milena junqueira reis - arca.fiocruz.br · milena junqueira reis educação em saúde na atenção...

120
Milena Junqueira Reis Educação em Saúde na Atenção Primária à Saúde no Brasil: um olhar sobre os conteúdos divulgados nas revistas científicas de saúde coletiva de 1990 a 2015 Rio de Janeiro 2016

Upload: phamthien

Post on 26-Sep-2018

222 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • Milena Junqueira Reis

    Educao em Sade na Ateno Primria Sade no Brasil: um olhar sobre os contedos

    divulgados nas revistas cientficas de sade coletiva de 1990 a 2015

    Rio de Janeiro

    2016

  • Milena Junqueira Reis

    Educao em Sade na Ateno Primria Sade no Brasil: um olhar sobre os contedos

    divulgados nas revistas cientficas de sade coletiva de 1990 a 2015

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Sade Pblica, da Escola

    Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, na

    Fundao Oswaldo Cruz, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre em

    Sade Pblica. rea de concentrao:

    Processo Sade e Doena, Territrio e Justia

    Social.

    Orientadora: Prof.a Dra. Rosely Magalhes de

    Oliveira.

    Coorientadora: Prof.a Dra. Marize Bastos da

    Cunha.

    Rio de Janeiro

    2016

  • Catalogao na fonte

    Fundao Oswaldo Cruz

    Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica

    Biblioteca de Sade Pblica

    R375e Reis, Milena Junqueira

    Educao em Sade na Ateno Primria Sade no Brasil:

    um olhar sobre os contedos divulgados nas revistas cientficas

    de sade coletiva de 1990 a 2015. / Milena Junqueira Reis. --

    2016.

    120 f. ; tab. ; graf.

    Orientadora: Rosely Magalhes de Oliveira

    Coorientadora: Marize Bastos da Cunha.

    Dissertao (Mestrado) Fundao Oswaldo Cruz, Escola

    Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2016.

    1. Educao em Sade. 2. Ateno Primria Sade.

    3. Promoo da sade. 4. Estratgia Sade da Famlia.

    5. Publicaes Cientficas e Tcnicas. 6. Brasil. I. Ttulo.

    CDD 22.ed. 613.070981

  • Milena Junqueira Reis

    Educao em Sade na Ateno Primria Sade no Brasil: um olhar sobre os contedos

    divulgados nas revistas cientficas de sade coletiva de 1990 a 2015.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Sade Pblica, da Escola

    Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, na

    Fundao Oswaldo Cruz, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre em

    Sade Pblica. rea de concentrao:

    Processo Sade e Doena, Territrio e Justia

    Social.

    Aprovada em: 31 de maio de 2016.

    Banca Examinadora

    Prof.a Dra. Sonia Acioli de Oliveira

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Prof. Dr. Gil Sevalho

    Fundao Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    Prof. Dr. Jos Wellington Gomes Arajo

    Fundao Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    Prof.a Dra. Marize Bastos da Cunha (Coorientadora)

    Fundao Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    Prof.a Dra. Rosely Magalhes de Oliveira (Orientadora)

    Fundao Oswaldo Cruz - Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    Rio de Janeiro

    2016

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, que guia meus passos, me fortalece e no me deixa desanimar.

    Aos meus pais, Elizabeth e Enes, que acreditam comigo nos meus sonhos, me apoiam e

    incentivam. Agradeo por todo amor e por serem meu porto seguro. Sem eles essa conquista

    no seria possvel.

    minha orientadora, professora Rosely, por todas as trocas, ensinamentos, pacincia,

    compreenso, apoio e por acreditar comigo nesta dissertao.

    minha coorientadora, professora Marize, pelas contribuies durante este processo.

    Agradeo tambm pela oportunidade de participao nas oficinas do Laboratrio territorial de

    Manguinhos, que me permitiu conhecer outra realidade, fora dos muros da Fiocruz.

    professora Marly, pelas problematizaes e sugestes durante as apresentaes da

    disciplina de Seminrios Avanados.

    Carla Rodrigues, do Departamento de Endemias Samuel Pessoa da ENSP, por todo auxlio,

    sempre paciente e disposta a ajudar.

    Ao Frum de Estudantes da ENSP pelas muitas trocas e reflexes. E a aos movimentos

    sociais que participei neste perodo. Estes espaos sempre foram fundamentais em minha

    formao profissional e pessoal.

    s queridas amigas Nara, Ana Paula e Isabel pelo companheirismo e afeto nesta trajetria.

    Aos amados amigos que as curvas da vida colocaram em meu caminho. Mariana, Amanda,

    Luciana e Phillippe, obrigada pelo carinho e amizade em todos os momentos.

    A vida muito mais alegre e divertida com vocs.

    Ao amigo Lucas, por toda ajuda e troca desde quando essa dissertao era s uma ideia para o

    processo seletivo. Obrigada pelo companheirismo que j vem de outros tempos.

    querida amiga Mar, por todo afeto e amizade, por estar sempre perto, ouvindo, ajudando e

    compartilhando experincias. Que bom que nossos caminhos sempre se cruzam nessas

    andanas da vida.

    Clarisse que acompanhou de perto o processo de construo desta dissertao,

    compartilhando alegrias e angstias.

    A todos os amigos e familiares, que distantes ou no, participaram desta caminhada e

    entenderam minha ausncia, durante este processo de construo.

  • RESUMO

    Esse estudo tem como objeto a produo divulgada em revistas cientficas de Sade

    Coletiva sobre educao em sade na Ateno Primria Sade no Brasil, no perodo de 1990

    a 2015. Tendo como fonte de dados artigos cientficos disponveis na base de dados da

    Biblioteca Virtual de Sade (BVS), e utilizando anlise de contedo, o estudo objetivou,

    especificamente: caracterizar a produo segundo ano de publicao, instituio de vinculao

    dos autores, regio da instituio, revistas em que foram publicados, idioma e tipo de estudo

    e, tambm descrever seu contedo, identificando elementos relativos s concepes e prticas

    de educao em sade. O resultado do estudo apontou que a regio sudeste se destacou no

    nmero de publicaes. Com relao s revistas, o destaque foi para a revista de APS

    Ateno Primria Sade. Os artigos empricos lideraram as publicaes e, dentre estes, os

    artigos com abordagem qualitativa foram maioria. Com a descrio do contedo foi possvel

    observar que 17% dos trabalhos no definem o termo educao em sade, e nestes, est

    implcito que o objetivo das prticas educativas em sade a mudana de comportamentos,

    atravs de transmisso vertical de informao. Entre os artigos que definem o termo educao

    em sade, a crtica viso tradicional de construo do conhecimento est presente, assim

    como conceitos e teorias de base freireana. Porm, os resultados obtidos nestes trabalhos

    mostraram que elementos da pedagogia tradicional e a influncia do modelo biomdico ainda

    persistem. A maioria dos artigos (60%) considerou e discutiu o tema contexto, que de

    grande relevncia para os autores do campo da educao utilizados no referencial deste

    trabalho. O tema participao social foi discutido em apenas 43% dos artigos, o que sugere

    que as atividades educativas em sade no so percebidas como um espao de fomento

    articulao da comunidade. A Promoo da Sade apareceu em 80% dos artigos, o que mostra

    sua grande influncia neste campo estudado, sendo que autores colocaram a educao em

    sade como estratgia para implantao desta proposta nos servios. Os limites para

    realizao de atividades de educao em sade esto presentes em 73% dos trabalhos

    analisados. Dentre estes, esto as dificuldades relacionadas infraestrutura fsica das

    unidades, disponibilidade de materiais para realizao das atividades, dinmica de trabalho e

    formao acadmica dos profissionais. Este um resultado importante, que aponta a

    necessidade de discusso dos problemas encontrados para aprimoramento das prticas dos

    profissionais neste campo.

    Palavras-chave: Educao em sade. Ateno primria sade. Promoo da sade.

  • ABSTRACT

    The present study has as its objective the releases about Health Education in the

    Primary Health Care in Brazil, published between 1990 and 2015 in scientific journals of

    Public Health. The main source were scientific articles available in the database of Biblioteca

    Virtual de Sade BVS (Online Health Library) and through content analysis this study has as

    its specific target: distinguish the articles based on their year of release, the authors linking

    institutions and the institution regions, the journals where they were published, their language

    and kind of study and, beyond that, describe their content focused on elements which might

    show the conceptions and practices in health education. As a result, we were able to find out

    that the Southeast Region stood out by its number of articles. Regarding the journals, we

    might mention Ateno Primria Sade APS (Primary Health Care). Empirical articles

    lead the publications and, among them, those with a qualitative approach are the majority.

    Analyzing the content of the articles, we were able to see that 17% of them do not define the

    term health education. It is implicit on them that the educative practices in health aims the

    behavior changing through the vertical transmission of information. Among those articles

    which define the term health education, we find many criticisms regarding the traditional

    pattern of education, as well as concepts and theories based on Freire studies. However, the

    results of these researches have shown how persistent are the elements of traditional pedagogy

    as well as the influence of the biomedical pattern. The majority of the articles (60%)

    considered and discussed the context, which is very relevant for the authors in the education

    field considered as references for this study. The social participation was poorly discussed

    only 43% of the articles which may suggest that the health educational activities have no

    promotion room inside the community. Health promotion is present in 80% of the articles,

    showing its great influence on this field and meaning that the authors used health education as

    a strategy of implantation of its proposal in the services. The imposed limits when it comes to

    heath education activities are present in 73% of the articles. Among them we may mention the

    unities deficiency in infrastructure, availability of materials to carry out the activities, work

    dynamics and academic training of professionals. This is a very important result that points to

    the necessity to discuss these problems in order to improve the skills of the professionals in

    this field.

    Keywords: Health education. Primary health care. Health promotion.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Quadro 1 - Comparao entre as perspectivas tradicional e crtica do processo de

    construo do conhecimento.....................................................................

    32

    Figura 1 - Fluxograma do mtodo............................................................................. 46

    Grfico 1 - Proporo de artigos sobre educao em sade na APS no Brasil

    divulgados em revistas cientficas e nas revistas da rea de sade

    coletiva, disponveis no stio da BVS, segundo ano de publicao

    (1990-2015)...........................................................................................

    49

    Grfico 2 - Proporo de artigos cientficos sobre educao em sade na APS no

    Brasil (1990-2015), disponveis no stio da BVS, por regio...................

    52

    Grfico 3 - Proporo de artigos cientficos sobre educao em sade na APS no

    Brasil (1990-2015) de acordo com idioma de publicao, por ano (todas

    as revistas disponveis no stio da BVS)...................................................

