturais, já que apresenta uma análise

interdependente dos processos culturais. Dentro do mundo de significados que é a cultura,

encontra-se a tradição e a crença como fortes correntes identitárias. Para Mata (s/r), “Nossa

atual cultura pode definir-se como um mercado de representações: elas não são apenas

espaços onde se trava a luta pelos sentidos hegemônicos, senão, ao mesmo tempo elementos

dessa mesma disputa.”6 (MATA, s/r, p. 67)

É através da cultura e de suas representações que cada indivíduo constrói seus

sentidos. A cultura pode ser compreendida como um conceito híbrido e que está sempre em

transformação. A cada nova relação estabelecida, as trocas culturais fazem com que surjam

outras identidades e diferentes representações. As maneiras de vestir e de falar, por exemplo,

são ações que fazem com que as pessoas se identifiquem umas com as outras, e é através

dessas características em comum que os indivíduos criam elos e acabam se aproximando e

criando, muitas vezes, um grupo. É a partir dessas considerações que, a seguir, apresenta-se o

conceito de identidade.

2.3 IDENTIDADES

A diversidade cultural atua como fator determinante na pluralidade da palavra

‘identidades’. Atualmente, é muito difícil encontrar uma cultura que não sofra influências de

outras. Segundo Gadotti (1991), pode-se dizer que uma “tendência marcante hoje é a

6 Tradução da autora.

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multiculturalidade, a diversidade cultural, portanto a valorização das culturas regionais, a

afirmação da identidade e dos pequenos grupos, etnias, etc.” (Gadotti, 1991, p. 2)

A busca pela compreensão dos conceitos de identidade segue tendências explicitadas

pelos problemas sociais. Como temática central dos estudos culturais, as identidades culturais

ocupam-se em estudar a relação do indivíduo com o mundo e com ele mesmo.

Segundo Escosteguy, é a “discussão sobre o sujeito e suas inserções no mundo; sobre

os indivíduos e suas identidades pessoais – como nos constituímos, percebemo-nos,

interpretamos e nos apresentamos para nós e para os outros.” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 139).

A partir do pensamento da autora, identifica-se a necessidade de entender o indivíduo

enquanto indivíduo, para que assim ele possa existir enquanto grupo e estabelecer relações

identitárias.

De acordo Hall (2003), através das relações sociais se pode perceber semelhanças,

características e pensamentos em comum que podem ser compartilhados com outros grupos

ou pessoas. Para uma maior compreensão das relações de identificação estabelecidas pelos

sujeitos é necessário entender as três concepções de identidade, em que o sujeito se apresenta

em contextos diferenciados pela sua percepção do “eu”.

Em um primeiro momento, temos o sujeito do Iluminismo, em que o indivíduo

aparece totalmente centrado, que identifica a existência do “eu” na identidade de uma pessoa.

Nessa concepção, o sujeito não apresenta uma relação com o outro, a identidade é vista como

algo que nasce com o sujeito e que se desenvolve com ele, mesmo que continue igual.

A partir do momento em que começa a surgir a idéia da coletividade, da existência

baseada na relação com os outros, aparece o sujeito sociológico. Este, por sua vez, vai

apresentar como característica a dependência ao outro, que será a responsável pela mediação

do “interior” com o “exterior”, ou seja, é a partir da relação com as outras pessoas que o

sujeito vai ligar o seu “mundo pessoal” com o “mundo público”. O sujeito apresenta uma

identidade integrada com suas relações culturais. (HALL, 2003, p. 11). A identidade é

estabelecida quando o indivíduo constrói relações com um outro indivíduo ou até mesmo com

um grupo. A partir daí, as significações vão formar ou não uma relação de pertença.

Em um último momento, com a chegada da modernidade, o indivíduo começa a ser

encarado como um ser em constante metamorfose. No sujeito pós-moderno, o indivíduo é

identificado como um ser constituído por fragmentos, em que as suas diversas identidades são

representadas. “O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades

que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente.” (HALL, 2003, p. 13). Nesse contexto,

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as relações de identificação passam a ser concebidas como algo provisório, pois são

modificadas histórica e socialmente.

Segundo Hall, as questões relacionadas à identidade nunca estão fechadas, é uma

busca permanente. O ser humano está sempre aumentando sua rede de relacionamentos e, por

conseqüência, suas possibilidades de identificação se tornam maiores:

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 2003, p. 13)

Já que sempre estamos em busca de algo mais, a rede de significados está sempre em

construção. Devido à falta de apego às questões identitárias, o indivíduo está em busca do seu

lugar. Tendo a concepção de que as identidades não são fixas, mas sim formadas e

transformadas continuamente, a cada nova experiência se estabelecem laços, e se encontram

maneiras de relacionar um pouco de nós aos outros. Para Hall, a identidade está sempre em

movimento:

Eu penso (diz Hall) que a identidade cultural não está fixa, é sempre híbrida. Mas é precisamente porque surge de formações históricas muito específicas, de repertórios culturais de denunciação, que pode construir-se em um ‘posicionamento’ que nós chamamos, provisoriamente, identidade. (...) Então, cada um desses relatos de identidade está inscrito nas posições que assumimos e com que nos identificamos, e temos de viver esse conjunto de posições de identidade em toda a sua especificidade. (HALL apud ESCOSTEGUY, 2001, p. 142)

A vida está sempre se transformando, a cada experiência uma nova representação de

mundo, ou, pelo menos, de parte dele. Em todos os momentos em que se estabelece alguma

forma de comunicação, também se aumenta a rede de significados de cada sujeito. A cada

interação do indivíduo com o outro, há produção de novos significados, através dos quais

ocorrem os processos de identificação. Assim como a cultura, as identidades que se

estabelecem entre os indivíduos, ou entre grupos, estão sempre se modificando.

As identidades fazem parte de um processo de valorização que, através dos

procedimentos de identificação, determinam o que pertence ou não a uma determinada

identidade. Segundo Simonetti (2002), o discurso das identidades é classificatório e que é

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“mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade

idêntica.” (HALL apud SIMONETTI, 2002, p. 33)

Partindo do conceito de identidades, no qual são as semelhanças e as diferenças que

definem o pertencimento ou não de um indivíduo a um determinado grupo ou idéia, é que se

propõe comparar o quadro “Minha Periferia” com o Projeto da TV OVO, procurando

compreender se os seus participantes constroem vínculos e se identificam com os projetos

veiculados no quadro. Para isso, é importante também discutir o conceito de representação.

2.4 REPRESENTAÇÕES

Na pré-história, os homens tinham como prática desenhar suas atividades nas paredes

das cavernas. É através desse legado que hoje em dia tem-se a possibilidade de interpretar

como era a vida naquela época. Segundo Silveira (2002), é nos primórdios mitológicos que

surge o conceito de representar algo. Por ter seu objetivo centrado na retratação da realidade,

as representações apresentam-se como um instrumento de análise social; é através delas que

se pode compreender a relação do cotidiano com a sociedade, explica Teixeira (1999).

A representação é uma maneira de conferir sentidos às coisas, é um sistema lingüístico

e cultural. Ela se apresenta como marcas, traços visíveis, através das fotografias, pinturas,

texto, filmes, dentre outros. É por meio dela que a identidade e a diferença passam a existir. O

mundo é repleto de atribuições de sentido social recorrente da luta travada entre as

identidades e as diferenças. As identidades são observadas através da linguagem e do sistema

simbólico pelos quais são representadas. É por meio das representações que se identificam

semelhanças e diferenças, “a representação atua simbolicamente para classificar o mundo e

nossas relações no seu interior.” (WOODWARD, 2000, p 8). Logo, são através das

construções de significados e das identificações produzidas pelas representações que o

indivíduo se situa no mundo e dá sentido às suas experiências.

Ao situar-se como integrante dessa cadeia de relações, que é a sociedade, todo e

qualquer sujeito passa a ser cidadão e exerce sua cidadania por meio de seus direitos e

deveres. Cidadania não é algo que se aprende com os livros, mas com a convivência, na vida

social e pública. Para Mata (s/r, p. 65), “A noção de cidadania se tematiza em vinculação com

a problemática das identidades e o multiculturalismo: em referência aos consumos e

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comunidades hermenêuticas, mas também a demandas e reivindicações que transcendem as

fronteiras” 7.

No ato de exercer a cidadania, o indivíduo parte de significações apreendidas nas mais

variadas relações estabelecidas no decorrer de sua existência. Ao exercer seus direitos e

deveres, ele busca a identificação, construída a partir dos mais diferentes modos de pensar a

cultura. Essas relações estabelecidas por Mata (s/r), entre identidade e multiculturalismo na

construção da cidadania, são apresentadas na convivência em sociedade, nas relações

estabelecidas entre os sujeitos, na quais as representações e a identificação se fazem presentes.

