minha luta e vitória

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Sempre gostei da primavera! Por isso, escolhi o mês de setembro para me casar. É o fim do inverno, as pessoas abandonam os casacos - a gripe constuma dar uma trégua - e a maioria parece almejar a nova estação. Eu estava assim, em agosto de 2010. Foi um mês de surpresas boas, alegrias, descanso e sonhos. Eu e meu marido, David Magri, começamos a planejar o futuro. Davi (como costumamos chamar nosso futuro filho, se for um menino) estava nos planos. Mas a primavera ainda não tinha chegado. Numa madrugada, senti fortes dores no abdômem. Até então, o problema de saúde mais grave que eu tinha era alergia alimentar. Estava há 3 anos sem pegar uma gripe, não sabia o que era ter uma dor de dente e nunca havia estado internada num hospital. minha Luta e VITÓRIA

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Quézia Queiroz é jornalista, mora em Brasília com seu marido David Magri e aos 30 nos, 7 anos após o seu casamento, descobriu que estava com câncer de ovário. Durante os 8 meses de luta contra a doença ela descobriu muitas coisas importantes que mudaram e continuam mudando sua forma de viver e de ver a vida.

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Page 1: Minha Luta e Vitória

Sempre gostei da primavera! Por isso, escolhi o mês de

setembro para me casar. É o fim do inverno, as pessoas

abandonam os casacos - a gripe constuma dar uma trégua -

e a maioria parece almejar a nova estação. Eu estava assim,

em agosto de 2010. Foi um mês de surpresas boas, alegrias,

descanso e sonhos. Eu e meu marido, David Magri,

começamos a planejar o futuro. Davi (como costumamos

chamar nosso futuro filho, se for um menino) estava nos

planos.

Mas a primavera ainda não tinha chegado. Numa

madrugada, senti fortes dores no abdômem. Até então, o

problema de saúde mais grave que eu tinha era alergia

alimentar. Estava há 3 anos sem pegar uma gripe, não sabia

o que era ter uma dor de dente e nunca havia estado

internada num hospital.

minha Luta e V I T Ó R I A

Page 2: Minha Luta e Vitória

A M Á N O T Í C I A

Até a adolescência, ainda sentia certa decepção infantil de nunca ter

realizado o sonho de colocar um gesso e orgulhosamente desfilar com ele,

de preferênica repleto de recadinhos dos colegas da escola. Por isso, todos

diziam: “ah, deve ter sido alguma coisa que você comeu”.

Estava ansiosa para passar uns dias com os meus pais, na chácara.

Amanheceu e eu pedi a Deus que tirasse aquela dor e prometi procurar um

médico, quando voltasse. E assim o Senhor fez. Fomos para a chácara, lá eu

me senti muito bem, andei de bicicleta, aproveitamos o momento em família.

Quando voltamos, senti novamente a mesma dor e, mesmo sem ir ao

médico, sem qualquer diagnóstico, senti que era algo muito sério. Já prontos

para ir ao hospital, eu sentei na cama e chorei. Tive medo. E o nome da

enfermidade veio a minha mente, de repente. Eu só posso entender que o

Espírito de Deus já estava me preparando. David, sempre do meu lado, me

perguntou por quê eu estava sofrendo se ainda nem tínhamos feito nenhum

exame, eu respondi: “é porque eu sei que é... grave”. Nesse momento eu quis

dizer o que realmente estava pensando, mas nem eu queria acreditar.

Porém, desde então, comecei a pedir ao Senhor a minha cura.

Iniciou-se uma série de exames. O meu pastor, Gilvane de Abreu, lançou um

desafio à ICE Betesda e começamos uma campanha de 40 dias de jejum e

oração. Numa noite de culto, eu já tinha os resultados de alguns exames e

compartilhei com a Kelley, esposa do pastor. Constatou-se que havia um

cisto complexo no ovário direito, provavelmente hemorrágico, e era preciso

uma cirurgia de emergência. Lembro-me que orei assim: Seja feita a Tua

vontade, Senhor e que tudo seja para a Glória e Honra do Teu nome!