    56

    Grfico 4 - Proporo de artigos cientficos sobre educao em sade na APS no

    Brasil (1990-2015) de acordo com idioma de publicao, por ano

    (revistas de sade coletiva, disponveis no stio da BVS).........................

    56

    Grfico 5 - Proporo de artigos cientficos divulgados sobre educao em sade

    na APS no Brasil (1990-2015), segundo tipo de estudo............................

    57

    Grfico 6 - Proporo de artigos cientficos empricos sobre educao em sade na

    APS no Brasil (1990-2015), segundo tipo de estudo................................

    58

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Nmero absoluto e proporo de artigos cientficos sobre educao em

    sade na APS no Brasil, divulgados em revistas cientficas, segundo

    ano de publicao......................................................................................

    50

    Tabela 2 Nmero absoluto e proporo de artigos cientficos sobre educao em

    sade na APS no Brasil (1990-2015), disponveis no stio da BVS, por

    regio.........................................................................................................

    53

    Tabela 3 - Quantidade e proporo de publicaes sobre o tema, disponveis no

    stio da BVS, de todas as revistas..............................................................

    53

    Tabela 4 Quantidade e proporo de publicaes sobre o tema, disponveis no

    stio da BVS, das revistas de sade coletiva.............................................

    54

    Tabela 5 Nmero absoluto e proporo de artigos cientficos divulgados sobre

    educao em sade na APS no Brasil (1990-2015), de acordo com o

    idioma da publicao.................................................................................

    56

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    APS Ateno Primria Sade

    BVS Biblioteca Virtual em Sade

    CEP Comit de tica e Pesquisa

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    DeCs Descritores em sade

    EPS Educao Popular em Sade

    ESF Estratgia Sade da Famlia

    NASF Ncleo de Apoio Sade da Famlia

    NOB/SUS Norma Operacional Bsica do Sistema nico de Sade

    PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade

    PNAB Poltica Nacional de Ateno Bsica

    PNEP Poltica Nacional de Educao Popular

    PROESF Projeto de Expanso e Consolidao da Sade da Famlia

    PSF Programa de Sade Famlia

    RSB Reforma Sanitria Brasileira

    SUS Sistema nico de Sade

  • SUMRIO

    1 INTRODUO.................................................................................................... 11

    2 OBJETIVOS GERAIS........................................................................................ 17

    2.1 OBJETIVOS ESPECFICOS............................................................................. 17

    3 REFERENCIAL TERICO.............................................................................. 18

    3.1 ATENO PRIMRIA SADE E A ESTRATGIA SADE DA

    FAMLIA...............................................................................................................

    18

    3.2 A INFLUNCIA DA PROMOO DA SADE NAS ATIVIDADES DE

    EDUCAO EM SADE....................................................................................

    20

    3.3 EDUCAO EM SADE: ENFOQUES EM DISPUTA.................................... 26

    3.3.1 A construo do conhecimento em sade.......................................................... 30

    3.4 PARA ALM DA EDUCAO COMO MERA TRANSMISSO DO

    CONHECIMENTO: ALGUMAS CONTRIBUIES DE JOHN DEWEY,

    PIERRE BOURDIEU E PAULO FREIRE...........................................................

    33

    3.4.1 John Dewey: a influncia do meio social........................................................... 33

    3.4.2 Pierre Bourdieu: as noes de habitus e campo................................................ 35

    3.4.3 Paulo Freire: a educao como forma de libertao........................................ 37

    3.4.4 Encontros desses autores e suas contribuies para a educao em

    sade......................................................................................................................

    39

    4 MTODO............................................................................................................. 43

    4.1 CARACTERIZAO QUANTITATIVA DA PRODUO CIENTFICA

    DIVULGADA EM ARTIGOS CIENTFICOS.....................................................

    45

    4.2 DESCRIO DO CONTEDO DOS ARTIGOS CIENTFICOS

    DIVULGADOS EM REVISTAS CIENTFICAS DE SADE COLETIVA.......

    46

    4.3 ASPECTOS TICOS............................................................................................ 58

    5 RESULTADOS E DISCUSSO......................................................................... 49

    5.1 A PRODUO ACADMICA SOBRE EDUCAO EM SADE NA APS:

    O QUE DIZEM OS NMEROS?.........................................................................

    49

    5.2 A PRODUO CIENTFICA DIVULGADA NAS REVISTAS DE SADE

    COLETIVA NO BRASIL: DESCRIO DOS CONTEDOS..........................

    58

    6 CONSIDERAES FINAIS.............................................................................. 79

    REFERNCIAS................................................................................................ 83

  • APNDICE A ARTIGOS SOBRE EDUCAO EM SADE NA APS

    NO BRASIL (1990-2015), SEGUNDO AUTOR, TTULO, INSTITUIO,

    ANO DE PUBLICAO, REVISTA, IDIOMA E TIPO DE

    ESTUDO...............................................................................................................

    94

    APNDICE B - PROPORO DE ARTIGOS SOBRE EDUCAO EM

    SADE NA APS NO BRASIL PUBLICADOS EM TODAS AS

    REVISTAS, NO PERODO DE 1990-2015, POR INSTITUIO................

    105

    APNDICE C PROPORO DE ARTIGOS SOBRE EDUCAO EM

    SADE NA APS NO BRASIL PUBLICADOS EM TODAS AS

    REVISTAS, NO PERODO DE 1990-2015 DAS REVISTAS DE SADE

    COLETIVA POR INSTITUIO.....................................................................

    107

    APNDICE D - ARTIGOS SOBRE EDUCAO EM SADE NA APS NO

    BRASIL (1990-2015), SEGUNDO DEFINIO DE EDUCAO E

    EDUCAO EM SADE, AUTORES REFERENCIADOS E ELEMENTOS DE

    EDUCAO EM SADE, CONTEXTO, PARTICIPAO SOCIAL,

    PROMOO DA SADE E LIMITES E POSSIBILIDADES PARA ATUAO

    EM EDUCAO E SADE..........................................................................................

    108

  • 11

    1 INTRODUO

    O interesse pelo tema deste estudo surgiu durante a experincia como farmacutica

    residente em uma unidade de Sade da Famlia, no perodo de 2011 a 2013, na cidade de

    Ribeiro Preto SP. Este programa de residncia, do qual fiz parte, objetiva o aprendizado

    em servio, possibilitando a atuao nos nveis tercirio, secundrio e primrio da ateno

    sade, com nfase neste ltimo, mais especificamente, na Estratgia Sade da Famlia.

    Durante este perodo de insero na unidade citada foi observada a dificuldade da

    equipe para desenvolver prticas educativas em sade, que alegava falta de interesse das

    pessoas em participar de grupos estruturados no modelo de palestras. Com a insero dos

    residentes, os grupos que eram oferecidos foram reorganizados e outros foram inseridos,

    usando metodologia participativa, a partir de materiais didticos que propiciavam este tipo de

    interveno. Os temas abordados nesses grupos eram diabetes mellitus, hipertenso arterial,

    dor crnica e alimentao. Alm de um grupo voltado para os cuidadores, que se conformava

    como um espao de suporte e apoio para as pessoas que cuidavam de algum familiar enfermo

    ou em condies de perda da autonomia.

    A partir desta experincia, surgiu, em um primeiro momento, o interesse em

    desenvolver um trabalho emprico sobre a educao em sade. Porm, como muitas questes

    tericas desta rea ainda so nebulosas, j que este um campo que valoriza a prtica, em um

    segundo momento veio a necessidade de maior aproximao com os estudos divulgados sobre

    o tema e seus referenciais tericos, para compreender e analisar o processo de educao em

    sade na Ateno Primria Sade (APS) no Brasil, atravs dos trabalhos cientficos

    divulgados.

    Este trabalho traz a Educao em Sade (tambm chamada de Educao para a Sade

    ou Educao e Sade) como um conjunto de diversas prticas e saberes, oficiais ou no, que

    acontecem no interior do setor sade. Sendo uma interseo entre os setores de Educao e de

    Sade, este um campo que mescla disciplinas das cincias sociais e das cincias da sade.

    As prticas e propostas deste campo se caracterizam, necessariamente, pelas relaes

    estabelecidas entre Estado e Sociedade, j que se constituem como polticas sociais de um

    estado, que palco de disputas entre grupos, classes e foras sociais. Alm de se estabelecer

    segundo estas relaes, o processo de educao em sade acompanha as concepes de sade

    e modelos de ateno vigentes em cada perodo histrico. (SMEKE; OLIVEIRA, 2001;

    RENOVATO; BAGNATO, 2012).

  • 12

    As concepes de sade, por sua vez, esto relacionadas com o modo como a

    sociedade se organiza para atender suas necessidades; com o modo como o espao que

    contm essa sociedade organizado; com o conjunto de problemas que refletem o nvel de

    desgaste, consequente da reproduo e produo social de determinado territrio; com as

    concepes elaboradas sobre as causas das doenas e com suas prticas assistenciais.

    Concepes de sade podem coexistir, com a presena de modelos antigos para solucionar

    problemas atuais. Formas de se pensar sade e de se estruturar modelos de ateno do passado

    continuam atuantes no presente, mas com caractersticas diferentes (SABROZA, 2004).

    No Brasil, a origem da educao em sade foi marcada por um discurso normatizador,

    influenciado por experincias uropeias do sculo XIX, impondo condutas e comportamentos

    laicos a serem seguidos, o que diminuiu a fora da concepo religiosa da sade e doena

    predominantes at ento. Estas aes eram estruturadas de acordo com a concepo

    biologicista, focada nos microorganismos e respectivas doenas por eles provocadas,

    desconsiderando as condies de vida dos indivduos. Para isso, a polcia sanitria atuava para

    combater as endemias e epidemias de febre amarela que atingiram o Rio de Janeiro, atravs

    de mtodos coercivos e impositivos, como a obrigatoriedade da vacinao (VALLA;

    GUIMARES; LACERDA, 2005). Porm, essas medidas geraram descontentamento da

    populao, que passou a organizar movimentos de resistncia, como a Revolta da Vacina em

    1904 e greves dos trabalhadores (SMEKE; OLIVEIRA, 2001).