Para Jovchelivitch (1999), cada indivíduo pode recriar significados por meio das

relações interpessoais, já que nesse processo há a construção de uma rede, em que as

mediações dão origem às representações sociais:

São as mediações sociais, em suas mais variadas formas, que geram as representações sociais... elas são uma estratégia desenvolvida por atores sociais para enfrentar a diversidade e a mobilidade de um mundo que, embora pertença a todos, transforma cada um individualmente... enquanto mediação social, elas expressam por excelência o espaço do sujeito na sua relação com a alteridade, lutando para interpretar, entender e construir o mundo. (JOVCHELIVITCH apud TEIXEIRA, 1999, p. 38)

As mediações são os elos conectores de esferas culturais distintas. Por exemplo, elas

são as responsáveis pelas relações estabelecidas entre o tradicional e o moderno. É através

dessa ligação entre o universal e o particular que o sujeito cria e recria suas significações.

Segundo Escosteguy (2001), “através das mediações é possível entender, fundamentalmente,

a interação entre produção e recepção ou entre as lógicas do sistema produtivo e dos usos.”

(ESCOSTEGUY, 2001, p. 101)

O processo de representação ocorre a partir da nomeação das idéias, pois nesses

momentos é que o abstrato se materializa. Nesse período, as representações são construídas:

A representação origina-se da ação transitiva de um sujeito que, ao advertir um objeto, dele constrói uma imagem. Na atualidade, uma forma determinante de fixar e de difundir a memória ocorre através das representações midiáticas, o qual requer considerar, inicialmente, que tanto o processo referido como o produto de tal ação por si chamamos representação. (SILVEIRA, 2002, p. 13)

7 Tradução da autora.

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16

No ato de representar algo, o indivíduo materializa uma situação simbólica construída

a partir de sua percepção do mundo. Atualmente, as mídias são uma das principais fontes

geradoras de representações.

Nas relações interpessoais há uma troca de informações, através das quais os

indivíduos podem ser influenciados e levados a mudar suas percepções do mundo. As

representações sociais são o resultado, são as figurações obtidas por meio desses intercâmbios

culturais, em que as mediações fazem com que sejam gerados significados.

No mundo pós-moderno, os meios mais populares de representação são a fotografia, a

televisão e o cinema. Porém, devido à rapidez e precisão, duas características norteadoras da

vida moderna, a televisão é o meio pelo qual essa representação seja mais forte e imediata.

Seus recursos permitem enlaçar representação e realidade com inédita instantaneidade, aprofundando sua própria concepção de espaço e tempo. A dilatação da aderência televisiva teve a fortuna de chegar até o ponto de que o espectador já não distingue os limites entre o real e sua representação televisionada. (SILVEIRA, 2002, p.19)

Para a autora, a mídia constrói relações entre as pessoas e seus modos de pensar. O

que nela é veiculado apresenta-se como padrão. Por exemplo, a idealização do belo do que é

moda é construído a partir do que é proposto pela mídia. Esta é a questão central para

entender o poder dessa mídia no processo de representação, mas relativiza-se um pouco esse

conceito por considerar que a partir da oferta midiática cada sujeito constrói os seus próprios

sentidos e estabelece outras redes de significação.

Segundo Freire (2005), a mídia é quem produz os processos de representações que

situam o indivíduo no lugar de se posicionar e de onde ele pode falar:

Logo, a construção (ou supressão) de significados, identificações, prazeres e conhecimentos – nos espaços e mercados midiáticos – envolve, necessariamente, a disputa pela hegemonia entre grupos sociais dominantes e subordinados. (FREIRE, 2005, p. 21)

Seguindo a idéia do autor, a mídia aparece como formadora de significados, em que

são apresentados símbolos que serão interpretados pelos indivíduos, servindo de base para a

formação da sua concepção sobre o que é “moderno”, “civilizado”, “fashion”, etc. (FREIRE,

2005, p. 21)

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17

A mídia é uma das fontes e uma das referências para a constituição das representações,

competindo e dividindo esse papel com outras instituições. Como foi dito, a forma com que

cada um se relaciona com a oferta midiática é singular, pois cada indivíduo possui sua própria

interpretação da realidade e estabelece vínculos singulares.

2.5 ALGUMAS PESQUISAS SOBRE O TEMA

É necessária a apresentação de alguns trabalhos já realizados sobre temas semelhantes

ao do proposto para aprofundar a compreensão dos objetos e conhecer alguns estudos que

possam auxiliar no desenvolvimento da pesquisa. Estudiosos que apresentam sua questão

central no jovem e na identidade que este jovem forma, a partir de suas vivências, fazem

indagações que podem ser desenvolvidas e melhor detalhadas através deste estudo.

O espaço reservado para a pesquisa de trabalhos que abordam temáticas relativas ao

jovem, classe baixa e identidades, tem por objetivo compreender e conhecer o que é estudado

nessa área. Assim, justifica-se a pertinência da problemática apresentada e identificam-se

possíveis caminhos a percorrer na pesquisa.

A interpretação entre os estilos juvenis, mídia e classes sociais na estrutura de vida

cotidiana santa-mariense foi tema de pesquisa para Ronsini (2002). Seu problema diz respeito

à relação entre consumo de bens materiais e simbólicos internacionais e a conformação de

estilos ou movimentos culturais, a partir da estruturação da experiência em diferentes classes

sociais e da ordenação de identidades híbridas com recursos provenientes de esferas

transnacionais, nacionais e regionais.

O trabalho observa se o arranjo das práticas, valores e representações pode ocorrer no

sentido de uma adequação aos constrangimentos impostos pela condição de classe ou de um

distanciamento social alienado pela mídia, tanto pelos desejos que ela fomenta quanto pelas

críticas que suscita. O objetivo da pesquisa está centrado em estudar as diferenças entre o

consumo cultural dos jovens das classes alta, média e baixa na esfera pública e na privada

para compreender as relações entre mídia, expressões juvenis e identidades culturais.

O trabalho foi dividido em duas etapas: primeiro, tem-se o estudo centrado nas

expressões culturais de jovens pertencentes às classes baixas e média-baixa através do hip hop

e punk, para depois haver uma comparação com aquelas preferidas pelos jovens de classes

média e alta, o heavy metal. O trabalho de Ronsini (2002) é um estudo de caso que aborda os

estilos juvenis em diferentes classes sociais, baseado na etnografia e no método das

configurações.

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18

Como resultado de sua pesquisa, a autora identifica que no Brasil praticamente não há

ponderação sobre a questão da cultura juvenil e a cultura de massa. Assim, os meios de

comunicação incorporam a cultura de massa internacional ditando tendências estéticas como,

por exemplo, a música e a moda. Ela ainda encontra as expressões juvenis como forma de

identificação e visibilidade social para reivindicação da cidadania, em que seus participantes

usam da rebeldia como forma de expressão.

Em outro estudo, que mantém relação com a pesquisa apresentada anteriormente,

Ronsini (2003) analisa a relação entre consumo de bens materiais e simbólicos midiáticos

internacionalizados e a conformação de estilos ou movimentos culturais, a partir da

estruturação da experiência em diferentes classes sociais e de ordenação de identidades

híbridas com os recursos provenientes de esferas transnacionais, nacionais e regionais. De

forma mais específica, o trabalho observa de que maneira a amplitude conceitual e contextual

exigida pelo tema das identidades contemporâneas pode ser estruturada na pesquisa empírica.

Ronsini (2003) apresenta, como objetivo de seu estudo, a tentativa de relacionar

sujeito e estrutura social para o entendimento do papel cultural dos meios de comunicação em

reproduzir as relações sociais de poder ou mesmo permitir que esses sujeitos imaginem novos

modos de articular essas relações.

Na tentativa de apreender o caráter pessoal, político, contrastivo e circunstancial das

identidades, a autora combina etnografia com o método das configurações, a exemplo da

metodologia desenvolvida no estudo anterior.

A autora conseguiu identificar que os estilos juvenis, ligados tanto ao consumo quanto

à produção musical, estão reivindicando seus direitos de cidadão, identificando-se com jovens

na mesma condição subalterna de qualquer outro país. A valorização que estes jovens

procuram não está no Brasil, pois o que eles querem está tão inalcançável como qualquer

outro país. É nessa hibridação cultural que podemos perceber o papel dos meios de

comunicação na constituição das identidades híbridas do mundo globalizado.

Em um trabalho voltado para o tema da identidade jovem, Hinerasky (2005) centra seu

problema na questão de como é feita a representação dos jovens no programa Patrola e suas

tendências na construção dessa identidade.

Através da observação dos principais temas abordados, da verificação da

representação do interior do Estado e da identificação de traços da cultura regional nos

episódios já veiculados, a autora analisa a representação dos jovens apresentada no Patrola.

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19

A metodologia escolhida pela autora foi a da análise descritiva de sete programas

escolhidos aleatoriamente nos meses de maio, junho, julho e setembro, e uma entrevista semi-

estruturada com a diretora do programa.

Em suas conclusões, Hinerasky (2005) apresenta o programa Patrola como um espaço

de visibilidade das manifestações culturais contemporâneas que, ao mesmo tempo, valoriza o

Estado.

Após leitura dessas pesquisas, observa-se que é através do estudo empírico que se

pode extrair informações necessárias para avaliar a relação existente entre os projetos que são

veiculados no “Minha Periferia” com o que é realizado pela TV OVO na comunidade santa-

mariense.

