midnight sun pt
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º Capitulo - À Primeira Vista
Esta era a hora do dia em que eu desejava conseguir dormir. Liceu.
Ou será que a palavra certa era purgatório? Se houvesse uma maneira de
compensar os meus pecados, isto devia contar de alguma forma. O tédio não
era uma coisa com a qual eu me tenha habituado. Cada dia parecia mais
impossivelmente monótono do que o último.
Suponho que esta era a minha forma de dormir - se dormir era definido como
um estado inerte entre períodos activos.
Olhei para as falhas no gesso do tecto do canto mais distante do refeitório,
imaginando padrões dentro deles que não existiam. Era a única maneira de
desligar as vozes que tagarelavam como a corrente de um rio dentro da minha
cabeça.
Várias centenas de vozes que eu ignorava por puro aborrecimento.
Quando se tratava da mente humana, eu já tinha ouvido tudo e mais um pouco.
Hoje, todos os pensamentos estavam a ser consumidos com o drama comum de
uma nova adição ao pequeno corpo estudantil daqui. Não levou muito tempo
para ouvir todos. Tinha visto o rosto a repetir-se de pensamento em
pensamento sob todos os ângulos. Só uma rapariga humana normal. A
excitação pela chegada dela era cansativamente previsível - como um objecto
brilhante para uma criança. Metade do corpo estudantil masculino já se estava a
imaginar apaixonado por ela, só porque ela era algo de novo para se olhar.
Tentei desligá-los ainda mais.
Só existiam quatro vozes que eu bloqueava mais por cortesia do que por
desgosto: a minha família, os meus dois irmãos e duas irmãs, que já estavam
tão habituados à falta de privacidade quando estavam ao pé de mim que já nem
pensavam nisso. Eu dava-lhes toda a privacidade que conseguia. Se pudesse
evitar, não os ouvia.
Eu tentava, mas ainda assim… eu sabia.
A Rosalie estava a pensar, como sempre, nela mesma. Tinha visto o reflexo do
seu perfil no copo de alguém, e estava a meditar sobre a sua própria perfeição.
A mente de Rosalie era uma piscina superficial com poucas surpresas.
O Emmett estava furioso por causa de uma luta que tinha perdido contra Jasper
na noite passada. Ia usar toda a sua limitada paciência para chegar até o fim do
dia de aulas e planear uma vingança. Nunca me senti muito intrusivo a ouvir os
pensamentos de Emmett, porque ele nunca pensava em alguma coisa que não
dissesse em voz alta ou fizesse. Talvez só me sentisse culpado a ler as mentes
dos outros porque sabia que havia coisas que eles não iriam querer que eu
soubesse.
Se a mente de Rosalie era uma piscina superficial, então a de Emmett era uma
lagoa sem sombras, clara como cristal.
E Jasper estava… a sofrer. Segurei um suspiro.
Edward. Alice chamou-me na sua cabeça, e teve a minha atenção
imediatamente. Era exactamente como se ela me estivesse a chamar em voz
alta. Eu estava feliz que o nome que me foi dado tinha saído um bocado de
moda ultimamente. Seria enervante, sempre que alguém pensasse num Edward
qualquer, a minha cabeça virar-se-ia automaticamente…
A minha cabeça não se virou desta vez. A Alice e eu éramos bons nestas
conversas privadas. Era raro quando alguém nos apanhava. Eu mantive os
meus olhos nas linhas do gesso do tecto.
Como é que ele se está a aguentar? - Perguntou-me.
Eu fiz uma careta só com um pequeno movimento da minha boca. Nada que
pudesse alertar os outros. Eu podia estar facilmente a fazer uma careta de
aborrecimento.
O tom mental de Alice estava alarmado agora, eu vi na mente dela que ela
estava a observar o Jasper com a sua visão periférica. Há algum perigo? Ela
procurou, no futuro imediato, vasculhando por visões de monotonia para a fonte
da minha careta. Eu virei a minha cabeça lentamente para a esquerda, como se
estivesse a olhar para os tijolos na parede, suspirei, e depois para a direita, de
volta para as falhas no teto. Só a Alice sabia que eu estava a abanar a minha
cabeça.
Ela relaxou. Avisa-me se piorar.
Mexi apenas os meus olhos, para cima em direcção do tecto, e para baixo outra
vez.
Obrigada por estares a fazer isto.
Eu estava feliz por não ter de lhe responder em voz alta. O que é que ia dizer?
‘O prazer é meu’? Dificilmente era isso. Eu não gostava de ouvir as lutas do
Jasper. Era mesmo necessário fazer experiências como estas? Será que o
caminho mais seguro não seria admitir que ele nunca seria capaz de lidar com a
sede da mesma maneira que nós conseguíamos, e não forçar os seus limites?
Para quê brincar com o desastre?
Já passaram duas semanas desde a nossa última caçada. Isso não era
imensamente difícil para o resto de nós. Ocasionalmente era um bocado
desconfortável - se um humano se aproximasse demais, se o vento soprasse na
direcção errada. Mas os humanos raramente se aproximavam demais. Os
instintos deles diziam-lhes o que as suas mentes conscientes nunca iriam
entender: nós éramos perigosos.
Jasper era muito perigoso neste momento.
Nesse momento, uma rapariga pequena parou na ponta da mesa mais próxima
da nossa, parando para falar com uma amiga. Alisou o cabelo curto, cor de
areia, passando os dedos por ele. Os aquecedores mandaram o cheiro para a
nossa direcção. Eu já estava habituado à maneira como esse cheiro me fazia
sentir - a dor seca na minha garganta, o grito vazio no meu estômago, a
contracção automática dos meus músculos, o excesso do fluxo de veneno na
minha boca…
Tudo isto era muito normal, geralmente fácil de ignorar. Só que era mais difícil
agora, com esses sentimentos mais fortes, duplicados, enquanto acompanhava
a reacção de Jasper. Era uma sede gémea, e não apenas a minha.
O Jasper estava a deixar que a sua imaginação divagasse. Estava a imaginar. A
imaginar-se a levantar do seu lugar ao lado de Alice e sentar-se ao lado da
rapariga. Estava a pensar em inclinar-se para baixo e para a frente, como se
fosse falar ao seu ouvido, e os seus lábios a tocarem o arco da garganta dela.
Estava a imaginar como seria a sensação de sentir o fluxo quente do pulso dela
por baixo de sua pele fina na boca dele…
Dei um pontapé na cadeira dele.
Ele encontrou o meu olhar por um minuto e depois olhou para baixo. Eu
conseguia ouvir a vergonha e a rebeldia a lutar na cabeça dele.
- Desculpa - Jasper murmurou.
Levantei os ombros.
- Não ias fazer nada - Alice murmurou-lhe, acalmando o seu desapontamento. -
Eu vi isso.
Lutei contra a careta que teria denunciado a mentira dela. Nós tínhamos que
permanecer juntos, a Alice e eu. Não era fácil ouvir vozes ou ter visões do
futuro. Duas aberrações no meio daqueles que já eram aberrações. Protegíamos
os segredos um do outro.
- Ajuda um bocado se pensares neles como seres humanos - a Alice sugeriu, a
sua voz alta, musical, era demasiado rápida para os ouvidos humanos
entenderem, se algum deles estivesse perto o suficiente para ouvir. - O nome
dela é Whitney. Tem uma irmãzinha que adora. A mãe dela convidou a Esme
para aquela festa de jardim, lembras-te?
- Eu sei quem ela é - Jasper disse curtamente. Virou-se para olhar por uma das
pequenas janelas que eram colocadas bem em baixo das vigas à volta da
grande sala. O tom dele acabou com a conversa.
Ele tinha que caçar hoje à noite. Era ridículo arriscar-se desta maneira, a tentar
testar a sua força, a tentar construir a sua resistência. O Jasper devia
simplesmente aceitar as suas limitações e lidar com elas. Os seus hábitos
antigos não condiziam com os hábitos que nós escolhemos; ele não devia exigir
tanto de si mesmo desta maneira.
Alice suspirou baixinho e levantou-se, levando o seu tabuleiro de comida - o seu
adereço, isso é que era - com ela e deixando-o sozinho. Ela sabia quando ele já
estava farto dos encorajamentos dela. Apesar de Rosalie e Emmett serem mais
abertos em relação ao seu relacionamento, eram Alice e Jasper que conheciam
cada traço de humor do outro como o seu próprio. Como se conseguissem ler
mentes também - só que só um do outro.
Edward Cullen.
Reacção de reflexo. Virei-me com o som do meu nome a ser chamado, apesar
de não estar a ser chamado, só pensado.
Os meus olhos prenderam-se por uma pequena fracção de segundo com um
grande par de olhos humanos, cor de chocolate num rosto pálido, com formato
de coração. Eu já conhecia o rosto, apesar de nunca o ter visto até este
momento. Ele esteve em quase todas as cabeças humanas hoje. A nova
estudante, Isabella Swan. Filha do chefe de polícia da cidade, trazida para viver
aqui por uma nova situação de custódia. Bella. Ela corrigia toda a gente que
usava o seu nome inteiro…
Desviei o olhar, aborrecido. Levei um segundo para perceber que não tinha sido
ela quem pensou no meu nome.
É claro que ela já se está a apaixonar pelos Cullen, ouvi o primeiro pensamento
continuar.
Agora eu reconhecia a “voz”. Jessica Stanley - já há algum tempo que não me
incomodava com as suas tagarelices internas. Foi um alívio quando ela se curou
da sua paixão deslocada. Era quase impossível escapar dos seus constantes,
ridículos sonhos diurnos. Desejei, naquela altura, poder explicar exactamente o
que teria acontecido se os meus lábios, e os dentes atrás deles, se chegassem
de alguma maneira perto dela. Isso teria silenciado aquelas fantasias
incómodas. Pensar na reacção dela quase me fez sorrir.
Ela nem sequer é bonita. Não sei por que é que o Eric está a olhar tanto para
ela… ou o Mike. Suspirou mentalmente no último nome. A nova paixão dela, o
genericamente popular Mike Newton, era completamente indiferente a ela.
Aparentemente, não era tão indiferente sobre a rapariga nova. Como uma
criança com um objecto brilhante outra vez.
Isso colocou uma pontada maligna nos pensamentos de Jessica, apesar de ser
externamente cordial com a recém-chegada enquanto explicava os
conhecimentos comuns sobre a minha família. A nova estudante devia ter
perguntado sobre nós.
Hoje estão todos a olhar para mim também, a Jessica pensou presumidamente
num aparte. É uma sorte que Bella vá ter duas aulas comigo… aposto que Mike
vai perguntar o que ela…
Tentei bloquear os pensamentos antes que a mesquinharia e a insignificância
me deixassem louco.
- A Jessica Stanley está a dar à nova rapariga Swan todos os podres do clã
Cullen -murmurei para o Emmett como distracção. Ele gargalhou por debaixo do
fôlego. Espero que esteja a fazer isso bem, pensou.
- Na verdade, é muito pouco criativo. Só uma pequena ponta de escândalo.
Nenhum mexerico horroroso. Estou um bocado desapontado.
E a rapariga nova? Também está desapontada com os mexericos?
Tentei ouvir o que essa rapariga nova, Bella, estava a pensar das histórias de
Jessica. O que é que ela via quando olhava para a estranha família de pele
pálida que era universalmente evitada?
Era mais ou menos a minha obrigação saber a reacção dela. Eu era como um
espião, por falta de uma palavra melhor, para a minha família. Para nos
proteger. Se alguém começasse a suspeitar, eu podia dar-nos a oportunidade
de ter um aviso prévio para nos retirarmos facilmente. Isso acontecia
ocasionalmente - algum humano com uma mente activa via-nos como
personagens de um livro ou um filme. Geralmente entendiam tudo mal, mas era
melhor mudarmo-nos para algum sítio novo do que arriscarmos o escrutínio.
Muito, muito raramente, alguém adivinhava correctamente.
Nós não lhes dávamos oportunidade de testar as suas hipóteses. Simplesmente
desaparecíamos, para nos tornarmos nada mais do que uma memória
assustadora…
Não ouvi nada, apesar de conseguir ouvir onde a tagarelice frívola de Jessica
continuava ali perto. Era como se não houvesse ninguém sentado ao lado dela.
Que estranho, será que a rapariga nova tinha ido embora? Não parecia
provável, já que Jessica continuava a mexericar com ela. Olhei para cima para
verificar, sentindo-me meio estranho. Verificar o que os meus “ouvidos” extras
me podiam dizer não era uma coisa que eu tinha que fazer.
Outra vez, os meus olhos prenderam-se naqueles mesmos grandes olhos
castanhos.
Ela estava sentada exactamente como antes, olhando para nós, uma coisa
natural a fazer-se, acho, já que a Jessica ainda estava a espalhar as fofocas
locais sobre os Cullen.
Pensar em nós também seria natural.
Mas eu não ouvia nem sequer um sussurro. Um quente e convidativo vermelho
deu cor às suas bochechas quando ela olhou para baixo, desviando o olhar da
embaraçosa situação de ser apanhada a encarar um estranho. Era bom que
Jasper ainda estivesse a olhar para a janela. Eu não gostava de imaginar o que
aquele simples agrupamento de sangue faria com o seu controle.
As emoções estavam tão claras como se tivessem sido escritas na testa dela:
surpresa, enquanto ela, sem saber, absorvia as diferenças entre a espécie dela
e a minha; curiosidade, enquanto ouvia as explicações de Jessica; e algo mais…
fascínio? Não seria a primeira vez. Nós éramos lindos para eles, a nossa presa.
E depois, finalmente, vergonha, quando a apanhei a olhar para mim.
E, mesmo assim, apesar de os seus pensamentos serem tão claros através dos
seus olhos estranhos - estranhos por causa da profundidade deles; os olhos
castanhos normalmente pareciam vazios na sua escuridão - não conseguia ouvir
nada além do silêncio vindo do lugar onde ela estava sentada. Absolutamente
nada.
Senti um momento desconfortável.
Isto não era uma coisa pela qual eu já tinha passado antes. Havia algo de
errado comigo? Sentia-me exactamente da mesma maneira que me sentia
sempre. Preocupado, tentei ouvir melhor.
Todas as vozes que estive a bloquear, passaram a gritar na minha cabeça de
repente.
…pergunto-me de que música é que ela gosta… talvez eu possa mencionar
aquele CD novo…, Mike Newton estava a pensar, a duas mesas de distância -
fixado em Bella Swan.
Vejam-no só a olhar para ela! Será que já não é suficiente que tenha metade
das miúdas da escola caídas por ele? Eric Yorkie estava a ter pensamentos de
mágoa, também girando à volta da rapariga.
…tão nojento. Quase que dava para pensar que ela é famosa ou alguma coisa
assim… Até o Edward CULLEN está a olhar! A Lauren Mallory estava com tantos
ciúmes que a cara dela devia estar com uma cor verde como a de jade. E
Jessica, a ostentar a sua nova melhor amiga. Que piada…, a rapariga continuou
a soltar veneno com os pensamentos.
…Aposto que toda a gente já deve ter-lhe perguntado isso. Mas eu gostava de
falar com ela. Vou pensar numa uma pergunta mais original…, Ashley Dowling
meditou.
…Talvez esteja na minha aula de Espanhol…, June Richardson desejou.
…Tenho toneladas de coisas para fazer essa noite! Trigonometria e o teste de
inglês. Espero que a minha mãe… Angela Weber, uma rapariga tímida, cujos
pensamentos eram anormalmente gentis, era a única na mesa que não estava
obcecada com aquela Bella.
Conseguia ouvi-los a todos, ouvir cada coisinha insignificante que eles
pensavam enquanto os pensamentos passavam nas suas mentes. Mas
absolutamente nada vinha da nova estudante com olhos enganosamente
comunicativos.
E, é claro, eu conseguia ouvir o que a rapariga dizia quando falava com Jessica.
Eu não precisava ouvir os pensamentos para ouvir sua voz baixa, clara, no outro
lado da sala.
- Qual deles é o rapaz com cabelo castanho arruivado? – Ouvi-a a perguntar,
enquanto dava uma olhadela pelo canto dos olhos, mas desviou rapidamente
quando viu que eu ainda estava a olhar para ela.
Se eu tivesse que esperar que o som da voz dela me pudesse ajudar a conectar
aos seus pensamentos, que estavam perdidos em algum lugar onde eu não
podia chegar, ficaria instantaneamente desapontado. Geralmente, os
pensamentos das pessoas vinham acompanhados por um grupo de frases que
diziam completamente o contrário nas suas vozes físicas. Mas aquela voz baixa,
tímida, não era familiar, não era nenhuma das centenas de vozes que rodeavam
a sala, eu tinha a certeza disso. Ela era inteiramente nova.
Oh, boa sorte, idiota! A Jessica pensou antes de responder à pergunta dela.
- É o Edward. É lindo, como é evidente, mas não percas tempo. Ele não sai com
raparigas. Pelos vistos, nenhuma das raparigas daqui é suficientemente
atraente para ele – Torceu o nariz como se a fungar.
Virei a minha cabeça para esconder um sorriso. A Jessica e as suas amigas não
tinham a mínima ideia da sorte que tinham por nenhuma delas ser
particularmente apelativa para mim.
Por baixo do humor passageiro, senti um estranho impulso, um que não
entendia claramente. Tinha alguma coisa a ver com os pensamentos maldosos
de Jessica, dos quais a rapariga nova não fazia ideia… Senti uma estranha
urgência de me meter entre elas, para proteger aquela Bella Swan dos
trabalhos obscuros da mente de Jessica. Que coisa estranha para se sentir. A
tentar entender as motivações por trás desse impulso, examinei a rapariga nova
mais uma vez. Talvez fosse algum instinto de protecção que estava há muito
tempo enterrado - o mais forte pelo mais fraco. Esta rapariga parecia mais frágil
do que as suas novas colegas de turma. A pele dela era tão translúcida que era
difícil de acreditar que ela oferecia tanta resistência ao mundo exterior.
Conseguia ver o ritmo da pulsação do sangue através das veias dela, debaixo
da sua membrana clara, pálida…Mas não me ia concentrar nisso. Eu era bom
nesta vida que tinha escolhido, mas eu estava com tanta sede quanto o Jasper,
e era melhor não convidar a tentação.
Havia uma fraca linha de preocupação entre as suas sobrancelhas da qual ela
não parecia aperceber-se.
Isto era inacreditavelmente frustrante! Eu conseguia ver claramente que ela
estava tensa por ter que se sentar ali, ter que conversar com estranhos, ser o
centro das atenções.
Conseguia sentir a sua timidez pela maneira como segurava os seus ombros de
aparência frágil, levemente encolhidos, como se estivesse à espera de ser
empurrada a qualquer momento. E, mesmo assim, eu só podia sentir, só podia
ver, só podia imaginar. Não havia nada sem ser silêncio vindo daquela rapariga
humana muito normal.
Eu não conseguia ouvir nada. Porquê?
- Vamos? - A Rosalie murmurou, interrompendo a minha concentração. Desviei
o olhar da rapariga com uma sensação de alívio. Não queria continuar a falhar
naquilo - isso irritava-me. Eu não queria desenvolver nenhuma espécie de
interesse especial pelos seus pensamentos simplesmente porque estavam
escondidos de mim. Sem dúvida, quando eu conseguisse decifrar os seus
pensamentos - e eu ia encontrar uma forma de fazer isso - eles iam ser
exactamente tão insignificantes e banais quanto os pensamentos de qualquer
humano. Não iam valer o esforço que eu faria para os alcançar.
- Então, a novata já está com medo de nós? - O Emmett perguntou, ainda à
espera da resposta à pergunta anterior.
Encolhi os ombros. Ele não estava interessado o suficiente para me pressionar
por mais informações. E eu também não devia estar interessado.
Levantámo-nos da mesa e saímos do refeitório.
Emmett, Rosalie e Jasper estavam a fingir estar no último ano; foram para as
aulas deles. Eu estava a fingir ser mais novo que eles. Fui para a minha aula de
Biologia do nível médio, preparando a minha mente para o tédio. Era pouco
provável que o Sr. Banner, um homem com uma inteligência não mais que
comum, pudesse dizer na sua aula alguma coisa que pudesse surpreender
alguém que já tinha dois níveis de graduação em medicina.
Na sala de aula, sentei-me na minha cadeira e deixei os livros - adereços de
novo; eles não tinham nada que eu já não soubesse - espalhados pela mesa. Eu
era o único aluno que tinha uma mesa só para si. Os humanos não eram
espertos o suficiente para saber que tinham medo de mim, mas os seus
instintos de sobrevivência eram suficientes para mantê-los afastados de mim.
A sala foi-se enchendo lentamente enquanto eles voltavam do almoço. Inclinei-
me na minha cadeira e esperei que o tempo passasse. Outra vez, desejei ser
capaz de dormir.
Como eu estava a pensar nela, quando Angela Weber acompanhou a rapariga
nova pela porta, o nome dela chamou a minha atenção.
A Bella parece ser tão tímida quanto eu. Aposto que hoje foi muito difícil para
ela. Eu queria poder dizer alguma coisa… Mas provavelmente só ia parecer uma
estúpida…
Boa! Mike Newton virou-se na sua cadeira para observar a entrada da rapariga.
Ainda, do lugar onde Bella estava, nada. O espaço vazio onde os pensamentos
dela deviam estar deixou-me irritado e enervado.
Ela aproximou-se, passando pelo corredor ao meu lado para chegar à mesa do
professor.
Pobre rapariga; o lugar ao meu lado era o único que estava vazio.
Automaticamente, limpei aquele que seria o lado dela da mesa, colocando os
meus livros numa pilha. Duvidava que ela se fosse sentir muito confortável aqui.
Ia ter que aguentar um longo período - nesta aula, pelo menos. Talvez, no
entanto, se ela se sentasse ao meu lado, eu fosse capaz de desvendar os seus
segredos… não que alguma vez tivesse precisado de tanta proximidade… não
que eu fosse encontrar alguma coisa que valesse a pena ouvir…
Bella Swan caminhou para o fluxo do ar aquecido que soprava na minha
direcção do aquecedor.
O cheiro dela atingiu-me como uma bola, como um bastão de basebol. Não
existe nenhuma imagem violenta o suficiente para explicar a força do que
aconteceu comigo naquele momento.
Naquele instante, eu não era nada nem perto do humano que um dia fui,
nenhum traço da humanidade na qual eu me tentei esconder.
Eu era um predador. E ela era a minha presa. Não havia mais nada neste
mundo sem ser essa verdade.
Não havia uma sala cheia de testemunhas - na minha cabeça eles já eram
danos colaterais. Já tinha passado o mistério dos pensamentos dela. Os
pensamentos dela não significavam nada, ela não ia passar muito mais tempo a
pensar.
Eu era um vampiro e ela tinha o sangue mais doce que eu já tinha cheirado em
oitenta anos.
Nunca imaginei que um cheiro assim pudesse existir. Se eu soubesse que
existia, já tinha saído à procura há muito tempo. Eu teria vasculhado o planeta
por ela. Conseguia imaginar o sabor…
A sede queimou-me garganta como fogo. A minha boca estava torrada e
desidratada. O fluxo fresco de veneno não fez nada para afastar essa sensação.
O meu estômago revirou-se com fome que era um eco da sede. Os meus
músculos contraíram-se para atacar.
Nem tinha passado um segundo. Ela ainda estava no mesmo passo que a tinha
colocado no vento na minha direcção.
Enquanto os pés dela tocavam o chão, os seus olhos deslizaram na minha
direcção. Um movimento que ela claramente estava à espera que fosse rápido.
O olhar dela encontrou o meu, e eu vi-me reflectido no grande espelho dos seus
olhos.
O choque do rosto que eu vi salvou-lhe a vida por alguns momentos. Ela não
facilitou as coisas. Quando viu a minha expressão, o sangue apareceu-lhe nas
bochechas de novo, deixando a pele dela com a cor mais deliciosa que eu já
tinha visto. O cheiro era um grosso nevoeiro no meu cérebro. Eu mal conseguia
pensar através dele.
Os meus pensamentos enfureceram-se, resistindo ao controle, incoerentes.
Agora ela caminhava mais depressa, como se tivesse percebido que precisava
de escapar. A pressa dela deixou-a desastrada - tropeçou e inclinou-se para a
frente, caindo quase em cima da rapariga que se sentava à minha frente.
Vulnerável, fraca. Até mais que o normal para um humano.
Tentei-me concentrar no rosto que tinha visto nos olhos dela, um rosto que eu
reconhecia com nojo. O rosto do monstro em mim - o rosto que eu tinha
afastado com décadas de esforço e disciplina inflexível. Como ele tinha voltado
à superfície com tanta facilidade agora!
O cheiro invadiu-me novamente, ferindo-me os pensamentos e quase me fez
saltar do meu lugar.
Não.
A minha mão agarrou-se à borda da mesa enquanto eu me tentava segurar à
cadeira.
A madeira não estava à altura disso. A minha mão partiu-a e afastou-se cheia
de restos de fuligem, deixando a marca dos meus dedos cravadas na madeira
que restou.
Destruir as provas. Essa era a regra fundamental.
Rapidamente pulverizei os limites da mesa com as pontas dos dedos, sem
deixar nada além de um buraco e uma pilha de fuligem no chão, que limpei com
o meu pé.
Destruir as provas. Estragos colaterais…
Eu sabia o que tinha que acontecer agora. A rapariga ia ter que se vir se sentar
ao meu lado, e eu ia ter que matá-la.
Os inocentes espectadores na sala, outras dezoito crianças e um homem, já não
podiam ter permissão para sair daquela sala, assim que vissem o que iam ver
em breve.
Fiquei rígido com o pensamento do que planeava fazer. Mesmo nos meus piores
dias, nunca tinha cometido este tipo de atrocidade. Nunca matei inocentes em
nenhuma destas oito décadas. E agora planeava matar vinte de uma só vez.
O rosto do monstro no espelho gozou comigo.
Mesmo que uma parte de mim se afastasse desse monstro, a outra parte estava
a fazer planos.
Se eu matasse a rapariga primeiro, só teria uns quinze ou vinte segundos com
ela antes que os outros humanos na sala começassem a reagir. Talvez um
pouco mais de tempo, se eles não percebessem logo no início o que eu estava a
fazer. Ela não teria tempo de gritar ou de sentir dor; eu não ia matá-la
cruelmente. Pelo menos podia dar-lhe isso. Uma morte rápida àquela estranha
com sangue horrivelmente desejável.
Mas depois eu iria ter que impedi-los de fugir. Não ia precisar de me preocupar
com as janelas, elas eram altas e demasiado pequenas para servir como
escapatória para alguém. Só a porta – bloqueio-a e eles ficarão presos.
Ia ser mais lento e difícil se tentasse matá-los a todos quando estivessem em
pânico e a misturarem-se, movimentarem-se no caos. Nada impossível, mas iria
haver muito mais barulho. Ia dar tempo para muitos gritos. Alguém poderia
ouvir… e eu seria obrigado a matar ainda mais inocentes naquela hora negra.
E o sangue dela iria arrefecer enquanto eu estivesse a assassinar os outros.
O cheiro castigou-me, fechando a minha garganta com uma dor seca…
Então seriam as testemunhas primeiro.
Planeei tudo na minha cabeça. Estaria no meio da sala, na fila mais afastada do
fundo. Ia tratar do lado direito primeiro. Podia morder quatro ou cinco pescoços
por segundo, fiz uma estimativa. Não seria barulhento. O lado direito seria o
lado de sorte; eles não me iam ver a chegar. Levar-me-ia, no máximo, cinco
segundos a acabar com todas as vidas nesta sala.
Tempo o suficiente para Bella Swan ver, num instante, o que se estava a
preparar para ela. Tempo o suficiente para ela sentir medo. Tempo suficiente,
talvez, se o choque não a congelasse no lugar, para ela tentar gritar. O gritinho
suave não faria ninguém aparecer a correr.
Respirei fundo, e o cheiro era como um fogo a correr nas minhas veias secas,
queimando por dentro do meu peito para consumir qualquer impulso de
bondade do qual eu ainda fosse capaz.
Ela estava a virar-se agora. Dentro de alguns segundos, ela ia sentar-se a
apenas alguns centímetros de mim.
O monstro na minha cabeça sorriu com a antecipação.
Alguém fechou uma pasta ao meu lado. Eu não me virei para ver qual dos
humanos predestinados tinha feito isso, mas o movimento mandou uma onda
de vento sem cheiro na minha direcção.
Por um curto segundo, fui capaz de pensar com clareza. Naquele precioso
segundo, eu vi dois rostos na minha cabeça, lado a lado.
Um era o meu, ou o que foi um dia: o monstro de olhos vermelhos que já tinha
morto tantas pessoas que já tinha parado de contar o número. Assassinatos
racionalizados, justificados. Um assassino de assassinos, um assassino de
outros monstros, menos poderosos. Era um complexo de ser Deus, eu sabia
disso - decidir quem merecia uma sentença de morte. Era um compromisso
comigo mesmo. Eu tinha-me alimentado de sangue humano, mas apenas
humanos na sua definição mais fraca. As minhas vítimas eram, nos seus
violentos dias negros, tão humanos quanto eu era.
O outro rosto era o de Carlisle.
Não havia nenhuma semelhança entre os dois rostos.
Eles eram como o dia mais claro e a noite mais escura. Não havia motivo para
que houvesse uma semelhança. Carlisle não era meu pai no sentido biológico
básico. Nós não tínhamos feições semelhantes. A similaridade na nossa cor era
apenas por causa do que éramos; todos os vampiros tinham a mesma cor pálida
como gelo. A similaridade da cor dos nossos olhos era outra coisa - uma
reflexão da nossa escolha mútua.
E, mesmo assim, apesar de não haver bases para uma semelhança, eu tinha
imaginado que o meu rosto tinha começado a reflectir o dele, até um certo
ponto, nos últimos estranhos setenta anos em que eu abracei a escolha dele e
segui os seus passos. O meu rosto não tinha mudado, mas para mim parecia
que alguma da sabedoria dela havia marcado a minha expressão, que um pouco
da compaixão dele podia ser traçada nos contornos da minha boca, e que as
suas sugestões de paciência estavam evidentes nas minhas sobrancelhas.
Todas essas pequenas melhorias estavam escondidas no rosto do monstro.
Daqui a alguns instantes, não ia haver mais nada que pudesse reflectir os anos
que eu tinha passado com o meu criador, o meu mentor, o meu pai em todas as
formas que se podia contar.
Os meus olhos iam ficar a brilhar vermelhos como os do diabo; todas as
semelhanças estariam perdidas para sempre.
Na minha cabeça, os olhos bondosos de Carlisle não me julgavam. Eu sabia que
ele me perdoaria por este terrível acto que eu ia cometer. Porque ele me
amava. Porque ele pensava que eu era melhor do que eu era na verdade. E ele
ia continuar a amar-me, mesmo agora, quando eu provasse que ele estava
errado.
Bella Swan sentou-se ao meu lado, os seus movimentos eram rígidos e
estranhos - com medo? -, E o cheiro do sangue dela criou uma inexorável
nuvem ao meu redor.
Eu ia provar que meu pai estava errado sobre mim. A tristeza desse facto doía
quase tanto como o fogo na minha garganta.
Eu afastei-me dela com repulsa - revoltado com o monstro a implorar para
atacá-la.
Por que é que ela tinha que vir para aqui? Por que é que ela tinha que existir?
Por que é que ela tinha que acabar com o pouco de paz que eu tinha nesta
minha não vida? Por que esta humana tinha que ter nascido? Ela ia arruinar-me.
Desviei a minha cara para longe dela, enquanto uma súbita fúria, um
aborrecimento irracional passou por mim.
Quem é que era esta criatura? Porquê eu, porquê agora? Por que é que eu tinha
que perder tudo só porque ela escolheu aparecer nesta cidade improvável?
Por que é que ela tinha que vir para cá?!
Eu não queria ser o monstro! Eu não queria matar esta sala cheia de crianças
indefesas! Eu não queria perder tudo o que tinha conseguido com uma vida
inteira de sacrifícios e negações!
Eu não ia fazer isso. Ela não me ia obrigar.
O cheiro era o problema, o cheiro odiosamente apelativo do sangue dela. Se
houvesse alguma forma de resistir… se apenas um sopro de ar fresco pudesse
limpar a minha cabeça.
A Bella Swan balançou os seus longos, grossos cabelos castanhos na minha
direcção.
Ela era louca?! Era como se estivesse a encorajar o monstro! Incentivando-o.
Não havia nenhuma brisa amigável para afastar o cheiro de mim agora. Ia estar
tudo perdido em breve.
Não, não havia nenhuma brisa amigável. Mas eu não precisava de respirar.
Parei o fluxo de ar para os meus pulmões; o alívio foi instantâneo, mas
incompleto.
Eu ainda tinha na memória o cheiro, o gosto no fundo da minha língua. Não ia
ser capaz de resistir por muito mais tempo. Mas talvez conseguisse resistir por
uma hora. Uma hora. Só o tempo suficiente para sair desta sala cheia de
vítimas, vítimas que talvez não precisassem de ser vítimas. Se eu pudesse
resistir durante uma curta hora.
Ficar sem respirar era uma sensação desconfortável. O meu corpo não
precisava de oxigénio, mas isso ia contra os meus instintos. Eu aproveitava-me
daquele sentido muito mais do que qualquer outro quando estava stressado.
Guiava-me nas caças, era o primeiro avisar-me em casos de perigo.
Não me cruzava com alguma coisa tão perigosa como eu com frequência, mas a
auto-preservação era tão forte na minha espécie quanto nos humanos.
Desconfortável, mas suportável. Mais suportável do que sentir o cheiro dela e
não cravar os meus dentes naquela pele bonita, fina, transparente… até ao
quente, molhado, sangue?
Uma hora! Só uma hora. Não vou pensar no cheiro, no gosto.
A rapariga silenciosa manteve o cabelo dela entre nós, inclinando-se para a
frente até que ele se espalhou no caderno dela. Não conseguia ver o rosto dela
para tentar ler as emoções dela através de seus olhos claros, profundos. Era por
isso que ela estava a deixar aquele cabelo entre nós? Para esconder os olhos de
mim? Por medo? Timidez? Para esconder os seus segredos de mim?
A minha antiga irritação por ser incapacitado pelos seus pensamentos sem som
era fraca e pálida em comparação à necessidade - e ao ódio - que me possuía
agora. Eu odiava esta mulher, criança ao meu lado, odiava-a com todas as
forças. Odiava-a, odiava o que ela me fazia sentir - e isso ajudou um pouco.
Agarrei-me a qualquer emoção que me distraísse do pensamento de qual seria
o gosto dela…
Ódio e irritação. Impaciência. Será que aquela hora nunca mais ia passar? E
quando passasse… Então ela ia sair desta sala. E eu ia fazer o quê?
Eu podia apresentar-me. Olá, meu nome é Edward Cullen. Posso acompanhar-te
até a tua próxima aula?
Ela iria dizer que sim. Era a coisa mais educada a fazer-se. Mesmo a sentir
medo de mim, como eu suspeitava que ela já sentia, ela iria acompanhar-me
convencionalmente e caminhar ao meu lado. Seria fácil o suficiente guiá-la na
direcção errada.
Havia um pedaço da floresta que me parecia bastante útil agora. Podia dizer-lhe
que me tinha esquecido de um livro no carro…
Será que alguém ia reparar que eu fui a última pessoa com quem ela tinha sido
vista?
Estava a chover, como sempre. Dois casacos escuros para a chuva a moverem-
se na direcção errada não iam chamar muita atenção, nem me denunciariam.
A não ser pelo fato de eu não ser o único estudante que estava consciente dela
hoje - apesar de nenhum estar tão devastadoramente consciente dela quanto
eu. Mike Newton, em particular, estava atento a cada movimento que ela fazia a
mexer-se na cadeira - ela estava desconfortável ao meu lado, assim como
qualquer um estaria, assim como eu já esperava antes que o cheiro dela
destruísse todos os traços de preocupação por caridade. Mike Newton iria
reparar se ela deixasse a sala comigo.
Se conseguisse aguentar uma hora, será que conseguia aguentar duas? Encolhi-
me com a dor ardente que sentia na garganta.
Ela ia para uma casa vazia. O chefe de polícia Swan trabalhava o dia inteiro. Eu
conhecia a casa dele, assim como conhecia todas as casinhas da cidade. A casa
dele ficava acima da encosta da floresta, sem vizinhos próximos. Mesmo se ela
tivesse tempo para gritar, e não teria, não ia haver ninguém por perto para
ouvir.
Essa era a forma mais responsável de lidar com isto. Eu tinha aguentado sete
décadas sem sangue humano. Se eu sustivesse a respiração, conseguia
aguentar duas horas. E quando a encontrasse sozinha, não ia haver
oportunidades de mais alguém se magoar. E não há motivo para apressar a
experiência, o monstro na minha cabeça concordou.
Estava-me a enganar ao pensar que, se salvasse os dezanove humanos desta
sala com esforço e paciência, seria menos monstro quando matasse aquela
rapariga inocente.
Apesar de odiá-la, eu sabia que o meu ódio era injusto. Sabia que quem
realmente odiava era eu mesmo. Ia odiar-nos aos dois ainda mais quando ela
estivesse morta.
Consegui passar a hora desta maneira - a imaginar as melhores formas de
matá-la.
Tentei evitar pensar no acto de verdade. Isso ia ser demais para mim; ia acabar
por perder esta batalha e matar toda a gente que visse. Então planeei a
estratégia e nada mais.
Isso ajudou-me a passar a hora.
Uma vez, quase no fim, ela olhou para mim pela parede dos seus cabelos.
Conseguia sentir o ódio injustificado a queimar-me quando olhei para os olhos
dela - vi o meu reflexo nos seus olhos assustados. O sangue pintou as suas
bochechas antes que ela conseguisse esconder-se outra vez nos seus cabelos, e
eu quase que me desfiz.
Mas a campainha tocou. Salva pela campainha - que cliché. Nós os dois
estávamos salvos. Ela, salva da sua morte. Eu, salvo por um curto período de
tempo de ser a criatura de pesadelos que eu temia e não suportava.
Não consegui caminhar tão devagar quanto devia quando saí da sala. Se
alguém estivesse a olhar para mim, podia ter suspeitado que estava alguma
coisa mal na maneira como eu me movia. Ninguém estava a prestar-me
atenção. Todos os pensamentos humanos ainda rondavam a rapariga que
estava condenada a morrer em pouco mais de uma hora.
Escondi-me no meu carro.
Não gostava de pensar em mim mesmo a ter que me esconder. Isso soava
muito cobarde. Mas esse era inquestionavelmente o caso agora.
Eu não estava suficientemente disciplinado para ficar perto de humanos agora.
Concentrar-me tanto em não matar um deles tinha acabado com todos os meus
recursos para resistir a matar os outros. Que desperdício isso seria. Se eu tinha
que dar o braço a torcer para o monstro, podia pelo menos fazer o desafio valer
a pena.
Pus o CD de música que normalmente me acalmava, mas fez pouco por mim
agora. Não, o que mais ajudou agora foi o ar frio, molhado, limpo que entrava
com a chuva pelas minhas janelas abertas. Apesar de me conseguir lembrar do
cheiro do sangue de Bella Swan com perfeita clareza, inalar o ar limpo era como
lavar o interior do meu corpo contra as infecções.
Estava são de novo. Conseguia pensar de novo. E conseguia lutar de novo. E eu
podia lutar contra o que eu não queria ser.
Eu não tinha que ir até casa dela. Eu não queria matá-la.
Obviamente, eu era uma criatura racional, uma criatura que pensava, e eu tinha
uma escolha. Havia sempre uma escolha.
Não era isso que parecia na sala de aula… mas agora eu estava longe dela.
Talvez, se eu a evitasse muito, muito cuidadosamente, não houvesse motivos
para a minha vida mudar. Eu tinha as coisas sob controlo da maneira como elas
eram agora. Porque é que eu devia deixar alguém agravante e delicioso arruinar
isso? Eu não tinha que desapontar o meu pai. Eu não tinha que causar stress à
minha mãe, preocupação… dor. Sim, isso ia magoar a minha mãe adoptiva
também. E Esme era tão gentil, tão delicada e suave. Causar dor a alguém
como Esme era verdadeiramente imperdoável.
Era irónico que eu tivesse tido vontade de proteger aquela rapariga da ameaça
desprezível, sem dentes, dos pensamentos de Jessica Stanley. Eu era a última
pessoa que iria querer servir de protector de Isabella Swan. Ela jamais
precisaria de protecção de mais alguma coisa que não fosse eu.
Onde estava a Alice? Perguntei-me de repente. Ela não me tinha visto a matar a
rapariga Swan de alguma maneira? Porque é que ela não apareceu para ajudar -
para me parar ou para me ajudar a limpar as provas, o que quer que fosse?
Será que ela estava tão preocupada em livrar Jasper de problemas que ela tinha
deixado passar aquela possibilidade muito mais horrorosa? Será que eu era
mais forte do que eu pensava? Será que eu realmente não teria feito nada com
a rapariga?
Não. Eu sabia que isso não era verdade. A Alice deve estar a concentrar-se
bastante no Jasper.
Procurei na direcção em que eu sabia que ela estava, no pequeno edifício que
era usado para as aulas de inglês. Não me levou muito tempo localizar a sua
“voz” familiar. E eu estava certo. Todos os seus pensamentos estavam voltados
para o Jasper, a ver todas as suas pequenas escolhas a cada minuto.
Desejei poder pedir-lhe os seus conselhos, mas, ao mesmo tempo, estava feliz
que ela não soubesse do que eu era capaz. Que ela não soubesse do massacre
que eu tinha planeado na hora anterior.
Senti um novo ardor pelo meu corpo - o da vergonha. Eu não queria que
nenhum deles soubesse.
Se eu pudesse evitar a Bella Swan, se eu conseguisse não a matar - mesmo
enquanto eu pensava nisso, o monstro trincava e rangia os dentes, cheio de
frustração - então ninguém teria que saber. Se eu pudesse manter distância do
cheiro dela…
Não havia razão para que eu não tentasse, pelo menos. Fazer uma boa escolha.
Tentar ser o que Carlisle pensava que eu era.
A última hora de escola já estava quase acabada. Decidi começar a colocar o
meu novo plano em acção imediatamente. Era melhor do que ficar sentado no
estacionamento, onde ela poderia passar a qualquer minuto e arruinar a minha
tentativa. De novo, eu senti o ódio injusto por aquela rapariga. Eu odiava que
ela tivesse aquele poder inconsciente sobre mim. Que ela conseguisse fazer-me
ser algo que eu repugnava.
Caminhei rapidamente - um pouco rapidamente demais, mas não havia
testemunhas - através do pequeno átrio até a secretaria. Não havia razão para
Bella Swan cruzar o meu caminho. Ela seria evitada como a praga que ela era.
A secretaria estava vazia, com excepção da secretária, a única que eu queria
ver.
Ela não reparou na minha entrada silenciosa.
- Sra. Cope?
A mulher com o cabelo vermelho pouco natural olhou para cima e os olhos dela
arregalaram-se. Apanhava-os sempre de surpresa, pequenos sinais que eles não
conseguiam entender, independentemente de quantos de nós eles já tivessem
visto.
- Oh. - Ela ofegou, um pouco corada. Alisou a blusa. Tonta, pensou consigo
mesma. Ele é quase novo o suficiente para ser meu filho. Demasiado novo para
eu pensar nele dessa maneira… - Olá, Edward. O que é que posso fazer por ti? -
As suas pestanas flutuaram por trás das lentes dos seus óculos grossos.
Desconfortável. Mas eu sabia ser charmoso quando queria ser. Era fácil, já que
era capaz de saber instantaneamente como qualquer tom ou gesto meu era
recebido.
Inclinei-me para a frente, encontrei o seu olhar como se estivesse a olhar
profundamente dentro dos seus olhos castanhos rasos, pequenos. Os
pensamentos dela já estavam descontrolados. Isto ia ser fácil.
- Estava-me a perguntar se não me podia ajudar com os meus horários - disse
com a minha voz suave que era reservada a não assustar humanos.
Ouvi o ritmo do coração dela a acelerar.
- É claro, Edward. Como é que posso ajudar? - Demasiado jovem, demasiado
jovem, repetiu para si mesma. Errada, é claro. Eu era mais velho que o avô
dela. Mas, segundo a minha carta de condução, ela estava certa.
- Perguntava-me se podia trocar a minha aula de Biologia para o nível mais alto
de Ciências. Física, talvez?
- Algum problema com o Sr. Banner, Edward?
- Claro que não, é só que eu já estudei aquela matéria…
- Naquela escola acelerada em que estudaste no Alasca, certo. - Os seus lábios
finos torceram-se enquanto ela considerava isso. Eles todos já deviam estar na
faculdade. Já ouvi todos os professores a reclamarem. Notas perfeitas, nunca
hesitam antes de responder, nunca respondem errado num teste - como se
encontrassem uma forma de fazer batota em todas as matérias. O Sr. Varner
preferiria acreditar que existe alguém a copiar do que admitir que existe
alguém mais inteligente que ele… Aposto que a mãe deles dá-lhes aulas… - Na
verdade, Edward, a aula de física já está muito cheia agora. O Sr. Banner odeia
ter mais de vinte e cinco alunos na sala de aula…
- Eu não daria nenhum problema.
É claro que não. Não um Cullen perfeito.
- Eu sei disso, Edward. Mas simplesmente não há lugares suficientes…
- Então posso desistir da aula? Eu posso usar o período para estudos
independentes.
- Desistir de Biologia? - A boca dela abriu-se. Isso é uma loucura. É assim tão
difícil assistir a uma matéria que já conhece? DEVE haver algum problema com
o Sr. Banner. Pergunto-me se devo falar sobre isso com o Bob. – Não ias ter
créditos suficientes para acabar o liceu.
- Posso recuperar no próximo ano.
- Talvez devesses falar com os teus pais sobre isto.
A porta abriu-se atrás de mim, mas quem quer que fosse não estava a pensar
em mim, então ignorei a chegada e concentrei-me na Sra. Cope. Inclinei-me um
pouco mais para perto dela e abri os olhos mais um bocado. Isto funcionaria
melhor se eles estivessem dourados em vez de pretos. A escuridão assustava as
pessoas, tal como devia.
- Por favor, Sra. Cope? - Fiz com que a minha voz ficasse mais suave e
convincente, e isto podia ser consideravelmente convincente. - Não há uma
outra hora à qual eu possa mudar-me? Será que não existe nenhuma vaga
aberta nalgum lugar? Biologia no sexto tempo pode ser a única opção…
Sorri-lhe, tomando o cuidado de não mostrar demasiado os dentes para não a
assustar, e deixei que a expressão se suavizasse no meu rosto.
O coração dela bateu mais rápido. Demasiado jovem, dizia freneticamente para
si mesma. - Bom, talvez eu pudesse falar com Bob, quero dizer, o Sr. Banner. Eu
posso ver se…
Um segundo foi o que levou para tudo mudar: a atmosfera na sala, a minha
missão aqui, a razão pela qual eu me inclinava para a mulher de cabelos
vermelhos… O que tinha sido por um propósito, agora era por outro.
Um segundo foi só o que demorou para a Samantha Wells abrir a porta e
mandar um papel assinado para o cesto ao lado da porta e correr para fora
outra vez, com pressa de sair da escola. Um segundo foi tudo o que levou para
que uma rajada repentina de vento passasse pela porta e me viesse atingir. Um
segundo foi o tempo que eu levei para me aperceber por que é que aquela
primeira pessoa não me tinha atrapalhado com os seus pensamentos.
Virei-me, apesar de não precisar de confirmar. Virei-me lentamente, enquanto
lutava para controlar os meus músculos que se revoltavam contra mim.
A Bella Swan ficou com as costas pressionadas na parede ao lado da porta, com
um papel agarrado nas mãos.
Os olhos dela estavam ainda maiores do que o normal quando reparou no meu
olhar feroz, desumano.
O cheiro dela preencheu cada pequena partícula de ar na sala pequena, quente.
A minha garganta ficou em chamas.
O monstro olhou para mim pelo espelho dos olhos dela de novo, uma máscara
do mal.
A minha mão hesitou no ar em cima do balcão. Não teria que olhar para bater
com a cabeça da Sra. Cope na mesa dela com força suficiente para a matar.
Duas vidas, ao invés de vinte. Uma troca.
O monstro esperou ansiosamente, faminto, que eu fizesse isso.
Mas havia sempre uma escolha - tinha que haver.
Parei o movimento dos meus pulmões e fixei o rosto de Carlisle à frente dos
meus olhos. Virei-me para olhar para a Sra. Cope e ouvi a surpresa interna dela
com a mudança da minha expressão. Ela afastou-se de mim, mas o medo dela
não se notou nas palavras coerentes.
Usando todo o auto-controle que tinha aprendido nas minhas décadas de auto-
negação, tornei a minha voz uniforme e suave. Tinha ar o suficiente nos
pulmões para falar uma última vez, apressando as palavras.
- Então esqueça. Vejo que é impossível. Muito obrigado pela sua ajuda.
Virei-me e lancei-me pela porta, tentando não sentir o calor do sangue quente
do corpo da rapariga enquanto passei a apenas alguns centímetros dela.
Não parei até estar no meu carro, movendo-me rápido demais todo o caminho
até lá.
A maioria dos humanos já tinha ido embora, então não havia muitas
testemunhas.
Ouvi um rapaz do segundo ano, D.J. Garrett, reparar e depois não dar
importância…
De onde é que o Cullen saiu? Foi como se tivesse aparecido com o vento… Lá
estou eu com a minha imaginação outra vez. A minha mãe diz sempre…
Quando deslizei para dentro do meu Volvo, os outros já estavam lá. Tentei
controlar a minha respiração, mas eu estava a asfixiar por ar fresco como se
estivesse a sufocar.
- Edward? - A Alice perguntou com uma voz alarmada.
Só lhe abanei a minha cabeça.
- O que diabos é que te aconteceu? - O Emmett quis saber, distraído, por um
momento, do facto de Jasper não estar numa de aceitar a sua vingança.
Em vez de responder, fiz marcha-atrás com o carro. Eu tinha que sair deste
estacionamento antes que a Bella me seguisse para aqui também. O meu
demónio pessoal perseguir-me… Virei o carro e acelerei. Já estava nos quarenta
antes de chegar à estrada. Na estrada, fiz setenta antes de chegar à esquina.
Sem olhar, eu sabia que Emmett, Rosalie e Jasper se tinham virado todos para
olhar para a Alice.
Levantou os ombros. Ela não podia ver o que se tinha passado, só o que estava
para acontecer.
Olhou para mim agora. Nós os dois estávamos a processar o que ela tinha visto
na sua cabeça, e ambos estávamos surpreendidos.
- Tu vais-te embora? - Ela sussurrou.
Os outros olharam para mim agora.
- Vou? - Expirei através dos meus dentes.
Ela viu então, enquanto a minha decisão ia para outro caminho e outra escolha
virava o meu futuro para uma direcção mais escura.
- Oh.
A Bella Swan morta. Os meus olhos a brilharem, vermelhos com o sangue
fresco. A procura que se seguiria. O tempo cuidadoso que nos levaria a esperar
até que fosse seguro sair e começar tudo de novo…
- Oh - ela disse outra vez. A imagem ficou mais específica. Eu vi o interior da
casa do Chefe Swan pela primeira vez, vi a Bella na pequena cozinha com os
armários amarelos, com as costas viradas para mim enquanto eu a perseguia
na escuridão… deixava que o seu cheiro me guiasse até ela…
- Pára! - Rugi, incapaz de aguentar mais.
- Desculpa - Sussurrou com os olhos arregalados.
O monstro gostou.
E a visão na cabeça dela mudou outra vez. Uma avenida vazia à noite, as
árvores ao lado cobertas de neve, a brilhar com os quase duzentos quilómetros
por hora.
- Vou ter saudades tuas - disse. - Independentemente de quão curto seja o
tempo que vás ficar fora.
Emmett e Rosalie trocaram um olhar apreensivo.
Nós já estávamos quase na curva da longa estrada que levava à nossa casa.
- Deixa-nos aqui - A Alice sugeriu. – Devias dizer isso ao Carlisle pessoalmente.
Abanei a cabeça e o carro chiou quando parou de repente.
Emmett, Rosalie e Jasper saíram silenciosamente; eles iam fazer com que a
Alice explicasse tudo quando eu fosse embora. A Alice tocou-me no ombro.
- Tu vais fazer a coisa acertada - murmurou. Não era uma visão desta vez, era
uma ordem. - Ela é a única família de Charlie Swan. Isso matá-lo-ia também.
- Sim - eu disse, a concordar apenas com a última parte.
Ela saiu para se juntar aos outros, as sobrancelhas dela estavam juntas por
causa da ansiedade.
Eles enfiaram-se nas matas, desaparecendo de vista antes que eu pudesse virar
o carro.
Acelerei de volta à cidade, e eu sabia que as visões na cabeça de Alice estariam
a passar de negras a claras num piscar de olhos.
Enquanto acelerava para Forks a mais de noventa quilómetros por hora, eu não
tinha certeza de para onde é que estava a ir. Dizer adeus ao meu pai? Ou
aceitar o monstro que havia dentro de mim? A estrada a voar por baixo dos
meus pneus.
2º Capitulo - Livro Aberto
Encostei as costas contra o banco fofo de neve, deixando o pó seco refazer-se à
volta do meu peso. A minha pele tinha arrefecido para igualar-se ao ar à minha
volta, e os pequenos pedaços de gelo pareciam veludo de baixo da minha pele.
O céu acima de mim estava limpo, brilhante com estrelas, ficando azul em
algumas partes, e amarelo noutras. As estrelas apareceram majestosamente,
em formas redondas contra o universo negro - uma vista maravilhosa.
Perfeitamente bonita. Ou melhor, teria sido perfeitamente. Teria sido, se eu a
estivesse realmente a ver.
Eu não estava a melhorar nada, já se tinham passado seis dias, há seis dias que
eu estava escondido neste deserto vazio Denali, mas não estava nem perto da
liberdade desde o primeiro momento em que senti o seu perfume.
Quando olhei para o céu estrelado, era como se tivesse uma obstrução entre
meus olhos e a beleza dele. A obstrução era um rosto, um rosto humano pouco
notável, mas parecia que não o conseguia banir da minha mente.
Ouvi os pensamentos a aproximarem-se antes de ouvir os passos que os
acompanhavam. O som do movimento era apenas um desfalecido suspiro
contra o pó.
Não estava surpreendido que a Tanya me tivesse seguido até aqui. Eu sabia que
ela esteve a reflectir sobre esta próxima conversa nos últimos dias, adiando até
que estivesse exactamente certa do que queria dizer.
Apareceu a uns 54 metros, a pular até a ponta de uma rocha escura à vista,
balançando-se nas pontas dos pés A pele de Tanya estava prateada à luz das
estrelas, os seus cabelos louros brilhavam palidamente, quase rosa com
madeixas avermelhadas. Os seus olhos dourados brilharam rapidamente
quando olhou para mim, meio enterrada na neve, e os seus lábios esticaram-se
lentamente formando um sorriso.
Seria perfeita. Se eu conseguisse realmente vê-la. Suspirei.
Ela agachou-se até a ponta da rocha, as pontas dos dedos tocaram na rocha, e
o corpo dela preparou-se.
Bola de neve, pensou.
Lançou-se no ar, a sua forma tornou-se escura, uma sombra giratória à medida
que ela girava entre mim e as estrelas. Ela curvou-se e ficou uma bola,
enquanto se lançava para o banco de neve ao meu lado.
Uma grande quantidade de neve caiu em cima de mim. As estrelas ficaram
pretas, e eu estava enterrado, coberto de cristais de gelo.
Suspirei de novo, mas não me mexi para me desenterrar. A escuridão abaixo da
neve não podia piorar nem melhorar a visão. Eu ainda via o mesmo rosto.
“Edward?”
E depois a neve estava a voar outra vez, assim que a Tanya me desenterrou
rapidamente. Limpou o pó do meu rosto imóvel, e não olhava totalmente para
os meus olhos.
“Desculpa.” Murmurou. “Foi uma piada.”
“Eu sei. Foi engraçado.”
A boca dela virou-se para baixo.
“ A Irina e a Kate disseram que te devia deixar em paz. Elas acham que te estou
a incomodar.”
“Claro que não,” Assegurei-lhe “Pelo contrário, sou eu quem está a ser rude -
abominavelmente rude. Lamento imenso.”
Vais para casa, não é? Pensou.
“Eu ainda… não me decidi… totalmente.”
Mas não vais ficar aqui. O seu pensamento agora era melancólico, triste.
“Não. Isto não parece estar… a ajudar.”
Ela fez uma careta. “É por minha causa, não é?”
“Claro que não,” Menti gentilmente.
Não sejas cavalheiro.
Sorri.
Faço-te sentir desconfortável, ela acusou.
“Não.”
Ela levantou uma sobrancelha, a sua expressão estava tão descrente que tive
que me rir. Um curto riso, seguido por outro suspiro.
“Está bem,” eu admiti. “Um bocado.”
Ela também suspirou e colocou o queixo sob as suas mãos. Os seus
pensamentos estavam mortificados.
“Tu és mil vezes mais amável do que as estrelas, Tanya. É claro, tu estás
consciente disso. Não deixes que a minha teimosia estrague a tua confiança.”
Ri-me com a impossibilidade disso.
“Não estou habituada à rejeição,” queixou-se, com o seu lábio inferior para fora
num atraente beicinho.
“Claro que não,” Concordei, tentando sem muito sucesso bloquear os seus
pensamentos enquanto se aprofundavam entre as suas milhares conquistas. Na
sua maioria, Tanya preferia os homens humanos - eles eram muito mais
populares para uma única coisa, com a vantagem de serem suaves e quentes.
Ao contrário de Carlisle, a Tanya e as suas irmãs descobriram as suas
consciências lentamente. No final, foi o afecto pelos homens humanos que
colocaram as irmãs contra o massacre. Agora os homens que elas amavam…
viviam.
“Quando apareceste aqui,” Tanya disse lentamente. “Eu pensei que…”
Eu sabia o que ela tinha pensado. E eu devia saber que ela se ia sentir assim.
Mas eu não estava no meu melhor para racionalizar naquele momento...
“ Pensaste que eu tinha mudado de ideias.”
“Sim,” Queixou-se.
“Sinto-me horrível por estar a brincar com as tuas expectativas, Tanya. Eu não
queria - Eu não estava a pensar. É só que eu saí… um bocado à pressa.”
“Suponho que não me vais me contar o porquê…?”
Sentei-me e enrolei os braços à volta das minhas pernas, encolhendo-me
defensivamente. “Não quero falar sobre isso.”
A Tanya, Irina e Kate adaptaram-se muito bem à vida a que se comprometeram.
Até melhor, em algumas formas, que Carlisle. Apesar da proximidade louca a
que se colocavam àqueles que deviam ser - e uma vez foram - as suas presas,
eles não cometiam erros. Eu estava demasiado envergonhado para admitir a
minha fraqueza à Tanya.
“Problemas com mulheres?” - Ela perguntou ignorando a minha relutância.
Fiz um sorriso obscuro “Não da forma que estás a pensar”
Então ela ficou quieta. Ouvi os seus pensamentos enquanto ela os mudava,
tentando decifrar o significado das minhas palavras.
“Não estás sequer perto” – Disse-lhe.
“Uma pista?” – Perguntou-me.
“Por favor, deixa isso, Tanya.”
Ela estava quieta de novo, a especular. Ignorei-a e tentei, em vão, admirar as
estrelas.
Desistiu depois de um momento de silêncio e os seus pensamentos tomaram
outra direcção.
Se nos deixares, para onde é que vais, Edward? De volta para o Carlisle?
“Não me parece” Suspirei.
Para onde é que eu iria? Não conseguia imaginar algum lugar do planeta que
me pudesse interessar. Porque não importava para onde fosse, eu nunca ia para
algum lugar – ia estar apenas a fugir.
Eu odiava isso. Quando é que me tinha tornado tão cobarde?
A Tanya pôs o seu braço à volta dos meus ombros. Eu enrijeci mas não me
desviei do seu toque. Era apenas um conforto amigável. Maioritariamente.
“Eu acho que vais voltar.” - Disse na sua voz com um ligeiro sotaque russo -
“Não importa o quê ou quem te está a assombrar. Tu vais enfrentar isso. És
desse tipo.”
Os seus pensamentos estavam de acordo com as suas palavras. Tentei abraçar
a visão de mim que ela carregava na sua cabeça. Aquele que enfrenta as coisas
de cabeça levantada. Eu nunca duvidei da minha coragem, da minha habilidade
de enfrentar situações adversas. Até àquela aula terrível de biologia há pouco
tempo atrás.
Dei-lhe um beijo na bochecha, voltando-me rapidamente quando ela virou a
cara para a minha. Ela sorriu da minha rapidez.
“Obrigado, Tanya. Eu precisava de ouvir isso.”
Os seus pensamentos tornaram-se petulantes “De nada, acho eu. Gostava que
fosses mais razoável sobre as coisas, Edward.”
“Desculpa, Tanya. Sabes que és demasiado boa para mim. Eu simplesmente…
ainda não encontrei o que estou à procura.”
“Bom, se fores embora antes que te veja outra vez. Adeus, Edward.”
“Adeus, Tanya” - Enquanto dizia as palavras, eu consegui ver isso. Conseguia
ver-me a sair de lá, de volta para o sítio onde queria estar. - “Obrigada - de
novo.”
Ela levantou-se num movimento. E depois já tinha saído, desaparecendo entre a
neve. Não olhou para trás. A minha rejeição incomodou-a mais do que já tinha
incomodado antes, até nos seus pensamentos. Ela não me queria ver antes de
partir.
Os meus lábios contorceram-se com desapontamento. Eu não gostava de
magoar a Tanya, apesar de os seus sentimentos não serem profundos e
dificilmente puros. De qualquer das maneiras não era algo que eu poderia
corresponder. Ainda me fazia sentir menos cavalheiro.
Pus o meu queixo em cima dos joelhos e olhei para as estrelas outra vez, apesar
de estar repentinamente ansioso para voltar ao meu caminho. Eu sabia que
Alice me ia ver a voltar para casa e ia contar aos outros. Isso iria fazê-los felizes
- principalmente Carlisle e Esme. Mas olhei para as estrelas mais uma vez, e
passar o rosto na minha cabeça. Entre mim e as luzes brilhantes do céu, um par
de olhos castanhos confusos estavam voltados para mim, fazendo-me
questionar o que esta decisão ia significar para ela.
É claro, eu não poderia ter certeza que era isso o que os seus olhos curiosos
procuravam. Nem na minha imaginação eu conseguia ouvir os seus
pensamentos. Os olhos de Bella Swan continuavam a questionar-se e uma não
obstruída visão das estrelas continuou a invadir-me. Com um leve suspiro, eu
desisti. Se eu corresse, estaria de volta ao carro do Carlisle em menos de uma
hora.
Numa pressa para ver a minha família - e para voltar a ser aquele Edward que
enfrenta as coisas – corri através do campo de neve sem deixar pegadas.
“Vai correr tudo bem” - A Alice encorajou. Os seus olhos estavam desfocados e
o Jasper tinha uma mão debaixo do seu cotovelo, guiando-a enquanto
entrávamos no refeitório num grupo fechado. Rosalie e Emmett indicavam o
caminho, o Emmett ridiculamente parecido com um guarda-costas no meio de
território inimigo. A Rose também parecia preocupada, porém, bem mais
irritada do que protectora.
“Claro que vai.” – Expirei pesadamente. O comportamento deles era ridículo. Se
eu não tivesse a certeza de que ia aguentar este momento, tinha ficado em
casa.
A repentina mudança da nossa normal, mesmo divertida manhã - tinha nevado
ontem à noite, e Emmett e Jasper estavam a tirar vantagem da minha
distracção para me bombardearem com bolas de neve; quando se cansasse da
minha falta de resposta virar-se-iam um para o outro - para este excesso de
vigilância teria sido cómica se não fosse tão irritante.
“Ela ainda não está aqui, mas da maneira que vai entrar… não vai ficar contra o
vento se nos sentarmos no lugar de sempre.”
“Claro que nos vamos sentar no lugar de sempre! Pára com isso Alice. Estás-me
a dar cabo dos nervos. Vou ficar absolutamente bem.”
Ela piscou os olhos uma vez enquanto o Jasper a ajudava a sentar-se e os seus
olhos finalmente focaram-se em mim.
“Hum…” - Disse, soando surpreendida. “Acho que tens razão”
“Claro que tenho” - Murmurei.
Eu odiava estar no centro da preocupação deles. Senti uma certa solidariedade
por Jasper ao lembrar-me das inúmeras vezes que nós o superprotegemos. Ele
percebeu de relance os meus sentimentos e sorriu.
Irritante, não é?
Eu assenti.
Foi apenas a semana passada que esta grande e monótona sala tinha parecido
tão mortalmente depressiva para mim?
Pareceria quase como um sonho, um coma, estar aqui?
Hoje os meus nervos estavam firmes - cordas de piano, tensas que tocam à
mais leve pressão. Os meus sentidos estavam super alertas, vigiei cada som,
cada suspiro, cada movimento de ar que tocava a minha pele, cada
pensamento. Especialmente os pensamentos. Só havia um sentindo que eu me
recusei a usar. Olfacto, é claro.
Não respirei.
Eu estava à espera de ouvir mais sobre os Cullen nos pensamentos que
investiguei. Estive todo o dia à espera, a procurar por cada novo pensamento
sobre Bella Swan ter contado a alguém, a tentar ver a direcção que o novo
mexerico seguiria. Mas não havia nada. Ninguém reparou que havia 5 vampiros
no refeitório, exactamente como antes da nova rapariga chegar. Muitos
humanos aqui ainda estavam a pensar sobre aquela rapariga, os mesmos
pensamentos da semana passada. Em vez de achar aquilo inalteravelmente
aborrecido, eu estava fascinado.
Ela não tinha dito nada a ninguém sobre mim?
Era impossível que ela não tivesse reparado no meu obscuro, olhar assassino.
Eu vi-a reagir a isso. De certeza que a tinha assustado. Eu estava convencido de
que ela tinha mencionado isso a alguém, talvez até tivesse exagerado na
história um bocado para fazê-la melhor. Atribuindo-me alguns traços
ameaçadores.
E depois, também me viu a tentar cancelar as nossas aulas partilhadas de
biologia. Ela deve-se ter perguntado, depois de ver a minha expressão, se tinha
sido ela a causa. Uma rapariga normal teria perguntado por aí, comparado a sua
experiência com os outros, procurado por algum terreno em comum que
pudesse explicar o meu comportamento e então não se sentiria sozinha. Os
humanos estão constantemente desesperados por se sentirem normais, por se
encaixarem. Por se misturar com os outros ao seu redor, como mais uma
desinteressante no rebanho. Essa necessidade era particularmente forte
durante os inseguros anos da adolescência. Aquela rapariga não devia ser uma
excepção àquela regra.
Mas ninguém nos tinha dado atenção aqui sentados, na nossa mesa normal. A
Bella devia ser excepcionalmente tímida, se não tinha confidenciado a alguém.
Talvez tivesse falado com o seu pai, talvez esse fosse o seu melhor
relacionamento… Apesar de isso soar improvável, dado o facto de que ela tinha
passado tão pouco tempo com ele durante a sua vida. Ela devia ser mais
próxima da sua mãe. Mesmo assim, eu devia passar pelo Chefe Swan numa
altura qualquer e ouvir o que ele estava a pensar.
“Algo novo?” - O Jasper perguntou.
“Nada. Ela… não deve ter dito nada.”
Todos ergueram uma sobrancelha com as novidades.
“Talvez não sejas tão assustador como achas que és.” - O Emmett disse, a rir-
se. “Aposto que eu a teria apavorado mais do que ISSO.”
Eu rolei meus olhos até ele.
“ A imaginar o porquê…?” – Ele surpreendeu-se com a minha revelação sobre o
silêncio único da rapariga.
“Já falámos disso. Eu não sei.”
“Ela vem aí,” - A Alice murmurou. Eu senti o meu corpo a ficar rígido. “Tenta
parecer humano.”
“Humano… dizes?” - O Emmett perguntou.
Ele levantou o punho direito, girando os dedos para revelar a bola de neve que
tinha guardado na sua palma. É claro que ela não tinha derretido ali. Ele
apertou-a num volumoso bloco de gelo. Tinha os olhos em Jasper, mas eu vi a
direcção dos seus pensamentos. E Alice também, claro. Quando ele lançou
abruptamente o pedaço de gelo até ela, ela mandou-o para longe com um leve
balançar dos dedos. O gelo ricocheteou através do corredor do refeitório; muito
rápido para os olhos humanos, e fragmentou-se com um agudo barulho na
parede de tijolo. O tijolo partiu-se também.
As cabeças na esquina do refeitório viraram-se todas para olhar para a pilha de
gelo no chão, e viraram-se para procurar sua origem. Não olharam muito mais
longe do que algumas mesas. Ninguém olhou para nós.
“Muito humano, Emmett,” - A Rosalie disse de maneira fulminante. “Porque é
que não vais lá e dás um murro através da parede?”
“Seria mais impressionante se fosses tu a fazer isso, querida.”
Tentei-lhes prestar atenção, mantendo um sorriso fixo na minha cara como se
estivesse a fazer parte da brincadeira. Não me permiti olhar na direcção onde
ela estava de pé. Mas isso foi tudo que eu ouvi também.
Conseguia ouvir a impaciência de Jessica com a rapariga nova, que parecia
estar distraída, também, permanecendo imóvel na fila em movimento. Eu vi,
nos pensamentos de Jessica, que as bochechas de Bella Swan ficaram mais uma
vez rosadas com o sangue.
Respirei curta e rapidamente, pronto para parar de respirar se qualquer traço do
seu odor tocasse no ar ao meu redor.
O Mike Newton estava com as duas raparigas. Eu conseguia ouvir as duas
vozes: mental e verbal, quando ele perguntou o que é que se passava com a
rapariga Swan. Eu não gostava da maneira como os seus pensamentos estavam
envolvidos nela, um brilho das suas fantasias já construídas divagaram na sua
mente enquanto ele via-a a ficar surpreendida e olhar para cima como se
tivesse-se esquecido que ele estava ali.
“Nada” - Ouvi Bella a dizer numa voz baixa e clara. Parecia soar como um sino
sobre todos os murmúrios do refeitório, mas eu sabia que isso era só porque eu
estava a ouvir de forma tão intensa.
“Vou só beber um sumo hoje,” ela continuou enquanto se movia para seguir
com a fila.
Eu não consegui evitar olhar de relance na sua direcção. Ela estava a olhar para
o chão, o sangue lentamente a esvair-se do seu rosto. Olhei rapidamente para
longe, para Emmett, que agora se ria do sorriso aflito no meu rosto.
Pareces doente, mano.
Arranjei as minhas feições para parecer mais casual e natural.
A Jessica estava a perguntar-se sobre a falta de apetite da rapariga. “Não tens
fome?”