    Em 1917, a greve geral dos trabalhadores possibilitou mudanas no dilogo entre

    grupos hegemnicos e subalternos. Com a aprovao de um novo modelo sanitrios em 1923,

    alm da Lei Eli Chaves, as iniciativas de controle higinico ganharam espao, com aes de

    divulgao de higiene pessoal e pblica, confinamento de leprosos, tuberculosos e sifilticos,

    cuidados com a sade infantil e materna. Essas aes, tambm baseadas na concepo

    biologicista, trazem a determinao do processo sade/doena para o nvel individual. Assim,

    de acordo com essa concepo vigente, os problemas de sade da populao dependeriam da

    mudana de comportamentos e hbitos dos indivduos, que eram culpabilizados pela situao

    de sade que se encontravam. Ainda de acordo com esse modelo, a educao em sade seria

    uma maneira de prescrever aos indivduos condutas de vida consideradas saudveis (SMEKE;

    OLIVEIRA, 2001).

    Com o fim do Estado Novo (1945), surge a noo de participao da populao nas

    estratgias do governo, que estava relacionada necessidade de modernizar a vida das classes

    populares do interior do pas (com o processo de urbanizao), atravs de conhecimentos

  • 13

    tcnicos, que transformariam essas pessoas, construindo-se assim, uma nova sociedade, com

    menos doenas. (VALLA; GUIMARES; LACERDA, 2005).

    No fim da dcada de sessenta, a educao sanitria passa a ser denominada educao

    em sade, mas a alterao da nomenclatura no trouxe mudanas significativas nas prticas

    exercidas. A educao em sade permanecia com o objetivo de esclarecer a populao sobre

    as causas biolgicas das doenas, restringindo-se a questes de higiene e conscientizao

    sanitria, com um carter individualista, autoritrio e assistencialista, que desconsiderava a

    cultura e costumes dos sujeitos (RENOVATO; BAGNATO, 2012).

    Na segunda metade da dcada de 1970, na tentativa de enfrentar e superar os

    problemas de sade e ampliar seu acesso e qualidade, grupos populares, estudantes,

    pesquisadores e profissionais de sade se organizaram, formando um movimento social para

    propor a Reforma Sanitria e a implantao do Sistema nico de Sade (SUS) no Brasil. Este

    movimento nasceu da sociedade, foi denominado movimento da Reforma Sanitria Brasileira

    (RSB) e suas proposies foram debatidas na VIII Conferncia Nacional de Sade em 1986,

    que contou com a participao de aproximadamente cinco mil pessoas. O relatrio originado

    nesta Conferncia foi posteriormente usado para a formulao das leis orgnicas da sade

    (8.080/90 e 8.142/90) que possibilitaram a implantao do SUS (PAIM, 2009). Dentre as

    importantes regulamentaes provenientes destas leis, possvel citar a participao social,

    que estabelecida atravs de duas instncias colegiadas, os conselhos e as conferncias de

    sade, que conformam um sistema de controle social. Este sistema tem o objetivo de

    possibilitar a participao da sociedade no planejamento, execuo e fiscalizao dos

    programas de sade (ESCOREL; RASGA, 2012).

    Embora as contribuies deste movimento tenham sido de grande importncia, as

    polticas de sade implementadas continuaram embasadas pelo modelo biomdico de

    assistncia.

    Com a implantao do Programa de Sade da Famlia em 1994, as prticas da ateno

    primria foram fortalecidas, de acordo com os princpios do SUS. Este programa trouxe

    algumas mudanas com relao ao modelo assistencial de sade, incorporando aos

    atendimentos prticas de acolhimento, aumento do vnculo com os indivduos atendidos e

    uma proposta mais abrangente de Vigilncia da Sade. Porm, mesmo com estes avanos, a

    ruptura da hegemonia do modelo biomdico de ateno ainda est longe de se concretizar. A

    medicina cientfica continua distanciando o saber tcnico-cientfico e o saber popular,

    monopolizando o cuidado mdico, de maneira autoritria e normatizadora (ESCOREl, et al,

    2007; STOTZ, et al, 2005).

  • 14

    Em 2012 foi estruturada a Poltica Nacional de Educao Popular (PNEP-SUS), que

    traz pressupostos terico-metodolgicos desse referencial, contemplando dimenses

    filosficas, polticas, ticas e metodolgicas, buscando uma perspectiva didtica. So eles, o

    dilogo, a amorosidade, a problematizao, a emancipao, o compromisso com a construo

    do projeto pedaggico popular e a construo compartilhada do conhecimento (BRASIL,

    2012).

    Essa poltica considerada um avano para a implementao da Educao Popular em

    Sade (EPS), contribuindo para o processo de consolidao deste referencial poltico

    metodolgico, que busca romper com o modelo biomdico, ainda predominante nas prticas

    de sade. Embora sua implementao seja importante, sua aplicabilidade ainda no est

    garantida. Outro ponto a ser discutido que mesmo com a aprovao da PNEP-SUS,

    necessrio avaliar se o Estado est realmente em sua defesa e se os estados do pas esto

    dispostos e mobilizados para sua implementao. Embora j tenha se estruturado enquanto

    poltica pblica, muitos profissionais de sade desconhecem a EPS ou a conhecem

    superficialmente. Assim, a aprovao da PNEPS-SUS no deve ser motivo para diminuio

    do ritmo da luta por sua consolidao, mas sim um espao de disputa para que seja cada vez

    mais fortalecida (BONETTI, 2014).

    A trajetria histrica da educao em sade mostra avanos na tentativa de superao

    do modelo verticalizado e autoritrio das prticas, fundamentado na pedagogia tradicional que

    concentra prticas na transmisso unilateral de informaes sobre agravos e comportamentos

    adequados. Essa busca por mudanas nas concepes de educao em sade so embasadas

    por princpios da pedagogia crtico-reflexiva e na dialgica, das correntes crticas da educao

    (SILVEIRA, 2010).

    Diante deste contexto, esse estudo se prope a conhecer a produo cientfica

    divulgada sobre educao em sade na Ateno Primria Sade no Brasil, no perodo de

    1990 a setembro de 2015 e busca responder s seguintes perguntas:

    - Quais as caractersticas da produo cientfica divulgada sobre educao em sade

    no mbito da Ateno Primria Sade no Brasil, no perodo de 1990 a setembro de 2015?

    - O que dizem os contedos dos artigos cientficos sobre a educao em sade na

    ateno primria no Brasil, divulgados nas revistas cientficas de sade coletiva, com relao

    definio de educao em sade, contexto, participao social e promoo da sade?

    Stotz (2005) aponta que a explicao do processo de sade e doena est sendo

    pautada pelo modelo da multicausalidade, porm, as condutas encaminhadas baseiam-se em

    sua maioria no sentido da causalidade linear. Desta forma, os problemas de sade so

  • 15

    reduzidos sua dimenso fisiopatolgica e no se considera os fatores sociais e emocionais

    envolvidos neste processo. Ainda segundo este autor, a educao em sade segue este padro

    linear de compreenso dos problemas de sade, o que acarreta a realizao de prticas

    fragmentadas e focalizadas em um agravo apenas. Por no considerar todos os fatores que

    influenciam no processo sade e doena, as prticas de educao em sade ficam restritas e

    no buscam a compreenso das condies e razes que levam as pessoas a adotarem

    determinados comportamentos e atitudes. A conduta tomada nestas atividades muitas vezes,

    a prescrio de normas e condutas.

    Assim, este trabalho parte do pressuposto de que os estudos sobre educao em sade

    apontam que as prticas realizadas na Ateno Primria a Sade so pautadas pelo modelo

    biomdico de ateno sade, que no compreende o processo sade e doena como um

    fenmeno complexo, que sofre influncia de inmeros fatores. Pressupe-se, tambm, que o

    embasamento terico da produo cientfica sobre educao em sade na Ateno Primria

    Sade no Brasil pode ser incipiente, na medida em que pode no estar incorporando

    referencias tericos importantes do campo da educao e da sade coletiva, podendo haver

    uma naturalizao de conceitos que se refletem na estruturao de prticas educativas nas

    unidades deste nvel de ateno, onde predominam saber biomdico, que tambm so

    predominantes na formao acadmica dos profissionais de sade.

    Pressupe-se tambm que dos vrios enfoques de educao em sade vigentes, o mais

    utilizado o preventivo, pautado na viso tradicional de construo do conhecimento,

    denominado por Paulo Freire como educao bancria. Esse modelo caracteriza-se pela

    exposio de contedos pelo educador, cabendo ao educando memoriz-los e fix-los. Neste

    processo no h dilogo entre os envolvidos, desconsidera-se a subjetividade e no-

    linearidade do processo educativo e os contedos apresentados no condizem com a realidade

    social do educando.

    Segundo Sabroza (2004), a Sade Pblica est em um momento de crise, com

    acmulo de problemas de sade e incapacidade dos modelos assistenciais de resolv-los. O

    autor aponta que a anlise dessa crise deve ser realizada atravs de uma perspectiva ampla,

    devido complexidade do problema, sem restringir suas causas apenas a questes de

    financiamento e gesto. Componentes importantes como modelo assistencial (embasado na

    concepo de sade biomdica), descrena na efetividade da ateno mdica, medicalizao

    de problemas sociais e reduo da resolutividade dos atendimentos tambm fazem parte das

    causas da atual crise.

  • 16

    Com a implantao da Estratgia de Sade da Famlia, questes relacionadas

    reorganizao de servios e prticas esto sendo debatidas nos trabalhos acadmicos,

    incluindo a importncia da educao em sade nas aes de sade. Ao analisar e discutir

    prticas educativas, concepes educativas implcitas so elucidadas e com isso, perspectivas

    sobre a relao entre profissionais e comunidade tambm so evidenciadas. Assim, a

    educao, alm de fazer parte das prticas, um eixo estruturante de uma proposta de

    mudana no modelo de ateno (STOTZ, et al, 2005, p. 10). Neste sentido a educao em

    sade ganha destaque como forma de romper com o modelo assistencial vigente, propiciando

    a interao dos indivduos, incentivando a participao social e aproximando servios de

    sade e comunidade em que atuam.

    Diante desta realidade, este trabalho pretende contribuir com a problematizao e

    fortalecimento da educao em sade na APS no Brasil, atravs da caracterizao e anlise

    das publicaes cientficas divulgadas sobre o tema. Com o mtodo escolhido, pretende-se

    colaborar teoricamente com este campo, em que a prtica priorizada.

    Este trabalho, ao apontar as concepes de educao em sade presentes nos artigos

    analisados, os referenciais tericos utilizados, os elementos considerados pelos autores no

    processo educativo e as dificuldades encontradas para realizao destas atividades neste nvel

    de ateno, contribui para o planejamento de prticas mais participativas e resolutivas que

    considerem os determinantes sociais em sade, os saberes anteriores do indivduo, incentivem

    a articulao entre os sujeitos envolvidos e possibilitem a construo crtico-reflexiva e a

    problematizao de sua realidade. Pode contribuir tambm para a elaborao de polticas de

    sade que amparem e apoiem os profissionais na realizao destas prticas.