Page 3: Minha Luta e Vitória

P R I M E I R A S M E D I D A S

Minutos antes da cirurgia, sem nenhum acompanhante por perto, o médico

se aproximou e perguntou se, um dia, eu queria ter filhos. Me disse que não

sabia exatamente como estava o cisto, se outros órgãos estavam

comprometidos, e que talvez fosse preciso retirar o útero e o outro ovário. Eu

peguei o exame das mãos dele e destaquei: “Veja doutor, não há nada no

outro ovário e o útero está preservado, é o que diz aqui!” e finalizei dizendo:

“eu quero ter um filho”. Ele me ouviu e saiu.

Fui levada ao centro cirúrgico e, no elevador - sem aliança, sem sandálias,

apenas de touca e camisola - olhei para a minha imagem no espelho. Me vi

sem nada que me caracterizasse. Estava entregue, dependente. Nada me

diferenciava de outra pessoa naquele momento. Não existem títulos ou

marcas ou qualquer outra coisa. E percebi que a grande diferença está

naquilo que somos por dentro, no quanto conhecemos a Deus e confiamos

nEle...

A cirurgia aconteceu, apenas o ovário direito foi retirado e no outro dia eu já

estava em casa recebendo visitas e os cuidados da mamãe. A campanha

de oração continuava, a igreja estava unida e Deus tinha muitos propósitos

com tudo isso. Vivenciamos o que é fazer parte do corpo de Cristo, sentimos

o carinho dos irmãos, o cuidado de cada um, e entendemos que tudo isso

fazia parte do plano de Deus, para nos fortalecer para o que ainda viria pela

frente. Logo entendi que era hora de viver o que aprendi desde pequena,

adorar em qualquer circunstância. Ou então a vida cristã e tudo o que eu

pregava até então, não tinha valor nenhum para mim.

Page 4: Minha Luta e Vitória

M E U I R M Ã O

Nasci num lar evangélico, meu pai, Divino Barbosa, conheceu minha mãe,

Carmelita Queiroz, num encontro de jovens, na ICE do Gama, DF. Minha mãe

foi a primeira a se converter da sua família. Curiosa, aos 13 anos foi descobrir

que construção era aquela, perto de sua casa. Era a ICE em Ceilândia, DF,

antiga Maranatha. Meu avô se converteu em seguida. Juntos viram muitos

da família se render a Cristo. Juntos aprenderam muito ao lado do Pastor

Corselho.

Eu eu meu irmão, Jonathas, sempre recebemos uma educação cristã,

crescemos dentro da igreja e, em casa, brincávamos de pregar a palavra e

ministrar louvor, pois esse era o nosso cotidiano. Com minha mãe aprendi a

contar histórias para as crianças e do meu pai herdei o gosto pela música e o

hábito de fechar a igreja – continuo sendo uma das últimas a ir embora,

depois que o culto acaba.

Ainda na adolescência meu irmão se deixou levar pelos apelos do mundo.

Constantemente estava envolvido em confusões e brigas. Percebendo esta

tendência, meus pais o levavam para a igreja, acompanhavam até a

escola, seguiam todos os passos. Aos poucos, na companhia dos amigos,

envolvido pelo apelo musical passou a apreciar o cigarro, depois a

maconha. Confrontado, ele dizia que aquela era a vida que tinha escolhido.

Repetia os jargões dos usuários: “é uma erva natural. É um estilo de vida.

Quando eu quiser parar eu paro”.

A angústia tomou conta do nosso lar, ele já não tinha hora para chegar, e os

pequenos furtos começaram. Meus pais já não tinham paz, conviviam com

olhares e palavras acusadoras de vizinhos e pessoas conhecidas e tentavam,

de várias formas, resolver aquele problema. Mandaram-no para outro

estado, prometeram presentes em troca de boas notas, mas ele estava muito

envolvido, já era um drogadependente, não tinha controle sobre seus atos. E

no mesmo ano que me casei, ele saiu de casa.