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20

3 DESCRIÇÃO DO QUADRO “MINHA PERIFERIA”

Quando se pensa em periferia, as primeiras imagens que vêm à cabeça é a da pobreza e

da violência. Essa representação simbólica é resultado de uma cultura na qual os pobres

aparecem vinculados a temas mais negativos que positivos. No espaço midiático, é recorrente

o enfoque desses “costumes”, onde as comunidades são lugares que apresentam apenas

problemas.

Como uma maneira de apresentar para a sociedade o outro lado dessa realidade, o

quadro “Minha Periferia”, exibido no programa Fantástico, serve de meio para uma maior

visibilidade da cultura que é produzida nas periferias. Segundo o site do programa Fantástico8,

o quadro “Minha Periferia” “foi inserido na programação habitual do programa para mostrar

como as comunidades carentes estão usando todo tipo de arte para construir uma vida

melhor.”

O programa apresenta os projetos culturais realizados nas comunidades como uma

alternativa para uma mudança de realidade, na qual a arte é utilizada como instrumento

transformador. O quadro mostra uma variedade de temas, como teatro, música, dança,

cinema, tecnologia, dentre outros.

No decorrer de suas exibições, que iniciaram em abril de 2006, e que para fins desse

trabalho segue até setembro desse ano, o quadro “Minha Periferia” já foi exibido em, pelo

menos, três formatos diferenciados, segundo descrição e análise de seus conteúdos. A seguir,

propõe-se uma divisão e classificação desses formatos, em que será descrito o foco de cada

um. A proposta do quadro é a mesma, mas a forma como é mostrado ao público sofre algumas

alterações. Então, para um melhor entendimento, foram feitas algumas divisões baseadas nas

diferenças apresentadas. O nome escolhido para cada formato procura resumir o assunto

tratado.

Mesmo apresentando diferenças, o quadro, aparentemente, não segue nenhuma ordem

de exibição, os formatos não são organizados intercalados, ou seja, não apresentam um roteiro

determinando de quantos episódios de um formato são exibidos para que haja a troca por

outro. Cada quadro exibido é dividido em dois blocos, sem intervalo e com duração total de

aproximadamente sete minutos. Para mostrar as diferenças no formato, forma escolhidos os

8 Em http://www.globo.com/fantastico. Consultado em 21 de maio de 2006.

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21

episódios do dia 18 de junho, 13 de agosto e 27 de agosto de 2006 para exemplificar as

diferenças entre os formatos9.

Depois de alguns meses de exibição, o “Minha Periferia” manteve sua proposta inicial,

que era trabalhar com as questões dos jovens da periferia e suas produções culturais, mas

mudou a estética de exibição. Em alguns episódios, o enfoque eram os projetos sociais

desenvolvidos nas periferias, depois passou a ser o emprego do artista como exemplo de

superação e, por fim, a apresentadora foi para a África mostrar a realidade das periferias de lá.

3.1 FORMATO 1 – “PROJETOS SOCIAIS”

Nesse formato, o quadro mostra os projetos sociais desenvolvidos nas comunidades,

apresentando desde sua história até sua execução. O papel da apresentadora é de mediação

entre os projetos sociais exibidos e a veiculação da mídia. Regina Casé faz uma breve

introdução ao tema que está sendo abordado, entrevista alguns dos integrantes do projeto e

mostra o que cada participante faz, qual seu papel dentro do projeto e, por conseqüência,

dentro da sua comunidade. Os episódios duram aproximadamente 7 minutos.

Na exibição do domingo, dia 18 de junho, o formato apresentado foi o dos Projetos

Sociais, em que Regina Casé abre o quadro mostrando que ninguém, nem mesmo os políticos,

consideram cultura a produção de arte que é feita na favela. Ela fala sobre exclusão social

para fazer um gancho para o primeiro assunto, em que através da música a Eletrocooperativa,

projeto social de Salvador, realiza um programa de inclusão social. Já no segundo projeto a

ser apresentado, o tema muda para arte e tecnologia. Realizado no Rio de Janeiro, o Kabum é

um programa de artes visuais que integra jovens das favelas da cidade.

Nesse formato, Regina Casé abre o quadro sentada ao centro de um grupo de jovens da

periferia, em que todos estão organizados como se fosse uma arquibancada (imagem abaixo).

Após falar sobre política, cultura e exclusão, ela anuncia o primeiro projeto, o Ballet de rua.

Primeiramente, os responsáveis apresentam o projeto, falam seus objetivos e, logo após, para

exemplificar a experiência, um aluno conta a sua vida antes e depois de participar da oficina.

Na seqüência, Regina Casé volta e faz uma pequena introdução antes de chamar o

próximo projeto, apresentando como diferencial o fato de ser idealizado e realizado por

pessoas que não são da comunidade. Neste segundo projeto, os diretores apresentam as suas

idéias e seus objetivos. Não há depoimentos de alunos. Para finalizar o episódio, a

9 As imagens são reproduções do site.

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apresentadora faz um convite ao telespectador para que dêem uma volta no bairro e na sua

cidade para conhecer e valorizar os projetos sociais locais.

3.3 FORMATO 2 – “ARTISTA”

Esse formato está centrado num artista que mora ou que já morou na favela e é

convidado a contar sua história de vida e, principalmente, de superação. Nesse formato, a

apresentadora faz uma entrevista informal com o artista, enquanto eles passeiam pela

periferia. Durante esse trajeto, Regina interage com as pessoas da comunidade, fazendo

perguntas sobre seu convidado e sobre o dia-a-dia da vida no local. Os episódios duram

aproximadamente 7 minutos.

Já no dia 13 de agosto, o formato exibido foi o Artista. Regina Casé abre o quadro

apresentando a periferia onde Popó nasceu e foi criado (imagem abaixo). Durante a

introdução, a apresentadora delimita o tema que seria abordado, a superação. Para situar o

telespectador dentro do contexto da periferia, Regina enumera os principais problemas sociais

enfrentados pelo boxeador na sua infância, como, por exemplo, a pobreza, miséria, injustiça e

falta de oportunidade. Nesse episódio, Popó conta sua trajetória, apresenta os fatos em uma

ordem cronológica, que começa na infância pobre e vai até a superação e o reconhecimento

internacional. Ele mostra a casa onde viveu e as necessidades que deixou para trás,

exemplificando a mudança na vida.

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3.3 FORMATO 3 – “ÁFRICA”

Em mais uma mudança de formato, o quadro “Minha Periferia” passa a ser

apresentado segundo o formato 3: “África”. A apresentadora Regina Casé vai para a África

mostrar como é a realidade das periferias de lá. Neste formato, o objetivo é apresentar ao

povo brasileiro a cultura do povo africano. Em cada episódio, Regina passeia por uma

comunidade diferente (imagem abaixo), mostrando as crenças, o modo de vestir, de falar, de

dançar, enfim, algumas formas de expressão cultural do local. Cada episódio dura, mais ou

menos, 9 minutos.

No episódio do dia 27 de agosto, Regina Casé mostra a realidade das periferias da

África em comparação com as do Brasil. Durante a exibição, ela conta um pouco da história

de cada lugar, com enfoque na cultura e costumes. Nesse novo formato, o objetivo principal é

apontar as semelhanças e as diferenças das periferias africana e brasileira. É através dos

hábitos, da maneira de vestir, de comer, que a apresentadora faz essa comparação cultural; ela

busca por meio das representações sociais de cada grupo uma possível identidade entre as

duas realidades.

Como a análise dessa pesquisa centra seu foco no quadro “Minha Periferia”, como um

possível espaço de representação de identidades do jovem de classe baixa, o formato

escolhido para ser analisado é o número um, no qual são apresentados os projetos sociais

realizados em diferentes periferias do Brasil.

A escolha desse formato está ligada ao propósito da pesquisa, pois os episódios

apresentam como os jovens de classe baixa utilizam as várias formas culturais como

ferramenta para a construção de uma nova realidade. Como foi dito na Introdução, a pesquisa

tem por objetivo mostrar, através da comparação entre os projetos veiculados na mídia e o

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realizado no bairro Nonoai, em Santa Maria, se o quadro “Minha Periferia” apresenta marcas

de identificação por parte de grupos que tenham o mesmo propósito dos mostrados no

Fantástico.

Através de pré-observações foram identificadas semelhanças entre os projetos

apresentados pelo “Minha Periferia” e a TV OVO, como, por exemplo, o público-alvo e seus

objetivos. Outra questão que os perpassa é o emprego da cultura e da arte como ferramenta

transformadora da realidade.

Nessas exibições, tem-se como “ator principal” o jovem da periferia, que faz parte de

um grupo no qual são trabalhadas várias formas de produções culturais.

3.4 EPISÓDIOS SELECIONADOS

Foram selecionados os dois últimos episódios exibidos no formato de “Projetos

Sociais”. Nos dias 4 e 18 de junho, em que foram mostrados projetos que apresentam

características semelhantes ao que é realizado na vila Nonoai, em Santa Maria.

A exibição deste formato é temática, ou seja, os dois projetos apresentados em cada

domingo estão relacionados com o tema que abre o quadro. O assunto abordado pela

apresentadora está relacionado com as dificuldades que compõem o dia-a-dia da periferia.

É a partir destas características que a pesquisa se propõe a verificar se o grupo que

participa das atividades do “Ponto de Cultura: Espelho da comunidade” reconhece o “Minha

Periferia” como um espaço de representação de identidades do jovem de classe baixa.