  • 17

    2 OBJETIVOS GERAIS

    Conhecer a produo cientfica brasileira divulgada em revistas cientficas sobre

    educao em sade no mbito da Ateno Primria Sade do Brasil, no perodo de 1990 a

    setembro de 2015.

    2.1 OBJETIVOS ESPECFICOS

    - Caracterizar a produo cientfica divulgada em artigos cientficos, segundo ano de

    publicao, instituio de vinculao dos autores, regio da instituio, revistas em que

    foram publicados, idioma da publicao e tipo de estudo.

    - Descrever o contedo dos artigos cientficos sobre educao em sade na APS no Brasil,

    no perodo de 1990 a setembro de 2015, divulgados em revistas de sade coletiva, com

    relao definio de educao em sade, contexto, participao social e promoo da

    sade.

  • 18

    3 REFERENCIAL TERICO

    3.1 ATENO PRIMRIA SADE E A ESTRATGIA DE SADE DA FAMLIA

    Em 1978, a Conferncia realizada na cidade de Alma-Ata reafirmou a sade como

    direito humano fundamental e como uma relevante meta social mundial. Destacou a

    responsabilidade que os governos devem ter sobre a sade de suas populaes e a demanda

    intersetorial que esta meta requer para que seja alcanada. A Declarao proveniente desta

    conferncia tambm estipulou diretrizes e metas para a consolidao da Ateno Primria

    Sade (APS), que foi descrita de forma abrangente e com funo central no sistema nacional

    de sade. Ainda de acordo com esta Declarao, a APS definida como ateno sade

    essencial, que representa o primeiro nvel de contato com o sistema de sade, aproximando as

    prticas de sade ao local onde as pessoas residem e trabalham. Neste momento, surgiram

    ento, elementos essenciais para sua organizao e estruturao. Entre estes, temos a

    educao em sade, preveno de endemias, tratamento apropriado de doenas e danos mais

    comuns, dispensao de medicamentos essenciais, promoo de alimentao saudvel e etc

    (MENDES, 2012). (GIOVANELLA; MENDONA, 2012)

    Os princpios de cuidados primrios provenientes da Conferncia de Alma-Ata

    influenciaram a construo do SUS e das polticas de sade no Brasil. No processo de

    implantao do SUS, a Ateno Primria Sade foi fortalecida atravs de medidas

    governamentais. Mas somente em 1994, com a implantao do Programa de Sade da Famlia

    (PSF), o modelo assistencial foi reorganizado nacionalmente e o programa foi tido como

    estratgia para estruturar e organizar os servios e aes de sade, sendo este um marco na

    incorporao da Ateno Primria nas polticas de sade do pas (ESCOREL et al, 2007).

    Este programa estabelece que a equipe da unidade de sade deve ser multiprofissional

    e trabalhar em um territrio definido, acompanhando a populao residente na rea. O modelo

    tem como proposta atuar sobre os determinantes sociais da sade, desenvolver aes

    educativas e intersetoriais de acordo com os problemas de sade identificados, assim como

    realizar aes de promoo da sade e de preveno, cuidado, cura, reabilitao e paliao das

    condies de sade. (ESCOREL et al, 2007; MENDES, 2012)

    O Programa tambm trouxe importantes pontos para reflexo, relacionados

    reorganizao de servios e prticas, como por exemplo, o papel da educao nas prticas de

    sade. E com isso, alguns problemas relacionados a este tema foram levantados: currculos

    dos cursos de sade so inadequados e acrticos, profissionais no possuem preparo para

  • 19

    enfrentar problemas na comunidade, apresentam dificuldade em estabelecer dilogos e

    parcerias e h necessidade de se conhecer os referenciais tericos e metodolgicos para que

    prticas pedaggicas transformadoras sejam estabelecidas. (STOTZ, et al, 2005).

    Para estruturao da ateno bsica no pas, conforme os princpios e diretrizes do

    SUS, alguns programas e estratgias foram implantados ao longo dos anos. Em 1991 surgiu o

    Programa de Agentes Comunitrios de Sade (Pacs), de carter emergencial e com o objetivo

    de alcanar regies onde a assistncia mdica no estivesse presente. Foi inicialmente

    implantado nas regies Norte e Nordeste do pas, com aes de combate e controle epidemia

    de clera e outras formas de diarreia, centradas na reidratao oral e vacinao. Porm, como

    no havia cobertura mdica em grande parte das localidades atendidas pelo Pacs e com a

    atuao de indivduos sem formao na rea da sade, este programa correspondia a um

    programa de ateno primria seletiva, com pouca resolutividade (GIOVANELLA;

    MENDONA, 2012).

    Em 1993 foi estruturado o Programa de Sade da Famlia (PSF), implantado em

    municpios pequenos, para atender a demanda reprimida de ateno bsica, mas que no tinha

    condies para garantir a continuidade do atendimento. A norma operacional bsica do SUS

    de 1996 (NOB SUS 01/96) caracterizou a ateno bsica como primeiro nvel de ateno e

    props o PSF como estratgia, a Estratgia de Sade da Famlia (ESF). Esta ltima mudana

    possibilitou um carter mais abrangente ateno bsica no pas e mais articulada aos outros

    nveis de ateno. Percebe-se que sua implementao esta fortemente associada ao processo

    de descentralizao do sistema de sade, na mudana do modelo mdico-assistencial e na

    reestruturao da conduo da ateno bsica. Estas aes possibilitaram a ampliao da

    cobertura, melhoria dos indicadores de sade e valorizao das prticas de promoo e

    preveno de sade.

    Embora a estratgia tenha se fortalecido, ainda no est completamente implantada no

    pas. Diversas cidades apresentam baixos percentuais de cobertura ou contam com unidades

    precrias, sem os servios bsicos disponveis e sem o mnimo de profissionais de sade

    preconizado. Esforos tem sido levantados para a estruturao plena desta estratgia, mas

    enquanto esta pauta no for uma prioridade governamental poucas mudanas sero possveis.

    O Projeto de Expanso e Consolidao da Sade da Famlia (Proesf) de 2003 apoiou e

    contribuiu para a ampliao da ESF, com o objetivo de fortalecimento e organizao da

    ateno bsica, o que facilitou a adeso da estratgia por grandes centros urbanos, j que a

    mesma ainda estava restrita a municpios de pequeno porte (GIOVANELLA; MENDONA,

    2012).

  • 20

    Em 2006, foi editada a Poltica Nacional de Ateno Bsica (Pnab), que traz a ateno

    bsica com uma concepo ampliada, sendo colocada como porta de entrada preferencial do

    SUS e como base para a estruturao dos sistemas locais de sade. Segundo a Pnab, a Sade

    da Famlia tem a funo de reorganizar a ateno bsica, que deve estar integrada rede de

    servios de sade municipal (GIOVANELLA; MENDONA, 2012).

    Em 2008, passa a ser incentivado o apoio matricial pelos Ncleos de Apoio Sade da

    Famlia (Nasf). Estes ncleos so compostos por profissionais de diferentes reas do

    conhecimento que devem atuar em parceria com os profissionais das Equipes de Sade da

    Famlia, compartilhando prticas em sade para a populao adscrita (GIOVANELLA;

    MENDONA, 2012).

    3.2 A INFLUNCIA DA PROMOO DA SADE NO CAMPO DA EDUCAO

    EM SADE

    A conferncia de Alma-Ata, alm de trazer a Ateno Primria Sade e seus

    componentes, incentivando sua implantao em pases, como o Brasil, tambm influenciou e

    fortaleceu os defensores da Promoo da Sade. Esta proposta teve incio na dcada de 1970,

    como uma nova concepo de sade, que no mais se centrava na doena. Este termo j

    havia sido citado e definido anos antes, em 1945, pelo mdico canadense Henry Sigerist, que

    definiu as quatro tarefas essenciais da medicina: a promoo de sade, a preveno de

    doenas, a recuperao dos enfermos e a reabilitao. Segundo o mdico, para se promover

    sade seria necessrio garantir boas condies de vida, de trabalho, de educao, de cultura

    fsica e tambm formas de lazer e descanso, o que seria conquistado atravs de um esforo

    coordenado entre polticos, educadores, mdicos, sindicatos e empresas. Em 1976, o conceito

    foi utilizado no modelo da histria natural da doena, desenvolvido por Leavell & Clark.

    Neste modelo, a orientao e o aconselhamento em sade do mdico para o indivduo com

    extenso para sua famlia, eram considerados aes de promoo da sade (BUSS, 2000).

    Corroborando esta proposta, dois acontecimentos internacionais foram relevantes

    para sua estruturao: a abertura da China Nacionalista, que mostrou ao mundo a prtica de

    cuidados de sade realizados principalmente no ambiente rural, com caractersticas da ateno

    primria sade e o Relatrio Lalonde (1974), que deflagrou um movimento canadense que

    questionou o efeito e os custos das aes com foco na assistncia mdica e props a

    ampliao das aes de Sade Pblica. Este documento introduziu o conceito de

    determinantes de sade, composto pelos seguintes grupos: biologia humana, ambiente,

    estilo de vida e organizao dos servios de sade. Embora tenha sido alvo de inmeras

  • 21

    crticas por ser centrado na ao individual, com nfase na mudana de estilos de vida e de

    comportamentos, esse relatrio foi um marco histrico no campo da Sade Pblica, pois

    questionava o modelo assistencial de sade hegemnico e foi o primeiro documento oficial a

    apresentar a denominao de promoo da sade. Segundo Ferreira et al (2007), a nfase

    deste relatrio no estilo de vida e nos fatores de risco influenciou a maneira de se

    compreender a Promoo da Sade no momento em que esta comeava a aparecer de modo

    mais consistente no cenrio acadmico. Estes dois acontecimentos (abertura da China

    Nacionalista e Relatrio Lalonde) embasaram movimentos direcionados mudana de

    paradigma no campo da sade, o Sade para todos no Ano 2000 e a Estratgia de Ateno

    Primria de Sade, ambos formalizados na Conferncia de Alma-Ata, em 1978 (SCOLI;

    NASCIMENTO, 2003; HEIDMANN, 2006).