“Na verdade, sinto-me um pouco enjoada.” A sua voz soou mais baixa, mas
ainda assim, perfeitamente clara.
Por que é que me incomodava, a preocupação protectora que repentinamente
surgiu dos pensamentos do Newton? O que é que importava que houvesse um
timbre possessivo neles? Não me dizia exactamente respeito se Mike Newton se
sentia desnecessariamente ansioso por ela. Talvez essa fosse a maneira que
todos lhe correspondiam. Eu não tinha querido, instintivamente, protegê-la,
também?
Quer dizer… Antes de ter querido matá-la.
Mas a rapariga estava doente?
Era difícil de avaliar - ela parecia tão delicada com aquela pele translúcida… e
então apercebi-me que me estava a preocupar também, assim como aquele
rapaz estúpido, e forcei-me a não pensar sobre a saúde dela.
Apesar disso, eu não gostava de vigiá-la através dos pensamentos de Mike.
Troquei para a Jessica, olhando cuidadosamente enquanto eles os três
escolhiam uma mesa para se sentar. Felizmente, sentaram-se com as
companhias habituais de Jessica, uma das primeiras mesas da sala. Não na
direcção do vento, assim como Alice tinha prometido.
A Alice deu-me uma cotovelada. Ela vai olhar para aqui, age como humano.
Trinquei os dentes por detrás do meu sorriso.
“Acalma-te Edward,” – Disse o Emmett. “Honestamente. Então matas um
humano. Dificilmente isso é o fim do mundo”.
“Tu saberias isso.” - Murmurei.
O Emmett riu-se. “Tens de aprender a ultrapassar as coisas. Como eu faço. A
eternidade é muito tempo para ficares afundado na culpa.”
E então, a Alice lançou uma pequena mão cheia de gelo que tinha escondido, na
cara confiante de Emmett.
Ele piscou os olhos, surpreendido, e então sorriu na antecipação.
“Tu é que pediste,” – Disse-lhe Emmett, enquanto se inclinava sobre a mesa e
sacudia o cabelo coberto de gelo na sua direcção. A neve, que se derretia no ar
morno, lançou-se do seu cabelo num denso banho metade líquido, metade gelo.
“Ew!” - A Rose reclamou, enquanto ela e a Alice recuavam da inundação.
A Alice riu-se e todos nós acompanhámo-la. Conseguia ver na mente de Alice
como ela tinha orquestrado este momento perfeito e eu sabia que aquela
rapariga - eu tinha que parar de pensar nela daquela maneira, como se ela
fosse a única rapariga do mundo - que Bella devia estar a olhar para nós
enquanto nos ríamos e brincávamos, parecendo felizes e humanos e de forma
tão irreal como uma pintura de Norman Rockwell.
A Alice continuou a rir-se, e segurou no seu tabuleiro como um escudo. Aquela
rapariga - A Bella ainda devia estar a olhar para nós
… A olhar para os Cullens outra vez, - Alguém pensou, e chamou-me à atenção.
Olhei automaticamente para o chamamento não intencional, e percebia que
tinha reconhecido a voz assim que encontrava o seu destino – tinha-a ouvido
tanto hoje.
Os meus olhos deslizaram pela Jessica e passaram por ela. Focaram-se no olhar
penetrante da rapariga.
O que é que ela estava a pensar? A frustração parecia aumentar enquanto o
tempo passava, em vez de diminuir. Eu tentei – sem saber ao certo o que
estava a fazer, já que nunca tinha tentado isto antes - sondar com a minha
mente o silêncio à volta dela. A minha audição extra vinha naturalmente para
mim, sem pedir; nunca tive que a forçar. Mas agora concentrei-me, e tentei
passar por qualquer escudo que houvesse à volta dela.
Nada a não ser silêncio.
O que é que ela tem? Pensou Jessica, ecoando a minha própria frustração.
“ O Edward Cullen está a olhar-te fixamente,” - Sussurrou ao ouvido da rapariga
Swan, com um sorriso falso. Não houve nenhuma insinuação da irritação
invejosa no seu tom. A Jessica parecia ser experiente no fingimento de amizade.
Fiquei à escuta, muito claramente, da resposta da rapariga.
“Não parece zangado, pois não?”- Sussurrou também.
Então ela tinha notado a minha reacção selvagem a semana passada. É claro
que tinha.
A pergunta pareceu confundir Jessica. Vi a minha própria cara nos seus
pensamentos enquanto ela analisava a minha expressão, mas eu não encontrei
o olhar dela. Ainda estava concentrado na rapariga, a tentar ouvir alguma coisa.
A minha concentração intencional não parecia estar a ajudar em nada.
“Não,” - A Jess disse-lhe, e eu sabia que ela estava desejosa de poder dizer que
sim - como isso a envenenou por dentro, o meu olhar - apesar de não
demonstrar de forma alguma na sua voz: “Devia estar?”
“Acho que ele não gosta de mim,” - A rapariga respondeu-lhe num sussurro,
deitando a cabeça no seu braço como se estivesse subitamente cansada. Tentei
entender o seu movimento, mas só pude fazer suposições. Talvez ela estivesse
cansada.
“Os Cullens não gostam de ninguém,” - A Jess asseguro-a - “Bem, não se
mostram delicados o suficiente para que as pessoas gostem deles.” Não
costumavam mostrar. O seu pensamento foi um rosnar de reclamação. “Mas ele
continua a olhar-te fixamente.”
“Pára de olhar para ele,” a rapariga disse ansiosamente, e ergueu a cabeça
para ter a certeza que Jessica a obedeceu.
A Jessica sorriu, mas fez o que ela pediu.
A rapariga não desviou o olhar da sua mesa o resto do tempo. Eu pensei -
pensei, é claro, não podia ter a certeza - que isso foi intencional. Parecia que ela
queria olhar para mim. O seu corpo deslocava-se ligeiramente na minha
direcção, o seu queixo começava a virar-se, e então ela repreendia-se, respirava
fundo e olhava fixamente para qualquer pessoa que estivesse a falar.
Ignorei a maior parte dos outros pensamentos à volta da rapariga, já que não
eram, momentaneamente, sobre ela. O Mike Newton estava a planear uma
guerra de neve no parque de estacionamento depois da escola, sem parecer
perceber que a neve já tinha mudado para chuva. A agitação dos leves flocos
contra o tecto já tinha tornado o padrão comum de gotas de água. Ele não
conseguia mesmo ouvir a mudança? Eu conseguia ouvir bastante alto.
Quando a hora de almoço acabou, eu continuei no meu lugar. Os humanos
saíam, e eu apanhei-me a tentar distinguir o som dos passos dela do som do
resto, como se houvesse algo de importante ou incomum neles. Que estupidez.
A minha família também não se mexeu para ir embora. Esperaram para ver o
que eu ia fazer.
Ia para a aula, sentar-me ao lado da rapariga onde podia sentir a fragrância
absurdamente potente do seu sangue e sentir o calor da sua pulsação do ar na
minha pele? Era forte o suficiente para isso? Ou já tinha tido o suficiente para
um dia?
- Eu… acho que está tudo bem. - A Alice disse, hesitante. - A tua mente está
preparada. Eu acho que vais conseguir aguentar por uma hora.
Mas a Alice sabia muito bem a rapidez com que uma mente podia mudar.
- Porquê arriscar, Edward? - O Jasper perguntou. Embora ele não se quisesse
sentir presunçoso por ser agora eu o fraco, eu conseguia ouvir que ele se sentia,
só um bocado. - Vai para casa. Vai com calma.
- Qual é o problema? - O Emmett discordou. - Ou ele vai ou não a vai matar. É
melhor acabar com isto de uma vez, de uma maneira ou da outra.
- Eu ainda não me quero mudar. - A Rosalie reclamou. – Não quero começar
tudo de novo. Estamos quase a acabar o liceu, Emmett. Finalmente.
Eu estava realmente dividido na decisão. Eu queria, queria muito, encarar isto
de cabeça, e não fugir para longe outra vez. Mas também não me queria
arriscar muito. Tinha sido um erro a semana passada para Jasper ficar tanto
tempo sem caçar; será que isto também era um erro sem sentido?
Eu não queria afastar a minha família. Nenhum deles me ia agradecer por isso.
Mas eu queria ir para a minha aula de biologia. Apercebi-me que queria ver o
rosto dela outra vez.
Foi isso que tomou a decisão. Aquela curiosidade. Estava irritado comigo
mesmo por sentir isso. Não tinha prometido que não ia deixar que o silêncio da
mente da rapariga me deixasse desnecessariamente interessado nela? E
mesmo assim, aqui estava eu, ainda mais desnecessariamente interessado.
Eu queria saber o que é que ela estava a pensar. A mente dela era fechada mas
os seus olhos eram muito abertos. Talvez eu pudesse ver por eles.
- Não, Rose, eu acho que vai ficar tudo bem. - A Alice disse. - Está… a firmar-se.
Eu tenho noventa e três por cento de certeza de que nada de mau vai acontecer
se ele for para a aula. - Ela olhou-me curiosamente, perguntando-se o que tinha
mudado nos meus pensamentos que fez a sua visão do futuro muito mais
segura.
Curiosidade seria o suficiente para manter a Bella Swan viva?
O Emmett tinha razão - por que não acabar com isto, de uma maneira ou de
outra? Eu ia enfrentar a tentação de cabeça.
- Vão para as vossas aulas. - Ordenei, afastando-me da mesa. Virei-me e andei
para longe deles sem olhar para trás. Conseguia ouvir a preocupação de Alice, a
censura de Jasper, a aprovação de Emmett e a irritação de Rosalie a
arrastarem-se às minhas costas.
Respirei fundo outra vez à porta da sala de aula, e segurei o ar nos meus
pulmões enquanto entrava no espaço pequeno e quente.
Não estava atrasado. O Sr. Banner ainda estava arranjar tudo para a
experiência de laboratório de hoje. A rapariga sentou-se na minha - na nossa
mesa, a sua cara estava virada para baixo outra vez, a olhar para o caderno em
que desenhava. Examinei os rabiscos quando me aproximei, até estava
interessado naquela criação banal da sua mente, mas eram coisas sem sentido.
Só ondas e mais ondas. Talvez ela não se estivesse a concentrar no padrão,
mas a pensar noutra coisa qualquer?
Puxei a minha cadeira com um barulho desnecessário, deixando-a raspar no
chão de linóleo; os humanos sentiam-se sempre mais confortáveis quando
algum barulho anunciava a aproximação de qualquer outra pessoa.
Eu sabia que ela tinha ouvido o som; não olhou para cima, mas a mão dela
falhou numa onda do formato que ela estava a fazer, deixando-o torto.
Por que é que ela não olhou para cima? Provavelmente estava assustada. Tinha
que garantir que a ia deixar com uma impressão diferente desta vez. Fazê-la
pensar que antes, tinha imaginado coisas.
- Olá. - Disse na voz calma que usava quando queria deixar os humanos mais
confortáveis, formando um sorriso educado com os meus lábios que não
mostraria nenhum dente.
Ela olhou para cima então, os seus olhos atentos, castanhos e assustados -
quase desorientados - e cheios de perguntas silenciosas. Era a mesma
expressão que tinha obstruído a minha visão durante a última semana.
Enquanto encarava aqueles olhos castanhos estranhamente intensos, percebi
que o ódio - o ódio que eu tinha imaginado que esta rapariga merecia por
simplesmente existir - tinha evaporado. Agora sem respirar, sem sentir o seu
cheiro, era difícil acreditar que alguém tão vulnerável pudesse justificar ódio.
As bochechas dela começaram a corar e ela não disse nada.
Mantive meus olhos nos dela, e concentrei-me só nas suas profundezas
questionadoras, e tentei ignorar a cor apetitosa. Eu tinha fôlego o suficiente
para falar mais um bocado sem inalar.
- Chamo-me Edward Cullen. - Disse, embora soubesse que ela sabia isso. Era a
maneira mais educada de começar. - Não tive a oportunidade de me apresentar
na semana passada. Deves ser a Bella Swan.
Ela pareceu confusa - tinha uma pequena ruga entre os olhos novamente. Levou
meio segundo a mais do que devia para responder.
- Como é que sabes o meu nome? - Perguntou, e sua voz tremeu um bocado.
Eu devia tê-la realmente assustado. Isso fez-me sentir culpado; ela era tão
indefesa. Ri-me gentilmente - era um som que eu sabia que deixava os
humanos mais à vontade. Novamente, fui cuidadoso com meus dentes.
- Oh, acho que todos sabem o teu nome. – De certeza que ela tinha percebido
que se tinha tornado o centro das atenções neste lugar monótono. – Toda a
cidade tem estado a aguardar a tua chegada.
Ela fez uma careta como se aquela informação fosse desagradável. Supus que,
sendo tímida como ela parecia ser, atenção ia parecer uma coisa má para ela. A
maioria dos humanos sentia o oposto. Embora não se quisessem destacar numa
multidão, ao mesmo tempo desejavam um holofote para as suas uniformidades
individuais.
- Não. - Disse. – O que eu queria perguntar-te era por que motivo me chamaste
Bella?
- Preferes Isabella? - Perguntei, perplexo pelo facto de não conseguir ver onde é
que ela queria chegar com aquela pergunta. Não entendi. Obviamente, ela
deixou a sua preferência clara muitas vezes naquele primeiro dia. Será que
todos os humanos eram incompreensíveis sem um contexto mental como guia?
- Não, gosto de Bella. - Respondeu, inclinando a cabeça levemente para um
lado. A sua expressão - se eu estivesse a ler correctamente - estava dividida
entre vergonha e confusão. - Mas julgo que o Charlie… quer dizer, o meu pai,
deve chamar-me Isabella nas minhas costas. Parece que é por esse nome que
todas as pessoas daqui me conhecem. - A sua pele ficou num tom de rosa mais
escuro.
- Ah. - Disse indevidamente, e desviei rapidamente os meus olhos do seu rosto.
Tinha acabado de perceber o que as perguntas dela queriam dizer: eu tinha
cometido um erro, um lapso. Se eu não tivesse ouvido todas as conversas dos
outros naquele primeiro dia, então eu tinha-a chamado inicialmente pelo nome
inteiro, como todos os outros. Ela tinha notado a diferença.
Senti-me desconfortável, ela foi muito rápida a perceber o meu erro. Bastante
astuta, especialmente para alguém que deveria estar aterrorizada pela minha
proximidade.
Mas eu tinha problemas maiores do que qualquer que fosse a suspeita que ela
tivesse sobre mim na sua cabeça.
Eu estava a ficar sem ar. Se quisesse falar com ela de novo, eu ia ter que
respirar.
Ia ser difícil evitar falar. Infelizmente para ela, compartilhar esta mesa tornava-a
a minha parceira de laboratório, e hoje nós teríamos que trabalhar juntos. Seria
estranho - e incompreensivelmente rude - ignorá-la enquanto fazíamos a
experiência. Ia deixá-la mais suspeita, mais assustada…
Inclinei-me o mais longe possível dela sem mexer a minha cadeira, virando a
minha cabeça para o corredor. Prendi-me, trancando os meus músculos no
lugar, e então aspirei um rápido peito cheio de ar, respirando apenas pela
minha boca.
Ah!
Era genuinamente doloroso. Mesmo sem sentir o cheiro dela, eu conseguia
sentir o sabor dela na minha língua. A minha garganta de repente estava em
chamas outra vez, a necessidade era tão forte como a daquele primeiro
momento em que eu senti o cheiro dela.
Juntei os meus dentes e tentei recompor-me.
- Comecem. - O Sr. Banner ordenou.
Pareceu que foi preciso cada pequena partícula de auto-controle que tinha
acumulado em setenta anos de trabalho árduo para virar minha cabeça para a
rapariga, que estava a olhar para a mesa, e sorrir.
- Primeiro, as senhoras, parceira? - Ofereci.
Ela olhou para minha expressão e seu rosto ficou vazio, os olhos arregalados.
Havia algo de errado com a minha expressão? Ela estava assustada
novamente? Ela não falou.
- Ou, se desejares, posso ser eu a começar. - Disse calmamente.
- Não. - Ela disse, e rosto dela passou de branco para vermelho outra vez. - Eu
começo.
Olhei para o equipamento na mesa, o microscópio arranhado, a caixa de slides,
em vez de ver o sangue a correr por baixo da pele clara dela. Inspirei outra vez
rapidamente, pelos meus dentes, e recuei quando o gosto fez a minha garganta
arder.
- Prófase. - Disse depois de um rápido exame. E começou a remover o slide,
embora mal o tivesse visto.
- Importas-te que dê uma espreitadela? - Instintivamente - estupidamente,
como se eu fosse da espécie dela – estendi-me para parar a mão que removia o
slide. Por um segundo, o calor da sua pele queimou a minha. Foi como uma
corrente eléctrica - certamente muito mais quente do que meros 37 graus. O
tiro de calor passou pela minha mão e correu pelo meu braço. Ela puxou
rapidamente a sua mão debaixo da minha.
- Desculpa. - Murmurei por entre dentes. Como precisava de algum lugar para
olhar, segurei no microscópio e olhei brevemente pelo buraco. Ela estava certa.
- Prófase. - Concordei.
Eu ainda estava demasiado perturbado para olhar para ela. Enquanto respirava
tão calmamente quanto conseguia por entre dentes cerrados, e ignorava a sede
furiosa, eu tentava-me concentrar naquela simples tarefa, escrevendo a palavra
no espaço adequado na ficha do laboratório, e trocava o primeiro slide pelo
próximo.
O que é que ela estava a pensar agora? Como será que ela se sentiu, quando
toquei na sua mão? A minha pele deve ter parecido gelo - repulsivo. Não me
admirava que estivesse tão quieta.
Dei uma olhada no slide.
- Anáfase. - Disse para mim mesmo enquanto escrevia na segunda linha.
-Posso? - Ela perguntou.
Olhei para cima, para ela, surpreendido ao ver que ela estava à espera, na
expectativa, uma mão meio estendida na direcção do microscópio. Ela não
parecia estar com medo. Ela pensava realmente que eu tinha errado na
resposta?
Não consegui evitar e sorri do seu olhar esperançoso no rosto dela enquanto lhe
passava o microscópio.
Olhou para o microscópio com uma vontade que desapareceu logo. Os cantos
da sua boca desceram rapidamente.
- Passamos ao terceiro diapositivo? - Perguntou ela, sem olhar por cima do
microscópio, mas com a mão estendida. Coloquei o slide seguinte na mão dela,
sem deixar que a minha pele chegasse perto da dela desta vez. Sentar-me ao
lado dela era como sentar-me ao lado de uma lâmpada. Conseguia sentir-me a
aquecer ligeiramente graças à temperatura mais alta.
Ela não olhou para o slide por muito tempo. “Intérfase” disse de forma casual -
talvez tentando demasiado soar assim - e empurrou o microscópio na minha
direcção. Ela não tocou no papel, mas esperou que eu escrevesse a resposta. Eu
verifiquei - ela estava correcta de novo.
Terminámos desta forma, a dizer uma palavra de cada vez sem nunca nos
olharmos nos olhos. Nós éramos os únicos que tinham acabado - os outros da
aula estavam a ter mais dificuldade com o laboratório. O Mike Newton parecia
estar a ter problemas a concentrar-se - estava a tentar observar-me a mim e à
Bella.
Quem me dera que ele tivesse ficado onde quer que tenha ido. Mike pensou,
olhando-me com raiva. Hum, interessante. Não tinha reparado que o rapaz tinha
mantido algum sentimento negativo em relação a mim. Isto era um novo
acontecimento, tão recente quanto a chegada da nova rapariga. Ainda mais
interessante, pensei - para minha própria surpresa - que o sentimento era
mútuo.
Olhei para baixo para a rapariga outra vez, perplexo pelo tamanho da
devastação e violência que, apesar de comum; sem ameaça aparente, ela
estava a causar na minha vida.
Não era que eu não percebesse o que é que se passava com o Mike. Na
realidade ela era bonita…de uma forma diferente. Melhor do que estar bonita, a
sua cara estava interessante. Não bem simétrico. O seu queixo mais pontiagudo
fora de sintonia com as maçãs do rosto largas, fortemente ruborizadas, o claro e
escuro contraste da sua pele e o seu cabelo, e depois havia os olhos. A brilhar
sobre segredos silenciosos.
Olhos que de repente estavam perdidos nos meus.
Olhei também para ela, tentando descobrir pelo menos um dos seus segredos.
- Puseste lentes de contacto? - Perguntou de repente.
Que pergunta estranha. “Não” Quase sorri com a ideia de tentar melhorar a
minha visão.
- Oh - Murmurou. – Pensei que havia algo diferente nos teus olhos.
Senti-me gelado outra vez conforme notei que aparentemente eu não era o
único a tentar descobrir segredos hoje.
É claro que havia algo diferente nos meus olhos desde a última vez que ela
tinha olhado para eles. Para me preparar para hoje, para a tentação de hoje,
passei o fim-de-semana inteiro a caçar, a matar a minha sede o máximo
possível, mais do que o necessário. Afoguei-me no sangue de animais, não que
fizesse muita diferença a enfrentar este absurdo sabor a flutuar ao redor do ar
perto dela. Da última vez que tinha olhado para ela, os meus olhos tinham
estado pretos pela sede. Agora, como o meu corpo nadava em sangue, os meus
olhos estavam com uma cor dourada. Castanho-claro, âmbar pelo meu excesso
de alimento.
Outro lapso. Se eu me tivesse apercebido do que ela quis dizer com a pergunta,
podia simplesmente ter dito que eram lentes.
Sentava-me ao lado de humanos há quase dois anos nesta escola, ela foi a
primeira a tentar examinar-me perto o suficiente para notar a diferença da cor
nos meus olhos. Os outros, enquanto admiravam a beleza da minha família,
tinham a tendência de olhar para baixo rapidamente quando nós olhávamos de
volta. Eles protegiam-se, bloqueavam detalhes das nossas aparências como
uma tentativa forte e instintiva de nos entender. Ignorância era uma bênção
para a mente humana.
Por que é que tinha de ser esta rapariga a ver tanto?
O Sr. Banner aproximou-se da nossa mesa. Eu agradeci o ar puro que ele trouxe
consigo antes que se pudesse misturar com o cheiro dela.
- Então, Edward, - Disse enquanto olhava para as nossas respostas, - Não
achaste que deveria ser dada à Isabella a oportunidade de utilizar o
microscópio?
- À Bella – Corrigi-o por puro reflexo. - Na verdade, ela identificou três das cinco
fases representadas nos diapositivos.
Os pensamentos de Mr. Banner eram cépticos enquanto se virava para ela. – Já
realizaste este trabalho laboratorial?
Eu assisti, envolvido, quando ela sorriu, parecendo um pouco envergonhada.
- Com raiz de cebola, não
- Com blástula de coregono? - Perguntou.
- Sim.
Isso surpreendeu-o. A aula de hoje foi algo que ele foi buscar a um curso mais
avançado. Ele assentiu pensativo. - Em Phoenix, estavas integrada num
programa de colocação elevada?
- Estava.
Ela estava avançada, então, inteligente para uma humana. Isso não me
surpreendeu.
- Bem – Disse o Sr. Banner, franzindo o lábio. – Suponho que o facto de vocês os
dois serem parceiros de laboratório seja proveitoso.
Ele virou-se e foi embora a murmurar “Para que os outros possam ter uma
oportunidade de aprender algo por eles mesmos.”. Eu duvidei que a rapariga
conseguisse ouvir aquilo. Voltou a desenhar círculos à volta redor do caderno de
apontamentos.
Dois lapsos em meia hora. Uma demonstração insatisfatória da minha parte.
Apesar de que eu não tinha nenhuma ideia do que a rapariga pensava de mim -
Quanto medo é que ela tinha, quanto é que ela suspeitava? Eu sabia que
precisaria me esforçar mais daqui para a frente para fazê-la mudar a opinião
sobre mim. Alguma coisa que a fizesse esquecer do nosso último ameaçador
encontro.
- Foi pena aquilo da neve, não foi? – Disse, repetindo o assunto que vários
outros alunos já tinham discutido. Um tópico habitual e aborrecido. O tempo -
sempre seguro.
Ela olhou para mim, a dúvida óbvia no seu olhar - uma reacção anormal para as
minhas palavras muito normais. “Nem por isso” – Disse, surpreendendo-me
outra vez.
Tentei direccionar a conversa de volta a um caminho mais comum. Ela era de
um sítio muito mais claro, mais quente. A sua pele parecia reflectir isso de
alguma maneira, apesar da sua palidez, e o frio devia fazê-la sentir-se
desconfortável. O meu toque gelado com certeza tinha…
- O frio não te agrada. - Adivinhei.
- Nem o tempo chuvoso. - Assentiu.
- Deve ser difícil para ti viver em Forks. - Talvez não devesses ter vindo para cá,
eu quis acrescentar. Talvez devesses voltar ao lugar de onde vieste.
Porém, eu não tinha a certeza se era isso que eu queria. Eu ir-me-ia lembrar
sempre do cheiro do seu sangue – havia alguma garantia de que eu não a
seguiria? Além disso, se ela se fosse embora, a sua mente ia ser sempre um
mistério. Um constante e insistente quebra-cabeças.
- Nem fazes ideia. - Disse em voz baixa e senti-me carrancudo por um
momento.
As suas respostas nunca eram o que eu esperava que fossem. Isso fez-me
querer fazer mais perguntas.
- Então, porque vieste para cá? - Eu reclamei, percebendo que meu tom de voz
era muito acusatório, não era casual o bastante para a conversa. A pergunta
pareceu rude, intrometida.
- É… complicado.
Ela piscou os seus grandes olhos, não dando maiores informações, e eu quase
explodi de curiosidade - a curiosidade queimou-me com uma força tão forte
quanto a sede na minha garganta. Na realidade, estava a ficar um bocado mais
fácil respirar; a agonia estava a ficar mais tolerável enquanto me familiarizava.
- Acho que consigo acompanhar-te. - Insisti. Talvez a cortesia comum a fizesse
continuar a responder às minhas perguntas desde que fosse rude o suficiente
para as perguntar.
Ela olhou silenciosamente para as mãos. Isso deixou-me impaciente; eu queria
pôr a minha mão debaixo do seu queixo e levantar-lhe a cabeça para que
pudesse ler os seus olhos. Mas fazer isso seria uma tolice da minha parte,
perigoso, tocar na sua pele novamente.
Levantou os olhos subitamente. Era um alívio poder ver as emoções nos seus
olhos outra vez. Ela falou apressadamente, a apressar-se nas palavras.
- A minha mãe casou pela segunda vez.
Ah, aquilo era humano o suficiente, fácil de entender. A tristeza passou pelos
seus olhos translúcidos e enrugou a testa outra vez.
- Não parece ser algo assim tão complexo. - Disse. A minha voz soou gentil sem
que eu me esforçasse para isso. A sua tristeza fez-me sentir estranhamente
impotente, a desejar que houvesse algo ao meu alcance para fazê-la sentir-se
melhor. Um estranho impulso. - Quando é que isso aconteceu?
- No passado mês de Dezembro. - Expirou pesadamente - nada mais do que um
suspiro. Sustive a minha respiração quando a sua respiração quente passou no
meu rosto.
- E tu não gostas dele. - Supus, a pescar por mais informações.
- Não, o Phil é uma boa pessoa. - Disse, corrigindo a suposição. Havia a ponta de
um sorriso agora nos cantos de seus lábios. – Talvez um pouco jovem de mais,
mas bastante simpático.
Ok, isto não se encaixava com o cenário que tinha imaginado na minha cabeça.
- Porque não ficaste com eles? - Perguntei, a minha voz um pouco curiosa
demais. Parecia que eu estava a ser bisbilhoteiro. E estava a ser, admito.
- O Phil viaja muito. Ganha a vida a jogar à bola. - O pequeno sorriso cresceu;
aquela escolha de carreira divertia-a.
Eu sorri, também, sem escolher fazê-lo. Não estava a tentar fazê-la sentir-se à
vontade. O seu sorriso apenas me fez querer sorrir de volta - fazer parte do
segredo.
- Já ouvi falar dele? - Passei as fotos de posters de jogadores de basebol na
minha cabeça, a perguntar-me qual deles era Phil…
- Provavelmente não. Ele não joga bem. - Outro sorriso. – Joga na segunda liga e
desloca-se muito.
As caras na minha mente desapareceram instantaneamente e fiz uma lista de
possibilidades em menos de um segundo. Ao mesmo tempo, estava a imaginar
um novo cenário.
- E a tua mãe mandou-te para cá de modo a poder viajar com ele. - Disse. Fazer
suposições parecia funcionar melhor com ela do que fazer perguntas. Funcionou
de novo. O seu queixo elevou-se e sua expressão de repente ficou dura.
- Não, ela não me mandou para aqui. - Disse, e sua voz tinha novo tom, duro e
irritado. A minha suposição tinha-a deixado triste, embora eu não conseguisse
entender o porquê. – Vim por vontade própria.
Não consegui entender o motivo, ou a razão por detrás da sua tristeza. Eu
estava completamente perdido.
Então desisti. Esta rapariga simplesmente não fazia sentido nenhum. Ela não
era como os outros humanos. Talvez o silêncio dos seus pensamentos e o
perfume do seu cheiro não fossem as únicas coisas incomuns nela.
- Não compreendo. - Admiti, odiando ceder.
Ela suspirou, e olhou para os meus olhos por mais tempo do que a maioria dos
humanos normais seriam capazes de suportar.
- A princípio, ficava comigo, mas sentia saudades dele. - Explicou devagar, com
o seu toma ficar mais desesperado a cada palavra. – A separação fazia-a infeliz,
logo, decidi que estava na altura de passar algum tempo útil com o Charlie.
A mínima ruga entre os seus olhos intensificou-se.
- Agora, porém, és tu quem está infeliz. - Murmurei. Eu não conseguia parar de
dizer as minhas hipóteses em voz alta, desejando aprender com as suas
reacções. Esta, porém, não parecia tão diferente do normal.
- E daí? - Disse, como se esse não fosse um aspecto que merecesse ser
considerado.
Continuei a olhar-lhe para os olhos, e senti que finalmente tinha conseguido ter
um vislumbre da sua alma. Vi naquela única palavra, onde ela se tinha
posicionado na sua própria lista de prioridades. Ao contrário dos outros
humanos, as suas próprias necessidades estavam bem abaixo da lista.
Ela era altruísta.
Enquanto reparava nisso, o mistério daquela pessoa escondida numa mente
silenciosa começou a atenuar um bocado.
- Não parece ser justo. – Disse-lhe. Encolhi os ombros, tentando parecer casual,
tentando omitir a intensidade da minha curiosidade.
Ela riu-se, mas não havia diversão no som. – Nunca ninguém te disse «A vida
não é justa»?
Queria-me rir das suas palavras, embora também me não estivesse a divertir.
Eu sabia um bocado sobre a injustiça da vida. – Creio já ter ouvido isso algures.
Ela olhou outra vez para mim, parecendo confusa. Desviou os olhos e depois
olhou-me de novo.
- Então, é tudo. – Disse-me.
Mas eu não estava preparado para acabar esta conversa. O pequeno “V” entre
os seus olhos, um resto da sua dor, incomodava-me. Eu queria arrancá-la com a
ponta do meu dedo, mas obviamente não podia tocá-la. Isso não era seguro de
várias formas.
- Disfarças bem. - Disse devagar, ainda a considerar a próxima hipótese. - Mas
estaria disposto a apostar que estás a sofrer mais do que demonstras a todos.
Ela fez um esgar, os seus olhos apertados e sua boca torcendo-se num beicinho,
e olhou outra vez para a frente da sala. Não gostou que eu tivesse adivinhado
correctamente. Ela não era o típico mártir. Ela não queria uma plateia para a
sua dor.
- Estou enganado?
Ela recuou um bocado, mas por outro lado fingiu não me ouvir.
Isso fez-me sorrir. – Bem me pareceu que não.
- Por que é que isso te interessa? - Ela quis saber, ainda a olhar para longe.
- Essa é uma excelente pergunta. - Admiti, mais para mim mesmo do que para
lhe responder.
O seu discernimento era melhor do que o meu. Ela estava bem no centro das
coisas enquanto eu me debatia cegamente através das pistas. Os detalhes da
sua vida muito humana não me deviam interessar. Era errado para mim
interessar-me pelo que ela pensava. A não ser que fosse para proteger a minha
família, pensamentos humanos não eram significantes.
Eu não estava habituado a ser o menos intuitivo num par. Confiei demasiado no
meu “ouvido extra”. Obviamente que não era tão perceptivo como eu achei que
fosse.
A rapariga suspirou e ficou carrancuda a encarar a frente da sala. Algo na sua
expressão frustrada era engraçado. A situação em si, toda a conversa era
engraçada. Nunca ninguém tinha estado tão em perigo por minha causa como
esta pequena rapariga. A qualquer momento eu podia, distraído pela minha
ridícula absorção na nossa conversa descontrolar-me e atacá-la antes que me
conseguisse segurar, e ela estava irritada porque eu não lhe tinha respondido à
pergunta.
- Estou a aborrecer-te? - Perguntei, a rir-me do absurdo daquilo tudo.
Ela deu-me uma olhadela rapidamente, e depois os seus olhos ficaram presos
no meu olhar.
- Não propriamente. - Disse. - Estou mais aborrecida comigo mesma. Sou tão
transparente, a minha mãe chama-me sempre o seu livro aberto.
Ela franziu as sobrancelhas de mau humor.
Olhei para ela, divertindo-me. A razão de ela estar de mau humor era porque
pensava que eu vi através dela muito facilmente. Que bizarro. Nunca me tinha
esforçado tanto para compreender alguém em toda a minha vida, ou existência,
já que vida não era a palavra adequada. Eu não tinha realmente uma vida.
- Pelo contrário. - Discordei, sentindo-me estranhamente… cauteloso, como se
houvesse algum perigo escondido que eu não conseguia ver. Subitamente,
estava no limite da corda bamba, a premonição a deixar-me ansioso. –
Considero-te muito opaca.
- Então, deves ser um bom avaliador de carácter. - Supôs, fazendo a sua própria
suposição, que estava novamente correcta.
- Normalmente. - Concordei.
Dei-lhe um largo sorriso, deixando que os meus lábios se retorcessem para
expor os dentes cintilantes e afiados atrás deles.
Foi algo estúpido de fazer, mas fiz repentinamente, inesperadamente
desesperado para expressar algum tipo de aviso para a rapariga. O seu corpo
estava mais perto de mim do que antes, inconscientemente deslocado no
decorrer da nossa conversa. Todos os pequenos marcadores e sinais que eram
suficientemente assustadores para o resto da humanidade, não resultavam com
nela. Por que é que ela não se encolheu para longe de mim aterrorizada? De
certeza que já deve ter visto bastante do meu lado sombrio para perceber o
perigo, ela parecia ser intuitiva.
Não reparei se o meu aviso teve o efeito desejado, o Mr. Banner disse para a
turma prestar atenção apenas por aquele momento, e ela virou-se de mim. Ela
parecia um bocado aliviada pela interrupção, portanto talvez tenha
compreendido inconscientemente.
Eu esperava que sim.
Eu reconheci o fascínio a crescer dentro de mim, mesmo enquanto tentava fazê-
lo sair. Eu não me podia dar ao luxo de achar a Bella Swan interessante. Ou
melhor, ela não se podia dar ao luxo. Eu já estava ansioso por alguma outra
oportunidade de falar com ela… Eu queria saber mais sobre a sua mãe, a sua
vida antes de chegar aqui, o seu relacionamento com seu pai. Todos as coisas
sem sentido que poderia acrescentar detalhes ao seu carácter. Mas cada
segundo que eu gastava com ela era um erro, um risco que ela não sabia que
estava a correr.
Distraidamente, lançou o cabelo para trás das costas mesmo no momento em
que tinha permitido a mim mesmo dar outra respiração. Uma onda
particularmente concentrada do seu cheiro atingiu a minha garganta.
Foi como no primeiro dia, como a bola destrutiva. A dor que queimava e a sede
fez-me ficar tonto. Tive de agarrar a mesa outra vez para manter o meu corpo
na cadeira. Agora eu tinha ligeiramente um bocado mais de controlo. Não parti
nada, ao menos isso… O monstro rosnou dentro de mim, mas não gostou da
minha dor. Ele também estava preso. Por agora.
Parei de respirar completamente, e inclinei-me o mais longe possível da
rapariga.
Não, eu não me podia dar ao luxo de achá-la fascinante…Quanto mais
fascinante a achava, mais provável era que a matasse. Eu já tinha cometido
dois pequenos deslizes hoje. Teria de cometer um terceiro, que não seria nada
pequeno?
Mal a campainha tocou, abandonei a sala, provavelmente destruindo qualquer
boa impressão que tinha construído no decorrer da aula. De novo, eu ofeguei
pelo ar limpo, húmido lá de fora, como se fosse uma cura para alguma coisa.
Apressei-me a criar o máximo de distância possível entre a rapariga e eu.
O Emmett estava à minha espera na porta da sala de Espanhol. Leu a minha
expressão louca por um momento.
Como é que correu? Perguntou cautelosamente.
-Ninguém morreu. - Resmunguei.
Suponho que isso é alguma coisa. Quando vi a Alice a andar por aqui no fim, eu
pensei…
Enquanto andávamos para a sala, vi a sua memória de apenas alguns
momentos atrás, vista pela porta aberta da sua última aula: A Alice de olhos
desfocados a andar em direcção ao prédio de biologia. Senti a sua vontade
relembrada de ir lá e juntar-se a ela, e depois senti a sua decisão em ficar. Se
Alice precisasse da sua ajuda, ela iria pedir…
Fechei os meus olhos com horror e desgosto enquanto me sentava na minha
cadeira.
- Não me apercebi que estive assim tão perto. Não pensei que fosse… Não vi
que estava assim tão mau. - Sussurrei.
Não estava, ele assegurou-me. Ninguém morreu, certo?
- Certo. - Disse entre os dentes. – Desta vez não.
Talvez fique mais fácil.
- Claro.
Ou, talvez a mates. Encolheu os ombros. Não serias o primeiro a fazer asneira.
Ninguém te julgaria de uma forma dura. Às vezes uma pessoa apenas cheira
muito bem. Estou impressionado que tenhas resistido tanto tempo.
- Não estás a ajudar, Emmett.
Eu estava revoltado com a sua aceitação da ideia de que eu mataria a rapariga,
de que isso era de algum modo, inevitável. Ela tinha culpa de cheirar tão bem?
Eu sei quando me aconteceu… Ele lembrou-se, trazendo à tona metade de um
século, para uma rua suja, onde uma mulher de meia-idade estava a tirar os
seus lençóis secos de um estendal amarrado entre duas macieiras. O cheiro a
maçãs era forte no ar, a colheita tinha acabado e as frutas rejeitadas estavam
espalhadas pelo chão, os buracos nas cascas deixavam escapar as suas
fragrâncias como grossas nuvens. Um campo recém cortado de feno era um
fundo de paisagem para o cheiro, a harmonia. Ele andou pela rua, indiferente à
mulher, para fazer um recado de Rosalie. O céu lá em cima estava púrpura,
laranja acima das árvores. Ele teria continuado a andar pelo caminho das
carroças e não haveria nenhuma razão para lembrar-se daquela tarde, não
fosse por uma repentina brisa que soprou os lençóis brancos como velas e levou
o cheiro da mulher até o rosto de Emmett.
-Ah. - Gemi calmamente. Como se a minha própria sede não fosse o suficiente.
Eu sei. Eu não durei nem metade de um segundo. Eu nem pensei sequer em
resistir.
A sua memória tornou-se demasiado explícita para eu aguentar.
Saltei da cadeira, os meus dentes trincaram-se fortemente o suficiente para
cortar aço.
- Esta bien, Edward? - Señora Goff perguntou, assustada pelo meu brusco
movimento. Conseguia ver o meu rosto na sua mente, e eu sabia que eu parecia
longe de estar bem.
- Me perdona. - Murmurei, enquanto me lançava pela porta.
- Emmett, por favor, puedas tu ayuda a tu hermano? - Perguntou, gesticulando
sem solução para mim enquanto eu me apressava para sair da sala.
- Claro. – Ouviu-o dizer. E já estava bem atrás de mim.
Seguiu-me até o lado mais longe do edifício, onde me alcançou e pôs a mão no
meu ombro.
Empurrei a mão dele para longe com uma força desnecessária. Teria quebrado
os ossos de uma mão humana, e os ossos do braço ligados a ela.
- Desculpa, Edward.
- Eu sei. - Dei profundos suspiros, à procura de ar, tentando clarear a minha
cabeça e os meus pulmões.
- É tão mau como aquilo? - Perguntou, tentando não pensar no cheiro e no sabor
na sua memória enquanto perguntava, não tendo muito sucesso.
- Pior, Emmett, pior.
Ele ficou quieto por um instante.
Talvez…
- Não, não ia ser melhor se eu acabasse logo com isto. Volta para a sala,
Emmett. Eu quero ficar sozinho.
Virou-se sem dizer nenhuma palavra ou pensamento e caminhou rapidamente.
Ele ia dizer à professora de Espanhol que eu estava doente, ou a baldar-me, ou
dizer que eu era um vampiro perigosamente fora de controlo. A desculpa dele
realmente importava? Talvez eu não voltasse. Talvez eu tivesse que partir.
Voltei para o meu carro novamente, para ficar à espera do fim da escola. Para
me esconder, novamente.
Eu podia ter usado o tempo para fazer decisões ou tentar reforçar a minha
explicação, mas, como um vício, eu vi-me à procura através dos murmúrios de
pensamentos que emanavam do prédio da escola. As vozes familiares
destacaram-se, mas agora eu não estava interessado em dar ouvidos às visões
de Alice ou às reclamações de Rosalie. Encontrei a Jessica facilmente, mas a
rapariga não estava com ela, então continuei à procura. Os pensamentos de
Mike Newton chamaram a minha atenção, e eu acabei por a encontrar, num
ginásio com ele. Ele estava triste, porque eu conversei com ela na aula de
Biologia. Ele estava a pensar sobre a sua reacção à conversa quando algo
surgiu do nada…
Eu nunca o vi a conversar com ninguém a não ser uma palavra aqui ou ali. Claro
que ele acabou por achar a Bella interessante. Não gosto da maneira que ele
olha para ela. Mas ela não parece estar muito interessada nele. O que é que ela
disse? “Pergunto-me o que tinha ele na passada segunda-feira.” Algo assim.
Não parece que ela se tenha importado. Não deve ter sido uma grande
conversa…
Falou consigo mesmo, a convencer-se a não ser pessimista daquela maneira,
feliz pela ideia de que Bella não estava interessada na sua troca de palavras
comigo. Isso incomodou-me um pouco mais do que o aceitável, então parei de
ouvi-lo.
Pus um CD com música violenta no leitor, e aumentei o som até que não
conseguisse ouvir mais vozes. Tinha de me concentrar bastante na música para
me manter longe dos pensamentos de Mike Newton, para espiar a rapariga
inocente…
Fiz batota algumas vezes, enquanto chegava o fim da aula. Não estava a espiar,
tentava convencer-me. Eu estava apenas a preparar-me. Queria saber
exactamente quando é que ela ia sair do ginásio, quando estivesse no
estacionamento… Eu não queria ser surpreendido.
Enquanto os estudantes começavam a sair das portas do ginásio, eu saía do
meu carro, sem saber por que é que fiz aquilo. A chuva estava fraca - ignorei
isso enquanto estava lentamente a saturar o meu cabelo.
Eu queria que ela me visse aqui? Estava à esperava que ela viesse e falasse
comigo? O que é que eu estava a fazer?
Não me mexi, apesar de ter tentado convencer-me a mim mesmo a voltar para
o carro, sabia que o meu comportamento era repreensível. Mantive os meus
braços sobre o meu peito e respirei bem devagar enquanto a observava passar
devagar por mim, os seus lábios caídos nas extremidades. Ela não olhou para
mim. Algumas vezes lançou os olhos em direcção às nuvens com uma careta,
como se a ofendessem.
Estava desapontado quando chegou ao seu carro antes de passar por mim. Será
que teria falado comigo? Será que teria falado com ela?
Entrou numa carrinha vermelha suja da Chevy, um monstro robusto que era
mais velha que o seu pai. Observei-a a arrancar a carrinha. O motor velho
roncou mais alto que qualquer veículo no estacionamento. E então, pôs as mãos
em direcção ao vento quente. O frio era desconfortável para ela, não gostava
nem um pouco disso. Passou os seus dedos pelos cabelos emaranhados,
esticando os nós através da corrente de ar quente, como se o estivesse a secar.
Eu imaginei como seria o cheiro daquele compartimento da carrinha, e
rapidamente me desfiz desse pensamento.
Ela olhou ao redor enquanto se preparava para fazer marcha a trás, e
finalmente olhou na minha direcção. Olhou para mim por apenas meio segundo,
e tudo o que consegui ler nos seus olhos foi surpresa, antes de virar os olhos
para outro lado e passar a marcha-atrás. E então travou repentinamente, e a
traseira da carrinha ficou a alguns centímetros de bater no carro de Erin
Teague.
Espreitou pelo espelho retrovisor, a sua boca estava aberta com o
constrangimento. Quando o outro carro passou por ela, olhou todos os pontos
cegos duas vezes e então saiu da área do estacionamento tão cuidadosamente
que me fez sorrir. Era como se pensasse que a sua carrinha decrépita fosse
perigosa.
O pensamento de Bella Swan poder fazer mal a alguém, independentemente do
que estivesse a conduzir, fez-me rir quando a rapariga passou mesmo por mim,
a olhar fixamente para a frente.
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Sábado, 24 de Janeiro de 2009
3º Capitulo - Fenómeno
Sinceramente, eu não estava sedento, mas decidi caçar novamente naquela
noite. Uma pequena quantidade para prevenir.
O Carlisle veio comigo, não estávamos juntos sozinhos desde que voltei de
Denali. Enquanto corríamos pela floresta negra, eu ouvi-o a pensar sobre aquele
rápido adeus da semana passada.
Na sua memória, vi a maneira com que as minhas feições se tinham contraído
num feroz desespero. Senti-o a surpreender-se e repentinamente a preocupar-
se.
“Edward?”
“Eu tenho que ir Carlisle. Tenho que ir agora.”
“O que é que aconteceu?”
“Nada. Ainda. Mas irá acontecer se eu ficar.”
Ele alcançou o meu braço. Senti como o magoei quando recusei a mão.
“Eu não entendo.”
“Já alguma vez… já houve algum momento…”
Vi-me a dar um profundo suspiro, vi a selvagem luz dos meus olhos através do
filtro da preocupação dele.
“Já alguma pessoa cheirou melhor para ti do que o resto das pessoas? Muito
melhor?”
“Oh.”
Quando percebi que ele tinha entendido, o meu rosto descaiu com vergonha.
Ele alcançou-me para me tocar, ignorando quando eu recuei de novo, e deixou
a sua mão no meu ombro.
“Faz o que puderes para resistir, filho. Vou sentir a tua falta. Aqui, leva o meu
carro. É mais rápido.”
Ele estava a perguntar-se agora se antes tinha feito a coisa certa, mandando-
me para longe. Estava a perguntar-se se me tinha magoado com a sua falta de
confiança.
“Não,” Sussurrei enquanto corria. “Aquilo era o que eu precisava. Poderia ter
traído a tua confiança tão rapidamente se me tivesses dito para ficar.”
“Eu lamento que estejas a sofrer, Edward. Mas tens de fazer o que puderes para
manter a criança Swan viva. Mesmo se isso signifique que terás que nos deixar
novamente.”
“Eu sei, eu sei.”
“Por que é que voltaste? Sabes o quão feliz fico por te ter aqui, mas se isso é
muito difícil…”
“Eu não gostei de me sentir um cobarde,” Admiti.
Nós abrandámos. Estávamos praticamente a caminhar através da escuridão
agora.
“Melhor isso do que colocá-la em perigo. Ela vai partir dentro de um ano ou
dois.”
“Tens razão, eu sei disso.” – Mas, pelo contrário, as palavras dele apenas me
deixaram mais ansioso para ficar. A rapariga ia-se embora num ano ou dois…
O Carlisle parou de correr e eu parei com ele; ele virou-se para examinar a
minha expressão.
Mas não te vais embora, não é?
Eu deixei cair a cabeça.
É por orgulho, Edward? Não há que ter vergonha por…
“Não, não é o orgulho que me prende aqui. Não agora.”
Sem lugar para ires?
Ri-me levemente. “Não. Isso não me iria impedir se quisesse realmente ir
embora.”
“Nós vamos contigo, claro, se for isso que precisas. É só dizeres. É só pedires.
Eles não terão má vontade com isso.”
Ergui uma das sobrancelhas.
Ele riu-se. “Sim, A Rosalie provavelmente teria, mas ela deve-te isso. Seja como
for, é muito melhor para nós, irmos agora, sem ter causado nenhum dano, do
que irmos mais tarde, depois de uma vida ter acabado” Todo o humor tinha
acabado.
Fiquei com medo das suas palavras.
“Sim,” Concordei. A minha voz soou rouca.
Mas não vais partir?
Suspirei. “Eu devia.”
“O que é que te prende aqui, Edward? Não consigo entender…”
“Não sei se consigo explicar…” Mesmo para mim, não fazia sentido.
Ele mediu a minha expressão por um longo tempo.
Não, eu não consigo entender. Mas vou respeitar a tua privacidade, se preferes.
“Obrigado. É generoso da tua parte, visto que não dou privacidade a ninguém.”
Com uma excepção. E eu ia fazer o que podia para impedir isso, não ia?
Todos nós temos as nossas peculiaridades. Ele riu-se novamente. Vamos?
Ele tinha acabado de sentir o rasto de um pequeno rebanho de veados. Era
difícil reunir muito entusiasmo pelo que era, mesmo nas melhores
circunstâncias, era um aroma que fazia tudo menos dar água na boca. Agora,
com a memória do sangue fresco da rapariga na minha cabeça, este cheiro
revirava-me o estômago.
Suspirei. “Vamos” - Concordei, apesar de saber que forçar mais sangue pela
minha garganta não ia ajudar muito.
Ambos assumimos uma posição de caça e deixámos que o rasto guiasse e nos
puxasse em silêncio para a frente.
Estava mais frio quando voltámos para casa. A neve derretida tinha congelado
novamente; era como se um fino lençol de vidro cobrisse tudo - cada ponta de
pinheiro, cada folha das plantas, cada lâmina de relva estava congelada.
Enquanto Carlisle se foi vestir para o seu primeiro turno no hospital, eu fiquei
perto do rio, à espera que o sol nascesse. Sentia-me quase inchado com tanto
sangue que tinha consumido, mas eu sabia que a falta de sede ia significar
pouco quando me sentasse ao lado da rapariga outra vez.
Frio e estático como a pedra em que me sentei, encarei a água fria que corria
ao lado da margem congelada, vi além daquela cena.
O Carlisle estava certo. Eu devia deixar Forks. Eles podiam espalhar alguma
história para explicar a minha ausência. Intercâmbio na Europa. A visitar
parentes distantes. Fuga adolescente. A história não importava. Ninguém ia
questionar muito.
Ia demorar apenas um ano ou dois para que a rapariga desaparecesse. Ela ia
seguir em frente com a vida dela. Ela tinha que seguir em frente com sua vida.
Iria para a faculdade nalgum lugar, ia ficar mais velha, começar uma carreira,
possivelmente até se ia casar com alguém. Eu conseguia imaginar isso.
Conseguia ver a rapariga toda vestida de branco a andar num passo medido, de
braço dado com o seu pai.
Foi estranho, a dor que aquela imagem me causou. Não conseguia entender
aquilo. Eu estava com ciúmes, por que ela tinha um futuro que eu nunca iria
ter? Aquilo não fazia sentido. Todos os humanos à minha volta tinham o mesmo
potencial. Uma vida, e eu raramente tinha parado para os invejar.
Eu devia deixá-la com o seu futuro. Parar de arriscar a vida dela. Essa era a
coisa mais acertada a fazer. O Carlisle escolhia sempre a maneira certa. Eu
devia ouvi-lo agora.
O sol apareceu atrás das nuvens, e a luz fraca brilhou no vidro congelado
Mais um dia, decidi. Eu ia vê-la mais uma vez. Podia lidar com aquilo. Talvez
mencionasse o meu desaparecimento pendente, preparar a história.
Isto ia ser difícil. Conseguia sentir isso na pesada relutância que já me estava a
fazer pensar em desculpas para dar, para estender o prazo limite por dois dias,
três, quatro… Mas eu ia fazer a coisa certa. Eu sabia que tinha de confiar no
aviso de Carlisle. E eu também sabia que podia ser muito difícil tomar a decisão
certa sozinho.
Demasiado difícil. Quanta desta relutância vinha da minha obsessiva
curiosidade, e quanta vinha do meu insatisfeito apetite?
Fui para dentro para trocar de roupa, para ir à escola.
A Alice estava à minha espera, sentada no topo das escadas do terceiro andar.
Vais-te embora outra vez. – Acusou-me.
Suspirei e acenei com a cabeça
Não consigo ver para onde é que estás a ir desta vez.
“Ainda não sei para onde é que vou” - Sussurrei.
Eu quero que fiques.
Balancei minha cabeça.
Talvez eu e Jazz pudéssemos ir contigo?
“Eles vão precisar mais de ti agora, se não estiver aqui para olhar por eles. E
pensa na Esme. Ias levar metade da família embora de uma vez?”
Vais fazê-la ficar tão triste.
“Eu sei. Por isso é que tens que ficar.”
Não é o mesmo sem ti aqui, sabes disso.
“Sim. Mas eu tenho que fazer o que é certo.”
Mas há várias maneiras certas, e muitas erradas, não há?
Por um curto momento ela foi até uma das suas estranhas visões; assisti
juntamente com ela enquanto as imagens indistintas apareciam e giraram. Vi-
me a mim mesmo dentro dessas visões com estranhas sombras que eu não
conseguia compreender, enubladas, formas imprecisas.
E então, de repente, a minha pele estava a brilhar à luz do sol numa pequena e
aberta clareira. Eu conhecia aquele lugar. Mas havia uma figura na clareira
comigo, mas novamente, era indistinta, não havia ali o suficiente para
reconhecer. As imagens tremeram e desapareceram quando um milhão de
pequenas escolhas rearranjaram o futuro outra vez.
“Não percebi muito disso” – Disse-lhe quando a visão ficou escura.
Nem eu. O teu futuro está a mudar e mudar tanto que eu não consigo
acompanhar. Mas eu acho que…
Ela parou, e vagueou por uma vasta colecção de outras visões recentes para
mim. Eram todas iguais - borradas e vagas.
“Mas eu acho que algo está a mudar” - Disse em voz alta. “A tua vida parece
estar numa encruzilhada.”
Ri-me, austero. “Tens noção de que agora soas a uma cigana mentirosa num
parque de diversões, certo?”
Ela mostrou-me a sua pequena língua.
“Mas hoje está tudo bem, não é?” - Perguntei, com a minha voz abruptamente
apreensiva.
“Não te vejo a matar ninguém hoje,” – Garantiu-me.
“Obrigado, Alice.”
“Vai mudar de roupa. Não vou dizer nada. Vou deixar que contes aos outros
quando estiveres pronto.”
Ela levantou-se e seguiu escada abaixo, os seus ombros um pouco curvados.
Vou sentir a tua falta. Muito.
Sim, eu também ia sentir a falta dela.
Foi uma viagem calma até à escola. O Jasper conseguia perceber que a Alice
estava chateada com alguma coisa, mas ele sabia que se ela quisesse falar
sobre isso já o teria feito. O Emmett e Rosalie estavam distraídos, a ter outro
dos seus momentos, a olhar nos olhos um do outro com admiração. Era um
tanto ou quanto nojento de se assistir pelo lado de fora. Nós todos já sabíamos o
quão desesperadamente apaixonados eles estavam. Ou talvez eu apenas
estivesse amargo por ser o único sozinho. Alguns dias eram piores do que
outros de se conviver com três casais perfeitos e apaixonados. Este era um
desses dias.
Talvez eles fossem mais felizes sem mim por perto, com o meu mau
temperamento, mau e hostil como o idoso que eu devia ser por agora.
Claro, a primeira coisa que fiz quando chegámos à escola foi procurar a
rapariga. Apenas para me preparar novamente.
Certo.
Era embaraçoso como o meu mundo de repente parecia estar vazio de tudo,
menos dela. Toda a minha existência centrada à volta daquela rapariga, em vez
de mim mesmo.
Mas realmente, era fácil de entender. Depois de oitenta anos da mesma coisa,
todos os dias, todas as noites, qualquer mudança era motivo de interesse.
Ela ainda não tinha chegado, mas eu conseguia ouvir o barulho dos travões do
motor da sua carrinha ao longe. Encostei-me ao lado do carro para esperar. A
Alice esperou comigo, enquanto os outros foram directamente para as suas
aulas. Estavam aborrecidos com a minha fixação. Era incompreensível para eles
como qualquer humano podia despertar tanto interesse em mim por tanto
tempo, independentemente de quão delicioso o cheiro dela fosse.
A rapariga entrou aos poucos no meu campo de visão, os seus olhos estavam na
estrada e as suas mãos a segurar o volante com força. Parecia estar ansiosa
com alguma coisa. Levei um segundo a entender o que é que esse algo era,
para perceber que todos os humanos tinham a mesma expressão hoje. Ah, a
estrada estava escorregadia por causa do gelo, e eles estavam todos a conduzir
com cuidado. Eu conseguia perceber que ela levava o risco a sério.
Aquilo parecia encaixar-se no pouco que eu já aprendera sobre a sua
personalidade. Adicionei aquilo à pequena lista: ela era uma pessoa séria,
responsável.
Estacionou não muito longe de mim, mas ainda não tinha notado a minha
presença, a olhar para ela. Perguntei-me sobre o que ela iria fazer quando
percebesse. Iria corar e ir embora?
Aquele era o meu primeiro palpite. Mas talvez ela olhasse para mim também.
Talvez ela viesse falar comigo.
Inspirei fundo, a encher os meus pulmões, esperançoso, apenas por precaução.
Ela saiu da cabina da carrinha com cuidado, testando o chão escorregadio antes
que pusesse o seu peso todo nele. Não olhou para cima, e isso frustrou-me.
Talvez eu devesse falar com ela…
Não, isso seria errado.
Em vez de se virar em direcção à escola, ela caminhou até a traseira da
carrinha, segurando-se na parte lateral dela de uma forma atrapalhada, não
confiando nos seus passos. Isso fez-me sorrir, e eu senti os olhos de Alice na
minha cara. Não ouvi o que quer que fosse que aquilo a fez pensar. Eu estava a
divertir-me muito a observar a rapariga a olhar para as correntes nos pneus. Ela
parecia realmente que estava prestes a escorregar, da maneira que seus pés
deslizavam no chão. Mais ninguém parecia ter o mesmo problema. Será que ela
tinha estacionado na pior parte do gelo?
Parou por um momento, e olhou para os pneus com uma expressão estranha no
rosto. Era… emocional? Como se algo em relação aos pneus a deixasse…
emocionada?
Novamente, a curiosidade magoou-me como a sede. Era como se eu precisasse
de saber o que é que ela estava a pensar, como se mais nada importasse.
Eu ia falar com ela. Parecia que precisava de uma ajuda de qualquer das
maneiras, pelo menos até que estivesse fora da zona escorregadia de gelo.
Claro, eu não lhe podia oferecer isso não é? Hesitei, dividido. Tão adversa que
ela parecia em relação à neve, dificilmente ia achar agradável o toque das
minhas mãos brancas e frias. Eu devia ter trazido luvas…
“NÃO!” Alice ofegou alto.
Instantaneamente, li os seus pensamentos, a imaginar que eu devia ter feito
uma escolha errada, e que ela me tinha visto a fazer algo imperdoável. Mas não
tinha rigorosamente nada a ver comigo.
O Tyler Crowley decidiu fazer a curva do estacionamento rápido demais. Essa
escolha ia fazê-lo deslizar no gelo…
A visão aconteceu menos de meio segundo da realidade. A carrinha de Tyler
virou a esquina enquanto eu assistia ao final que deixou a Alice sem fôlego.
Não, esta visão não tinha nada a ver comigo, mas ainda assim tinha tudo a ver
comigo, porque a carrinha de Tyler - com os pneus agora a tocar no gelo no pior
ângulo possível - ia rodopiar pelo estacionamento e bater na rapariga que se
tornara o centro não intencional do meu mundo.
Mesmo sem que a Alice previsse, teria sido fácil adivinhar a trajectória do
veículo, a sair do controlo de Tyler.
A rapariga, parada exactamente no lugar errado da traseira da carrinha, olhou
para cima, confusa com o barulho dos pneus a raspar no asfalto. Ela olhou
directamente para os meus olhos horrorizados, e virou-se para observar a sua
morte iminente.
Ela, não! As palavras gritaram na minha mente, como se pertencessem a outra
pessoa.
Ainda preso aos pensamentos de Alice, percebi que a visão de repente se tinha
mudado, mas não tive tempo para ver o que ia acontecer.
Lancei-me pelo estacionamento, mandando-me entre a carrinha desgovernada
e a rapariga petrificada. Movimentei-me tão depressa que tudo parecia
desfocado, menos o objecto em que eu estava focado. Ela não me viu, nenhum
olho humano conseguiria acompanhar a minha movimentação, ela ainda estava
a encarar a sombra que estava prestes espalmar-lhe o corpo na estrutura
metálica de sua carrinha.
Agarrei-a pela cintura, movendo-me com demasiada urgência para ser tão
gentil quanto devia. No centésimo de segundo entre o tempo que levei para
tirá-la do caminho da morte e o tempo que levei para cair no chão com ela nos
meus braços, eu estava vividamente consciente da fragilidade do seu corpo.
Quando ouvi a sua cabeça a bater contra o gelo, senti-me como se me tivesse
tornado gelo também.
Mas eu não tinha nem sequer um segundo inteiro para me certificar da sua
condição. Ouvi a carrinha atrás de nós, a girar barulhenta enquanto batia no
corpo metálico da pick-up da rapariga. Estava a mudar de direcção, virando-se,
a vir até ela outra vez, como se ela fosse um íman, a puxá-la para nós.
Uma palavra que nunca tinha dito na presença de uma senhora escapou-se
entre os meus dentes cerrados.
Eu já tinha feito demasiado. Enquanto quase voava pelo ar para a tirar do
caminho, eu estava consciente do erro que estava a cometer. Saber que era um
erro não me impediu, mas eu não estava alheio ao risco que estava a correr.
Não apenas para mim, mas para toda a minha família.
Exposição.
E isto certamente que não ia ajudar, mas não havia a menor hipótese de eu
deixar a carrinha obter sucesso na sua segunda tentativa de tirar a vida da
rapariga.
Larguei-a e levantei as minhas mãos, agarrando a carrinha antes que ela
conseguisse tocar na rapariga. A força do movimento lançou-me contra o carro
parado ao lado da pick-up, e eu conseguia sentir sua forma a afundar-se pelos
meus ombros. A carrinha tremeu contra o obstáculo que eram os meus braços,
e depois abanou, balançando instável nos dois pneus mais afastados.
Se eu mexesse as mãos, o pneu traseiro da carrinha ia cair nas pernas dela.
Oh, pelo amor de tudo o que é sagrado, será que as catástrofes nunca iam
acabar? Havia mais alguma coisa para correr mal? Eu não podia ficar ali, a
segurar a carrinha no ar, e ficar à espera de resgate. Nem podia mandar a
carrinha para longe. Tinha de considerar o motorista, com os seus pensamentos
incoerentes pelo pânico.
Com um rugido interno, empurrei a carrinha para que ela se afastasse de nós
por um instante. Assim que se balançou outra vez na minha direcção, segurei-a
por debaixo do pára-choques com a minha mão direita enquanto enrolava outra
vez o meu braço esquerdo à volta da cintura da rapariga e a arrastava de
debaixo da carrinha, puxando-a apertada ao meu lado. O seu corpo mole
moveu-se enquanto eu a virava para que as suas pernas estivessem livres. Será
que ela estava consciente? Quantos danos ter-lhe-ia infligido na minha
desastrosa tentativa de resgate?
Deixei a carrinha cair, agora que já não a podia mais magoar. Ela bateu no
pavimento, as janelas partiram-se em uníssono.
Eu sabia que estava no meio de uma crise. Quanto é que ela teria visto? Mais
alguém me tinha visto aparecer ao lado dela e depois a agarrar a carrinha
enquanto tentava tirar a rapariga lá de baixo? Essas questões deviam ser minha
maior preocupação.
Mas eu estava demasiado ansioso para me importar realmente com a ameaça
de exposição como devia. Demasiado em pânico por saber que a podia ter
magoado com o meu esforço em protegê-la. Demasiado assustado por tê-la tão
próxima a mim, sabendo que assim eu ia sentir o seu cheiro se me permitisse
respirar. Estava demasiado consciente do calor do seu corpo macio, pressionado
contra o meu, mesmo através do obstáculo duplo dos nossos casacos, eu
conseguia sentir o calor…
O primeiro medo foi o maior. Quando os gritos das testemunhas elevaram-se à
nossa volta, inclinei-me para examinar a sua cara, para ver se ela estava
consciente, esperando ansiosamente para que ela não estivesse a sangrar.
Os olhos dela estavam abertos, a olhar em choque.
“Bella?” Perguntei urgentemente. “Estás bem?”
“Estou óptima.” Disse, as suas palavras soaram automáticas num atordoado.
O alívio, tão bom que era quase doloroso, passou por mim com o som da sua
voz. Inspirei um bocado entre os meus dentes, e não me importei com a
queimadura na minha garganta. Quase que lhe dei as boas-vindas.
Ela debateu-se para se sentar, mas eu não estava pronto para a soltar. Parecia
mais… seguro? Melhor, pelo menos, tê-la encostada a mim.
- Tem cuidado. - Avisei-a. - Acho que bateste com a cabeça com bastante
violência.
Não havia cheiro de sangue fresco no ar, misericórdia, mas isso não queria dizer
nada sobre danos internos. Eu estava abruptamente ansioso para a levar ao
Carlisle e ao seu completo equipamento de radiologia.
- Au. - Disse, o seu tom estava comicamente chocado quando percebeu que eu
tinha razão sobre a sua cabeça.
- Bem me parecia. - O alívio foi engraçado para mim, fez-me quase ficar tonto.
- Que diabos… - A sua voz falhou, e os seus olhos tremeram. - Como é que
chegaste aqui tão depressa?
O alívio tornou-se azedo, o humor desapareceu. Ela tinha percebido de mais.
Agora que parecia que a rapariga estava em forma decente, a ansiedade pela
minha família tornou-se severa.
- Estava mesmo a teu lado, Bella. - Eu sabia por experiência que se eu tivesse
muita auto-confiança a mentir, fazia com que o questionador se sentisse menos
seguro da verdade.
Ela esforçou-se para se mexer outra vez, e desta vez eu permiti. Eu precisava
de respirar para fazer o meu papel correctamente, precisava de espaço do seu
corpo caloroso, delicioso e quente para que não se combinasse com o seu
cheiro para darem cabo de mim. Eu deslizei para longe dela, o mais longe o
possível no pequeno espaço entre os destroços dos veículos.
Ela olhou para mim e eu olhei-a também. Ser o primeiro a desviar o olhar seria
um erro que apenas um mentiroso incompetente poderia fazer, e eu não era um
mentiroso incompetente. A minha expressão estava suave, benigna… Pareceu
confundi-la. Isso era bom.
A cena do acidente estava cercada agora. Maioritariamente estudantes,
crianças, colegas a empurrarem-se para ver se algum corpo estava visível.
Havia ali uma data de gritos misturados com pensamentos chocados.
Investiguei os pensamentos uma vez para me certificar que ainda ninguém
desconfiava, depois desliguei-os e concentrei-me apenas na rapariga.
Ela estava distraída por causa da confusão. Olhou à volta, a sua expressão
continuou chocada, e tentou-se levantar.
Pus a minha mão levemente no seu ombro para pará-la.
- Fica quieta por agora. - Ela parecia bem, mas devia estar mesmo a mover o
pescoço? De novo, ansiei pelo Carlisle. Os meus anos como estudante teórico de
medicina não se igualavam com os seus séculos de medicina prática.
- Mas está frio. - Ela reclamou.
Ela tinha quase sido esmagada até a morte duas vezes de formas diferentes e
tinha-se magoado uma vez mais, e era o frio que a estava a incomodar. Um riso
escapou-se de entre os meus dentes, antes que me apercebesse que a situação
não era engraçada.
A Bella piscou os olhos, e os seus olhos focaram-se no meu rosto. “Tu estavas
além.”
Aquilo pôs-me sóbrio outra vez.
Ela olhou para trás, apesar de não haver mais nada para olhar a não ser a
carrinha amassada.
- Estavas junto do teu carro.
- Não, não estava.
- Eu vi-te. – Insistiu, a voz dela era infantil quando era teimosa. O seu queixo
sobressaiu-se.
- Bella, eu estava contigo e puxei-te para te afastar da trajectória da carrinha.
Fitei-a até bem fundo nos seus olhos intensos, tentando convencê-la a aceitar a
minha versão, a única racional disponível.
O queixo dela endureceu-se. - Não.
Tentei ficar calmo, não entrar em pânico. Se eu a pudesse manter calada por
alguns momentos, para me dar uma oportunidade de destruir a prova… e negar
a história dela alegando uma lesão na cabeça.
Não devia ser fácil manter esta rapariga silenciosa e reservada, calada? Se ela
ao menos confiasse em mim, só por alguns instantes…
-Por favor, Bella. - Disse, e a minha voz estava muito intensa, porque de repente
eu queria que ela confiasse em mim. Queria muito, e não só por causa do
acidente. Que vontade estúpida. Que sentido faria ela confiar em mim?
- Porquê? – Perguntou-me, ainda na defensiva.
- Confia em mim. - Pedi.
- Prometes explicar-me tudo mais tarde?
Fez-me zangado ter que lhe mentir outra vez, quando eu queria tanto ser
merecedor da sua confiança. Então, quando lhe respondi, foi apenas para
responder.
- Tudo bem.
- Tudo bem. - Respondeu no mesmo tom.
Enquanto a tentativa de resgate começava à nossa volta - adultos a chegarem,
as autoridades foram chamadas, sirenes à distância - tentei ignorar a rapariga e
colocar as minhas prioridades em ordem. Procurei em cada mente do
estacionamento, das testemunhas e das que chegaram depois, mas não
consegui encontrar nada de perigoso. Muitos estavam surpreendidos ao verem-
me ao lado de Bella, mas todos concluíram - porque não havia mais nenhuma
conclusão a tirar-se - que não tinham reparado em mim parado ao lado da
rapariga antes do acidente.
Ela era a única que não aceitava a explicação mais fácil, mas também seria
considerada a testemunha menos viável. Ela estava aterrorizada, traumatizada,
para não falar da pancada na cabeça. Estava possivelmente em choque. Seria
aceitável para a história dela estar confusa, certo? Ninguém lhe ia dar atenção
com tantos outros espectadores.