3.4.1 A rua como representação da violência

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Na exibição do domingo, dia 4 de junho, o tema principal é a violência. O primeiro

projeto a ser apresentado foi o de Minas Gerais, o Ballet de rua, onde oficinas de ruas foram

implantadas nos bairros mais violentos da cidade. Já o segundo projeto, realizado em Pelotas -

Rio Grande do Sul, tem o circo como fonte de inspiração. A Oficina Permanente de Técnicas

Circenses (OPTC) é uma oficina de técnicas circenses em que participam jovens do morro e

lhes são apresentadas novas perspectivas de vida.

Regina Casé abre o quadro em um plano de conjunto, posicionada bem ao centro do

vídeo, sentada entre um grupo de jovens da periferia. Todos estão organizados de forma que

remete a uma arquibancada. Ao apresentar a temática da violência, a apresentadora provoca

uma pequena discussão, e cria assim um gancho para o primeiro projeto social: Ballet de rua

de Uberlândia. Os jovens são interrogados sobre quais são os perigos das ruas e como as

pessoas reagem a essa realidade. O quadro do vídeo, durante as respostas, está em um

primeiro plano, utilizado para dar maior evidência ao entrevistado e para mostrar suas

intenções e atitudes.

Quando é feita a chamada, os coordenadores apresentam o projeto, falam como

começou e quais os objetivos. Na seqüência, para orientar o telespectador que não conhece a

periferia que está sendo mostrada, o professor da oficina aparece em um plano geral, que é

utilizado para apresentar o local de onde se está falando. Neste momento, ele caminha pela

comunidade e conversa sobre o projeto e a relação com sua vida. Como o objetivo dos

projetos é ajudar os jovens, para exemplificar, um aluno conta sua experiência, salientando

como era a sua vida antes e depois de participar da oficina.

Na seqüência, volta a imagem e a apresentadora anuncia o próximo projeto, que tem a

mesma ordem de relatos, ou seja, os coordenadores apresentam o projeto, falam seus

objetivos e, logo após, um aluno relata sua experiência. No entanto, desta vez, quatro jovens

dão depoimento e contam sua participação na oficina. O processo para a localização do

público é o mesmo, os jovens aparecem em um enquadramento aberto e caminhando pelas

ruas da comunidade. Nesse projeto, além dos jovens, os pais também participam e falam das

mudanças comportamentais dos filhos.

Para finalizar a exibição deste domingo, Regina Casé volta em um plano mais fechado

(primeiro plano) e convida o telespectador a ver o quadro do próximo domingo.

3.4.2 Tecnologia como forma de inclusão

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Na exibição do domingo, dia 18 de junho, Regina Casé fala sobre exclusão social e faz

um gancho para o primeiro assunto, um projeto de inclusão social através da música. Neste

projeto, realizado em Salvador, Bahia, os jovens participam de um grupo de música digital, a

Eletrocooperativa. O segundo projeto a ser apresentado é o Kabum, que trabalha com arte e

tecnologia e é caracterizado por ter integrantes de todas as comunidades.

A apresentadora abre o quadro em um plano de conjunto, posicionada ao centro do

vídeo, sentada no meio de um grupo de jovens da periferia. A exemplo do projeto anterior,

todos estão organizados de forma que remete a uma arquibancada. Após falar sobre política,

cultura e exclusão, ela anuncia o primeiro projeto, que é apresentado pelos coordenadores.

Eles contam como começou, os objetivos e mostram a estrutura física, que no caso são os

hardwares e os softwares utilizados. Logo após, alguns alunos são entrevistados e falam sobre

o trabalho com computadores, já que suas realidades são a da exclusão digital.10

Para exemplificar a mudança que a oficina de música digital faz na vida de um jovem

que mora na periferia, um aluno é convidado a mostrar a comunidade e contar a sua vida. No

depoimento desse jovem, é utilizado um plano americano, em que ele caminha e mostra o

lugar onde nasceu. Os assuntos centrais são questões como a exclusão digital e social, em que

os indivíduos que moram nas favelas não têm acesso às oportunidades. Para chamar mais a

atenção ao assunto abordado, o enquadramento passa a ser um primeiro plano no momento

em que ele faz uma crítica. Segundo o jovem, a periferia não precisa da compaixão da

população e dos governantes, mas sim da capacitação profissional.

Na seqüência, volta a imagem e a apresentadora anuncia o próximo projeto, que fala

sobre a parceria de projetos de fora da periferia com a comunidade; o tema é arte e tecnologia.

Antes de mostrar as imagens da entrevista realizada com os idealizadores, alguns dos jovens

que estão sentados ao redor de Regina Casé fazem uma pequena apresentação dizendo o nome

da sua comunidade. Nesse momento, o enquadramento utilizado é o primeiro plano, dando-se

destaque ao jovem e ao assunto.

Realizado no Rio de Janeiro, o Kabum é um programa de artes visuais que integra

jovens de comunidades, especialmente favelas da cidade. Nesse segundo projeto, os diretores

apresentam a idéia e os objetivos. A entrevista é apresentada em plano de conjunto, tendo

algumas inserções de imagens em primeiro plano do entrevistado e planos gerais do local

onde é realizada a escola. Não há depoimentos de alunos.

10 Exclusão digital é o analfabetismo moderno. Segundo o site da Associação Brasileira de ensino a distância (ABED), cerca de 89% da população brasileira não tem acesso às tecnologias, aos computadores, à internet.

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Para finalizar o episódio, a apresentadora faz um convite ao telespectador, para que

eles dêem uma volta no seu bairro, na sua cidade, para conhecer e dar valor aos projetos

sociais locais. O enquadramento utilizado é o primeiríssimo plano, que vai chamar a atenção

do telespectador para o que a apresentadora está falando.

3.5 O “PONTO DE CULTURA: ESPELHO DA COMUNIDADE”

Focalizando no problema desta pesquisa, que tem por finalidade verificar se o quadro

“Minha Periferia” se constitui num espaço de representação das identidades dos jovens de

classe baixa, procuramos na cidade de Santa Maria um projeto social que tivesse

características semelhantes com as dos episódios exibidos no quadro “Minha Periferia”.

Então, após algumas entrevistas com os idealizadores de projetos sociais locais, encontramos

o grupo “Ponto de Cultura: Espelho da comunidade”, que realiza oficinas de cineclubismo,

dança de salão, tecelagem, prática musical e audiovisual na comunidade da vila Nonoai.

Devido às características apresentadas, escolheu-se a oficina de formação em

audiovisual por apresentar um perfil semelhante aos dos projetos sociais exibidos no quadro

“Minha Periferia”. Todos os projetos aqui mencionados têm como público-alvo o jovem de

classe baixa, e como objetivo principal a produção cultural como ferramenta para representar

a realidade da periferia.

Nessa oficina, os integrantes poderão mostrar através da produção de um vídeo o seu

olhar do lugar onde moram. Inicialmente, os alunos têm aulas teóricas, em que conceitos

como os de comunidade e cultura são discutidos em grupo, obtendo assim uma base para um

maior aproveitamento das aulas práticas.

Esse projeto social é uma iniciativa da TV OVO, uma televisão comunitária local que,

após uma seleção do Ministério da Cultura, recebe um auxílio do governo federal para a

efetivação das oficinas. A única exigência do grupo é de que a comunidade deve ceder um

local para a realização das aulas.

Baseado no pensamento de Ludke (1986), a pesquisa buscou na descrição dos

elementos que constituem a cena dos encontros do grupo “Ponto de Cultura: Espelho da

comunidade” as marcas deixadas pelos seus integrantes.

Para uma melhor classificação das informações obtidas, a descrição dos fatos será

divida por elementos, ou seja, serão descritos os participantes, o ambiente e as atividades. O

trabalho de observação e descrição segue as orientações de Ludke (1986), para as quais “é

particularmente útil que se oriente a sua observação em torno de alguns aspectos, de modo

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que ele nem termine com um amontoado de informações irrelevantes nem deixe de obter

certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa.” (LUDKE, 1986, p. 30)

O autor sugere que a observação envolva uma parte descritiva e uma parte reflexiva.

Na descritiva vai-se ter um maior detalhamento do que ocorre “no campo”, ou seja, ele sugere

uma divisão em que o pesquisador deve descrever os sujeitos, reconstruir os diálogos,

descrever os locais, descrever as atividades, dentre outras categorias.

Nesse sentido, adaptando ao modelo proposto, as informações obtidas na observação

estão organizadas por tópicos, que proporciona uma melhor descrição e, por conseqüência,

uma melhor compreensão dos elementos e ações do projeto. Logo abaixo da descrição de cada

sujeito está inserida a foto do mesmo.

3.5.1 Sujeitos

Pedro, 16 anos: Alto e magro, ele é o único do sexo masculino do grupo. Nas aulas,

senta sozinho e não é de conversar muito. Sua participação em aula se dá nas aulas práticas, já

que só fala quando é questionado. Seu modo de vestir pode ser classificado como esporte, usa

camiseta ou moletom, calça jeans e tênis.

Devido ao fato de quase nem falar em aula, Pedro não apresenta gírias específicas, sua

linguagem é coloquial. Uma de suas principais características, segundo a observação, é a

concentração na hora de executar as tarefas propostas.