    No ano de 1979, o Departamento de Sade, Educao e Bem-estar do governo dos

    Estados Unidos da Amrica publicou o relatrio Healthy People 1979, que fez uma

    separao entre preveno de doenas e Promoo da Sade e tambm associava esta ltima a

    mudanas no estilo de vida, enfatizando os fatores de riscos epidemiolgicos, assim como o

    Relatrio Lalonde. Percebe-se que a Promoo da Sade, em seus primrdios estava

    fortemente vinculada a uma abordagem comportamentalista e voltada para os fatores de risco

    (FERREIRA et al, 2007).

    Influenciadas pelo Relatrio Lalonde e pelo Healthy People 1979, as prticas de

    promoo da sade ao longo da dcada de 1970 foram realizadas no mbito individual,

    centradas na mudana de hbitos, estilos de vida e comportamentos. Segundo Ferreira et al

    (2011) esta abordagem da Promoo da Sade chamada de comportamentalista ou

    conservadora e um meio de dirigir os indivduos a assumirem a responsabilidade por sua

    prpria sade, reduzindo assim, os gastos com o sistema de sade. Cerqueira (apud SCOLI;

    NASCIMENTO, 2003) indica o carter limitado destas prticas e ressalta que a culpabilizao

    do indivduo por sua condio de sade deixa de lado a determinao social do processo

    sade e doena e retira a responsabilidade dos governantes pela situao de sade da

    populao (SCOLI; NASCIMENTO, 2003).

    Os limites tericos e prticos desta proposta behaviorista impulsionaram o surgimento

    de outra perspectiva, denominada Nova Promoo da Sade, na dcada de 1980.

    Compartilhando a crtica ao modelo biomdico da proposta anterior, esta concepo veio com

    o objetivo de ser contrria ao enfoque individual e de culpabilizao das pessoas por sua

    situao de sade, baseando-se em uma perspectiva socioambiental. Esta proposta aponta

    como pr-requisitos fundamentais para a sade a justia social, a equidade, a educao, o

  • 22

    saneamento, a paz, a habitao, o salrio digno, a estabilidade do ecossistema e a

    sustentabilidade dos recursos naturais (CARVALHO, 2007).

    A Primeira Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade, realizada no Canad

    em 1986, possibilitou a discusso e embasamento terico desta nova perspectiva. A Carta de

    Otawa, fruto desta Conferncia, foi um marco importante para a promoo da sade. O

    documento ressalta a intersetorialidade, apontando a incapacidade do setor sade de

    assegurar, de maneira isolada, condies sanitrias satisfatrias. Desta forma, segundo a

    declarao, o setor sade deve interagir com a poltica, economia, meio ambiente e fatores

    sociais, culturais e biolgicos (SCOLI; NASCIMENTO, 2003).

    A carta define Promoo da Sade como processo de capacitao da comunidade

    para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e sade, incluindo uma maior participao no

    controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar fsico, mental e social

    os indivduos e grupos devem saber identificar aspiraes, satisfazer necessidades e modificar

    favoravelmente o meio ambiente. De acordo com a carta, a promoo da sade vislumbra o

    alcance da equidade em sade e suas aes tem como objetivo reduzir as diferenas nos

    estado de sade dos indivduos e assegurar oportunidades e recursos de maneira igualitria

    para que todos se capacitem e realizem seu potencial de sade (OPAS, 1986).

    Este documento associa a promoo de sade a um conjunto de valores: qualidade de

    vida, sade, solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participao e

    parceria (BUSS, 2000). A participao ativa da populao apontada na Carta de Ottawa

    como estratgia fundamental para operacionalizar a promoo da sade. Para isso, so

    propostas aes que favoream o fortalecimento da atuao da comunidade, visando um

    maior controle das pessoas sobre sua sade e o meio em que vivem. O documento traz como

    estratgias para efetivar a participao o suporte social aos indivduos, atravs do repasse de

    informaes, atividades voltadas para a educao em sade e apoio financeiro adequado

    (CARVALHO, 2007).

    Segundo Heidmann (2006), neste documento produzido em Ottawa, a educao em

    sade faz parte da promoo da sade, que contempla cinco estratgias de ao: polticas

    pblicas saudveis, ambientes favorveis sade, reorientao dos servios de sade, reforo

    da ao comunitria e desenvolvimento de habilidades pessoais. Os autores ressaltam que

    muitos avanos foram obtidos com esta proposta, porm, ainda prevalece uma viso

    simplificada desta, com prioridade para mudana de estilos de vida, aes embasadas pelo

    modelo tradicional de educao e prticas preventivas compreendidas como sinnimo de

    promoo da sade.

  • 23

    Stotz e Arajo (2004) atentam para o fato de que esta Conferncia, realizada em

    Ottawa, contou apenas com a participao de pases desenvolvidos e alguns poucos

    perifricos, sendo que o Brasil no esteve presente. Como consequncia desta conformao,

    Carvalho (2007) relata que a Promoo da Sade, neste perodo, buscava respostas para os

    problemas de sade dos pases desenvolvidos, que diferente dos pases perifricos, j

    contavam com uma estrutura de servios assistenciais de melhor qualidade, podendo assim,

    focar em outras prioridades para o setor sade.

    Ferreia et al (2011) apontam a ambiguidade da proposta da Nova Promoo da Sade,

    j que embora esta atenue a nfase da abordagem comportamentalista na mudana de estilos

    de vida, ainda incipiente como instrumento de transformao social.

    Depois de Ottawa, conferncias regionalizadas foram realizadas em Jacarta, Port Spain

    e Bogot, contando com a presena de pases perifricos. O Brasil foi representado nesta

    ltima e fez parte dos signatrios de sua declarao, a Carta de Bogot (STOTZ; ARAUJO,

    2004).

    Segundo material elaborado pelo Ministrio da Sade que rene os documentos de

    referncia resultantes dos espaos de construo e discusso desta proposta (As Cartas da

    Promoo da Sade), a Conferncia Internacional de Promoo da Sade realizada em 1992,

    na Colmbia, teve carter regionalizado e seu foco foi a Amrica Latina, apontando

    estratgias para recriao da proposta na regio. A declarao assinada neste espao traz

    como questo central a relao mtua entre sade e desenvolvimento. Aponta que a regio

    debatida enfrenta importantes problemas relacionados a condies de vida, aumento de riscos

    para sade e diminuio de recursos para enfrent-los. Assim, segundo este documento, a

    promoo da sade deve se empenhar na transformao desta situao, com o intuito de

    conciliar os interesses econmicos aos sociais (BRASIL, 2002).

    O documento apresenta cinco princpios para a proposta de promoo da sade na

    regio. So eles: a superao das desigualdades econmica, social, poltica, cultural e

    ambiental, assim como as relacionadas ao acesso, cobertura e qualidade dos servios de

    sade; novas alternativas de prticas de Sade Pblica; reafirmao da democracia; conquista

    da equidade e desenvolvimento integral e recproco dos indivduos e sociedade (OPAS,

    1992).

    A Carta de Bogot aponta a necessidade de mudana nas aes de sade pblica e

    ressalta a participao ativa da populao como forma de mudar suas condies sanitrias e

    seus modos de vida, visando criao de uma cultura de sade. De acordo com esta

    declarao o repasse de informao e a promoo do conhecimento constituem valiosos

  • 24

    instrumentos para a participao e mudanas dos estilos de vida nas comunidades (p.46).

    Assim, a carta apresenta como um de seus compromissos aumentar a capacidade que os

    indivduos tem de tomar decises referentes sua vida e assim optar por estilos de vida

    saudveis (BRASIL, 2002).

    De acordo com Stotz e Arajo (2004), os compromissos e estratgias presentes na

    Carta de Bogot so amparados por referenciais behavioristas e responsabilizam o indivduo

    por sua condio de sade, sem nenhum tipo de problematizao. Segundo os autores, a carta

    ao pressupor que as pessoas no tem uma cultura de sade e que precisam se conscientizar

    sobre sua importncia, nega o saber popular e torna-se uma proposta autoritria.

    A Nova Promoo da Sade traz como eixo central o empowerment um termo que,

    embora ainda indefinido e nebuloso, considerado por alguns autores como processo de

    capacitao dos indivduos e comunidades para assumirem maior controle sobre os fatores

    pessoais, scio-econmicos e ambientais que afetam a sade (p.108). Segundo autores desta

    corrente, a educao e disseminao de informao esto relacionadas ao empowerment e so

    fundamentais para tomada de deciso e para a prtica da promoo de sade. Labonte (apud

    SCOLI; NASCIMENTO, 2003) afirma que este conceito/estratgia est relacionado

    mudana do sentimento de impotncia nos indivduos, devido distribuio desigual de poder

    na sociedade. Assim, devolver o poder de deciso para os indivduos seria a base desta

    abordagem da promoo da sade.

    Scoli e Nascimento (2003) trazem que o empowerment deve estar aliado

    participao social, pois a garantia de acesso informao e conhecimento sem ampliao da

    capacidade de controle e mudana pelo indivduo, pode acarretar aumento da ansiedade e do

    sentimento de impotncia. Por isso, segundo os autores, espaos que estimulem e reforcem a

    participao social devem ser priorizados nas aes de promoo da sade.

    O conceito de empowerment engloba noes de diferentes campos do conhecimento, o

    que gera inmeras interpretaes que dificultam sua utilizao. A traduo desta palavra para

    o portugus motivo de controvrsia entre autores. Enquanto alguns preferem us-la em

    ingls, devido inexistncia de um sinnimo fidedigno, outros autores optam pelo uso da

    palavra empoderamento, mesmo que este apresente um significado distinto do termo na

    lngua inglesa (SCOLI; NASCIMENTO, 2003; CARVALHO, 2004).

    Por ser um conceito ainda em construo, h dificuldades para sua utilizao e

    coexistncia de distintas noes sobre seu significado dentro da proposta da Promoo da

    Sade. Dentre estas, est o empowerment psicolgico, que definido como o fortalecimento

    do controle do indivduo sobre a prpria vida, ou seja, ele passa a ser caracterizado como

  • 25

    confiante e independente, com poder sobre si mesmo e que assim, consegue se comportar

    de determinada maneira e influenciar o meio em que vive. De acordo com esta concepo,

    esta conduta no depende da participao do indivduo em aes polticas coletivas. Por ser

    voltada para o mbito individual, ignora o contexto poltico e histrico em que as pessoas

    esto inseridas e no problematiza a origem dos problemas enfrentados. As estratgias

    formuladas com base nesta noo visam ao fortalecimento da auto-estima e da capacidade de

    adaptao ao meio, com destaque para prticas educativas que objetivam a formao de

    conscincia sanitria nas pessoas (CARVALHO, 2004; CARVALHO, 2007).