Encolhi-me quando ouvi os pensamentos de Rosalie, Jasper e Emmett, que
chegavam agora à cena. Seria o inferno pagar por isto à noite…
Eu queria resolver o problema da mossa que os meus ombros tinham deixado
no carro acastanhado, mas a rapariga estava perto de mais. Teria que esperar
até que ela estivesse distraída.
Era frustrante esperar - tantos olhos humanos em mim - enquanto os humanos
lutavam com a carrinha, tentando afastá-la de nós. Eu podia ter ajudado,
apressado o processo, mas já estava com problemas suficientes e a rapariga
tinha olhos atentos. Finalmente, eles conseguiram afastá-la para longe o
suficiente para que os paramédicos entrassem com as macas.
Um rosto grisalho e familiar apareceu.
- Olá Edward. - Disse Brett Warner. Ele também era um enfermeiro registado, e
eu conhecia-o bastante bem do hospital. Foi um golpe de sorte - a única sorte
de hoje - foi ele quem chegou primeiro até nós. Nos seus pensamentos, ele
estava a reparar que eu parecia alerta e calmo. - Estás bem, miúdo?
- Perfeito, Brett. Nada me tocou. Mas receio que aqui a Bella talvez tenha uma
concussão. Ela bateu mesmo bem com a cabeça quando a desviei…
Brett virou a sua atenção para a rapariga, que me lançou um olhar traído. Ah,
pois era. Ela era o tipo de mártir calado - preferia sofrer em silêncio.
Mas ela não contradisse a minha história imediatamente, e isso deixou-me
melhor.
O paramédico seguinte tentou insistir que eu me deixasse ser tratado, mas não
foi muito difícil desencorajá-lo. Prometi que ia deixar o meu pai examinar-me, e
ele desistiu. Com a maioria dos humanos, falar com confiança era necessário.
Com a maioria dos humanos, menos a rapariga, é claro. Será que ela se
encaixava em algum padrão?
Quando lhe puseram o colar cervical no pescoço – e o seu rosto ficou vermelho
com vergonha - usei a distracção para arranjar silenciosamente a forma do
amassado no carro acastanhado com o meu pé. Só os meus irmãos é que
repararam no que eu estava a fazer, e ouvi a promessa mental de Emmett que
arranjava o que me tivesse escapado.
Agradecido pela ajuda dele – e ainda mais agradecido por Emmett, pelo menos,
já ter perdoado a minha escolha perigosa - fiquei mais relaxado quando subi
para banco da frente da ambulância ao lado de Brett.
O chefe de polícia chegou antes que tivesse colocado Bella no fundo da
ambulância.
Embora os pensamentos do pai de Bella estivessem além das palavras, o pânico
e a preocupação que emanavam da mente do homem destacavam-se das
mentes nos arredores. Ansiedade e culpa sem palavras, muito dos dois
sentimentos passaram por ele quando viu a sua única filha na maca.
Passaram por ele e passaram para mim, ecoando e ficando mais fortes. Quando
a Alice me tinha avisado que matar a filha de Charlie Swan iria matá-lo também,
ela não estava a exagerar.
A minha cabeça curvou-se com culpa enquanto ouvia a sua voz em pânico.
- Bella! - Gritou.
- Está absolutamente tudo bem comigo, Char… pai. - Suspirou. - Não há nada de
errado comigo.
A garantia dela não acalmou o terror dele. Ele virou-se para o paramédico mais
perto e pediu mais informação.
Não foi até eu o ter ouvido falar, formando frases perfeitamente coerentes
tirando o seu pânico que eu percebi que a ansiedade e preocupação dele não
eram além das palavras. Eu apenas… não conseguia ouvir as palavras exactas.
Hum. Charlie Swan não era tão silencioso como a filha, mas eu conseguia ver de
onde ela tinha herdado. Interessante.
Nunca tinha passado muito tempo á volta do chefe de polícia da cidade.
Considerei-o sempre um homem de raciocínio lento - e agora percebi que eu é
que era lento. Os pensamentos dele eram parcialmente ocultos, não ausentes.
Eu só conseguia ouvir o carácter deles, o tom…
Queria ouvir com mais atenção, ver se conseguia encontrar naquela nova
pequena peça a chave para os segredos da rapariga. Mas a Bella foi posta na
parte traseira da ambulância, e a ambulância estava a seguir o seu caminho.
Era difícil desviar-me daquela possível solução para o mistério que me tinha
deixado obcecado. Mas eu tinha que pensar agora - ver o que tinha sido feito
hoje de cada ângulo. Eu tinha que ouvir, ter a certeza de que não nos tinha
colocado a todos em tanto perigo que teríamos de partir imediatamente. Tinha
que me concentrar.
Não havia nada nos pensamentos dos paramédicos para me preocupar. Até
onde eles sabiam, não havia nada de errado com a rapariga. E a Bella estava a
manter a história que eu tinha contado, até agora.
A prioridade, quando chegámos ao hospital, era ver Carlisle. Corri pelas portas
automáticas, mas fui incapaz de abrir mão de assistir a Bella. Continuei a
prestar atenção através dos pensamentos dos paramédicos.
Foi fácil encontrar a mente familiar do meu pai. Ele estava no seu escritório
pequeno, sozinho - o segundo golpe de sorte deste dia azarado.
- Carlisle.
Ele ouviu-me aproximar, e ficou alarmado assim que viu a minha cara. Ficou em
pé, pálido como um fantasma. Inclinou-se para a frente da mesa de nogueira
organizada.
Edward, tu não…
- Não, não, não é isso.
Ele respirou fundo. Claro que não. Desculpa por ter pensado nisso. Os teus
olhos, claro, eu devia percebido… Ele reparou que os meus olhos ainda eram
dourados com alívio.
- Mas ela está magoada, Carlisle, provavelmente não é grave, mas…
- O que é que aconteceu?
- Um acidente de carro estúpido. Ela estava no lugar errado à hora errada. Mas
eu não podia ficar lá parado, deixar que fosse atropelada…
Começa de novo, não estou a perceber. Como é que estás envolvido nisso?
- Uma carrinha derrapou no gelo. - Sussurrei. Olhei para a parede atrás dele
enquanto falava. Em vez de estar coberta com diplomas, ele só tinha uma
pintura a óleo, uma das suas favoritas, um Hassam não descoberto. - Ela estava
no caminho da carrinha. A Alice viu aquilo acontecer, mas não havia tempo para
fazer nada senão correr pelo estacionamento e tirá-la da frente. Ninguém
reparou… excepto ela. Eu tive que parar a carrinha também, mas de novo,
ninguém viu… a não ser ela. Eu… lamento imenso, Carlisle. Não nos queria
colocar em perigo.
Ele deu a volta à mesa e pôs a mão no meu ombro.
Fizeste a coisa certa. Não deve ter sido fácil para ti. Estou orgulhoso, Edward.
Olhei-o nos olhos. - Ela sabe que se passa alguma coisa… de errado comigo.
- Isso não importa. Se tivermos que ir embora, iremos. O que é que ela disse?
Abanei a cabeça, um pouco frustrado. - Nada, ainda.
Ainda?
- Ela concordou com a minha versão dos eventos… mas está à espera de uma
explicação.
Ele franziu a testa, a pensar.
- Ela bateu com a cabeça. Bom, eu fiz isso. - Continuei rapidamente. – Atirei-a
contra o chão com bastante força. Ela parece bem, mas… Acho que não será
difícil desacreditá-la.
Senti-me horrível só de dizer as palavras.
Carlisle ouviu o desgosto na minha voz. Talvez isso não seja necessário. Vamos
ver o que acontece, está bem? Parece que tenho uma paciente para ir ver.
- Por favor. – Disse-lhe. – Estou tão preocupado que a tenha magoado.
A expressão de Carlisle aliviou-se. Ele passou o dedo pelo cabelo, só alguns tons
mais claro que os seus olhos dourados, e riu-se.
Tem sido um dia interessante para ti, não tem? Na sua mente, eu conseguia ver
a ironia, e era engraçada, para ele, pelo menos. Uma inversão de papéis.
Durante aquele momento curto e inconsciente em que corri pelo parque de
estacionamento congelado, eu tinha passado de assassino a protector.
Ri-me com ele, lembrando-me da certeza que tive de que Bella nunca precisaria
de protecção de nada além de mim mesmo. O meu riso tinha um tom irritado
porque, apesar da carrinha, isso ainda era verdade.
Esperei no escritório de Carlisle, uma das horas mais compridas que já vivi,
enquanto ouvia o hospital cheio de pensamentos.
Tyler Crowley, o motorista da carrinha, parecia estar mais magoado que Bella, e
a atenção voltou-se para ele enquanto ela esperava a sua vez de fazer um raio-
X. Carlisle ficou no fundo, confiando no diagnóstico dos residentes de que a
rapariga só estava levemente magoada. Isso deixou-me ansioso, mas sabia que
ele tinha razão. Uma espreitadela ao rosto dele e ela ia imediatamente lembrar-
se de mim, do facto que havia algo de errado com a minha família, e talvez isso
a fizesse dizer algo.
Ela tinha de certeza um parceiro disposto o suficiente para conversar. Tyler
estava consumido por culpa com o facto de a ter quase matado, e não
conseguia parar de falar sobre isso. Eu conseguia ver a expressão dela através
dos olhos dele, e era óbvio que ela queria que ele parasse. Como é que ele não
via aquilo?
Houve um momento tenso para mim quando Tyler perguntou como é que ela
tinha saído da frente da carrinha.
Eu esperei, sem respirar, enquanto ela hesitou.
- Hum… - ele ouviu-a dizer. Então ela fez uma pausa tão longa que Tyler se
perguntou se a sua pergunta a tinha confundido. Finalmente, ela continuou. - O
Edward puxou-me e afastou-me da trajectória da carrinha.
Expirei. E depois a minha respiração acelerou. Eu nunca a tinha ouvido dizer o
meu nome antes. Gostei do som, mesmo só estando a ouvir pelos pensamentos
de Tyler. Queria ouvir com meus próprios ouvidos…
- Edward Cullen. - Disse, quando Tyler não entendeu de quem é que ela tinha
falado. Dei por mim à porta, de mão na maçaneta. O desejo de a ver estava a
ficar mais forte. Tive que me lembrar para ter cuidado.
- Estava junto a mim.
- Cullen? - Hum. Que estranho. - Não o vi… - Podia ter jurado… - Ena, suponho
que tudo aconteceu muito rapidamente. Ele está bem?
- Julgo que sim. Está algures por aqui, mas não o obrigaram a usar uma maca.
Vi o olhar pensativo na cara dela, a suspeita a ficar mais forte nos seus olhos,
mas essas pequenas mudanças de expressão foram perdidas pelo Tyler.
Ela é bonita. Estava ele a pensar, quase surpreendido. Mesmo nesta trapalhada.
Não faz o meu tipo, mas… devia convidá-la para sair. Compensar por hoje…
Já estava no corredor, a meio caminho da sala de emergência, sem pensar por
um segundo no que estava a fazer.
Por sorte, a enfermeira entrou na sala antes de mim, era a vez de Bella ir fazer
o raio-X. Encostei-me à parede num canto escuro e tentei controlar-me
enquanto ela era levada para longe.
Não importava que Tyler pensasse que ela era bonita. Qualquer um ia notar
isso. Não havia razão para me sentir… Como é que eu me sentia? Aborrecido?
Ou furioso estava mais perto da verdade? Isso não fazia sentido nenhum.
Fiquei onde estava o máximo de tempo que pude, mas a impaciência venceu-
me e dei meia volta para sala de radiologia. Ela já tinha sido levada de volta
para o serviço de urgências, mas eu podia dar uma olhadela nos seus raio-X
enquanto a enfermeira não voltava.
Senti-me mais calmo quando vi. A sua cabeça estava bem. Eu não a tinha
magoado, não exactamente.
Carlisle apanhou-me lá.
Pareces melhor. - Comentou.
Eu apenas olhei para a frente. Nós não estávamos sozinhos, os corredores
cheios de médicos e visitantes.
Ah, sim. Ele prendeu o raio-X no quadro iluminado, mas eu não precisava de
olhar uma segunda vez. Estou a ver. Ela está absolutamente bem. Muito bem,
Edward.
O som da aprovação do meu pai criou uma reacção mista em mim. Eu teria
ficado contente, excepto que eu sabia que ele não aprovaria o que eu ia fazer
agora. Pelo menos, não aprovaria se soubesse das minhas reais motivações…
- Eu acho que vou conversar com ela, depois de te ver. - Suspirei. - Agir
naturalmente, como se nada tivesse acontecido. Acalmar os ânimos. - Todas
razões aceitáveis.
Carlisle acenou ausente, ainda a olhar para o seu raio-X. - Boa ideia. Hum...
Olhei para ver o que é que o tinha interessado.
Olha para todas as contusões cicatrizadas! Quantas vezes será que a mãe dela
a deixou cair?
O Carlisle sorriu para si mesmo pela sua brincadeira.
- Eu estou a começar a achar que esta rapariga tem apenas má sorte. Sempre
no lugar errado na hora errada.
Forks é certamente o lugar errado para ela, contigo aqui.
Estremeci.
Vai em frente. Acalma as coisas. Juntar-me-ei a ti dentro de momentos.
Saí rapidamente, sentindo-me culpado. Talvez eu fosse um mentiroso muito
bom, se conseguia enganar Carlisle.
Quando cheguei ao serviço de urgências, o Tyler estava a resmungar sob a sua
respiração, ainda a desculpar-se. A rapariga estava a tentar escapar do remorso
dele tentando dormir. Os olhos dela estavam fechados, mas a sua respiração
não estava contínua, e por uma vez e por outra os dedos dela torciam-se
impacientemente.
Olhei para a cara dela por um longo tempo. Esta era a última vez que eu a ia
ver. Isso disparou uma dor aguda no meu peito. Seria porque eu odiava deixar
qualquer quebra-cabeças sem solução? Isso não parecia ser uma explicação
suficiente.
Finalmente, respirei fundo e fiquei à vista.
Quando o Tyler me viu, começou a falar, mas eu pus um dedo nos meus lábios.
- Ela está a dormir? - Murmurei.
Os olhos de Bella abriram-se rapidamente e focaram-se na minha cara.
Arregalaram-se por um momento, e depois ficaram estreitos com raiva ou
suspeita. Lembrei-me que tinha um papel para desempenhar, então sorri-lhe
como se nada incomum tivesse acontecido esta manhã - apenas uma pancada
na cabeça e um pouco de imaginação livre.
“Eh, Edward,” Tyler disse. “Eu lamento profundamente…”
Levantei uma mão para parar com as suas desculpas. “Não havendo sangue,
não há problema” Disse-lhe com humor. Sem pensar, sorri demasiado
largamente por causa da minha brincadeira particular.
Era incrivelmente fácil ignorar Tyler, deitado não mais que 1.20m de mim,
coberto de sangue fresco. Nunca tinha entendido como é que Carlisle era capaz
de fazer aquilo, ignorar o sangue de seus pacientes para cuidar deles. Não seria
a constante tentação demasiado perigosa…? Mas, agora… Eu conseguia ver
como, se estivesses a concentrar-me nalguma coisa com força o suficiente, a
tentação não era nada de especial.
Apesar de fresco e exposto, o sangue de Tyler não tinha nada a ver com o de
Bella.
Eu mantive a minha distância dela, sentando-me aos pés do colchão de Tyler.
“Então, qual é o veredicto?” Perguntei-lhe.
Ela lamentou-se. “Não há absolutamente nada de errado comigo, mas não me
deixam ir embora. Como é que não estás amarrado a uma maca como nós?”
A sua impaciência fez-me sorrir novamente.
Conseguia ouvir o Carlisle no corredor agora.
“Tudo depende dos nossos conhecimentos” Disse suavemente. “Mas não te
preocupes, vim libertar-te.”
Assisti à sua reacção cuidadosamente enquanto o meu pai entrava na sala. Os
olhos dela arregalaram-se e sua boca abriu-se mesmo com a surpresa. Gemi
internamente. Sim, ela tinha certamente notado a semelhança.
“Então, menina Swan, como se sente?” Carlisle perguntou. Ele tinha uma
maneira maravilhosamente calma que deixava a maioria dos pacientes bem em
poucos momentos. Não conseguia saber como é que afectou a Bella.
“Estou óptima” - Disse calmamente.
O Carlisle fixou os seus raio-X no painel de luz acima da cama. “As suas
radiografias parecem estar bem. Dói-lhe a cabeça? O Edward comentou que
bateu com a cabeça com bastante violência.”
Ela suspirou, e disse “A minha cabeça está óptima” novamente, mas desta vez
a impaciência notou-se na sua voz. Depois olhou de relance na minha direcção.
Carlisle aproximou-se dela e passou os seus dedos levemente pelo seu crânio
até que encontrou o galo de baixo do cabelo.
Eu fui apanhado de surpresa pela onda de emoção que passou por mim.
Eu tinha visto o Carlisle a trabalhar com humanos milhares de vezes. Anos
atrás, eu até o tinha ajudado informalmente - embora apenas em situações em
que o sangue não estava envolvido. Portanto não era uma coisa nova para mim,
assisti-lo a interagir com a rapariga como se fosse tão humano quanto ela. Eu
tinha invejado o controlo dele tantas vezes, mas não era o mesmo que esta
emoção. Eu invejei mais do que o seu controlo. Sofri pela diferença entre mim e
o Carlisle, que ele pudesse tocá-la tão gentilmente, sem medo, sabendo que
nunca a iria magoar…
Ela estremeceu, e eu mexi-me no meu assento. Tive que me concentrar por um
momento para manter minha a postura relaxada.
“Está dorido?” Carlisle perguntou.
O seu queixo levantou-se um bocado. “Nem por isso” Disse.
Outro pequeno pedaço de sua personalidade encaixou-se: ela era corajosa. Não
gostava de mostrar fraqueza.
Possivelmente a criatura mais vulnerável que eu já tinha visto, e não quer
parecer fraca. Um riso abafado escorregou através de meus lábios.
Ela olhou-me novamente.
“Bem,” O Carlisle disse. “O seu pai está na sala de espera, já pode ir com ele
para casa. Mas volte cá se sentir tonturas ou se tiver qualquer problema de
visão.”
O pai dela estava aqui? Varri os pensamentos da sala de espera cheia, mas não
conseguia distinguir a sua voz mental do grupo antes de ela ter falado outra
vez, a sua cara ansiosa
- Não posso voltar para a escola?
- Talvez devesse repousar por hoje. - O Carlisle sugeriu.
Os olhos dela voltaram-se para mim. - E ele, pode ir para a escola?
Agir normalmente… acalmar as coisas… esquecer a sensação que tenho
quando ela me olha nos olhos…
- Alguém tem de espalhar a boa notícia de que nós sobrevivemos. - Disse.
- Na verdade - O Carlisle corrigiu - a maior parte da escola parece estar na sala
de espera.
Eu antecipei a reacção dela desta vez, a sua aversão à atenção. Ela não me
desapontou.
- Oh, não – Lamentou-se e colocou as mãos no rosto.
Gostei que finalmente tivesse acertado numa coisa. Estava a começar a
entendê-la…
- Quer ficar? – Perguntou o Carlisle.
- Não, não! - Disse rapidamente, girando as pernas sob o colchão e
escorregando para ficar de pé. Tropeçou, sem equilíbrio, nos braços de Carlisle.
Ele agarrou-a e equilibrou-a.
Novamente, a inveja inundou-me.
- Estou óptima. - Disse ela antes que ele pudesse comentar, um rosa claro
estava nas suas bochechas.
Claro, aquilo não incomodaria Carlisle. Ele certificou-se que ela estava
equilibrada e soltou as suas mãos.
- Tome Tylenol para as dores. – Deu instruções.
- Não dói assim tanto.
O Carlisle sorriu e assinou a ficha dela. - Parece que teve imensa sorte.
Ela virou ligeiramente o rosto, para me encarar com um olhar duro. – Tive a
sorte de o Edward se encontrar junto a mim.
- Oh, bem, sim. - Carlisle concordou depressa, ouvindo a mesma coisa na voz
dela que eu ouvi. Ela não tinha pensado que as suas suspeitas eram
imaginação. Ainda não.
Toda tua. Pensou o Carlisle. Trata do assunto como achares melhor.
- Muito obrigado. - Sussurrei, rápido e baixo. Nenhum humano me ouviu. Os
lábios de Carlisle viraram-se um pouco para cima por causa do meu sarcasmo
enquanto se virava para Tyler. – Receio que o Tyler tenha de nos fazer
companhia apenas durante mais algum tempo. - Disse quando começou a
examinar os cortes deixados pelo vidro partido.
Bom, eu tinha feito os estragos, então era justo que eu tivesse que lidar com
eles.
Bella andou deliberadamente na minha direcção, sem parar até que estivesse
desconfortavelmente perto. Lembrei-me de como tinha desejado, antes de
todos os estragos, que ela se aproximasse de mim… Isto era como gozar com
aquele desejo.
- Posso falar contigo por um instante? – Murmurou baixinho, desagradada.
A sua respiração quente tocou-me na cara e eu tive que dar um passo para trás.
A sua atracção não tinha diminuído nem um bocado. Sempre que ela estava
perto de mim, despertava o pior de mim, os instintos urgentes. O veneno
inundou a minha boca e o meu corpo ansiou para atacar, para puxá-la para os
meus braços e despedaçar a sua garganta nos meus dentes.
A minha mente era mais forte que o meu corpo, mas só um pouco.
- O teu pai está à tua espera. – Lembrei-a, com os dentes cerrados.
Ela olhou para o Carlisle e Tyler. O Tyler não estava a prestar nem um pouco de
atenção, mas o Carlisle estava a monitorizar cada respiração que eu dava.
Cuidado, Edward.
- Gostava de falar contigo a sós, se não te importares. - Insistiu com uma voz
baixa.
Eu gostava de dizer que me importava muito, mas sabia que ia ter que fazer
isto eventualmente. O melhor era acabar com isto de uma vez.
Estava cheio de tantas emoções em conflito enquanto saía do quarto, a ouvi-la
tropeçar nos seus próprios pés atrás de mim, a tentar acompanhar-me.
Tinha um espectáculo para apresentar. Sabia o papel que ia desempenhar, já
tinha escolhido a personagem. Ia ser o vilão. Ia mentir, ridicularizar e ser cruel.
Ia contra todos os meus melhores impulsos, os impulsos humanos aos quais me
tinha agarrado todos estes anos. Nunca tinha querido ser merecedor de
confiança tanto quanto queria neste momento, quando tinha que destruir
qualquer possibilidade que isso acontecesse.
Piorou saber que esta ia ser a última memória que ela ia ter de mim. Esta era a
cena de despedida.
Virei-me para ela.
- O que queres? - Perguntei friamente.
Ela contraiu-se um bocado com a minha hostilidade. Os seus olhos ficaram
confusos, a expressão que me tinha assombrado…
- Deves-me uma explicação. - Disse numa uma voz fraca; o seu rosto de marfim
empalideceu.
Foi muito difícil manter minha voz dura. – Salvei-te a vida, não te devo nada.
Ela recuou. Queimou como ácido ver que as minhas palavras a tinham
magoado.
- Tu prometeste. - Sussurrou.
- Bella, bateste com a cabeça, não sabes o que estás a dizer.
O queixo dela levantou-se. - Não há nada de errado com a minha cabeça.
Agora ela estava irritada, e isso tornou as coisas mais fáceis para mim.
Encontrei o seu olhar, e deixei o meu rosto menos amigável.
- O que queres de mim, Bella?
- Quero saber a verdade. Quero saber por que motivo estou a mentir por tua
causa.
O que ela queria era justo, frustrou-me ter que lhe negar isso.
- O que julgas que aconteceu? – Quase lhe rosnei.
As suas próximas palavras vieram numa corrente. – Sei apenas que não estavas
próximo de mim, o Tyler também não te viu, portanto, não me venhas dizer que
bati com a cabeça com demasiada violência. Aquela carrinha ia esmagar-nos a
ambos, tal não se verificou e as tuas mãos deixaram uma mossa no outro carro
e não tens qualquer ferimento. A carrinha ter-me-ia esmagado as pernas, mas
tu estavas a erguê-la no ar… - De repente, ela trincou os dentes e os seus olhos
estavam a brilhar com lágrimas não derramadas.
Eu encarei-a, a minha expressão era de escárnio, embora o que sentisse mesmo
era medo; ela tinha realmente visto tudo.
- Pensas que eu levantei uma carrinha de cima de ti? - Perguntei
sarcasticamente.
Ela respondeu com um aceno rápido.
A minha voz ficou ainda mais irónica. – Ninguém vai acreditar nisso, sabes?
Ela lutou para controlar a raiva. Quando me respondeu, disse cada palavra
devagar. - Eu não vou contar a ninguém.
Ela estava a dizer a verdade. Eu conseguia ver isso nos olhos dela. Mesmo
furiosos e traídos, ela ia guardar o meu segredo.
Porquê?
O choque daquilo arruinou a minha expressão cuidadosamente projectada
durante meio segundo, e recompus-me num instante.
- Então, que importância é que isso tem? - Perguntei, trabalhando para manter a
minha voz severa.
- Para mim tem. – Disse, intensa. - Não gosto de mentir, logo, é melhor que haja
um excelente motivo para estar a fazê-lo.
Ela pediu-me para confiar nela. Exactamente como eu queria que ela confiasse
em mim. Mas isto era uma linha que eu não podia atravessar.
A minha voz ficou ligeiramente desesperada. - Não podes apenas agradecer-me
e superar isso?
- Obrigada. – Disse-me, e depois ficou à espera.
- Não vais esquecê-lo, pois não?
- Não.
- Nesse caso… - Eu não lhe podia dizer a verdade mesmo que quisesse… E eu
não queria.
Eu preferia que ela inventasse a sua própria história a que soubesse o que eu
era, porque nada podia ser pior que a verdade. Eu estava a viver um pesadelo,
directamente das páginas de uma história de terror.
- Espero que gostes de sofrer desilusões.
Olhámos colericamente um para o outro.
Era estranho quão amável a sua raiva era. Como um gatinho furioso, macio e
inofensivo, e tão ignorante quanto à sua própria invulnerabilidade.
Ela ficou rosada e cerrou os dentes outra vez. – Porque te deste sequer àquele
trabalho?
A sua pergunta não era a que eu estava à espera ou preparado para responder.
Perdi as regras do jogo, do papel que estava a desempenhar. Senti a máscara a
escorregar da cara, e eu disse-lhe, naquele único momento, a verdade.
- Não sei.
Memorizei o rosto dela uma última vez. Ainda tinha alguns traços de raiva, o
sangue ainda não tinha saído das suas bochechas rosadas. E então virei-me e
fui para longe dela.
4º Capitulo - Visões
Eu voltei para a escola. Era a coisa certa a fazer, a maneira mais discreta de me
comportar.
No final do dia, quase todos os outros alunos também tinham voltado para as
aulas. Só o Tyler e Bella e alguns outros, que provavelmente estavam a usar o
acidente como uma oportunidade para se baldarem às aulas, continuavam
ausentes.
Não devia ser tão difícil para mim fazer a coisa certa. Mas, durante toda a tarde,
estive a ranger os dentes contra o desejo que me deixava a querer baldar-me à
aula também, ir procurar a rapariga outra vez.
Como um perseguidor. Um perseguidor obsessivo. Um vampiro perseguidor
obsessivo.
A escola hoje estava, de alguma forma, impossivelmente ainda mais aborrecida
do que tinha sido há uma semana. Aborrecimento de coma. Era como se as
cores tivessem sido drenadas das paredes de tijolos, das árvores, do céu, das
caras à minha volta.
Havia outra coisa certa que eu devia estar a fazer… e não estava. Claro,
também era uma coisa errada. Tudo dependia da perspectiva de quem olhava.
Da perspectiva de um Cullen, não simplesmente um vampiro, mas um Cullen,
alguém que pertencia a uma família, uma coisa tão rara no nosso mundo, a
coisa certa a fazer-se seria algo assim:
- Estou surpreendido por te ver na aula, Edward. Eu ouvi dizer que estiveste
envolvido naquele acidente horrível hoje de manhã.
- Sim, estive, Sr. Banner, mas eu fui o sortudo. - Um sorriso amigável. - Eu não
me magoei de todo… gostaria de poder dizer o mesmo do Tyler e Bella.
- Como é que eles estão?
- Eu acho que o Tyler está bem… só alguns arranhões superficiais do vidro do
pára-brisas. Embora não tenha a certeza quanto a Bella. - Uma cara
preocupada. - Ela pode ter uma concussão. Ouvi dizer que ela esteve bastante
incoerente por algum tempo, até viu coisas. Sei que os médicos estavam
preocupados…
Era assim que deveria ter sido. Era aquilo que eu devia à minha família.
- Estou surpreendido por te ver na aula, Edward. Eu ouvi dizer que estiveste
envolvido naquele acidente horrível hoje de manhã.
- Não me magoei. - Sem sorriso.
O Sr. Banner mudou o seu peso de um pé para o outro, desconfortável.
- Tens alguma ideia de como é que o Tyler Crowley e a Bella Swan estão? Ouvi
dizer que tiveram alguns ferimentos…
Encolhi os ombros. – Não tenho como saber isso.
O Sr. Banner limpou a garganta. - Ah, certo… - Disse, enquanto o meu olhar frio
deixava a voz dele um pouco tensa.
Ele andou rapidamente para a frente da sala e começou a matéria.
Era a coisa errada a fazer-se. A não ser que se olhasse de uma perspectiva mais
obscura.
Só que parecia tão… tão deselegante caluniar a rapariga pelas costas,
especialmente quando ela estava a provar que podia confiar nela mais do que
eu podia ter sonhado. Ela não tinha dito nada para me trair, embora tivesse
uma boa razão para o fazer. Eu ia traí-la quando ela não tinha feito nada a não
ser guardar o meu segredo?
Tive uma conversa quase idêntica com a Sra. Goff, só que em espanhol em vez
de inglês. E Emmett olhou para mim durante um longo tempo.
Espero que tenhas uma boa explicação para o que aconteceu hoje. A Rose está
em pé de guerra.
Revirei os olhos sem olhar para ele.
Na verdade eu tinha criado uma explicação que parecia perfeita. Vamos supor
que eu não tinha feito nada para parar a carrinha antes que ela esmagasse a
rapariga… tremi com esse pensamento. Mas se ela tivesse sido atingida, se ela
tivesse sido ferida e tivesse sangrado, o fluído vermelho derramado,
desperdiçado no asfalto, o cheiro de sangue fresco a pulsar no ar…
Tremi de novo, mas não apenas em horror. Uma parte de mim tremeu de
desejo. Não, eu não teria sido capaz de a ver sangrar sem nos expor a todos
numa maneira muito mais escandalosa e chocante.
Parecia a desculpa perfeita… mas eu não a ia usar. Era vergonhosa de mais.
E eu nem sequer tinha pensado nela até um pouco depois de o facto ter
ocorrido.
Cuidado com o Jasper. Continuou Emmett , alheio aos meus pensamentos. Ele
não está tão nervoso… mas está mais decidido.
Eu vi o que ele quis dizer, e por um momento a sala girou à minha volta. O meu
ódio era tão devorador que uma névoa vermelha encobriu a minha visão. Eu
pensei que me fosse engasgar nela.
CREDO, EDWARD! CONTROLA-TE! O Emmett gritou-me na sua cabeça. A mão
dele desceu para o meu ombro, segurando-me no meu lugar antes que eu
pudesse saltar e ficar de pé. Ele raramente usava a sua força completa -
raramente havia necessidade, porque ele era muito mais forte que qualquer
outro vampiro que qualquer um de nós já tivesse encontrado - mas usou-a
agora. Agarrou o meu braço, em vez de me empurrar para baixo. Se ele me
estivesse a empurrar, a cadeira debaixo de mim ter-se-ia desmoronado.
CALMA! Ordenou-me.
Eu tentei acalmar-me, mas era difícil. A fúria queimava na minha cabeça.
O Jasper não vai fazer nada até que nós conversemos todos. Só achei que
devias saber a direcção que ele está a tomar.
Concentrei-me em relaxar, e senti a mão do Emmett a libertar-me.
Tenta não chamares mais à atenção. Já estás com problemas suficientes da
maneira que as coisas estão.
Eu respirei fundo e o Emmett soltou-me.
Procurei à volta da sala várias vezes, mas o nosso confronto tinha sido tão curto
e silencioso que só algumas pessoas sentadas atrás de Emmett tinham notado.
Nenhuma delas sabia o que pensar daquilo, portanto esqueceram. Os Cullens
eram aberrações – já todos sabiam disso.
Raios, miúdo, estás horrível. - O Emmett acrescentou, com o seu tom simpático.
- Vai-te lixar. - Resmunguei entre dentes, e ouvi o riso baixo dele.
O Emmett não guardava rancor, e eu provavelmente devia-lhe estar agradecido
pela sua natureza de fácil convívio. Mas eu conseguia ver que as intenções de
Jasper faziam sentido para Emmett, que ele estava a considerar qual seria o
melhor caminho a tomar.
O ódio ferveu, quase fora de controlo. Sim, o Emmett era mais forte do que eu,
mas ele ainda não me tinha ganho numa luta. Ele dizia que era porque eu fazia
batota, mas ouvir pensamentos era tão parte de mim como a força era dele.
Nós lutávamos de igual para igual.
Uma luta? Era essa a direcção que tudo isto estava a tomar? Ia lutar contra a
minha família por uma humana que mal conhecia?
Pensei sobre isso por um minuto, pensei na sensação do frágil corpo da rapariga
nos meus braços contra Jasper, Rose e Emmett, sobrenaturalmente fortes e
rápidos, máquinas de matar por natureza…
Sim, eu ia lutar por ela. Contra a minha família. E tremi.
Mas não era justo deixá-la desprotegida quando fui eu quem a colocou em
perigo.
Mas eu não ia conseguir ganhar sozinho, não contra eles os três, e perguntei-me
quais seriam os meus aliados.
Carlisle, certamente. Ele não iria lutar contra ninguém, mas ia ser contra os
planos de Rose e Jasper. Talvez isso fosse tudo o que eu precisasse. Ia ver…
Esme, duvido. Ela também não iria ficar contra mim, e ela iria detestar discordar
de Carlisle, mas ia ser a favor de qualquer plano que mantivesse a sua família
unida. A sua prioridade não eram as regras, mas sim eu. Se Carlisle era a alma
da família, Esme era o coração. Ele deu-nos um líder que merecia ser
acompanhado, ela transformou isso num acto de amor. Todos nós nos
amávamos, mesmo por baixo da fúria que eu sentia por Jasper e Rose neste
momento, mesmo a planear lutar contra eles para salvar a rapariga, eu sabia
que os amava.
Alice… não fazia ideia. Provavelmente ia depender do que ela visse que estava
a chegar. Ela ficaria do lado do vencedor, imaginei.
Então eu tinha que fazer isto sem ajuda. Sozinho, eu não era um grande desafio
para eles, mas eu não ia deixar que a rapariga fosse magoada por minha culpa.
Isto talvez exigisse uma acção evasiva…
A minha raiva diminuiu um pouco com o súbito humor negro. Conseguia
imaginar como é que ela iria reagir se eu a raptasse. É claro, eu raramente
adivinhava as suas reacções, mas que outra reacção é que ela poderia ter além
de terror?
Mas não tinha bem a certeza de como lidar com aquilo - raptá-la. Não seria
capaz de ficar perto dela por muito tempo. Talvez eu só a devolvesse à mãe.
Mesmo isso seria repleto de perigo. Para ela.
E também para mim, percebi de repente. Se eu a matasse por acidente… eu
não tinha a certeza de quanta dor é que isso me iria causar, mas sabia que seria
intensa e em várias formas.
O tempo passou rapidamente enquanto meditava sobre todas as complicações
à minha frente: a discussão que me esperava em casa, o conflito com a minha
família, a distância que eu seria forçado a percorrer depois de tudo…
Bem, eu já não me podia queixar que a vida fora da escola era monótona. A
rapariga tinha mudado isso.
O Emmett e eu andámos silenciosamente para o carro quando a campainha
tocou. Ele estava preocupado comigo, e preocupado com Rosalie. Ele sabia que
lado teria que escolher numa disputa, e isso incomodava-o.
Os outros estavam à nossa espera no carro, também silenciosos. Éramos um
grupo bastante quieto. Só eu conseguia ouvir a gritaria.
Idiota! Lunático! Imbecil! Estúpido! Egoísta, tolo irresponsável! A Rosalie
mantinha uma linha constante de insultos a plenos pulmões. Tornou-se difícil
ouvir os outros, mas eu ignorei-a o melhor que eu pude.
O Emmett tinha razão quanto a Jasper. Ele estava seguro do seu plano.
A Alice estava transtornada, preocupada com Jasper, passando por imagens do
futuro. Não importava por qual direcção o Jasper chegava à rapariga, a Alice via-
me sempre lá, a impedi-lo. Interessante… nem Rosalie ou Emmett estavam com
ele nessas visões. Então Jasper planeava trabalhar sozinho. Isso ia deixar as
coisas equilibradas.
Jasper era o melhor lutador, certamente o mais experiente entre nós: a minha
única vantagem consistia no facto de que eu podia ouvir os seus movimentos
antes que ele os fizesse.
Eu nunca tinha lutado mais do que por brincadeira com o Emmett ou Jasper - só
como passatempo. Senti-me enjoado com o pensamento de tentar realmente
magoar o Jasper…
Não, isso não. Só impedi-lo. Isso era tudo.
Eu concentrei-me na Alice, memorizando as diferentes formas de ataque de
Jasper.
Quando fiz isso, as visões dela mudaram, afastando-se mais e mais da casa dos
Swan. Eu estava a impedi-lo antes…
Pára com isso Edward! Não pode acontecer dessa maneira. Eu não vou deixar.
Eu não respondi, só continuei a ver.
Ela começou a olhar mais para a frente, para o campo nebulado e incerto de
possibilidades distantes. Era tudo sombrio e vago.
No caminho inteiro para casa, a atmosfera silenciosa não cedeu. Estacionei na
grande garagem perto de casa; o Mercedes de Carlisle estava ali, perto do Jipe
enorme de Emmett, o M3 de Rosalie e meu Vanquish. Fiquei contente por
Carlisle já estar em casa - o silêncio ia terminar de forma explosiva, e eu queria
que ele estivesse por perto quando isso acontecesse.
Fomos directos para a sala de jantar.
A sala nunca era, é claro, usada para o propósito para o qual fora construída.
Mas era mobilada com uma longa mesa oval de mogno cercada por cadeiras -
éramos cuidadosos em ter os acessórios para fingir. O Carlisle gostava de usá-la
como uma sala de conferência. Num grupo com tantas personalidades fortes e
distintas, às vezes era necessário discutir as coisas sentados, de uma forma
calma.
Eu tinha um pressentimento de que sentar não iria ajudar em muita coisa hoje.
O Carlisle sentou-se no lugar habitual na ponta leste da mesa. A Esme estava ao
lado dele - deram as mãos em cima da mesa.
Os olhos de Esme estavam em mim, as profundezas douradas deles, cheias de
preocupação.
Fica. Foi o seu único pensamento.
Eu queria conseguir sorrir para a mulher que era verdadeiramente uma mãe
para mim, mas eu não tinha como assegurá-la disso agora.
Sentei-me do outro lado de Carlisle. A Esme virou-se à volta dele para colocar a
sua mão livre no meu ombro. Ela não fazia ideia do que estava prestes a
começar, só estava preocupada comigo.
O Carlisle tinha uma noção melhor do que estava a chegar. Os seus lábios
estavam apertados com força e a testa estava enrugada. A expressão era muito
velha para o rosto jovem dele.
Quando todos os outros estavam sentados, eu consegui ver as linhas a serem
desenhadas.
A Rosalie sentou-se directamente à frente de Carlisle, na outra ponta da grande
mesa. Ela olhou-me fixamente, nunca desviando o olhar.
O Emmett sentou-se ao lado dela, com o seu rosto e mente amargos.
O Jasper hesitou, então ficou de pé contra a parede atrás de Rosalie. Ele estava
decidido, não importava o resultado desta discussão. Os meus dentes
rangeram-se.
A Alice foi a última chegar, e os seus olhos estavam concentrados nalguma
coisa muito longe - o futuro, ainda muito incerto para que ela fizesse uso dele.
Sem parecer pensar ela sentou-se perto de Esme. Ela esfregou a testa como se
tivesse uma dor de cabeça. O Jasper contorceu-se com preocupado e
considerou juntar-se a ela, mas manteve a sua posição.
Respirei fundo. Eu tinha começado isto, devia falar primeiro.
- Desculpem. - Disse, a olhar primeiro para Rosalie, depois para Jasper e então
Emmett. - Eu não tive nenhuma intenção de colocar nenhum de vocês em
perigo. Não pensei, e eu assumo a responsabilidade total pelo meu acto
precipitado.
Rosalie olhou para mim malignamente. - O que é que queres dizer, ‘assumes a
responsabilidade’? Vais consertar isto?
- Não da maneira que tu queres dizer. - Disse, a tentar manter a minha voz
calma e equilibrada. - Estou disposto a ir embora agora, se isso deixar as coisas
melhores. - Se eu acreditar que a rapariga ficará segura, se eu acreditar que
nenhum de vocês irá tocá-la, emendei na minha cabeça.
- Não. - Esme murmurou. - Não, Edward.
Toquei-lhe na mão. - São só alguns anos.
- A Esme tem razão. - O Emmett disse. - Tu não podes ir para lugar nenhum
agora. Isso seria o oposto de útil. Nós temos que saber o que as pessoas estão a
pensar agora mais do que nunca.
- A Alice vai apanhar o que houver de grave. - Discordei.
O Carlisle abanou a cabeça. - Eu acho que o Emmett tem razão, Edward. Vai ser
mais fácil a rapariga falar se tu desapareceres. Ou vamos todos, ou ninguém
vai.
- Ela não vai dizer nada. - Insisti rapidamente. A Rose estava a construir uma
explosão, e eu queria deixar aquele facto claro.
- Tu não conheces a mente dela. - O Carlisle lembrou-me.
- Disso eu tenho a certeza. Alice, dá-me uma ajudinha.
Alice olhou para mim com um ar zangado. - Eu não consigo ver o que vai
acontecer se nós ignorarmos isto. - Olhou de relance para Rose e Jasper.
Não, ela não conseguia ver esse futuro, não quando a Rosalie e o Jasper
estavam tão decididos em não ignorar o acidente.
A palma da Rosalie bateu na mesa com um barulho alto. - Não podemos
permitir que a humana tenha oportunidade de dizer alguma coisa. Carlisle, tens
de ver isso. Mesmo se decidirmos todos desaparecer, não é seguro deixar
histórias para trás. Nós vivemos de uma maneira tão diferente do resto da
nossa espécie - tu sabes que existe quem iria adorar uma desculpa para fazer
acusações. Temos que ter mais cuidado do que qualquer um!
- Já deixámos rumores para trás antes. – Lembrei-a.
- Só rumores e suspeitas, Edward. Não testemunhas oculares e provas!
- Provas! - Gozei.
Mas o Jasper estava a concordar, os seus olhos estavam duros.
- Rose… - O Carlisle começou.
- Deixa-me terminar, Carlisle. Não precisa ser uma grande produção. A rapariga
bateu com a cabeça hoje. Então talvez o ferimento acabe por ficar mais sério do
que parecia. - A Rosalie encolheu os ombros. – Todos os mortais vão dormir com
a hipótese de nunca mais acordar. Os outros iam ficar à espera que
cuidássemos nós mesmos disso. Tecnicamente, esse seria o trabalho do
Edward, mas isto está obviamente além dele. Tu sabes que eu me consigo
controlar. Eu não iria deixar nenhuma prova para trás.
- Sim, Rosalie, nós todos sabemos a assassina eficiente que és. - Rosnei.
Ela soltou um silvo, furiosa.
- Edward, por favor. - O Carlisle disse. E depois virou-se para a Rosalie. - Rosalie,
eu apoiei-te em Rochester porque senti que tinhas direito a ter justiça. Os
homens que mataste tinham-te magoado monstruosamente. Esta não é a
mesma situação. A rapariga Swan é uma inocente.
- Não é nada pessoal, Carlisle. - Rosalie disse entre dentes. - É para nos proteger
a todos.
Houve um breve silêncio enquanto Carlisle pensava na sua resposta. Quando
ele acenou a cabeça, os olhos de Rosalie brilharam. Ela devia saber melhor que
aquilo. Mesmo se eu não fosse capaz de ler os pensamentos dele, eu podia ter
previsto as suas próximas palavras. Carlisle nunca cedia.
- Eu sei que a tua intenção é boa, Rosalie, mas… Eu gostaria muito que a nossa
família fosse digna de ser protegida. Os ocasionais… acidentes ou lapsos de
controlo são uma parte lamentável de quem nós somos. - Era bastante comum
ele incluir-se no plural, embora ele próprio nunca tivesse tido aquele tipo de
lapso. - Assassinar uma criança sem culpa a sangue frio é outra coisa
completamente diferente. Eu acredito que o risco que ela apresenta, quer ela
diga alguma coisa das suas suspeitas ou não, não é nada muito grave. Se
abrirmos excepções para nos protegermos, estaremos a arriscar algo muito
mais importante. Nós arriscamos perder a essência de quem somos.
Controlei a minha expressão com cuidado. Não ia fazer bem nenhum sorrir
agora. Ou aplaudir, como eu gostava.
A Rosalie fez uma cara zangada. - É só ser responsável.
- É ser insensível. - O Carlisle corrigiu gentilmente. – Todas as vidas são
preciosas.
Rosalie suspirou pesadamente e seu lábio inferior fez um bico. Emmett bateu-
lhe no ombro. - Vai ficar tudo bem, Rosalie. – Encorajou-a com uma voz baixa.
- A questão - O Carlisle continuou. - É se nos devemos mudar ou não?
- Não. - A Rosalie lamentou-se. - Acabámos de assentar. Não quero começar o
segundo ano do liceu outra vez!
- Podias manter a tua idade actual, claro. - Disse Carlisle.
- E ter que me mudar ainda mais cedo?
O Carlisle encolheu ombros.
- Eu gosto disto daqui! Tem pouco sol, podemos quase ser normais.
- Bem, não precisamos de decidir agora. Podemos esperar e ver se isso se torna
necessário. O Edward confia no silêncio da rapariga Swan.
A Rosalie bufou.
Mas eu já não estava preocupado com Rosalie. Conseguia ver que ela ia
concordar com a decisão de Carlisle, independentemente do quanto estivesse
furiosa comigo. A conversa deles tinha-se voltado para detalhes sem
importância.
O Jasper continuou determinado.
Eu entendi o motivo. Antes dele e a Alice se conhecerem, ele vivia numa zona
de combate, um cenário de guerra impiedoso. Ele sabia as consequências de
desprezar as regras, já tinha visto os medonhos resultados com os meus
próprios olhos.
Dizia muita coisa o facto de ele não ter tentando acalmar a Rosalie com seus
talentos extras, ou porque não a incentivava. Ele mantinha-se neutro na
discussão - acima dela.
- Jasper. – Disse-lhe.
Ele encontrou o meu olhar, o rosto dele não tinha expressão.
- Ela não vai pagar pelo meu erro. Eu não vou permitir isso.
- Vai beneficiar-se dele então? Ela devia ter morrido hoje, Edward. Eu só iria
consertar as coisas.
Repeti, enfatizando cada palavra. - Eu não vou permitir.
Ele ergueu as sobrancelhas. Ele não estava à espera disto, não imaginava que
eu fosse impedi-lo.
Ele abanou a cabeça uma vez. - Não vou deixar a Alice viver em perigo, mesmo
que seja ligeiro. Tu não sentes por ninguém o que eu sinto por ela, Edward, e tu
não viveste o que eu vivi, quer tenhas visto as minhas memórias ou não. Tu não
entendes.
- Não estou a discutir isso, Jasper. Mas estou a avisar-te, não vou deixar-te
magoar a Isabella Swan.
Olhámos um para o outro, não a fixar, mas sim a avaliar o oponente. Senti-o a
verificar o ambiente à minha volta, testando a minha determinação.
- Jazz… - A Alice disse, interrompendo-nos.
Ele aguentou o seu olhar mais um bocado, e depois olhou para ela. - Não te
incomodes a dizer-me que te consegues proteger sozinha, Alice. Eu já sei disso.
Ainda assim eu tenho que…
- Não é isso que eu vou dizer. - Alice interrompeu. - Eu ia-te pedir um favor.
Vi o que estava na mente dela e a minha boca abriu-se com um choque audível.
Olhei para ela, chocado, só vagamente consciente de que todos tirando a Alice
e Jasper me observavam cuidadosamente.
- Eu sei que me amas. Obrigada. Mas eu gostava muito que não tentasses matar
a Bella. Primeiro de tudo, o Edward está a falar a sério e eu não quero que
vocês os dois lutem. Segundo, ela é minha amiga. Pelo menos, vai ser.
Estava nítido como vidro na mente dela: A Alice, a sorrir, com os seus braços
gelados à volta dos ombros quentes e frágeis da rapariga. E Bella estava a sorrir
também, o braço dela na cintura de Alice.
A visão era sólida como uma pedra; só o tempo é que era incerto.
- Mas, Alice… - O Jasper ofegou. Eu não conseguia virar a minha cabeça para
olhar para a expressão dele. Não conseguia desviar-me da imagem na cabeça
de Alice para olhar para ele.
- Eu vou adorá-la qualquer dia, Jazz. E vou ficar muito chateada contigo se não a
deixares estar.
Eu ainda estava preso nos pensamentos de Alice. Vi o futuro a chegar enquanto
a resolução de Jasper diminuía com o pedido inesperado dela.
- Ah… - Ela suspirou, a decisão dele tinha criado um novo futuro. - Vêem? A
Bella não vai dizer nada. Não há nada para nos preocuparmos.
A maneira como ela disse o nome da rapariga… como se já fossem
confidentes…
- Alice – Engasguei-me. - O que é que isto…?
- Eu disse-te que estava a aproximar-se uma mudança. Eu não sei, Edward. -
Mas ela apertou o queixo e eu conseguia ver que existia mais. Ela estava a
tentar não pensar nisso; de repente estava a concentrar-se muito em Jasper,
embora ele estivesse demasiado espantado para fazer algum progresso com a
sua decisão.
Ela fazia aquilo às vezes, quando me queria esconder alguma coisa.
- O quê, Alice? O que é que estás a esconder?
Ouvi o Emmett a resmungar. Ele ficava sempre frustrado quando a Alice e eu
tínhamos aqueles tipos de conversa.
Ela abanou a cabeça, tentando manter-me fora.
- É sobre a rapariga? - Exigi. - É sobre a Bella?
Ela tinha os dentes cerrados a concentrar-se, mas quando eu disse o nome da
Bella, ela teve um deslize. Só durou meio segundo, mas foi o suficiente.
- NÃO! - Gritei. Ouvi a cadeira a bater no chão e percebi que estava de pé.
- Edward! - O Carlisle levantou-se também, com o braço dele no meu ombro.
Mal me apercebia dele.
- Está a solidificar. - A Alice sussurrou. - A cada minuto que passa tu estás mais
decidido. Só existem duas saídas para ela agora. É uma coisa ou outra, Edward.
Eu conseguia ver o que ela via… mas não queria aceitar.
- Não. - Disse outra vez; não havia volume na minha negação. As minhas pernas
ficaram bambas e precisei de me apoiar na mesa.
- Alguém por favor deixa que o resto de nós saiba o mistério? - O Emmett
reclamou.
- Eu tenho que ir embora. – Sussurrei para a Alice, ignorando-o.
- Edward, nós já falamos sobre isso. - O Emmett disse alto. - Essa é a melhor
maneira de fazer a rapariga falar. Além do mais, se tu fores embora, nós não
vamos ter certeza se ela vai dizer alguma coisa ou não. Tu tens que ficar e lidar
com isso.
- Não te vejo a ir para lugar nenhum, Edward. – Alice disse-me. – Já não sei se te
consegues ir embora. - Pensa, acrescentou silenciosamente. Pensa em partir.
Eu percebi o que ela queria dizer. Sim, a ideia de nunca mais ver a rapariga
era… dolorosa. Mas era também uma necessidade. Eu não conseguia aprovar
nenhum dos futuros a que aparentemente eu a tinha condenado.
Não tenho certeza absoluta quanto ao Jasper, Edward. Alice continuou. Se
partires, ele vai pensar que ela é um perigo para nós.
- Eu não ouço isso. – Contradisse-a, ainda apenas meio consciente da nossa
plateia. O Jasper estava hesitante. Ele não faria alguma coisa que magoasse a
Alice.
Não neste momento. Arriscarias a vida dela, deixá-la-ias desprotegida?
-Por que é que me estás a fazer isto? - Gemi. A minha cabeça caiu nas minhas
mãos.
Eu não era o protector de Bella. Não podia ser isso. O futuro dividido da Alice
não era prova suficiente disso?
Eu também a amo. Ou vou amar. Não é a mesma coisa, mas eu quero-a por
perto para isso.
- Também a amas? - Sussurrei, incrédulo.
Ela suspirou. Tu és tão cego, Edward. Não consegues ver a direcção que estás a
tomar? Não consegues ver onde é que já estás? É mais inevitável do que o sol
nascer a leste. Vê o que eu vejo…
Eu abanei a minha cabeça, horrorizado. - Não. - Tentei bloquear as visões que
ela me revelava. - Não tenho que seguir esse caminho. Eu vou-me embora. Eu
vou mudar o futuro.
- Podes tentar… - Disse, a sua voz céptica.
- Ah, por favor! - Emmett aumentou o tom de voz.
- Presta atenção. - Rosalie disse-lhe. - A Alice vê-o a apaixonar-se por uma
humana! Que clássico do Edward! – Fez um som de vómito.
Eu mal a ouvi.
- O quê? - O Emmett disse, surpreendido. Depois o riso dele como um rugido
ecoou pela sala. - É isso o que tem acontecido? - Ele riu-se de novo. – Que má
sorte, Edward.
Senti a mão dele no meu ombro, e afastei-a distraidamente. Não lhe conseguia
prestar atenção.
- A apaixonar-se por uma humana? - Esme repetiu numa voz impressionada. -
Pela rapariga que ele salvou hoje? A apaixonar-se por ela?
- O que é que vês, Alice? Exactamente. - O Jasper pediu.
Ela virou-se para ele. Eu continuei a olhar para a cara, tonto.
- Tudo depende se ele é forte o suficiente ou não. Ou ele a vai com as próprias
mãos – Virou-se para encontrar o meu olhar outra vez – o que me ia realmente
irritar, Edward, e nem digo sequer o que é que isso te faria sentir – Olhou para o
Jasper novamente - Ou ela vai ser uma de nós algum dia.
Alguém engasgou-se com a surpresa, não vi quem foi.
- Isso não vai acontecer! - Estava a gritar de novo. - Nenhum dos dois!
A Alice pareceu não me ter ouvido. - Tudo depende. - Repetiu. - Talvez ele seja
só forte o suficiente para não a matar, mas vai ser por pouco. Vai precisar de
uma quantidade incrível de controlo. - Meditou. - Mais até do que o Carlisle tem.
Talvez ele só seja forte o suficiente… A única coisa para o qual ele não é forte o
suficiente é para ficar longe dela. Essa é uma causa perdida.
Não conseguia encontrar a minha voz. Ninguém parecia ser capaz de encontrar
a sua. A sala ficou imóvel.
Eu olhei fixamente para a Alice, e todos olharam fixamente para mim.
Conseguia ver minha a própria expressão de terror de cinco pontos de vista
diferentes.
Depois de um longo momento, o Carlisle suspirou.
- Bom, isto… complica as coisas.
- Eu que o diga. - O Emmett concordou. A voz dele ainda estava perto da
gargalhada. Podia contar sempre com o Emmett para encontrar a piada na
destruição da minha vida.
- Mas suponho que o plano continua o mesmo. - O Carlisle disse, a ponderar. -
Vamos ficar e observar. Obviamente, ninguém irá… magoar a rapariga.
Enrijeci.
- Não. - O Jasper disse calmamente. – Posso concordar com isso. Se a Alice só vê
duas saídas…
- Não! - A minha voz não era um grito ou um rosnado ou um choro de
desespero, mas uma combinação dos três. - Não!
Eu tinha que ir embora, ficar longe do som dos pensamentos deles - da aversão
egoísta de Rosalie, do humor de Emmett, da paciência infinita de Carlisle…
Pior: a confiança de Alice. A confiança de Jasper na confiança dela.
Pior de tudo: a… alegria de Esme.
Saí da sala. A Esme tocou no meu braço quando eu passei, mas eu não respondi
o gesto.
Estava a correr antes de estar fora da casa. Passei pelo rio num salto, e corri
para a floresta. A chuva tinha voltado, caindo tão pesada que me ensopei em
poucos segundos. Gostei da água espessa - criou uma parede entre mim e o
resto do mundo. Rodeou-me, deixou-me isolado.
Corri para este, sobre e pelas montanhas, sem me desviar da linha do meu
curso, até que consegui ver as luzes de Seattle do outro lado da baía. Parei
antes que chegasse à fronteira da civilização.
Cercado pela chuva, sozinho, finalmente obriguei-me a ver o que tinha feito -
como tinha mutilado o futuro.
Primeiro, a visão de Alice e da rapariga com seus braços à volta uma da outra -
a confiança e amizade eram tão óbvias que gritavam da imagem. Os olhos
castanhos expressivos da Bella não estavam confusos naquela visão, e sim
cheios de segredos - nesse momento, pareciam segredos felizes. Ela não se
afastou do braço frio de Alice.
O que é que aquilo significava? Quanto é que ela sabia? Naquela visão
congelada do futuro, o que é que ela pensava de mim?
Então a outra imagem, tão parecida, só que colorida com horror. A Alice e Bella,
os seus braços ainda à volta uma da outra na sua amizade confiável. Mas agora
não havia diferença entre esses braços - os dois eram braços macios e de
mármore, duros como aço. Os olhos atentos de Bella já não eram castanhos
chocolate. As suas íris eram de um vermelho vívido, chocante. Os segredos
neles eram inatingíveis - aceitação ou angústia? Era impossível de dizer. O rosto
dela era frio e imortal.
Tremi. Eu não conseguia evitar as perguntas parecidas, mas diferentes: O que é
que aquilo significava? Como é que aconteceu? E o que é que ela pensava de
mim agora?
Eu podia responder àquela última. Se eu a forçasse a fazer parte desta meia
vida vazia por causa da minha fraqueza e egoísmo, com certeza ela iria odiar-
me.
Mas havia mais uma imagem horrorosa - pior do que qualquer outra que já
tivesse retido na minha cabeça.
Os meus próprios olhos, de vermelho, intensos com o sangue humano, os olhos
de um monstro. O corpo da Bella nos meus braços, branco pálido, vazio, sem
vida. Era tão concreta, tão clara.
Não suportava ver aquilo. Não conseguia suportar. Tentei tirá-la da minha
mente, tentei ver outra coisa, qualquer coisa. Tentei ver a expressão no rosto
dela com vida que tinha obstruído a minha visão no último capítulo da minha
existência. Tudo em vão.
A visão negra da Alice encheu a minha cabeça, e eu contorci-me internamente
com a agonia que me causou. Enquanto isso, o monstro dentro de mim estava
cheio de felicidade, eufórico com as hipóteses do seu sucesso. Deixou-me
enjoado.
Aquilo não podia ser permitido. Tinha que haver uma maneira de mudar o
futuro. Eu não ia deixar que as visões de Alice me dissessem o que fazer. Eu ia
escolher um caminho diferente. Existia sempre uma escolha.
Tinha que existir.
5º Capitulo - Convites
Liceu. Já não era um purgatório, agora era o puro inferno. Tormento e fogo…
sim, eu tinha os dois.
Eu estava a fazer a coisa certa agora. Todos os pontos nos i’s e os traços nos
t’s. Agora ninguém podia reclamar que eu estava a evitar as minhas
responsabilidades .
Para deixar a Esme feliz e proteger os outros, eu fiquei em Forks. Voltei para o
meu horário antigo. Cacei mais que o resto deles. Todos os dias, eu ia para a
escola e fingia ser humano. Todos os dias, eu ouvia cuidadosamente qualquer
coisa nova sobre os Cullens - não havia nada de novo. A rapariga não tinha dito
uma palavra das suas suspeitas. Ela só repetiu a história de novo e de novo -
que eu estava ao lado dela e a tinha tirado do caminho - até que os ouvintes
ficaram aborrecidos e pararam de pedir mais detalhes. Não havia perigo. A
minha acção precipitada não tinha magoado ninguém.
Ninguém a não ser eu próprio.
Estava determinado a mudar o futuro. Não era a coisa mais fácil de se fazer,
mas não havia outra escolha com a qual eu pudesse viver.
A Alice tinha dito que eu não seria forte o suficiente para me afastar da
rapariga. Eu ia provar que ela estava errada.
Eu tinha pensado que aquele primeiro dia tinha sido o mais difícil. No final , eu
tinha a certeza que era esse o caso. Mas estava errado.
Eu estava amargurado, ao saber que tinha magoado a rapariga. Senti-me
melhor pelo facto de que a dor dela não era nada mais do que uma picada, só
uma pequena ferroada de rejeição, comparada com a minha. Bella era humana,
e ela sabia que eu era mais alguma coisa, alguma coisa errada, algo assustador.
Ela provavelmente sentir-se-ia mais aliviada do que magoada quando eu
desviasse a minha cara para longe dela e fingisse que ela não existia.
- Olá, Edward! - Cumprimentou-me ela no meu primeiro dia de volta à aula de
biologia. A voz dela estava agradável, amigável, uma volta de 180 º desde a
última vez que eu falei com ela.
Porquê? O que é que esta mudança significava? Tinha-se esquecido? Decidiu
que tinha imaginado todo o episódio? Seria possível que ela me tivesse
perdoado por não ter cumprido a minha própria promessa?
As perguntas queimavam como a sede que me atacava sempre que eu
respirava.
Só um momento para olhar nos olhos dela... Só para ver se eu conseguia
encontrar lá respostas…
Não. Eu não me podia permitir a isso sequer. Não se eu fosse mudar o futuro.
Mexi o meu queixo devagar na direcção dela sem desviar o olhar da frente da
sala. Acenei com a cabeça uma vez, e depois virei a minha cara para a frente…
Ela não voltou a falar comigo.
Naquela tarde, assim que a escola terminou, o meu papel também terminou,
corri até Seattle como tinha feito no outro dia. Parecia que podia lidar com dor
ligeiramente melhor quando passava a voar por cima do chão, a trasformar tudo
à minha volta num borrão verde.
Esta corrida tornou-se o meu hábito diário.
Eu amava-a? Eu achava que não. Ainda não. Mas a visão de Alice sobre o futuro
tinha ficado presa comigo, e eu conseguia ver o quão fácil teria sido apaixonar-
me por Bella. Seria exactamente como uma pessoa apaixonar-se: Sem esforço.
Não me permitir a amá-la era o oposto de me apaixonar - era como ser puxado
de um penhasco, uma tarefa cansativa, como se eu tivesse nada mais do que
uma força mortal .
Passou-se mais de um mês, e cada dia era mais difícil. Aquilo não fazia sentido
para mim. Eu fiquei à espera de ultrapassar, fiquei à espera que as coisas
ficassem mais fáceis. Isto devia ser o que a Alice queria dizer quando previu que
eu não seria capaz de me afastar da rapariga. Ela tinha visto a escala da dor.
Mas eu podia lidar com a dor.
Eu não ia destruir o futuro da Bella. Se eu estivesse destinado para a amar,
então evitá-la não seria a última coisa que eu conseguisse fazer?
Mas evitá-la era quase o limite do que eu conseguia suportar. Eu podia fingir
ignorá-la, e nunca olhar na direcção dela. Eu podia fingir que ela não me
interessava. Mas era apenas fingimento, não era a realidade.
Eu ainda me prendia a cada respiração dela, a cada palavra que ela dizia.
Eu aglomerava os meus tormentos em quatro categorias.
Os dois primeiros eram familiares. O seu aroma e o seu silêncio. Ou, por outro
lado - ia pôr a responsabilidade em mim, onde pertencia - a minha sede e a
minha curiosidade.
A sede era o meu primeiro tormento. Agora era um hábito, simplesmente não
respirar na aula de Biologia. Mas é claro, havia sempre excepções. Quando eu
tinha de responder a uma pergunta ou algo do género, eu precisava do meu
fôlego para falar. Cada vez que saboreava o ar à volta da rapariga era o mesmo
que aquele primeiro dia - fogo e violência brutal e a necessidade desesperada
de me libertar. Era difícil agarrar-me nem que fosse um bocado à razão ou
retenção nesses momentos. E, como no primeiro dia, o monstro rugia, tão perto
da superfície…
A curiosidade era dos tormentos mais constantes. A pergunta nunca saía da
minha cabeça: O que é que ela está a pensar agora? Quando a ouvia a suspirar
calmamente. Quando ela passava um dos dedos sobre o cabelo. Quando ela
mandava os livros com mais força do que o habitual. Quando ela chegava tarde
à aula. Quando ela batia o pé, impaciente, no chão. Cada movimento que eu
apanhava na minha visão periférica era um mistério que me enlouquecia.
Quando ela conversava com os outros alunos humanos, eu analisava todas as
palavras e o seu tom. Será que ela dizia o que estava a pensar, ou pensava no
que dizia? Várias vezes parecia-me como se ela estivesse a tentar dizer o que a
sua audiência esperava, e isso fez-me lembrar da minha família e da nossa vida
diária da ilusão. Nós éramos melhores naquilo do que ela estava a ser. A não ser
que eu estivesse errado sobre aquilo, apenas a imaginar coisas. Por que é que
ela havia de estar a desempenhar um papel? Ela era um deles, uma jovem
adolescente.
Mike Newton era o mais surpreendente dos meus tormentos. Quem é que teria
sonhado que um tão comum e aborrecido mortal podia ser tão irritante? Para
ser justo, eu devia sentir alguma gratidão pelo rapaz aborrecido. Mais do que os
outros, ele fazia a rapariga falar. Eu aprendi muito sobre ela através daquelas
conversas. Eu ainda estava a montar a minha lista, mas contrariamente, a
assistência de Mike neste projecto só me deixava mais irritado.
Eu não queria que fosse Mike o único a descobrir segredos. Eu queria fazer
aquilo.
Ajudava o facto de que ele nunca percebia as pequenas revelações que ela
fazia, os seus pequenos descuidos.
Ele não sabia nada sobre ela. Ele criou uma Bella na sua cabeça que não existia.
Uma rapariga tão comum como ele era. Ele não tinha observado a generosidade
e bravura que a distinguia dos outros humanos, ele não ouvia a anormal
maturidade dos seus pensamentos falados. Ele não percebia que, quando ela
falava da sua mãe, soava como um pai a falar de uma criança, em vez de ser o
contrário: amorosa, indulgente, um pouco divertida, e ferozmente protectora.
Ele não ouvia a paciência na sua voz quando ela fingia ter interesse nas suas
histórias mirabolantes, e não adivinhava o que havia atrás da sua paciente
bondade.
Através das conversas dela com Mike, eu fui capaz de adicionar a qualidade
mais importante para a minha lista, e mais reveladora de todas elas, tão
simples como rara. Bella era boa. Todas as outras coisas somaram-se àquele
todo - agradável, discreta, altruísta, amorosa e corajosa. Ela era boa através de
tudo.
No entanto, aquelas agradáveis descobertas não me tornavam mais gentil com
o rapaz. A maneira possessiva como via a Bella - como se ela fosse feita para
ele – provocou-me quase tanto como o seu rude fantasiar sobre ela. Ele estava
a tornar-se mais confiante em relação a ela, também, enquanto o tempo
passava, já que ela parecia preferi-lo aos seus rivais - Tyler Crowley, Erick
Yorkie, e até, esporadicamente, eu mesmo. Ele sentava-se rotineiramente ao
lado dela na mesa, a conversar com ela, encorajado pelos seus sorrisos. Apenas
sorrisos educados, disse a mim mesmo. Frequentemente, apanhava-me a
imaginar, entretido, a atirá-lo contra a parede da sala… Provavelmente não o
iria ferir fatalmente…
Mike não pensava muitas vezes em mim como um rival. Após o acidente, ele
ficou preocupado que a Bella e eu fossemos criar laços por causa da experiência
partilhada, mas obviamente tinha acontecido o oposto. Naquele tempo, ele
tinha ficado incomodado que eu tivesse afastado a Bella da atenção dos seus
colegas . Mas agora eu ignorava-a perfeitamente como os outros, e ele ficou
complacente.
O que é que ela estava a pensar agora? Será que ela gostava de ser o centro
das atenções?
E, finalmente o último dos meus tormentos, o mais doloroso: A indiferença de
Bella. Como eu a ignorava, ela ignorava-me também. Ela não voltou a tentar
falar comigo novamente. Provavelmente, ela nem sequer voltou a pensar em
mim.
Isto podia ter-me levado à loucura, ou até mesmo mudado minha decisão para
alterar o futuro, excepto que ainda olhava para mim como antes. Não tinha
visto isso por mim, já que não me permitia a olhar para ela, mas a Alice avisava-
nos sempre quando ela estava prestes a olhar. Os outros ainda estavam a ser
cuidadosos com o conhecimento problemático da rapariga.
Acalmava um pouco a dor quando ela olhava para mim de longe de vez em
quando. É claro que ela podia estar apenas a imaginar que tipo de louco é que
eu era.
- A Bella vai olhar para o Edward num minuto. Pareçam normais. - A Alice disse
numa terça-feira de Março, e os outros tomaram o cuidado de gesticular e
mexerem-se como um humano. Ficar totalmente parado era um hábito da nossa
espécie.
Prestei atenção à frequência com que ela olhava na minha direcção. Agradava-
me, apesar de não dever agradar, que a frequência não diminuía conforme o
tempo passava. Eu não sabia o que é que aquilo significava, mas fazia-me sentir
melhor.
A Alice suspirou. Eu gostava…
- Fica fora disto, Alice. - Disse por baixo da minha respiração. - Não vai
acontecer.
Ela fez um beicinho. A Alice estava ansiosa para formar a sua amizade iminente
com Bella. De uma forma estranha, ela sentia falta da rapariga que nem
conhecia.
Admito que és melhor do que eu pensei. Tens o teu futuro todo confuso e sem
sentido outra vez. Espero que estejas feliz. - Pensou.
- Faz perfeito sentido para mim.
Ela fez um som impaciente de forma delicada.
Eu tentei ignorá-la, estava muito impaciente para conversas. Eu não estava de
bom humor. Estava mais tenso do que deixava qualquer um deles ver. Só o
Jasper sabia como é que eu estava, sentindo o stress ao meu redor com a sua
habilidade única de sentir e influenciar o humor das pessoas à volta. Ele não
entendia as razões por trás dos humores e, como tenho estado constantemente
de mau humor, ele ignorava.