Page 5: Minha Luta e Vitória

O C Â N C E R

Dia 20 de setembro de 2010 era para ser um dia especial. Naquele ano,

completamos 7 anos de casados! Neste mesmo dia, sairia o resultado da

biópsia do cisto retirado em cirurgia. David quis fazer uma surpresa e saiu de

casa, sem falar aonde ia. Imaginei que estava planejando algo para nós.

Mas ele demorou muito e voltou com os olhos vermelhos. Perguntei,

brincando, se estava emocionado com a data. Ele me levou ao parque para

ver o pôr do sol, me abraçou forte e suspirou a cada olhar. O médico havia

pedido que ele não dissesse nada.

No outro dia cedo fomos a consulta para retirar os pontos e o médico disse

que eu tinha câncer! Naquele momento eu perdi o chão. Eu não conseguia

nem mesmo olhar para a minha mãe. Por um instante, eu me senti sem forças

até para ficar de pé. Ele continuou explicando o diagnóstico e eu apenas

ouvia. Era um tumor raro e agressivo, que me acompanha desde que nasci,

gerado no momento da minha formação, visto nos exames de rotina como

um micro-cisto, que se desenvolve rapidamente entre os 25 e 30 anos. No

final, afirmou que se eu demorasse mais um mês, não haveria mais o que

fazer por mim.

Era assustador! No mesmo dia, meu pai chegou e, ao contarmos, a ficha

caiu! Choramos juntos, eu, meu marido e meus pais. Choramos e oramos na

sala da minha casa. E o Espírito do Senhor encheu meu coração de paz.

Sosseguei... Descansei... Me alegrei e disse: Confio no Senhor! Fortaleza da

minha vida. Ele me criou, me formou, me conhece desde o ventre da minha

mãe. Eu não posso acrescentar um dia sequer à minha existencia. Tudo está

nas mãos de Deus.

Page 6: Minha Luta e Vitória

Q U I M I O T E R A P I A

A quimioterapia começou e vieram as primeiras surpresas do cuidado de

Deus. O técnico em enfermagem, que cuidou diretamente de mim, disse,

logo nos primeiros dias, que Deus prepara servos dEle para cuidar dos Seus.

Ele era cristão e tinha sempre uma palavra abençoada para mim. Com o

tempo, só ele conseguia acessar minhas veias. Muitas vezes eu perguntava

onde ele estava vendo uma veia no meu braço, pois eu olhava e não via

nenhuma. Ele respondia que não estava vendo, mas que o Espírito Santo

estava dizendo que estava ali. Ele sorria e dizia que era pela fé!

O tratamento ia dando certo e um dia a oncologista viu o resultado de uns

exames e falou, em tom de brincadeira, que o meu santo era forte. Eu disse a

ela: “a senhora não imagina o quanto”. Outro dia, eu cheguei à clínica e as

enfermeiras me disseram que um homem tinha passado por lá, mais cedo.

Elas contaram que ele orou nos corredores, perguntou por mim, depois foi

embora. Mais tarde, eu e David o conhecemos. Ele é uma das pessoas que

mesmo antes de nos conhecer, já orava por nós.

Page 7: Minha Luta e Vitória

P I O R Q U E O C Â N C E R . . .

Naqueles dias, recebemos um telefonema. Era mais uma má notícia: meu

irmão estava preso. Não consigo imaginar a dor dos meus pais. Meu pai me

visitava na clínica e visitava meu irmão na cadeia. Minha mãe se dividia

entre a chácara e a minha casa, cuidando de mim. Meu marido esteve ao

meu lado, o tempo todo, inclusive quando meus cabelos caíram, era quem

estava lá, cortando os últimos fios.