    Carvalho (2004) aponta que esta noo de empowerment, por no discutir problemas

    estruturais da sociedade, favorece a manuteno do status quo podendo funcionar como um

    mecanismo de regulao social. A ideia de responsabilidade individual embutida neste

    conceito pode servir de justificativa para diminuio de aes e polticas sociais, eximindo os

    governantes de suas obrigaes perante a sociedade.

    As crticas e limitaes deste termo impulsionaram a elaborao de outra abordagem,

    o empowerment comunitrio, que vem como proposta para enfrentamento das determinaes

    sociais e para redistribuio de poder na sociedade. Carvalho (2007) alerta que o poder um

    recurso no-material, que por estar distribudo em nveis diferenciados entre os grupos da

    sociedade, torna-se uma categoria conflituosa. De acordo com esta noo de empowerment,

    essa relao de poder desigual deve ser colocada em questo e isso s possvel atravs da

    discusso e problematizao dos macro e microdeterminantes sociais, que influenciam e

    condicionam a vida das pessoas. O eixo estratgico desta proposta a participao dos

    indivduos nos processos decisrios, com o objetivo de mudana, conquista e garantia dos

    direitos sociais. Com essa participao busca-se o aumento do controle sobre a vida pelos

    indivduos e comunidades, melhoria da qualidade de vida, justia social e eficcia poltica. Os

    autores dessa corrente acreditam que as pessoas devem ser apoiadas para tomarem as decises

    que acham corretas e assim sero capazes de reconfigurar o contexto social no qual vivem, o

    que traz resultados positivos para sua sade.

    De acordo com Stotz e Arajo (2004), o conceito de empowerment introduz o

    paradoxo de que grupos que usufruem o poder possam criar condies para grupos excludos

    socialmente conquistarem o poder. Os autores questionam se pessoas que dispem de poder

    seriam capazes de transferi-lo aos oprimidos e caso isso fosse possvel, contestam como mais

    adequado o uso da categoria participao ao invs de empowerment. Desta forma, a promoo

    da sade atuaria com os movimentos populares nos conflitos da sociedade, descobrindo novas

  • 26

    habilidades e competncias no decorrer da ao coletiva, atravs do processo de

    conscientizao.

    O significado do conceito de Promoo da Sade ainda desconhecido por alguns

    profissionais e segundo Heidmann e colaboradores (2006), existe confuso entre os termos

    promoo e preveno, que so muitas vezes usados como sinnimos nas prticas dos

    servios de sade. Ainda h prevalncia de atividades que objetivam a mudana de

    comportamentos e de estilo de vida, pautados na sade como ausncia de doena. Os autores

    sugerem que os profissionais devem compreender a ampliar sua viso sobre a promoo da

    sade, atuando ativa e criticamente na construo e reformulao desta proposta.

    Problematizam a elaborao de polticas pblicas saudveis, que uma das estratgias da

    Promoo da Sade e trazem que essa elaborao deve ser pautada em uma perspectiva

    complexa, compreendendo a sade como um conceito amplo e entendendo o conceito de

    Estado e seu papel na sociedade. De acordo com estes autores, a sade no pode ser

    compreendida como ausncia de doena, focada no indivduo e na mera mudana de

    comportamentos, sendo necessrio considerar a determinao de diversos fatores nesse

    processo. E completam apontando que a elaborao destas polticas no deve ser uma

    iniciativa apenas do Estado, deve contar com a participao da sociedade civil, setores

    pblicos e privados.

    J Stotz e Arajo (2004) apontam problemas relacionados estruturao e

    embasamento da proposta, principalmente no que est documentado na Carta de Bogot. Os

    autores relatam que o discurso presente no Brasil refere-se ao que foi assinado na Conferncia

    de Ottawa, porm as prticas esto estruturadas com o documento da Conferncia da

    Colmbia, que revestido de autoritarismo, legitimao de aes behavioristas, com

    estratgias de culpabilizao dos indivduos, sem nenhuma problematizao e preconizando

    uma nova cultura de sade para a populao. Por isso, de acordo com os autores, a educao

    em sade ganhou grande destaque nos programas de promoo, com cursos de capacitao e

    treinamentos baseados no modelo tradicional de educao.

    3.3 EDUCAO EM SADE: ENFOQUES EM DISPUTA

    Stotz (1993) relata que o mbito da educao em sade amplo, incluindo mtodos

    para garantir a adeso ao tratamento e para prevenir comportamentos de risco. O autor alerta

    para o descaso da maioria dos profissionais dos servios em relao aos fatores e condies

    (que esto muitas vezes fora da rea da sade) que levam os indivduos a adotarem ou no

  • 27

    esses comportamentos. As situaes injustas, oriundas da sociedade capitalista refletem no

    setor sade, cabendo aos servios dessa rea compensarem as contradies sociais, levando

    legitimao deste modelo econmico.

    Outra considerao deve ser feita ao se analisar as prticas de educao em sade

    ainda vigentes, em que os problemas de sade so reduzidos a uma conceituao

    biopsicolgica e o doente torna-se um desviante da suposta normalidade instituda e passa a

    ser culpabilizado pelo seu sofrimento. Nesta perspectiva, os problemas de sade passam a ser

    considerados apenas no mbito individual e desconsidera-se sua forte relao com a

    determinao social. (STOTZ, 1993)

    Stotz (1993) caracteriza alguns enfoques de educao em sade, que esto em disputa

    no campo terico e mesclados na prtica. O enfoque predominante nas unidades durante anos

    tem sido o preventivo, que considera os comportamentos individuais como fatores de risco

    (dieta, sedentarismo, tabagismo, etc). Este enfoque orientado pelo modelo mdico e

    frequentemente usa o repasse de informaes como metodologia. Percebe-se que este modelo,

    que tradicional, se mantm hegemnico, ditando e impondo comportamentos e hbitos

    considerados mais saudveis. Assim, ao repassar informaes sobre riscos sade ao sujeito,

    a responsabilidade pela sade ou culpa pela doena repassada a este tambm. Este enfoque

    desconsidera a subjetividade do indivduo, suas crenas e valores e tambm os determinantes

    sociais de sade, que requerem aes que no esto ao alcance do indivduo para sua soluo

    (VASCONCELOS, 2001).

    Smeke e Oliveira (2001) trazem que este enfoque de educao em sade cria uma

    nova subordinao, a medida que as pessoas passam a se identificar com essas informaes,

    de maneira individualista. Desta forma, passam a requerer mais medicalizao, maior nmero

    de unidades de pronto-atendimento. Esta forma de se pensar a sade, embasada pelo modelo

    de Histria Natural da Doena ainda muito utilizado, fazendo parte tanto do senso comum,

    como dos profissionais de sade.

    O enfoque da escolha informada tem como princpio a compreenso da situao de

    sade pelo indivduo, atravs da informao dos provveis riscos a que est exposto. Existe a

    preocupao com as crenas e valores das pessoas relacionados sade, com a discusso de

    suas implicaes na vida do indivduo (STOTZ, 1993).

    O enfoque do desenvolvimento pessoal atua com o objetivo de aumentar as

    potencialidades dos indivduos, desenvolvendo habilidades para controlar a vida. Esse modelo

    desconsidera as causas externas que influenciam as condies de vida e sade das pessoas

    (STOTZ, 1993). Embora este enfoque contribua para o fortalecimento da autonomia do

  • 28

    indivduo, secundariza questes de cunho poltico-econmico. Constitui-se ento, como um

    primeiro passo para prticas mais libertadoras a autnomas (VASCONCELOS, 2001).

    Estes dois ltimos enfoques partem do princpio que os indivduos so livres e

    possuem condies para fazerem suas escolhas. Porm, segundo Stotz (1993), a maioria da

    populao de pases como o Brasil, no esto em condies de fazer escolhas informadas.

    Estes enfoques transferem para o indivduo a responsabilidade por problemas, que apresentam

    causas de carter social, relacionadas estrutura da sociedade.

    O enfoque radical vem para superar os enfoques anteriores e parte do pressuposto que

    as condies e a estrutura social so as causas dos problemas de sade e a educao deve ter

    como objetivo facilitar e incentivar as lutas polticas e movimentos reivindicatrios. Atravs

    deste modelo, o indivduo desenvolve conscincia sobre seus limites e possibilidades,

    enquanto sujeito, para promover mudanas polticas, econmicas e sociais. Para isso,

    necessrio o envolvimento do Estado atravs de intervenes legislativas e normativas a fim

    de transformar as condies que geram problemas. Porm, esse modelo desconsidera o

    sofrimento individual, ao priorizar o carter social da enfermidade. Por isso, esta abordagem

    requer a contemplao da dialtica do individual e do coletivo. (STOTZ, 1993). Segundo

    Smeke e Oliveira (2001), para que esse enfoque no passe a ser uma prtica que somente

    convena os indivduos da necessidade de transformaes macrossociais, polticas e

    econmicas, a relao educador/educando deve ser revista, passando a ser pautada em uma

    perspectiva dialgica e participativa.

    O enfoque da educao popular e sade toma como ponto de partida os saberes

    anteriores dos indivduos. (STOTZ, 1993) Parte do princpio de que ensinar no transferir

    conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produo ou a sua construo

    (FREIRE, 2011b, p.24), sendo que o processo educativo passa a ser uma relao de troca e

    dilogo entre educador e educando, possibilitando uma construo compartilhada do

    conhecimento.

    Esta forma de interveno tem como elemento central a problematizao a partir das

    concepes, saberes e representaes sociais da populao, investindo em um indivduo mais

    crtico e questionador, cabendo ao educador em sade facilitar as reflexes do sujeito sobre a

    realidade. Tem como pressuposto a concepo ampliada de sade (oposta ao modelo

    biomdico vigente), considerando os determinantes sociais de sade no entendimento do

    processo sade e doena (BRASIL, 2012; BONETTI, 2014).

  • 29

    A educao popular comeou a se estruturar como referencial poltico-pedaggico na

    dcada de 1950, com princpios motivadores ligados a questes populares e embasados na

    pedagogia desenvolvida por Paulo Freire (BRASIL, 2012).