Hoje ia ser um dia difícil. Mais difícil que o dia anterior, era esse o padrão.
Mike Newton, o rapaz odiável com quem eu não me podia permitir a tornar rival,
ia convidar Bella para um encontro.
O baile que as raparigas adoravam estava a chegar, e ele estava esperançoso
que Bella o convidasse. Agora Mike estava desconfortavelmente preso, eu
gostava do desconforto dele mais do que devia, porque Jessica Stanley tinha
acabado de o convidar. Ele não queria dizer “sim”, porque estava à espera que
Bella o convidasse (e provar que ele era o vitorioso entre os seus rivais), mas
não queria dizer “não” e acabar por perder o baile. A Jessica, magoada pela sua
hesitação e imaginando a razão por trás disso, estava a ter pensamentos
raivosos contra Bella. Agora entendi melhor o instinto, mas só me fez ficar mais
frustrado quando não podia agir.
E pensar que tinha chegado a este ponto! Eu estava totalmente fixado nos
dramas de liceu que um dia tinha simplesmente ignorado.
O Mike estava a trabalhar na sua coragem enquanto caminhava com Bella até à
aula de biologia. Eu ouvi a sua luta interna enquanto esperava que chegassem.
O rapaz era fraco. Ele tinha esperado por este baile de propósito, com medo de
mostrar o seu interesse antes que ela mostrasse uma preferência por ele. Ele
não queria ficar vulnerável para uma possível rejeição, preferindo que ela desse
aquele passo antes.
Cobarde.
Ele sentou-se na nossa mesa outra vez, confortável com a familiaridade, e eu
imaginei o som que seu corpo faria se batesse contra a parede oposta da sala
com força suficiente para partir a maioria dos seus ossos.
- Pois - Disse para a rapariga, os seus olhos no chão. - A Jessica convidou-me
para o baile de primavera.
- Isso é óptimo. - Responder Bella imediatamente e com entusiasmo. Era difícil
não sorrir conforme Mike se dava conta do seu tom. Ele estava à espera que ela
contestasse. – Vais-te divertir imenso com a Jessica.
Ele reflectiu sobre a resposta certa. - Bem… - Hesitou, e quase desistiu. Depois
voltou ao plano. - Eu disse-lhe que tinha de reflectir sobre o assunto.
- Porque farias isso? - Perguntou. O tom dela era mais de desaprovação, mas
ainda tinha uma pontada de alívio também.
O que é que aquilo significava? Uma fúria inesperada fez com que as minhas
mãos se fechassem até punhos.
Mike não ouviu o alívio. O rosto dele estava vermelho com o sangue - com a
raiva que eu estava, aquilo parecia um convite - e olhou para o chão outra vez
enquanto falava.
- Estava a perguntar-me…. Bem, se estarias a pensar convidar-me.
Bella hesitou.
Naquele momento de hesitação, eu vi o futuro mais claramente do que Alice.
Talvez ela dissesse “sim” à pergunta implícita de Mike, talvez não, mas ainda
assim, algum dia ela diria sim a alguém. Ela era adorável, intrigante e os outros
homens não eram indiferentes a isso. Quer ela assentasse com alguém deste
grupo insalubre, ou esperasse para estar livre de Forks, o dia em que ela diria
sim iria chegar.
Vi a vida dela como tinha visto antes. Faculdade, carreira…amor, casamento. Vi-
a de braço dado com seu pai, vestida de branco, o a cara dela corada de
felicidade conforme se movia ao som da marcha nupcial de Mendelssohn.
A dor era mais forte do que já alguma vez tinha sentido. Um humano teria que
estar à beira da morte para sentir esta dor. Um humano não sobreviveria a isto.
E não só dor, mas o ódio.
A fúria também doía de uma forma física. Mesmo que este rapaz insignificante
não seja aquele a quem Bella vá dizer sim, eu queria esmagar-lhe o crânio na
minha mão, para deixá-lo ficar com uma amostra de como iria ficar o rapaz a
que ela dissesse sim.
Eu não entendia aquela emoção. Era uma mistura de dor e raiva e desejo e
desespero. Eu nunca me tinha sentido assim antes. Não conseguia pôr um
nome àquilo.
- Mike, eu acho que devias aceitar o convite dela. - Disse de forma gentil.
As esperanças de Mike desapareceram. Noutras circunstâncias eu teria gostado,
mas eu estava perdido no choque após a dor, e no remorso pelo que a dor e a
raiva me tinham feito.
A Alice tinha razão. Eu não era forte o suficiente.
Agora, Alice devia estar a ver o futuro a contorcer-se e a revirar-se, a ficar
confuso de novo. Será que isto a iria agradar?
- Já convidaste alguém? - Mike perguntou de repente. Olhou de relance para
mim, suspeito pela primeira vez em semanas. Apercebi-me que nunca tinha
disfarçado bem o meu interesse, a minha cabeça estava inclinada na direcção
de Bella.
A raiva descontrolada nos pensamentos dele - raiva por qualquer um que ela
preferisse - de repente deu um nome ao meu sentimento.
Eu estava com ciúmes.
- Não. - Disse, a achar um bocado de graça. – Nem sequer vou ao baile.
Por detrás de todo o remorso e raiva, eu senti alívio nas palavras dela. De
repente eu estava a considerar os meus rivais.
- Porque não? – Perguntou Mike de uma forma quase mal-educada. Ofendia-me
que ele usasse aquele tom com ela. Contive um rugido.
- Vou a Seattle nesse sábado. - Respondeu.
A curiosidade já não era tão viciante como antes, agora que estava mais
concentrado em descobrir as respostas para tudo. Eu ia saber os ondes e
porquês desta revelação brevemente.
O tom de Mike continuou desagradável. - Não podes ir noutro fim-de-semana?
- Lamento, mas não. - Bella foi mais brusca agora. – Não deves, portanto, fazer
a Jess esperar mais. É uma falta de educação.
A preocupação dela com os sentimentos de Jessica diminuiu as chamas do meu
ciúme. Aquela viagem para Seattle era claramente uma desculpa para dizer
não. Será que ela recusou puramente por lealdade à amiga? Será que ela queria
realmente poder dizer sim? Ou estavam os dois palpites errados? Ela estava
interessada noutra pessoa?
- Sim, tens razão. - Murmurou Mike, com a moral tão baixa que eu quase senti
pena dele. Quase.
Parou de olhar para ela, cortando a minha visão do rosto dela na sua mente.
Eu não ia tolerar aquilo.
Eu virei-me para ler a expressão dela por mim mesmo, pela primeira vez em
mais de um mês. Foi um alívio autorizar-me a fazer isso, era como respirar
depois de muito tempo debaixo de água para os humanos.
Os olhos dela estavam fechados e as mãos pressionadas de cada lado da sua
cara. Os seus ombros estavam curvados para frente de forma defensiva.
Balançava a cabeça suavemente, como se estivesse a tentar tirar algum
pensamento da cabeça.
Frustrante. Fascinante.
A voz do Sr. Banner puxou-a daquele estado e os olhos dela abriram-se
devagar. Ela olhou para mim imediatamente, talvez sentindo o meu olhar.
Olhou-me directamente nos olhos com a mesma expressão perplexa que me
tinha assombrado por tanto tempo.
Não senti remorso ou culpa ou raiva naquele segundo. Eu sabia que eles iriam
aparecer outra vez, e apareceriam brevemente, mas por este momento eu
estava a viver uma estranha excitação. Como se eu tivesse triunfado em vez de
perdido.
Ela não desviou o olhar, mesmo que eu a estivesse a olhar com uma
intensidade imprópria, tentando sem sucesso ler os pensamentos dela pelos
seus olhos castanhos. Eles estavam cheios de perguntas em vez de respostas.
Eu conseguia ver o reflexo dos meus próprios olhos, e vi-os pretos com sede. Já
tinham passado quase duas semanas desde a última vez que eu tinha caçado.
Este não era o dia mais seguro para eu sucumbir a minha vontade. Mas a
escuridão não pareceu assustá-la. Ela ainda não desviava o olhar, e uma leve,
apelativa cor vermelha começou a aparecer na sua face.
O que é que ela estava a pensar agora?
Eu quase fiz aquela questão em voz alta, mas naquele momento, o Sr. Banner
disse o meu nome. Eu ouvi a resposta certa na sua mente e olhei rapidamente
na sua direcção.
Respirei rapidamente. – O ciclo de Krebs.
A sede passou na minha garganta, pondo os meus músculos mais tensos e
enchendo a minha boca com veneno. Fechei os olhos, tentei-me concentrar no
desejo pelo sangue dela que se enfurecia dentro de mim.
O monstro estava mais forte do que antes. O monstro estava a regozijar-se. Ele
juntou-se àquele futuro que lhe dava uma hipótese de 50% no que ele desejava
de uma maneira cruel.
O terceiro e incerto futuro que eu tinha tentado construir apenas por força de
vontade tinha sido destruído, pelos ciúmes, acima de tudo, portanto o monstro
estava cada vez mais perto de ter o seu desejo.
O remorso e a culpa queimaram-me tal como a sede, e se eu tivesse a
habilidade de produzir lágrimas elas estariam a formar-se agora.
O que é que eu tinha feito?
Sabendo que a batalha já estava perdida, parecia não haver mais nenhuma
razão para resistir ao que eu queria. Virei-me para olhar para Bella novamente.
Ela tinha-se escondido no próprio cabelo, mas eu conseguia ver que seu rosto
estava totalmente vermelho.
O monstro gostou daquilo.
Ela não olhou para mim novamente, mas mexeu de forma nervosa numa mecha
de cabelo. Os seus dedos delicados, o seu pulso delicado. Eles eram tão frágeis,
parecia que até a minha respiração podia parti-los.
Não, não, não. Eu não podia fazer isto. Ela era demasiado frágil, demasiado boa
pessoa, demasiado preciosa para merecer este destino. Eu não podia permitir
que minha vida colidisse com a dela, que destruísse a vida dela.
Mas eu também não conseguia ficar longe dela. A Alice estava certa sobre isso.
O monstro dentro de mim manifestou-se, frustrado, conforme eu pensava.
A minha breve hora com ela passou demasiado depressa. A campainha tocou e
ela começou a arrumar as coisas sem olhar para mim. Isso decepcionou-me mas
eu não podia esperar o contrário. A maneira como eu a tinha tratado desde o
acidente era inaceitável.
- Bella? - Disse, sem me conseguir conter. A minha força de vontade já estava
despedaçada.
Ela hesitou antes de olhar para mim. Quando se virou a sua expressão estava
defensiva e desconfiada.
Relembrei-me que ela tinha todo o direito de desconfiar de mim. Que devia.
Ela esperou que eu continuasse, mas eu só olhei para ela, a ler a sua expressão.
Eu dava respirações superficiais em intervalos regulares, lutando contra a
minha sede.
- O que foi? – Perguntou finalmente. – Já voltaste a falar comigo? - Havia um
pingo de ressentimento na sua voz, como a raiva a aparecer. Isso fez-me querer
sorrir.
Eu não tinha a certeza como responder à pergunta dela. Estava a falar com ela
outra vez, no sentido que ela estava a perguntar?
Não. Não se conseguisse evitar. Eu ia tentar evitar.
- Não, nem por isso. – Disse-lhe.
Ela fechou os olhos, o que me frustrou. Cortou o meu melhor caminho para
tentar aceder aos seus sentimentos. Respirou fundo sem abrir os olhos. O seu
maxilar estava rígido.
Com olhos ainda fechados, ela falou. Certamente aquela não era a maneira
normal de um humano conversar. Porque é que ela fazia aquilo?
- Então, o que queres, Edward?
O som do meu nome nos lábios dela fez coisas estranhas ao meu corpo. Se o
meu coração batesse, estaria a acelerar.
Mas como responder-lhe?
Com a verdade, decidi. Seria o mais sincero que pudesse com ela a partir de
agora. Eu não queria merecer a sua desconfiança, mesmo que ganhar a sua
confiança fosse impossível.
- Desculpa. - Disse-lhe. Aquilo era mais verdade do que ela iria alguma vez
saber. Infelizmente, a única maneira segura de me desculpar era do trivial. – Eu
sei que estou a ser muito indelicado, mas é melhor assim, a sério.
Seria melhor para ela se eu continuasse a ser indelicado. Será que eu iria
conseguir?
Os olhos dela abriram-se, a sua expressão ainda estava cautelosa.
- Não sei a que te referes.
Eu tentei avisá-la o mais que me fosse possível. – É melhor que não sejamos
amigos. – Certamente que ela conseguia sentir aquilo. Ela era uma rapariga
inteligente. - Confia em mim.
Os olhos dela ficaram mais estreitos e eu lembrei-me que já lhe tinha dito
aquelas palavras antes, mesmo antes de quebrar a promessa. Estremeci
quando ela cerrou os dentes. Claramente ela também se tinha lembrado.
- É pena que não tenhas percebido isso antes. - Ela disse zangada. – Terias
evitado todo esse arrependimento.
Olhei para ela em choque. O que é que ela sabia dos meus arrependimentos?
- Arrependimento? Arrependimento em relação a quê? - Exigi.
- Em relação ao facto de não teres simplesmente deixado que o raio daquela
carrinha me tivesse esmagado. - Respondeu bruscamente.
Eu congelei, surpreendido.
Como é que ela podia pensar aquilo? Salvar a sua vida tinha sido a única coisa
certa que eu tinha feito desde que a conheci. A única coisa de que não me
envergonhava. A única coisa que me deixava feliz em existir. Lutei para a
manter viva desde o primeiro momento em que senti o seu cheiro. Como é que
ela podia pensar aquilo de mim? Como é que se atrevia a questionar a minha
única boa acção nesta confusão toda?
- Julgas que eu me arrependo de te ter salvo a vida?
- Eu sei que te arrependes de tê-lo feito.
A avaliação dela das minhas intenções deixaram-me a ferver de raiva. – Tu não
sabes nada.
Que confusos e incompreensíveis eram os trabalhos da mente dela! Ela não
devia pensar da mesma maneira que os outros humanos. Devia ser essa a
explicação por detrás do seu silêncio mental. Ela era completamente diferente.
Ela virou a cara, a ranger os dentes. As suas bochechas estavam vermelhas,
com raiva outra vez. Ela juntou os livros numa pilha, colocou-os nos braços e
marchou em direcção à porta sem olhar para mim.
Mesmo irritado como eu estava, era impossível não achar o seu ódio divertido.
Ela andou desajeitada, sem olhar por onde ia, e o pé dela bateu na ombreira da
porta. Ela tropeçou, e as coisas todas caíram no chão. Em vez de se inclinar
para as apanhar, ficou parada, rígida, sem sequer olhar para baixo, como se não
tivesse a certeza se os livros mereciam ser recuperados.
Consegui não me rir.
Ninguém estava aqui para olhar para mim. Fui rapidamente para o lado dela e
pus os livros em ordem antes que ela olhasse para baixo.
Ela inclinou-se, viu-me, e congelou. Entreguei-lhe os livros, tomando o cuidado
que a minha pele gelada não tocasse na dela.
- Obrigada. - Disse numa voz fria, severa.
O seu tom trouxe de volta a minha irritação.
- Não tens de quê. - Respondi no mesmo tom frio.
Ela endireitou-se e foi para a sua próxima aula.
Fiquei a olhar até que já não conseguia ver a sua figura furiosa.
A aula de espanhol passou num borrão. A Sra. Goff não questionou a minha
distracção, ela sabia que o meu espanhol era superior ao dela, e deu-me
liberdade, deixando-me livre para pensar.
Então, eu não conseguia ignorar a rapariga. Isso era óbvio. Mas isso significava
que eu não tinha outra saída a não ser destruí-la? Aquele não podia ser o único
futuro disponível. Tinha que haver alguma outra escolha, algum equilíbrio.
Tentei pensar numa maneira…
Não prestei muita atenção ao Emmett até que a aula terminou. Ele estava
curioso. O Emmett não era muito intuitivo sobre os sentimentos dos outros, mas
ele conseguia ver uma mudança óbvia em mim. Perguntou-se o que teria
acontecido para tirar o insistente olhar de ódio do meu rosto. Lutou consigo
mesmo para definir a mudança, e finalmente decidiu que eu parecia
esperançoso.
Esperançoso? Era assim que eu parecia por fora?
Ponderei a ideia de esperança enquanto voltávamos para o Volvo, perguntando-
me sobre o que é que devia estar esperançoso.
Mas não tive muito tempo para reflectir. Sensível como estava sempre aos
pensamentos dos outros sobre a rapariga, o som do nome da Bella nas cabeças
dos meus… dos meus rivais, tive que admitir, chamou a minha atenção. Eric e
Tyler, tinham ouvido falar, com muita satisfação do fracasso de Mike, e estavam
a preparar-se para agir.
Eric já estava pronto, encostado à pick-up dela, de modo a que ela não o
conseguisse evitar. A aula de Tyler estava atrasada por causa de um trabalho, e
ele estava desesperado por apanhá-la antes que ela escapasse.
Eu tinha que ver isto.
- Espera pelos outros aqui, está bem? - Murmurei ao Emmett.
Ele olhou para mim, suspeito, mas depois encolheu os ombros e acenou.
O miúdo endoideceu. - Pensou, divertido pelo meu pedido esquisito.
Vi a Bella a sair do ginásio, e fiquei à espera onde ela não me conseguisse ver.
Quando ela se aproximou da emboscada de Eric, eu aproximei-me, andando
num ritmo que me ia fazer passar por ela no momento certo.
Vi o seu corpo a ficar tenso quando viu o rapaz à espera dela. Ela parou por um
momento, depois relaxou e continuou a andar.
- Olá, Eric. – Ouvi-a dizer num tom amigável.
Fiquei inesperadamente ansioso. E se aquele adolescente magro e com
problemas de pele fosse de algum modo atraente para ela?
Eric engoliu alto, a sua maçã-de-adão tremeu. - Viva, Bella.
Ela parecia inconsciente do nervosismo dele.
- O que se passa? - Perguntou, enquanto destrancava a pick-up sem olhar para
a expressão assustada que ele tinha.
- Ah… estava apenas a pensar… se irias ao baile de primavera comigo. - A voz
dele tremeu.
- Pensei que eram as raparigas que escolhiam o seu par. - Disse, parecendo
frustrada.
- Bem, e são. - Ele concordou infeliz.
Este pobre rapaz não me irritou tanto quanto Mike Newton, mas eu não
conseguia encontrar dentro de mim qualquer simpatia pela sua angústia até
que Bella lhe respondeu com uma voz gentil.
- Obrigada por me convidares, mas eu estarei em Seattle nesse dia.
Ele já tinha ouvido isso; mesmo assim, ficou desapontado.
-Ah – Murmurou, mal se atrevendo a levantar os olhos ao nível do nariz dela -
Bem, talvez para a próxima?
- Claro. - Ela concordou. Depois mordeu o lábio, como se estivesse arrependida
de lhe ter dado uma hipótese. Gostei daquilo.
Eric afastou-se da pick-up e foi-se embora, ia na direcção contrária do seu carro,
só queria escapar dali.
Passei por ela naquele momento, e ouvi o seu suspiro de alívio. Eu ri-me.
Ela virou-se ao som, mas eu olhei para a frente, tentando evitar que os meus
lábios se contorcessem com o divertimento.
O Tyler estava atrás de mim, quase a correr com pressa de falar com ela antes
que ela pudesse ir para casa. Ele estava mais destemido e confiante que os
outros dois. Só tinha esperado tanto tempo para abordar Bella porque
respeitava que Mike a tinha visto primeiro.
Eu queria que ele conseguisse falar com ela por dois motivos. Se, como estava a
começar a suspeitar, toda aquela atenção fosse irritante para Bella, eu queria
aproveitar e assistir à sua reacção. Mas, se não, se o convite de Tyler fosse o
que ela estava à espera, então eu queria saber disso também.
Medi Tyler Crowley como um rival, sabendo que isso era errado de se fazer. Ele
parecia aborrecidamente comum e não se comparava comigo, mas o que sabia
eu das preferências de Bella? Talvez ela gostasse de rapazes comuns…
Estremeci com aquele pensamento. Eu jamais conseguiria ser um rapaz comum.
Que parvoíce era colocar-me como rival para os seus afectos. Como é que ela se
poderia importar com alguém que era, sob qualquer ângulo, um monstro?
Ela era boa de mais para um monstro.
Eu devia deixá-la escapar, mas a minha indesculpável curiosidade evitou que
fizesse a coisa certa. Outra vez. E se o Tyler perdesse a sua oportunidade agora,
apenas para contactá-la mais tarde quando eu não tivesse maneira de conhecer
o resultado? Puxei o meu Volvo para o caminho estreito, bloqueando a saída
dela.
O Emmett e os outros estavam a caminho, mas ele tinha-lhes descrito o meu
comportamento estranho, então eles estavam a andar lentamente, observando-
me, a tentar decifrar o que é que eu estava a fazer.
Olhei para a rapariga pelo retrovisor. Ela olhou para o meu carro com raiva, sem
encontrar o meu olhar, como se quisesse estar a conduzir um tanque em vez de
uma pick-up Chevy enferrujada.
O Tyler despachou-se para o seu carro e pôs-se na fila atrás dela, agradecendo
o meu comportamento inexplicável. Ele acenou-lhe, tentando chamar a sua
atenção, mas ela não reparou. Ele esperou um momento, e depois saiu do carro
e correu para a janela do lado do condutor dela. Bateu no vidro.
Ela saltou, e depois olhou para ele, confusa. Depois de um segundo, abriu a
janela manualmente, parecendo ter algum problema com aquilo.
- Desculpa, Tyler. - Disse numa voz irritada. - Estou encurralada atrás do Cullen.
Ela disse o meu apelido com uma voz dura. Ainda estava zangada comigo.
- Oh, eu sei - Tyler disse, não se importando com o humor dela. – Queria apenas
pedir-te algo enquanto estamos aqui presos.
O sorriso dele era convencido.
Fiquei aliviado com a maneira que ela empalideceu com a tentativa óbvia dele.
- Convidas-me para o baile de primavera? - Perguntou, não havia nenhum
pensamento de derrota na sua mente.
- Estarei fora da cidade, Tyler. - Ela disse-lhe, a irritação ainda bem presente na
sua voz.
- Pois, o Mike falou nisso.
- Então por que é que… - Começou a perguntar.
Ele encolheu os ombros. – Estava com esperança de que estivesses apenas a
recusar o convite dele de uma forma simpática.
Os olhos dela queimaram, depois ficaram frios. - Desculpa, Tyler. – Disse-lhe,
sem parecer sentir nada. - Eu vou mesmo sair da cidade.
Ele aceitou aquela desculpa, a sua autoconfiança não tinha sido tocada. - Tudo
bem, ainda temos o baile de finalistas.
Ele empertigou-se e foi para o seu carro.
Eu tinha razão por ter querido esperar por isto.
A expressão horrorizada no rosto dela era impagável. Disse-me o que eu não
devia estar tão desesperado por saber: que ela não sentia nada por nenhum
daqueles rapazes humanos que queriam convidá-la.
E também, a expressão dela era possivelmente a coisa mais engraçada que eu
já tinha visto.
Então a minha família chegou, confusa pelo facto de que eu estava, para variar,
a tremer de riso em vez de estar a fazer uma cara assassina a qualquer coisa
que estivesse à vista.
O que é que é tão engraçado? Emmett quis saber.
Eu só abanei a cabeça enquanto me abanava também com uma nova onda de
riso quando Bella acelerou seu motor, nervosa. Ela parecia querer o tanque
outra vez.
- Vamos embora! - A Rosalie sibilou impaciente. - Pára de ser idiota. Se
conseguires.
As palavras dela não me irritaram. Estava demasiado divertido. Mas fiz o que
ela pediu.
Ninguém falou comigo no caminho para casa. Continuei a rir-me de vez em
quando, a pensar no rosto de Bella.
Quando virei para a estrada, agora acelerava já que não havia testemunhas, a
Alice arruinou o meu humor.
- Então agora já posso falar com a Bella? - Perguntou inesperadamente, sem
pensar nas palavras primeiro, não me dando um aviso.
- Não. – Disse bruscamente.
- Isso não é justo. Do que é que estou à espera?
- Eu ainda não decidi nada, Alice.
- Como queiras, Edward.
Na cabeça dela, os dois destinos de Bella estavam claros novamente.
- Para quê conhecê-la? - Murmurei, de repente rabugento. - Se vou
simplesmente matá-la?
A Alice hesitou por um segundo. – Lá nisso tens razão. - Ela admitiu.
Dei a última curva a 150 km/h e parei a três centímetros da parede da garagem.
- Aproveita a tua corrida. - Disse Rosalie presunçosa quando me atirei para fora
do carro.
Mas eu não fui correr hoje. Em vez disso, fui caçar.
Os outros iam caçar amanhã, mas eu não podia estar com sede agora. Exagerei,
bebendo mais do que o necessário, fartando-me de novo. Um pequeno grupo de
cervos e um urso negro que tive a sorte de encontrar tão cedo este ano. Estava
tão cheio que era desconfortável. Por que é que aquilo não podia ser o
suficiente? Por que é que o cheiro dela tinha que ser muito mais forte que todas
as outras coisas?
Eu tinha caçado para me preparar para o próximo dia, mas, quando não
conseguia caçar mais e o sol ainda estava a horas de nascer, soube que o
próximo dia não chegaria rápido o suficiente.
A enorme tensão passou por mim outra vez quando percebi que ia à procura da
rapariga.
Eu discuti comigo mesmo todo o caminho de volta a Forks, mas o meu lado
menos nobre ganhou a discussão, e eu segui adiante com o meu plano
indestrutível. O monstro estava inquieto, mas bem alimentado. Eu sabia que ia
manter uma distância segura dela. Só queria saber como é que ela estava. Só
queria ver a sua cara.
Passava da meia-noite e a casa de Bella estava escura e silenciosa. A pick-up
dela estava estacionada contra a cerca da casa e o carro patrulha do seu pai
estava na entrada da casa. Não havia pensamentos conscientes em lugar
nenhum na vizinhança. Olhei para a casa por um momento, da escuridão da
floresta que a cercava do lado este. A porta da frente provavelmente estava
trancada, não que isso fosse um problema, excepto que eu não queria deixar a
porta partida como prova para trás. Decidi tentar a janela de cima, primeiro.
Não existiam muitas pessoas que se incomodavam a instalar uma fechadura ali.
Passei pelo jardim aberto e escalei a parede da casa em meio segundo.
Pendurado por uma mão no parapeito da janela, olhei pelo vidro, e a minha
respiração parou.
Era o quarto dela. Eu conseguia vê-la, os cobertores no chão e os lençóis
enrolados nas suas pernas. Enquanto eu olhava, ela virou-se inquieta e colocou
um braço por cima da cabeça. Ela não dormia profundamente, pelo menos não
esta noite. Será que sentia o perigo próximo?
Fiquei com nojo de mim próprio quando a vi mexer-se outra vez. Como é que eu
era melhor do que qualquer outro bisbilhoteiro? Eu não era melhor. Era muito,
muito pior.
Relaxei as pontas dos meus dedos, preparado para me deixar cair. Mas primeiro
permiti a mim mesmo lançar um longo olhar na direcção da cara dela.
Não estava tranquila. A pequena ruga entre as suas sobrancelhas, os cantos dos
seus lábios para baixo. Os lábios dela tremeram, e então abriram-se.
- Está bem, mãe. - Resmungou.
A Bella falava durante o sono.
A curiosidade invadiu-me, mais forte que o nojo que tinha por mim mesmo. O
encanto daqueles pensamentos falados, desprotegidos e inconscientes, era
incrivelmente tentador.
Tentei abrir a janela, e não estava fechada, embora tenha encravado por ter
ficado tanto tempo sem ser aberta. Eu empurrei-a lentamente para o lado,
rangendo a cada pequeno gemido que a moldura de metal fazia. Tinha que
arranjar algum óleo para a próxima vez…
Próxima vez? Eu abanei a cabeça, com nojo de novo.
Passei silenciosamente pela janela meio aberta.
O quarto dela era pequeno. Desorganizado, mas não sujo. Havia livros
empilhados no chão perto da sua cama, as lombadas viradas para o outro lado,
e CDS espalhados perto do seu discman barato. O que estava por cima era só
uma caixa vazia. Papéis cercavam um computador que mais parecia pertencer a
um museu dedicado a tecnologias obsoletas. Sapatos estavam no chão de
madeira.
Eu queria muito ir ler os títulos dos seus livros e CDS, mas tinha prometido que
ia manter a distância. Em vez disso, fui-me sentar na velha cadeira de balanço
no outro canto do quarto.
Eu tinha mesmo alguma vez pensado que ela tinha um aspecto comum? Pensei
naquele primeiro dia, e no meu nojo pelos rapazes que ficaram tão rapidamente
intrigados por ela. Mas quando me lembrei do rosto dela nos pensamentos
deles, não conseguia entender por que é que não a tinha achado linda
imediatamente. Parecia uma coisa óbvia.
Neste momento, com o seu cabelo escuro embaraçado e selvagem à volta da
sua cara pálida, a usar uma t-shirt cheia de buracos e umas calças
esfarrapadas, ela tirou-me a respiração. Ou teria tirado, pensei ironicamente, se
eu estivesse a respirar.
Ela não falou. Talvez o sonho tivesse terminado.
Olhei para a cara dela e tentei pensar nalguma maneira de deixar o futuro
suportável.
Magoá-la não era suportável. Isso significava que minha única escolha era
tentar ir embora novamente?
Os outros não podiam discutir comigo agora. A minha ausência não iria colocar
ninguém em perigo. Não iria haver nenhuma suspeita, nada para levar os
pensamentos de ninguém de volta ao acidente.
Vacilei como tinha feito esta tarde, e nada pareceu possível.
Não podia estar à espera de ser rival dos rapazes humanos, quer esses rapazes
específicos a atraíssem ou não. Eu era um monstro. Como é que ela me podia
ver de outra forma? Se ela soubesse a verdade sobre mim, ia assustá-la e
repulsá-la. Como a vítima num filme de terror, ela ia correr, a gritar de horror.
Lembrei-me do primeiro dia dela na aula de biologia… e sabia que aquela seria
exactamente a reacção certa para se ter.
Era uma parvoíce imaginar que se fosse eu quem a tivesse a convidado para
aquele baile idiota, ela teria cancelado os seus planos feitos em cima da hora e
teria concordado em ir comigo.
Não era a mim que ela estava destinada a dizer sim. Era a outra pessoa,
humana e quente. E eu nem me podia permitir - algum dia, quando ela dissesse
sim – a persegui-lo e matá-lo, porque ela merecia-o, quem quer que fosse que
tivesse escolhido.
Ela merecia que eu fizesse a coisa certa agora. Já não podia fingir que estava só
em perigo de amar esta rapariga.
Afinal de contas, não fazia diferença se eu fosse embora, porque Bella jamais
me iria ver da maneira que eu queria que ela visse. Ela nunca me ia ver como
alguém que merecesse ser amado.
Nunca.
Podia um coração morto, gelado, despedaçar-se? Parecia que o meu podia.
- Edward. - Disse Bella.
Eu congelei, a olhar para os seus olhos fechados.
Ela tinha acordado, tinha-me visto aqui? Ela parecia adormecida, mas a sua voz
tinha sido tão clara…
Ela suspirou calmamente, e depois mexeu-se inquieta outra vez, dando uma
volta – ainda a dormir e sonhar.
- Edward. - Murmurou suavemente.
Ela estava a sonhar comigo.
Podia um coração morto, gelado, bater de novo? Parecia que o meu podia.
- Fica. - Suspirou. - Não vás. Por favor… não vás.
Ela estava a sonhar comigo, e não era um pesadelo. Ela queria que eu ficasse
com ela, ali no seu sonho.
Eu lutei para encontrar palavras para dar nome aos sentimentos que me
invadiram, mas não existiam palavras fortes o suficiente para descrevê-los. Por
um longo momento, afoguei-me neles.
Quando voltei à superfície, não era o mesmo homem que tinha sido.
A minha vida era uma a meia-noite, sem mudanças, sem fim. Devia, por
necessidade, ser sempre meia-noite para mim. Então como é que era possível
que o sol estivesse a nascer agora, bem a meio da meia-noite?
No momento em que me tornei um vampiro, trocando a minha alma e
mortalidade por imortalidade na dor abrasadora da transformação, eu tinha
realmente congelado. O meu corpo tinha-se transformado em algo mais
parecido com pedra do que carne, permanente e sem mudanças. Até eu,
também, tinha congelado como era. A minha personalidade, os meus gostos e
desgostos, os meus humores e os meus desejos, estavam todos fixos num
lugar.
Era a mesma coisa para o resto deles. Todos nós estávamos congelados. Pedras
vivas.
Quando uma mudança chegava para um de nós, era uma coisa rara e
permanente. Tinha visto isso acontecer com Carlisle, e uma década depois, com
Rosalie. O amor tinha-os mudado de uma maneira irremediável, uma maneira
que nunca mais mudava. Mais de oitenta anos tinham-se passado desde que
Carlisle tinha encontrado Esme, e ele ainda a olhava com os olhos incrédulos do
primeiro amor. Seria sempre assim para eles.
Seria sempre assim para mim também. Eu ia sempre amar esta frágil rapariga
humana, pelo resto da minha existência sem limites.
Olhei para o seu rosto inconsciente, sentindo esse amor por ela a acomodar-se
em cada célula do meu corpo de pedra.
Ela dormia com mais calma agora, um sorriso fraco nos lábios.
Sem deixar de a observar, comecei a planear.
Eu amava-a, então ia tentar ser forte o suficiente para a deixar. Eu sabia que
neste momento não era forte o suficiente. Ia ter que trabalhar nisso. Mas talvez
eu fosse forte o suficiente para moldar o futuro de outra maneira.
A Alice tinha visto só dois futuros para a Bella, e agora eu entendia os dois.
Amá-la não ia evitar que eu a matasse, se cometesse erros.
Mas eu não conseguia sentir o monstro agora, não conseguia encontrá-lo em
nenhum lugar dentro de mim. Talvez o amor o tivesse silenciado para sempre.
Se eu a matasse agora, não seria intencional, só um horrível acidente.
Eu teria de ser extraordinariamente cuidadoso. Jamais, jamais seria capaz de
baixar a guarda. Ia ter que controlar cada respiração. Ia ter de manter sempre
uma distância segura.
Não ia cometer erros.
Finalmente entendi o segundo futuro. Tinha estado aterrorizado com aquela
visão. O que é podia possivelmente acontecer que resultaria em Bella a tornar-
se uma prisioneira desta meia-vida imortal? Agora, devastado por desejar a
rapariga, eu conseguia entender como eu podia, num egoísmo indesculpável,
pedir ao meu pai esse favor. Pedir-lhe que tirasse a vida e a alma dela para que
eu pudesse ficar com ela para sempre.
Ela merecia melhor.
Mas eu vi mais um futuro, uma linha estreita pela qual eu talvez pudesse
caminhar, se pudesse manter o meu equilíbrio.
Conseguiria fazê-lo? Ficar com ela e deixá-la humana?
Deliberadamente, inspirei fundo e depois outra vez, deixando que o seu cheiro
passasse por mim como fogo. O quarto estava cheio do seu perfume, a
fragrância dela saía de cada superfície. A minha cabeça girou, mas eu lutei
contra a tontura. Teria que me habituar àquilo, se eu fosse tentar ter qualquer
tipo de relacionamento com ela. Respirei novamente, deixando o ar queimar-
me.
Observei-a a dormir até que o sol nasceu atrás das nuvens a este, a planear e a
respirar.
Voltei para casa quando os outros já tinham ido embora para a escola. Mudei de
roupa rapidamente, evitando os olhos cheios de perguntas de Esme. Ela viu a
luz febril no meu rosto, e sentiu preocupação e alívio. A minha melancolia sem
fim magoava-a, e ela estava feliz porque parecia ter acabado.
Corri para a escola, chegando poucos segundos depois dos meus irmãos. Eles
não se viraram, embora Alice deva ter desconfiado que eu estava parado aqui
nas grossas árvores que cercavam o asfalto. Esperei até que ninguém estivesse
a olhar, e depois andei casualmente por entre as árvores até o estacionamento
cheio de carros.
Ouvi a pick-up de Bella a rugir na esquina, e parei atrás de um Suburban onde
podia observá-la sem ser visto.
Ela dirigiu-se até o estacionamento, e olhou para o meu Volvo durante um longo
momento antes de parar numa das vagas mais distantes, tinha uma careta no
seu rosto.
Era estranho lembrar-me que ela provavelmente ainda estava zangada comigo,
e por um bom motivo.
Eu queria rir-me de mim mesmo, ou bater-me. Todo o meu esquema e
planeamento eram totalmente inúteis se ela não se importasse comigo, não
eram? O sonho dela pode ter sido sobre alguma coisa aleatória. Eu era mesmo
um idiota arrogante.
Bem, era muito melhor para ela se não se importasse comigo. Isso não me
impediria de a perseguir, mas eu avisá-la-ia da minha perseguição. Devia-lhe
isso.
Andei silenciosamente, a pensar em qual seria a melhor forma de me aproximar
dela.
Ela tornou aquilo mais fácil. A chave da pick-up escorregou pelos seus dedos
quando saiu, e caiu numa poça funda.
Ela inclinou-se, mas eu cheguei primeiro, recuperando-a antes que ela tivesse
que pôr os dedos na água fria.
Encostei-me contra a pick-up enquanto ela olhava para mim, e depois
endireitou-se.
- Como é que fizeste isso? - Exigiu.
Sim, ainda estava chateada.
Ofereci-lhe a chave. – Como é que fiz o quê?
Ela esticou a mão, e eu deixei-a cair na sua palma. Respirei fundo, absorvendo o
cheiro.
- Aparecer vindo do nada. - Esclareceu.
- Bella, eu não tenho culpa de que tenhas uma excepcional falta de poder de
observação. - As palavras eram sarcásticas, quase uma piada. Havia alguma
coisa que ela não visse?
Será que ela ouviu como a minha voz disse o nome dela com carinho?
Ela olhou para mim, não estava a apreciar o meu humor. O seu batimento
cardíaco acelerou. De raiva? De medo? Depois de um momento, olhou para
baixo.
- Qual foi o motivo do engarrafamento da noite passada? – Perguntou-me sem
me olhar nos olhos. - Pensei que andasses a fingir que eu não existo e não a
matar-me de irritação.
Ainda estava bastante zangada. Ia levar algum esforço para deixar as coisas
bem com ela. E lembrei-me da minha resolução de ser honesto com ela…
- Foi pelo bem do Tyler, não pelo meu. Tinha de lhe proporcionar a sua
oportunidade. - E então ri-me. Não conseguia evitar, ao pensar na expressão
dela ontem.
- Seu…! - Ofegou, e depois parou, parecendo estar demasiado furiosa para
terminar. Ali estava: a mesma expressão. Abafei outro riso. Ela já estava
zangada o suficiente.
- E não ando a fingir que tu não existes. - Terminei. Era certo manter as coisas
casuais, em tom de gozo. Ela não iria entender se eu a deixasse ver como me
sentia na realidade. Iria assustá-la. Tinha que manter os meus sentimentos sob
controlo, manter as coisas ligeiras…
- Então andas mesmo a tentar matar-me de irritação? Já que a carrinha do Tyler
não se encarregou de o fazer?
Um rápido lampejo de raiva passou por mim. Como é que ela podia
honestamente acreditar naquilo?
Era irracional da minha parte ficar tão ofendido. Ela não sabia da transformação
que tinha acontecido a noite passada. Mas a raiva era a mesma.
- Bella, és completamente absurda. – Disse bruscamente.
O rosto dela corou, e ela virou-se de costas para mim. Começou a ir-se embora.
Remorso. Eu não tinha direito à minha raiva.
- Espera. – Pedi.
Ela não parou, então segui-a.
- Desculpa, foi indelicado da minha parte. Não estou a dizer que não é verdade.
- Era absurdo imaginar que eu a queria magoada de alguma maneira. – Mas, de
qualquer forma, foi indelicado da minha parte afirmá-lo.
- Porque é que não me deixas em paz?
Acredita, eu quis dizer. Eu tentei.
Ah, e outra coisa, estou miseravelmente apaixonado por ti.
Manter as coisas ligeiras.
- Queria perguntar-te algo, mas tu desviaste-me dos meus fins. - Outro curso de
acção tinha acabado de me ocorrer, e eu ri-me.
- Sofres de um distúrbio de múltipla personalidade? - Perguntou.
Devia parecer que sim. O meu humor instável, tantas emoções novas a passar
por mim.
- Lá estás tu outra vez. – Informei-a.
Ela suspirou. – Então, muito bem. O que queres perguntar-me?
- Estava a pensar se, de sábado a uma semana… - observei o choque a passar-
lhe pelos olhos e sufoquei outra gargalhada. - Tu sabes, o dia do baile da
Primavera …
Ela interrompeu-me, finalmente a dirigir-me o olhar. – Estás a tentar ser
engraçado?
Sim. - Fazes o favor de me deixar terminar?
Ela esperou em silêncio, os dentes a morder o lábio macio inferior.
Aquela visão distraiu-me por um momento. Reacções estranhas, desconhecidas
agitaram-se no fundo do meu esquecido núcleo humano. Tentei livrar-me delas
para que pudesse fazer o meu papel.
- Ouvi-te dizer que ias a Seattle nesse dia e estava a pensar se quererias boleia.
- Ofereci. Tinha-me apercebido que, melhor do que perguntar-lhe sobre os seus
planos, podia partilhá-los.
Ela olhou-me inexpressivamente. – O quê?
- Queres boleia para Seattle? - Sozinho no carro com ela, a minha garganta
queimou com o pensamento. Respirei fundo. Habitua-te.
- De quem? - Perguntou, os seus olhos arregalados e confusos outra vez.
- De mim, obviamente. – Disse-lhe lentamente.
- Porquê?
Era um choque assim tão grande que eu quisesse a companhia dela? Ela devia
ter chegado à pior conclusão possível do meu comportamento passado.
-Bem, eu tencionava ir a Seattle durante as próximas semanas e, para ser
sincero, não sei se a tua pick-up resistirá à viagem. - Era mais seguro provocá-la
do que me permitir ser sério.
-A minha pick-up funciona perfeitamente, muito obrigada pela tua preocupação.
- Disse na mesma voz surpreendida. E começou a andar outra vez. Continuei a
segui-la.
Ela não tinha dito não, então pressionei essa vantagem.
Será que ela ia dizer não? O que é que eu fazia se ela dissesse?
- Mas será que a tua pick-up consegue realizar a viagem consumindo um só
depósito de combustível?
- Não vejo em que medida é que isso possa dizer-te respeito. - Ela reclamou.
Ainda não era um não. E o coração dela estava a bater mais rápido outra vez, a
respiração mais rápida.
- O desperdício de recursos limitados diz respeito a todos.
- Francamente, Edward, não consigo acompanhar-te. Pensei que não querias ser
meu amigo.
Uma forte emoção atravessou-me quando ela disse o meu nome.
Como manter isto ligeiro e ser honesto ao mesmo tempo? Bem, era mais
importante ser honesto. Especialmente nesta questão.
- Eu disse que seria melhor se não fôssemos amigos e não que não queria que
fôssemos.
- Oh, obrigada, agora está tudo esclarecido. - Disse sarcasticamente.
Ela parou, sob o teto da cantina, e encontrou o meu olhar novamente. As
batidas do seu coração estavam aceleradas. Estava com medo?
Escolhi as minhas palavras cuidadosamente. Não, eu não conseguia deixá-la,
mas talvez ela fosse esperta o suficiente para me deixar, antes que fosse
demasiado tarde.
- Seria mais… prudente que não fosses minha amiga. – Enquanto olhava para a
profundeza do chocolate derretido nos seus olhos, perdi a minha segurança na
luz. - Mas estou farto de tentar manter-me afastado de ti, Bella. - As palavras
queimaram com demasiado fervor.
A sua respiração parou e, quando voltou a respirar, aquilo preocupou-me.
Quanto é que a tinha assustado? Bem, eu ia descobrir.
- Vais comigo a Seattle?
Ela acenou, com o coração a bater mais alto.
Sim. Ela tinha-me dito sim, a mim.
E depois a minha consciência sufocou-me. O que é que isso lhe iria custar?
- Devias mesmo manter-te afastada de mim. Alertei-a. Será que ela me ouvia?
Será que ela iria escapar do futuro com o qual eu a estava a ameaçar? Eu não
podia fazer nada para que a salvasse de mim?
Mantém-te ligeiro, avisei-me. – Vemo-nos na aula
Tive que me concentrar para me impedir de correr enquanto fugia.
6º Capitulo - Grupo Sanguineo
Segui-a o dia todo através dos olhos das outras pessoas, apenas ligeiramente
consciente da minha audiência.
Não pelos olhos de Mike Newton, porque não conseguia aguentar mais as suas
fantasias ofensivas, e não pelos olhos de Jessica Stanley, porque o seu
ressentimento com a Bella deixava-me perigosamente nervoso. Angela Weber
era uma boa escolha quando os seus olhos estavam disponíveis. Ela era gentil,
a sua cabeça era um lugar fácil para se estar. E algumas vezes os professores
providenciavam a melhor vista.
Eu estava surpreendido, ao vê-la tropeçar o dia inteiro (a tropeçar nas falhas da
calçada, a deixar os livros cair, e, a maioria das vezes, a tropeçar nos próprios
pés) , que as pessoas de quem eu estava a ler os pensamentos viam-na como
desastrada.
Considerei aquilo. Era verdade que muitas vezes ela tinha problemas em
manter-se de pé. Lembrei-me do primeiro dia de aulas quando ela tropeçou
para cima da secretária, lembrei-me quando escorregou em cima do gelo antes
do acidente, quando bateu com o pé na ombreira da porta ontem… Que
estranho, eles tinham razão. Ela era desastrada.
Eu não sabia por que é que aquilo era tão engraçado para mim, mas eu estava
a rir-me em voz alta enquanto andava da aula de História Americana para a de
Inglês, e muitas pessoas lançaram-me olhares cuidadosos. Como é que eu não
tinha percebido aquilo antes? Talvez por que havia alguma coisa bastante
graciosa na sua calma, na maneira como ela mantinha a cabeça, no arco do seu
pescoço…
Agora não havia nada de gracioso nela. O Sr. Varner tinha acabado de a ver a
prender a ponta da bota no tapete e a cair literalmente na sua cadeira.
Ri-me de novo.
O tempo passava incrivelmente lento enquanto eu estava à espera de a ver
com os meus próprios olhos. Finalmente a campainha tocou. Andei rapidamente
até à cantina para assegurar o meu lugar. Fui o primeiro a chegar lá. Escolhi
uma mesa que normalmente estava vazia, e que ia de certeza permanecer
assim comigo lá sentado.
Quando a minha família entrou e me viu sentado sozinho no meu novo lugar,
não ficaram surpreendidos. A Alice devia tê-los avisado.
A Rosalie passou por mim sem olhar.
Idiota.
A Rosalie e eu nunca tivemos um relacionamento fácil, eu ofendi-a na primeira
vez que ela me tinha ouvido falar, e foi tudo por água abaixo desde então. Mas
parecia que ela estava mais temperamental nestes últimos dias. Suspirei. Para
Rosalie era tudo sobre ela mesma.
O Jasper deu-me um meio sorriso e continuou a andar.
Boa sorte - Pensou duvidosamente.
O Emmett revirou os olhos e abanou a cabeça.
Perdeu a cabeça, pobre miúdo.
A Alice estava radiante, com os seus dentes a brilharem mais do que deviam.
Posso falar com a Bella agora?
- Fica fora disto. - Disse através da minha respiração.
A cara dela ficou triste, e depois brilhou outra vez.
Tudo bem. Sê teimoso. É só uma questão de tempo.
Ela suspirou de novo.
Não te esqueças da aula de laboratório em biologia hoje. – Lembrou-me.
Acenei com a cabeça. Não, eu não me tinha esquecido disso.
Enquanto eu estava à espera que a Bella chegasse, segui-a através dos olhos de
um caloiro que estava atrás de Jessica, a caminho da cantina. A Jessica estava a
tagarelar sobre o próximo baile, mas Bella não lhe disse nada em resposta. Não
que Jessica lhe tivesse dado muita oportunidade de responder.
No momento em que Bella passou pela porta, os seus olhos viraram-se
momentaneamente para a mesa onde meus irmãos se sentavam. Ela olhou por
um momento, e depois a sua testa enrugou-se e o olhar baixou-se até o chão.
Ela não tinha reparado que eu estava aqui.
Ela parecia tão… triste. Senti uma vontade urgente de me levantar e ir até ao
pé ela, para confortá-la de alguma forma, só que eu não sabia o que ela iria
achar reconfortante. Eu não fazia ideia o que é que a tinha posto daquela forma.
A Jessica continuava a tagarelar sobre o baile. Estaria Bella triste por ir perdê-
lo? Não me parecia muito provável…
Mas isso podia ser remediado, se ela quisesse.
Ela comprou uma bebida para o almoço, e mais nada. Aquilo era certo? Ela não
precisava de mais nutrientes do que aquilo? Eu nunca prestei muita atenção à
dieta dos humanos antes. Os humanos eram tão exasperadamente frágeis!
Havia milhões de coisas com que se deviam preocupar…
- O Edward Cullen está, de novo, a olhar-te fixamente. – Ouvi a Jessica a dizer. –
Pergunto-me porque estará ele hoje sentado a uma mesa sozinho.
Eu estava agradecido a Jessica, apesar de ela ainda estar mais ressentida
agora, porque a Bella levantou a cabeça e os seus olhos procuraram até que
encontraram os meus.
Não havia um traço de tristeza na sua cara, agora. Deixei-me acreditar que ela
estava triste por imaginar que eu me tinha ido embora mais cedo, e a
esperança desse pensamento fez-me sorrir.
Eu chamei-a com o meu dedo para que ela se juntasse a mim. Ela pareceu tão
surpreendida com aquilo que eu quis provocá-la novamente.
Então pisquei-lhe o olho e ela ficou boquiaberta.
- Está a dirigir-se a ti? - Perguntou Jessica com desprezo.
- Talvez precise de ajuda nos trabalhos de casa de Biologia. - Disse numa voz
baixa e cheia de incerteza. - Hum, é melhor ir ver o que ele deseja.
Isto foi outro sim.
Ela tropeçou duas vezes enquanto vinha para a minha mesa, apesar de não
haver nada no caminho além de um piso perfeitamente plano. A sério, como é
que eu tinha perdido isto antes? Tinha estado a prestar mais atenção aos seus
pensamentos silenciosos, supus… O que é que eu tinha perdido mais?
Mantém as coisas honestas, ligeiras. Repeti para mim mesmo.
Ela parou atrás da cadeira que estava à minha frente, hesitante. Eu respirei
fundo, desta vez pelo nariz e não pela boca.
Sente a queimadura. Pensei secamente.
- Por que não te sentas à minha mesa hoje? – Perguntei-lhe.
Ela puxou a cadeira e sentou-se, a olhar para mim o tempo inteiro. Ela parecia
nervosa, mas a sua aceitação física era um outro sim.
Esperei que ela falasse.
Levou um momento, mas finalmente disse – Esta situação é fora do vulgar.
- Bem…- Hesitei – Decidi que, já que ia para o inferno, mais valia fazê-lo de
forma consumada. -
O que é que me tinha feito dizer aquilo? Suponho que pelo menos tenha sido
honesto. E talvez ela tivesse ouvido o aviso subtil que as minhas palavras
continham. Talvez ela percebesse que se devia levantar e sair dali o mais rápido
que pudesse…
Ela não se levantou. Olhava para mim, à espera, como se eu não tivesse
terminado a minha frase.
- Tu sabes que eu não faço a menor ideia do daquilo a que te referes. - Disse
quando percebeu que eu não ia continuar.
Aquilo foi um alívio, sorri.
- Pois sei.
Era difícil ignorar os pensamentos que estavam a gritar atrás das suas costas. E
eu queria mudar de assunto, de qualquer das maneiras.
- Acho que os teus amigos estão zangados comigo por te ter roubado.
Isso não a pareceu preocupar. – Hão-de sobreviver.
- Mas eu posso não te devolver. - Eu não fazia ideia se estava a tentar ser
honesto agora ou apenas a tentar provocá-la outra vez. Estar ao pé dela fazia
com que fosse complicado dar sentido aos meus pensamentos.
Bella engoliu em seco.
Eu ri-me da expressão dela. - Pareces preocupada. - Aquilo realmente não devia
ser engraçado, ela devia estar preocupada.
- Não - Ela era uma péssima mentirosa. Não a ajudou em nada que a sua voz
falhasse – Na verdade estou surpreendida… A que se deve tudo isto?
- Já te disse, fartei-me de tentar manter-me afastado de ti. Portanto, desisto. –
Mantive o meu sorriso com um bocado de esforço. Isto não estava a funcionar
de todo: tentar ser honesto e casual ao mesmo tempo.
- Desistes? - Repetiu perplexa.
- Sim, desisto de tentar ser bom. - E pelos vistos a desistir de tentar ser casual.
– A partir de agora, faço apenas o que me apetece e o resto que se dane.
Aquilo foi honesto o suficiente. Deixar que ela visse o meu egoísmo. Deixar que
aquilo a avisasse, também.
- Baralhaste-me de novo.
Eu era egoísta o suficiente para estar feliz por ser esse o caso. – Falo sempre de
mais quando converso contigo, esse é um dos problemas.
Um problema bastante insignificante, comparado com todos os outros.
- Não te preocupes. – Assegurou-me. – Não compreendo nada do que dizes.
Óptimo, então ela iria ficar. – Estou a contar com isso.
- Então, em bom inglês, já somos amigos?
Ponderei por um segundo. - Amigos… - Repeti. Não gostei do som daquilo. Não
era suficiente.
- Ou não? - Sussurrou, parecendo envergonhada.
Será que ela pensava que eu não gostava dela àquele ponto?
Sorri. - Bem, suponho que podemos tentar. Mas aviso-te de que não sou um
bom amigo para ti.
Esperei pela resposta dela, dividido em dois, à espera que ela finalmente
ouvisse e entendesse, e a imaginar que poderia morrer se ela o fizesse. Que
melodramático. Eu estava a transformar-me demasiado num humano.
O coração dela batia mais rápido. – Repetes isso muitas vezes.
- Pois, porque não estás a dar-me ouvidos. – Disse-lhe, demasiado intenso outra
vez. – Ainda estou à espera que acredites no que te digo. Se fores esperta,
evitas-me.
Ah, mas será que eu iria permitir que ela fizesse isso, se tentasse?
Semicerrou os olhos. – Julgo que também já tornaste bastante clara a tua
opinião a respeito do meu intelecto.
Não tinha bem a certeza do que é que ela estava a falar, mas sorri a desculpar-
me, chegando à conclusão que a devia ter ofendido acidentalmente.
- Então. - Disse ela devagar. - Enquanto eu não estiver a ser esperta…
tentaremos ser amigos?
- Parece-me que é mais ou menos isso.
Ela olhou para baixo, a examinar a garrafa de limonada que tinha nas mãos.
A velha curiosidade atormentava-me.
- Em que é que estás a pensar? – Era um alívio dizer aquelas palavras em voz
alta finalmente.
O olhar dela encontrou o meu, e sua respiração acelerou enquanto as
bochechas coravam. Eu inspirei, saboreando aquilo no ar.
- Estou a tentar compreender quem tu és.
Mantive o sorriso no meu rosto, e tranquei a minha expressão naquela forma,
enquanto o pânico percorria o meu corpo todo.
É claro que ela se estava a questionar. Ela não era estúpida. Eu não podia ficar
à espera que ela ficasse indiferente a uma coisa tão óbvia.
- Estás a fazer progressos nessa empreitada? - Perguntei da forma mais subtil
que consegui.
- Não muitos. - Admitiu.
Ri-me suavemente com a resposta, sentindo um súbito alívio. – Quais são as
tuas teorias?
Não podiam ser piores que a verdade, o que quer que fossem.
As bochechas dela ficaram ainda mais vermelhas, e ela não disse nada. Eu
conseguia sentir no ar o calor do seu rubor.
Tentei usar meu tom persuasivo com ela. Funcionava bem com humanos
normais.
- Não me dizes? - Sorri, encorajando-a.
Ela abanou a cabeça negativamente. - É demasiado embaraçoso.
Ugh. Não saber era pior do que outra coisa qualquer. Por que é que as
especulações dela a tinham deixado envergonhada? Não conseguia suportar
não saber.
- Isso é mesmo frustrante, sabes.
A minha reclamação disparou algo nela. Os olhos brilharam e as palavras
fluíram mais rapidamente que o normal.
- Não. Não consigo imaginar por que motivo tal seria minimamente frustrante,
apenas porque alguém recusa revelar-te os seus pensamentos, mesmo que,
durante todo esse tempo, essa pessoa teça comentariozinhos obscuros que se
destinam especificamente a manter-te acordado à noite, perguntando a ti
mesmo qual será o respectivo significado… agora, por que motivo é que tal
seria frustrante?
Eu franzi as sobrancelhas, chateado por me aperceber que ela estava certa. Eu
não estava a ser justo.
Ela continuou. - Ou melhor, digamos que essa pessoa também cometeu uma
grande variedade de actos bizarros, desde salvar a tua vida em circunstâncias
incríveis num dia e a tratar-te como um pária no seguinte, nunca te tendo
igualmente dado uma explicação para nenhum desses factos, mesmo depois de
ter prometido fazê-lo. Isso também não seria nada frustrante.
Foi o discurso mais longo que eu a tinha ouvido fazer, e isso acrescentou mais
uma qualidade à minha lista.
- Tens um ligeiro mau feitio, não tens?
- Não me agrada a dualidade de critérios.
A sua irritação era completamente justificável, é claro.
Olhei para a Bella, a imaginar como é que poderia fazer qualquer coisa certa por
ela, até que a gritaria silenciosa na cabeça de Mike Newton me distraiu.
Ele estava tão zangado que me fez rir.
- O que foi? - Ela exigiu.
- O teu namorado parece pensar que eu estou a ser desagradável contigo. Está
a deliberar se há-de vir ou não interromper a nossa discussão. - Eu ia adorar vê-
lo tentar. Ri-me novamente.
- Não sei a quem te referes. - Disse de forma fria - Mas seja como for, tenho a
certeza de que estás enganado.
Eu gostei bastante da maneira como ela o rejeitou com a sua frase desdenhosa.
- Não estou. Já te disse, a maioria das pessoas é transparente.
- Excepto eu, é claro.
- Sim. Excepto tu. - Ela tinha que ser a excepção em tudo? Não seria mais justo,
considerando tudo o resto que eu tinha de lidar agora, que eu pudesse ouvir
ALGUMA COISA da sua cabeça? Era pedir muito? – Pergunto-me porque será.
Olhei-a directamente nos olhos, a tentar novamente.
Ela desviou o olhar. Abriu a sua limonada e deu um curto e rápido gole, os seus
olhos estavam na mesa.
- Não tens fome? - Perguntei.
- Não. - Ela olhava para a mesa vazia entre nós. – E tu?
- Não, não tenho fome. – Disse-lhe. Definitivamente não tinha.
Ela estava a olhar para a mesa com os lábios cerrados. Eu esperei.
- Podes fazer-me um favor? - Perguntou, a encontrar subitamente o meu olhar.
O que é que ela poderia querer de mim? Ir-me-ia perguntar sobre a verdade à
qual não me era permitido responder-lhe? A verdade que eu queria que ela
nunca, nunca soubesse?
- Depende daquilo que pretendes.
- Não é nada de mais. - Prometeu.
Esperei, curioso de novo.
- Pensei apenas… - Disse lentamente, a olhar para a garrafa de limonada, a
percorrer a entrada da garrafa com o seu dedo mindinho. - Se poderias avisar-
me antecipadamente da próxima vez que resolveres ignorar-me para o meu
próprio bem? Apenas para que eu esteja preparada. - Ela queria um aviso?
Então ser ignorada por mim deve ser uma coisa má … Sorri.
- Parece-me justo. - Concordei.
- Obrigada. – Disse-me, a olhar para cima. A sua cara estava tão aliviada que eu
quis-me rir do meu próprio alívio.
- Sendo assim, podes dar-me uma resposta em troca? - Perguntei, com
esperança.
- Só uma. - Concedeu
- Revela-me uma teoria.
Ela corou. - Essa não.
- Não ficaste apurada, prometeste-me apenas uma resposta. – Argumentei.
- Tu também fizeste promessas que não cumpriste. - Argumentou também.
Ali ela tinha razão.
- Apenas uma teoria, eu não me rio.
- Sim, ris. - Ela parecia estar segura disso, apesar de eu não conseguir imaginar
nada que pudesse ter piada em relação àquilo.
Tentei usar a persuasão outra vez. Olhei para bem fundo dos seus olhos. Uma
coisa fácil de se fazer, com olhos tão intensos, e sussurrei. – Por favor?
Ela piscou os olhos, e o rosto ficou pálido.
Bem, não era bem aquela reacção que eu queria.
- Hã, o quê? – Perguntou-me. Parecia tonta. O que é que havia de errado com
ela?
- Por favor, revela-me apenas uma teorinhazinha. - Pedi com a minha voz suave
e não assustadora, enquanto aguentava os olhos dela nos meus.
Para minha surpresa e satisfação, finalmente funcionou.
- Hum, bem, foste mordido por uma aranha radioactiva?
Banda - desenhada? Não admirava que ela achasse que eu me ia rir.
- Essa teoria não é muito criativa. - Tentei esconder o meu alívio.
- Lamento, é a única que tenho. - Disse, ofendida.
Isso deixou-me ainda mais aliviado. Consegui provocá-la outra vez.
- Não estás nem perto da verdade.
- Não há aranhas?
- Não.
- Nem radioactividade?
- Nenhuma.
- Raios. - Suspirou.
- O kriptonyte também não me afecta. - Respondi depressa, antes que ela
pudesse perguntar sobre mordidas, e aí eu tinha que me rir, porque ela achava
que eu era um super-herói.
- Não podes rir-te, lembras-te?
Pressionei os lábios.
- Acabarei por descobrir. - Prometeu.
E quando descobrisse, ia fugir.
- Quem me dera que não tentasses. – Disse-lhe, e todos os sinais da minha
provocação estavam ausentes.
- Porque…?
Eu devia-lhe honestidade. Tentei sorrir, deixar as minhas palavras menos
ameaçadoras. - E se eu não for um super-herói? E se for o vilão?
Os seus olhos arregalaram-se ligeiramente e os lábios separaram-se um bocado.
- Ah. - Disse ela. E então, depois de um segundo. – Estou a ver.
Finalmente ela ouviu-me
- Estás mesmo? – Perguntei-lhe, a tentar esconder a minha agonia.
- És perigoso? - Adivinhou. A sua respiração aumentou e o coração acelerou.
Não lhe conseguia responder. Era este o meu último momento com ela? Ela ia
fugir agora? Seria capaz de lhe dizer que a amava antes que ela partisse? Ou
isso iria assustá-la ainda mais?
- Mas não és mau. - Sussurrou, abanando a cabeça, sem medo nos olhos
intensos. - Não, não acredito que sejas mau.
- Estás enganada. - Disse baixo.
É claro que eu era mau. Não estava feliz agora, que ela pensava melhor de mim
do que eu merecia? Se eu fosse uma boa pessoa, eu tinha ficado longe dela.
Estiquei a mão pela mesa, agarrando a tampa da garrafa da limonada dela
como uma desculpa. Ela não recuou da minha mão próxima. Ela realmente não
tinha medo de mim. Ainda não.
Girei a tampa rapidamente, a olhar para a tampa em vez de para Bella. Os
meus pensamentos estavam confusos.
Foge, Bella, foge. Não conseguia dizer as palavras em voz alta.
Levantou-se. - Vamos chegar atrasados. - Disse ela, mesmo quando eu tinha
começado a preocupar-me que ela tivesse ouvido o meu aviso silencioso.
- Não vou à aula hoje.
- Porque não?
Porque eu não te quero matar. - É saudável baldarmo-nos às aulas de vez em
quando. - Para ser exacto, era mais saudável para os humanos quando os
vampiros se baldavam à aula nos dias em que sangue humano ia ser
derramado. O Sr. Banner ia fazer recolha de tipos sanguíneos hoje. A Alice já se
tinha baldado à aula de manhã.
- Bem, eu vou. - Disse ela. Aquilo não me surpreendeu. Ela era responsável,
fazia sempre a coisa certa.
Ela era o oposto de mim.
- Então, vemo-nos mais tarde. – Disse-lhe, a tentar parecer casual novamente, a
olhar para baixo, para a tampa que girava. E, por falar nisso, eu adoro-te … de
uma maneira perigosa, assustadora.
Ela hesitou, e por um momento desejei que ela ficasse comigo. Mas a
campainha tocou e ela apressou-se.
Esperei até que ela tivesse desaparecido, e depois guardei a tampa no meu
bolso, uma lembrança desta conversa importante, e andei pela chuva até ao
meu carro.
Pus o CD que me acalmava mais, o mesmo que tinha posto naquele primeiro
dia, mas eu não ouvi as notas de Debussy por muito tempo. Outras notas
estavam a passar rapidamente pela minha cabeça, o fragmento de uma
melodia que me agradava e que me intrigava. Baixei o rádio e ouvi a música na
minha cabeça, tocando o fragmento até que se desenvolveu para uma
harmonia completa. Instintivamente, os meus dedos moveram-se no ar sobre
teclas imaginárias.
A nova composição estava realmente a surgir quando a minha atenção foi
desviada por uma onda de angústia mental.
Procurei na direcção da aflição.
Ela vai desmaiar? O que é que eu faço? O Mike estava em pânico.
A noventa metros, Mike Newton estava agachado sobre o corpo mole de Bella
na calçada. Ela escorregou sem reacção no cimento molhado, os olhos
fechados, a pele pálida como a de um cadáver.
Eu quase arranquei a porta do carro.
- Bella? - Gritei.
Não houve mudança no seu rosto sem vida quando gritei o nome dela.
O meu corpo inteiro ficou mais frio que gelo.
Estava ciente da surpresa irritada de Mike enquanto varria furiosamente os seus
pensamentos. Ele só estava a pensar no ódio que tinha por mim, portanto eu
não sabia o que é que se passava com Bella. Se ele tivesse feito alguma coia
para a magoar eu ia aniquilá-lo.
- O que é que se passa? Ela magoou-se? - Ordenei, a tentar concentrar os seus
pensamentos. Era de enlouquecer ter que andar à velocidade humana. Eu não
devia ter chamado à atenção a minha aproximação.
Então consegui ouvir o coração dela a bater, e cada respiração que dava.
Enquanto eu observava, fechou ainda mais os olhos. Aquilo acalmou um bocado
o meu pânico.
Vi um pedaço das memórias na cabeça de Mike, imagens rápidas da aula de
biologia. A cabeça de Bella na mesa, a sua pele a ficar verde. Gotas de
vermelho contra cartões brancos…
Recolha de grupo sanguíneo.
Parei onde estava, parando de respirar. O cheiro dela era uma coisa, o seu
sangue a escorrer era outra totalmente diferente.
- Acho que ela desmaiou. – Disse Mike, ansioso e ressentido ao mesmo tempo. –
Não sei o que aconteceu, ela nem sequer picou o dedo.
O alívio passou por mim, e respirei novamente, sentindo o ar. Ah, consegui
cheirar o mínimo aroma da pequena ferida de Mike Newton. Anteriormente,
aquilo teria sido extremamente apelativo para mim.
Ajoelhei-me perto dela enquanto Mike se remexia ao meu lado, furioso com a
minha intervenção.
- Bella. Consegues ouvir-me?
- Não. - Gemeu. – Vai-te embora.
Ri-me. Ela estava bem.
- Eu ia levá-la à enfermaria. - Disse Mike. – Mas ela recusou-se a avançar mais.
- Eu levo-a. Podes voltar para a aula. – Disse-lhe, indiferente.
Os dentes de Mike rangeram. - Não. Sou eu que devo fazê-lo.
Eu não ia ficar ali parado a discutir com aquele infeliz.
Excitado e apavorado, meio agradecido e meio aflito pela situação desagradável
que fez com que o toque dela fosse uma necessidade, levantei suavemente
Bella da calçada e segurei-a nos meus braços, tocando só na sua roupa, e
mantive o máximo de distância entre os nossos corpos que fosse possível. Eu
andava a passos largos para a frente, numa pressa de a pôr a salvo. O mais
longe de mim, por outras palavras.
Os olhos dela abriram-se, atónitos.
- Põe-me no chão! - Ordenou com uma voz fraca, envergonhada outra vez,
supus pela sua expressão. Ela não gostava de mostrar fraqueza.
Eu mal ouvia Mike a gritar os seus protestos atrás de nós.
- Estás com péssimo aspecto. – Disse-lhe, a sorrir, aliviado por não haver nada
de mal com ela além de uma cabeça leve e um estômago fraco.
- Coloca-me novamente no passeio. - Disse. Os seus lábios estavam brancos.
- Com que então desmaias ao ver sangue? - Aquilo podia ser mais irónico?
Ela fechou os olhos e pressionou os lábios.
- E nem sequer se tratava do teu próprio sangue. - Acrescentei, o meu sorriso a
aumentar.
Estávamos à frente da secretaria. A porta estava levemente aberta, e eu dei-lhe
um pontapé para sair do nosso caminho.
A senhora Cope saltou, assustada. – Credo! – Engasgou-se enquanto examinava
a rapariga pálida nos meus braços.
- Ela desmaiou na aula de Biologia. - Expliquei, antes que a sua imaginação
começasse a ir para muito longe.
A senhora Cope apressou-se a abrir a porta da enfermaria. Os olhos de Bella
estavam abertos novamente, a observá-la.
Ouvi o assombro interno da enfermeira idosa enquanto eu deitava a rapariga
cuidadosamente numa cama gasta. Assim que Bella estava fora dos meus
braços, eu pus a distância da sala entre nós. O meu corpo estava demasiado
excitado, demasiado ansioso, os meus músculos tensos e o veneno a fluir. Ela
era tão quente e perfumada.
- Ela está apenas um pouco fraca. - Assegurei à Senhora Hammond. - Eles estão
a tipificar sangue na aula de Biologia.
Ela abanou a cabeça, a compreender. – Acontece sempre a alguém.
Abafei um riso. Podia-se confiar em Bella para ser aquele alguém.
- Deita-se só um pouco, amor. - Disse Sra. Hammond. – Isso passa.
- Eu sei. – Disse Bella.
- Isso acontece-te muito frequentemente? – Perguntou a enfermeira.
- Às vezes. – Admitiu Bella.
Tentei disfarçar a minha gargalhada a tossir.
Aquilo virou a atenção da enfermeira para mim. – Já podes voltar para a aula. -
Disse.
Eu olhei-a directamente nos olhos e menti confiantemente. - Devo ficar com ela.
Hum. Pergunto-me… oh, bem. Sra. Hammond abanou a cabeça.
Aquilo funcionou perfeitamente com ela. Por que é que Bella tinha que ser tão
difícil?