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Luriane, 14 anos: Longos cabelos castanhos e estatura baixa. Seu estilo de vestir

pode ser classificado como esporte, na maioria das vezes está com calça de ginástica ou jeans,

camiseta ou baby look e tênis. Nas aulas, senta geralmente com sua prima, Josiane.

Luriane é participativa em sala de aula, além de fazer a parte prática, geralmente é

quem atua na gravação dos diálogos e é a aluna que mais dialoga com o professor. Durante a

execução dos exercícios, ela tem se mostrado à vontade nas gravações e suas captações são as

melhores do grupo.

Andriele, 14 anos: Cabelos castanhos e estatura mediana. Seu estilo é classificado

como esporte, geralmente está de calça jeans, baby look ou moletom e tênis.

Na aula, ela apresenta um comportamento agitado, mexe em algo ou conversa com

alguém, normalmente senta ao lado de Graziele. Não demonstra concentração na hora de

executar as tarefas práticas, mas sempre participa dos questionamentos levantados em aula.

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Graziele, 16 anos: Cabelos pretos e estatura alta. Seu estilo de vestir é esporte, está

sempre de jeans, baby look ou moletom e tênis.

Na aula, é calma, não fala muito e normalmente senta sozinha ou ao lado de Andriele.

É tímida, talvez por isso quase nunca interaja em sala de aula. “Grazi”, como é chamada pelos

colegas, apresenta um grande interesse em ser câmera, ela se identifica mais operando o

equipamento do que falando sobre ele. Também se concentra na execução das atividades

práticas.

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Bianca, 17 anos: Cabelos castanhos e estatura alta. Seu estilo é o mais diferente do

grupo, normalmente está vestindo preto. Usa calça social, blusa, bota cano curto.

Na aula, senta sozinha, geralmente ao lado contrário dos seus colegas. Muito tímida e

concentrada, raramente conversa com seus colegas de oficina. Fora a realização das atividades

práticas, sua participação em aula se resume em responder sempre que questionada.

Josiane, 17 anos: Cabelos castanhos escuros e estatura mediana. Seu estilo é esporte.

Normalmente está vestindo calça de ginástica, baby look e tênis.

Em sala de aula, senta ao lado de sua prima, Luriane. É extrovertida, participa tanto

das atividades práticas quanto das teóricas. Também já atuou nas gravações dos diálogos.

“Jose”, como é chamada por seus colegas, tem um comportamento agitado, normalmente está

conversando e dando risada.

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3.5.2 Ambiente

Como já foi dito anteriormente, a única exigência da TV OVO para a realização da

oficina era a de que a comunidade deveria ceder um lugar para a execução das aulas. Então, a

associação de moradores da Vila Nonoai resolveu que o lugar que se adequaria às

necessidades dos realizadores seria a própria sede da associação, que fica na praça da Nonoai.

A partir daí, os jovens passaram a ter a aulas teóricas em uma sala improvisada em um

pequeno prédio no meio da praça e a prática era executada ao ar livre, utilizando todo o

espaço físico que a própria praça oferece. Este espaço utilizado como sala de aula é usado

pela comunidade como um pequeno depósito, onde estão guardados bancos e freezer

utilizados nas festas da vila. Fora os objetos já citados, o ambiente ainda tem um quadro negro

utilizado para as aulas teóricas de enquadramento, posicionamento de câmera, dentre outros.

A sala é disposta em forma de um quadrado, onde três lados estão representados pelos bancos

e o outro é o lugar do quadro.

A TV OVO disponibiliza aos integrantes da oficina, além de material didático como

caneta e papel, duas câmeras para os exercícios práticos e um monitor no qual é exibido, ao

final de cada aula, o material produzido naquela tarde.

Nas aulas práticas, os alunos são encaminhados para a praça, onde devem fazer os

procedimentos aprendidos em aula. Neste espaço, os jovens contam, muitas vezes, com a

participação da própria comunidade que está passando pelo local. Então, direta ou

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indiretamente, as pessoas que moram na vila acabam se envolvendo com a realização do

projeto.

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3.5.3 Atividades

A proposta dada pela equipe idealizadora do projeto é a realização de aulas teóricas

intercaladas com práticas, com duração de um semestre. Os alunos, a partir momento em que

aprendem as noções básicas de manuseio da câmera, recebem o equipamento e saem

gravando. A oficina é realizada duas vezes por semana, com duração de três horas ao dia.

Todas as aulas seguem o mesmo roteiro. No primeiro momento, o ‘oficineiro’

apresenta o material (editado) produzido na aula anterior e aponta os erros cometidos por cada

aluno em cada cena. Logo após, o conteúdo da aula anterior é retomado, tanto para uma maior

fixação quanto para explicar a matéria para o aluno que faltou a aula anterior. Após essa

revisão, novos conteúdos são explicados e exercitados com técnicas apropriadas para o local

fechado. Depois de concluídas todas essas etapas, os alunos vão para a praça e gravam suas

imagens utilizando a teoria recém-aprendida.

A turma é formada por seis integrantes, que revezam a utilização das duas câmeras.

Enquanto dois estão gravando, os outros aproveitam o tempo para tirar dúvidas com o

professor.

Para fixar o aprendizado e aguçar o desejo pela produção audiovisual, o professor

propõe trabalhos para casa. Os exercícios estão sempre relacionados com o que foi dado em

aula, mas já remetem à proposta da aula seguinte. Muitas vezes, os alunos devem fazer em

casa um pequeno diálogo, com tema sugerido ou livre, que será gravado no próximo encontro

do grupo.

Com a finalidade de arquivar tudo o que foi dado em sala de aula, como se fosse uma

ata de reuniões, foi criado um caderno, no qual cada aluno é responsável pelo relato de um

dia. No final de cada aula, eles levam o caderno para casa, onde eles têm dois dias para

escrever os assuntos tratados no encontro anterior.

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4 DISCUSSÕES ENTRE OS PROJETOS SOCIAIS

A pesquisa é um estudo qualitativo em que se buscou uma melhor descrição e

interação com o objeto de estudo. Fez-se o trabalho de campo no qual, inserindo-se no grupo,

foram observadas e anotadas as ações desenvolvidas nas atividades. Como os estudos de

recepção pressupõem que o grupo conheça o produto, o trabalho proposto pode ser

classificado como uma “recepção induzida”, no qual se criou um ambiente para a exibição e

discussão dos episódios selecionados.

Com a ida a campo, buscou-se identificar a existência de conexões entre os projetos

sociais veiculados no “Minha Periferia” e o desenvolvido na vila Nonoai. O emprego desta

técnica possibilitou descobrir se há uma identificação por parte do grupo “Ponto de Cultura:

Espelho da comunidade” com o que é exibido no quadro.

Depois de elaborada a revisão bibliográfica, partiu-se para o planejamento da ação, ou

seja, criou-se um roteiro de investigação, em que as técnicas de pesquisa escolhidas para uma

melhor obtenção das informações desejadas foram a observação e o grupo de discussão.

Em um primeiro momento, foi realizada a observação, cuja função é de extrema

importância, pois é somente através dela que se pode conseguir captar todo o universo que

rodeia o grupo, fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas. É a partir desse

processo que se identifica o contexto em que se está inserido e só assim focaliza o estudo para

a obtenção dos dados.

Segundo Minayo (1996), os sujeitos “observados diretamente na própria realidade

transmitem o que há de mais importante e evasivo na vida real.” (MINAYO, 1996, p. 60).

Para auxiliar e enriquecer o relato dos encontros, tudo foi documentado através de gravação

de áudio, anotações e fotos.

No momento de colocar em prática a técnica de observação, segundo Ludke (1986), o

pesquisador deve sempre ter seu foco de interesse em mente para, no final, não ter

informações desnecessárias. Então, seguindo a idéia de que essa técnica seja dividida em duas

partes, a descritiva e a reflexiva, o primeiro passo foi registrar detalhadamente o que ocorria

na ida a campo, ou seja, para Ludke é importante a descrição dos sujeitos, dos locais, dos

diálogos, das atividades.

Nesse processo de descrição do ambiente e de seus atores, buscou-se encontrar

algumas pistas e traços que marcassem alguma característica comum à identidade da

comunidade com o que é exibido no quadro “Minha Periferia”. É através das representações

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apresentadas pela mídia, juntamente com as identificadas na comunidade, que se buscou

alcançar o objetivo da pesquisa.

Após a integração com os participantes da oficina, em que todos já estavam

acostumados com a presença do pesquisador, foi realizado o grupo de discussão ou focal

group. Segundo Orozco (2000), "O grupo de discussão é uma entrevista múltipla onde é

importante captar tanto os aportes individuais como os consensos.”11 (OROZCO, 2000, p.

109). Para a aplicação da técnica, foram inicialmente exibidos dois episódios do “Minha

Periferia” que foram veiculados no programa Fantástico, os do dia 6 e 18 de junho. Após, foi

proposta uma discussão, na qual todos responderam aos questionamentos a partir do que foi

assistido.