    Vasconcelos aponta que em 1970, diversos profissionais de sade insatisfeitos com as

    prticas mercantilizadas e fortemente embasadas no modelo biomdico, iniciaram uma

    atuao mais prxima e significativa junto s classes populares, indo at periferias de grandes

    cidades e regies rurais. A reorientao das prticas destes profissionais foi feita atravs da

    interao com movimentos sociais e da convivncia com grupos populares, que possibilitou

    entender as formas e o significado do adoecimento dessas pessoas e trazer novas maneiras de

    enfretamento dos problemas de sade encontrados. Nessas experincias a Educao Popular

    era a metodologia utilizada, se consolidando como um instrumento fundamental, que passou a

    se constituir em outros servios de sade, reorientando prticas, aproximando profissionais de

    sade e comunidade e rompendo com a tradio autoritria da Educao em Sade. . A

    passividade frequente de processos pedaggicos tradicionais deixada de lado e o processo de

    discusso passa a ser horizontal e dialgico (VASCONCELOS, 2001).

    A Educao Popular, em sua origem, apresenta um compromisso com os mais pobres,

    com a emancipao humana. E, mais ainda, um compromisso poltico com as classes

    populares, objetivando melhores condies de vida e sade, luta pela cidadania e pelo

    controle social. A partir da problematizao da realidade, atua como instrumento de crtica,

    evidenciando situaes e grupos que estavam invisveis, favorecendo, assim, a mudana

    social necessria (BONETTI, 2014).

    A educao popular vem como forma de superar o modelo bancrio de educao,

    explicado por Paulo Freire. Constitui-se como uma contraposio s prticas autoritrias e

    normatizadoras presentes na gesto, no cuidado e na educao em sade. Contribui tambm

    para a reflexo sobre a construo de um outro projeto de sociedade, pautado na

    solidariedade, na integralidade e em uma viso de mundo mais humana e coletiva (BONETTI,

    2014).

    Outro ponto importante a ser destacado a hegemonia do modelo biomdico no

    campo da sade. Este modelo continua dominante desde a formao em sade e continua

    sendo um entrave para consolidao de formas de entendimento do processo de sade e

    doena embasadas na concepo ampliada da sade. Assim, modelos pautados em uma

    perspectiva mais integradora e participativa, como a EPS, ficam dispostos em planos

    subjacentes.

  • 30

    Dentro do enfoque da educao popular, surge o termo construo compartilhada do

    conhecimento, que parte de uma crtica cincia tradicional e pautada na experincia

    cotidiana dos indivduos envolvidos. Esta proposta foi desenvolvida pelo Ncleo de

    Educao, Sade e Cidadania da Escola de Sade Pblica, da Fundao Oswaldo Cruz, no

    Rio de Janeiro, no incio da dcada de noventa, com o objetivo de possibilitar maior poder de

    interveno das pessoas nas relaes e processos que influenciam a qualidade de suas vidas.

    um processo de conhecimento desenvolvido a partir da prtica, ao longo de uma vivncia

    (CARVALHO et al., 2001).

    Essa proposta vem como uma alternativa cincia tradicional e tem como objetivos

    compreender as representaes de sade dos indivduos, oferecer subsdios s organizaes

    sociais com relao s suas reivindicaes do setor sade e compreender o papel das

    organizaes locais da sociedade civil na formulao das polticas de sade. Desconstruindo a

    noo de controle e poder que ocorre em alguns servios de sade, essa metodologia

    considera o saber tcnico e o popular nas prticas, propondo uma relao dialtica e um

    processo comunicacional entre mediadores do Estado e classes populares. Esses

    conhecimentos no so hierarquizados e se relacionando a partir de um interesse comum,

    permitindo um enfrentamento coletivo dos problemas. Sujeitos com diferentes saberes

    interagem em um processo comunicacional e pedaggico, objetivando o enfrentamento e

    soluo de questes significativas (CARVALHO et al., 2001; VALLA; GUIMARES;

    LACERDA, 2005).

    Para isso, necessrio atentar para o que as pessoas esto falando e para que sua fala

    seja compreendida necessrio entender suas razes populares, o lugar onde moram e sua

    relao de poder com os grupos dominantes. Isso necessrio, pois, profissionais e populao

    no vivenciam uma experincia da mesma maneira. Essa vivncia influenciada pela

    concepo de mundo de quem a vive (VALLA, 1996).

    3.3.1 A construo do conhecimento em sade

    Para nossa sociedade, a cincia a nica instituio capaz de legitimar o

    conhecimento. A tomada de decises sobre problemas da sociedade tradicionalmente

    amparada nas verdades legitimadas cientificamente por profissionais, tidos como

    intelectuais, que so vistos como autoridades com sabedoria para embasar decises pblicas.

    De encontro a essas necessidades, a Cincia Ps- Normal se prope a ultrapassar e

    complementar a cincia tradicional, em que a mera curiosidade dos especialistas e os

    interesses polticos e do setor privado estabelecem os problemas a serem estudados, de forma

  • 31

    restrita. A Cincia Ps-normal traz que os problemas a serem enfrentados so criados por

    fatos incertos, valores controversos, com apostas elevadas e decises urgentes. Assim, para se

    adequar s novas necessidades, a Cincia Ps-normal prope um novo tipo de prtica que

    integre os saberes cientficos dos especialistas e os saberes dos leigos (pessoas no

    especializadas), que com seus conhecimentos enriquecem e complementam o processo de

    investigao cientfica, estruturando a chamada comunidade ampliada de pares

    (FUNTOWICZ; RAVETZ, 1997).

    Outro conceito de produo do conhecimento identificado por Gibbons (apud

    PELLEGRINI, 2004), denominado socialmente distribudo, que difere em vrios aspectos

    da viso tradicional de produo do conhecimento e se assemelha Cincia Ps-normal. Este

    novo modo desenvolvido atravs da integrao entre diversas instituies, que formam uma

    rede de colaborao atravs das novas tecnologias de informao e comunicao. A agenda de

    pesquisa definida por vrios atores (especialistas, usurios, financiadores) com interesses

    comuns, em espaos de interao chamados contextos de aplicao. Estes espaos so

    cenrios de aprendizagem, conformados por relaes fluidas e regulares e que permitem a

    aproximao dos envolvidos atravs uma prtica comum de abordagem transdisciplinar. Esta

    forma de construo coletiva possui semelhanas com a comunidade ampliada de pares

    proposta pela Cincia Ps-normal. Diferente da perspectiva de produo do conhecimento

    tradicional, o modo socialmente distribudo divulga seus trabalhos por variados meios, a fim

    de que todos os interessados possam ter acesso aos resultados (PELLEGRINI, 2004).

    Oliveira (2000) a partir da leitura de Vaz (1991) aponta que em uma viso crtica

    sobre o processo de construo do conhecimento, h a necessidade de se romper a dicotomia

    conhecedores e ignorantes. Embora ocorra uma disputa entre estas perspectivas, a sociedade

    ainda encontra-se presa viso tradicional, que pautada na transmisso de informaes, em

    que a linguagem considerada um meio. Esta perspectiva compreende a existncia de um

    mundo objetivo e busca verdades que representem este mundo. Estas verdades quando

    reconhecidas como legtimas devem ser acatadas e obedecidas por todos. Nesta perspectiva,

    quem detm conhecimentos e compreende essas verdades possui acesso privilegiado ao

    mundo verdadeiro. Ao contrrio, quem no detm conhecimento, no possui esse acesso.

    Esta dicotomia formada entre conhecedores e ignorantes exerce forte influncia nas relaes

    humanas e polticas. Aos primeiros, cabe a transmisso das informaes. Aos outros cabe a

    obedincia e submisso.

    A viso crtica sobre o processo de construo do conhecimento reconhece e admite a

    legitimidade de diversos conhecimentos e conhecedores, de acordo com sua realidade. A

  • 32

    realidade de cada um, por sua vez, criada a partir da linguagem e das relaes humanas e

    construda a partir das vivncias de cada indivduo. Nesta perspectiva no h controle e

    submisso, mas sim saberes que so compartilhados e assim, potencializam a ao coletiva e

    individual. (OLIVEIRA, 2000).

    O quadro 1, elaborado por Oliveira (2000), a partir da leitura de Vaz (1991), traz uma

    comparao entre estas perspectivas.

    Quadro 1: Comparao entre as perspectivas tradicional e crtica do processo de

    construo do conhecimento

    VISO TRADICIONAL VISO CRTICA

    I Viso de Mundo

    existe um s mundo objetivo que pode ser conhecido atravs da captao de informaes

    e no qual nos comunicamos pela transmisso

    de informaes. Assim, a percepo dos

    indivduos no mundo como habitantes no

    mundo, independe de como ele o descreve

    nossas realidades so criadas por cada um de ns a partir de nossa relao com os outros que habitam

    nosso mundo. Nossas percepes de mundo so to

    variadas quanto nossas formas de descrev-los. A

    realidade que cada sujeito percebe depende de sua

    histria/ experincia de vida

    II. Funo da Linguagem

    A linguagem apenas um meio para a difuso de informaes sobre a verdade e ela, a

    linguagem, que nos permite participar do

    mundo atravs da transmisso e recepo

    (consumo) de informaes

    A linguagem e as explicaes que ela permite construir so fenmenos essencialmente sociais, pois

    dependem das aes consensuais entre dois ou mais

    observadores. A linguagem, portanto, faz parte do

    processo de construo do conhecimento, na medida

    que integrante da explicao da realidade de cada

    sujeito.

    III. Conseqncia prtica

    quem acumula mais informaes sobre a verdade tem mais conhecimento e est mais

    autorizado a transmitir as informaes e de

    tomar decises sobre Ele (o mundo

    verdadeiro). Resta aos indivduos menos

    informados acatar e obedecer aos

    conhecedores.

    admite-se a legitimidade de diversos conhecimentos e conhecedores, de acordo com suas realidade (como

    percebem e descrevem o mundo).

    busca-se incessantemente a verdade, uma s verdade que represente o mundo o mais

    verdadeiramente possvel. Esta verdade deve

    ser acatada e obedecida, levando ao

    estabelecimento de relaes humanas baseadas

    no controle e na submisso

    um grupo de privilegiados que tem acesso s informaes consideradas legitimas para

    representar a verdade acabam por impor suas

    decises e normas utilizando-se de um discurso

    considerado competente.

    busca-se despender esforos no sentido de melhorar as condies de convivncia com outros seres

    humanos, com outros seres vivos e objetos com os

    quais compartilhamos nossa existncia.

    a melhoria das condies de convivncia possibilita o compartilhamento de distintos conhecimentos que

    podem potencializar a ao coletiva e individual.

    Reconhecemos a necessidade de conviver/

    compartilhar para conhecer.