- Vou buscar gelo para colocares na testa, querida. - Disse a enfermeira,
ligeiramente desconfortável por me ter estado a olhar nos olhos: da maneira
que um humano devia ficar, e deixou a sala.
- Tinhas razão. – Lamentou-se Bella, fechando os olhos.
O que é que ela queria dizer? Fui directamente para a pior conclusão: ela tinha
aceitado os meus avisos.
- Costumo ter. – Disse-lhe, tentando parecer divertido. – Mas, desta vez, a
respeito de quê em particular?
- Fazer gazeta é mesmo saudável. - Suspirou.
Ah, alívio de novo.
Depois ficou em silêncio. Só respirava lentamente para dentro e para fora. Os
seus lábios estavam a começar a ficar rosados. A boca dela estava ligeiramente
fora de equilíbrio, o lábio inferior era um bocado mais cheio do que o superior.
Olhar para a boca dela fazia-me sentir estranho. Fazia-me querer aproximar
dela, o que não era uma boa ideia.
- Por um instante assustaste-me. – Disse-lhe, para reiniciar a conversa e ouvir a
sua voz novamente. – Pensei que o Newton estava a arrastar o teu corpo sem
vida para entrar no bosque.
- Ah, ah. - Disse.
- Sinceramente, já vi cadáveres com melhor cor. - Aquilo era realmente
verdade. -Estava preocupado com a possibilidade de ter de vingar o teu
homicídio. – E eu tê-lo-ia feito.
- Pobre Mike. – Suspirou. – Aposto que está furioso.
A fúria passou-me nas veias, mas controlei-a rapidamente. A preocupação dela
era apenas pena. Ela era simpática. Era apenas isso.
- Ele abomina-me de verdade. – Disse-lhe, animado com a ideia.
- Não podes ter a certeza disso.
- Vi a cara dele, era perceptível. - Provavelmente era verdade que ler a cara
dele ter-me-ia dado tais informações para fazer aquela dedução em particular.
Toda esta prática com Bella estava a afinar a minha habilidade em ler
expressões humanas.
- Como é que me viste? Pensei que estavas a fazer gazeta. - O rosto dela
parecia melhor. O verde tinha desaparecido da sua pele translúcida.
- Estava no meu carro, a ouvir um CD.
A sua expressão mudou-se, como se a minha resposta comum a tivesse
surpreendido de alguma forma.
Ela abriu os olhos novamente quando a Sra. Hammond voltou com uma
compressa fria.
- Aqui tens, querida – Disse a enfermeira enquanto punha a compressa na testa
de Bella. – Estás com melhor aspecto.
- Acho que estou bem. - Disse Bella, e sentou-se afastando a compressa. É
claro. Ela não gostava que cuidassem dela.
As mãos enrugadas da Sra. Hammond estavam a ir na direcção da rapariga,
como se quisessem fazer com que ela se deitasse novamente, mas depois a
Sra. Cope abriu a porta e inclinou-se para dentro da enfermaria. Com entrada
dela, veio um o cheiro de sangue fresco, como uma pequena explosão.
Invisível no gabinete por detrás dela, o Mike Newton ainda estava bastante
zangado, desejando que o rapaz pesado que ele estava a carregar agora fosse a
rapariga que estava ali dentro comigo.
- Chegou outro. – Disse a Sra. Cope.
A Bella saltou rapidamente da cama, ansiosa por deixar de ser o centro das
atenções.
- Aqui tem. – Disse-lhe, devolvendo a compressa à Sra. Hammond – Não preciso
disto.
Mike grunhiu enquanto empurrava um bocado Lee Stevens pela porta. O sangue
ainda gotejava da mão que Lee segurava ao pé da cara, a pingar pelo seu pulso.
- Oh não. - Este era o meu convite para sair, e de Bella, também, pelos vistos. –
Vai para o gabinete Bella.
Ela olhou para mim com olhos confusos.
- Confia em mim, vai.
Ela virou-se e alcançou a porta antes que se fechasse, apressando-se em
direcção à secretaria. Eu segui-a a alguns centímetros de distância. O cabelo
dela em movimento tocou na minha mão…
Ela virou-se para olhar para mim, ainda com os olhos arregalados.
- Tu deste-me mesmo ouvidos. - Essa era novidade.
O seu pequeno nariz enrugou-se. – Senti o cheiro do sangue.
Eu olhei para ela surpreendido - As pessoas não conseguem sentir o cheiro do
sangue.
- Pois, eu consigo, e é isso que me faz ficar indisposta. Cheira a ferrugem e…sal.
O meu rosto estava imóvel, ainda a olhar fixamente para ela.
Ela era mesmo humana? Ela parecia humana. Ela era suave como um humano.
Ela cheirava como um humano, bem, na realidade cheirava melhor. Agia como
um humano… mais ou menos. Mas não pensava como um, ou respondia como
um.
Quais eram as outras opções, então?
- O que foi? – Perguntou-me.
- Não foi nada.
Então o Mike Newton interrompeu-nos, entrando na secretaria com
pensamentos ressentidos, violentos.
- Estás com melhor aspecto. - Disse-lhe ele, rudemente.
A minha mão tremeu, a querer ensinar-lhe algumas maneiras. Eu ia ter que me
controlar, ou ia acabar por matar aquele rapaz insolente.
- Mantém apenas a mão no bolso. - Disse. Por um segundo selvagem, pensei
que ela estivesse a falar comigo.
- Já não está a sangrar. Vais voltar para a aula?
- Estás a gozar? Teria apenas de dar meia volta e regressar para aqui.
Aquilo era muito bom. Eu tinha pensado que ia perder esta hora inteira com ela,
e agora em vez disso, eu tinha tempo extra. Senti-me ganancioso.
- Suponho que sim… - Murmurou o Mike. – Então, vais participar na viagem
deste fim-de-semana? À praia?
Ah, eles tinham planos. A raiva imobilizou-me naquele lugar. Mas era uma
viagem de grupo. Eu tinha visto algumas coisas daquilo nas cabeças de outros
alunos. Não eram só eles os dois. Eu ainda estava furioso. Inclinei-me
praticamente sem movimentos contra o balcão, a tentar controlar-me.
- Claro, eu disse que alinhava. – Prometeu-lhe.
Então ela também lhe disse sim a ele. A inveja queimava, mais dolorosa do que
a sede.
Não, era uma saída de grupo, tentei-me convencer. Ela ia apenas passar o dia
com os amigos. Nada de mais.
- Vamos encontrar-nos na loja do meu pai às dez horas. E o Cullen NÃO ESTÁ
convidado.
- Lá estarei. - Disse ela.
- Então vemo-nos na aula de educação física.
- Até logo.
Ele foi em direcção à sua aula, com os pensamentos cheios de raiva. O que ela
vê naquela aberração? Claro, ele é rico, acho eu. As raparigas acham que ele é
lindo, mas eu não acho. Demasiado… demasiado perfeito. Eu aposto que o pai
dele experimenta todas as cirurgias plásticas neles. É por isso que eles são tão
brancos e bonitos. Não é natural. É um tipo de… aparência assustadora. Às
vezes, quando ele olha para mim, eu podia jurar que ele está a pensar em
matar-me… Aberração…
Afinal Mike não era totalmente desatento.
- Educação física. - Repetiu Bella silenciosamente. Um gemido.
Olhei para ela, e vi que ela estava triste com alguma coisa novamente. Eu não
tinha a certeza porquê, mas era óbvio que ela não queria ir para a próxima aula
com o Mike, e eu estava de acordo com aquele plano.
Fui para o lado dela e aproximei-me da sua cara, sentindo o calor da sua pele a
irradiar directamente para os meus lábios. Não me atrevi a respirar.
- Eu posso tratar disso. - Murmurei. – Vai-te sentar e faz um ar pálido.
Ela fez o que pedi, sentou-se numa das cadeiras vazias e inclinou a cabeça para
trás, contra a parede, enquanto, atrás de mim, a Sra. Cope saiu da enfermaria e
voltou à sua mesa. Com os olhos fechados, a Bella parecia que estava a
desmaiar outra vez. A cor dela ainda não tinha voltado completamente.
Virei-me para a secretária. Tinha esperanças que a Bella estivesse a prestar
atenção a isto, eu pensei. Era assim que um humano devia reagir
- Menina Cope? - Perguntei, a usar a minha voz persuasiva de novo.
As suas pestanas agitaram-se, e o seu coração começou a bater mais rápido.
Demasiado jovem, controla-te! - Sim?
Aquilo foi interessante. Quando a pulsação de Shelly Cope acelerou, foi porque
ela me achou fisicamente atraente, não porque estava assustada. Eu estava
habituado a isso quando estava à volta de fêmeas humanas… contudo eu não
tinha considerado isso como explicação para a aceleração do coração da Bella.
Eu até que gostei daquilo. Sorri e a respiração da menina Cope acelerou.
- A Bella tem Educação Física no próximo tempo, e eu acho que ela não se sente
suficientemente bem. Na verdade, estava a pensar se não deveria levá-la já
para casa. Acha que podia dispensá-la da aula? – Olhei para a profundidade dos
olhos dela, a divertir-me com a destruição que causava nos seus processos
mentais. Seria possível que Bella…?
A menina Cope teve de engolir em alto som antes de poder responder. –
Também precisa de ser dispensado, Edward?
- Não, eu tenho a professora Goff, ela não se importa.
Agora eu já não lhe estava a prestar muita atenção. Estava a explorar aquela
nova possibilidade.
Hum. Eu gostava de acreditar que a Bella me achava atraente como os outros
humanos me achavam, mas desde quando é que Bella tem as mesmas reacções
que os outros humanos? Eu não podia manter as minhas esperanças elevadas.
- Muito bem, está tudo tratado. Desejo-lhe as melhoras, Bella.
Bella acenou com a cabeça, bastante fraca, a exagerar um bocado.
- Consegues andar ou queres que eu te carregue novamente? – Perguntei-lhe,
divertido pelo seu mau teatro. Eu sabia que ela iria querer andar, ela não queria
parecer fraca.
- Eu vou a pé. - Disse.
Certo outra vez. Eu estava a melhorar nisto.
Ela pôs-se de pé, hesitante por um momento como se estivesse a confirmar o
seu equilíbrio. Eu segurei-lhe a porta, e saímos para a chuva.
Olhei para ela enquanto erguia a sua cara para a chuva fraca, os olhos
fechados, um leve sorriso nos lábios. O que é que ela estava a pensar? Alguma
coisa naquela cena parecia errada, e rapidamente percebi por que é que aquela
acção me parecia tão pouco familiar. As raparigas humanas normais não
levantariam a cara para a chuva daquela maneira, as raparigas humanas
normais normalmente usam maquilhagem, mesmo aqui neste lugar húmido.
A Bella nunca usava maquilhagem, nem devia. As indústrias de cosméticos
lucram bilhões de dólares por ano com mulheres que tentam conseguir uma
pele como a dela.
-Obrigada. - Disse ela, agora a sorrir-me. - Quase vale a pena ficar doente para
faltar a Educação física.
Comecei a atravessar o pátio, a imaginar como é que poderia prolongar o meu
tempo com ela. – Sempre às ordens. – Disse-lhe.
- Então, vais? À viagem do próximo sábado, quero eu dizer. - Ela parecia
esperançosa.
Ah, a sua esperança era tranquilizante. Ela queria-me com ela, não o Mike
Newton. E eu queria dizer que sim. Mas havia muitas coisas a considerar. Em
primeiro lugar, o sol ia brilhar este sábado…
- Exactamente aonde é que todos vão? - Tentei manter a minha voz indiferente,
como se não me importasse muito. Mas o Mike tinha dito praia. Não tinha
muitas oportunidades de escapar à luz do sol lá.
- Até La Push, ao porto.
Raios. Bem, então era impossível.
De qualquer forma, o Emmett ficaria irritado se eu cancelasse os nossos planos.
Baixei os olhos e olhei para ela, a sorrir forçosamente. – Eu realmente penso
que não fui convidado.
Ela suspirou, resignada. - Eu acabei de te convidar.
- Não vamos, tu e eu, provocar ainda mais o coitado do Mike esta semana. Não
queremos que ele rebente. – Imaginei-me a fazer com o que o pobre Mike
rebentasse, e desfrutei intensamente daquela cena mental.
- Mike-chmike. - Disse, com desprezo outra vez. O meu sorriso aumentou.
E depois ela começou a afastar-se de mim.
Sem pensar no que estava a fazer, estiquei-me e agarrei-a pela parte de trás do
seu casaco. Ela deu um solavanco ao parar.
- Aonde é que pensas que vais? - Eu estava quase zangado por ela me estar a
deixar. Eu não tinha passado tempo suficiente com ela. Ela não se podia ir
embora, ainda não.
- Vou para casa. - Disse, confusa por não ter percebido por que é que aquilo me
tinha irritado.
- Não me ouviste prometer levar-te a casa em segurança? Julgas que vou
deixar-te conduzir no estado em que te encontras? - Eu sabia que ela não ia
gostar daquilo, a minha implicação de fraqueza da sua parte.
Mas eu precisava de praticar para a viagem a Seattle, de qualquer forma. Ver se
conseguia lidar com a sua proximidade num espaço fechado. Esta era uma
viagem muito mais curta.
- Qual estado? – Perguntou. - E a minha pick-up?
- Peço à Alice que a leve até tua casa depois das aulas. – Puxei-a de volta para o
meu carro cuidadosamente, embora agora eu soubesse que andar para a frente
era desafiador o suficiente para ela.
- Larga-me! - Disse, a contorcer-se de lado, quase a tropeçar. Eu levantei uma
mão para a segurar, mas ela ajeitou-se antes que isso fosse necessário. Eu não
devia estar à procura de desculpas para lhe tocar. Aquilo fez com que eu
começasse a pensar sobre a reacção da menina Cope quanto a mim, mas
guardei isso para pensar depois. Havia muito a ser considerado daqui para a
frente.
Eu deixei-a ao lado do carro, e ela cambaleou até a porta. Eu teria de ser ainda
mais cuidadoso, tendo em conta o seu fraco equilíbrio…
- És tão atrevido!
- Está aberta.
Entrei pelo meu lado do carro e liguei-o. Ela manteve o seu corpo rígido, ainda
do lado de fora, apesar da chuva estar a ficar mais forte e eu sabia que ela não
gostava de frio e humidade. A água estava a encharcar o cabelo grosso dela,
escurecendo-o até ficar quase preto.
- Estou perfeitamente apta a conduzir até casa!
É claro que estava. Só que eu não era capaz de a deixar ir.
Baixei o vidro do lado do passageiro e inclinei-me na sua direcção. - Entra Bella.
Os olhos dela semicerram-se e eu supus que ela estivesse a decidir se devia ou
não correr até à carrinha.
- Limitar-me-ei a arrastar-te novamente até aqui. - Prometi, desfrutando o
desapontamento no seu rosto quando ela percebeu que eu estava a falar a
sério.
O seu queixo enrijeceu-se no ar, abriu a sua porta e entrou. O cabelo dela
pingou no couro do banco e as suas botas rangeram uma contra a outra.
- Isto é completamente desnecessário. - Disse friamente. Achei que ela parecia
envergonhada por debaixo da humilhação.
Aumentei o aquecedor para que ela não se sentisse desconfortável, e pus a
música num bom volume de fundo. Conduzi em direcção à saída, observando-a
pelo canto dos olhos. O seu lábio inferior sobressaía-se teimosamente. Olhei
para ela, a examinar como é que me fazia sentir… a pensar na reacção da
secretária outra vez…
De repente, ela olhou para o rádio e sorriu, os olhos arregalados. - Claire de
Lune? - perguntou.
Uma fã dos clássicos? – Conheces Debussy?
- Não muito bem. – Disse. – A minha mãe põe muita música clássica a tocar em
casa. Só conheço os meus compositores preferidos.
- Debussy também é um dos meus compositores preferido. - Olhei para a chuva,
a considerar aquilo. Eu realmente tinha algo em comum com a rapariga. Já tinha
começado a pensar que nós éramos opostos em todos os sentidos.
Ela parecia mais relaxada agora, a olhar para a chuva como eu, com olhos
vagos. Eu aproveitei a sua distracção momentânea para testar a minha
respiração.
Inalei cuidadosamente pelo meu nariz.
Potente.
Apertei o volante com força. A chuva fazia-a cheirar melhor. Eu nem tinha
pensado que isso fosse possível. Estupidamente, estava subitamente a imaginar
como é que ela devia saber…
Tentei engolir contra a queimadura na minha garganta, para pensar nalguma
coisa diferente.
- Como é a tua mãe? - Perguntei como distracção.
A Bella sorriu. – Parece-se bastante comigo, mas é mais bonita.
Eu duvidava daquilo.
- Tenho demasiada influência genética do Charlie. - Continuou. – Ela é mais
sociável do que eu e também mais corajosa.
Duvidava daquilo, também.
- É irresponsável, ligeiramente excêntrica e uma cozinheira muito imprevisível.
É a minha melhor amiga. - A voz dela tornou-se melancólica, a sua testa
enrugou-se.
Novamente, ela mais parecia um pai do que um filho.
Parei à frente da sua casa, a imagianr tarde de mais se eu devia saber onde ela
morava. Não, isso não era suspeito numa cidade pequena, com o pai dela a ser
uma figura pública…
- Que idade tens, Bella? - Ela devia ser mais velha que as outras pessoas. Talvez
ela tenha começado mais tarde a escola, ou tenha reprovado… mas isso não
era provável.
- Tenho dezassete anos. - Respondeu.
- Não pareces ter dezassete anos.
Ela riu-se.
- O que foi?
- A minha mãe diz sempre que eu nasci com trinta e cinco anos de idade e que
a minha mentalidade se torna mais característica de uma pessoa de meia-idade
a cada ano que passa. - Ela riu-se outra vez e suspirou. – Bem, alguém tem de
desempenhar o papel de adulto.
Aquilo esclarecia-me as coisas. Agora conseguia perceber… como a
irresponsabilidade da mãe ajudava a explicar a maturidade de Bella. Ela teve
que crescer mais cedo, para se tornar a responsável. Era por isso que ela não
gostava que cuidassem dela, ela sentia que esse era o seu trabalho.
- Tu também não pareces um jovenzinho do liceu. - Disse, puxando-me dos
meus devaneios.
Fiz uma careta. Por tudo o que eu percebia sobre ela, ela percebia muito mais
como resposta. Mudei de assunto.
- Então, porque é que a tua mãe casou com o Phil?
Ela hesitou por um minuto antes de responder. – A minha mãe… tem um
espírito muito jovem para a idade. Penso que o Phil a faz sentir ainda mais
jovem. De qualquer modo, ela é louca por ele. - Acenou a sua cabeça
indulgentemente.
- Tu aprovas? – Perguntei-me.
- A minha opinião tem alguma importância? – Perguntou-me. - Eu quero que ela
seja feliz…e é ele quem ela quer.
A falta de egoísmo nos seus comentários devia-me ter chocado, excepto que
isso encaixava perfeitamente com tudo que eu tinha aprendido sobre a sua
personalidade.
- É muito generoso da tua parte… Pergunto-me…
- O quê?
- Julgas que ela demonstraria a mesma cortesia em relação a ti?
Independentemente da pessoa sobre a qual a tua escolha recaísse?
Foi uma pergunta idiota, e eu não consegui manter o tom casual na minha voz
enquanto lhe perguntava aquilo. Como era estúpido considerar sequer alguém a
aprovar-me para a sua filha. Como era estúpido imaginar sequer a Bella a
escolher-me.
- Julgo que sim. - Gaguejou, reagindo de alguma forma ao meu olhar fixo.
Medo… ou atracção? - Mas, afinal, é ela a mãe. É um pouco diferente. -
Finalizou.
Sorri ironicamente. – Então, desde que não se tratasse de alguém demasiado
assustador…
Ela sorriu-me. – O que queres dizer com assustador? Múltiplos piercings no
corpo e tatuagens generalizadas?
- Suponho que é uma definição possível. – Uma definição nada ameaçadora, na
minha cabeça.
- Qual é a tua definição?
Ela fazia sempre as perguntas erradas. Ou talvez exactamente as perguntas
certas. Pelo menos as que eu não queria responder, de nenhuma maneira.
- Achas que eu poderia ser assustador? – Perguntei-lhe, a tentar sorrir um
bocado.
Ela pensou sobre aquilo antes de me responder num tom sério. - Hum… acho
que poderias sê-lo, se assim desejasses.
Eu também estava sério. – Agora, estás com medo de mim?
Ela respondeu de uma só vez, agora sem pensar. - Não.
Sorri mais facilmente. Eu não achava que ela estivesse a dizer completamente a
verdade, mas também não estava a mentir por completo. Pelo menos ela não
estava com medo o suficiente para querer ir embora. Eu imaginava como é que
ela iria reagir se eu lhe dissesse que estava a ter esta discussão com um
vampiro. Contraí os meus músculos involuntariamente ao imaginar a sua
reacção.
- Então vais agora falar-me sobre a tua família? Deve tratar-se de uma história
muito mais interessante do que a minha.
Mais assustadora, sem dúvida.
- O que queres saber? - Perguntei cautelosamente.
- Os Cullens adoptaram-te?
-Sim.
Ela hesitou, e depois falou em voz baixa. - O que aconteceu aos teus pais?
Isto não era assim tão difícil, eu não estava a ter que lhe mentir. - Morreram há
muitos anos.
- Sinto muito. - Murmurou, claramente preocupada em ter-me magoado.
Ela estava preocupada comigo.
- De facto não me lembro deles assim tão nitidamente. – Garanti-lhe. – O
Carlisle e a Esme já são meus pais há muito tempo.
- E tu ama-los. - Deduziu.
Eu sorri. - Sim. Não consigo imaginar duas pessoas melhores.
- Tens muita sorte.
- Eu sei que tenho. - Naquela circunstância, quanto aos meus pais, a minha
sorte não podia ser negada.
- E os teus irmãos?
Se eu deixasse que ela me pressionasse em muitos mais detalhes, eu ia ter que
mentir. Lancei um olhar ao relógio, desanimado pelo meu tempo com ela estar
a acabar.
- Os meus irmãos, assim como, a propósito, o Jasper e a Rosalie, vão ficar
bastante aborrecidos se tiverem de ficar à chuva à minha espera.
- Oh, desculpa, suponho que tens de te ir embora.
Ela não se mexeu. Ela também não queria que o nosso tempo terminasse. Eu
gostava muito, muito disso.
- E tu deves querer a tua pick-up de volta antes que o chefe Swan chegue a
casa, de modo a que não tenhas de lhe contar o incidente que se deu na aula
de Biologia. - Eu sorri com a memória dela envergonhada nos meus braços.
- Tenho a certeza de que ele já soube. Não existem segredos em Forks. - Disse o
nome da cidade com um desgosto distinto.
Eu ri-me com as suas palavras. Não existem segredos, de facto. – Diverte-te na
praia - Lancei um olhar para a chuva torrencial, sabendo que ela não ia durar
muito, e desejando com mais força que o habitual que durasse. – Está bom
tempo para tomar banhos de sol. - Bem, pelo menos no sábado ia estar. Ela ia
gostar disso.
- Não nos vemos amanhã?
A preocupação no seu tom de voz deixou-me feliz.
- Não. Eu e o Emmett vamos começar o fim-de-semana mais cedo. - Agora eu
estava doido comigo mesmo por ter feito planos. Eu podia desmarcá-los… mas
não havia nada mais importante do que caçar neste ponto, e a minha família já
estava a ficar preocupada o suficiente com o meu comportamento sem eu estar
a mostrar o quão obsessivo estava a ficar.
- O que vão fazer? - Perguntou, não parecendo feliz com a minha revelação.
Óptimo.
- Vamos fazer caminhadas em Goat Rocks Wilderness, a Sul de Rainier. - O
Emmett estava ansioso pela temporada de ursos.
- Oh, bem, diverte-te. - Disse de forma apática. A sua falta de entusiasmo fez-
me feliz novamente.
Ao olhar para ela, comecei a sentir-me quase agoniado pelo pensamento de
dizer um adeus temporário. Ela era tão delicada e vulnerável. Parecia
imprudente deixá-la fora da minha vista, onde qualquer coisa lhe podia
acontecer. E ainda, as piores coisas que poderiam acontecer com ela
resultariam de estar a meu lado.
- Fazes algo por mim este fim-de-semana? - Perguntei seriamente.
Ela acenou com a cabeça, os seus olhos arregalados e desnorteados com a
minha intensidade.
Manter isto leve.
- Não fiques ofendida, mas pareces ser uma daquelas pessoas que atraem
acidentes como um íman, por isso… tenta não cair ao mar, ser atropelada ou
algo do género, está bem?
Sorri-lhe pesarosamente, esperando que ela conseguisse ver a tristeza nos
meus olhos. Como eu desejava que ela não estivesse melhor longe de mim,
independentemente do que lhe pudesse acontecer lá.
Corre, Bella, corre. Eu amo-te demasiado, para o teu próprio bem ou para o
meu.
Ela ficou ofendida por ter gozado com ela. Olhou para mim. - Verei o que posso
fazer – irritou-se, saindo para fora do carro e batendo a porta com tanta força
quanto ela podia atrás dela.
Como um gatinho zangado que pensa ser um tigre.
Apertei a mão à volta da chave que tinha apanhado do bolso do casaco dela, e
sorri enquanto conduzia para longe.
7º Capitulo - Melodia
Tive de esperar quando voltei para a escola. O último tempo ainda não tinha
acabado. Isso era bom, porque tinha coisas a pensar sozinho.
O cheiro dela ficou no carro. Eu deixei os vidros para cima, deixando que me
atacasse, tentando-me habituar à intensa sensação de queimadura na minha
garganta.
Atracção.
Foi uma coisa problemática de contemplar. Tantos aspectos, tantos significados
e níveis. Não a mesma coisa que amor, mas inexplicavelmente próximo.
Eu não fazia nenhuma ideia se a Bella se sentia atraída por mim. (Será que o
seu silêncio mental se tornaria mais e mais frustrante até eu enlouquecer? Ou
havia algum limite ao qual eventualmente eu iria chegar?)
Eu tentei comparar as suas respostas físicas a outras, como as da secretária e
Jessica Stanley, mas as comparações foram inconclusivas. Os mesmos sinais -
alterações de frequência cardíaca e padrão trespiratório - tanto podiam ser
medo ou choque ou ansiedade como interesse. Parecia improvável que a Bella
tivesse os mesmos tipos de pensamentos que Jessica Stanley costumava ter. E
além do mais, Bella sabia que havia alguma coisa de errado comigo, mesmo
não sabendo exactamente o que era. Ela tinha tocado na minha pele gelada, e
depois tinha rapidamente recuado a sua do frio.
Mas ainda assim… quando me lembrava daquelas fantasias que me
costumavam causar repulsa, eu lembrava-me com Bella no lugar de Jessica…
Estava a respirar mais depressa, o fogo a subir e a descer pela minha garganta.
E se fosse Bella a imaginar os meus braços à volta do seu corpo frágil? A sentir-
me a puxá-la para mais perto contra o meu peito e depois a levar a minha mão
ao queixo dela? A passar a mão pelo seu cabelo até o afastar da sua cara
corada? A traçar a forma dos seus lábios cheios com a ponta dos meus dedos? A
inclinar-me para mais perto da cara dela, onde eu podia sentir a sua respiração
na minha boca? A aproximar-me mais…
Mas aí eu afastei-me do sonho, por que sabia, tal como sabia quando Jessica
imaginava aquelas coisas, o que iria acontecer se eu me aproximasse
demasiado dela.
Atracção era um dilema impossível, porque eu já estava demasiado atraído por
Bella da pior maneira.
Eu queria que Bella estivesse atraída por mim, como uma mulher por um
homem?
Essa era a pergunta errada. A pergunta certa era se eu devia querer que Bella
se sentisse atraída por mim dessa maneira, e a resposta era não. Porque eu não
era um homem humano, e isso não seria justo para ela.
Com cada fibra do meu ser, eu desejava ser um homem normal, para a poder
segurar nos meus braços sem arriscar a sua vida. Para que eu pudesse ser livre
para realizar as minhas próprias fantasias, fantasias que não acabavam com o
sangue dela nas minhas mãos, o sangue dela a brilhar nos meus olhos.
A minha busca por ela era indesculpável. Que tipo de relacionamento poderia
oferecer-lhe, quando nem me podia arriscar a tocar-lhe?
Encostei a cabeça entre as minhas mãos.
Era tudo ainda mais confuso porque eu nunca me tinha sentido tão humano em
toda a minha vida, nem sequer quando era humano, pelo que me lembrava.
Quando eu era humano, os meus pensamentos estavam todos voltados em
tornar-me num glorioso soldado. A Grande Guerra tinha-se intensificado durante
a maior parte da minha adolescência, faltavam apenas nove meses para o meu
18º aniversário quando a gripe espanhola me atingiu… Eu tinha apenas vagas
impressões dos anos humanos, memórias obscuras que se apagavam a cada
década que se passava. Eu lembrava-me mais claramente da minha mãe, e
sentia uma dor antiga quando pensava no seu rosto. Eu lembrava-me
vagamente do quanto ela tinha odiado o futuro que eu tinha escolhido seguir, a
rezar todas as noites quando dizia as graças ao jantar para que aquela guerra
horrenda terminasse… Eu não tinha memórias de outro tipo de anseio. Além do
amor da minha mãe, não havia outro amor que me tivesse feito desejar ficar…
Isto era inteiramente novo para mim. Eu não tinha nada como referência,
nenhum tipo de comparação para fazer.
O amor que eu sentia por Bella apareceu de forma pura, mas agora as águas
estavam turvas. Eu queria bastante ser capaz de lhe tocar. Será que ela se
sentia da mesma maneira?
Isso não importava, tentei-me convencer.
Olhei para as minhas mãos brancas, a odiar a sua dureza, a sua frieza, a sua
força sobre-humana…
Saltei quando a porta de passageiro se abriu.
Ah! Apanhei-te de surpresa. Isso é novidade. Foi o pensamento de Emmett
enquanto deslizava para o banco. - Eu aposto que a Sra. Goff pensa que te
andas a drogar, tens andado muito distraído ultimamente. Onde é que estiveste
hoje?
- Estive… a fazer boas acções.
Huh?
Eu ri-me. – A cuidar dos doentes, esse tipo de coisas.
Isso confundiu-o ainda mais, mas inalou e sentiu a essência no carro.
- Oh. A rapariga outra vez?
Eu sorri.
Isto está a ficar estranho.
- A quem o dizes. - Murmurei.
Inalou novamente. - Hum, ela até tem um cheiro bem agradável, não tem?
Um rosnado passou pelos meus lábios antes que as suas palavras fossem
sequer registadas, uma resposta automática.
- Calma, miúdo, só estou a dizer.
Os outros chegaram. A Rosalie reparou imediatamente na essência e olhou para
mim, com a sua irritação ainda não ultrapassada. Perguntei-me qual seria o
problema dela, mas tudo o que eu conseguia ouvir eram insultos.
Também não gostei da reacção de Jasper. Tal como Emmett, ele reparou no
apelo de Bella.
Não que o odor tivesse, para eles, um milésimo da força que tinha para mim.
Ainda me aborrecia que o sangue dela fosse doce para eles. O Jasper tinha um
fraco controlo…
A Alice foi para o meu lado do carro e estendeu a mão, à espera das chaves da
carrinha de Bella.
- Eu apenas vi que ia. – Disse, de forma obscura, como era hábito. - Vais ter que
me explicar os porquês.
- Isto não significa…
- Eu sei, eu sei. Eu fico à espera. Não vai demorar muito.
Eu suspirei e entreguei-lhe as chaves.
Eu segui-a até a casa de Bella. A chuva estava a cair como um milhão de
pequenos martelos, tão alto que talvez os ouvidos de Bella não conseguissem
ouvir o trovão do motor da sua carrinha. Eu olhei para a janela, mas ela não foi
espreitar. Talvez ela não estivesse lá. Não havia nenhum pensamento para ser
ouvido.
Deixava-me triste não poder ouvir o suficiente para poder ver como é que ela
estava, para ter a certeza de que ela estava feliz, ou segura, pelo menos.
A Alice entrou no carro e voltámos para casa. As estradas estavam vazias, por
isso só demorámos alguns minutos. Entrámos em casa, e depois fomos para os
nossos vários passatempos.
O Emmett e o Jasper estavam a meio de um elaborado jogo de xadrez, a utilizar
oito tabuleiros interligados, espalhados ao longo da parede de vidro da parte de
trás, e com os seus próprios conjuntos de regras complicadas. Eles não me
deixavam jogar, só a Alice é que ainda jogava alguma coisa comigo.
A Alice foi para o seu computador que ficava próximo deles e consegui ouvir o
monitor a ligar-se. Alice estava a trabalhar num projecto de moda para o
guarda-roupa da Rosalie, mas a Rosalie não a acompanhou hoje. Não ficou atrás
dela a dirigir os cortes e as cores enquanto as mãos da Alice desenhavam sobre
as telas sensíveis ao toque (O Carlisle e eu tivemos que adaptar um bocado o
sistema, dado que aqueles ecrãs respondiam à temperatura). Em vez disso,
hoje a Rosalie esticou-se no sofá e começou a passar por 20 canais por
segundo, sem parar. Eu consegui ouvi-la a tentar decidir se ia ou não à garagem
para ajustar o seu BMW outra vez.
Esme estava lá em cima, a cantarolar enquanto via um novo conjunto de
plantas de construção.
A Alice inclinou a cabeça depois de um momento e começou a mexer os lábios
com as próximas jogadas de Emmett, o Emmett estava sentado no chão de
costas para ela, para Jasper, que manteve a sua expressão bastante calma
enquanto derrubava o cavaleiro preferido de Emmett.
E eu, pela primeira vez em tanto tempo que me sentia envergonhado, fui-me
sentar ao extraordinário piano de cauda localizado próximo da entrada.
Passei as mãos pelas escalas, testando as notas. A afinação ainda estava
perfeita.
Lá em cima, a Esme parou o que estava a fazer e inclinou a cabeça para o lado.
Comecei a primeira linha da melodia que me tinha surgido hoje no carro,
satisfeito por soar melhor do que eu imaginava.
O Edward está a tocar outra vez, pensou Esme com alegria, um sorriso
apareceu no seu rosto. Ela levantou-se da secretária, e moveu-se rapidamente
para o topo das escadas.
Acrescentei uma linha harmoniosa, deixando a melodia central fluir.
A Esme suspirou com contentamento, sentando-se no topo das escadas, e a
inclinar a cabeça contra o corrimão. Uma música nova. Já passou tanto tempo.
Que melodia encantadora.
Deixei que a melodia seguisse numa nova direcção, seguindo a linha de base.
O Edward está a compor outra vez? Pensou Rosalie, e os seus dentes cerraram-
se com um ressentimento feroz.
Nesse momento, ela fez um deslize, e eu consegui ler tudo o que ela estava a
esconder. Vi por que é que ela estava tão enraivecida comigo. Por que é que
matar a Isabella Swan não a incomodaria de qualquer forma.
Com a Rosalie, era tudo sobre vaidade.
A música parou abruptamente, e eu ri-me antes de me conseguir conter, um
grunhido agudo de divertimento que foi interrompido rapidamente quando tapei
a boca com a mão.
A Rosalie fulminou-me com um olhar, os seus olhos brilharam com uma fúria
aflita.
Emmett e Jasper viraram-se para olhar também, e eu ouvi a confusão de Esme.
Esme desceu num instante, parando para olhar para mim e para a Rosalie.
- Não pares, Edward. – Encorajou-me Esme depois de um momento tenso.
Comecei a tocar novamente, virando-me de costas para Rosalie enquanto
tentava de forma árdua controlar o sorriso que se abria no meu rosto. Ela
levantou-se e andou a passos largos para fora da sala, mais zangada do que
envergonhada. Mas de certeza um bocado envergonhada.
Se disseres alguma coisa eu vou-te caçar como um cão.
Eu disfarcei outro riso.
- O que é que se passa, Rose? – Chamou-a Emmett. A Rosalie não se virou. Ela
continuou, dirigindo-se para a garagem e depois enfiou-se debaixo do carro
como se se pudesse enterrar ali.
- O que é que aconteceu? – Perguntou-me Emmett.
- Não faço a mínima ideia. - Menti.
O Emmett rosnou, frustrado.
- Continua a tocar. - Pediu Esme. As minhas mãos tinham parado outra vez.
Fiz o que ela pediu, e depois veio para trás de mim, pondo as mãos sobre os
meus ombros.
A música estava a ganhar forma, mas estava incompleta. Brinquei um bocado
com as teclas, mas não parecia bem de alguma forma.
- É encantadora. Tem nome? – Perguntou Esme.
- Ainda não.
- Tem alguma história? - Perguntou, com um sorriso na sua voz. Isto dava-lhe
um prazer tão grande, que eu me senti culpado por ter negligenciado a minha
música por tanto tempo. Tinha sido egoísta.
- É… uma canção de embalar, acho eu. – E então acertei na nota. Estava a
guiar-se mais facilmente para o próximo movimento, ganhando vida própria.
- Uma canção de embalar. - Repetiu para si mesma.
Havia uma história para esta melodia, e logo que a vi, as partes encaixaram-se
sem nenhum esforço. A história era sobre uma rapariga adormecida numa cama
estreita, cabelo negro e grosso embaraçado como algas marinhas na
almofada…
A Alice deixou o Jasper com as suas próprias artimanhas e veio-se sentar ao pé
de mim no banco. Na sua vibração, na sua voz harmoniosa como o vento, ela
traçou uma segunda voz sem letra dois oitavos abaixo da melodia.
- Eu gostei. – Murmurei. - Mas que tal isto?
Adicionei a sua linha à harmonia, agora as minhas mãos estavam a voar pelas
teclas para juntar todas as partes, modificando um bocado e tomando uma nova
direcção…
Ela percebeu o sentido, e cantou ao longo da música.
- Sim. Perfeito. – Disse-lhe.
A Esme apertou-me o ombro.
Mas agora eu conseguia ver o final, com a voz de Alice a erguer-se sob o tom e
a levá-la para uma direcção diferente. Eu conseguia ver como é que a música
devia acabar, por que a rapariga adormecida estava perfeita da maneira que
estava. Qualquer mudança seria errada, uma tristeza. A música flutuou em
direcção a essa realização, mais devagar e mais baixa agora. A voz de Alice
também ficou mais baixa, e tornou-se solene, um tom que pertencia aos arcos
cheios de eco numa catedral antiga iluminada por velas.
A Esme passou a mão no meu cabelo. Vai correr tudo bem, Edward. Isto vai
resolver-se pelo melhor… Tu mereces felicidade, meu filho. O destino deve-te
isso.
- Obrigado. - Suspirei, desejando acreditar naquilo.
O amor nem sempre vem em pacotes convenientes.
Ri-me uma vez sem humor.
Tu, melhor do que qualquer pessoa neste planeta, és o mais bem equipado para
lidar com um dilema deste tipo. Tu és o melhor, o mais brilhante de todos nós.
Eu suspirei. Todas as mães pensam o mesmo do seu filho.
Esme ainda estava cheia de alegria pelo meu coração ter sido tocado depois
deste tempo todo, sem se importar com a potencial tragédia. Ela tinha pensado
que eu iria ficar sozinho para sempre.
Ela vai ter que retribuir o teu amor. Pensou de repente, apanhando-me de
surpresa com a direcção dos seus pensamentos. Se ela é uma rapariga esperta.
Sorriu. Mas não consigo imaginar alguém a ser tão lento que não consiga ver o
bom partido que és.
- Pára mãe, estás-me a fazer corar. - Brinquei. As suas palavras, mesmo
improváveis, animaram-me.
A Alice riu-se e fez um acústico da “Heart and Soul”. Eu sorri e completei a
melodia com ela. E depois, toquei-lhe uma performance de “Chopsticks”.
Ela riu-se, e depois suspirou. - Gostava que me contasses por que é que te
estavas a rir da Rose. - Disse Alice. – Mas consigo ver que não vais.
- Nop.
Ela puxou-me a orelha.
- Sê simpática, Alice. – Repreendeu Esme. – O Edward está a ser um cavalheiro.
- Mas eu quero saber.
Eu ri-me do tom implorativo que ela usou. Depois disse, - Aqui, Esme. - e
comecei a tocar a sua musica favorita, um tributo sem nome ao amor que
assisti entre ela e Carlisle durante tanto tempo.
- Obrigada, querido. - E apertou o meu ombro de novo.
Eu não tinha que me concentrar para tocar a peça familiar. Em vez disso, pensei
na Rosalie, ainda a ranger os dentes de mortificação, na garagem, e ri-me para
mim mesmo.
Tendo descoberto só recentemente o potencial do ciúme por mim mesmo, eu
senti um bocado de pena. Era algo infeliz de se sentir. Claro, o ciúme dela era
milhares de vezes mais fútil que o meu.
Perguntei-me como teria sido diferente a vida e personalidade de Rosalie se ela
não tivesse sido sempre a mais bonita. Teria sido mais feliz, se a beleza não
fosse sempre o seu ponto forte? Menos egocêntrica? Mais compassiva? Bem, eu
supus que era inútil perguntar-me, porque o passado já se foi, e ela foi sempre a
mais bonita. Mesmo enquanto humana, ela viveu sempre sob a luz do holofote
da sua própria doçura. Não que se importasse. O oposto, ela adorava admiração
mais do que tudo no mundo. Isso não mudou com a perda da sua mortalidade.
Portanto não era surpreendente, dada aquela necessidade, que ela tenha ficado
ofendida quando eu não idolatrei a sua beleza desde o princípio da maneira que
ela esperava que todos os machos idolatrassem. Não que ela me quisesse de
alguma maneira, longe disso. Mas irritou-a que eu não a quisesse. Ela estava
habituada a que a quisessem.
Era diferente com Jasper e Carlisle, os dois já estavam apaixonados. Eu era
completamente livre, e ainda assim continuei firme.
Eu pensei que o antigo ressentimento tivesse sido enterrado. Que ela tivesse
superado isso.
E tinha… até ao dia em que eu finalmente encontrei alguém cuja beleza me
tocou de uma maneira que a dela não.
A Rosalie tinha-se apoiado na crença de que se eu não tinha achado a beleza
dela digna de idolatria, então certamente não existia beleza na terra que me iria
alcançar. Ela tem estado furiosa desde que eu salvei a vida de Bella,
adivinhando, com a sua intuição feminina, o facto de que eu estava tudo menos
fora de controlo.
A Rosalie estava mortalmente ofendida por eu ter achado uma insignificante
rapariga humana mais bonita que ela.
Eu aguentei a vontade de me rir outra vez.
Mas isso incomodou-me um bocado, a maneira que ela via Bella. A Rosalie
pensava mesmo que a rapariga era comum. Como é que ela podia acreditar
nisso? Parecia incompreensível para mim. Um produto de inveja, sem dúvida.
- Oh! – Disse Alice de repente. - Jasper, adivinha!
Vi o que ela tinha visto e as minhas mãos congelaram.
- O quê, Alice? – Perguntou Jasper.
- O Peter e Charlotte vêm-nos visitar na próxima semana! Eles estarão na
vizinhança, não é óptimo?
- O que é que se passa, Edward? - Perguntou Esme, sentindo a tensão dos meus
ombros.
- O Peter e a Charlotte vêm a Forks? – Perguntei por baixo da minha respiração
a Alice.
Ela revirou os olhos. – Acalma-te, Edward, não é a primeira visita deles.
Os meus dentes cerraram-se. Era a primeira visita desde que Bella tinha
chegado, e o seu sangue doce não era apelativo apenas para mim.
A Alice olhou para mim com ar reprovador quando viu a minha expressão. - Eles
nunca caçam aqui. Tu sabes disso.
Mas o quase irmão de Jasper e a pequena mulher não eram como nós, eles
caçavam da maneira normal. Não podia confiar neles à volta de Bella.
- Quando? - Perguntei.
Ela pressionou os lábios, infeliz. Mas disse-me o que eu precisava de saber.
Segunda de manhã. Ninguém vai magoar a Bella.
- Não. - Concordei, e depois afastei-me dela. - Pronto, Emmett?
- Não íamos partir pela manhã?
- Vamos voltar por volta da meia-noite de domingo. A escolha é tua sobre a hora
de partida.
- Ok, está bem. Deixa-me despedir da Rose primeiro.
- Claro. – Com o humor de Rosalie, ia ser uma despedida curta.
Tu realmente enlouqueceste, Edward, pensou enquanto se encaminhava para a
porta dos fundos.
- Suponho que sim.
- Toca a música nova para mim, mais uma vez. - Pediu Esme.
- Se quiseres. - Concordei, mas estava um bocado hesitante em seguir a música
até ao seu fim inevitável, o fim que continuava a magoar lentamente de
maneiras não familiares. Pensei por um momento, e depois tirei a tampa do
meu bolso e coloquei no suporte da partitura vazio. Aquilo ajudou um bocado, a
minha pequena memória do sim dela.
Acenei para mim mesmo e comecei a tocar.
A Esme e Alice entreolharam-se, mas nenhuma das duas perguntou.
- Nunca te ensinaram a não brincar com a comida? – Perguntei a Emmett.
- Oh, hei Edward! – Gritou como resposta, a sorrir e a acenar-me. O urso ficou
com vantagem, aproveitando-se da sua distracção para avançar com as suas
garras pesadas para o peito de Emmett.
As garras afiadas rasgaram a sua camisa, a fizeram um barulho estridente
quando tocaram na pele dele.
O urso urrou por culpa da intensidade do barulho.
Ah, que inferno. A Rose deu-me esta camisa!
Emmett rugiu ao animal enraivecido.
Eu suspirei e sentei-me numa rocha conveniente. Isto provavelmente ia levar
algum tempo.
Mas Emmett já estava quase a terminar. Ele deixou que o urso lhe tentasse
arrancar a cabeça com outro golpe das patas, e riu-se quando ele falhou. O urso
rosnou e Emmett rosnou-lhe a meio de uma risada. E aí, lançou-se para cima do
animal, que estava mais alto que ele, apoiado nas patas traseiras. E os seus
corpos caíram no chão, um sobre o outro, levando um pinheiro adulto com eles.
Os rosnados do urso calaram-se com um engasgo.
Uns minutos depois, Emmett dirigiu-se para o lugar onde eu estava à espera
dele. A sua camisa estava destruída. Rasgada e ensanguentada, pegajosa por
causa da seiva, e coberta de pêlos do urso. O cabelo escuro, curto e
encaracolado não estava em melhor estado. Ele tinha um sorriso enorme no
rosto.
- Este era um dos fortes. Eu quase consegui sentir quando ele me arranhou.
- És tão criança, Emmett.
Ele olhou para a minha camisa branca, lisa e limpa. - Então não conseguiste
apanhar o leão da montanha?
- Claro que consegui. Eu simplesmente não como que nem um selvagem.
Emmett soltou uma gargalhada estrondosa. - Adorava que fossem mais fortes,
seria mais divertido.
- Ninguém disse que tinhas de lutar com a tua comida.
- Pois, mas com quem mais é que vou lutar? Tu e a Alice fazem batota, A Rose
nunca quer despentear o cabelo e a Esme fica chateada se eu e o Jasper
lutamos a sério.
- A vida é difícil, não é?
O Emmett sorriu, pondo-se numa posição pronta para atacar.
- Anda lá, Edward. Desliga isso por um minuto e luta justamente.
- Não se desliga. – Lembrei-o.
- Pergunto-me o que será que aquela humana faz para te deixar de fora -
Meditou Emmett. - Talvez ela me possa dar umas dicas.
O meu bom humor desapareceu. – Afasta-te dela. - Rosnei entre dentes.
- Sensível. Sensível.
Suspirei. O Emmett veio sentar-se ao meu lado na rocha.
- Desculpa. Eu sei que estás a passar por uma coisa difícil. E eu estou a tentar
não ser muito um insensível idiota, mas, já que esse é o meu estado normal…
Ele ficou à espera que eu me risse da sua piada, e depois a sua expressão
mudou.
Tão sério o tempo todo. O que é que te está a incomodar agora?
- Pensar nela. Bem, na realidade, preocupar-me com ela.
- O que é que há para te preocupares? Tu estás aqui. – Riu-se alto.
Eu ignorei a piada novamente, mas respondi à pergunta. – Já pensaste no
quanto eles todos são frágeis? Em quantas coisas más que existem que podem
acontecer a um mortal?
- Nem por isso. Mas suponho que sei o que queres dizer. Eu não fui um grande
desafio para um urso daquela primeira vez, não foi?
-Ursos. - Murmurei, adicionando um novo medo para a minha lista. – Isso seria
mesmo a sorte dela, não seria? Um urso perdido na cidade. E é claro que iria
direito para a Bella.
O Emmett riu-se. – Tu pareces um maluco a falar, sabes disso, certo?
- Apenas imagina por um minuto que a Rosalie é humana, Emmett. E que podia
dar de caras com um urso… ou ser atingida por um carro… ou por um raio… ou
cair das escadas… ou ficar doente, apanhar uma doença grave! - As palavras
saiam de mim como uma tormenta. Era um alívio deixá-las sair. Tinham-me
sufocado o fim-de-semana inteiro. - Incêndios e terramotos e tornados! Ugh!
Quando é que foi a última vez que viste as notícias? Já viste o tipo de coisas que
lhes acontecem? Assaltos e homicídios… - Os meus dentes cerraram-se, e eu
estava tão furioso com a ideia de outro humano a magoar que mal podia
respirar.
- Hei, hei! Aguenta aí, miúdo. Ela vive em Forks, lembras-te? Só vai apanhar
uma chuva. - Disse a encolher os ombros.
- Eu acho que ela tem um sério problema de má sorte, Emmett. Vê a prova. De
todos os lugares no mundo que ela podia ir, ela acaba numa cidade onde os
vampiros são uma parte significativa da população.
- Sim, mas nós somos vegetarianos. Portanto isso não é uma boa sorte em vez
de má?
- Da maneira que ela cheira? Definitivamente má. E ainda pior, da maneira que
eu a cheiro. - Olhei para as minhas mãos, odiando-as novamente.
- Excepto pelo facto de que tu tens mais auto-controlo do que qualquer um além
de Carlisle. Boa sorte outra vez.
- A carrinha?
- Isso foi apenas um acidente.
- Tu devias ter visto a carrinha a ir na direcção, Emmett, uma e outra vez. Juro-
te, é como se ela tivesse algum tipo de atracção magnética.
- Mas tu estavas lá. Isso foi boa sorte.
- Foi? Não é a pior sorte que um humano pode ter? Um vampiro a apaixonar-se
por ela?
O Emmett considerou aquilo em silêncio por um momento. Ele viu a rapariga na
sua mente, e achou a imagem pouco interessante. Honestamente, eu não
consigo perceber o que vês nela.
- Bem, eu também não vejo nenhum brilho na Rosalie. - Disse rudemente. -
Sinceramente, ela parece dar demasiado trabalho apenas para uma cara bonita.
O Emmett riu-se. – Suponho que não me vais dizer…
- Eu não sei qual é o problema dela Emmett. - Menti, com um súbito e largo
sorriso.
Vi a sua intenção a tempo de me proteger. Ele tentou empurrar-me da rocha, e
houve um som alto de rachadura quando uma fissura se abriu na rocha entre
nós.
- Batoteiro. - Murmurou.
Fiquei à espera que ele tentasse outra vez, mas os seus pensamentos tomaram
outra direcção.
Ele estava a imaginar a cara de Bella outra vez, mas a imaginá-la mais pálida, a
imaginar os olhos dela, vermelhos brilhantes…
- Não. - Eu disse, a minha voz estava sufocada.
- Isso resolve as tuas preocupações em relação à mortalidade, não é? E assim tu
não irias querer matá-la. Não será essa a melhor maneira?
- Para mim, ou para ela?
- Para ti. - Respondeu facilmente. O seu tom adicionava o obviamente.
Dei uma gargalhada com humor. - Resposta errada.
- Eu não me importei muito. – Lembrou-me.
- A Rosalie importou-se.
Ele suspirou. Ambos sabíamos que Rosalie faria qualquer coisa, desistiria de
qualquer coisa para se tornar humana outra vez. Até mesmo de Emmett.
- Sim, a Rose importou-se. - Disse calmamente.
- Eu não posso… não devo… Eu não vou arruinar a vida de Bella. Não sentirias o
mesmo se fosse com a Rosalie?
Emmett pensou naquilo por um momento. Tu realmente… ama-la?
- Eu nem sequer consigo descrever, Emmett, de repente, esta rapariga tornou-
se o mundo inteiro para mim. Já não consigo ver o resto do mundo sem ela.
Mas não a vais transformar? Ela não vai durar para sempre Edward.
- Eu sei isso. - Vociferei.
E, como tu mesmo disseste, ela é um tanto ou quanto frágil.
- Acredita, eu também sei isso.
Emmett não era uma pessoa de muito tacto, e discussões delicadas não eram o
seu forte. Ele estava a esforçar-se agora, a tentar não ofender.
Consegues sequer tocá-la? Quer dizer, se tu a amas… não gostarias de… bem,
tocar-lhe…?
O Emmett e a Rosalie partilhavam um intenso amor físico. Ele teve dificuldades
para entender com é que alguém poderia amar sem aquele aspecto.
Eu suspirei. - Eu nem sequer posso pensar nisso, Emmett.
Wow, então quais é que são as tuas opções?
- Eu não sei. - Sussurrei. – Estou a tentar descobrir uma maneira de… de a
deixar. Mas eu simplesmente não sei como me manter afastado dela…
Com um profundo sentimento de satisfação, subitamente apercebi-me que era
certo ficar. Pelo menos por agora, com Peter e Charlotte a caminho. Ela estava
mais segura comigo aqui, temporariamente, do que estaria se eu me afastasse.
Por agora, eu podia ser o seu improvável protector.
A ideia deixou-me ansioso. Eu estava impaciente para voltar e cumprir aquele
papel por tanto tempo quanto fosse possível.
Emmett notou a mudança na minha expressão. No que é que estás a pensar?
- Neste momento, - Admiti timidamente. – Estou a morrer de vontade para
voltar a Forks e ver como é que ela está. Eu não sei se aguento até domingo à
noite.
- Não, não! Tu não vais voltar para casa mais cedo. Deixa a Rosalie acalmar-se
um bocado. Por favor! Pelo meu bem.
- Vou tentar ficar. - Disse sem muita certeza.
O Emmett tocou no telemóvel que estava no meu bolso. – A Alice iria ligar se
houvesse algum fundamento para o teu ataque de pânico. Ela é tão esquisita
sobre esta rapariga quanto tu.
Sorri com aquilo. - Óptimo. Mas não fico até depois de domingo.
- Não tens razão para te apressares por voltar, vai estar sol, e a Alice disse que
estamos livres da escola até quarta-feira.
Eu abanei a cabeça rigidamente.
- O Peter e Charlotte sabem comportar-se.
- Eu sinceramente não quero saber, Emmett. Com a sorte da Bella, ela vai
acabar por deambular até a floresta exactamente no momento errado e… -
Encolhi-me com o pensamento. - O Peter não é conhecido pelo seu auto-
controlo. Vou voltar no domingo.
O Emmett suspirou. Tal e qual um maluco.
Bella estava a dormir tranquilamente quando escalei até à janela do seu quarto
na manhã de segunda-feira. Desta vez lembrei-me do óleo, e a janela agora saía
silenciosamente do meu caminho.
Eu conseguia perceber pela forma como o cabelo dela repousava suavemente
na almofada, que ela teve uma noite menos agitada do que da última vez que
eu estive aqui. Tinha as mãos juntas debaixo das suas bochechas como uma
criança pequena, e a sua boca estava ligeiramente aberta. Conseguia ouvir a
sua respiração a entrar e a sair suavemente entre os seus lábios.
Era um tremendo alívio estar aqui, poder vê-la novamente. Percebi que eu não
iria ficar calmo até que isso acontecesse. Nada estava certo quando eu estava
longe dela.
Não que estivesse tudo certo quando eu estava com ela, mesmo assim. Eu
suspirei, deixando que a sede ardente me incendiasse a garganta. Estive longe
disto por demasiado tempo. O tempo passado longe da dor e da tentação agora
tornou isto mais difícil. Era mau o suficiente eu ter medo de me ajoelhar ao lado
da sua cama para poder ler os títulos dos livros dela. Eu queria saber quais
eram as histórias na sua cabeça, mas eu receava algo mais do que a minha
sede, receava que se me deixasse aproximar tanto dela, eu ia querer ainda
mais…
Os seus lábios pareciam bastante suaves e quentes. Eu imaginei tocá-los com a
ponta dos meus dedos. Só levemente…
Aquele era exactamente o tipo de erro que eu devia evitar cometer.
Os meus olhos percorriam a cara dela várias vezes, a examinar qualquer
mudança. Os mortais estavam sempre a mudar. Entristecia-me a ideia de poder
perder qualquer detalhe.
Achei que ela parecia… cansada. Como se não tivesse dormido o suficiente este
fim-de-semana.
Será que ela tinha saído?
Ri-me silenciosamente e sem humor do quanto aquela ideia me chateou. E
então se ela tivesse saído? Eu não era o dono dela. Ela não era minha.
Não, ela não era minha. E eu estava triste novamente.
Uma das suas mãos virou-se e eu reparei que tinha arranhões superficiais e não
cicatrizados na base da sua palma. Ela tinha-se magoado? Apesar de não ser
um ferimento grave, aquilo ainda me incomodava. Considerei o local, e cheguei
à conclusão que ela devia ter tropeçado. Parecia uma explicação razoável,
considerando as coisas todas.
Era confortante pensar que eu não ia ficar a pensar nestes quebra-cabeças,
nestes mistérios para sempre. Agora nós éramos amigos, ou, pelo menos,
tentávamos ser amigos. Eu podia-lhe perguntar sobre o seu fim-de-semana,
sobre a praia, ou qualquer outra actividade nocturna que a tivesse feito parecer
tão cansada. Eu podia-lhe perguntar o que é que tinha acontecido às mãos dela.
E eu poder-me-ia rir um bocado quando ela confirmasse a minha teoria sobre o
assunto.
Sorri gentilmente enquanto pensava se ela tinha ou não mergulhado no oceano.
Eu preocupava-me em saber se ela se tinha divertido no passeio. Perguntava-
me se ela tinha pensado em mim, nalgum momento. Se ela tinha sentido a
minha falta, mesmo que fosse uma mínima fracção de toda a falta que eu senti
dela.
Tentei imaginá-la na praia, ao sol. Mas a imagem estava incompleta, porque eu
nunca tinha estado numa praia. Eu apenas sabia como parecia pelas fotos…
Senti-me um bocado desconfortável quando pensei no porquê de nunca ter
estado na praia localizada só a alguns minutos de casa. A Bella tinha passado o
dia em La Push, um lugar proibido, por tratado, para nós irmos. Era um lugar
onde alguns homens antigos ainda se lembravam das histórias sobre os Cullens,
lembravam-se e acreditavam nelas. Um lugar onde o nosso segredo era
conhecido…
Abanei a cabeça. Não tinha que me preocupar com nada de lá. Os Quileutes
também eram ligados ao acordo. Mesmo se a Bella tivesse passado por um dos
anciãos, eles não podiam revelar nada. E por que motivo é que haviam de falar
do assunto? Por que é que Bella havia de escolher falar das suas curiosidades
ali? Não, os Quileutes eram provavelmente a única coisa com a qual eu não
tinha de me preocupar.
Fiquei zangado com o sol quando começou a nascer. Lembrou-me que eu não ia
poder satisfazer a minha curiosidade nos próximos dias. Por que é que é que o
sol tinha escolhido brilhar agora?
Com um suspiro, saltei pela janela dela antes que estivesse luz o suficiente para
que alguém me pudesse ver aqui. Tinha intenção de ficar na floresta ao pé da
sua casa e vê-la a sair para a escola, mas quando cheguei às árvores, fiquei
surpreendido ao sentir o seu cheiro no trilho.
Segui-o rapidamente, curiosamente, ficando cada vez mais preocupado
enquanto seguia mais profundamente na escuridão. O que é que Bella tinha
estado aqui a fazer?
O trilho parou abruptamente, no meio de nada em particular. Ela só tinha saído
alguns passos do caminho, até aos fetos, onde se encostou num tronco de
árvore. Talvez se tenha sentado ali…
Sentei-me no mesmo lugar que ela, e olhei à volta. Tudo o que ela teria sido
capaz de ver era fetos e floresta. Provavelmente tinha chovido, o cheiro dela
estava quase a desaparecer.
Por que é que Bella se tinha vindo aqui sentar sozinha, e ela estava sozinha,
sem dúvida, no meio desta floresta molhada e lamacenta?
Não fazia sentido, e, ao contrário daqueles outros pontos de curiosidade, eu não
podia perguntar-lhe isto numa conversa casual.
Então Bella, eu estive a seguir o teu cheiro pela floresta quando deixei o teu
quarto, onde te estive a ver dormir… Sim, isso ia quebrar o gelo.
Eu nunca ia saber o que é que ela esteve a fazer e a pensar aqui, e isso fez com
que os meus dentes se cerrassem com frustração. Pior, isto era muito parecido
com o cenário que eu imaginei para o Emmett: Bella a andar sozinha na
floresta, onde o cheiro dela podia chamar qualquer um que tivesse sentidos
para segui-lo…
Eu gemi. Ela não tinha apenas má sorte, ela chamava a má sorte.
Bem, por este momento ela tinha um protector. Eu ia tomar conta dela, evitar
que ela se magoasse, enquanto o pudesse justificar.
De repente encontrei-me a desejar que Peter e Charlotte ficassem por mais
tempo.
8º Capitulo - Fantasma
Não vi muitas vezes os convidados de Jasper durante os dois dias soalheiros em
que eles estiveram em Forks. Eu só voltei para casa para que Esme não ficasse
preocupada. De outra maneira, a minha existência parecia mais a de um
fantasma do que a de um vampiro. Encontrei, invisível nas sombras, o lugar
onde eu podia seguir o objecto do meu amor e obsessão, onde eu a podia ver e
ouvir nas mentes dos humanos sortudos que podiam caminhar através da luz do
sol ao lado dela, algumas vezes a passar a palma da mão dela nas deles
acidentalmente. Ela nunca reagia aquele contacto, as mãos deles eram tão
quentes quanto as mãos dela.
A ausência forçada da escola nunca antes tinha sido um martírio como este.
Mas o sol parecia fazê-la feliz, portanto eu não podia ressentir muito isto.
Qualquer coisa que a agradasse estava nas minhas boas graças.
Segunda-feira de manhã, eu ouvi uma conversa que tinha o potencial de
destruir a minha confiança e de fazer com que o tempo que eu passasse longe
dela fosse uma tortura. Mas, enquanto acabava, alegrou-me o dia.
Eu tinha que sentir um pequeno respeito por Mike Newton. Ele não se tinha
simplesmente afastado para curar as feridas, nem desistido. Ele tinha mais
coragem do que eu lhe tinha dado crédito. Ele ia tentar outra vez.
Bella foi para a escola bastante cedo e, com a intenção de aproveitar o sol
enquanto ele durava, sentou-se num dos bancos raramente usados enquanto
estava à espera que a campainha tocasse. O cabelo dela apanhou o sol de
formas inesperadas, dando-lhe um brilho avermelhado que eu não tinha
antecipado.
Mike encontrou-a ali, e entusiasmou-se com a sua sorte.
Era agonizante apenas ser capaz de assistir, impotente, protegido do brilho do
sol pelas sombras da floresta.
Ela cumprimentou-o com entusiasmo suficiente para pô-lo eufórico, e a mim o
contrário.
Vês, ela gosta de mim. Ela não me sorria daquela maneira se não gostasse. Eu
aposto que ela queria ir ao baile comigo. Pergunto-me o que é que havia de tão
importante em Seattle…
Ele deu conta da mudança no cabelo dela. – Nunca tinha reparado antes, mas o
teu cabelo tem reflexos ruivos.
Eu arranquei acidentalmente a árvore jovem em que minha mão estava
pousada quando ele agarrou numa madeixa do cabelo dela com os dedos.
- Só ao sol. - Disse. Para minha grande e profunda satisfação, ela desviou-se
suavemente dele quando ele colocou a madeixa atrás da orelha dela.
Mike precisou de um minuto para reconstruir a sua coragem, gastou algum
tempo com outra pequena conversa.
Ela relembrou-o dum trabalho que todos tinham de entregar quarta-feira. Pelo
perceptível orgulho na sua cara, o dela já estava pronto. Ele tinha-se esquecido
completamente, e isso ia diminuir drasticamente as suas horas livres.
Bolas, trabalho estúpido.
Finalmente ele chegou ao essencial, os meus dentes estavam tão cerrados que
conseguiam pulverizar granito, mas mesmo assim, ele não conseguia fazer a
pergunta definitiva.
- Ia perguntar-te se querias sair.
- Ah! - Disse.
Houve um breve silêncio.
Ah? O que é que isso significa? Ela vai dizer que sim? Espera, eu acho que não
lhe perguntei realmente.
- Bem, podíamos ir jantar ou algo do género… e eu podia trabalhar na
dissertação mais tarde.
Idiota, isso também não foi uma pergunta.
- Mike…
A agonia e a fúria do meu ciúme eram tão poderosas quanto tinham sido na
semana passada. Eu parti outra árvore, ao tentar segurar-me nela. Eu queria
tanto correr através daquela rua, demasiado rápido para os olhos humanos, e
agarrá-la, para a roubar do rapaz que eu odiava tanto que o podia matar, e
gostar disso.
Será que ela lhe ia dizer sim?
- Acho que não seria a melhor das ideias.
Eu respirei novamente. O meu corpo rígido relaxou.
Seattle era apenas uma desculpa, afinal. Eu não devia ter perguntado. No que é
que eu estava a pensar? Aposto que é por causa daquela aberração, Cullen…
- Porquê? - Perguntou agressivamente.
- Julgo… - Ela hesitou. - E se alguma vez repetires o que eu estou a dizer neste
preciso momento, eu terei todo o prazer em espancar-te até à morte.
Eu ri-me a alto som da ameaça de morte a sair através dos seus lábios.
- Mas acho que isso feriria os sentimentos da Jessica.
- Da Jessica? - O quê? Mas… Ah. Ok. Acho… Então… Huh.
Os pensamentos dele já não eram coerentes.
- Sinceramente, Mike, tu és cego?
Eu ecoei o sentimento dela. Ela não devia esperar que todos fossem tão
perceptivos como ela, mas realmente este exemplo estava para além do óbvio.
Com toda a dificuldade que Mike teve para convidar Bella para sair, ele não
imaginava que não seria tão difícil para Jessica? Devia ser o egoísmo que o fez
ficar cego para os outros. E Bella era tão não-egoísta, ela viu tudo.
Jessica. Huh. Uau. Huh. – Ah. - Conseguiu dizer.
Bella aproveitou a confusão dele para escapar.
- Está na hora da aula e não posso voltar a atrasar-me.
Mike tornou-se um ponto de vista não muito confiável a partir daí. Ele percebeu,
enquanto a ideia sobre Jessica girava na sua cabeça, que ele gostava da ideia
de ela o ter achado atraente. Esse era o segundo lugar, não tão bom como se
fosse Bella que se sentisse assim.
Ela até é gira, acho eu. Corpo decente. É melhor um pássaro na mão…
Ele foi desactivado então, com as novas fantasias que eram tão vulgares como
aquelas com Bella, mas agora elas apenas irritavam em vez de enfurecerem.
Quão pouco ele merecia qualquer rapariga, elas eram quase todas descartáveis
para ele. Eu permaneci longe da sua cabeça depois daquilo.
Quando ela estava fora de vista, eu encostei-me contra um tronco de uma
enorme árvore e dancei de mente em mente, mantendo-a em vista, sempre
agradecido quando Angela Weber estava disponível para olhar para ela. Eu
gostava que existisse uma maneira de agradecer à rapariga Weber por ser
simplesmente uma boa pessoa. Fez-me sentir melhor que Bella tivesse uma
amiga que valia a pena.
Eu vi o rosto de Bella de todos e quaisquer ângulos que me davam, e eu
consegui ver que ela estava triste outra vez. Isso surpreendeu-me, eu pensei
que o sol fosse suficiente para a manter a sorrir. Ao almoço, eu vi-a a espiar de
vez em quando a mesa vazia dos Cullen, e isso entusiasmou-me. Isso deu-me
esperança. Talvez ela também sentisse a minha falta.
Ela tinha planos para sair com as outras raparigas, e eu automaticamente
planeei a minha própria vigilância, mas estes planos foram adiados quando Mike
convidou a Jessica para o encontro planeado para Bella.
Então eu fui directamente para casa dela, dando rapidamente uma vista de
olhos à floresta para ter certeza de que ninguém perigoso estava por perto. Eu
sabia que Jasper tinha avisado o seu outrora irmão para evitar a cidade, citando
a minha loucura como explicação e aviso, mas eu não queria correr nenhum
risco. Peter e Charlotte não tinham intenção de ficar mal com a minha família,
mas as intenções são coisas que mudam…
Certo, eu estava a exagerar. Eu sabia disso.
Como se ela soubesse que eu estava a vigiar, como se ela estivesse com pena
da agonia que eu sentia quando não a podia ver, Bella saiu para o jardim depois
de uma longa hora dentro de casa. Ela tinha um livro na mão e um cobertor
debaixo do braço.
Silenciosamente, subi para troncos mais altos da árvore para conseguir uma
boa visão do jardim.
Ela estendeu o cobertor na relva húmida, e depois deitou-se de barriga para
baixo e começou a folhear as páginas do livro velho, como se tentasse
encontrar o sítio certo. Eu li por cima do seu ombro.
Ah, mais clássicos. Ela era uma fã de Austen.
Ela leu rapidamente, cruzando e descruzando os calcanhares no ar. Eu estava a
ver os raios de sol e o vento a brincar com o seu cabelo quando o seu corpo
subitamente se contraiu, e a mão dela parou na página. Tudo que consegui ver
foi que ela estava no capítulo três, quando ela agarrou, irritada, uma
quantidade grossa de folhas e as passou.
Eu vi de relance um título. O Parque de Mansfield. Ela estava a começar a ler
uma nova história, o livro era uma compilação de romances. Eu perguntei-me
por que é que ela teria mudado de romance tão abruptamente.
Apenas alguns segundos depois, ela fechou o livro, irritada. Com a expressão
zangada, ela empurrou o livro ao seu lado e virou-se para se deitar de costas.
Ela inspirou profundamente, como se se quisesse acalmar, arregaçou as
mangas e fechou os olhos. Eu lembrava-me da história, mas não consegui
pensar em nada ofensivo que a pudesse ter chateado. Outro mistério. Suspirei.
Ela ficou muito quieta, mexendo-se apenas uma vez para tirar o cabelo da cara.
Espalhou-se à volta da sua cabeça. E depois ficou imóvel novamente.
A sua respiração desacelerou. Depois de alguns longos minutos, os lábios dela
começaram a mexer-se. A murmurar enquanto dormia.