Nesse momento é que foram identificados os elementos que remetessem o “Minha

Periferia” como espaço de construção da identidade dos jovens de classe baixa. Através das

questões propostas, pode-se perceber as significações feitas pelos integrante do que foi

exibido e assim estabelecer de que forma ocorre a identificação, quais são os pontos

semelhantes. O uso dessa técnica foi importante para confirmar os dados colhidos e

constatados durante o período de observação. É nesta etapa que se identificam representações

relativas à identidade por parte do grupo “Ponto de Cultura: Espelho da comunidade”.

Cada indivíduo tem a sua própria interpretação da realidade. Cada jovem aqui citado

representa e concebe o conceito de cultura e de comunidade de formas diferentes. É através

dessa representação da realidade que cada sujeito se orienta no mundo, como explica

Woodward (2000), citado no segundo capítulo.

Durante o período de observação, o grupo era constituído por seis jovens, sendo cinco

do sexo feminino e um do sexo masculino, descritos no quarto capítulo. Por motivos pessoais,

Andriele e Pedro desistiram da oficina. Então, a discussão de grupo foi realizada apenas com

quatro dos participantes. Exibiram-se os episódios duas vezes: no primeiro encontro, dia 3 de

novembro, apenas dois participaram, e no segundo, dia 7 de novembro, quatro.

4.1 “MINHA PERIFERIA”: REPRESENTAÇÃO DO JOVEM DE CLASSE BAIXA

A partir da observação dos dois episódios selecionados do “Minha Periferia”,

identificaram-se marcas para verificar se o quadro pode ser considerado um possível espaço

das representações das identidades do jovem de classe baixa. As maneiras como cada sujeito

11 Tradução do autor.

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fala, veste-se e tem suas idéias são alguns dos traços apontados como possíveis formadores de

identidade.

Durante o período da observação, no total de 13 encontros, não foram detectadas

marcas explícitas em comum entre o “Minha Periferia” e o projeto “Ponto de Cultura:

Espelho da Comunidade”. Apesar da proposta dos projetos serem parecidas, muitas vezes, a

realidade apresentada no quadro não corresponde com a vivenciada pelos jovens de Santa

Maria. Assim como explica Simonetti (2002) no segundo capítulo, a identidade apresenta-se

mais pela diferença que pela semelhança.

Graziele define essa diferença basicamente pela questão econômica: “O Rio de Janeiro

é bem pobre mesmo, é morro. E aqui é bem mais ajeitadinho”. Aqui, identifica-se uma

diferença na descrição geográfica. No Rio de Janeiro, morro significa favela, já em Santa

Maria a palavra quer dizer colina, natureza. O morro do Rio é a vila de Santa Maria. Quando a

jovem fala em ser mais “ajeitadinho” faz uma relação entre a distribuição física das casas. Na

sua realidade, as pessoas que vivem na periferia moram em casas e não em barracos.

Já para o resto do grupo a violência é a principal distinção. Para eles, Santa Maria é

tranqüila. Para Josiane, “as periferias de lá são bem piores, porque aqui tipo, tu pode ter

alguns grupinhos, mas não vê bala perdida toda hora, pessoas correndo, fugindo de casa

porque gangues querem invadir”.

As realidades aqui debatidas são diferentes das apresentadas no quadro. Santa Maria

é uma cidade de interior, não apresenta grande concentração de pessoas por metro quadrado.

Já Rio de Janeiro, por ser um grande centro, apresenta maiores dificuldades de conter a

violência.

Como explica Escosteguy (2001), citada no segundo capítulo, a cultura de cada

indivíduo vai ser constituída a partir do contexto em que ele está inserido, resultando das

práticas simbólicas. O posicionamento de Josiane é compreendido como uma representação

formada a partir da diferença entre as realidades. Então, o meio que cerca o indivíduo é

determinante na sua produção de identidades.

Quando questionadas sobre a questão do quadro ser um possível espaço de

representação do jovem de classe baixa, as participantes apresentam o mesmo

posicionamento. Para elas, o “Minha Periferia” tem por objetivo mostrar a realidade desse

jovem desde a maneira como se vestem até os problemas enfrentados no dia-a-dia de uma

periferia. Dentro desse contexto, surgem hipóteses para uma possível identificação, na qual

Regina Casé pode ser uma representação do popular pelo seu jeito de falar e vestir. Para

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Luriane, a explicação talvez esteja “no seu jeito descontraído de ser, onde ela parece

conversar diretamente com o jovem”.

Na representação feita por Luriane, a apresentadora constrói um elo entre a proposta

do “Minha Periferia” com seu público alvo, que no caso são os jovens. Na sua interpretação,

Regina Casé é mais um elemento para atrair a atenção do jovem.

Para Josiane, “O quadro mostra exatamente como eles vivem, o que eles fazem e como

eles agem”. E Graziele complementa: “Ali eles mostram que eles não são desinteressados,

mas que eles precisam de oportunidade, conhecimento”. Aqui, a representação formada pelos

integrantes do “Ponto de Cultura” é de que os jovens precisam de oportunidade para mostrar

seus valores e o que eles são capazes de fazer. E isso vem a refletir o que diz Canclini (1983),

citado no segundo capítulo, concluindo que as produções culturais das classes baixas são

previamente taxadas de inferiores devido às diferenças sociais.

Contextualizando o pensamento do autor em relação ao que foi dito pelas integrantes

do projeto, pode-se entender que o jovem luta pela igualdade de oportunidades, na qual sua

cultura seja reconhecida como arte e não como sobrevivência.

4.2 IDENTIDADE: A CONSTITUIÇÃO PELAS DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS

As identidades são construídas a partir de afinidades nas quais um sujeito se vê outro,

mas, muitas vezes, essas relações se dão mais pelas diferenças que pelas semelhanças.

Quando questionadas em relação aos traços identificados como possíveis formadores

de identidades, na observação do quadro, as integrantes do projeto “Ponto de Cultura: Espelho

da comunidade” apresentam posições diferenciadas. Enquanto algumas encontram elementos

que as relacionem com o grupo, como no caso de Graziele e Bianca, que apontam trechos das

falas de um jovem como ponto de identificação, outras apontam apenas diferenças.

Para Graziele, o momento em que ela se identificou com o que foi dito no quadro é

quando um jovem fala de seu envolvimento com a oficina: “Ele se interessou pelo que ele faz

na oficina e eu não conhecia esse mundo do audiovisual e estou me interessando mesmo”.

Aqui Graziele demonstra estabelecer uma relação com o fato da identificação com a proposta

da oficina, ou seja, ela constrói uma relação no momento em que identifica a satisfação do

jovem em participar da oficina.

Já Bianca refere falas do sujeito, mas em outro momento: “Na hora ele disse que viu

aquilo ali (oficina), que ele já gostava, mas ele nunca imaginava que ia fazer aquilo e pra mim

foi bem assim”. Na fala, Bianca estabelece uma relação na qual tanto o jovem mostrado

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quanto ela deixam de ser espectadores e passam a ser protagonistas. Para ela, o fato deles já

demonstrarem interesse pelo que era proposto na oficina, antes de começar a participar, cria

uma relação identitária.

Para as meninas que não apresentam nenhuma relação com o que foi mostrado no

quadro, as diferenças são apontadas. Para Luriane, não há uma identificação pelo fato de sua

educação ser diferenciada: “Eu nunca fui guria de andar na rua, sempre tive dentro de casa

apoio que me dissesse o que é certo e o que é errado. Eu sempre refleti muito sobre isso”. E,

para complementar, Josiane fala das diferenças: “Muitas vezes, eles não falam certo, eles não

têm noção do que falam. Falam de qualquer jeito”.

Nesse contexto apresentado, as jovens avaliam o outro pelo “seu mundo”, ou seja, elas

interpretam o que lhes foi mostrado segundo seus próprios princípios. Para Josiane, no

momento em que diz que “ele fala errado”, “de qualquer jeito”, na sua concepção, sabe como

se expressar, e eles não.

Já Luriane, aponta como aspecto positivo a orientação que tem em casa e segundo sua

observação, os jovens mostrados apresentam uma grande carência familiar, onde eles não são

instruídos sobre o que é certo ou errado.

Como exemplo para o que foi dito por Escosteguy (2001) no segundo capítulo, cada

um cria as significações a partir de sua vivência. As experiências de cada indivíduo e seu

contexto interferem diretamente na construção das identidades.

4.3 CULTURA E COMUNIDADE: PRODUÇÕES IDENTITÁRIAS

A observação do primeiro dia de aula foi fundamental para o estudo, pois neste

momento, em que todos estavam se conhecendo, questões fundamentais para a realização

desse estudo foram discutidas. Em uma tentativa de integração e para saber o que cada um

pensa sobre os conceitos-chave da oficina, o responsável pela idealização do projeto, Paulo

Tavares, lança em aula duas palavras muito usadas no dia-a-dia, ‘comunidade’ e ‘cultura’, e

pede para que cada jovem defina o que elas significam pra cada um.

Como a turma era grande no dia, pois além dos alunos estavam presentes três

monitores e dois professores, o grupo foi dividido em dois, e, a partir desse momento, eles

deveriam discutir, entre si, o que era comunidade e o que era cultura, para depois exporem ao

grande grupo.