    Elaborado por Oliveira (2000) a partir de Vaz (1991)

  • 33

    Essas formas de transmisso do conhecimento no se restringem aos espaos

    acadmicos e podem ser observadas no campo da educao em sade. Prticas educativas

    pautadas na viso tradicional, com transmisso linear de informaes, prescrio de

    comportamentos, aes de controle e vigilncia so comuns nesse campo. E muitas vezes so

    marcadas pela tradio iluminista, que apenas considera o que tido como racional e no

    valoriza os saberes dos sujeitos, sua realidade e suas vivncias. Ficam restritas a aes de

    conscientizao, sensibilizao e transmisso (OLIVEIRA, 2000).

    A comunidade ampliada de pares, proposta pela perspectiva da cincia Ps-normal,

    pode contribuir para estruturao de prticas de educao em sade transformadoras, que

    requerem no apenas as informaes tcnicas repassadas por profissionais, mas sim dilogo e

    troca de conhecimentos entre os envolvidos para construo de solues para os problemas de

    sade existentes.

    As vises de processos de construo do conhecimento apresentadas contribuem para

    a reflexo das aes de educao em sade, alm de proporem formas de solucionar os atuais

    problemas enfrentados pela sociedade. Abrem oportunidades para a superao das iniquidades

    de sade, j que ampliam a participao e o acesso informao de grupos que at ento

    ficavam s margens dos processos de produo do conhecimento, tornando-os sujeitos da

    tomada de decises de questes de interesse pblico, fortalecendo assim, o processo

    democrtico.

    3.4 PARA ALM DA EDUCAO COMO MERA TRANSMISSO DO

    CONHECIMENTO: ALGUMAS CONTRIBUIES DE JOHN DEWEY, PIERRE

    BOURDIEU E PAULO FREIRE

    Os autores aqui apontados so do campo da educao e da sociologia e seus estudos

    trazem elementos importantes para pensar e analisar o processo de construo do

    conhecimento. Os conceitos e teorias de cada um deles podem contribuir tambm para a

    anlise das atividades de educao em sade, possibilitando a reflexo sobre essas prticas e

    planejamento das mesmas a partir de perspectivas pedaggicas que no consideram e

    educao como mera transmisso de conhecimentos, centram sua abordagem no educando,

    nas suas vivncias e no seu contexto social, considerando a interdependncia entre indivduo e

    sociedade.

    3.4.1 John Dewey: a influncia do meio social

  • 34

    John Dewey (1859-1952) foi um filsofo e educador estadunidense. Escreveu sobre

    lgica, tica poltica, arte e religio, mas ficou famoso por seus estudos sobre educao. No

    sculo XX foi considerado o mais importante pensador da educao nos Estados Unidos

    (MOREIRA, 2002).

    A filosofia da educao de Dewey traz a relao entre indivduo e sociedade, como

    uma importante diferena entre a escola nova e a escola tradicional. O autor busca ampliar a

    ideia de educao e contribuir para elaborao de um modelo pedaggico que no se paute na

    mera transmisso de conhecimentos. Usa como instrumento a noo de hbito (que ser

    explicada a frente), que rompe dicotomias, funcionando como ponto de interseo entre corpo

    e mente, material e simblico, indivduo e sociedade (MOREIRA, 2002).

    A educao uma forma de garantir a continuidade da vida humana. Atravs da

    comunicao de ideias, expectativas, objetivos e opinies entre os indivduos mais experientes

    do grupo e os mais novos, a vida social persiste. Esse processo denominado socializao e

    garante a reproduo e renovao do que j foi acumulado anteriormente. Segundo Dewey,

    esse processo de renovao dos indivduos menos experientes do grupo (ou seja, a educao)

    uma incentivao, um cultivo. Ainda de acordo com o filsofo e pedagogo importante

    compreender o modo como os mais jovens assimilam os conhecimentos dos mais experientes

    (DEWEY, 1959; MOREIRA, 2002).

    Com o desenvolvimento das civilizaes e o acmulo de conhecimentos decorrentes

    do processo de renovao da sociedade, o aprendizado a partir de atividades com os mais

    experientes do grupo torna-se difcil e h a necessidade da criao de instncias de

    socializao para dar continuidade vida social. A partir desta passagem para uma viso mais

    formal da educao vem a preocupao de Dewey, que o isolamento da escola da vida social

    dos alunos. Assim, estabelecer o equilbrio entre vida social e educao e entre formao do

    hbitos e transmisso de conhecimentos um dos desafios para uma nova escola

    (MOREIRA, 2002).

    Analisando as formas pelas quais os conhecimentos dos mais velhos so assimilados

    pelos mais jovens, Dewey considera que o ambiente facilita ou no este processo. A formao

    do indivduo influenciada pelo meio em que est inserido, ou seja, pelas coisas, pessoas e

    relaes estabelecidas. As aes de um indivduo esto relacionadas com a dos outros, o que

    constitui a noo de meio social. Assim, o modo de proceder de cada indivduo, influenciado

    pelo meio, possibilita a adoo de disposies mentais para a ao, o que Dewey denominou

    de hbitos. Mais uma vez surge a importncia de compreender o modo como o meio social

    desenvolve e influencia os mais jovens (DEWEY, 1959; MOREIRA, 2002).

  • 35

    Para Dewey (1959), o meio social cria as atitudes mental e emocional do

    procedimento dos indivduos (p.17) direcionando e estimulando determinadas atividades.

    Assim, o ambiente social exerce funo educativa e formativa mesmo sem inteno. A

    influncia do ambiente social a primeira fase da educao de um indivduo, iniciando-o nos

    costumes e crenas de seu grupo social. Assim, a educao ocorre sempre por intermdio do

    ambiente e, portanto, agir sobre o meio uma forma importante de se influir na educao dos

    jovens do grupo. Cabe escola coordenar as influncias do diferentes meios sociais que os

    indivduos vivem, integrando todos esses sujeitos, vindos de ambientes diferentes.

    3.4.2 Pierre Bourdieu: as noes de habitus e campo

    Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um socilogo francs de grande importncia para a

    Sociologia do sculo XX. Desenvolveu estudos em diferentes campos das Cincias Sociais,

    sendo sua obra sobre Educao de grande relevncia (SILVA, 2008).

    Bourdieu (1989) utiliza a noo de habitus (que se assemelha ao hbito de Dewey),

    retomada do conceito aristotlico de hexis, como forma de superar o estruturalismo, mas sem

    cair na ideia da conscincia e do inconsciente. O habitus o conhecimento adquirido,

    incorporado ao longo do tempo, que influencia as prticas dos sujeitos (BOURDIEU, 1989).

    O habitus tido como uma estrutura estruturante e estruturadora das prticas, ou seja,

    influencia as aes do indivduo. construdo ao longo do tempo, nas diferentes comunidades

    humanas, produzindo prticas individuais e coletivas. Alm de determinar as prticas, a

    interpretao da realidade tambm mediada pelo habitus. Sua formao acontece de forma

    natural e espontnea, no processo de vivncia dos indivduos. O habitus, ento, particulariza

    grupos e classes, diferenciando-os entre si (BOURDIEU, 1989).

    Alm do habitus, as aes dos sujeitos so tambm determinadas pela situao em que

    se encontram. Esta situao denominada em outros trabalhos de Bourdieu como campo, so

    mbitos da vida social, relativamente autnomos entre si. Cada campo possui uma lgica

    particular de funcionamento e estruturao, que surgem atravs de um longo e lento processo

    de especializao e autonomizao. No campo esto presentes os agentes e as instituies que

    fazem parte da vida social. Essa diviso do mundo social em campos feita para se entender

    sua dinmica, para compreender o lugar em que se est e se vive. Esta noo equivale ao

    conceito de meio social elaborado por Dewey e ajuda a entender o contexto dos indivduos

    (BOURDIEU, 1989; MARTINS, 1990).

    Para Bourdieu existem diferentes tipos de capital que se relacionam entre si. Por

    exemplo, o capital econmico, social e cultural. O capital econmico constitudo pelos bens

  • 36

    materiais e servios disponveis ao indivduo; o capital social caracterizado pelas relaes

    sociais, mantidas e transmitidas pela famlia; o capital cultural institucionalizado que se refere

    aos ttulos escolares do indivduo; e o capital cultural em seu estado incorporado, onde entram

    a chamada cultura geral (saberes adquiridos de forma variada e informal), o domnio da

    lngua culta, o gosto e bom-gosto e as informaes sobre o sistema educativo. E em cada

    campo, um tipo de capital predominante. O campo se constitui tambm como um espao de

    luta entre seus agentes decorrentes das relaes de poder existentes em seu interior. Quem

    possui maior volume de determinado capital, ocupa posies dominantes dentro dele. A ao

    ento, origina-se pela relao entre habitus e campo, na relao entre a histria objetivada,

    tal como aparece nas instituies sociais e a histria incorporada sob a forma de disposies

    durveis (MARTINS, 1990, p. 68).

    Para explicar as desigualdades escolares, Bourdieu centra sua discusso na questo da

    herana cultural familiar, ou seja, cada indivduo se caracteriza por componentes sociais

    provenientes de sua famlia, desconsiderando assim, o carter autnomo do sujeito individual

    (NOGUEIRA, 2004).

    Como parte desses componentes esto os capitais j explicados anteriormente. Para o

    autor, o capital cultural seria o componente com maior fora de influncia na explicao das

    desigualdades escolares, pois, sua posse favorece o processo de aprendizagem dos contedos

    e cdigos veiculados pela escola, j que servem como elementos de preparao das aes a

    serem desenvolvidas pelos educadores (NOGUEIRA, 2004).

    Quando o indivduo apresenta capital cultural mais elevado, a escola passa a ser uma

    continuidade de seu mundo familiar e apresenta maior proximidade com as referncias

    culturais e os conhecimentos considerados legtimos (cultura culta). Ao contrrio, quando o

    indivduo desfavorecido de capital cultural, a escola passa a ser um ambiente ameaador,

    estranho e distante de seu mundo familiar. Neste caso, a escola passa a representar a

    imposio de uma cultura exgena, que para esse indivduo significa reconhecer a

    superioridade da cultura dominante, que desvaloriza seus saberes e impe os saberes

    socialmente legitimados. Neste sentido, a ao pedaggica familiar, expressada na forma de

    habitus, estreita a relao do indivduo com a cultura transmitida pelo sistema escolar

    (MARTINS, 1990 NOGUEIRA, 2004).

    A teoria de Bourdieu ressalta a falta de neutralidade da escola, pois as chances e

    oportunidades no so iguais para todos, j que alguns esto em condies mais favorveis

    que outros com relao s exigncias da instituio (NOGUEIRA, 2004).

  • 37

    3.4.3 Paulo Freire: a educao como forma de libertao

    Paulo Freire (1921-1