Impossível de resistir. Eu ouvi o mais longe que pude, captando vozes nas casas
próximas.
Duas colheres de sopa de trigo… um copo de leite…
Vamos lá! Encesta! Ah, vai lá!
Vermelho, ou azul… ou talvez eu devesse vestir algo mais casual…
Não havia ninguém por perto. Eu saltei para o chão, aterrando silenciosamente
na ponta dos pés.
Isto era muito errado, muito arriscado. Tinha sido tão superficial ao julgar
Emmett pelos seus modos impulsivos e Jasper pela sua falta de disciplina. Agora
era eu quem estava conscientemente a desprezar todas as regras, e isso fazia
com que os lapsos deles parecessem insignificantes. Eu costumava ser o
responsável.
Suspirei, mas rastejei em direcção ao sol, descuidado.
Evitei olhar para mim mesmo à luz do sol. Era mau o suficiente que a minha
pele fosse uma pedra e desumana à sombra, não queria olhar para Bella e para
mim lado a lado à luz do sol. A diferença entre nós já era insuperável, dolorosa o
suficiente sem ter essa imagem na minha cabeça.
Mas eu não conseguia ignorar as faíscas de arco-íris que eram reflectidas pela
pele dela à medida que me aproximava. O meu queixo ficou rígido com a visão.
Poderia eu ser ainda mais uma aberração? Imaginei o terror dela se abrisse
agora os olhos…
Comecei a recuar, mas ela murmurou outra vez, prendendo-me ali.
- Mmm… Mmm.
Nada inteligível. Bem, eu ia esperar um bocado.
Cuidadosamente, eu agarrei no seu livro, estiquei o meu braço e sustive a
respiração enquanto estava perto dela, só por precaução. Comecei a respirar
novamente quando estava a poucos metros de distância, e testei como é que o
sol e o ar livre afectavam o cheiro dela. O calor parecia adocicar a fragrância. A
minha garganta queimou com desejo, o fogo era feroz outra vez porque tinha
ficado longe dela por muito tempo.
Passei um momento a controlar aquilo, e depois, enquanto me forçava a
respirar pelo nariz, deixei que o livro se abrisse nas minhas mãos. Ela tinha
começado pelo primeiro livro… Virei rapidamente as páginas até o terceiro
capítulo de Sensibilidade e Bom Senso, e procurei por alguma coisa
potencialmente ofensiva na prosa excessivamente delicada de Austen.
Quando os meus olhos pararam automaticamente no meu nome, o personagem
Edward Ferrars estava a ser apresentado pela primeira vez, Bella falou de novo.
- Mmm. Edward. - Suspirou.
Desta vez não tive medo que ela tivesse acordado. A voz dela era baixa, só um
murmúrio melancólico. Não eram os gritos de medo que teriam sido se ela me
visse agora.
A alegria entrou em conflito com auto-desprezo. Pelo menos ela ainda sonhava
comigo.
- Edmund. Ah. Demasiado… parecido…
Edmund?
Ah! Ela não estava a sonhar comigo, percebi com raiva. O auto-desprezo voltou
com força. Ela estava a sonhar com personagens fictícias. Lá se foi meu
convencimento.
Guardei o livro e fui para o abrigo das sombras, onde pertencia.
A tarde passou, e eu via, sentindo-me inútil outra vez, enquanto o sol descia
lentamente no céu e as sombras se espalhavam pelo jardim até ela. Eu queria
empurrá-las para longe, mas a escuridão era inevitável, as sombras tomaram-
na. Quando a luz desaparecia, a pele dela era demasiado pálida, quase
fantasmagórica. O cabelo dela estava escuro outra vez, quase preto contra a
sua cara.
Era uma coisa assustadora de se ver, era como testemunhar as visões de Alice
a tornarem-se realidade. O batimento cardíaco forte e constante de Bella era a
única garantia, o som que manteve este momento longe de ser um pesadelo.
Fiquei aliviado quando o pai dela voltou para casa.
Eu consegui ouvir um bocado da mente dele enquanto conduzia em direcção da
casa. Um vaga irritação… no passado, alguma coisa do trabalho. Expectativa
misturada com fome, presumi que estivesse ansioso para o jantar. Mas os
pensamentos dele eram tão silenciosos e contidos que não pude ter certeza se
estava certo, só percebi uma parte deles.
Perguntei-me como é que a mãe dela soaria, que combinação genética a tinha
feito tão única.
Bella começou a acordar, contorcendo-se para se sentar quando os pneus do
carro do seu pai cantaram contra o asfalto da estrada. Ela começou a olhar à
sua volta, parecendo confusa com a inesperada escuridão. Por um breve
momento, os olhos dela passaram nas sombras onde eu estava escondido, mas
eles passaram rapidamente.
- Charlie? - Perguntou em voz baixa, ainda a espreitar as árvores que rodeavam
o pequeno jardim.
A porta do carro bateu com força, e ela olhou em direcção ao som. Colocou-se
rapidamente de pé e arrumou as suas coisas enquanto dava mais uma olhadela
em direcção às árvores.
Eu fui para uma árvore mais próxima da janela de trás da pequena cozinha, e
ouvi a noite deles. Era interessante comparar as palavras de Charlie aos seus
pensamentos ocultos. O seu amor e interesse pela sua única filha eram quase
esmagadores, mas ainda assim as palavras dele eram sempre curtas e casuais.
Na maior parte do tempo, eles sentavam-se num silêncio amigável.
Eu ouvi-a discutir os seus planos para a próxima noite em Port Angeles, e eu
definia os meus próprios planos enquanto ouvia. Jasper não tinha avisado Peter
e Charlotte para ficarem afastados de Port Angeles. Apesar de eu saber que eles
se tinham alimentado recentemente e que não tinham qualquer intenção de
caçar na vizinhança da nossa casa, eu ia olhar por ela, só por precaução. Afinal
de contas, havia muitos outros da minha espécie lá fora. E também, todos os
perigos humanos que eu nunca tinha considerado antes.
Eu ouvi a preocupação dela sobre deixar o pai a preparar o próprio jantar, e
sorri ao ver a minha teoria provar-se. Sim, ela cuidava dele.
E aí eu fui-me embora, sabendo que podia voltar quando ela estivesse a dormir.
Eu não ia invadir a privacidade dela, a espreitar como um coscuvilheiro. Eu
estava aqui para protecção dela, não para olhar para ela com malícia, da
maneira que Mike Newton faria sem dúvida, se fosse ágil o suficiente para se
mexer entre os troncos das árvores, como eu era. Eu não a ia tratar assim.
A minha casa estava vazia quando eu voltei, o que por mim estava óptimo. Eu
não tinha saudades da confusão ou dos pensamentos depreciativos, a
questionar a minha sanidade. O Emmett deixou um recado preso à coluna do
corrimão.
Futebol no campo Rainier, vamos! Por favor?
Eu encontrei uma caneta e rabisquei a palavra desculpa mais abaixo do seu
pedido. As equipas estavam mais equilibradas sem mim, de qualquer das
maneiras.
Eu saí para a mais curta das viagens de caça, contentando-me com a menor e
mais gentil das criaturas que não tinha um gosto tão bom quanto os caçadores,
e depois vesti roupas limpas antes de correr de regresso a Forks.
Bella não dormiu bem esta noite. Agitou-se nos cobertores, a sua cara algumas
vezes preocupada, algumas vezes triste. Perguntei-me que pesadelo a estaria a
assombrar e depois percebi que apesar de tudo eu não queria saber mesmo.
Quando ela falou, maioritariamente depreciava Forks numa voz abatida. Apenas
uma vez, quando ela suspirou as palavras “Volta” e quando a sua mão se
esticou, um pedido mudo, eu tive a oportunidade de ter esperanças que ela
estivesse a sonhar comigo.
No dia de escola seguinte, o ÚLTIMO dia em que o sol me manteria prisioneiro,
foi praticamente o mesmo que o anterior. Bella parecia ainda mais melancólica
que ontem, e perguntei-me se ela tinha desistido dos seus planos, não parecia
estar com disposição necessária.
Mas, sendo Bella, ela provavelmente ia colocar o divertimento das amigas
acima do seu próprio.
Ela hoje estava a usar uma blusa azul, e a cor realçava a pele dela
perfeitamente, deixando-a como um creme fresco.
A escola acabou e a Jessica concordou em ir buscar as outras raparigas. Angela
também ia, e eu fiquei agradecido por isso.
Fui para casa buscar o meu carro. Quando eu vi que Peter e Charlotte estavam
lá, decidi dar uma hora de vantagem às raparigas. Nunca seria capaz de as
seguir se conduzisse no limite de velocidade. Um pensamento horrível.
Entrei pela cozinha, e acenei vagamente às saudações de Emmett e Esme
enquanto passava por todos na sala e fui directamente para o piano.
Argh, ele voltou. - Rosalie, claro.
Ah, Edward. Odeio vê-lo a sofrer tanto. A alegria de Esme estava a começar a
ser destruída pela preocupação. Ela devia estar preocupada. Esta história de
amor que ela tinha visualizado para mim estava a cada hora que passava mais
perto da tragédia.
Diverte-te em Port Angeles. - Pensou Alice alegremente. – Avisa-me quando eu
tiver permissão para falar com a Bella.
Tu és patético. Não acredito que perdeste o jogo de ontem só para veres
alguém a dormir. – Resmungou Emmett.
O Jasper não me prestou atenção, nem mesmo quando a música que eu estava
a tocar ficou um bocado mais tempestuosa do que eu pretendia. Era uma
música antiga, com um tema familiar: impaciência. Jasper estava a despedir-se
dos seus amigos, que me olhavam curiosamente.
Que criatura estranha. - Pensou Charlotte, que tinha cabelo loiro claro e era do
mesmo tamanho que Alice. - E ele foi tão agradável da última vez que nos
vimos.
Os pensamentos de Peter estavam em sincronia com os dela, como era
normalmente o caso.
Deve ser dos animais. A falta de sangue humano deixa-os doidos mais tarde ou
mais cedo. – Concluiu ele. O seu cabelo era claro e quase tão longo quanto o
dela. Eles eram muito parecidos, excepto o tamanho - ele era quase tão alto
quanto Emmett - mas eram quase iguais na aparência e pensamento. Um par
que combinava, tinha sempre pensado.
Toda a gente menos Esme parou de pensar em mim um momento depois, e
toquei notas mais baixas para que não chamasse à atenção.
Não lhes prestei muita atenção durante um longo tempo, deixando que a
música me distraísse da inquietude. Era difícil tirar a rapariga da minha cabeça.
Só voltei a minha atenção à conversa deles quando as despedidas ficaram mais
finais.
- Se vires a Maria outra vez – Estava Jasper a dizer, um bocado cauteloso. – Diz-
lhe que lhe desejo bem.
Maria era a vampira que tinha criado Jasper e Peter, Jasper na segunda metade
no século XIX, o Peter mais recentemente, por volta de 1940. Ela tinha
procurado por Jasper uma vez, quando estávamos em Calgary. Tinha sido uma
visita agitada, tivemos que nos mudar imediatamente. Jasper tinha pedido com
educação que ela mantivesse distância no futuro.
- Não imagino que isso vá acontecer brevemente. – Disse Peter com um riso.
Maria era inegavelmente perigosa e não havia muito amor entre ela e Peter.
Jasper tinha sido sempre o favorito de Maria, ela considerava um mero detalhe
que uma vez tivesse planeado matá-lo. - Mas, se acontecer, certamente dir-lhe-
ei.
Então eles deram um aperto de mãos, preparando-se para partir. Eu deixei que
a música que estava a tocar acabasse num fim pouco satisfatório, e levantei-me
rapidamente.
- Charlotte, Peter. - Disse, acenando.
- Foi bom ver-te novamente, Edward. - Disse Charlotte de forma duvidosa. O
Peter apenas acenou com a cabeça.
Louco. - Protestou Emmett atrás de mim.
Idiota. - Pensou Rosalie ao mesmo tempo.
Pobre rapaz. - Esme.
E Alice, num um tom repreensivo. - Eles vão directamente para Este, para
Seattle. Nenhum lugar próximo de Port Angeles. Ela mostrou-me a prova nas
suas visões.
Eu fingi que não tinha visto nada daquilo. As minhas desculpas já eram
superficiais o suficiente.
Uma vez no meu carro, senti-me mais relaxado. O forte roncar do motor que a
Rosalie me tinha arranjado, no ano passado quando estava de melhor humor,
era tranquilizador. Era um alívio estar em movimento, ao saber que estava a
ficar mais perto de Bella a cada quilómetro que passava a voar por baixo dos
meus pneus.
Observações:
Quem leu o livro "Crepúsculo" deve entender, mas para quem não for esse o
caso: quando Bella disse o nome "Edmund" durante o sono no jardim, foi devido
aos pensamentos dela antes de adormecer. Estava chateada por as
personagens do livro que estava a ler serem todas "Edward" ou nomes
demasiado parecidos. Não estava propriamente a sonhar com personagens
fictícios ^^'
As histórias de Peter, Charlotte e Maria são explicadas no 3º livro da saga,
"Eclipse".
9º Capitulo - Port Angeles
Estava demasiado claro para eu conduzir pelo centro da cidade quando cheguei
a Port Angeles. O sol ainda estava demasiado elevado, e apesar de os meus
vidros serem fumados, não havia nenhum motivo para tomar riscos
desnecessários. Mais riscos desnecessários, devia dizer.
Eu tinha a certeza que era capaz de encontrar os pensamentos da Jessica de
longe, os pensamentos da Jessica eram mais altos do que os de Angela, mas
assim que eu encontrasse o primeiro pensamento, ia conseguir ouvir o segundo.
Depois, quando as sombras se aproximassem, eu ia poder aproximar-me. Por
agora, saí da estrada e fui para um parque de estacionamento que ficava fora
da cidade e que parecia não ser utilizado.
Eu sabia por onde procurar, havia apenas uma loja para comprar vestidos em
Port Angeles. Não demorei muito a encontrar Jessica, estava a olhar-se à frente
de um espelho de três lados, e eu conseguia ver Bella na sua visão periférica, a
aprovar o longo vestido preto que ela tinha vestido.
A Bella ainda parece irritada. Ah ah. A Angela tinha razão, o Tyler estava todo
convencido. Apesar de não acreditar que ela esteja chateada por isso. Pelo
menos ela sabe que tem um acompanhante de reserva para o baile. E se o Mike
não se divertir no baile não me convidar para sair outra vez? E se ele convidar a
Bella para o baile? Será que ela teria convidado o Mike para o baile se eu não
tivesse dito nada? Será que ele acha que ela é mais bonita que eu?
- Acho que gosto mais do azul. Realça os teus olhos.
A Jessica sorriu para Bella com um falso entusiasmo, enquanto olhava suspeita
para ela.
Será que ela acha mesmo isso? Ou quer que eu pareça uma vaca no Sábado?
Eu já estava cansado de ouvir Jessica. Procurei pela Angela. Ah, mas Angela
estava no processo de trocar os vestidos, e eu saí rapidamente da sua cabeça
para lhe dar mais privacidade.
Bom, não havia muitos problemas que Bella pudesse arranjar numa loja de
vestidos. Eu ia deixá-las fazer as compras e depois quando acabassem eu
voltava. Não faltava muito para anoitecer, as nuvens estavam a começar a
voltar, sendo levadas para oeste. Eu apenas conseguia ver os reflexos delas
através das grandes árvores, mas conseguia ver como aceleravam o pôr-do-sol.
Eu recebi-as, desejando-as mais do que já tinha desejado antes. Amanhã eu ia
poder sentar-me ao lado de Bella outra vez, podia ter a sua atenção ao almoço
novamente. Ia poder perguntar-lhe as coisas que tenho guardado…
Então, ela estava furiosa com a presunção de Tyler. Eu tinha visto aquilo na
mente dele, que quando ele tinha falado sobre o baile, que estava a confirmar a
companhia de Bella. Eu lembrei-me da expressão dela daquela outra tarde, a
escandalizada descrença, e ri-me. Perguntei-me o que é que ela lhe diria sobre
isto. Eu não ia gostar de perder a reacção dela.
O tempo passou devagar enquanto esperava que as sombras se alongassem.
Olhava periodicamente para a Jessica, a sua voz mental era a mais fácil de ser
encontrada, mas eu não gostava de ficar lá dentro por muito tempo. Vi o lugar
onde elas estavam a planear ir comer. Ia estar escuro à hora do jantar… talvez
eu escolhesse o mesmo restaurante por coincidência. Toquei no telemóvel que
estava no bolso, e pensei em convidar a Alice para jantar fora… Ela ia adorar
isso, mas ela também iria querer falar com Bella. Eu não tinha certeza se eu
estava pronto para envolver Bella ainda mais no meu mundo. Um vampiro não
era problema suficiente?
Passei pela mente de Jessica outra vez. Ela estava a pensar sobre as suas jóias,
a perguntar a opinião de Angela.
- Talvez eu devesse devolver o colar. Eu tenho um em casa que deve servir, e
gastei mais do que devia… - A minha mãe vai-se passar. No que é que eu
estava a pensar?
- Eu não me importo de voltar à loja. Mas, achas que a Bella vai à nossa
procura?
O que é que era isto? Bella não estava com elas? Vi pelos olhos de Jessica
primeiro, e depois troquei para Angela. Elas estavam na calçada em frente a
umas lojas, já a mudar de direcção. Bella não estava em nenhum lugar à vista.
Oh, quem é que se importa com a Bella? Pensou Jess, impacientemente, antes
de responder à pergunta de Angela. - Ela está bem. Nós vamos chegar ao
restaurante a tempo, mesmo se voltarmos à loja. De qualquer das maneiras, eu
acho que ela queria estar sozinha. – Apanhei um breve vislumbre da livraria que
Jessica achava que a Bella tinha ido.
- Vamos lá então. - Disse Angela. Espero que a Bella não pense que a
abandonámos. Há bocado, no carro, ela foi tão simpática comigo… Ela é mesmo
uma pessoa muito querida. Mas esteve um bocado triste o dia inteiro. Pergunto-
me se era por causa do Edward Cullen? Aposto que foi por isso que ela me
perguntou sobre a família dele…
Eu devia ter prestado mais atenção. O que é que eu tinha perdido aqui? Bella
estava por aí sozinha, e tinha perguntado por mim antes? Agora Angela estava
a prestar atenção a Jessica. Esta estava a tagarelar sobre aquele idiota do Mike,
e eu não conseguia arrancar mais nada dela.
Julguei as sombras. O sol ia ficar atrás das nuvens brevemente o suficiente. Se
eu ficasse no lado oeste da estrada, onde os prédios estariam a escurecer a rua
da luz fraca…
Comecei a sentir-me impaciente enquanto conduzia pelo ligeiro engarrafamento
até ao centro da cidade. Isto não era algo que eu tivesse considerado, Bella a
andar sozinha, e eu não fazia a mínima ideia de como a encontrar. Eu devia ter
considerado isto. A Bella estava sempre a fazer a coisa errada.
Eu conhecia bem Port Angeles. Conduzi directamente para a livraria na mente
de Jessica, esperando que a minha busca fosse curta, mas a duvidar que fosse
fácil. Desde quando é que Bella facilitava as coisas?
Sem dúvida, a pequena loja estava vazia, excepto uma mulher vestida de forma
antiquada atrás do balcão. Aquele não parecia o tipo de lugar em que Bella
estivesse interessada. Era muito espiritual para uma pessoa prática. Perguntei-
me se ela se tinha dado ao trabalho de entrar.
Havia ali um lugar à sombra onde eu podia estacionar… Fazia um caminho
escuro para a loja. Eu realmente não devia. Andar por aí a horas do dia não era
seguro. E se um carro que passasse reflectisse a luz do sol para a sombra
precisamente na hora errada?
Mas eu não sabia de que outra maneira podia procurar Bella!
Estacionei e saí, mantendo-me no canto mais fundo da sombra. Caminhei
rapidamente para a loja, apercebendo-me do fraco rasto do cheiro da Bella no
ar. Ela esteve aqui, na calçada, mas não havia nenhuma pista da sua fragrância
dentro da loja.
- Bem-vindo! Posso-te ajudar… - Começou a vendedora a dizer, mas eu já
estava do lado de fora da porta.
Segui o cheiro da Bella até onde a sombra permitia, e parei quando cheguei à
beira da luz do sol.
Quão impotente aquilo me fez sentir. Cercado pela linha entre a escuridão e a
luz que se estendia até a calçada à minha frente. Tão limitado.
Eu só podia adivinhar que ela tinha continuado pela rua, ido para o sul. Não
havia muito a seguir aquela direcção. Estaria ela perdida? Bom, essa
possibilidade parecia-se exactamente com o carácter dela.
Voltei para o carro e conduzi devagar pelas ruas, à procura dela. Saí para alguns
outros lugares com sombras, mas só senti o seu cheiro mais uma vez, e o rumo
dele confundiu-me. Onde é que ela estava a tentar ir?
Conduzi para a frente e para trás entre a loja e o restaurante algumas vezes, à
espera de a ver pelo caminho. Jessica e Angela já lá estavam, a tentar decidir se
pediam ou se esperavam por Bella. Jessica já estava a pensar em pedir
imediatamente.
Comecei a passar rapidamente pela mente de estranhos, olhando através dos
seus olhos. De certeza que alguém a viu em algum lado.
Quanto mais tempo ela estava perdida, mais impaciente eu ficava. Eu não tinha
considerado antes quanto difícil seria encontrá-la, como agora, ela estava fora
da minha vista e fora dos seus caminhos normais. Eu não gostava disso.
As nuvens estavam a acumular-se no horizonte, e, daqui a alguns minutos, eu ia
ficar livre para a localizar a pé. Assim não me levaria muito tempo. Era só o sol
que me deixava tão paralisado agora. Apenas mais alguns minutos, e então a
vantagem seria minha novamente e o mundo humano é que seria o impotente.
Outra mente, e mais outra. Tantos pensamentos banais.
…acho que o bebé tem outra infecção no ouvido…
Era 18:40 ou 18:04…?
Atrasado outra vez Eu devia contar-lhe…
Aqui vem ela! Aha!
Ali, finalmente, estava a cara dela. Finalmente, alguém tinha reparado nela!
Aquele alívio só durou uma fracção de segundo, e depois li mais os
pensamentos do homem que estava a olhar fixamente para a cara dela nas
sombras.
A mente dele era a de um estranho para mim, e mesmo assim, completamente
familiar. Eu já tinha caçado pessoas com tal mente.
- NÃO! - Rugi, e um nó apertou-se na minha garganta. O meu pé afundou-se no
acelerador, mas para onde é que eu estava a ir?
Eu sabia mais ou menos o rumo dos seus pensamentos, mas aquilo não era
específico o suficiente. Alguma coisa, devia haver alguma coisa, uma placa de
rua, a montra de uma loja, alguma coisa na sua vista que entregasse a sua
localização. Mas Bella estava bastante na escuridão, e os olhos dele estavam
focados apenas na expressão apavorada dela, a saborear o medo.
O rosto dela estava nublado na mente dele pela memória de outras caras. Bella
não era a sua primeira vítima.
O som dos meus rosnados tremeu a estrutura do carro, mas não me distraíram.
Não havia janelas na parede atrás dela. Algum lugar industrial, longe da região
de compras que era mais povoada. O meu carro derrapou na esquina,
desviando-se de outro veículo, e ia na direcção que eu esperava que fosse o
caminho certo. Enquanto o outro carro buzinava, o som já estava bem atrás de
mim.
Olha para ela a tremer! O homem riu-se com a expectativa. O medo era a
atracção dele ele, era a parte que ele adorava.
- Afaste-se de mim. - A voz dela era baixa e firme, não era um grito.
- Não sejas assim meu docinho.
Ele viu-a hesitar quando um riso rude veio de outra direcção. Ele estava irritado
com o barulho. Cala-te, Jeff! Pensou, mas gostou da maneira como ela se
encolheu de medo. Excitava-o. Ele começou a imaginar a suplicação, a maneira
como ela iria implorar…
Eu não tinha percebido que havia outros com ele até que ouvi aquele alto riso.
Procurei por ele, desesperado por alguma coisa que pudesse usar. Ele estava a
dar o primeiro passo na direcção dela, a mexer as suas mãos.
As mentes à volta dele não eram o mesmo lixo que a de ele era. Eles estavam
ligeiramente bêbados, nenhum deles percebia quão longe o homem chamado
Lonnie planeava ir com isto. Estavam a seguir Lonnie cegamente. Ele tinha-lhes
prometido um bocado de divertimento…
Um deles olhou rua abaixo, nervoso, ele não queria ser apanhado a assediar a
rapariga, e deu-me o que eu precisava. Reconheci a rua para que ele olhou.
Passei por um sinal vermelho, a deslizei através de um espaço amplo o
suficiente entre dois carros no trânsito. As buzinas faziam barulho atrás de mim.
O meu telemóvel vibrou no meu bolso. Ignorei-o.
Lonnie movia-se devagar em direcção à rapariga, a criar o suspense, era o
momento do terror que o excitava. Ele esperou que ela gritasse, preparando-se
para saboreá-lo.
Mas Bella trancou o queixo, e agarrou-se a si própria. Ele estava surpreendido,
esperava que ela tentasse fugir. Surpreendido e ligeiramente desapontado. Ele
gostava de perseguir a sua presa, a adrenalina da caçada.
Corajosa, esta. Talvez melhor, suponho… vai dar mais luta.
Eu estava a um quarteirão de distância. O monstro agora conseguia ouvir o
rugido do meu motor, mas não prestou atenção, estava bastante atento na sua
vítima.
Eu ia ver como é que ele ia gostar da caçada quando fosse ela a presa. Eu ia ver
o que é que ele achava do meu estilo de caçar.
Noutros compartimentos da minha cabeça, eu já estava a escolher os tipos de
torturas que tinha presenciado nos meus tempos de vigilante, procurando pela
tortura mais dolorosa. Ele ia sofrer por isto. Ele ia contorcer-se em agonia. Os
outros iriam meramente morrer pelas suas participações naquilo, mas o
monstro chamado Lonnie iria implorar pela morte bem antes de eu lhe dar esse
presente.
Ele estava na estrada, em direcção dela.
Eu virei rapidamente a esquina, os meus faróis clarearam a cena e paralisaram-
nos no lugar. Eu podia ter atropelado o líder, que saiu do caminho, mas essa
seria uma morte demasiado fácil para ele.
Deixei que o carro deslizasse, virando-se para que ficasse de frente para o
caminho de onde eu cheguei e para que a porta do carro ficasse perto da Bella.
Abri a porta, e ela já estava a correr para o carro.
- Entra. - Ordenei.
Que diabos?
Sabia que isto era uma péssima ideia! Ela não está sozinha.
Devia correr? Acho que vou vomitar…
Bella saltou pela porta aberta sem hesitar, fechando-a atrás dela.
E então olhou-me com uma expressão de verdadeira confiança que eu nunca
tinha visto num rosto humano, e todos os meus planos violentos
desmoronaram-se.
Levou muito, muito menos do que um segundo para que eu visse que não a
podia deixar no carro para tratar dos quatro homens na rua. O que é que eu lhe
ia dizer, para não olhar? Ah! Desde quando é que ela faz o que eu lhe peço?
Desde quando é que ela fazia as coisas seguras?
Iria arrastá-los para longe, para fora da visão dela, e deixá-la aqui sozinha?
Eram poucas as probabilidades que outro humano perigoso estivesse a rondar
as ruas de Port Angeles esta noite, mas as probabilidades já eram poucas antes
de ela ter aparecido aqui! Como um íman, ela atraía todas as coisas perigosas
para si mesma. Eu não a podia deixar fora da minha vista.
Para ela ia ser como se fosse parte do mesmo movimento quando eu acelerei,
afastando-a dos seus perseguidores tão rapidamente que eles ficaram
boquiabertos atrás do meu carro com expressões incompreensíveis. Ela não ia
perceber o meu instante de hesitação. Ela iria presumir que o plano era escapar
desde o início.
Eu nem sequer lhe podia bater com o meu carro. Isso iria assustá-la.
Eu queria a morte dele tão brutalmente que a necessidade disso zumbia nos
meus ouvidos, nublava a minha visão e criava um sabor na minha língua. Os
meus músculos estavam flectidos com a urgência, o desejo, a necessidade
disso. Eu tinha que o matar. Eu iria descascá-lo aos poucos lentamente, pedaço
por pedaço, pele do músculo, músculo de osso…
Excepto que a rapariga, a única rapariga no mundo, estava agarrada ao seu
banco com as duas mãos, a olhar-me fixamente, os seus olhos ainda muito
abertos e a confiar totalmente em mim. A vingança ia ter que esperar.
- Coloca o cinto de segurança. - Mandei. A minha voz foi áspera por causa do
ódio e da sede de sangue. Não a comum sede de sangue. Eu não me sujaria ao
ponto de pôr qualquer parte daquele homem dentro de mim.
Ela pôs o cinto de segurança no lugar, sobressaltando-se levemente com o som
daquilo. Aquele pequeno som fê-la saltar, e ainda assim não estava assustada
enquanto eu passava pela cidade, ignorando todos os sinais de trânsito. Eu
conseguia sentir os olhos dela em mim. Ela parecia estranhamente relaxada.
Não fez sentido para mim, não com o que ela acabou de passar.
- Estás bem? – Perguntou-me. A sua voz estava áspera por causa do stress e
medo.
Ela queria saber se eu estava bem?
Pensei na pergunta dela por uma fracção de segundo. Não o tempo suficiente
para que ela notasse a minha hesitação. Eu estava bem?
- Não. - Percebi, e o meu tom ferveu com a raiva.
Levei-a pelo mesmo caminho que passei esta tarde, ocupado na mais pobre
vigilância que já existiu. Agora estava escuro, por baixo das árvores.
Eu estava tão furioso que o meu corpo paralisou no lugar em que estava,
totalmente imóvel. As minhas mãos frias que estavam fechadas desejavam
esmagar o agressor dela, pulverizá-lo em pedaços tão mutilados que o seu
corpo nunca poderia ser identificado…
Mas isso exigia deixá-la aqui sozinha, desprotegida na noite escura.
- Bella? - Perguntei entre dentes.
- Sim? - Respondeu roucamente. Ela limpou a garganta.
- Estás bem? - Aquilo era mesmo a coisa mais importante, a primeira prioridade.
A retribuição era secundária. Eu sabia disso, mas o meu corpo estava tão cheio
de raiva que era difícil pensar.
- Estou. - A voz dela ainda estava grossa, com medo, sem dúvida.
Portanto eu não podia deixá-la.
Mesmo se ela não estivesse em risco constante por alguma razão irritante,
alguma piada que o universo me quisesse pregar, mesmo se eu tivesse a
certeza que ela estaria perfeitamente segura na minha ausência, eu não a podia
deixar sozinha no escuro.
Ela deve estar tão assustada.
Mas mesmo assim eu não estava em condições de a consolar, mesmo se eu
soubesse exactamente como o fazer, o que não sabia. De certeza que ela
conseguia sentir a brutalidade a radiar de mim, de certeza que pelos menos isso
era óbvio. Eu iria assustá-la ainda mais se não acalmasse o desejo de massacre
a ferver dentro de mim.
Eu precisava de pensar noutra coisa.
- Distrai-me, por favor. - Implorei.
- Desculpa, o que disseste?
Eu mal tinha controlo suficiente para tentar explicar o que precisava.
- Fala apenas sobre algo sem importância até que eu acalme. – Disse-lhe, o meu
queixo ainda rígido. Apenas o facto de que ela precisava de mim me prendia
dentro do carro. Eu conseguia ouvir os pensamentos do homem. O seu
desapontamento e raiva… Eu sabia onde o encontrar… Fechei os olhos,
desejando que eu não conseguisse ver nada…
- Hum. – Hesitou. Imaginei que estivesse a tentar encontrar um sentido para o
meu pedido. – Amanhã, antes das aulas, vou atropelar o Tyler Crowley? - Ela
disse aquilo como se fosse uma pergunta.
Sim, era isto que eu precisava. É claro que Bella ia desencantar algo
inesperado. Como tinha sido antes, a ameaça de violência vinda dos seus lábios
era hilariante, tão cómica que era estridente. Se eu não estivesse a arder com o
desejo de matar, eu ter-me-ia rido.
- Porquê? - Perguntei, para a forçar a falar novamente.
- Anda a dizer a todos que vai acompanhar-me ao baile de finalistas. - Disse, a
sua voz estava escandalizada com aquele tom de tigre/gatinho. - Ou está louco
ou ainda anda a tentar compensar-me por quase me ter matado no outro dia…
bem, tu recordas-te. - Completou com indiferença. – E julga que o baile é, de
algum modo, a maneira adequada de o fazer. Logo, calculo que, se eu colocar a
vida dele em perigo, ficaremos quietes e ele não poderá continuar a tentar
compensar-me. Não preciso de inimigos e talvez a Lauren sossegasse se ele me
deixasse em paz. Talvez tenha, todavia, de destruir o Sentra dele - Continuou,
agora pensativa. – Se não tiver um meio de transporte, não pode levar ninguém
ao baile…
Era encorajador ver que às vezes ela entendia as coisas erradas. A persistência
de Tyler não tinha nada a ver com o acidente. Ela não parecia entender a
atracção que causava aos rapazes humanos do liceu. Ela não via também a
atracção que eu tinha por ela?
Ah, estava a funcionar. O processo confuso da mente dela sempre foi
chamativo. Eu estava a começar a ganhar controlo de mim mesmo, a ver
alguma coisa além da vingança e da tortura…
- Ouvi falar disso. – Disse-lhe. Ela tinha parado de falar, e eu precisava que ela
continuasse.
- Ouviste? - Perguntou duvidosamente. E depois a sua voz ficou mais zangada
do que antes. – Se estiver paralisado do pescoço para baixo, também não pode
ir ao baile de finalistas.
Desejei que houvesse alguma maneira de lhe poder pedir para continuar com as
ameaças de morte e danos corporais sem que eu parecesse um doido. Ela não
podia ter escolhido uma melhor maneira de me acalmar. E as palavras dela,
apenas sarcasmo e no caso dela, exagero, era do que eu mais precisava neste
momento.
Suspirei, e abri os olhos.
- Estás bem? - Perguntou timidamente.
- Nem por isso.
Não, eu estava mais calmo, mas não melhor. Por que acabei de perceber que
não podia matar o monstro chamado Lonnie, e eu ainda queria aquilo quase
mais do que qualquer outra coisa no mundo. Quase.
A única coisa neste instante que eu queria mais do que um grande justificável
assassinato, era esta rapariga. E, apesar de não a poder ter, apenas o sonho de
a ter fez com que fosse impossível para mim ir para uma matança esta noite.
Bella merecia mais do que um assassino.
Eu passei sete décadas a tentar ser algo mais do que aquilo, algo mais do que
um assassino. Aqueles anos de esforço nunca me poderiam fazer merecedor da
rapariga sentada ao meu lado. E mesmo assim, eu senti que se voltasse para
aquela vida, a vida de um assassino, por apenas uma noite, ia pô-la fora do meu
alcance para sempre. Mesmo se eu não bebesse o sangue deles, mesmo se eu
não tivesse a prova a brilhar de vermelho nos meus olhos, será ela não sentiria
a diferença?
Eu estava a tentar ser bom o suficiente para ela. Era um objectivo impossível.
Eu ia continuar a tentar.
- O que é que se passa? - Sussurrou.
O hálito dela encheu-me o nariz, e aí fui lembrado por que é que não a merecia.
Depois de tudo isto, mesmo com o tanto que eu a amava… ela ainda me dava
água na boca.
Eu ia dar-lhe o máximo de honestidade que conseguisse. Devia-lhe isso.
- Por vezes, tenho problemas com o meu temperamento, Bella. – Olhei para a
noite escura lá fora, desejando que ela ouvisse o horror interno das minhas
palavras, e, desejando também que não ouvisse. Principalmente que não
ouvisse. Foge, Bella, foge. Fica, Bella, fica… - Mas não adiantaria de nada se eu
desse meia volta e perseguisse aqueles… - Só pensar naquilo quase me tirou de
dentro do carro. Respirei fundo, deixando que o cheiro dela me queimasse a
garganta. – Pelo menos, é disso que tento convencer-me
- Ah.
Ela não disse mais nada. Quanto é que ela teria ouvido das minhas palavras?
Olhei para ela pelo canto do olho, mas a sua cara estava ilegível. Branco com o
choque, talvez. Bem, ela não estava a gritar. Ainda não.
Ficou silêncio por um momento. Lutei comigo mesmo, a tentar ser o que devia
ser. O que eu não conseguia ser.
- A Jessica e a Angela vão ficar preocupadas. - Disse calmamente. A voz dela
estava bastante calma, e eu não fazia ideia como é que aquilo era possível. Ela
estava em choque? Talvez os eventos desta noite ainda não a tivessem
atingido. – Devia ir encontrar-me com elas.
Será que ela queria ficar longe de mim? Ou só estava preocupada com a
preocupação das suas amigas?
Eu não lhe respondi, mas liguei o carro e levei-a de volta. A cada mais
centímetro que eu me aproximava da cidade, tornava-se mais difícil manter o
meu objectivo. Eu estava tão perto dele…
Se fosse possível, se eu nunca pudesse ter ou merecer esta rapariga, então qual
era o sentido de deixar o homem impune? De certeza que me podia permitir
pelo menos a isso…
Não. Eu não ia desistir. Ainda não. Eu queria-a demasiado para me render.
Estávamos no restaurante onde era combinado ela se ter encontrado com as
suas amigas, antes de eu ter começado a racionalizar os meus pensamentos.
Jessica e Angela tinham acabado de comer, e agora estavam ambas realmente
preocupadas com Bella. Estavam a preparar-se para ir à procura dela, em
direcção à rua escura.
Não era uma boa noite para elas andarem por aí a deambular.
- Como é que sabias onde…? - A pergunta inacabada da Bella interrompeu-me,
e eu percebi que tinha cometido outro deslize. Eu estava demasiado distraído
para me lembrar de lhe perguntar onde é que era suposto ela encontrar as suas
amigas.
Mas, em vez de continuar a pergunta e chegar ao ponto da questão, Bella
apenas acenou a cabeça e deu um meio sorriso.
O que é que aquilo significava?
Bem, eu não tinha tempo de decifrar a sua estranha aceitação da minha
estranha sabedoria. Abri a minha porta.
O que estás a fazer? - Perguntou, parecendo assustada.
A não deixar que saias da minha vista. A não me permitir ficar sozinho este
noite. Nessa ordem. – Vou levar-te a jantar.
Bem, isto devia ser interessante. Parecia que tinha sido numa noite
completamente diferente quando tinha pensado trazer Alice e tinha pretendido
escolher o mesmo restaurante que Bella e as suas amigas, como se fosse
acidente. E agora, aqui estava eu, praticamente num encontro com a rapariga.
Só que não contava, por que eu não lhe estava a dar a oportunidade de dizer
não.
Ela já tinha metade da porta aberta antes que eu desse a volta ao carro,
(geralmente não era tão frustrante ter que me mexer a uma velocidade
discreta) e não esperou que eu a abrisse. Aquilo era por não estar habituada a
ser tratada como uma senhora, ou por não pensar em mim como um
cavalheiro?
Fiquei à espera que ela me acompanhasse, e fiquei mais inquieto enquanto as
amigas dela continuavam a ir para uma esquina escura.
- Vai atrás da Angela e da Jessica antes que eu tenha também de seguir no seu
enlaço. -Pedi rapidamente. – Acho que não conseguiria refrear-me se desse
outra vez de caras com aqueles teus amigos. - Não, eu não seria forte o
suficiente para aquilo.
Ela estremeceu, e recompôs-se rapidamente. Ela deu um meio passo atrás
delas, e chamou, - Jess, Angela! - em voz alta. Elas viraram-se, e ela acenou
com a mão para chamar a sua atenção.
Bella! Ah, ela está a salvo! Pensou Angela em alívio.
Um bocadinho atrasada? Resmungou Jessica para si mesma, mas ela, também,
estava grata que Bella não estivesse perdida ou ferida. Isso fez-me gostar dela
um bocado mais do que antes.
Elas voltaram, e depois pararam, chocadas, quando me viram do lado dela.
Nah-ah! Pensou Jess, impressionada. Não pode!
Edward Cullen? Ela saiu sozinha para se ir encontrar com ele? Mas por que é
que ela havia de perguntar acerca de eles estarem fora da cidade se sabia que
ele estava aqui… Vi um breve momento da expressão torturada de Bella
quando perguntou a Angela se a minha família ficava muitas vezes ausente da
escola. Não, ela não sabia. Decidiu Angela.
Os pensamentos de Jessica variavam da surpresa a suspeita. A Bella andou-me
a esconder alguma coisa...
- Onde estiveste? - Exigiu, a olhar para Bella, mas a espiar-me pelo canto dos
olhos.
- Perdi-me. E depois encontrei-me com Edward por acaso. – Disse Bella, a agitar
uma mão na minha direcção. O tom dela estava muito normal. Como se fosse
aquilo que se tivesse mesmo passado.
Ela deve estar em choque. Era a única explicação para a sua tranquilidade.
- Não se importam que eu vos faça companhia? - Perguntei para ser educado.
Eu sabia que elas já tinham comido.
Caraças, como ele é sexy! Pensou Jessica, a sua cabeça ficou repentinamente e
ligeiramente incoerente.
Angela não estava muito mais controlada. Gostava que não tivéssemos comido.
Uau. Apenas. Uau.
Agora, por que é que eu não conseguia fazer aquilo com a Bella?
- Ah… claro que não. - Concordou Jessica.
A Angela franziu as sobrancelhas. - Hum, na verdade, Bella, nós já comemos
enquanto estávamos à espera. - Admitiu. - Desculpa.
O quê? Cala-te! Reclamou Jess para si mesma.
Bella encolheu os ombros, casualmente. Tão calma. Definitivamente em
choque. – Tudo bem, não tenho fome.
- Julgo que devias comer alguma coisa. - Discordei. Ela precisava de açúcar na
corrente sanguínea, apesar de cheirar doce o suficiente assim, pensei
ironicamente. O pavor ia chegar momentaneamente, e um estômago vazio não
ia ajudar. Ela desmaiava facilmente, como eu sabia por experiência.
Estas raparigas não estariam em qualquer perigo se fossem directamente para
casa. O perigo não perseguia cada passo delas.
E eu preferia estar sozinho com a Bella, desde que ela quisesse ficar sozinha
comigo.
- Importas-te que eu leve a Bella a casa esta noite? – Perguntei a Jessica antes
que Bella pudesse reagir. – Deste modo, não terão de esperar enquanto ela
come.
- Hum, suponho que não há problema… - Jessica olhou seriamente para Bella, à
espera de algum sinal de que era isso que ela queria.
Eu quero ficar… mas provavelmente ela quere-o só para si. Quem não ia
querer? Pensou Jess. No mesmo momento, ela viu Bella a piscar o olho.
A Bella piscou-lhe o olho?
- Está bem! – Disse Angela rapidamente, na pressa de ficar fora do caminho se
era isso o que Bella queria. E parecia que ela queria isso. – Até amanhã, Bella…
Edward. - Ela esforçou-se para dizer o meu nome num tom casual. Depois
agarrou a mão de Jessica e começou a rebocá-la para longe.
Eu ia ter de arranjar uma maneira de agradecer a Angela por isto.
O carro de Jessica estava perto de um círculo de luz clara feita por uma lâmpada
de rua.
Bella olhou para elas cuidadosamente, uma pequena ruga de preocupação
entre os seus olhos, até que entraram no carro. Portanto ela deve estar bem
consciente do perigo que passou. Jessica acenou enquanto conduzia, e Bella
acenou de volta. Quando o carro desapareceu ela respirou fundo e virou-se para
olhar para mim.
- A sério, não tenho fome. – Disse.
Por que é que ela tinha esperado que elas se fossem embora para falar? Ela
queria realmente estar sozinha comigo, mesmo agora, depois de ter
testemunhado a minha raiva homicida?
Quer fosse esse o caso ou não, ela ia comer alguma coisa. – Faz-me a vontade.
– Disse-lhe.
Agarrei a porta do restaurante para que ela passasse e esperei. Ela suspirou, e
passou.
Caminhei ao lado dela até à recepção, onde estava a recepcionista à espera.
Bella ainda parecia inteiramente calma. Eu queria tocar-lhe na mão, na testa,
para ver a sua temperatura. Mas a minha mão fria iria assustá-la, tal como
aconteceu antes.
Oh, ena. A voz mental um tanto alta da empregada irrompeu na minha
consciência. Ena, ena.
Parecia que hoje era a minha noite de virar a cabeça das pessoas. Ou eu só
estava a reparar mais nisso por que queria tanto que a Bella me visse daquela
maneira? Nós sempre fomos atraentes para a nossa presa. Nunca pensei muito
sobre isso antes. Geralmente o medo vinha um pouco depois da atracção
inicial…
- Tem uma mesa para dois? - Perguntei, visto que a empregada não falava.
- Oh, hum, sim. Bem-vindos ao La Bella Itália. - Mmm! Que voz! - Porque não me
acompanham? - Os seus pensamentos eram calculistas.
Talvez ela seja prima dele. Não pode ser irmã dele, não são nada parecidos. Mas
família de certeza. Ele não pode estar com ela.
Os olhos humanos eram nublados, não viam nada claramente. Como podia esta
mulher de mente fraca achar os meus encantos físicos, (uma armadilha para a
presa), tão atraentes, e mesmo assim não ser capaz de ver a suave perfeição
da rapariga ao meu lado?
A empregada encaminhou-nos para uma mesa de tamanho familiar na parte
mais cheia do restaurante. Será que lhe posso dar o meu número enquanto ela
está ali…? - Pensou.
Tirei uma nota do meu bolso de trás. As pessoas eram constantemente
cooperativas quando se tratava de dinheiro.
Bella já se estava a sentar no lugar que a empregada lhe tinha indicado. Eu
abanei a cabeça, e ela hesitou, inclinando a cabeça para lado com curiosidade.
Sim, ela ia estar muito curiosa esta noite. Um sítio no meio da multidão não era
um bom lugar para ter esta conversa.
- Talvez num local um pouco mais íntimo? - Pedi à empregada, dando-lhe o
dinheiro. Os olhos dela abriram-se surpreendidos, e depois semicerram-se
enquanto a sua mão se enrolou na gorjeta.
- Com certeza.
Ela deu uma olhadela à nota enquanto nos guiava à volta de uma parede
separadora.
Cinquenta dólares por uma mesa melhor? Rico, também. Isso faz sentido,
aposto que o casaco dele custou mais do que o meu salário inteiro. Raios. Por
que é que ele quer privacidade com ela?
Ela ofereceu-nos uma mesa num canto calmo do restaurante onde ninguém
seria capaz de nos ver. Ver as reacções da Bella ao quer que fosse que eu lhe
fosse dizer. Eu não fazia nenhuma ideia do que é que ela iria querer de mim
esta noite. Ou do que eu lhe iria dar.
Quanto é que ela tinha adivinhado? Que explicação é que ela contou a si
mesma sobre os acontecimentos de hoje à noite?
- O que lhe parece? – Perguntou a empregada.
- Perfeito. – Disse-lhe, sentindo-me levemente irritado pela sua má atitude para
com Bella. Sorri-lhe abertamente, e mostrei os meus dentes. Deixá-la ver-me
claramente.
Uau. – Hum, a empregada que irá servir-vos não demorará. - Ele não pode ser
real. Eu devo estar a dormir. Talvez ele vá desaparecer… talvez eu escreva o
meu número no prato dele com ketchup… Ela saiu, e caminhou levemente,
ligeiramente de lado.
Estranho. Ela ainda não estava assustada. De repente lembrei-me de Emmett a
provocar-me no refeitório, há várias semanas atrás. "Aposto que eu a tinha
assustado mais que tu".
Eu estava a perder a prática?
- Não devias mesmo fazer isso às pessoas. – Bella interrompeu os meus
pensamentos com um tom de desaprovação. – Não é muito justo.
Eu olhei para a expressão de crítica dela. O que é que ela queria dizer? Eu não
tinha assustado a empregada nenhum um bocado, apesar das minhas
intenções. – Fazer o quê?
- Deslumbrá-las dessa forma. Neste preciso momento, ela deve estar na cozinha
a respirar de forma ofegante.
Hum, Bella estava quase certa.
A empregada estava apenas semi-coerente de momento, a descrever à sua
colega os meus atributos, incorrectamente.
- Oh, vá lá. – Repreendeu-me Bella quando não respondi imediatamente. – Tu
deves ter noção do efeito que exerces nas pessoas.
- Eu deslumbro as pessoas? - Esta era uma maneira interessante de pôr as
coisas. Era certa o suficiente para a situação desta noite. Perguntava-me porquê
a diferença…
- Ainda não reparaste? - Perguntou, ainda crítica. – Julgas que todos conseguem
alcançar o que pretendem com tanta facilidade?
- E a ti, deslumbro-te? – Verbalizei a minha curiosidade impulsivamente, e
depois as palavras já tinham sido ditas, e era tarde de mais para me
arrepender.
Mas antes que eu tivesse tido tempo de me arrepender profundamente por ter
pronunciado aquelas palavras, ela respondeu, “Frequentemente.” E as suas
bochechas ficaram numa tonalidade de rosa pálido.
Eu deslumbrava-a.
O meu coração silencioso inchou com uma esperança mais intensa do já tinha
sentido antes.
- Olá. - Alguém disse, a empregada de mesa, a apresentar-se. Os seus
pensamentos eram altos e mais explícitos do que os da empregada, mas eu
ignorei-a. Olhei para a cara de Bella em vez de ouvir, assisti ao sangue
espalhar-se sob a sua pele, e reparei não em como aquilo fazia minha garganta
arder, mas como aquilo dava brilho ao seu rosto, como aquilo espantava a
palidez da sua pele…
A empregada de mesa estava à espera do meu pedido. Ah, ela tinha perguntado
sobre as bebidas. Eu continuei a olhar para Bella, e a empregada de mesa virou-
se a contragosto para olhar para ela também.
- Eu quero uma Coca-Cola? - Disse Bella, como se pedisse aprovação.
- São duas Coca-Colas. - Completei. Sede, sede normal de humanos era um sinal
de choque. Eu ia-me certificar que ela ficava com o açúcar extra do refrigerante
no seu sistema.
Mas ela parecia saudável. Mais que saudável. Ela parecia radiante.
- O que foi? – Perguntou. Possivelmente a imaginar por que é que eu olhava
para ela. Eu mal tinha notado que a empregada tinha saído.
- Como te sentes? - Perguntei.
Ela piscou os olhos, surpreendida com a pergunta. – Estou óptima.
- Não te sentes tonta, enjoada, com frio?
Agora estava ainda mais confusa. – Devia sentir?
- Bem, na verdade estou à espera que entres em estado de choque. - Esbocei
um sorriso, à espera da negação. Ela não ia querer que cuidassem dela.
Levou um minuto para me responder. Os seus olhos estavam ligeiramente
desfocados. Por vezes ela ficava assim, quando eu lhe sorria. Estaria ela…
deslumbrada?
Eu adorava acreditar nisso.
- Não creio que isso vá acontecer. Sempre fui bastante boa a reprimir coisas
desagradáveis. - Respondeu, um bocado sem ar.
Será que ela tinha tido muita experiência com coisas desagradáveis? Seria a
sua vida sempre assim tão arriscada?
- Mesmo assim. – Disse-lhe. – Ficarei mais descansado quando ingerires algum
açúcar e comida.
A empregada voltou com os refrigerantes e com um cesto de pão. Deixou tudo
à minha frente e perguntou pelo meu pedido, tentando olhar-me nos olhos
durante o processo. Eu indiquei-lhe que devia atender Bella, e depois voltei a
ignorá-la. Ela tinha uma mente vulgar.
- Hum… - Bella deu uma rápida olhadela no menu. – Quero o ravioli de
cogumelos.
A empregada voltou-se rapidamente para mim. – E o senhor?
- Eu não quero nada.
Bella fez uma ligeira careta. Hum. Ela deve ter reparado que eu nunca ingeria
alimentos. Ela reparava em tudo. E eu esquecia-me sempre de ser cuidadoso
quando estava com ela.
Esperei até que estivéssemos sozinhos novamente.
- Bebe. - Insisti.
Fiquei surpreendido quando ela obedeceu imediatamente sem nenhuma
objecção. Bebeu até que a garrafa estivesse totalmente vazia, e depois
empurrei o meu copo na direcção dela, um pouco preocupado. Sede ou choque?
Ela bebeu mais um bocado, e depois arrepiou-se.
- Tens frio?
- É só da Coca-Cola. - Disse, mas estremeceu novamente, os seus lábios
tremeram como se os dentes estivessem prestes a tiritar de frio.
A linda blusa que ela usava parecia demasiado fina para a proteger
adequadamente, parecia uma segunda pele, quase tão frágil como a primeira.
Ela era tão frágil, tão mortal.
- Não tens um casaco?
- Tenho! – Olhou à volta de si mesma, meio perplexa. – Oh, deixei-o no carro da
Jessica.
Tirei o meu casaco, desejando que o gesto não fosse estragado pela minha
temperatura corporal. Era bom se fosse capaz de lhe oferecer um casaco
aquecido. Ela olhou para mim, as suas bochechas a corar novamente. O que é
que ela estaria a pensar agora?
Passei-lhe o casaco por cima da mesa, e ela vestiu-o de uma vez, e tremeu
novamente.
Sim, era óptimo se fosse quente.
- Obrigada. - Disse. Ela respirou fundo e depois puxou as longas mangas para
liberar as mãos. Respirou fundo novamente.
Estaria a noite finalmente a assentar? A cor dela ainda estava boa, a sua pele
estava num tom de rosa pálido em contraste com o azul-escuro da sua camisa.
- Essa cor azul condiz maravilhosamente com a tua pele. – Elogiei-a. Apenas a
ser honesto.
Ela corou, enaltecendo o efeito.
Ela parecia bem, mas não valia a pena arriscar. Empurrei o cestinho de pão na
direcção dela.
- A sério. - Reclamou, a imaginar os meus motivos. - Não vou entrar em estado
de choque.
- Mas devias. A uma pessoa normal era isso que aconteceria. Nem sequer
pareces abalada. – Olhei para ela, um olhar reprovador, a imaginar por que é
que ela não podia ser normal, e depois perguntei-me se iria querer realmente
que ela fosse normal.
- Sinto-me muito protegida na tua companhia. - Disse, e os olhos dela,
novamente, cheios de confiança. Confiança que eu não merecia.
Os seus instintos estavam todos errados, invertidos. Devia ser esse o problema.
Ela não reconhecia o perigo da maneira como um ser humano era capaz. Ela
tinha uma reacção oposta. Em vez de correr, ela hesitava, atirava-se ao que a
deveria assustar…
Como é que eu a podia proteger de mim mesmo quando nenhum de nós dois
queria isso?
- Isto é mais complicado do que eu imaginara. - Murmurei.
Eu conseguia vê-la a passar as minhas palavras na sua cabeça, e perguntei-me
o que é que ela teria feito com elas. Agarrou num bocado de pão e começou a
comer sem prestar muita atenção. Mastigou por um momento, e depois inclinou
a cabeça para um lado, pensativa.
- Normalmente, estás mais bem-disposto quando os teus olhos estão assim
claros. - Disse num tom casual.
A sua observação, dita de forma tão directa deixou-me atordoado. – O quê?
- Estás sempre mais rabugento quando os teus olhos estão negros. – Agora já
estava à espera. – Tenho uma teoria a esse respeito. - Adicionou calmamente.
Então ela tinha arranjado a sua própria explicação. É claro que tinha. Senti um
pavor profundo quando imaginei o quão perto da verdade ela tinha chegado.
- Mais teorias?
- Mm-hm. – Mastigava depois de outra dentava, totalmente relaxada. Como se
não fosse discutir as características de um monstro com o próprio monstro.
- Gostaria que desta vez fosses mais criativa. - Menti quando ela não continuou.
O que eu realmente esperava era que ela estivesse errada, a quilómetros de
distância da verdade. – Ou continuas a inspirar-te nos livros de banda
desenhada?
- Bem, não, não me baseei num livro de banda desenhada. - Disse, um bocado
envergonhada. – Mas também não a elaborei sozinha.
- E então? - Perguntei entre dentes.
É claro que ela não iria falar tão calmamente se estivesse prestes a gritar.
Enquanto ela hesitava, a morder o lábio, a empregada de mesa apareceu com a
comida de Bella. Eu prestei pouca atenção à empregada enquanto punha o
prato à frente de Bella, e depois perguntou-me se eu desejava algo.
Eu neguei, mas pedi outra coca. A empregada não tinha reparado nos copos
vazios. Ela agarrou-os e levou-os.
- O que estavas a dizer? - Perguntei ansiosamente logo que ficámos a sós
novamente.
- Digo-te no carro. - Disse em voz baixa. Ah, isto ia ser mau. Ela não estava
disposta a falar das suas suposições à frente de outras pessoas. - Se… -
Irrompeu repentinamente.
- Há condições? - Eu estava tão tenso que quase rosnei as palavras.
- Tenho, de facto, algumas questões a colocar, evidentemente.
- Evidentemente. - Concordei, com um tom de voz seco.
As suas perguntas provavelmente iam ser o suficiente para que eu soubesse
que direcção é que os seus pensamentos estavam a seguir. Mas como é que eu
lhes iria responder? Com mentiras responsáveis? Ou assombrá-la-ia com a
verdade? Ou não diria nada, incapaz de decidir?
Continuámos sentados em silêncio enquanto a empregada reabastecia o copo
de refrigerante.
- Bem, continua. – Disse-lhe, com o queixo rígido, quando ela desapareceu.
- Porque estás em Port Angeles?
Essa era uma pergunta demasiado fácil para ela. A pergunta não me indicava
nada, enquanto a minha resposta, se verdadeira, indicaria muito, muito mesmo.
Deixa que ela revele algo primeiro.
- A seguinte. - Disse.
- Mas esta é a mais fácil!
- A seguinte. - Repeti.
Ela estava frustrada pela minha rejeição. Desviou olhos de mim e olhou para
baixo, para a sua comida.
Lentamente, pensativa, ela deu uma dentada e mastigou com vontade. Fez tudo
descer com mais Coca-Cola e então finalmente olhou para mim. Os olhos dela
estavam estreitos, cheios de suspeita.
- Então, muito bem. - Disse. – Digamos, hipoteticamente, como é evidente,
que… alguém podia adivinhar os pensamentos das pessoas, ler a mente, tu
sabes. Com algumas excepções.
Podia ser pior.
Isto explicava aquele meio sorriso no carro. Ela era rápida, nunca ninguém tinha
adivinhado este meu poder. Excepto Carlisle, e tinha sido bastante óbvio, no
início, quando eu respondia a todos os seus pensamentos como se ele estivesse
a falar comigo. Ele tinha entendido o meu poder antes de mim…
Esta pergunta não era assim tão má. Apesar de ser evidente que ela sabia que
havia algo de errado comigo, não era tão mau quanto podia ser. Leitura de
mentes não era, afinal de contas, uma faceta do “estigma” vampírico. Continuei
com a sua hipótese.
- Com apenas uma excepção. – Corrigi-a. – Hipoteticamente.
Ela esforçou-se para não sorrir, a minha vaga honestidade tinha-a agradado. –
Muito bem, que seja então uma excepção. Como é que isso funciona? Quais são
as limitações? Como é que essa pessoa encontraria outra exactamente no
momento certo? Como poderia ele saber que ela estava em apuros?
- Hipoteticamente?
- Claro. – Os lábios dela torceram-se, e os seus olhos castanhos estavam
ansiosos.
- Bem. - Hesitei. – Se… essa pessoa…
- Chamemos-lhe Joe. - Sugeriu.
Eu tive que sorrir dado o entusiasmo dela. Ela achava mesmo que a verdade
seria uma coisa boa? Se os meus segredos fossem coisas agradáveis, por que é
que eu a manteria afastada deles?
- Joe, então. - Concordei. – Se o Joe estivesse a prestar atenção, o sentido de
oportunidade não teria tido de ser assim tão exacto. – Abanei a minha cabeça e
reprimi um arrepio quando me lembrei o quão perto eu estive de chegar
demasiado tarde hoje. – Só tu poderias arranjar sarilhos numa cidade assim tão
pequena. Terias arrasado as estatísticas referentes à taça de criminalidade da
cidade por uma década, sabes.
Os lábios dela descaíram um bocado nas pontas e depois disse: - Estávamos a
referir-nos a um caso hipotético.
Eu ri-me da irritação dela.
Os lábios dela, a pele dela… pareciam tão suaves… Eu queria tocá-los. Queria
empurrar a sua sobrancelha franzida para cima com a ponta dos meus dedos.
Impossível. A minha pele seria um repelente para ela.
- Pois estávamos. - Disse, voltando ao nosso assunto antes de eu entrar em
depressão. – Chamamos-te Jane?
Ela inclinou-se sobre a mesa na minha direcção, toda a irritação e humor
desapareceram dos seus olhos arregalados.
- Como é que sabias? - Perguntou, a voz dela era baixa e intensa.
Devia dizer-lhe a verdade? E, se dissesse, que parte?
Eu queria contar-lhe. Queria merecer a confiança que ainda conseguia ver na
sua cara.
- Sabes que podes confiar em mim. - Sussurrou, e estendeu a mão para frente
como se fosse tocar nas minhas onde estavam, em cima da mesa vazia à minha
frente.
Eu tirei-as de alcance, odiando a ideia da reacção dela à minha pele fria e
pétrea, e ela deixou-a cair sobre a mesa.
Eu sabia que podia confiar nela para guardar segredo. Ela era inteiramente
confiável, até o fim. Mas eu não podia garantir que não ficasse horrorizada. Ela
devia ficar horrorizada. A verdade era horrível.
- Não sei se ainda tenho alternativa. - Murmurei. Lembrei-me de uma vez a ter
provocado ao dizer que ela tinha uma excepcional falta de atenção Tinha-a
ofendido, se tivesse julgado bem as suas expressões. Bem, pelo menos tive
direito a essa injustiça. – Estava enganado. Tu és muito mais observadora do
que eu julgava.
- Pensava que tinhas sempre razão. - Disse, a sorrir enquanto me provocava.
- Costumava ter. - Eu costumava saber o que fazia. Costumava ter sempre a
certeza do meu caminho. Agora era tudo um caos.
Mesmo assim, eu não trocaria nada. Não queria que a vida fizesse sentido. Não
se o caos significasse que eu podia estar com a Bella.
- Também me enganei a teu respeito acerca de outro aspecto. - Continuei,
esclarecendo as coisas noutro ponto. – Tu não atrais acidentes, esta definição
não é suficientemente abrangente. Tu atrais sarilhos. Se houver uma situação
de perigo num raio de quinze quilómetros, acabará invariavelmente por te
envolver. - Porquê ela? O que é que ela tinha feito para merecer tudo isto?
O rosto de Bella estava sério novamente. – E tu inseres-te nessa categoria?
A honestidade era mais importante em relação a esta questão do que qualquer
outra coisa. – Inequivocamente.
Os olhos dela ficaram estreitos outra vez. Não com suspeita, mas
estranhamente preocupados. Ela esticou a mão pela mesa novamente, devagar
e deliberadamente. Afastei as minhas mãos alguns centímetros das dela, mas
ela ignorou o movimento, determinada a tocar-me. Sustive a respiração, agora
não por causa do seu cheiro, mas por causa da súbita e irresistível tensão.
Medo. A minha pele ia deixá-la enojada. Ela ia fugir.
Ela roçou a ponta dos dedos levemente nas costas da minha mão. O calor do
seu toque gentil e disposto não era nada do que eu já tinha sentido antes. Era
quase puro prazer. Teria sido, se não fosse pelo meu medo. Observei o rosto
dela enquanto sentia o frio duro da minha pele, ainda incapaz de respirar.
Um meio sorriso apareceu nos cantos dos seus lábios.
- Obrigada. - Disse, a olhar-me intensamente. – Já é a segunda vez.
Os seus dedos macios ficaram na minha mão como se fosse agradável estar ali.
Respondi-lhe o mais casualmente possível. – Não vamos experimentar a
terceira, de acordo?
Ela fez uma careta, mas concordou.
Tirei a minha mão da dela. Por mais espantoso que o seu toque fosse, eu não ia
esperar que a magia da sua tolerância passasse e se transformasse em repulsa.
Escondi as mãos debaixo da mesa.
Li os olhos dela. Apesar de a sua mente estar silenciosa, eu conseguia ver a
confiança e a curiosidade. Percebi naquele momento que eu queria responder
às perguntas dela. Não por que lhe devia isso. Não por que queria que ela
confiasse em mim.
Eu queria que ela me conhecesse.
- Segui-te até Port Angeles. – Disse-lhe, as palavras saíram demasiado rápido
para que eu as editasse. Eu sabia do perigo da verdade, do risco que corria. A
qualquer momento, a sua calma fora do normal podia transformar-se em
histeria. Contrariamente, saber isso apenas fez com que eu falasse mais rápido.
– Nunca tentei manter viva uma pessoa em especial, e é muito mais
problemático do que eu imaginara, mas provavelmente é por essa pessoa seres
tu. Mas pessoas normais parecem conseguir chegar ao fim do dia sem tantas
catástrofes.
Observei-a, à espera.
Ela sorriu. Os lábios dela curvaram-se nas pontas, e os olhos cor de chocolate
aqueceram.
Eu tinha acabado de admitir que a tinha seguido, e ela estava a sorrir.
- Já te ocorreu a ideia de que talvez tivesse chegado a minha vez naquela
primeira ocasião com a carrinha, e tu tens estado a interferir no destino? -
Perguntou.
- Não foi essa a primeira vez. – Disse-lhe, a olhar para a toalha de mesa
avermelhada, os meus ombros curvados com vergonha. As minhas barreiras
tinham caído, a verdade ia sair de qualquer maneira. – A tua vez chegou quando
te conheci.
Era verdade, e enervava-me. Eu tinha sido posicionado na vida dela como a
lâmina de uma guilhotina. Era como se ela tivesse sido marcada para morrer
por um destino cruel e injusto.
Eu queria que alguma coisa, alguém, fosse responsável por isto, para que eu
tivesse de lutar contra algo concreto. Alguma coisa, qualquer coisa para
destruir, para que ela pudesse ficar a salvo.
Bella estava muito quieta, a sua respiração tinha acelerado.
Olhei para cima, para ela, sabendo que ia finalmente ver o medo que estava à
espera. Eu não tinha acabado de admitir o quão perto estive de a matar? Mais
perto do que a carrinha que ficou a meros centímetros de a esmagar. E mesmo
assim, o seu rosto parecia calmo, os olhos dela ainda estavam semicerrados
com preocupação.
- Lembras-te? - Ela tinha que se lembrar daquilo.
- Lembro. - Disse, com a voz calma e grave. Os olhos dela estavam cheios de
consciência.
Ela sabia. Ela sabia que eu a quis matar.
Onde é que estavam os gritos?
- E, no entanto aqui estás tu sentada. – Disse-lhe, apontando a inerente
contradição.
- Sim, aqui estou eu sentada… por tua causa. - A expressão dela alterou-se,
tornou-se curiosa, enquanto mudou subtilmente de assunto – Porque, de
alguma forma tu sabias como encontrar-me hoje…
Sem esperanças, forcei mais uma vez a barreira que protegia os pensamentos
dela, desesperado por entender. Não tinha lógica. Como é que ela se podia
sequer importar com o resto quando a verdade estava ali sobre a mesa?
Ela esperou, apenas curiosa. A sua pele estava pálida, o que era natural nela,
mas ainda assim preocupava-me. O seu jantar permanecia intocado à frente
dela. Se eu continuasse a contar-lhe demasiado, ela ia precisar de protecção
quando o choque chegasse.
Disse as minhas condições. – Tu comes e eu falo.
Ela processou aquilo durante meio segundo e depois comeu um bocado com
uma velocidade que parecia destruir a sua calma. Ela estava mais ansiosa pela
minha resposta do que os seus olhos demonstravam.
- É mais difícil do que devia ser, localizar-te. – Disse-lhe. – Normalmente consigo
encontrar uma pessoa com muita facilidade quando já auscultei a sua mente
antes.
Observei o rosto dela com cuidado quando disse aquilo. Adivinhar era uma
coisa, ter a confirmação era outra.
Ela não se mexia, tinha os olhos arregalados. Senti os meus dentes a ranger
enquanto esperava que ela entrasse em pânico.
Mas ela apenas piscou os olhos uma vez, engolindo sonoramente, e
rapidamente mordeu mais um pedaço. Ela queria que eu continuasse.
- Andava a vigiar a Jessica. - Continuei. – Sem grandes cuidados. Como já referi,
só tu poderias arranjar sarilhos em Port Angeles. - Não resisti ao comentário.
Será que ela sabia que as outras vidas humanas não estavam tão marcadas por
experiências de morte iminente, ou ela achava que era normal? Ela era a coisa
mais fora do normal que eu já tinha encontrado. – E a princípio, não reparei que
partiras sozinha. Então, quando me apercebi de que já não estavas com elas, fui
à tua procura à livraria que eu vira na cabeça dela. Percebi que não tinhas
entrado e te deslocavas para sul… e sabia que terias de voltar para trás em
breve. Assim, estava apenas à tua espera, perscrutando aleatoriamente os
pensamentos das pessoas que passavam na rua, para ver se alguém reparara
em ti, de modo a poder saber onde estavas. Não tinha motivos para estar
preocupado… mas estava estranhamente ansioso. – A minha respiração ficou
mais rápida quando me lembrei da sensação de pânico. O cheiro dela alcançou
a minha garganta e eu estava contente. Era uma dor que significava que ela
estava viva. Enquanto me queimasse, ela estava a salvo.
- Comecei a andar às voltas, ainda… à escuta. – Eu esperei que a palavra fizesse
sentido para ela. Isto provavelmente era confuso. – O Sol estava finalmente a
pôr-se e eu prestes a sair do carro e a seguir-te a pé. Então…
Enquanto a memória me preenchia, perfeitamente clara e tão vívida como se eu
estivesse naquele momento novamente, senti a mesma fúria assassina a correr
pelo meu corpo, prendendo-a em gelo.
Eu queria-o morto. Eu precisava dele morto. O meu maxilar estava cerrado
enquanto me concentrava em manter-me no lugar. Bella ainda precisava de
mim. Era isso que importava.
- Então o quê? – Sussurrou. Os seus olhos escuros arregalados.
- Ouvi o que eles estavam a pensar. - Disse entre dentes, incapaz de fazer com
que as palavras saíssem sem parecerem um rosnado. – Vi o teu rosto na mente
deles.