Na hora de definir o que é tão usual no cotidiano parecem faltar as palavras e se acaba

sempre no trivial. Como definição para as palavras tem-se: comunidade sendo um grupo de

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pessoas com idéias e ideais comuns, em que, mesmo cada integrante sendo diferente um do

outro, caminham juntos para alcançar seus objetivos. E cultura é definida como maneira de

expressão que está em todo o lugar, como livros, cinema, teatro, esporte, música, quadros,

dentre outros.

Em um segundo momento é pedido para que cada um desenhe o que representa

cultura. Então, o que parecia ser difícil de falar se tornou pior tendo que desenhar. Após

alguns minutos, todos os alunos apresentaram suas “obras de arte”, na qual o conceito de

cultura veio, na maior parte dos desenhos, representado pelo esporte. Como maneira de

materializar o que significa cultura, os jovens desenharam escola, notas musicais, teatro e

quadras de futebol. Uma única aluna representou a sua idéia do que é cultura apenas por um

desenho, elaborando uma reprodução do quadro “O Grito”, de Edvard Munch.

Essa representação dada ao conceito de cultura, além de ilustrar o que cada um pensa

sobre o assunto, será responsável pela interpretação dada pelos jovens da sua realidade. Todo

o indivíduo no momento de representar algo busca nas suas identificações elementos que o

ajude a formar simbolicamente a idéia desejada. Como explicado por Escosteguy (2001) no

segundo capítulo, o conceito de cultura não pode ser estudado separado do contexto, ou seja,

as pessoas possuem marcas intrínsecas que influenciam no ato da concepção. Daí a explicação

para algumas terem suas representações no esporte e outras na pintura.

Seguindo o pensamento de Escosteguy (2001), as integrantes do projeto concebem a

idéia de cultura como um acúmulo das práticas sociais que são cultivadas ao longo do tempo.

Essa cultura pode sofrer modificações, mas sua essência está ligada ao contexto social de cada

um. Nas representações feitas pelos jovens, a lógica está ligada ao conceito de representação,

na qual cada um simbolizou sua idéia através do desenho. Muitas vezes, é através dessa

simbólica que surgem as identidades.

4.4 INDIVÍDUO E GRUPO

Para tentar entender a idéia de grupo que é formada pelos integrantes, é preciso saber a

sua percepção enquanto indivíduo. Durante o grupo de discussão, as integrantes foram

estimuladas a se caracterizar em uma palavra. Luriane acha que a palavra que mais a

representa é ‘amiga’. Para Graziele, sua definição é indecisa. Já Josiane acredita ser uma

pessoa meiga e Bianca denomina-se uma pessoa instável. Através das observações realizadas

junto ao grupo, pode-se dizer que a caracterização dada demonstra o comportamento de cada

um perante o grupo.

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A partir dessas definições, pode-se identificar que cada uma estabelece uma relação de

reconhecimento diferenciada. Enquanto algumas apontam seu destaque pela qualidade, outras

se caracterizam pelos atos falhos.

Num segundo momento, quando questionadas sobre as relações estabelecidas entre os

indivíduos da oficina, os jovens apontam a complementação como fator determinante na

constituição enquanto equipe. Segundo o grupo, todos são diferentes e, como diz Luriane,

“cada um tem um pouco pra acrescentar no que o outro sabe”. Então se pode perceber que o

grupo não reconhece características semelhantes entre si, mas aponta a complementação, em

que cada integrante tem um valor a acrescentar.

Segundo uma divisão da concepção de identidade feita por Hall (2003), quando surge

a idéia da coletividade e da existência no outro, o sujeito passa a apresentar características

semelhantes ao outro, em que ele vai apresentar uma identidade associada às relações

culturais.

No grupo, constataram-se outros elementos, pois o indivíduo não aparece integrado ao

grupo. Cada um é um componente que serve para complementar o outro. Eles apresentam um

objetivo em comum, mas não reconhecem a sua essência no outro.

4.5 VIOLÊNCIA: UMA QUESTÃO DE CONTEXTO

Como foi dito, o quadro “Minha Periferia” apresenta em seus episódios um tema

principal, que é utilizado na construção da abertura e é usado como gancho entre um projeto e

outro, como foi explicado no terceiro capítulo.

Durante a realização do grupo de discussão, vários questionamentos foram lançados

sobre as temáticas e sobre o próprio contato delas com o assunto. No primeiro episódio, a

apresentadora utiliza como representação da violência a rua, então ela questiona os jovens se

eles têm medo da rua, e o mesmo foi perguntado para os integrantes do projeto “Ponto de

cultura: Espelho da comunidade”. A idéia que une todos os pontos citados é a da Luriane,

opinando que “medo da rua não, porque a rua não vai te fazer nada, o que faz são as pessoas

que habitam o lugar”.

As periferias de Santa Maria são consideradas pelos jovens um lugar mais calmo se

comparadas à realidade de lugares como o Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Aqui, a

desigualdade social não é tão elevada como nos grandes centros.

Como explicado no segundo capítulo, não há como estudar a cultura sem estudar o

contexto, ou seja, todas as percepções do indivíduo estarão ligadas ao seu modo e história de

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vida. Josiane apresenta como exemplo de violência a agressão sofrida por seu tio, na qual ele

“foi baleado no banco, num assalto”, e diz ter tirado como lição desse fato a questão “que hoje

em dia ninguém mais pensa no que faz. ‘Ah vamo sair, vamo rouba’. As pessoas não têm

mais cabeça”. Já Luriane aponta fatos corriqueiros como brigas em bares. É por meio das

vivências que cada indivíduo filtra as significações que interferem no seu presente e futuro.

Na idéia de Josiane, pode-se identificar que há uma análise do fato segundo as

concepções do “seu mundo”, ou seja, no momento em que ela afirma que “as pessoas não têm

mais cabeça”, ela está afirmando que ela tem e que sabe o que é certo e errado.

Mesmo os jovens não estabelecendo nenhuma relação, se comparadas às respostas

apresentadas no quadro com as obtidas no grupo de discussão, identifica-se uma relação na

maneira de pensar. Os dois grupos apresentam a noção de que quem faz o mal são as próprias

pessoas, o que vem se confirmar quando Regina Casé fala, “se a gente ocupa a rua de novo,

pra onde vai a violência? Pra fora da rua”.

A representação aqui construída faz referência às pessoas que preferem se trancar em

casa com medo em função da violência.

4.6 EXCLUSÃO DIGITAL NA PERIFERIA

Já no segundo episódio exibido, quando questionados sobre o tema, que era a exclusão

digital, a maioria dos jovens não sabia o que essa denominação significava. Apenas uma

aluna, Josiane, que classificou como sendo “quando o jovem não tem acesso a computador,

televisão, a essas coisas novas”. Ela cita como referência a própria expressão usada por um

dos participantes do quadro quando ele diz: “Eu achei que eu nunca ia ter acesso a um

computador”.

A realidade das integrantes da oficina é diferenciada dos casos mostrados no quadro.

Elas não se enquadram como pertencentes ao grupo da exclusão digital, pois mesmo as que

não têm computador em casa possuem acesso no laboratório da escola que freqüentam. A

única exceção do grupo é Bianca, que tem seu próprio computador.

Segundo as respostas obtidas, os jovens se identificam na questão do difícil acesso à

tecnologia e a explicação para esta situação são os altos custos, como comenta Luriane: “Ah!

computador é caro. Eu nunca vou ter um”.

Como já foi referido anteriormente por Escosteguy (2001), não se pode entender o

conceito de cultura sem compreender o contexto. A identidade ocorrida pelo grupo pára na

questão da dificuldade de acesso, pois os jovens mostrados no “Minha Periferia” só tiveram

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acesso ao computador depois de inseridos na oficina, e os jovens da comunidade da vila

Nonoai já tinham esse acesso na escola.

A relação estabelecida pelos grupos está no fator socioeconômico que impede a

compra de um computador e não na exclusão. Os jovens apresentados pelo quadro eram

excluídos digitais, pois nunca haviam tocado em um computador, já os jovens da Nonoai não,

pois eles já tinham acesso na escola em que estudavam.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa propôs um estudo do “Minha Periferia” como possível espaço de

representação cultural. Através dessa problemática, pode-se perceber que a criação das

significações vai além das relações sociais factuais. Todo indivíduo traz consigo lembranças,

representações, que influenciam no seu dia-a-dia e na sua maneira de interpretar as coisas.

Cultura, como foi conceituada no segundo capítulo, é um conjunto de experiências, é o

conhecimento aliado ao costume que são adquiridos pelas relações sociais e cultivados pelo

tempo.

Como foi estudado, o conceito de cultura não pode ser analisado e identificado fora de

um contexto. Portanto, todas as ações do indivíduo vão estar perpassadas por representações

existentes e construídas, seja pelo contexto ou pelas relações estabelecidas. A construção dos

significados se dá através dessas interações entre o sujeito e o meio que o cerca através de

grupos de pertencimento, familiares, instituições, etc.

O “Minha Periferia” pode ser considerado, antes de tudo, um espaço de legitimação e

visibilidade para os jovens de classe baixa, onde através dos projetos sociais apresentados eles

podem reconhecer elementos que constituem seu dia-a-dia.