Durante o tratamento, sentia saudades de estar na casa do Pai e contava os

dias para, durante as “folgas” da quimioterapia, aproveitar cada momento

na igreja, com a família e com os amigos. No primeiro domingo que pude ir a

igreja, já sem cabelos, tive uma surpresa daquelas que fazem a gente chorar

de emoção. Várias irmãs estavam de lenço também. Aliás, tenho lenço para

usar como acessório de todas as cores e modelos, presentes que guardo de

cada uma, com muito carinho.

Assim que a quimioterapia começou, pedi ao Senhor para não me deixar

reclamar, independente da situação. O tempo passou, as minhas veias já

estavam fracas e tive faringite e, em seguida, alergia aos remédios que

combateriam a inflamação na faringe. Minha imunidade estava muito baixa

e, por causa da inflamação, eu sentia dificuldades para comer. Eu quis me

lamentar, quis questionar o agir de Deus e quis desistir, estava difícil demais.

No mesmo dia, perdi a voz. Fiquei 2 dias sem falar. Orava em pensamento e

clamava com a alma.

Page 8: Minha Luta e Vitória

E N F I M A P R I M A V E R A

Já era dezembro. Passamos o aniversário do meu marido e véspera de natal na

clínica. Meu irmão saiu da prisão e nos procurou. Queria se internar numa casa de

recuperação. Eu soube como ele estava, assisti uma reportagem sobre os efeitos

das drogas pesadas e tive certeza de que naquele momento, assim como eu, ele

estava lutando para viver. Passamos o natal a procura de uma vaga, mas não

encontramos. Ele ficou muito decepcionado e voltou para onde morava. Pouco

tempo depois, me ligou, desistindo da internação. Eu deixei a porta aberta para

quando se decidisse.

Em janeiro de 2011 me indicaram respouso até abril, quando faria novos exames. O

tratamento havia terminado e o futuro dependeria dos resultados. E no dia 25 de

abril, a médica afirmou que a doença estava controlada e que não havia mais

sinais de tumor. Desde então, já falei de Jesus para muito mais pessoas que durante

a minha vida cristã inteira. Falo de um Deus Fiel que salva, cura, e liberta. Um Deus

que não te livra da tempestade, mas te livra na tempestade.

Antes de receber este último diagnóstico, meu ‘maninho’ me ligou. Estava decidido.

Queria uma vida nova! Fui com ele até o escritório do Desafio Jovem de Brasília, de

lá ele foi internado no Rancho da instituição. A família celebrou sua recuperação a

cada visita. A igreja acompanhou, orou e até fez um culto no local, com os outros

jovens internos. Reconsciliado com Cristo, Jonathas saiu da internação 1 ano e 2

meses depois. Cumpriu o programa de dexintoxicação, que é de 9 meses, foi

ungido obreiro e fez estágio interno, ajudando no acolhimento de alunos iniciantes.

Em novembro do ano passado, completei 32 anos. Prestamos um grande culto de

ação de graças a Deus e celebramos com gratidão a vida, os milagres, o cuidado

de Deus. Ficamos felizes com a oportunidade e estratégia que Deus nos deu para

ajudar a ICE de Barra do Garças, do Pr. Ernandes Lucas. No convite de aniversário,

pedimos que os convidados não levassem presentes, e sim uma oferta missionária,

pois a igreja estava em campanha para a aquisição de um lote.

Page 9: Minha Luta e Vitória

Hoje eu e meu irmão somos dois milagres ambulantes. Sobreviventes! Temos muitas

primaveras pela frente para contar as maravilhas de Deus e vivemos para a Sua

Glória. Ainda temos muitos desafios. Orem por nós! Consultas e exames viraram

rotina na minha vida. Visito o centro oncológico constantemente e dependo de

Deus completamente. Vivo pela fé e me alimentos das promessas. Peço ao Senhor

que me honre diante dos que ainda duvidam do Seu poder. Meu irmão também

ainda luta muito para viver uma via plena. Estudar, recomeçar, reconstruir, fugir do

caminho mau. Mas ‘nós sabemos em quem temos crido e estamos certos de que Ele

é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou

pensamos, conforme o Seu poder que opera em nós’. A Ele seja a glória!