Eu mal conseguia resistir à vontade de matar. Eu ainda sabia precisamente
onde o encontrar. Os pensamentos negros deles passeavam pela noite, como se
me chamassem…
Cobri a minha cara, pois sabia que minha expressão era a de um monstro, um
caçador, um assassino. Fixei a imagem dela por detrás dos meus olhos para me
controlar, concentrando-me apenas no seu rosto. A delicada moldura óssea, a
fina camada da sua pele pálida, como seda esticada por cima de um vidro,
incrivelmente macia, fina e fácil de estilhaçar. Ela era demasiado vulnerável
para este mundo. Ela precisava de um protector. E, devido a uma volta estranha
do destino, eu era a coisa mais próxima que estava disponível.
Tentei explicar a minha reacção violenta para que ela pudesse entender.
- Foi muito… difícil para mim. Não imaginas quanto… simplesmente levar-te dali
e deixá-los… vivos. - Suspirei. – Podia ter-te deixado ir com a Jessica e a Angela,
mas receava que se me deixasses sozinho, eu fosse à procura deles.
Pela segunda vez esta noite, eu confessei a intenção de assassinato. Pelo
menos esta podia ser perdoável.
Ela estava quieta enquanto eu lutava para me tentar controlar. Ouvi as batidas
do coração dela. O ritmo era irregular, mas acalmou-se conforme o tempo
passava e agora estava estável novamente. A respiração dela também estava
lenta e estável.
Eu estava demasiado próximo do limite. Eu precisava de a levar para casa antes
de…
Eu ia matá-lo, então? Ia-me tornar num monstro outra vez quando ela confiava
em mim? Será que havia alguma forma de me deter?
Ela tinha-me prometido contar a sua nova teoria quando estivéssemos sozinhos.
Será que eu ia querer ouvir? Estava ansioso por isso, mas será que a
recompensa pela minha curiosidade seria pior do que não saber?
De qualquer das maneiras, ela já deve ter tido a verdade suficiente para uma
noite.
Olhei para ela outra vez, e o seu rosto estava mais pálido do que antes, mas
composto.
- Estás pronta para ir para casa? – Perguntei.
- Estou pronta para me ir embora. - Disse, escolhendo as palavras com cuidado,
como se um simples ‘sim’ não expressasse exactamente o que ela queria dizer.
Frustrante.
A empregada de mesa voltou. Ela tinha ouvido a última frase de Bella enquanto
caminhava para o outro lado da sala, a pensar no que mais é que me poderia
oferecer. Eu queria revirar os olhos a algumas das ofertas que ela tinha em
mente.
- Está tudo bem? – Perguntou-me.
- Já pode trazer-nos a conta, obrigado. – Disse-lhe, enquanto olhava para Bella.
A respiração da empregada de mesa acelerou, e ela ficou momentaneamente,
usando a frase de Bella, deslumbrada com a minha voz.
Num breve momento de percepção, ao ouvir como a minha voz soava na mente
desta humana, eu percebi por que é que eu parecia estar a atrair tanta atenção
esta noite, ao contrário do medo habitual.
Era por causa de Bella. Como eu estava a tentar tanto ser seguro para ela, ser
menos assustador, ser humano, eu tinha perdido o meu “toque”. Os outros
humanos agora viam beleza, porque o meu horror inato estava cuidadosamente
sob controlo.
Olhei para a empregada, à espera que ela se recuperasse. Era um bocado
engraçado, agora que eu sabia o motivo.
- Com certeza. – Gaguejou. – Aqui tem.
Ela estendeu-me a pasta com a conta, a pensar no cartão que tinha deixado por
baixo do recibo. Um cartão com seu nome e telefone.
Sim, era realmente engraçado.
Eu já tinha o dinheiro pronto. Devolvi imediatamente a pasta, para que ela não
perdesse tempo à espera de um telefonema que nunca ia acontecer.
- Não é necessário dar-me troco. - Disse, à espera que o tamanho da gorjeta
compensasse o seu desapontamento.
Levantei-me, e Bella seguiu-me imediatamente. Eu queria oferecer-lhe a minha
mão, mas pensei que talvez estivesse a desafiar minha sorte um pouco demais
por uma noite. Agradeci à empregada, sem que os meus olhos deixassem a
cara de Bella. Ela também parecia estar a achar aquilo algo engraçado.
Saímos dali, e eu caminhava o mais próximo dela que me atrevia. Perto o
suficiente para que o calor do corpo dela fosse como um toque físico contra o
lado esquerdo do meu corpo. Enquanto eu lhe segurava a porta, ela suspirou
ligeiramente, e eu perguntei-me o que a teria deixado triste. Encarei o olhar
dela, prestes a perguntar, quando ela de repente olhou para o chão, parecendo
envergonhada. Isso deixou-me ainda mais curioso, ainda que relutante em
perguntar. O silêncio entre nós continuou enquanto eu lhe abria a porta do carro
para que entrasse.
Liguei o aquecedor, o tempo mais quente tinha de repente terminado. O frio do
carro devia ser desconfortável para ela. Encolheu-se no meu casaco, um
pequeno sorriso nos seus lábios.
Fiquei à espera, adiando a conversa até que as luzes do restaurante
desaparecessem. Isso fez-me sentir ainda mais a sós com ela.
Seria aquilo a coisa certa a fazer? Agora que eu estava concentrado apenas
nela, o carro parecia mais pequeno. O aroma dela dançava lá dentro com a
corrente de ar do aquecedor, intensificando-se e aumentando. Cresceu com a
sua própria força, como se fosse uma entidade própria dentro do carro. Uma
presença que exigia ser vista.
E tinha sido, eu ardi. No entanto, a sensação era aceitável. Parecia
estranhamente apropriada para mim. Tinha-me sido dado tanto esta noite, mais
do que eu esperava. E aqui estava ela, ainda ao meu lado por vontade própria.
Eu devia-lhe algo por aquilo. Um sacrifício, uma oferta.
Agora, se eu simplesmente pudesse manter as coisas daquela forma. Apenas a
sensação ardente na minha garganta, e mais nada… Mas o veneno encheu-me
a boca, e os meus músculos ficaram tensos em antecipação, como se eu
estivesse a caçar…
Eu precisava manter tais pensamentos longe da minha cabeça. E eu sabia o que
me iria distrair.
- Agora. – Disse-lhe, a temer a sua resposta e distraindo-me da sensação de
queimadura. – É a tua vez.
10º Capitulo - Teoria
- Posso fazer apenas mais uma pergunta? – Perguntou em vez de responder ao
meu pedido.
Eu estava nervoso, à espera do pior. Mas ainda assim, tão tentador que era
prolongar este momento. Ter Bella comigo, de boa vontade, só por mais alguns
segundos. Suspirei face ao dilema, e depois disse, - Só uma.
- Bem… - Hesitou por um momento, como se a decidir que pergunta fazer em
voz alta. – Disseste que sabias que eu não entrara na livraria e que me dirigira
para Sul. Estava apenas a interrogar-me como é que sabias isso.
Olhei para fora do pára-brisas. Aqui estava outra questão que não revelava
nada sobre ela, e demasiado sobre mim.
- Pensei que já tínhamos superado todas as atitudes evasivas – Disse ela com
um tom crítico e desapontado.
Que irónico. Ela estava a ser cruelmente evasiva sem sequer tentar.
Bem, ela queria que eu fosse directo. E esta conversa não ia para nenhum lado
bom de qualquer forma.
- Então muito bem. – Disse-lhe – Segui o teu cheiro.
Eu queria ver a cara dela, mas tive medo do que poderia ver. Em vez disso, ouvi
a respiração dela acelerar e de seguida a regularizar. Falou novamente depois
de um momento, e a voz dela estava mais estável do que eu estava à espera.
- E, então, não respondeste a uma das minhas primeiras perguntas… - Disse
ela.
Eu olhei para baixo, na direcção dela, com uma cara reprovadora. Ela também
estava a empatar.
- Qual?
- Como é que funciona a questão da adivinhação do pensamento? - Perguntou,
repetindo a pergunta do restaurante. – Consegues adivinhar os pensamentos de
qualquer pessoa, em qualquer lugar? Como é que consegues? O resto da tua
família também pode…? – Calou-se, a corar outra vez.
- Isso é mais do que uma pergunta. – Disse-lhe.
Ela simplesmente olhou para mim, à espera das suas respostas.
E por que não contar-lhe? Ela já tinha adivinhado a maior parte disto, e era um
assunto mais fácil do que aquele que se aproximava.
- Não, só eu é que posso. E não consigo auscultar qualquer pessoas, em
qualquer lugar. Tenho de estar relativamente próximo. Quanto mais conhecida
é a… “voz” de uma pessoa, maior é distância a que consigo auscultá-la. Mas,
mesmo assim, a não mais do que alguns quilómetros. - Eu tentei pensar
nalguma maneira de descrever isto para que ela percebesse. Uma analogia à
qual ela se podia relacionar. – Assemelha-se um pouco a estar num enorme
salão cheio de pessoas, com toda a gente a falar ao mesmo tempo. É apenas
um murmúrio, um burburinho de vozes ao fundo. Até me concentrar num única
voz e, então, o que essa pessoa estiver a pensar torna-se claro para mim.
Durante a maior parte do tempo, desligo-me simplesmente de tudo isso, é
muito perturbador. E, depois, é mais fácil parecer normal. - Fiz uma careta –
Quando não estou acidentalmente a responder aos pensamentos de alguém em
vez de responder às suas palavras.
- Por que motivo julgas que não me consegues ouvir? - Perguntou.
- Não sei. - Admiti. – O meu único palpite é que talvez a tua mente não funcione
da mesma forma que a das restantes pessoas, como se os teus pensamentos
estivessem na frequência AM e eu só conseguisse sintonizar em FM.
Percebi que ela não ia gostar desta analogia. A antecipação da reacção dela fez-
me sorrir. Ela não me desapontou.
- A minha mente não funciona convenientemente? - Perguntou, com a voz a
aumentar de tom com desgosto. – Sou uma aberração?
Ah, a ironia outra vez.
- Ouço vozes dentro da minha cabeça e tu é que estás preocupada com a
possibilidade de seres uma aberração – Ri-me. Ela percebia todas as coisas
pequenas, e ainda assim ignorava as grandes. Sempre os instintos errados…
A Bella estava a morder o lábio, e as rugas entre os olhos aprofundaram-se.
- Não te preocupes – Assegurei-a – Trata-se apenas de uma teoria. - E havia
uma teoria mais importante para ser discutida. Eu estava ansioso por despachar
este assunto. Cada segundo que passava parecia mais e mais como um tempo
roubado.
- O que nos leva novamente a ti. - Disse, dividido em dois, ambos ansiosos e
relutante.
Ela suspirou, ainda a morder o lábio - eu estava preocupado que ela se
magoasse a ela própria. Olhou-me nos olhos, com o rosto confuso.
- Não superámos já todas as atitudes evasivas? - Perguntei calmamente.
Olhou para baixo, a debater-se com algum dilema interno. De repente, o corpo
dela ficou rígido e os olhos arregalaram-se. O medo passou pelos olhos dela
pela primeira vez.
- Valha-me Deus! – Sobressaltou-se.
Entrei em pânico. O que é que ela tinha visto? Como é que eu a tinha a
apavorado?
Então gritou. – Abranda!
- O que é que se passa? - Eu não percebi de onde é que vinha o terror dela.
- Vais a cento e sessenta quilómetros por hora! – Gritou-me. Ela. Olhou para fora
da janela e viu as árvores negras a passarem rapidamente por nós.
Esta coisinha, só um bocado de velocidade, fê-la gritar com medo?
Revirei os olhos. – Descontrai-te Bella.
- Estás a tentar fazer com que ambos morramos? – Exigiu saber, a sua voz alta e
firme.
- Não vamos bater. – Prometi-lhe.
Ela inspirou ansiosamente, e depois falou num tom levemente mais moderado. –
Porque estás com tanta pressa?
- Conduzo sempre desta forma.
Encontrei o olhar dela, a divertir-me com a expressão chocada dela.
- Não tires os olhos da estrada! - Gritou.
- Nunca me envolvi num acidente Bella. Nunca fui sequer autuado. - Sorri e
depois toquei na minha testa. Tornava isto ainda mais cómico – o facto de ser
absurdo ser capaz de fazer piadas com ela sobre algo tão secreto e estranho. –
Detector de radar incorporado.
- Muito engraçado - Disse sarcasticamente, com a voz mais assustada do que
com raiva. – O Charlie é polícia, lembras-te? Fui educada para obedecer às
regras de trânsito. Além disso, se nos transformares numa rosquilha da marca
Volvo a envolver o tronco de uma árvore, podes provavelmente sair ileso.
- Provavelmente. - Repeti, e depois ri-me sem humor. Sim, nós pagaríamos um
preço um bocado diferente num acidente de carro. Ela tinha razão em estar com
medo, a respeito das minhas qualidades de condução… - Mas tu não.
Com um suspiro, deixei o carro diminuir de velocidade. – Satisfeita?
Olhou para o velocímetro - Quase.
Isto ainda era demasiado rápido para ela? – Detesto conduzir devagar -
Murmurei, mas deixei o ponteiro cair mais um bocado.
- Isto é devagar? - Perguntou.
- Já chega de comentários sobre a minha condução - Disse impacientemente.
Quantas vezes, até agora é que ela já se tinha desviado da minha pergunta?
Três vezes? Quatro? Eram as especulações dela assim tão horríveis? Eu tinha
que saber, imediatamente. – Ainda estou à espera de ouvir a tua mais recente
teoria.
Ela mordeu o lábio outra vez, e a expressão dela se tornou-se preocupada,
quase a sofrer.
Dominei a minha impaciência e suavizei a voz. Eu não queria que ela ficasse
stressada.
- Eu não me rio. - Prometi, a desejar que esse fosse o único obstáculo que a
estivesse a impedir de falar.
- Receio mais que fiques zangado comigo - Sussurrou.
Forcei a minha voz para ficar equivalente – É assim tão má?
- Sim, bastante.
Ela olhou para baixo, recusando-se a olhar-me nos olhos. Os segundos
passavam.
- Continua. - Encorajei.
Falava em voz baixa – Não sei por onde começar.
- Porque não começas pelo princípio? – Lembrei-a das suas palavras antes do
jantar. – Disseste que não a elaboraste sozinha.
- Pois não. - Concordou, e depois ficou silêncio de novo.
Pensei em coisas que a pudessem ter inspirado. – O que é que a desencadeou?
Um livro? Um filme?
Eu devia ter dado uma olhadela na sua colecção quando ela estava fora da
casa. Eu não fazia ideia se Bram Stoker ou Anne Rice estavam naquela pilha de
livros usados…
- Não - Disse outra vez – Foi o dia de sábado, na praia.
Não estava à espera daquela. A bisbilhotice local sobre nós nunca tinha dado
em nada demasiado bizarro, ou demasiado preciso. Havia algum rumor novo
que me tivesse escapado? Bella desviou o olhar das suas mãos e viu a surpresa
no meu rosto.
- Encontrei um velho amigo de família, Jacob Black - Continuou – O pai dele e o
Charlie são amigos desde que eu era bebé.
Jacob Black, o nome não me era familiar, mas mesmo assim lembrava-me de
alguma coisa… há algum tempo, tempo atrás… Olhei para o pára-brisas, a
procurar através das memórias a tentar encontrar alguma conexão.
- O pai dele é um dos anciãos Quileutes. – Disse ela.
Jacob Black. Ephraim Black. Um descendente, sem dúvida.
Não podia ficar pior do que isto.
Ela sabia da verdade.
A minha mente estava a voar pelas ramificações enquanto o carro passava à
volta das curvas escuras da estrada, o meu corpo rígido, com angústia, a
movimentar-se apenas o necessário para conduzir o carro.
Mas… se ela tinha descoberto a verdade no sábado… então ela soube disso a
noite inteira… e ainda assim…
- Fomos dar uma volta – Continuou ela. – E ele contou-me algumas lendas
antigas, tentando assustar-me, creio eu. Contou-me uma…
Parou, mas não havia necessidade para ela ficar apreensiva agora. Eu sabia o
que é que ela ia dizer. O único mistério que restava era por que é que ela
estava sentada aqui comigo.
- Continua – Disse-lhe.
- Sobre vampiros - Sussurrou, as palavras saíram mais baixas do que um
suspiro.
De alguma forma, era ainda pior do que saber que ela sabia, ouvi-la dizer a
palavra em voz alta. Encolhi-me com o som daquilo, e depois controlei-me
novamente.
- E pensaste imediatamente em mim? - Perguntei.
- Não. Ele… mencionou a tua família.
Que irónico ter sido o próprio descendente de Ephraim a violar o tratado que ele
próprio jurou manter. Um neto, ou bisneto talvez. Quantos anos tinham se
passado? Dezassete?
Eu devia ter percebido que não era o velho que acreditava nas lendas que seria
o perigo. É claro, a nova geração, aqueles que tinham sido avisados mas que
tinham achado as superstições antigas ridículas, é claro que era aí que estava o
perigo da exposição.
Supus que isto significava que agora eu era livre para matar a pequena,
indefesa tribo na costa, a que eu estava tão disposto. Ephraim e a sua matilha
de protectores há muito que estavam mortos…
- Ele pensava apenas que se tratava de uma superstição tola – Disse Bella de
repente, a voz dela ficou mais aguda com uma nova ansiedade. – Não esperava
que eu daí retirasse alguma coisa.
Pelo canto do olho vi-a a torcer as mãos inquietamente.
- A culpa foi minha - Disse depois de uma breve pausa, depois inclinou a cabeça
como se estivesse envergonhada – Obriguei-o a contar-me.
- Porquê? – Agora não era tão difícil manter o nível da minha voz. O pior já
estava feito. Desde que falássemos dos detalhes da revelação, não tínhamos
que avançar para as consequências disso.
- A Lauren disso algo a teu respeito, estava a tentar provocar-me - Fez uma
pequena careta com a memória. Eu fiquei ligeiramente distraído, a perguntar-
me como é que Bella poderia ter sido provocada por alguém a falar sobre mim.
– E um rapaz mais velho da tribo referiu que a tua família não ia à reserva, só
que parecia que as suas palavras tinham um segundo sentido. Assim, fiz por
ficar a sós com o Jacob e levei-o a fazer-me essas revelações.
A cabeça dela baixava-se ainda mais à medida que admitia aquilo, e a sua
expressão parecia… culpada.
Parei de olhar para ela e ri-me alto. Ela sentia-se culpada? O que é que ela
podia possivelmente ter feito para merecer qualquer tipo de censura?
- Como é que o levaste a fazê-lo? - Perguntei.
- Tentei namoriscá-lo… foi mais eficaz do que eu pensava – Explicou, e sua voz
tornou-se incrédula com a memória daquele sucesso.
Eu conseguia imaginar - considerando a atracção que ela parecia exercer sobre
todos os machos, e sendo totalmente inconsciente disso - o quão irresistível ela
seria quando tentava ser atraente. Subitamente fiquei cheio de pena pelo rapaz
inocente a que ela libertou tanta força potente.
- Gostava de ter assistido - Disse, e depois ri-me de novo com humor negro.
Gostava de ter podido ouvir a reacção do rapaz, testemunhado a devastação
para mim mesmo. – E acusaste-me a mim de deslumbrar as pessoas. Pobre
Jacob Black.
Eu não estava tão zangado com a fonte da minha exposição como achava que
ia ficar. Ele não sabia. E como é que eu podia esperar que alguém negasse a
esta rapariga o que ela queria? Não, eu apenas senti solidariedade pelo dano
que ela poderia ter causado à mente dele.
Senti o corar dela a aquecer o ar entre nós. Olhei para ela, mas ela estava a
olhar para fora da janela. Não falou novamente.
- O que fizeste então? - Perguntei. Hora Estava na hora de voltar para a história
de terror.
- Fiz algumas pesquisas na Internet.
Sempre prática. – E isso convenceu-te?
- Não - Disse. – Nada se encaixava. A maior parte da informação era bastante
disparatada. Então…
Ela parou de falar outra vez, e eu ouvi seus dentes a cerrarem-se.
- O quê? - Exigi. O que é que ela tinha encontrado?
Houve uma breve pausa, e em seguida, ela sussurrou – Cheguei à conclusão de
que não tinha importância.
O choque congelou os meus pensamentos durante meio segundo, e depois tudo
se encaixou. Por que é que ela tinha mandado as amigas embora em vez de
fugir com elas. Por que é que ela tinha entrado no meu carro comigo
novamente, em vez de sair a correr, a gritar pela polícia…
As reacções dela estavam sempre erradas, sempre completamente erradas…
Ela puxava o perigo para si própria. Ela convidava-o.
- Não tinha importância? - Disse entre dentes, a raiva a preencher-me. Como é
que era suposto proteger alguém tão… tão… tão determinado a ser
desprotegido?
- Não, não me interessa o que tu és – Disse ela com uma voz tão calma que era
inexplicável.
Ela era impossível.
- Não te importas que eu seja um monstro? Que eu não seja humano?
- Não.
Comecei a perguntar-me se ela era de todo estável.
Supus que lhe poderia arranjar os melhores cuidados disponíveis… Carlisle teria
os contactos para lhe encontrar os médicos com mais capacidades, os
terapeutas com mais talento. Talvez alguma coisa pudesse ser feita para
corrigir o que quer que estivesse de errado com ela, o que quer que fosse que a
punha contente por estar sentada ao lado de um vampiro com o coração a bater
calma e estavelmente. Eu vigiaria as instalações, naturalmente, e visitá-la-ia
sempre que me fosse permitido…
- Estás zangado - Suspirou – Não devia ter-te dito nada.
Como se esconder estas tendências perturbantes fosse ajudar algum de nós os
dois.
- Não. Prefiro saber o que pensas, mesmo que o que penses seja de loucos.
- Então estou enganada outra vez? - Perguntou ela, agora com um tom de
desafio.
- Não era a isso que eu me referia - Os meus dentes rangeram novamente -
“Não tem importância!” - Repeti num tom sarcástico.
Ela ofegou – Tenho razão?
- Isso tem alguma importância?
Respirou fundo. Esperei furiosamente pela sua resposta.
- Nem por isso - Disse, com a voz dela composta de novo. – Mas estou com
curiosidade.
Nem por isso. Na realidade não importava muito. Ela não queria saber. Ela sabia
que eu era não humano, um monstro, e isso não tinha importância para ela.
Além das minhas preocupações em relação à sanidade dela, comecei a sentir
um bocado de esperança. Tentei acabar com isso.
- Sentes curiosidade em relação a quê? - Perguntei. Não havia segredos que
restassem, apenas mínimos detalhes.
- Que idade tens? – Perguntou-me.
A minha resposta foi automática. – Dezassete.
- E há quanto tempo tens dezassete anos?
Tentei não sorrir àquele tom superior. - Há algum - Admiti.
- Muito bem – Disse satisfeita. Sorriu para mim. Quando olhei de volta para ela,
outra vez ansioso em relação à sua saúde mental, ela fez um sorriso mais largo.
Eu franzi a testa.
- Não te rias – Avisou – Mas como é que podes andar na rua durante o dia?
Eu ri-me apesar do seu pedido. Parecia que a sua investigação não tinha nada
de incomum – Mito – disse-lhe.
- Ser queimado pelo sol?
- Mito.
- Dormir em caixões?
- Mito.
Dormir já não era parte da minha vida há muito tempo, até estas últimas noites,
enquanto eu via Bella a sonhar…
- Não consigo dormir – Murmurei, respondendo à sua pergunta mais
completamente.
- De todo?
- Nunca – Disse por baixo da respiração.
Olhei para os olhos dela, bastante abertos por baixo da espessa camada de
pestanas, e ansiei por dormir. Não para esquecimento, como antes, não para
fugir do tédio, mas porque eu queria sonhar. Talvez, se eu pudesse ficar
inconsciente, se eu pudesse sonhar, poderia viver por algumas horas num
mundo onde eu e ela pudéssemos ficar juntos. Ela sonhava comigo. Eu queria
sonhar com ela.
Olhou de volta para mim, a sua expressão cheia de admiração. Tive que desviar
o olhar.
Eu não podia sonhar com ela. Ela não devia sonhar comigo.
- Ainda não me colocaste a questão mais importante – Disse, o meu peito
silencioso mais frio e mais rígido que nunca. Ela tinha de ser forçada a
compreender. Nalguma altura, ela teria que perceber o que estava a fazer
agora. Ela tinha que ser forçada a ver que tudo isto tem importância, mais do
que qualquer outra consideração. Considerações como o facto de que eu a
amava.
- Qual? – Perguntou surpreendida e não preparada.
Isso só fez com que a minha voz ficasse mais séria. – Não estás interessada no
meu regime alimentar?
- Pois, isso. – Ela falou num tom calmo que eu não consegui interpretar.
- Pois, isso. Não queres saber se eu bebo sangue?
Ela encolheu-se com a minha pergunta. Finalmente. Ela estava a perceber.
- Bem, o Jacob mencionou algo a esse respeito - Disse.
- O que é que o Jacob mencionou?
- Mencionou que vocês não… caçavam pessoas. Mencionou que a tua família
não devia ser perigosa porque só caçavam animais.
- Disse que nós não éramos perigosos? – Repeti cinicamente.
- Não propriamente – Esclareceu – Disse que não devias ser perigosos, mas que
Quileutes continuavam a não querer que vocês pisassem nas suas terras. Não
vá o Diabo tecê-las.
Eu olhei para a estrada. Os meus pensamentos num rosnado sem esperança, a
minha garganta a doer com a sede ardente familiar.
- Então, ele tinha razão? - Perguntou, tão calmamente como se estivesse a
confirmar um relatório meteorológico. – A respeito de vocês não caçarem
pessoas?
- Os Quileutes têm uma memória de longo alcance.
Acenou a cabeça para ela mesma, a pensar profundamente.
- Mas não deixes que isso te torne complacente. - Disse rapidamente – Eles
agem acertadamente ao manterem a distancia em relação a nós. Continuamos
a ser perigosos.
- Não compreendo.
Não, não compreendia. Como fazê-la entender?
- Nós tentamos – Contei-lhe – Costumamos ser muito bons naquilo que fazemos.
Por vezes, cometemos erros. Eu, por exemplo, ao permitir-me ficar a sós
contigo.
O cheiro dela ainda era uma força dentro do carro. Estava a habituar-me a ele,
quase que o conseguia ignorar, mas não havia como negar que o meu corpo
ainda a desejava pela razão errada. A minha boca estava a nadar em veneno.
- Isto é um erro? - Perguntou, e havia tristeza na sua voz. O som daquilo
desarmou-me. Ela queria estar comigo, apesar de tudo, ela queria estar comigo.
A esperança cresceu outra vez, e eu mandei-a de volta para trás.
- Um erro muito perigoso - Disse com sinceridade.
Ela não respondeu por um momento. Ouvi a sua respiração a mudar, a alterar-
se de formas estranhas que não soavam a medo.
- Conta-me mais coisas ela disse de repente, sua voz estava distorcida pela
angústia.
Examinei-a cuidadosamente. Ela estava a sofrer. Como é que eu permiti isto?
- O que queres saber mais? – Perguntei, a pensar numa maneira de a impedir de
se magoar. Ela não se devia magoar. Eu não podia deixá-la ser magoada.
- Diz-me porque é que caças animais em vez de pessoas - Disse, ainda
angustiada.
Isso não era evidente? Ou talvez não tivesse importância para ela
- Eu não quero ser um monstro - Murmurei.
- Mas os animais não são suficientes?
Procurei por outra comparação, para que ela pudesse entender. – Não posso ter
a certeza, como é evidente, mas compará-lo-ia a uma alimentação à base de
tofu e leite de soja, consideramo-nos vegetarianos. É uma pequena piada entre
nós. Não sacia completamente a fome, ou, melhor… A sede. Mas mantêm-nos
suficientemente fortes para conseguirmos resistir. A maior parte do tempo - A
minha voz ficou mais baixa. Estava envergonhado pelo perigo em que a deixei
colocar-se. Perigo que eu continuava a permitir… - Umas vezes é mais difícil do
que outras.
- Está a ser muito difícil para ti agora?
Suspirei. É claro que ela ia fazer a pergunta que eu não queria responder. – Está
- Admiti.
Desta vez adivinhei correctamente a reacção física dela. A respiração dela ficou
estável, o seu coração manteve as batidas. Eu estava à espera disso, mas não
compreendia. Como é que ela podia não ter medo?
- Mas agora não tens fome – Declarou, perfeitamente segura.
- Porque pensas isso?
- Os teus olhos – Disse ela de improviso - Eu disse-te que tinha uma teoria.
Reparei que as pessoas, principalmente os homens, ficam mais rabugentas
quando têm fome.
Eu ri-me da descrição dela: rabugento. Rabugento era favor. Mas ela estava
completamente certa, como de costume. – És observadora não és? – Ri-me
novamente.
Ela sorriu um bocado, a ruga entre as sobrancelhas acentuou-se, como se
estivesse a concentrar em alguma coisa.
- Foste caçar no passado fim-de-semana com o Emmett? - Perguntou depois de
o meu riso ter desaparecido. A maneira casual como ela falava era tão
frustrante como fascinante. Ela conseguia mesmo perceber tanto só de uma
vez? Eu estava mais em choque do que ela alguma vez tinha estado.
- Fui – Disse-lhe, e de seguida, quando estava prestes a deixar o assunto por ali,
senti a mesma urgência que tinha sentido no restaurante. Eu queria que ela me
conhecesse - Não queria partir - Continuei lentamente – Mas era necessário. É
uma pouco mais fácil estar perto de ti quando não estou sedento.
- Porque é que não querias partir?
Respirei fundo, e depois virei-me para encontrar o olhar dela. Este tipo de
honestidade era difícil de uma forma muito diferente – Fico… ansioso - Supus
que aquela palavra fosse suficiente, embora não fosse suficientemente forte –
Quando estou longe de ti. Não estava a brincar quando te pedi que tentasses
não cair no mar nem ser atropelada na passada quinta-feira. Passei todo o fim-
de-semana preocupado contigo. E, depois do que aconteceu esta noite, estou
surpreendido por teres conseguido espaçar ilesa a um fim-de-semana inteiro – E
depois lembrei-me dos arranhões nas palmas das suas mãos - Bem, não
totalmente ilesa.
- O quê?
- As tuas mãos – Lembrei-a.
Suspirou e enrugou a testa – Caí.
Tinha acertado - Foi o que eu pensei - Disse, incapaz de conter o meu sorriso -
Suponho que, tratando-se de ti, poderia ter sido muito pior… E essa
possibilidade atormentou-me durante todo o tempo que passei fora. Foram três
dias muito longos. Irritei o Emmett a sério.
Honestamente, aquilo não fazia parte do passado. Provavelmente eu ainda
estava a irritar o Emmett, e o resto da minha família também. Excepto a Alice…
- Três dias? – A voz repentinamente afiada – Não regressaram hoje?
Não entendi a frieza na voz dela – Não, regressámos no Domingo.
- Então porque é que nenhum de vós estava na escola? – Exigiu saber. A
irritação dela confundiu-me. Ela não parecia ter percebido que esta questão era
uma que se relacionava com a mitologia novamente.
- Bem, perguntaste-me se o Sol me magoava e não magoa – Disse – Mas não
posso expor-me à luz solar, pelo menos em lugares onde alguém me possa ver.
Aquilo desviou-a da sua irritação misteriosa – Porquê? – Perguntou, inclinando a
cabeça para o lado.
Duvidei que arranjasse uma analogia apropriada para explicar esta. Portanto
disse-lhe apenas – Um dias destes mostro-te - E então perguntei-me se esta era
uma promessa que acabaria por quebrar. Ia vê-la de novo depois desta noite? Já
a amava o suficiente para suportar deixá-la?
- Podias ter-me telefonado – Disse ela.
Que estranha conclusão – Mas eu sabia que estavas a salvo.
- Mas eu não sabia onde tu estavas. Eu… - Ela interrompeu de uma maneira
repentina, e olhou para as suas mãos.
- O quê?
- Não gostei - Disse com timidez, a pele a corar ao longo das suas bochechas –
De não te ver. Também me faz ficar ansiosa.
Estás contente agora? Perguntei a mim mesmo. Bem, aqui estava a recompensa
por ter esperançado.
Eu estava perplexo, feliz, horrorizado, principalmente horrorizado. Era por isto
que ela não se importava por eu ser um monstro. Era exactamente pela mesma
razão que eu já não me importava com as regras. A razão por que o certo e o
errado já não eram influências incontornáveis. A razão por que as todas as
minhas prioridades tinham descido um nível para dar espaço a esta rapariga no
topo.
Bella também se importava comigo.
Eu sabia que podia ser nada em comparação ao quanto eu a amava. Mas era o
suficiente para que ela arriscasse a sua vida ao sentar-se aqui comigo. Para
fazê-lo tão boa vontade
O suficiente para a magoar se eu fizesse a coisa certa e a deixasse.
Havia alguma coisa que eu pudesse fazer agora que não a magoasse? Nada? Eu
devia ter ficado afastado. Eu nunca devia ter voltado para Forks. Só iria lhe
provocar dor, mais nada.
Aquilo impedir-me-ia de ficar, agora? De piorar as coisas?
A forma como me sentia neste momento, a sentir o calor dela contra minha
pele…
Não. Nada me ia parar.
-Ah - Gemi comigo mesmo – Isto está errado.
- O que é que eu disse? – Perguntou, rapidamente a culpar-se.
- Não vês Bella? Fazer-me infeliz a mim mesmo é uma coisa, mas outra coisa
completamente diferente é o facto de tu estares tão envolvida. Não quero ouvir-
te dizer que te sentes assim - Era a verdade, era uma mentira. A parte mais
egoísta de mim estava a voar com o conhecimento de que ela me queria como
eu a queria. – Está errado. Não é seguro. Eu sou perigoso Bella. Por favor,
compreende isso.
- Não – Os lábios dela ficaram apontados com petulância.
- Estou a falar a sério - Eu estava a lutar comigo próprio com tanta força, meio
desesperado para ela aceitar, meio desesperado para manter os avisos e fugir,
que as palavras passaram pelos meus dentes como um rugido.
- Eu também – Insistiu – Já te disse que não me interessa o que tu és. Já é
demasiado tarde.
Demasiado tarde? O mundo ficou desoladamente preto e branco por um
interminável segundo enquanto eu vi as sombras a espalharem-se sobre o
relvado soalheiro em direcção à forma adormecida de Bella na minha memória.
Inevitável, imparável. Elas roubaram a cor da sua pele, e mandaram-na para a
escuridão.
Demasiado tarde? A visão de Alice girava na minha cabeça, os olhos vermelhos
sangrentos de Bella a olhar para mim passivamente. Sem expressão, mas não
havia nenhuma maneira de ela não me odiar por aquele futuro. Odiar por lhe ter
roubado tudo. Roubado a sua vida e alma.
Não podia ser demasiado tarde.
- Nunca digas isso.
Ela olhou para fora da janela, e mordeu o lábio novamente. As suas mãos
estavam apertadas em punhos no colo. A respiração dela acelerou, e parou.
- Em que estás a pensar? - Eu tinha que saber.
Ela abanou a cabeça, sem olhar para mim. Eu vi algo a brilhar, como um cristal,
na sua bochecha.
Agonia – Estás a chorar? - Eu tinha-a feito chorar. Magoei-a a esse ponto.
Esfregou as lágrimas com a parte de trás da mão.
- Não - Mentiu, a voz falhou.
Algum instinto há muito enterrado fez-me estender a mão para a alcançar, e
naquele pequeno segundo eu senti-me mais humano que nunca. E depois
lembrei-me que… não era. E baixei a minha mão.
- Desculpa - Disse, o meu queixo preso. Como é que eu lhe podia dizer o quanto
estava arrependido? Arrependido por todos os erros estúpidos que eu tinha
cometido. Arrependido pelo meu egoísmo sem fim. Arrependido por ela ter
inspirado em mim o meu primeiro e trágico amor. Arrependido também por
coisas fora do meu controlo, por eu ter sido o monstro escolhido por destino
para acabar com a vida dela em primeiro lugar.
Respirei fundo, ignorando a minha reacção miserável ao sabor no carro, e tentei
recompor-me.
Queria mudar de assunto, pensar noutra coisa. Para a minha sorte, a minha
curiosidade sobre esta rapariga era insaciável. Eu tinha sempre uma pergunta.
- Diz-me uma coisa – Disse-lhe.
- Sim? - Perguntou roucamente, as lágrimas ainda estavam na sua voz.
- Em que é que estavas a pensar esta noite, mesmo antes de eu contornar a
esquina? Não consegui perceber a expressão estampada no teu rosto e não
parecias assim tão assustada. Mas parecias sim estar a concentrar-te
profundamente em algo – Lembrei-me da cara dela, forçando-me a esquecer de
que olhos eu estava a olhar, e vi um olhar de determinação.
- Estava a tentar lembrar-me de como incapacitar um agressor - Disse, a voz um
bocado mais composta. – Tu sabes, auto-defesa. Ia esmurrar-lhe o nariz e
enfiar-lho no cérebro.
A sua compostura não durou até ao fim da explicação. O tom dela mudou até
que fervesse em ódio. Isto não foi nenhuma hipérbole, e a sua fúria de gatinho
agora não era engraçada.
Eu conseguia ver a frágil figura dela, simplesmente seda por cima de vidro,
ofuscada por aqueles monstros humanos que a teriam magoado. A fúria ferveu
de novo na minha cabeça.
- Ias lutar com eles? - Eu queria gritar. Os instintos dela eram mortais para si
mesmo. – Não pensaste em fugir?
- Caio muitas vezes quando corro - Disse envergonhada.
- E em gritar?
- Estava a chegar a essa parte.
Abanei a minha cabeça a não acreditar naquilo. Como é que ela conseguiu
sobreviver antes de vir para Forks?
- Tinhas razão – Disse-lhe, com irritação na minha voz – Estou decididamente a
lutar contra o destino ao tentar manter-te viva.
Ela suspirou, e olhou para fora da janela. Depois voltou a olhar para mim.
- Vemo-nos amanhã? - Perguntou abruptamente.
Já que estava a caminho do inferno, já agora aproveitava a viagem.
- Vemos, também tenho um trabalho a entregar – Sorri-lhe, e senti bem a fazer
isto – Guardo-te um lugar ao almoço.
O coração dela palpitou, o meu coração morto subitamente sentiu-se mais
quente.
Parei o carro à frente da casa do seu pai. Ela não fez nenhum movimento para
me deixar.
- Prometes estar lá amanhã? - Insistiu.
- Prometo.
Como é que fazer a coisa errada me podia dar tanta felicidade?
Ela acenou para si mesma, satisfeita, e começou a tirar o meu casaco.
- Podes ficar com ele – Assegurei rapidamente. Preferia deixá-la com alguma
coisa minha. Um símbolo, como a tampa da garrafa que estava em meu bolso
agora… - Não tens casaco para vestir amanhã.
Ela devolveu-mo, a sorrir tristemente – Não quero ter de dar explicações ao
Charlie.
Eu imaginava que não. Sorri-lhe – Ah, pois.
Ela pôs a mão na maçaneta do carro e depois parou. Relutante em ir embora,
assim como eu estava relutante em deixá-la ir.
Tê-la sem protecção, nem que seja por alguns momentos…
Peter e Charlotte agora já estavam no seu caminho, há muito que passaram por
Seattle, sem dúvida. Mas há sempre outros. Este mundo não era um lugar
seguro para nenhum humano, e para ela parecia ainda mais perigoso do que
para o resto.
- Bella? - Chamei, surpreendido com o prazer que dava a simplesmente dizer o
nome dela.
- Sim?
- Prometes-me uma coisa?
- Sim - Concordou facilmente, e depois os olhos dela semicerraram-se como se
tivesse pensado num motivo para se queixar.
- Não entres no bosque sozinha – Avisei-a, a perguntar-me se este pedido lhe
fosse criar discórdia nos olhos.
Ela piscou os olhos, surpreendida – Porquê?
Olhei para escuridão que não era de confiança. A falta de luz não era um
problema para os meus olhos, mas também não seria um problema para
qualquer outro caçador. Apenas cegava os humanos.
- Nem sempre sou a criatura mais perigosa que por ali deambula – Disse-lhe –
Fiquemos por aqui.
Ela arrepiou-se, recuperou rapidamente e até estava a sorrir quando me disse –
Como queiras.
A respiração dela tocou no meu rosto, tão doce e perfumada.
Eu podia ficar nisto a noite inteira, mas ela precisava de dormir. Os dois desejos
pareciam igualmente fortes enquanto se continuavam a batalhar dentro de
mim: querê-la e querer que ela ficasse a salvo.
Suspirei àquelas duas impossibilidades - Até amanhã - Disse, sabendo que a ia
ver muito mais cedo que isso. Ela não me ia ver até amanhã, no entanto.
- Até amanhã, então - Concordou enquanto abria a porta.
Agonia novamente, ao vê-la partir.
Inclinei-me atrás dela, a querer mantê-la ali. - Bella?
Ela virou-se e depois congelou, surpreendida por ver as nossas caras tão perto.
Eu, também, estava surpreendido com a proximidade. O calor saía da pele dela
em ondas, a acariciar o meu rosto. Eu conseguia tudo menos sentir a seda da
sua pele…
As batidas do seu coração hesitaram, e os lábios abriram-se.
- Dorme bem – Sussurrei, e afastei-me antes que a urgência de meu corpo - ou
a sede familiar ou este novo e estranho desejo que eu senti de repente - me
fizesse fazer algo que a pudesse magoar.
Ela permaneceu ali sentada sem se movimentar por um momento, os olhos
arregalados e atordoados. Deslumbrada, supus.
Tal como eu estava.
Ela recuperou, apesar da sua cara ainda estar um pouco confusa, e saiu quase
que caiu do carro, a tropeçar nos pés e a ter de se agarrar ao carro para se
equilibrar.
Abafei um riso, na esperança que tivesse sido baixo o suficiente para que ela
não tivesse ouvido.
Vi-a a tropeçar o caminho toda até à parte iluminada que vinha da porta da
frente. Em segurança por agora. E eu estaria de volta em breve para me
certificar.
Conseguia sentir os olhos a seguirem-me enquanto conduzia pela rua escura.
Uma sensação tão diferente do que eu estava habituado. Normalmente, eu
podia simplesmente ver-me através dos olhos de outra pessoa. Isto era
estranhamente excitante, esta sensação incompreensível de estar a ser
observado. Eu sabia que isso era apenas por serem os seus olhos.
Um milhão de pensamentos perseguiam-se uns aos outros na minha cabeça
enquanto eu conduzia sem rumo pela noite.
Durante um longo tempo circulei pelas ruas, sem ir para lugar algum, a pensar
em Bella e na libertação de a verdade estar descoberta. Já não tinha que ter
medo de ela descobrir o que eu era. Ela sabia. E não tinha importância para ela.
Mesmo que fosse obviamente uma coisa má para ela, era impressionantemente
libertador para mim.
Mais que isso, eu pensava na Bella e no amor compensatório. Ela não me podia
amar da mesma forma que eu a amava, um amor tão forte, tão consumidor e
arrasador ia provavelmente partir o corpo frágil dela. Mas o que ela sentia era
forte o suficiente. O suficiente para subjugar o medo instintivo. O suficiente para
querer estar comigo. E estar com ela era a maior felicidade que eu já tinha
conhecido.
Por um bocado, enquanto estava sozinho e sem magoar ninguém para variar,
permiti-me a sentir aquela felicidade sem que terminasse em tragédia. Apenas
a ser feliz por ela se importar comigo. Apenas a regozijar-me por ter ganho o
afecto dela. Apenas a imaginar dia após dias a sentar-me perto dela, a ouvir a
vós dela e a receber os seus sorrisos.
Repeti aquele sorriso na minha cabeça, a observar os lábios cheios dela a
erguerem-se nos cantos, a ponta de uma covinha aparecia na ponta do seu
queixo, a maneira como os seus olhos tinham aqueciam e derretido… Os dedos
dela tinham um toque tão quente e suave na minha mão esta noite. Imaginei
como seria tocar na delicada pele que se esticava por cima das bochechas dela.
Sedoso, quente… tão frágil. Seda por cima de vidro… espantosamente
quebrável.
Eu não vi para onde é que os meus pensamentos estavam a ir até ser tarde de
mais. Enquanto me debruçava sobre aquela vulnerabilidade devastadora, novas
imagens do seu rosto fizeram-se de intrusas nas minhas fantasias.
Perdida nas sombras, pálida com medo. Ainda assim o seu queixo firme e
determinado, os seus olhos ferozes, cheios de concentração, o seu corpo magro
decidido a enfrentar as formas pesadas que se reuniram à volta dela, pesadelos
na escuridão…
- Ah! - Rosnei enquanto a raiva que tinha esquecido na alegria de a amar se
incendiou outra vez num inferno de raiva.
Eu estava sozinho. A Bella estava, eu acreditava, segura em casa. Por um
momento eu fiquei ferozmente feliz por Charlie Swan - o braço forte da lei local,
treinado e armado – ser o seu pai. Isso devia significar alguma coisa, como
providenciar-lhe alguma protecção.
Ela estava segura. Não levaria muito tempo a vingar-me daquele ultraje…
Não. Ela merecia melhor. Eu não podia permitir que ela gostasse de um
assassino.
Mas… e quanto às outras?
Bella estava segura, sim. Angela e Jessica também, com certeza a salvo nas
suas camas.
Ainda assim o monstro estava à solta nas ruas de Port Angeles. Um monstro
humano, isso fazia com que ele fosse um problema dos humanos? Cometer o
crime pelo qual eu ansiava tanto era errado. Eu sabia disso. Mas deixá-lo livre
para atacar outra vez também não era a coisa certa.
A empregada loira do restaurante. A empregada de mesa a quem eu não tinha
olhado realmente. Ambas me tinham irritado de uma maneira banal, mas isso
não significava que mereciam ficar em perigo.
Qualquer uma das duas podia ser a Bella de alguém.
Essa realização decidiu-me.
Virei o carro para norte, acelerando agora que tinha um objectivo. Sempre que
eu tinha um problema que me ultrapassava, alguma coisa tangível como isto,
sabia onde podia procurar ajuda.
A Alice estava sentada na entrada, à minha espera. Parei em frente à casa em
vez de ir para a garagem.
- O Carlisle está no seu escritório – Disse-me antes que eu pudesse perguntar.
- Obrigado – Disse, despenteando-a enquanto passava.
Obrigada por teres respondido à minha chamada - Pensou sarcasticamente.
- Ah - Parei à porta, a agarrar o meu telemóvel e a abri-lo. – Desculpa. Nem abri
para ver quem tinha sido. Estava… ocupado.
- Sim, eu sei. Desculpa também. Quando vi o que ia acontecer, tu já estavas a
caminho.
- Foi por pouco - Murmurei.
Desculpa. Repetiu, envergonhada.
Era fácil ser generoso, ao saber que Bella estava bem - Não peças desculpa. Eu
sei que tu não podes apanhar tudo. Ninguém espera que sejas omnisciente.
- Obrigada.
- Eu quase te convidei para jantar hoje, viste isso antes de eu mudar de ideias?
Sorriu não muito contente - Não, também perdi isso. Gostava de ter sabido.
Teria ido.
- Em que é que te estavas a concentrar para perder tanta coisa?
O Jasper está a pensar no nosso aniversário. – Riu-se. - Ele está a tentar não
fazer uma decisão sobre o meu presente, mas acho que tenho uma boa ideia…
- Devias ter vergonha.
- Sim.
Juntou os lábios, e olhou para mim, um sinal de acusação na sua expressão.
Prestei mais atenção depois. Vais contar-lhe que ela sabe?
Suspirei - Sim. Depois.
Não vou dizer nada. Faz-me um favor e conta à Rosalie quando eu não estiver
por perto, está bem?
Encolhi-me. - Claro.
A Bella levou tudo muito bem.
- Demasiado bem.
A Alice sorriu-me. Não subestimes a Bella.
Tentei bloquear a imagem que não queria ver, Bella e Alice, melhores amigas.
Impaciente agora, suspirei pesadamente. Queria despachar a próxima parte da
noite, queria resolver tudo. Mas estava um bocado preocupado para deixar
Forks…
- Alice… - Comecei. Ela viu o que eu estava a planear perguntar.
Ela vai ficar bem esta noite. Estou prestar mais atenção agora. Ela a modos que
precisa de vigilância a 24 horas não é?
- Pelo menos.
- De qualquer das maneiras vais estar com ela em breve.
Respirei fundo. As palavras eram lindas para mim.
- Vai lá, acaba com isto para que possas estar onde queres estar – Disse-me.
Eu concordei, e apressei-me para o quarto de Carlisle.
Ele estava à minha espera, os seus olhos na porta em vez de no livro grosso que
estava na sua mesa.
- Ouvi a Alice a dizer onde me encontrares - Disse, e sorriu.
Era um alívio estar com ele, ver a empatia e inteligência profunda nos seus
olhos. Carlisle saberia o que fazer.
- Preciso de ajuda.
- Qualquer coisa, Edward. - Prometeu.
- A Alice contou-lhe o que aconteceu com a Bella hoje à noite?
Quase aconteceu - Corrigiu.
- Sim, quase. Tenho um dilema, Carlisle. É que quero… muito… matá-lo - As
palavras começaram a surgir rápidas e cheias de ódio - Muito mesmo. Mas sei
que isso seria errado, porque seria vingança e não justiça. Só raiva, sem
imparcialidade. Mesmo assim, não seria certo deixar um violador e assassino
em série a vaguear por Port Angeles! Eu não conheço os humanos de lá, mas
não posso deixar que outra pessoa fique com o lugar de Bella como vítima.
Aquelas outras mulheres… Alguém pode sentir por elas o que eu sinto pela
Bella. Alguém pode sofrer como eu teria sofrido se ela tivesse sido magoada.
Não é certo…
O seu sorriso largo e inesperado parou meu fluxo de palavras.
Ela é muito boa para ti, não é? Tanta compaixão, tanto controlo. Estou
impressionado.
- Não estou à procura de elogios Carlisle.
- Claro que não. Mas não posso evitar os meus pensamentos, não é? - Sorriu de
novo – Eu trato disso. Pode descansar em paz. Ninguém será magoado no lugar
da Bella.
Vi o plano na cabeça dele. Não era exactamente o que eu queria, não satisfez o
meu desejo de brutalidade, mas conseguia ver que era a coisa acertada.
- Eu mostro onde o encontrar – Disse-lhe.
- Vamos.
Ele agarrou na mala preta no caminho. Eu teria preferido uma forma mais
agressiva de o sedar, como um crânio partido, mas ia deixar Carlisle fazer isto à
maneira dele.
Levámos o meu carro. Alice ainda estava nas escadas da entrada. Ela sorriu e
acenou enquanto nos afastávamos. Eu vi que ela tinha procurado o meu futuro,
não íamos ter dificuldades.
A viagem foi curta pela estrada escura e vazia. Desliguei os faróis para evitar
chamar à atenção. Fez-me sorrir pensar em como Bella teria reagido a esta
velocidade.
Carlisle também estava a pensar em Bella.
Eu não previ que ela fosse tão boa para ele. É inesperado. Talvez fosse suposto
acontecer isto. Talvez seja um propósito mais alto. Só que…
Ele imaginou Bella com a pele fria como neve e olhos vermelhos como sangue,
e depois desviou-se daquela imagem.
Sim. Só que. De facto. Por que como poderia haver algo de bom em destruir
uma coisa tão pura e adorável?
Fitei com fúria a noite, toda a alegria desta noite foi destruída pelos seus
pensamentos.
O Edward merece ser feliz. É um direito dele. A ferocidade dos pensamentos de
Carlisle surpreendeu-me. Tem que haver uma maneira.
Eu gostava de acreditar naquilo, em ambos. Mas não havia um propósito mais
alto para o que estava a acontecer com Bella. Apenas um destino amargo e feio
que não podia suportar dar-lhe a vida que ela merecia.
Eu não fiquei em Port Angeles. Levei Carlisle ao local onde a criatura chamada
Lonnie se estava a afogar na sua decepção com seus amigos, dois dos quais já
tinham desmaiado. Carlisle conseguiu ver o quão difícil era para mim estar tão
perto, e ouvir os pensamentos do monstro e ver as suas memórias, as
memórias de Bella misturadas com as de raparigas menos sortudas que já não
mais podiam ser salvas.
A minha respiração acelerou e segurei o volante com força.
Vai, Edward. Disse-me gentilmente. Eu ponho o resto a salvo. Volta para a Bella.
Era exactamente a coisa certa a dizer. O nome dela era a única distracção que
significava alguma coisa para mim agora.
Deixei-o no carro e voltei a correr para Forks, numa linha recta através da
floresta adormecida. Levou menos tempo do que a primeira viagem de carro.
Apenas poucos minutos depois escalei a parede da casa dela e deslizei a janela
para fora do meu caminho.
Suspirei silenciosamente em alívio. Tudo estava como era suposto. A Bella
estava a salvo na sua cama, a sonhar, os seus cabelos húmidos emaranhados
como algas na almofada.
Mas, ao contrário das outras noites, ela estava enrolada numa pequena bola
com os cobertores esticados à volta dos ombros. Frio, imaginei. Antes que me
pudesse acomodar no meu lugar habitual, ela tremeu durante o sono e os lábios
tremeram.
Hesitei por um breve momento e depois saí para o corredor, a explorar uma
nova parte da casa pela primeira vez.
O ressonar de Charlie era alto e equivalente. Eu quase conseguia apanhar a
margem do seu sonho. Algo com a corrente da água e uma espera paciente…
pesca, talvez?
Lá, no topo das escadas, havia um armário promissor. Abri-o esperançosamente
e encontrei o que procurava. Escolhi o cobertor mais grosso de entre as finas
peças de linho e levei-o para o quarto dela. Eu voltaria a guardá-lo antes que ela
acordasse, assim ninguém daria conta.
Sustendo a minha respiração, cuidadosamente estendi o cobertor em cima dela,
ela não reagiu ao peso adicional. Voltei então para a minha cadeira.
Enquanto eu esperava ansiosamente que ela aquecesse, eu pensei em Carlisle,
a perguntar-me onde é que ele estaria agora. Eu sabia que o seu plano ia correr
bem. A Alice tinha visto isso.
Pensar no meu pai fez-me suspirar. O Carlisle deu-me demasiado crédito. Eu
gostava de ser a pessoa que ele imaginava que eu era. Essa pessoa,
merecedora de felicidade, poderia esperar ser merecedor desta rapariga
adormecida. Como as coisas podiam ser diferentes se eu fosse aquele Edward.
Enquanto eu ponderava isto, uma imagem estranha e indesejada preencheu a
minha mente.
Por um momento, a vidente que eu tinha imaginado, aquela que previu a
destruição de Bella, foi trocada pelo mais tolo e desajeitado dos anjos. Um anjo
da guarda, qualquer coisa como a versão de Carlisle em mim. Com um sorriso
despreocupado nos seus lábios, os seus olhos da cor do céu cheios de
provocação, o anjo formou Bella de tal maneira que seria impossível que eu não
reparasse nela. Um odor ridiculamente potente que exigia a minha atenção,
uma mente silenciosa para inflamar a minha curiosidade, uma beleza calma
para prender os meus olhos, uma alma altruísta para ganhar o meu respeito.
Deixou de lado o sentido natural de auto-preservação, para que Bella
suportasse estar comigo, e, finalmente, adicionou uma larga dose de má sorte.
Com uma gargalhada inconsequente, o anjo irresponsável empurrou a sua frágil
criação directamente para o meu caminho, confiando descuidadamente na
minha moralidade falhada para manter Bella viva.
Nesta visão, eu não era a condenação de Bella, ela era minha recompensa.
Abanei a minha cabeça com a fantasia do anjo inimaginável. Ela não era muito
melhor do que a Hárpia*. Eu não conseguia pensar num poder superior que se
comportasse de uma maneira tão perigosa e estúpida. Pelo menos, contra a
vidente horrorosa eu podia lutar.
E eu não tinha nenhum anjo. Eles eram reservados para os bons, para pessoas
como Bella. Então onde é que estava o anjo dela no meio disto tudo? Quem é
que estava a tomar conta dela?
Ri-me silenciosamente, perplexo, enquanto percebia que, neste momento, era
eu quem estava a desempenhar aquele papel.
Um anjo vampiro, havia uma boa distância entre as duas coisas.
Depois de cerca de meia hora, Bella relaxou daquela bola apertada. A sua
respiração tornou-se mais profunda e começou a murmurar. Eu sorri, satisfeito.
Era uma pequena coisa, mas pelo menos ela estava a dormir mais
confortavelmente esta noite por que eu estava aqui.
- Edward - Suspirou, e sorriu também.
Desviei a tragédia por um momento, e permiti-me ser feliz novamente.
11º Capitulo (I parte) - Interrogações
A CNN foi a primeira a trazer a história.
Estava contente por as notícias terem saído antes de eu ir para a escola,
ansioso por ouvir como é que os humanos iam descrever o acontecimento, e
quanta atenção lhe iam dar.
Felizmente, este era um dia pesado para as notícias. Tinha havido um terramoto
na América do Sul e um rapto político numa zona que combina África e Ásia.
Portanto durou apenas alguns segundos, algumas frases, e uma foto desfocada.
“Alonzo Calderas Wallace, suspeito de assassínios e violações em série
procurado nos estados do Texas e Oklahoma, foi apreendido a noite passada em
Portland, Oregon agradece a uma pista anónima. Wallace foi encontrado
inconsciente numa rua esta manhã, apenas a alguns metros da esquadra da
polícia. Neste ponto, os agentes são incapazes de nos dizer se ele vai ser
extraditado para Houston ou Oklahoma para aguardar até ao julgamento ”
A fotografia não era clara, uma foto de cadastro, e ele tinha uma barba grossa
na altura da fotografia. Mesmo que Bella o visse, provavelmente não o iria
reconhecer. Esperava que não reconhecesse, isso só a ia deixar com medo
desnecessariamente.
- A cobertura aqui na cidade vai ser ligeira. É demasiado para ser considerado
de interesse local – Disse-me Alice – Foi uma boa ideia Carlisle levá-lo para fora
do estado.
Acenei. De qualquer das maneiras Bella não via muita televisão, e eu nunca
tinha visto o seu pai a assistir a outra coisa que não canais de desporto.
Fiz o que pude. Este monstro já não assombrava, e eu não era um assassino.
Não recentemente de qualquer das maneiras. Fiz bem em confiar em Carlisle,
por mais que eu desejasse que aquele monstro não se safasse tão levemente.
Apanhei-me a desejar que ele fosse extraditado para o Texas, onde a pena de
morte era tão popular…
Não. Aquilo não importava. Ia por isto atrás de mim, e concentrar-me no que era
mais importante.
Tinha deixado o quarto de Bella à menos de uma hora. E já estava a morrer
para a ver outra vez.
- Alice importas-te de…
Ela cortou-me a palavra – A Rosalie conduz. Vai agir como se estivesse irritada,
mas tu sabes que ela vai adorar uma desculpa para exibir o carro – E Alice riu-
se.
Sorri-lhe – Vejo-te na escola.
Ela suspirou, e o meu sorriso tornou-se numa expressão de desagrado.
Eu sei, eu sei – Pensou ela – Ainda não. Eu espero até que estejas preparado
para que a Bella me conheça. Mas devias saber, isto não é só para eu ser
egoísta, A Bella também vai gostar de mim.
Não lhe respondi enquanto me despachava para a porta. Aquilo era uma
maneira diferente de ver a situação. Quereria Bella conhecer a Alice? Ter uma
vampira para amiga?
Conhecendo Bella… aquela ideia provavelmente não a incomodaria nem um
bocadinho.
Enruguei a testa para mim mesmo. O que Bella queria e o que era melhor para
ela eram duas coisas separadas.
Comecei a sentir-me nervoso enquanto estacionava o meu carro na entrada de
casa de Bella. O provérbio humano dizia que as coisas pareciam diferentes de
manhã, que as coisas mudavam quando se dormia sobre elas. Será que Bella
me ia ver de forma diferente nesta luz fraca de um dia enublado? Mais sinistro
ou menos sinistro do que na escuridão da noite? Será que a verdade a tinha
atingido enquanto ela dormia? Iria finalmente ter medo?
Mas os seus sonhos tinham sido pacíficos na noite passada. Quando disse o meu
nome, vezes e vezes sem conta, sorriu. Mais do que uma vez murmurou um
pedido para eu ficar. O que é que isso ia significar hoje?
Esperei nervosamente, a ouvir os sons dela dentro de casa, os rápidos e
desastrados passos nas escadas, o rasgar de um papel de alumínio, os frascos
do frigorífico a baterem um contra os outros quando fechou a porta. Parecia que
ela estava com pressa. Ansiosa para chegar à escola? Esse pensamento fez-me
sorrir, esperançoso outra vez.
Olhei para o relógio. Supus que, levando em conta a velocidade a que a carrinha
a limitava, ela estava um bocadinho atrasada.
Bella despachou-se a sair de casa, a mala a escorregar do seu ombro, o seu
cabelo preso numa trança confusa que já se estava a desfazer no pescoço. A
camisola grossa e verde que vestia não era o suficiente para que os seus
ombros magros tremessem contra o nevoeiro gelado.
A camisola era demasiado grande para ela, não a favorecia. Mascarava a sua
figura delgada, tornando todas as tuas curvas delicadas e linhas leves numa
desordenada sem formas. Apreciei isto quase tanto como desejei que ela
tivesse vestido algo mais parecido com a camisa azul que tinha vestido na noite
passada. O tecido assentava na pele dela de uma maneira tão apelativa,
cortada o suficiente para relevar a maneira fantástica como a sua clavícula
subia desde a base da sua garganta. O azul tinha deslizado como água ao longo
da silhueta subtil do seu corpo…
Era melhor, essencial, que eu mantivesse os meus pensamentos longe, muito
longe daquela forma, por isso estava grato pela aquela camisola que ela vestia
hoje. Não me podia dar ao luxo de cometer mais erros, e seria um erro
monumental deixar-me levar pela estranha vontade de pensar nos lábios… na
sua pele… o seu corpo… esses pensamentos estavam a libertar-se dentro de
mim. Vontades que eu tinha evitado durante cem anos. Mas eu não me podia
permitir a pensar tocar-lhe, porque isso era impossível.
Eu destruí-la-ia.
Bella voltou-se para longe da porta com tal pressa que quase passou pelo meu
carro sem reparar nele.
Depois parou quase a derrapar, os seus joelhos travaram-na num solavanco. A
mochila dela escorregou pelo braço, e os seus olhos arregalaram-se enquanto
se focavam no carro.
Eu saí, sem me preocupar em mover-me numa velocidade humana, e abri a
porta de passageiro para ela. Eu não ia tentar enganá-la mais. Quando
estivéssemos a sós, pelo menos, seria eu próprio.
Ela olhou para mim, surpreendida novamente, enquanto eu saía subitamente do
nevoeiro.
Então a surpresa nos seus olhos mudaram para outra coisa, e eu já não tinha
medo, ou esperança, que os sentimentos dela por mim tivessem mudado
durante a noite. Calor, maravilha, fascinação, tudo a nadar no chocolate
derretido dos seus olhos.
- Queres ir comigo hoje? – Perguntei - Ao contrário do jantar da noite passada,
eu ia deixá-la escolher. De agora em diante, seria sempre a escolha dela.
- Quero, obrigada - Murmurou, a entrar no carro sem hesitação.
Será que algum dia eu deixaria de me surpreender pelo facto de eu ser aquele a
quem ela disse “sim”? Duvidava.
Dei rapidamente a volta ao carro, ansioso para me juntar a ela. Ela não mostrou
nenhum sinal de surpresa com a minha súbita reaparição.
A felicidade que senti quando ela se sentou ao meu lado desta maneira não
tinha precedentes. Por mais que eu apreciasse o amor e companheirismo da
minha família, apesar dos vários entretenimentos e distracções que o mundo
tinha a oferecer, eu nunca tinha estado feliz desta forma. Mesmo sabendo isto
era errado, que não podia possivelmente acabar bem, não consegui evitar o
sorriso na minha cara durante muito tempo.
O meu casaco estava dobrado em cima do apoio para a cabeça do banco dela.
Vi-a a olhar para ele.
- Trouxe o casaco para ti – Disse-lhe. Esta era minha desculpa, eu tinha que
arranjar uma para aparecer aqui esta manhã sem ter sido convidado. Estava
frio. Ela não tinha casaco. De certeza que esta era uma forma convincente de
cavalheirismo – Não queria que ficasses doente ou isso.
- Não sou assim tão delicada – Disse ela, a olhar para o meu peito em vez de
para a minha cara, como se estivesse hesitante em olhar-me nos olhos. Mas ela
vestiu o casaco antes que eu tivesse de recorrer à persuasão.
- Ai não? - Sussurrei para mim mesmo.
Ela olhava para a estrada enquanto eu acelerava para a escola. Eu só consegui
aguentar o silêncio por alguns segundos. Eu tinha que saber quais eram os seus
pensamentos esta manhã. Tanta coisa tinha mudado entre nós desde o último
dia em que esteve sol.
- Então, hoje não tens duas dezenas de perguntas para me fazer? - Perguntei,
mantendo as coisas ligeiras outra vez.
Ela sorriu, parecendo feliz por eu ter abordado o assunto – As minhas perguntas
incomodam-te?
- Não tanto como as tuas reacções – Disse-lhe honestamente, a sorrir em
resposta ao seu sorriso.
A sua boca descaiu para baixo – Eu reajo mal?
- Não, o problema é esse. Encaras tudo com tanta frieza, não é natural. Faz com
que me interrogue sobre o que estás realmente a pensar – Claro, tudo o que ela
fazia ou não fazia levava-me a interrogar.
- Eu digo-te sempre o que realmente penso.
- És selectiva.
Os seus dentes pressionaram o lábio novamente. Ela parecia não reparar
quando fazia isto, era uma resposta inconsciente à tensão – Não muito.
Só aquelas palavras foram suficientes para despertar a minha curiosidade. O
que é que ela me escondia propositadamente?
- O suficiente para dar comigo em doido – Disse-lhe.
Ela hesitou, e depois sussurrou – Tu não queres ouvir o que penso.
Eu tive que pensar por um momento, analisar a nossa conversa inteira da noite
passada, palavra por palavra, antes de fazer a associação. Talvez me tivesse
levado tanta concentração porque eu não imaginava nada que eu não quisesse
que ela me dissesse. E aí, por causa do tom de voz ser o mesmo da noite
passada, subitamente com dor, eu lembrei-me. Uma vez eu pedi-lhe para não
me dizer o que estava a pensar. Nunca digas isso. Eu tinha-a feito chorar…
Era isto que ela escondia de mim? A profundidade dos seus sentimentos em
relação a mim? Que eu ser um monstro não tinha importância para ela, e que
pensava que era demasiado tarde para ela mudar de ideias?
Fui incapaz de falar, porque a alegria e a dor eram demasiado intensas para
palavras, o conflito entre elas era demasiado selvagem para permitir uma
resposta coerente. Estava silêncio no carro, excepto o ritmo estável do seu
coração e pulmões.
- Onde está o resto da tua família? - Perguntou repentinamente.
Respirei fundo, registando o cheiro no carro com uma verdadeira dor pela
primeira vez, estava-me a habituar a isto, percebi com satisfação, e forcei-me a
ser casual de novo.
- Veio no carro de Rosalie – Estacionei no lugar vago ao pé do carro em questão.
Escondi o meu sorriso quando vi os olhos dela a arregalarem-se – Ostentoso,
não é?
- Hum, ena. Se ela tem aquela bomba, porque se desloca no teu carro?
Rosalie teria gostado da reacção de Bella… se estivesse a ser mais objectiva em
relação a ela, o que provavelmente não iria acontecer.
- Como já te disse, é ostentoso. Nós tentamos passar despercebidos.
- Não conseguem – Disse ela, e depois riu-se descontraidamente.
A casualidade, a inteira descontracção no som do riso dela aqueceu o meu peito
vazio, como também fez a minha cabeça nadar em dúvida.
- Porque é que Rosalie resolveu vir hoje a conduzir se dá mais nas vistas? -
Perguntou.
- Ainda não tinhas reparado? Agora estou a quebrar todas as regras.
A minha resposta devia ter sido ligeiramente assustadora, portanto, é claro,
Bella sorriu
Ela não esperou que eu lhe abrisse a porta, tal como na noite passada. Eu tinha
que aparentar normalidade aqui na escola, portanto não me pude mover rápido
o suficiente para impedir aquilo, mas ia ter que se habituar a ser tratada com
mais cortesia, e habituar-se rapidamente.
Caminhei o mais perto dela quanto me atrevia, a olhar cuidadosamente para
qualquer sinal de que minha proximidade a perturbasse. Por duas vezes a sua
mão virou-se em direcção à minha, mas depois recuava-a. Parecia que ela me
queria tocar… A minha respiração acelerou.
- Porque é que têm carros como aquele se estão à procura de privacidade? –
Perguntou-me enquanto caminhávamos.
- É uma forma de satisfazermos uma das nossas vontades - Admiti – Todos nós
gostamos de conduzir com velocidade.
- Já era de calcular – Murmurou amargamente.
Ela não olhou para cima para ver o sorriso que ia dar como resposta.
Nuh-uh! Eu não acredito nisto! Como é que Bella conseguiu arranjar isto? Eu
não entendo! Porquê?
A mente de Jessica interrompeu os meus pensamentos. Ela estava à espera de
Bella, refugiando-se da chuva por baixo da aba do telhado do refeitório, com o
casaco de inverno de Bella por cima do seu braço. Os seus olhos estavam
arregalados com descrença.
Bella também reparou nela, no momento seguinte. Um fraco tom rosado tocou
na sua face quando Bella registou a expressão de Jessica. Os pensamentos de
Jessica estavam nitidamente claros na sua cara.
- Olá Jessica, obrigada por te teres lembrado – Agradeceu Bella. Dirigiu-se para
o casaco e Jessica entregou-o sem dizer nenhuma palavra.
Eu devia ser educado com os amigos de Bella, quer fossem bons amigos ou não
– Bom dia Jessica.
Uau…
Os olhos de Jessica abriram-se ainda mais. Foi estranho e divertido… e
honestamente, um bocado embaraçoso… perceber como estar perto de Bella
me deixava mais suave. Parecia que já ninguém tinha medo de mim. Se Emmett
descobrisse isto, ia rir-se durante o próximo século.
- Ah, viva! - Murmurou Jessica, e os seus olhos desviaram-se para o rosto de
Bella, cheios de significados – Suponho que nos vemos na aula de
Trigonometria.
Tu vais completamente desembuchar tudo. Não vou aceitar um não como
resposta. Detalhes. Eu tenho que ter detalhes! Edward CULLEN bolas! A vida é
tão injusta.
A boca de Bella torceu-se – Sim, vemo-nos lá.
Os pensamentos de Jessica ficaram fora de controlo enquanto corria para a sua
primeira aula, a espreitar-nos de vez em quando.