Na análise dos episódios selecionados, foram encontradas marcas que poderiam

representar o jovem de classe baixa. Ao se expressar, eles utilizam gíria e vestem, na maioria

das vezes, roupas em estilo “raper”. E o “Minha Periferia” utiliza a própria imagem do jovem

para apresentar assuntos que condizem com a realidade das periferias, como por exemplo, a

violência, a superação e a exclusão digital.

A maneira como os jovens da vila Nonoai se portam não remete literalmente à

apresentada no quadro e o contexto também é diferenciado. O motivo para essa pouca

semelhança está no fato de as realidades serem diferentes, ou seja, a vida na periferia de Santa

Maria é menos conturbada do que a no Rio de Janeiro, onde a violência é maior, a pobreza é

mais acentuada e as condições de vida são mais miseráveis.

Os vínculos entre os objetos de estudo estão na questão de trabalharem com projetos

sociais e formação profissional. Então, pode-se dizer que os jovens do projeto social de Santa

Maria identificaram suas identidades mais pelas diferenças do que pelas semelhanças e

também as relações entre eles são estabelecidas pela complementaridade. Esse fato pode estar

ligado à questão de que o grupo juntou-se para um fim específico, o projeto social. É um

grupo que se encontra para uma atividade comum.

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Durante a realização do grupo de discussão, comprovou-se a necessidade de um

período de observação, que além de colher dados importantes para a verificação, foi um

momento de entrosamento entre a pesquisadora e o grupo. Por serem muito fechados,

acredita-se que os integrantes do projeto não dariam tantas informações para uma “pessoa

estranha”.

Na realização do grupo de discussão sobre os temas bordados, surgiram algumas

situações onde eles se identificaram com o que era mostrado pelo quadro. A relação de

semelhança está na maneira de pensar, nas reações expostas pelos jovens durante os

depoimentos realizados em cada episódio. Nesse momento, identifica-se que há relações entre

o grupo “Ponto de Cultura: Espelho da comunidade” com o quadro “Minha Periferia”, mas

não há uma identificação plena. Os jovens da Nonoai se identificam com alguns elementos,

como as idéias e também a relação dos jovens com o projeto cultural a que estão envolvidos.

Os jovens da Nonoai avaliaram e criaram um conceito de relação identitária a partir de

um “mundo próprio”, ou seja, as suas representações e identificações são estabelecidas

segundo suas experiências, suas histórias de vida. Eles mostram como eles “se percebem” e

como percebem o outro. As identidades não se constituem por questões factuais, pois são

simbólicas.

Essa interpretação singular pode ser exemplificada no momento em que eles

reconhecem o quadro “Minha Periferia” como um espaço de representação do jovem de classe

baixa, mas não estabelecem uma relação plena de identidade, pois as diferenças no contexto a

que estão inseridos é diferente a do mostrado.

No decorrer da pesquisa foram apresentadas situações em que a comunidade do na vila

Nonoai apresenta-se em melhor situação econômica do que a realidade mostrada nos

episódios do quadro “Minha Periferia”. A partir da maneira que jovens de Santa Maria falam,

entende-se que eles não acreditam fazer parte da população de classe baixa, pois sua

representação de periferia é a favela e não a vila.

As considerações que ficam a cerca do tema abordado nesse trabalho, é de que cada

indivíduo ou grupo só irá estabelecer relações identitárias a partir da semelhança entre as

realidades, ou seja, o contexto em que cada um está inserido é fator determinante na produção

cultural. E que a periferia é um grande centro de produção cultural de qualidade, onde os

problemas sociais atuam como incentivo e não como barreira.

O tempo despendido para a observação foi suficiente para a obtenção dos dados

necessários para a descrição, mas o mesmo não ocorreu com o grupo de discussão, em que os

jovens do “Ponto de Cultura: Espelho da comunidade” demoraram a sentir-se à vontade com a

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situação de troca de idéias. Acredita-se que se tivesse tido mais tempo para discussão

poderiam ser coletadas mais informações.

Trabalhar com jovens que apresentam uma variabilidade de humor é complicado. A

dependência do pesquisador em conseguir as informações é algo angustiante, mas esse

trabalho em equipe também pode ser satisfatório. Devido ao fato de trabalhar com a

constituição de identidades, que por sua vez são híbridas e mudam constantemente, acredita-

se que se fossem feitos mais encontros para discussão novas questões surgiriam e outras se

modificariam.

Acredita-se que a importância do trabalho proposto está no fato de abordar os pontos

positivos dos jovens de classe baixa e não os negativos, que normalmente são mais

divulgados pela mídia.

A pesquisa dá pistas para pensar a própria construção do que se conceitua e se

compreende como popular. Ela contribui com os estudos sobre temáticas vinculadas à cultura

popular, questão-chave dos Estudos Culturais latino-americanos. Sua aporte está em mostrar a

relação estabelecida entre o produto midiático e suas representações construídas por um grupo

com semelhanças aos temas mostrados, podendo ser sinalizados os caminhos que geram as

representações e as identidades.

Um ponto a ser questionado ao término desta pesquisa é que poderia ser realizada uma

análise da imagem e do papel da apresentadora Regina Casé que pode ser compreendida não

só como uma mediadora, mas como uma protagonista na representação do popular.

Alguns temas que ainda poderiam ser melhor explorados é o que representa o papel do

jovem através dos depoimentos veiculados nos episódios do “Minha Periferia”. E, ainda,

poderia ser verificada através de um estudo de recepção a credibilidade do quadro perante o

público e também o que representa sua inserção no Fantástico, um programa com tradição na

Rede Globo. Através dessas abordagens poderia-se aprofundar o estudo do quadro “Minha

Periferia” em sua complexidade, onde seriam pesquisados e analisados os principais pontos

que constituem essa produção.

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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7 ANEXO - Questões para orientação no grupo de discussão

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QUESTÕES

PRIMEIRA PARTE: CONCEITOS GERAIS

1. Pra vocês, o que significa cultura?

2. De que forma ela se manifesta?

3. Para vocês, o que significa comunidade?

4. Defina uma de suas principais características pessoais?

5. Quais as diferenças ou semelhanças que vocês identificam no colega de grupo?

6. Que mídias vocês conhecem?

7. Quais os programas que vocês assistem:

8. Que assuntos vocês procuram na mídia? Que tipo de programa?

9. Que atividades vocês fazem no final de semana?

10. Que tipo de música vocês preferem?

11. Qual a profissão dos pais?

12. Vocês saem à noite? Saem a pé, de ônibus, de carro?

13. Vocês têm medo da rua?

14. Vocês têm alguma experiência em relação à violência?

15. Que lição vocês tiraram?

16. Como vocês caracterizam o lugar onde moram?

17. Vocês estão integrados à comunidade onde moram? Realizam alguma atividade nela?

18. Qual a relação entre o lugar que vocês moram e o bairro Nonoai?

19. Que imagem vocês têm dos jovens da periferia de outros lugares?

20. Que semelhanças vocês identificam com os da periferia de Santa Maria?

SEGUNDA PARTE: QUADRO “MINHA PERIFERIA”

21. Para vocês, o que é projeto social?

22. Há semelhanças entre os projetos apresentados?

23. Em algum momento vocês se identificaram com alguém que o episódio mostrou?

24. Questionar se o grupo se identifica com o quadro em si, com a Regina Case´, com os

projetos, com os jovens que são mostrados.

25. Vocês notam diferenças entre o modo de vestir e falar deles e o de vocês?

26. O que vocês acham da trilha do “Minha Periferia”? Ela remete alguma coisa que vocês

conhecem?

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27. Qual o papel dos depoimentos dos jovens?

28. Vocês acham que o quadro consegue mostrar algumas características dos jovens de

classe baixa?

29. Vocês acham que os jovens que participam de projetos sociais são diferentes dos

demais?

30. O “Minha Periferia” pode contribuir na divulgação desses projetos de iniciativas

sociais?

31. Que semelhança ou diferença vocês estabelecem entre a TV OVO e o projeto Ballet

de rua? E o de técnicas circenses? E o Musica digital?

32. Qual a importância da implementação de projetos sociais?

TERCEIRA PARTE: PONTO DE CULTURA – ESPELHO DA COMUNIDADE

33. Por que se inscreveram no projeto?

34. Como ficaram sabendo da existência do projeto?

35. O que vocês esperam da oficina?

36. Que sonhos vocês têm a partir da oficina?

37. Os pais apoiaram quando vocês resolveram participar da oficina?

38. Como vocês vêem a oficina?

39. Algum plano para o futuro?

40. Vocês identificam semelhanças ou diferenças com os jovens participantes dos projetos

mostrados? Quais e por quê?

41. Vocês acreditam ter mudado depois de participar do projeto? Por quê?

QUARTA PARTE: EXCLUSÃO DIGITAL

42. Para vocês, o que é exclusão digital?

43. O que é tecnologia?

44. Qual tecnologia vocês mais utilizam?

45. Vocês utilizam computadores? Onde?

46. Vocês utilizam internet? Para quê?

47. A comunidade oferece à população algum espaço com acesso gratuito a

computadores?

48. Para vocês é importante a participação de pessoas de fora da comunidade? Por quê?

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49. Vocês acham que há diferenças entre os projetos sociais feitos pelo pessoal da

comunidade dos de fora?