A história inteira. Não vou aceitar nada menos que isso. Combinaram encontrar-
se a noite passada? Estão a namorar? Há quanto tempo? Como é que ela
conseguiu guardar segredo sobre isto? Por que é que guardaria? Não pode ser
uma coisa casual, ela tem que estar bem caidinha por ele. Há alguma outra
opção? Eu vou descobrir. Não suporto não saber de nada. Será que ela já curtiu
com ele? Oh meu… Os pensamentos de Jessica foram repentinamente
desconectados, e ela deixou que as suas fantasias mudas girassem pela sua
cabeça. Eu encolhi-me com as especulações dela, e não só porque ela tinha
trocado Bella por ela mesma nas figuras mentais.
Eu não podia ser assim. Mas mesmo assim, eu… eu queria…
Resisti em admitir aquilo, mesmo a mim próprio. Em quantas maneiras erradas
eu queria colocar a Bella? Qual delas iria acabar por a matar?
Sacudi a cabeça e tentei soltar-me um bocado.
- Que vais dizer-lhe? – Perguntei a Bella.
- Eh! - Sussurrou ferozmente – Pensei que não conseguias adivinhar os meus
pensamentos!
- E não consigo – Olhei fixamente para ela, surpreendido, a tentar que as suas
palavras fizessem sentido. Ah, devíamos ter estado a pensar a mesma coisa ao
mesmo tempo. Hum, gostei disso – No entanto, consigo adivinhar os dela. Ela
vai estar à espera para te atacar de surpresa na aula.
Bella gemeu, e deixou o casaco escorregar pelos ombros. A princípio não
percebi que ela mo estava a devolver. Eu não o teria pedido, preferia que
ficasse com ele… uma lembrança. Por isso fui demasiado lento para oferecer a
minha ajuda. Ela entregou-me o casaco e passou os braços pelo dela, sem olhar
para cima para ver que minhas mãos estavam esticadas para ajudar. Fiz uma
careta com isso, e depois controlei a minha expressão antes que ela notasse.
- Então, que vais dizer-lhe? - Pressionei.
- Que tal dares-me uma ajudinha? O que quer ela saber?
Eu sorri e abanei a cabeça. Eu queria ouvir o que ela estava a pensar sem
nenhuma dica – Isso não é justo.
Os olhos dela ficaram mais estreitos – Não, o facto de tu não partilhares o que
sabes, isso é que não é justo.
Certo, ela não gostava da dualidade de critérios.
Chegamos à porta da sala onde ela ia ter aula, onde eu a ia ter que deixar.
Perguntei-me se a Menina Cope seria mais favorável numa mudança no horário
da minha aula de inglês… Forcei a minha concentração. Eu podia ser justo.
- Ela quer saber se nós andamos a namorar às escondidas - Disse lentamente –
E que saber o que sentes por mim.
Os olhos dela arregalaram-se, não surpreendidos, mas engenhosos. Estavam
abertos para mim, legíveis. Ela estava a fazer-se de inocente.
- Ai, ai - Murmurou - O que devo dizer?
- Hum - Ela tentava sempre fazer com que eu revelasse mais do que ela. Pensei
em como responder.
Uma madeixa rebelde do cabelo dela, ligeiramente húmida por causa do
nevoeiro, caía pelo seu ombro e enrolava-se onde a sua clavícula estava
escondida por aquela camisola ridícula. Atraiu os meus olhos… puxou-os ao
longo das outras linhas escondidas…
Alcancei cuidadosamente aquele pedaço de cabelo, sem tocar na sua pele, a
manhã já estava fria o suficiente sem o meu toque, e coloquei-o no sítio dele, na
trança mal apertada, para que não me distraísse outra vez. Lembrei-me quando
Mike Newton lhe tinha tocado no cabelo, e meu queixo cerrou-se com a
memória. Ela tinha-se afastado dele na ocasião. A reacção dela agora não era
nada parecida. Em vez disso, os seus olhos arregalaram-se, o sangue correu
mais rápido nas veias dela e uma súbita aceleração no seu coração.
Tentei esconder o meu sorriso enquanto lhe respondi.
- Suponho que podias responder afirmativamente à primeira questão… se não
te importares - A escolha era dela, sempre dela – É mais fácil do que dar
qualquer outra explicação.
- Não me importo… - Sussurrou. O coração ainda não tinha encontrado o seu
ritmo natural.
- E quanto à outra questão… - Não consegui esconder meu sorriso agora – Bem,
ficarei à escuta para eu próprio ouvir a resposta.
Deixar Bella a considerar isso. Reprimi o meu riso enquanto o choque passava
pelo rosto dela.
Virei-me rapidamente, antes que ela pudesse perguntar mais alguma coisa. Eu
tinha uma certa dificuldade em não lhe dar o que quer que seja que ela queria.
E eu queria ouvir os pensamentos dela, não os meus.
- Vemo-nos ao almoço – Disse-lhe por cima do ombro, uma desculpa para ver se
ela ainda estava a olhar fixamente para mim, de olhos arregalados. A boca dela
estava aberta. Virei-me outra vez e ri-me.
À medida que me afastava, estava vagamente ciente dos pensamentos
chocados e especulativos que me rodeavam, olhos a balançarem-se para trás e
para a frente entre a cara de Bella e a minha figura que se afastava. Prestei-lhes
pouca atenção. Não me conseguia concentrar. Foi difícil o suficiente manter os
meus pés a moverem-se numa velocidade aceitável enquanto passava a relva
encharcada para minha próxima aula. Queria correr, correr mesmo, tão rápido
que desapareceria, tão rápido que iria parecer que estava a voar. Parte de mim
já estava a voar.
Vesti o casaco quando entrei na aula, deixando que a fragrância dela flutuasse à
minha volta. Eu ia-me queimar agora, deixar que o cheiro me dessensibilizasse,
para que depois fosse mais fácil ignorar, quando estivesse com ela de novo ao
almoço…
Era uma coisa boa que os professores já não se dessem ao trabalho de me
chamar. Hoje talvez tivesse sido o dia que me apanhassem desprevenido, e sem
respostas. A minha cabeça estava em tantos lugares esta manhã, só o meu
corpo é que estava na sala.
É claro que eu estava a vigiar Bella. Isso estava a tornar-se, tão automático
como respirar. Ouvi a sua conversa com um Mike Newton desmoralizado. Ela
mudou rapidamente a conversa para Jessica, e eu fiz um sorriso tão grande que
Rob Sawyer, que estava sentado ao meu lado direito, se encolheu visivelmente
e escorregou na cadeira, para longe de mim.
Argh. Assustador.
Bom, não tinha perdido completamente o toque.
Também estava a monitorizar levemente Jessica, a vê-la a escolher as suas
perguntas para Bella. Eu mal conseguia esperar pelo quarto tempo, dez vezes
mais desejoso e ansioso do que a curiosidade da rapariga humana que queria
mexericos novos.
E também estava a ouvir Angela Weber.
Não me tinha esquecido da gratidão que tinha sentido por ela, primeiro por só
pensar coisas boas a respeito de Bella e depois pela ajuda da noite passada.
Então eu esperei ao longo da manhã, à procura de algo que ela quisesse. Achei
que fosse fácil, como qualquer outro humano, devia haver alguma coisa
bugiganga ou brinquedo que ela quisesse. Vários, provavelmente. Entregar-lhe-
ia alguma coisa anonimamente e assim ficávamos quites.
Mas Angela provou ser quase tão contra oferecer ajuda com seus pensamentos
quanto Bella. Ela era estranhamente contente para uma adolescente. Feliz.
Talvez fosse aquela razão para a sua bondade pouco comum. Ela era uma
daquelas pessoas raras que tinham o que queriam e queriam o que tinham. Se
ela não estava a prestar atenção aos professores e às suas notas, estava a
pensar nos irmãos gémeos que ia levar à praia naquele fim-de-semana,
antecipando a excitação deles com um prazer quase maternal. Ela cuidava
deles de vez em quando, mas não se sentia rancorosa por isso… era muito
querido.
Mas não me ajudava muito.
Devia haver algo que ela quisesse. Eu só tinha que continuar a procurar. Mas
depois. Agora estava na hora da aula de trigonometria de Bella com Jessica.
Não prestei atenção por onde estava a ir à medida que me dirigia para a aula de
inglês. Jessica já estava no seu lugar, os dois pés a baterem impacientemente
no chão enquanto esperava que Bella chegasse.
Pelo contrário, quando me sentei no meu lugar na sala de aula, fiquei
completamente parado. Tinha que me lembrar de me mexer de vez em quando.
Manter a fachada. Foi difícil, os meus pensamentos focados nos da Jessica.
Esperei que ela prestasse atenção, que realmente tentasse ler o rosto de Bella
por mim.
As batidas dos pés de Jessica intensificaram-se quando Bella entrou na sala.
Ela parece… melancólica. Porquê? Talvez não se passe nada entre ela e o
Edward Cullen. Isso seria um desapontamento. Excepto que… então ele ainda
estaria disponível… se estiver subitamente interessado em sair, eu não me
importo em ajudá-lo com isso…
O rosto de Bella não parecia triste, parecia relutante. Ela estava preocupada,
sabia que eu ia ouvir isto tudo. Sorri para mim mesmo.
- Conta-me tudo! – Exigiu Jess enquanto Bella ainda estava a tirar o casaco e a
pendurá-lo nas costas da sua cadeira. Ela estava a mexer-se com deliberação,
sem vontade.
Argh, ela é tão lenta. Vamos passar para as coisas interessantes!
- O que queres saber? – Perguntou enquanto se sentava.
- O que aconteceu na noite passada?
- Ele pagou-me o jantar e depois levou-me a casa.
E depois? Vá lá! Tem que haver mais do que isso! Ela está a mentir de qualquer
das formas, eu sei disso.
- Como é que chegaste a casa tão depressa?
Vi Bella a revirar os olhos à suspeita de Jessica.
- Ele conduz como um louco. Foi apavorante.
Ela sorriu um bocado, e eu ri-me em voz alta, interrompendo os anúncios do Sr.
Mason. Tentei transformar a gargalhada num acesso de tosse, mas não enganei
ninguém. O Sr. Mason lançou-me um olhar irritado, mas eu nem me preocupei
em ouvir o pensamento por trás daquilo. Estava a ouvir Jessica.
Huh. Parece que ela está a dizer a verdade. Por que é que ela me está a fazer
arrancar tudo dela, palavra por palavra? Eu estaria a gabar-me em plenos
pulmões se fosse comigo.
- Foi um encontro amoroso? Disseste-lhe para se encontrar contigo lá?
Jessica viu a surpresa a passar pela expressão de Bella, e ficou desapontada em
como aquilo parecia genuíno.
- Não, fiquei muito espantada ao vê-lo lá – Disse-lhe Bella.
O que é que se passa?! – Mas ele foi buscar-te para te trazer à escola hoje? -
Tem que haver mais qualquer coisa nesta história.
- Foi, isso também me espantou. Ela reparou que eu não tinha casaco na noite
passada.
Isso não é muito divertido. Pensou Jessica, novamente desapontada.
Estava cansado da sua linha de perguntas. Eu queria ouvir algo que ainda não
soubesse. Esperei que ela não estivesse tão descontente que saltasse as
perguntas que eu estava à espera.
- Então vão sair novamente? - Perguntou Jessica.
- Ele ofereceu-se para me levar a Seattle no sábado, por pensar que a minha
pick-up não está apta para fazer tal viagem, isso conta?
Hum… Ele está mesmo a fazer algumas coisas para… bem, cuidar dela, mais ao
menos. Deve haver qualquer coisa no lado dele, senão do dela. Como é que
ISSO pode ser? A Bella é doida.
- Sim – Respondeu Jessica à pergunta.
- Bem, então – Concluiu Bella – Vamos.
- Ena! O Edward Cullen – Quer ela goste dele ou não, isto é sério!
- Eu sei – Suspirou Bella.
O tom da voz dela encorajou Jessica. Finalmente, parece que ela entendeu! Ela
deve perceber…
- Espera! – Disse Jessica, lembrando-se subitamente da pergunta mais vital – Ele
beijou-te? - Por favor diz que sim. E depois descreve cada segundo!
- Não – Balbuciou Bella, e depois olhou para as suas mãos, a sua cara a ficar
com um aro desapontado – A nossa relação não é nada assim.
Raios. Eu gostava… AH! Parece que ela também gostava.
Franzi a testa. Bella parecia de facto chateada com alguma coisa, mas não
podia ser desapontamento como Jessica assumia. Ela não podia querer aquilo.
Sem Não sabendo o que ela sabia. Ela não podia querer estar assim tão perto
dos meus dentes. Provavelmente ela até pensava que eu tinha presas.
Estremeci.
- Achas que no sábado… - Continuou Jessica.
Bella parecia ainda mais chateada enquanto disse – Tenho muitas dúvidas.
Yup, ela gostava. Que chato para ela.
Seria por eu estar a ver tudo isto pelas percepções de Jessica que parecia que
ela tinha razão?
Por meio segundo eu distraí-me com a ideia, a impossibilidade, do que seria
tentar beijá-la. Os meus lábios nos lábios dela. Pedra fria contra seda quente…
E depois ela morre.
Abanei a cabeça, encolhendo-me, e obriguei-me a prestar atenção.
- De que é que vocês falaram? – Falaste com ele, ou fizeste-o arrastar-se por
cada pedaço de informação como agora?
Eu sorri. A Jessica não estava muito longe da verdade.
- Não sei Jess, de muita coisa. Falámos um pouco sobre a dissertação de Inglês.
Muito pouco. Abri ainda mais o meu sorriso.
Oh, VÁ LÁ! – Por favor Bella, dá-me alguns pormenores!
Bella deliberou por um momento.
- Bem… está bem, vou dar-te um. Devias ter visto a empregada de mesa a
namoriscá-lo… foi de mais. Mas ele não lhe prestou nenhuma atenção.
Que detalhe estranho para partilhar. Eu estava surpreendido por Bella ter
reparado sequer. Parecia uma coisa tão irrelevante.
Interessante… - Esse é um bom sinal, ela era bonita?
Hum, Jessica pensou mais naquilo do que eu. Devia ser uma coisa feminina.
- Muito. E devia ter dezanove ou vinte anos.
Jessica ficou momentaneamente distraída pela memória de Mike no encontro de
segunda à noite. Mike a ser um bocadinho demasiado amigável com a
empregada que Jessica não tinha considerado bonita de todo. Ela afastou a
memória e voltou, oprimindo a sua irritação, para perguntar os detalhes.
- Ainda melhor. Ele deve gostar de ti.
- Julgo que sim – Disse Bella lentamente, e eu estava no limite da cadeira, o
meu corpo rigidamente parado – Mas é difícil dizer. Ele é sempre tão reservado.
Eu não devia ter sido tão transparentemente óbvio e fora de controlo como
pensava. Ainda assim… observadora como ela era… Como é que ainda não
tinha reparado que eu estava apaixonado por ela? Passei pela nossa conversa,
quase surpreendido por não ter dito as palavras em voz alta. Parecia que aquele
facto estava subentendido em cada palavra entre nós.
Uau. Como é que te sentas em frente a um modelo masculino e conversas
normalmente? – Não sei como tens coragem para ficar a sós com ele – Disse
Jessica.
Choque passou pela cara de Bella – Porquê?
Reacção estranha. O que é que ela pensa a que eu me refiro? – Ele é tão… -
Qual é a palavra certa? – Intimidador. Eu não saberia o que lhe dizer – Nem
consegui falar Inglês com ele hoje, e tudo o que ele disse foi Bom Dia. Devo ter
parecido tão idiota…
Bella sorriu – De facto tenho alguns problemas de incoerência quando estou
perto dele.
Ela devia estar a fazer com que Jessica se sentisse melhor. Ela era quase
anormalmente controlada quando estávamos juntos
- Oh bem - Suspirou Jessica – Ele é incrivelmente lindo.
O rosto de Bella ficou subitamente mais frio. Os seus olhos brilharam da mesma
maneira que faziam quando ela sentia alguma injustiça. Jessica não percebeu a
mudança na expressão dela.
- Ele é muito mais do que isso - Disse Bella bruscamente.
Aaah, agora estamos a chegar a algum lugar – A sério? O quê por exemplo?
Bella mordiscou o lábio por um momento – Não consigo explicar
adequadamente – Disse finalmente – Mas ele é ainda mais incrível por trás do
rosto - Desviou o olhar de Jessica, os seus olhos ligeiramente desfocados como
se estivesse a olhar para algo muito longe.
O que senti agora era remotamente parecido ao que sentia quando Carlisle ou
Esme me glorificavam mais do que eu merecia. Parecido, mas mais intenso,
mais consumidor.
Conta essa a outra pessoa, não há nada melhor do que aquela cara! A não ser
que seja o corpo. Uau – Isso é possível? – Deu uns risinhos.
Bella não se virou. Continuou a olhar para a distância, a ignorar Jessica.
Uma pessoa normal estaria triunfante. Talvez se eu mantivesse as perguntas
simples. Ah ah. Como se estivesse a falar com alguém do jardim-de-infância –
Então, gostas dele?
Fiquei rígido de novo.
Bella não olhou para Jessica – Sim.
- Quero dizer, gostas dele a sério?
- Sim,
Olha para ela a corar!
Estava a olhar.
- A que ponto gostas dele? – Exigiu Jessica.
A sala de inglês podia estar a arder que eu não teria reparado.
O rosto de Bella agora estava num vermelho vivo, quase conseguia sentir o
calor da imagem mental.
- Gosto demasiado – Sussurrou Bella – Mais do que ele gosta de mim. Mas não
vejo como evitá-lo.
Bolas! O que é que o Sr. Varner acabou de perguntar? - Hum, que número Sr.
Varner?
Foi bom que Jessica não pudesse interrogar mais Bella. Eu precisava de um
minuto.
Que diabos é que a rapariga estava a pensar agora? Mais do que ele gosta de
mim? Como é que ela desencantou aquilo? Mas não vejo como evitá-lo? O que é
que aquilo era suposto querer dizer? Não conseguia encontrar uma explicação
racional para as palavras dela. Praticamente não tinham sentido.
Parecia que eu não podia levar nada como garantido. Coisas óbvias, coisas que
faziam perfeito sentido, de alguma forma torciam-se e viravam-se ao contrário
naquele cérebro bizarro dela. Mais do que ele gosta de mim? Talvez eu não
devesse desistir da ideia da instituição psiquiátrica ainda.
Olhei para o relógio, a ranger os dentes. Como é que meros minutos podiam ser
tão impossivelmente longos para um imortal? Onde é que estava a minha
perspectiva?
O meu queixo estava cerrado ao longo de toda a aula de trigonometria do Sr.
Varner. Ouvi mais aquilo do que da minha própria aula. Bella e Jessica não
voltaram a falar, mas Jessica espreitou para Bella várias vezes, e uma vez o
rosto dela estava vermelho de novo sem razão aparente.
11º Capitulo (II parte) - Interrogações
O almoço não ia chegar rápido o suficiente.
Não tinha a certeza se Jessica ia ter algumas das respostas que eu estava à
espera quando a aula terminasse, mas Bella foi mais rápida do que ela.
Assim que a campainha tocou, Bella virou-se para Jessica.
- Na aula de Inglês o Mike perguntou-me se tu comentaras algo a respeito da
noite de segunda-feira - Disse Bella, um sorriso nos cantos dos lábios. Eu
entendi aquilo, o ataque era a melhor defesa.
Mike perguntou sobre mim? A felicidade deixou a mente de Jessica
repentinamente fora de guarda, gentil, sem o tom falso de costume – Estás a
brincar! O que é que respondeste?
- Disse-lhe que tu referiras que te divertiras muito, ele pareceu satisfeito.
- Conta-me exactamente quais foram as palavras dele e o que lhe respondeste!
Claramente aquilo era tudo o que eu ia arrancar de Jessica hoje. Bella estava a
sorrir como se estivesse a pensar na mesma coisa. Como se tivesse ganho a
rodada.
Bom, o almoço seria outra história. Teria mais sucesso em ter as suas respostas
dela do que de Jessica, ia-me certificar disso.
Mal pude suportar espiar os pensamentos da Jessica de vez em quando no
quarto tempo. Não tinha paciência para seus pensamentos obsessivos sobre
Mike Newton. Já o tinha aturado mais do que o suficiente nestas últimas duas
semanas. Ele tinha sorte em estar vivo.
Mexi-me apaticamente ao longo da aula de educação física com a Alice, da
maneira que nos mexíamos sempre quando se tratava de actividade física com
os humanos. Ela era a minha colega de equipa, claro. Era o primeiro dia de
badmington. Suspirei com o tédio, girando a raquete em câmara lenta para
acertar no volante e mandá-lo para o outro lado. Lauren Mallory estava na outra
equipa, falhou. A Alice estava a rodar a sua raquete como um bastão, a olhar
para o tecto.
Todos nós odiávamos educação física, principalmente o Emmett. Fingir estar a
jogar era um insulto à sua filosofia pessoal. Educação física hoje parecia pior do
que o normal, sentia-me tão irritado como Emmett se sentia sempre.
Antes que a minha cabeça pudesse explodir com a impaciência, o treinador
Clapp terminou os jogos e dispensou-nos mais cedo. Fiquei ridiculamente
agradecido por ele ter não ter tomado o pequeno-almoço (uma nova tentativa
de dieta) e consequentemente a fome tinha-o deixado com pressa para deixar a
escola e encontrar uma sanduíche engordurada num sítio qualquer. Prometeu a
si mesmo que amanhã ia começar tudo de novo…
Aquilo deu-me tempo suficiente para chegar ao edifício de matemática antes
que a aula de Bella terminasse.
Diverte-te. Pensou Alice enquanto se afastava para ir ter com Jasper. Só mais
alguns dias para ser paciente. Suponho que não vás dizer olá à Bella por mim,
não é?
Abanei a cabeça, exasperado. Todas as psíquicas eram assim tão convencidas?
Só para que saibas, vai estar sol dos dois lados da baía este fim-de-semana.
Talvez queiras mudar os teus planos.
Suspirei enquanto continuava para a direcção oposta. Convencida, mas útil.
Encostei-me contra a parede ao pé da porta, à espera. Estava perto o suficiente
para ouvir a voz de Jessica através dos tijolos, assim como os seus
pensamentos.
- Hoje não vais sentar-te à nossa mesa pois não? - Ela parece… animada. Aposto
que há uma data de coisas que ela não me contou.
- Não me parece – Respondeu Bella, estranhamente insegura.
Eu não lhe tinha prometido que passava a hora de almoço com ela? No que é
que ela estava a pensar?
Saíram juntas da sala, e os olhos das ambas arregalaram-se quando me viram.
Mas eu só conseguia ouvir Jessica.
Boa. Uau. Ah sim, há mais coisas que ela não me contou. Talvez lhe telefone
hoje à noite… Ou talvez não a devesse encorajar. Huh. Espero que ele a deixe
rapidamente. O Mike é bonitinho, mas… Uau.
- Vemo-nos mais logo Bella.
Bella andou na minha direcção, parando a um passo de distância, ainda
insegura. A sua pele estava rosada ao longo das bochechas.
Agora conhecia-a bem o suficiente para ter certeza que não havia medo por trás
da sua hesitação. Aparentemente, isso era devido a uma idiotice qualquer que
ela tinha imaginado entre os sentimentos dela e os meus. Mais do que ele gosta
de mim. Absurdo!
- Olá - Disse, a minha voz estava um bocado seca.
O rosto dela ficou mais brilhante – Viva!
Não parecia que ela fosse dizer mais alguma coisa, então eu abri caminho até
ao refeitório e ela caminhou silenciosamente ao meu lado.
O casaco tinha funcionado, o cheiro dela não foi o golpe que normalmente era.
Era só uma intensificação da dor que já sentia. Conseguia ignorar mais
facilmente do que alguma vez tinha acreditado ser possível.
Bella estava inquieta enquanto esperávamos na fila, a brincar distraída com o
fecho do casaco e a mudar o peso, nervosa, de um pé para o outro. Ela olhou
para mim algumas vezes, mas sempre que encontrava o meu olhar, olhava para
baixo como se estivesse envergonhada. Será que era por estar tanta gente a
olhar para nós? Talvez ela conseguisse ouvir os cochichos. As fofoquices eram
tão verbais quanto mentais hoje.
Ou talvez ela tenha percebido, pela minha expressão, que estava em sarilhos.
Ela não disse nada até que eu comecei a reunir o seu almoço. Não sabia do que
é que ela gostava, ainda não, portanto agarrei numa coisa de cada.
- O que estás a fazer? – Protestou numa voz baixa – Não vais levar isso tudo
para mim pois não?
Abanei a cabeça, e deslizei o tabuleiro para a zona da caixa – Metade é para
mim, como é evidente.
Ela levantou uma sobrancelha cepticamente, mas não disse mais nada
enquanto eu pagava a comida e a acompanhava à mesa onde estivemos
sentados na semana passada antes da experiência desastrosa com a recolha de
sangue. Parecia que tinha sido há mais tempo do que há alguns dias. Agora
estava tudo diferente.
Ela sentou-se à minha frente outra vez. Eu empurrei o tabuleiro na sua direcção.
- Tira o que desejares – Encorajei-a.
Ela escolheu uma maçã e virou-a nas suas mãos, tinha um olhar pensativo no
seu rosto.
- Estou curiosa.
Que surpresa.
- O que farias se alguém te desafiasse a ingerir comida? – Continuou com uma
voz baixa que não alcançaria os ouvidos humanos. Os ouvidos imortais eram
outro assunto, se esses ouvidos estivessem a prestar atenção. Eu
provavelmente devia-lhes ter dito alguma coisa mais cedo…
- Estás sempre curiosa – Queixei-me. Oh, bem. Não era como se eu nunca
tivesse comido antes. Isso fazia parte da fachada. Uma parte desagradável.
Procurei pela coisa mais próxima, e fixei o olhar dela enquanto eu mordia um
pedaço do que quer que fosse. Sem olhar, não conseguia perceber o que era.
Era repugnante e espesso e repulsivo como qualquer outra comida humana.
Mastiguei rapidamente e engoli, tentando não fazer nenhuma careta. A pequena
quantidade de comida moveu-se lenta e desconfortavelmente pela minha
garganta abaixo. Eu suspirei enquanto pensava em como a ia ter que tirar mais
tarde. Nojento.
A expressão de Bella estava chocada. Impressionada.
Eu quis revirar os olhos.
- Se alguém te desafiasse a comer terra, podias fazê-lo, não podias?
O seu nariz torceu-se e depois ela sorriu – Já comi… num jogo de verdade ou
consequência. Não foi assim tão mau.
Sim, na tradução do livro diz que foi num ‘encontro’. É só para verem a que
ponto a tradução portuguesa foi mal feita nos nossos livros.
Eu ri-me – Suponho que não estou surpreendido.
Eles parecem à vontade, não parecem? Boa linguagem corporal. Mais tarde eu
digo à Bella a minha opinião. Ele está inclinando na direcção dela como é
suposto, se estiver interessado. Ele parece interessado. Ele parece… perfeito -
Jessica suspirou - Ai ai.
Encontrei os olhos curiosos de Jessica, e ela desviou o olhar nervosa, a dar
risinhos à rapariga do lado.
Hum. É melhor eu ficar com o Mike. Realidade, não fantasia…
- A Jessica está a analisar tudo o que eu faço – Informei Bella – Há-de facultar-te
a sua interpretação mais logo.
Empurrei o prato de comida na direcção dela de novo, aí percebi que era pizza,
e imaginei a melhor forma de começar. A minha anterior frustração queimou
novamente enquanto as palavras se repetiam na minha cabeça: Mais do que ele
gosta de mim. Mas não vejo como evitá-lo.
Ela deu uma mordidela na mesma fatia de pizza. Impressionou-me como ela era
tão confiante. Claro, ela não sabia que eu era venenoso, não que aquele pedaço
de comida a pudesse magoar. Ainda assim, eu estava à espera que ele me
tratasse de maneira diferente. Nunca fazia isso, pelo menos, não de uma forma
negativa…
Eu devia começar de uma forma gentil.
- Com que então a empregada de mesa era bonita?
Ela levantou uma sobrancelha outra vez – Não reparaste mesmo?
Como se qualquer outra mulher pudesse tirar a minha atenção de Bella.
Absurdo, de novo.
- Não, não estava a prestar atenção. Tinha muito em que pensar – E uma das
coisas foi a fina camisa dela…
Ainda bem que ela tinha vestido aquela horrível camisola hoje.
- Pobre rapariga - Disse Bella, a sorrir.
Ela gostou que eu não tivesse achado a empregada interessante em nenhuma
maneira. Eu conseguia entender isso. Quantas vezes é que eu me tinha
imaginado a mutilar o Mike Newton na sala de biologia?
Ela não podia mesmo acreditar que os seus sentimentos humanos, fruto de
dezassete curtos anos humanos, podiam ser mais fortes que as paixões imortais
que tinham estado a crescer dentro de mim durante um século.
- Algo que disseste à Jessica… - Eu não conseguia manter a minha voz casual –
Bem, incomoda-me.
Ela colocou-se imediatamente na defensiva – Não me admira que tenhas ouvido
algo que não te agradou. Sabes o que se diz das pessoas que escutam as
conversas alheias…
Que essas pessoas nunca ouvem coisas boas sobre eles próprios, era esse o
ditado.
- Eu avisei-te que estaria à escuta – Lembrei-a.
- E eu avisei-te de que não querias saber tudo o que eu pensava.
Ah, ela estava a pensar de quando eu a fiz chorar. O remorso fez a minha voz
ficar mais séria.
- Pois avisaste. No entanto, não estás bem certa. Eu quero, de facto, saber o
que estás a pensar, tudo. Só gostaria que não pensasses algumas coisas.
Mais meias - verdades. Eu sabia que não devia querer que ela gostasse de mim.
Mas eu queria. É claro que eu queria.
- Grande diferença – Queixou-se, a fazer uma careta com um olhar carregado.
- Mas não é propriamente essa a questão neste momento.
- Então, qual é?
Inclinou-se na minha direcção, a mão dela à volta do seu pescoço. Isso atraiu o
meu olhar, distraindo-me. Como a sua pele devia ser suave…
Concentra-te, ordenei a mim próprio.
- Crês verdadeiramente que gostas mais de mim do que eu de ti? - Perguntei. A
pergunta soava ridícula para mim, como se as palavras estivessem trocadas.
Os seus olhos estavam bem abertos, a respiração parou. Depois ela desviou o
olhar, piscando rapidamente os olhos. A respiração dela voltou baixo suspiro.
- Estás a fazê-lo novamente - Murmurou.
- O quê?
- A deslumbrar-me – Admitiu ela, a olhar-me cuidadosamente nos olhos.
- Ah - Hum. Eu não sabia bem o que fazer em relação a isso. Nem tinha a
certeza de que não a queria deslumbrar. Eu ainda estava excitado por saber
que o conseguia fazer. Mas isso não estava a ajudar o progresso da conversa.
- A culpa não é tua - Suspirou – Não consegues evitar.
- Vais responder à pergunta? – Quis saber.
Ela olhou para a mesa – Sim,
Foi tudo o que ela disse.
- Referes-te a responder à pergunta ou ao facto de realmente pensares assim? -
Perguntei impacientemente.
- Sim, penso mesmo assim – Disse ela sem olhar para cima. Havia um leve tom
de tristeza na sua voz. Ela corou de novo, e os seus dentes mexeram-se
inconscientemente para mordiscar o lábio.
Abruptamente, percebi que para ela aquilo era muito difícil de admitir, porque
ela acreditava realmente naquilo. E eu não era melhor do que aquele cobarde,
Mike, a pedir para que ela confirmasse os seus sentimentos antes de eu
confirmar os meus próprios. Não importava que eu sentisse que tivesse posto o
meu lado absolutamente claro. Eu ainda não lhe tinha dito, e isso não tinha
desculpa.
- Estás enganada – Garanti-lhe. Ela deve ter ouvido a ternura na minha voz.
Bella olhou para mim, os seus olhos opacos não me disseram nada – Não podes
saber isso - Murmurou.
Ela pensava que eu estava a subestimar os seus sentimentos porque não
conseguia ouvir os seus pensamentos. Mas, na verdade, o problema é que ela
estava a subestimar os meus.
- O que te leva a pensar assim? - Perguntei.
Ela olhou para mim, com a ruga entre as suas sobrancelhas, a morder os lábios.
Pela milionésima vez, desejei desesperadamente poder ouvi-la.
Eu estava prestes a implorar para que ela me dissesse o que tanto pensava,
mas ela levantou um dedo para me impedir de falar.
- Deixa-me pensar - Pediu.
Desde que ela estivesse simplesmente a organizar os seus pensamentos, eu
podia ser paciente.
Ou fingir que era.
Ela pressionou as mãos uma contra a outra, cruzando e descruzando os seus
dedos finos. Ela estava a olhar para as suas mãos como se pertencessem a
outra pessoa enquanto falava.
- Bem, além do óbvio – Murmurou - Por vezes… Não posso ter a certeza, pois
não consigo adivinhar pensamentos, mas por vezes parece que estás a tentar
despedir-te quando estás a dizer outra coisa – Não olhou para cima.
Ela tinha percebido aquilo, não tinha? Será que ela percebia que era apenas
fraqueza e egoísmo que me mantinham aqui? Pensava menos de mim por causa
disso?
- És muito perspicaz - Expirei, e depois vi com horror a dor que passava na sua
expressão. Apressei-me a contradizer a sua suposição – É, porém, exactamente
por isso que estás enganada - Comecei, e depois parei, lembrando-me das
primeiras palavras da sua explicação – A que te referes quando falas do
“óbvio”?
- Bem, olha para mim – Disse.
Eu estava a olhar. Tudo o que eu fazia era olhar para ela. O que ela queria
dizer?
- Suo absolutamente vulgar – Explicou – Bem, à excepção de todos os aspectos
negativos, como as experiências de morte iminente e o facto de ser tão
desastrada que quase chego a ser inválida. Agora olha para ti - Abanou o ar na
minha direcção com a mão, como se estivesse a explicar uma coisa tão óbvia
que não valia a pena descrever.
Ela pensava que era vulgar? Pensava que eu era de alguma forma preferível a
ela? Na avaliação de quem? Pessoas tolas, com a mente pequena, humanos
cegos como Jessica ou a Sra. Cope? Como é que ela não percebia que era a
coisa mais bela… mais extraordinária… essas palavras nem sequer eram o
suficiente.
E ela não fazia ideia.
- Sabes, não tens uma imagem muito clara de ti mesma – Disse-lhe – Admito
que estás absolutamente certa quanto aos aspectos negativos – Ri-me sem
humor. Eu não achava cómico o destino miserável que a assombrava. Ser
desastrada, no entanto, era um pouco engraçado. Amoroso. Será que
acreditaria em mim se eu lhe dissesse que era linda por dentro e por fora?
Talvez ela achasse corroboração mais persuasiva - Mas não ouviste o que cada
humano do sexo masculino pensou no teu primeiro dia de aulas.
Ah, a esperança, a excitação, a ansiedade daqueles pensamentos. A velocidade
em que se tornaram em fantasias impossíveis. Impossíveis, porque ela não
queria nenhum deles.
Eu fui aquele a quem ela disse sim.
O meu sorriso devia estar a parecer convencido.
O rosto dela estava branco com surpresa – Não acredito – Murmurou.
- Confia em mim só desta vez, és o contrário de vulgar.
Só a sua existência era desculpa o suficiente para a criação do mundo inteiro.
Ela não estava habituada a elogios, eu conseguia ver isso. Outra coisa a qual ela
simplesmente ia ter que se habituar. Corou, e mudou de assunto – Mas eu não
vou despedir-me de ti.
- Será que não vês? É isso que prova que eu tenho razão. Os meus sentimentos
são mais fortes, pois, se eu consigo fazê-lo… - Será que algum dia eu seria
bondoso o suficiente para fazer a coisa certa? Abanei a cabeça em desespero. Ia
ter que arranjar a força. Ela merecia uma vida, não aquilo que Alice tinha
previsto para ela – Se partir for a atitude correcta a tomar - E tinha que ser a
coisa certa, não tinha? Não havia nenhum anjo imprudente. Bella não me
pertencia – Magoar-me-ei a mim mesmo para evitar magoar-te, para manter-te
a salvo.
Enquanto eu dizia as palavras, desejei que fossem verdade.
Ela olhou para mim. De alguma forma, as minhas palavras tinham-na chateado
– E tu julgas que eu não faria o mesmo? – Perguntou furiosamente.
Tão furiosa, tão suave e tão frágil. Como é que ela poderia alguma vez magoar
alguém? – Jamais terias de tomar tal decisão – Disse-lhe, novamente triste pela
grande diferença entre nós.
Fitou-me, a preocupação substituiu a raiva nos seus olhos, e trouxe de volta a
pequena ruga entre eles.
Havia algo verdadeiramente errado com a ordem do universo se alguém tão
bom e tão quebrável não merecesse um anjo da guarda para a manter de
problemas.
Bem, pensei com um humor negro, pelo menos tem um vampiro da guarda.
Sorri. Como eu gostava da minha desculpa para ficar – É claro que manter-te a
salvo começa a revelar-se uma ocupação a tempo inteiro que requer a minha
presença constante.
Ela também sorriu – Ninguém tentou-se livrar de mim hoje – Disse ligeiramente,
e então a sua expressão tornou-se especulativa durante meio segundo antes
dos seus olhos ficarem opacos novamente.
- Por enquanto - Adicionei secamente.
- Por enquanto – Concordou, para minha surpresa. Estava à espera que ela
recusasse qualquer tipo de protecção.
Como é que ele pôde? Aquele parvalhão egoísta! Como ele nos pôde fazer isto?
O ataque mental e incisivo de Rosalie quebrou a minha concentração.
- Calma, Rose - Ouvi Emmett sussurrar do outro lado do refeitório. O braço dele
estava à volta dos ombros dela, a segurá-la firmemente ao seu lado, a prendê-
la.
Desculpa, Edward – Pensou Alice num tom culpado. – Ela conseguiu perceber
que a Bella sabia demasiado pela vossa conversa… e, bem, teria sido pior se eu
não lhe tivesse dito logo a verdade. Confia em mim.
Estremeci ao ver a figura mental que se seguiu, do que teria acontecido se eu
dissesse à Rosalie que Bella sabia que eu era um vampiro em casa, onde
Rosalie não tinha uma fachada a manter. Eu ia ter que esconder meu Aston
Martin nalgum sítio fora do estado se ela não se acalmasse até que o dia escolar
acabasse. A visão do meu carro preferido, destruído e a arder, foi perturbadora,
embora eu soubesse que merecia a retribuição.
Jasper não estava muito mais feliz.
Eu trataria dos outros mais tarde. Eu tinha muito pouco tempo para ficar com
Bella, e não ia desperdiçá-lo. E ouvir Alice lembrou-me que eu tinha algumas
coisas a tratar.
- Tenho outra pergunta para te fazer – Disse, desligando os ataques histéricos
mentais de Rosalie.
- Diz - Disse Bella a sorrir.
- Precisas mesmo de ir a Seattle no próximo fim-de-semana ou tal não passou
de um pretexto para evitares recusar os convites de todos os teus admiradores?
Ela fez-me uma careta – Sabes, ainda não te perdoei por causa do Tyler. Foi por
tua culpa que ele se iludiu, pensando que eu vou ao baile com ele.
- Oh, ele teria arranjado uma oportunidade para te convidar sem a minha ajuda.
Eu só queria mesmo ver a tua cara.
Agora eu ri-me, ao lembrar-me da sua expressão chocada. Nada que eu lhe
tinha dito sobre a minha própria história negra a tinha feito parecer tão
aterrorizada. A verdade não a assustava. Ela queria estar comigo. Espantoso.
- Se eu te tivesse convidado, tu ter-me-ias rejeitado?
- Provavelmente não – Disse – Mas teria cancelado o compromisso mais tarde,
inventando uma doença ou uma entrose num tornozelo.
Que estranho – Porque farias isso?
Ela abanou a cabeça, como se estivesse desapontada por eu não ter percebido
à primeira – Suponho que nunca me viste na aula de Educação Física, mas
pensei que compreenderias.
Ah – Estás a referir-te ao facto de não conseguires percorrer uma área plana e
estável sem encontrar algo em que tropeçar?
- É claro.
- Isso não constituiria um problema. Tem tudo a ver com a forma como a dança
é conduzida.
Por uma breve fracção de segundo, fui submerso na ideia de a segurar nos
meus braços numa dança, onde ela de certeza usaria algo bonito e delicado em
vez desta camisola horrível.
Com perfeita clareza, lembrei-me de como o corpo dela tinha sentido por baixo
do meu depois de eu a tirar do caminho da carrinha desgovernada. Mais forte
do que o pânico ou o desespero, eu conseguia lembrar-me daquela sensação.
Ela tinha estado tão quente e tão macia, encaixando-se perfeitamente na minha
própria forma de pedra…
Libertei-me da memória.
- Mas nunca chegaste a contar-me - Disse rapidamente, impedindo-a de discutir
comigo sobre ser desastrada, como queria de certeza fazer – Estás decidida a ir
a Seattle ou importas-te que nós façamos algo diferente?
Dei-lhe a possibilidade de escolha, sem lhe dar a opção de se afastar de mim
naquele dia. Pouco justo da minha parte. Mas eu tinha-lhe feito uma promessa a
noite passada… E gostei da ideia de a poder cumprir, quase tanto como a ideia
me aterrorizava.
O sol ia estar a brilhar no sábado. Eu podia mostrar-lhe o verdadeiro eu, se
fosse corajoso o suficiente para suportar o seu horror e repugnância. Eu
conhecia o lugar ideal para correr tal risco…
- Estou aberta a outras opções – Disse Bella – Mas tenho um favor a pedir-te.
Absolutamente um sim. O que é que ela podia querer de mim?
- Qual?
- Posso conduzir?
Era esta a sua ideia de humor? – Porquê?
- Bem, principalmente porque quando disse ao Charlie que ia a Seattle, ele
perguntou-me especificamente se ia sozinha. E, na altura, ia. Se ele voltasse a
perguntar, eu provavelmente não mentiria, mas não me parece que ele o faça,
e o facto de deixar a minha pick-up em casa só contribuiria para que o assunto
viesse à baila desnecessariamente. Além disso, também porque a maneira
como conduzes me assusta.
Revirei os olhos – De todas as coisas sobre mim que podiam assustar-te,
preocupas-te com a minha maneira de conduzir - Realmente, o cérebro dela
funcionava de trás para a frente. Abanei a cabeça, com irritação.
Edward – Chamou Alice urgentemente.
De repente eu estava a olhar para um círculo de luz do sol, apanhado numa das
visões da Alice.
Era um lugar que eu conhecia bem, o lugar que eu tinha acabado de considerar
para levar Bella, uma pequena clareira onde ninguém ia além de mim. Um lugar
bonito e calmo onde eu podia estar sozinho, longe o suficiente de qualquer
caminho ou habitação humana. Um sítio onde até a minha mente podia ficar
calma e ter paz.
A Alice também reconheceu aquele sítio, porque tinha-me visto lá há algum
tempo, noutra visão, uma daqueles visões rápidas e indistintas que Alice me
tinha mostrado no dia em que salvei Bella da carrinha.
Naquela visão rápida, eu não tinha estado sozinho. E agora estava mais claro,
Bella estava lá comigo. Então eu era corajoso o suficiente. Ela olhou para mim,
arco-íris a dançar no seu rosto, os olhos demasiado complicados para serem
percebidos.
É o mesmo lugar. Pensou Alice, a mente dela estava cheia com um horror que
não combinava com a visão. Tensão, talvez, mas horror? O que é que ela quis
dizer, é o mesmo lugar?
E então eu vi.
Edward! Protestou Alice, estridente. Eu adoro-a, Edward!
Desviei os pensamentos dela, sem piedade.
Ela não gostava da Bella da mesma maneira que eu. A visão dela era
impossível. Errada. Ela estava cega, de alguma maneira, a ver coisas
impossíveis.
Nem sequer tinha passado meio segundo. A Bella estava a olhar curiosamente
para a minha cara, à espera que eu concordasse com o seu pedido. Será que ela
tinha visto o lampejo de terror, ou tinha sido demasiado rápido para ela?
Concentrei-me nela, na nossa conversa inacabada, e a afastar a Alice e as suas
visões mentirosas dos meus pensamentos. Elas não mereciam a minha atenção.
Mas não consegui manter o tom de brincadeira na minha voz.
- Não queres contar ao teu pai que vais passar o dia comigo? - Perguntei, um
tom sombrio cobria a minha voz.
- Tratando-se de Charlie, quanto menos souber, melhor - Disse Bella, segura
daquele facto – Já agora, onde vamos?
A Alice estava errada. Completamente errada. Não havia oportunidade daquilo
acontecer. Era simplesmente uma visão antiga, agora inválida. As coisas tinham
mudado.
- O tempo estará agradável – Disse-lhe lentamente, a lutar contra o pânico e a
indecisão. A Alice estava errada. Eu ia continuar como se não tivesse ouvido ou
visto nada – Portanto evitarei aparecer em público. E tu podes ficar comigo, se
assim desejares.
Bella percebeu o significado daquilo à primeira. Os seus olhos estavam
brilhantes e ansiosos – E mostras-me aquilo a que te referias, a respeito do Sol?
Talvez, como tantas vezes antes, a reacção dela fosse o oposto do que eu
esperava. Sorri com essa possibilidade, e lutei para voltar ao momento mais
leve - Mostro, mas… - Ela ainda não tinha tido sim – Se não quiseres ficar… a
sós comigo, continuo a preferir que não vás a Seattle sozinha. Tremo só de
pensar nos sarilhos que poderias arranjar numa cidade daquele tamanho.
Os lábios dela juntaram-se. Estava ofendida.
- Phoenix é três vezes maior do que Seattle, apenas em termos populacionais. A
nível de dimensão geográfica…
- Mas pelos vistos ainda não tinhas dado o teu melhor quando lá estavas - Disse,
a cortar as suas justificações – Assim, preferia que ficasses perto de mim.
Podia ficar para sempre que ainda não seria o tempo suficiente.
Eu não devia pensar assim. Nós não tínhamos para sempre. Os segundos
passavam mais depressa do que antes, cada segundo mudava-a enquanto eu
continuava o mesmo.
- Por acaso, não me importo de ficar a sós contigo – Disse ela.
Não, porque os seus instintos estavam completamente do avesso.
- Eu sei - Suspirei – Mas devias informar o Charlie.
- Por que carga de água haveria de fazer isso? - Perguntou, a parecer
horrorizada.
Olhei para ela, as visões que eu não conseguia bem reprimir a girar
enjoativamente na minha cabeça.
- Para me dares um pequeno incentivo para te trazer de volta – Disse num tom
enervado. Ela devia-me dar pelo menos isso, uma testemunha para me obrigar
a ser cauteloso.
Por que é que a Alice teve que me forçar a tudo isto agora?
Bella engoliu ruidosamente, e olhou para mim durante um longo momento. O
que tinha ela visto?
- Acho que correrei esse risco - Disse.
Argh! Ela via alguma animação em arriscar a vida? Ansiava por algum momento
de adrenalina?
Eu fiz careta à Alice, que me olhou com uma expressão de advertência. Ao lado
dela, Rosalie estava a encarar-me furiosamente, mas não me podia ter
importado menos. Ela que destrua o carro. É só um brinquedo.
- Vamos conversar sobre outra coisa - Sugeriu Bella de repente.
Voltei a olhar para ela, a perguntar-me como é que ela podia ser tão indiferente
ao que importava na realidade. Por que é que ela não via o mostro que eu era?
- Queres conversar sobre o quê?
Os seus olhos viraram-se para a esquerda e para a direita, como se estivesse a
confirmar que ninguém estava a ouvir. Ela devia estar a planear conversar
sobre outro tópico relacionado com mitos. Os seus olhos congelaram por um
segundo e o seu corpo ficou rígido. Então olhou para mim.
- Porque foste àquele lugar chamado Goat Rocks no fim-de-semana passado?
Foste caçar? O Charlie disse que não era um bom sítio para passear, devido aos
ursos.
Tão indiferente. Continuei a olhar para ela, com uma sobrancelha levantada.
- Ursos? - Ofegou.
Sorri ironicamente, prestando atenção enquanto ela absorvia aquilo. Isto faria
com que ela me levasse a sério? Será que alguma coisa fazia?
Ela recompôs a expressão – Sabes, não estamos na época dos ursos – Disse ela
severamente, a semicerrar os olhos.
- Se leres com atenção, as leis só abrangem a caça com armas.
Ela perdeu o controlo do seu rosto por um momento. Os seus lábios abriram-se.
- Ursos? - Disse outra vez, uma pergunta experimental desta vez, não a ofegar
de choque.
- O urso-pardo é o preferido de Emmett.
Observei os olhos dela, a ver aquilo a assentar.
- Hum - Murmurou. Mordeu um pedaço de pizza, a olhar para baixo. Mastigou
pensativamente, então tomou uma bebida.
- Então – Disse, finalmente a olhar para cima – Qual é o teu preferido?
Supus que devia ter esperado algo assim, mas não tinha. Bella era sempre
interessante, no mínimo.
- O leão da montanha - Respondi bruscamente.
- Ah – Disse ela com uma voz neutra. Os seus batimentos cardíacos continuaram
estáveis e regulares, como se estivéssemos a discutir um restaurante preferido.
Tudo bem, então. Se ela queria agir como se isto não fosse nada de anormal…
- Como é evidente, temos de ter o cuidado de não causar impacto no ambiente
com a caça imprudente – Disse-lhe, a minha voz distanciada e sem emoção –
Tentamos concentra-nos em áreas com um excesso de predadores,
distanciando-nos no terreno tanto quanto o necessário. Aqui, existe sempre
uma grande abundância de veados e alces e estes servem, mas que gozo dá
caçá-los?
Ela ouviu com uma expressão educadamente interessada, como se eu fosse um
professor a ditar trabalhos de casa. Tive que sorrir.
- Sim, de facto - Murmurou calmamente, e mordeu outro pedaço de pizza.
- O inicio da Primavera é a época de caça ao urso preferido do Emmett – Disse
eu, a continuar a lição – Estão mesmo a sair da hibernação, e por isso, estão
mais irritáveis.
Setenta anos depois, e ele ainda não tinha ultrapassado o facto de ter perdido
aquela primeira luta.
- Não há nada mais divertido do que um urso-pardo irritado – Concordou Bella, a
acenar solenemente.
Não consegui conter um riso quando abanei a cabeça à calma ilógica dela.
Tinha que ser fingida – Por favor, diz-me o que estás a pensar.
- Estou a tentar imaginar, mas não consigo - Disse, a pequena ruga a aparecer
entre os seus olhos – Como é que vocês caçam um urso sem armas?
- Oh, nós temos armas – Disse-lhe, e depois abri um largo sorriso. Estava à
espera que ela se encolhesse, mas ficou parada, a olhar para mim – Só que não
são do tipo daquelas que se levam em consideração quando se redigem as leis
de caça. Se já assististe ao ataque de um urso na televisão, devias conseguir
visualizar a caçada do Emmett.
Ela deu uma olhadela à mesa onde os outros estavam sentados, e arrepiou-se.
Finalmente. E aí ri-me de mim próprio, porque parte de mim queria que ela
continuasse indiferente àquilo.
Os seus olhos escuros estavam arregalados e profundos quando ela voltou a
olhar para mim – Também te assemelhas a um urso? - Perguntou, quase a
sussurrar.
- Assemelho-me mais ao leão, ou pelo menos é isso que me dizem – Disse-lhe, a
tentar soar desinteressado novamente – Talvez as nossas preferências sejam
indicativas.
Os seus lábios levantaram-se um bocado nos cantos - Talvez - Repetiu. E depois
a cabeça inclinou-se para o lado, e a curiosidade estava inesperadamente
expressa nos seus olhos – Trata-se de algo a que poderei assistir?
Eu não precisava das imagens de Alice para ilustrar este horror, a minha
imaginação já era boa o suficiente.
- Claro que não! – Rosnei-lhe.
Ela desviou-se de mim, os seus olhos espantados e assustados.
Eu também me afastei, queria deixar algum espaço entre nós. Ela nunca ia ver,
pois não? Ela não ia mesmo fazer uma coisa sequer para me ajudar a mantê-la
viva.
- É algo demasiado assustador para mim – Perguntou-me, com a voz controlada.
No entanto o seu coração ainda se estava a mexer com o dobro da velocidade.
- Se o problema fosse esse, levava-te hoje mesmo a fazê-lo – Respondi entre
dentes – Tu precisas de uma dose saudável de medo. Nada te seria tão
benéfico.
- Então porquê? – Perguntou, insistente.
Fitei-a sombriamente, à espera que ela ficasse com medo. Eu estava com medo.
Conseguia imaginar demasiado claramente ter Bella por perto enquanto
caçava…
Os olhos dela continuaram curiosos, impacientes, nada mais. Ela esperou pela
sua resposta, sem ceder.
Mas a nossa hora tinha acabado.
- A resposta a essa pergunta fica para depois – Disse rapidamente, e pus-me de
pé – Vamos chegar atrasados.
Ela olhou à volta dela própria, desorientada, como se tivesse esquecido de que
estava no almoço. Como se tivesse esquecido que estávamos na escola sequer,
estava surpreendida por não estarmos a fazer sozinhos nalgum lugar particular.
Eu entendia exactamente esse sentimento. Era difícil lembrar-me do resto do
mundo quando eu estava com ela.
Ela levantou-se rapidamente, abanou a cabeça uma vez, e depois pôs a mochila
no ombro.
- Fica então para depois – Disse ela, e eu consegui ver a determinação na sua
boca.
12º Capitulo - Complicações
A Bella e eu andámos silenciosamente até à aula de biologia. Eu estava a tentar
focar-me no momento, na rapariga ao meu lado, no que era real e sólido, em
qualquer coisa que mantivesse as visões enganosas e sem sentido da Alice
longe de minha cabeça.
Passámos por Angela Weber, que estava na calçada a discutir um trabalho com
um rapaz da sua aula de trigonometria. Passei pelos pensamentos dela
mecanicamente, à espera de mais desapontamentos, apenas para ser
surpreendido com o seu quase grito de alegria com um pouco de melancolia.
Ah, então havia alguma coisa que Angela queria. Infelizmente, não era algo que
pudesse ser facilmente embrulhado.
Senti-me estranhamente confortado por um momento, ao ouvir o desejo sem
esperança de Angela. Um sentimento de afinidade que Angela de nunca
saberia, passou por mim, e eu fiquei, naquele segundo, de acordo com aquela
simpática rapariga humana.
Eu estava estranhamente consolado por saber que não era o único a viver uma
trágica história de amor. Corações partidos estavam em todo o lado.
No segundo seguinte, fiquei abruptamente e completamente irritado. Porque a
história de Angela não tinha que ser trágica. Ela era humana e ele era humano,
e a diferença que parecia tão insuperável na sua cabeça era ridícula, realmente
ridícula comparada com a minha própria situação. Não havia motivo para o seu
coração partido. Que tristeza mais desperdiçada, quando não havia nenhuma
razão válida para ela não estar com quem queria. Por que é que ela não devia
ter o que ela queria? Por que é que esta história não havia de ter um final feliz?
Eu queria dar-lhe um presente… Bem, eu iria dar-lhe o que ela queria. Sabendo
o que eu sabia da natureza humana, provavelmente nem seria muito difícil.
Analisei a consciência do rapaz ao lado dela, o objecto dos seus sentimentos, e
ele não pareceu estar de má vontade, estava simplesmente bloqueado pela
mesma dificuldade que ela estava. Sem esperanças, tal como ela estava.
Tudo que eu teria que fazer era implantar a sugestão…
O plano formou-se facilmente, o guião escreveu-se por ele próprio sem esforço
da minha parte. Iria precisar da ajuda de Emmett. Convencê-lo a concordar com
isto era a única verdadeira dificuldade. A natureza humana era muito mais fácil
de manipular do que a natureza dos vampiros.
Estava satisfeito com a minha solução, com o meu presente para Angela. Era
uma boa distracção dos meus próprios problemas. Quem me dera que os meus
fossem tão fáceis de serem resolvidos.
O meu humor estava ligeiramente melhor enquanto eu e a Bella nos sentámos
nos nossos lugares. Talvez eu devesse ser mais positivo. Talvez houvesse
alguma solução para nós que me estivesse a escapar, da mesma forma que a
solução óbvia para Angela não era visível para ela. Pouco provável… mas para
quê perder tempo com falta de esperanças? Eu não tinha tempo para
desperdiçar quando se tratava de Bella. Cada segundo importava.
O Senhor Banner entrou a empurrar uma velha televisão e leitor de vídeo. Ele
estava a passar por uma matéria que não lhe interessava particularmente
(distúrbios genéticos) ao mostrar um vídeo pelos próximos três dias. O Óleo de
Lorenzo não era uma peça muito alegre, mas isso não parou a excitação na
sala. Sem notas, sem materiais de teste. Três dias livres. Os humanos estavam
contentíssimos.
Não me fazia diferença de qualquer das maneiras. Eu não tinha planeado
prestar atenção a alguma coisa a não ser Bella.
Hoje não desviei a minha cadeira da dela, para me dar espaço para respirar. Em
vez disso, sentei-me proximamente ao lado dela como qualquer humano normal
faria. Mais perto do que quando nos sentámos no meu carro, perto o suficiente
para que o lado esquerdo do meu corpo se sentisse submergido no calor da sua
pele.
Era uma experiência estranha, tanto agradável como enervante, mas eu
preferia isto a sentar-me na outra ponta da mesa. Era mais ao que eu estava
habituado, mas no entanto, rapidamente percebi que não era o suficiente. Eu
não estava satisfeito. Estar a esta distância dela fez-me querer estar ainda mais
perto. A força crescia à medida que me aproximava dela.
Eu tinha-a acusado de ser um íman para o perigo. Neste momento, parecia que
aquela era a verdade literal. Eu era perigo, e a cada centímetro que eu me
permitia ficar mais próximo dela, a sua força de atracção crescia em força.
E então o Senhor Banner desligou as luzes.
Foi estranho quanta diferença isto fez, considerando que a falta da luz
significava pouco para os meus olhos. Eu ainda conseguia ver tão perfeitamente
como antes. Cada detalhe da sala era claro.
Então porquê o súbito choque de electricidade no ar nesta sala escura que não
era escura para mim? Era porque eu sabia que era o único que conseguia ver
claramente? Era por Bella e eu estarmos invisíveis para os outros? Como se
estivéssemos sozinhos, só nós os dois, escondidos na sala escura, sentados tão
perto um do outro…
A minha mão mexeu-se na direcção de Bella sem a minha permissão. Só para
tocar na sua mão, segurá-la na escuridão. Seria um erro assim tão horrível? Se a
minha pele a incomodasse, ela só tinha que afastar a sua mão…
Puxei rapidamente a minha mão, cruzei os braços firmemente contra o meu
peito e cerrei as minhas mãos. Sem erros. Prometi a mim mesmo que não
cometeria erros, independentemente de parecerem pequenos. Se eu segurasse
na mão dela, eu ia querer mais. Outro toque insignificante, outro movimento
para mais perto dela. Eu conseguia sentir isso. Um novo tipo de desejo estava a
crescer dentro de mim, a lutar para superar o meu auto-controlo.
Sem erros.
Bella cruzou os braços com segurança sob o seu próprio peito, e as suas mãos
cerraram-se até punhos, tal como as minhas.
No que é que estás a pensar? Eu estava a morrer por lhe murmurar essas
palavras, mas a sala estava silenciosa o suficiente para se ouvir a mínima
conversa.
O filme começou, iluminando a escuridão apenas um bocado. Bella olhou para
mim. Reparou na maneira rígida que eu mantinha o meu corpo, tal como ela, e
sorriu. Os seus lábios separaram-se ligeiramente, e os seus olhos pareciam
cheios de calorosos convites.
Ou talvez eu estivesse a ver o que queria ver.
Sorri-lhe também. A respiração dela saiu ligeiramente ofegante e ela olhou
rapidamente para outro lado.
Isso piorou as coisas. Eu não sabia os pensamentos dela, mas tinha quase a
certeza que antes eu tinha tido razão, e que ela queria que eu lhe tocasse. Ela
sentiu esse desejo perigoso assim como eu.
Entre o corpo dela e o meu, a electricidade intensificava-se.
Ela não se mexeu durante aquela hora, mantendo-se rígida, com a postura
controlada assim como eu controlava a minha. Ocasionalmente, ela espreitava
para me ver outra vez, e a corrente eléctrica passava por mim com um súbito
choque.
A hora passou lentamente, mas mesmo assim, não lenta o suficiente. Isto era
tão novo, eu podia ficar aqui sentado com ela durante dias, só para
experimentar o sentimento por completo.
Tive uma dúzia de diferentes discussões comigo mesmo enquanto os minutos
passaram. Racionalidade a lutar contra o desejo enquanto eu tentava justificar
tocar-lhe.
Finalmente, o Sr. Banner ligou as luzes novamente.
Na brilhante luz fluorescente, a atmosfera da sala voltou ao normal. A Bella
suspirou e espreguiçou-se, a flectir os dedos à sua frente. Deve ter sido
desconfortável para ela manter-se naquela posição por muito tempo. Era mais
fácil para mim, a imobilidade vinha naturalmente.
Soltei um riso devido à expressão de alívio no seu rosto – Bem, foi interessante.
- Hum - Murmurou, a entender claramente ao que eu me referia, mas sem fazer
comentários. O que eu não dava para saber o que é que ela estava a pensar
neste momento.
Suspirei. Nem toda a vontade do mundo ia ajudar nisso.
- Vamos? - Perguntei, levantando-me.
Ela fez uma careta e pôs-se de pé de uma maneira instável, as suas mãos
estendidas como se estivesse com medo que fosse cair.
Eu podia oferecer a minha mão. Ou podia colocar essa mesma mão por baixo do
seu cotovelo, apenas ligeiramente, e apoiá-la. De certeza que não seria assim
uma infracção tão horrível…
Sem erros.
Ela estava bastante silenciosa enquanto caminhávamos em direcção do ginásio.
A ruga entre os seus olhos era evidente, um sinal de que ela estava a pensar
profundamente. Eu, também, estava a pensar profundamente.
Um toque na sua pele não a iria magoar, argumentava o meu lado egoísta.
Eu podia facilmente moderar a pressão da minha mão. Não era propriamente
difícil, desde que eu estivesse em pleno controlo de mim próprio. O meu sentido
táctil era mais desenvolvido do que o de um humano. Eu podia fazer
malabarismos com uma dúzia de cristais sem partir nenhum. Eu podia tocar
numa bolha de sabão sem a rebentar. Desde que eu estive em pleno controlo…
Bella era como uma bolha de sabão, frágil e efémera. Temporária.
Durante quanto mais tempo é que eu seria capaz de justificar a minha presença
na sua vida? Quanto tempo é que eu tinha? Será que teria outra oportunidade
como esta, como este momento, este segundo? Ela não estaria sempre ao
alcance dos meus braços…
Bella virou-se para olhar para mim à porta do ginásio, e os seus olhos
arregalaram-se devido à expressão do meu rosto. Não falou. Eu olhei para mim
mesmo através do reflexo nos seus olhos, e vi o conflito dentro de mim. Vi a
minha cara a mudar quando o meu melhor lado perdeu o argumento.
A minha mão levantou-se, sem uma ordem consciente para que isso
acontecesse. Tão gentilmente como se ela fosse feita do vidro mais fino, como
se ela fosse tão frágil como uma bolha, os meus dedos afagaram a pele quente
que cobria a sua bochecha. Aqueceu por baixo do meu toque, e eu conseguia
sentir o fluxo sanguíneo a acelerar por baixo da sua pele transparente.
Chega, ordenei, apesar de a minha mão estar a lutar para se moldar àquela
parte do seu rosto. Chega.
Foi difícil retirar a mão, parar de me aproximar mais dela do que já estava. Mil
possibilidades diferentes passaram na minha cabeça num instante, milhares de
maneiras diferentes de lhe tocar. A ponta do meu dedo a traçar o contorno dos
seus lábios. A minha palma a acariciar o seu queixo. Tirar o gancho do seu
cabelo e deixá-lo espalhar-se na minha mão. Os meus braços a envolver-lhe a
cintura, a segurá-la contra a extensão de meu corpo.
Chega.
Forcei-me a virar, para me afastar dela. O meu corpo mexeu-se pesadamente,
sem vontade.
Deixei a minha mente ficar para trás para ver Bella enquanto eu me afastava,
quase a da tentação. Apanhei os pensamentos de Mike Newton, eram os mais
audíveis, enquanto ele via Bella a passar por ele sem lhe ligar, os seus olhos
desfocados e as bochechas coradas. Ele enfureceu-se e de repente o meu nome
estava misturado em asneiras na mente dele. Não consegui evitar rir-me em
resposta.
A minha mão estava a formigar. Flexionei-as e depois cerrei os punhos, mas a
dormência continuou, sem dor.
Não, eu não a tinha magoado, mas mesmo assim, tocar-lhe tinha sido um erro.
Pareciam chamas, como se a sede ardente na minha garganta se tivesse
espalhado pelo meu corpo todo.
Da próxima vez que eu estivesse próximo dela, seria eu capaz de me impedir de
lhe tocar novamente? E se eu lhe toquei uma vez, seria capaz de parar por aí?
Sem mais erros. Era isso. Contenta-te com a memória, Edward, disse para mim
mesmo com um sorriso, e guarda as tuas mãos para ti próprio. Era isso ou teria
que me forçar a partir, de alguma forma. Porque eu não me poderia permitir a
estar perto dela se eu insistisse em cometer estes erros.
Respirei fundo e tentei acalmar os meus pensamentos.
Emmett apanhou-me fora do edifício de Inglês.
- Hei, Edward - Ele parece melhor, estranho, mas melhor. Feliz.
- Hei Em - Parecia feliz? Supus que sim, que apesar do caos na minha cabeça,
eu me sentia dessa forma.
É melhor manteres a boca fechada, miúdo. A Rosalie quer arrancar-te a língua.
Suspirei – Desculpa ter-te deixado a tratar disso. Estás zangado comigo?
- Nah, a Rosalie ultrapassa isso. Era suposto acontecer de qualquer das
maneiras – Com o que a Alice vê a aproximar-se…
As visões de Alice não são algo que eu quisesse pensar neste momento. Olhei
para a frente, os meus dentes cerrados.
Enquanto procurava uma distracção, vi Ben Cheney a entrar na sala de
Espanhol à nossa frente. Ah, aqui estava a minha oportunidade de dar a Angela
Weber o seu presente.
Parei de andar e agarrei no braço de Emmett – Aguenta um segundo.
O que se passa?
- Eu sei que não mereço, mas far-me-ias um favor de qualquer das maneiras?
- O que é? - Perguntou, curioso.
Por baixo da minha respiração, e a uma velocidade que faria as palavras
incompreensíveis para qualquer humano, independentemente do volume a que
fossem ditas, expliquei-lhe o que queria.
Ele fitou-me, sem expressão, quando eu terminei. Os seus pensamentos
estavam tão confusos quanto a sua expressão.
- E então? – Perguntei – Ajudas-me com isso?
Demorou um minuto para que ele respondesse - Mas, porquê?
- Vá lá Emmett, por que não?
Quem és tu e o que é que fizeste ao meu irmão?
- Não és tu que te queixas que a escola é sempre o mesmo? Isto é algo um
tanto diferente, não achas? Considera isto uma experiência, uma experiência
sobre a natureza humana.
Olhou para mim por mais um momento antes de dizer - Bem, isto é diferente, lá
isso é… Ok, pronto - Bufou Emmett e depois encolheu os ombros – Eu ajudo-te.
Sorri-lhe, sentia-me mais entusiasmado com o meu plano agora do que antes. A
Rosalie era uma chata, mas eu ia ficar sempre a dever-lhe uma por ter
escolhido Emmett, ninguém tinha um irmão melhor que o meu.
Emmett não precisava de praticar. Eu sussurrei-lhe as falas enquanto
entrávamos na sala de aula.
Ben já estava no seu lugar, atrás do meu, a ajeitar os seus trabalhos para
entregar.
Emmett e eu, ambos nos sentámos e fizemos a mesma coisa. A turma ainda
não estava em silêncio, o burburinho de conversas paralelas continuaria até que
a senhora Goff chamasse à atenção. Ela não estava com pressa, estava a
contemplar os questionários da aula passada.
- Então – Disse Emmett, a sua voz mais alta que o necessário se estivesse
mesmo a falar apenas para mim – Já convidaste a Angela Weber para sair?
O som de papéis atrás de mim cessou abruptamente enquanto Ben congelava,
a sua atenção repentinamente cravada na nossa conversa.
Angela? Eles estão a falar da Angela?
Óptimo. Tinha a sua atenção.
- Não – Disse eu, a balançar lentamente a cabeça para parecer arrependido.
- Por que não? - Improvisou Emmett – Estás com medo?
Sorri-lhe – Não. Ouvi dizer que estava interessada noutra pessoa.
O Edward Cullen ia convidar a Angela para sair? Mas… Não. Eu não gosto disso.
Eu não o quero perto dela. Ele não… não é certo para ela. Não é… seguro.
Eu não tinha previsto o cavalheirismo, o instinto protector. Tinha estado a
trabalhar no ciúme. Mas qualquer coisa servia.
- Vais deixar que isso te impeça? - Perguntou Emmett, a improvisar novamente
– Não estás numa de competição?
Olhei para ele, mas fiz uso do que ele me deu – Olha, eu acho que ela gosta
mesmo de um tal Ben. Não a vou tentar convencer do contrário. Há outras
raparigas.
A reacção na cadeira atrás da minha foi eléctrica.
- Quem? – Perguntou Emmett, de volta ao guião.
- O meu colega de laboratório disse que era algum rapaz chamado Cheney. Não
tenho a certeza se o conheço.
Mordi os meus lábios para não sorrir. Apenas os “poderosos” Cullen poderiam
convencer alguém com esse fingimento de não conhecer cada aluno desta
escola minúscula.
A cabeça de Ben estava a girar com o choque. Eu? Acima de Edward Cullen?
Mas por que é que ela haveria de gostar de mim?
- Edward - Murmurou Emmett num tom baixo, a revirar os olhos na direcção do
rapaz - Ele está mesmo atrás de ti - Mexeu os lábios, de uma maneira tão óbvia
que o humano facilmente podia ler as palavras.
- Oh - Murmurei.
Virei-me no meu assento e olhei uma vez para o rapaz atrás de mim. Durante
um segundo, os olhos negros atrás dos óculos tiveram medo, mas depois pôs-se
numa posição rígida e alinhou os seus ombros estreitos, afrontado pela minha
clara e depreciativa avaliação. O seu queixo projectou-se e uma vermelhidão de
raiva escureceu a sua pele bronzeada.
- Huh – Disse eu arrogantemente enquanto me voltava para Emmett.
Ele pensa que é melhor que eu. Mas a Angela não. Eu vou mostrar-lhe...
Perfeito.
- Mas não disseste que ela ia levar o Yorkie ao Baile? - Perguntou Emmett, a
roncar ao dizer o nome do rapaz que tantos achavam que era estranho.
- Aparentemente essa foi uma decisão de grupo - Eu queria ter a certeza de que
Ben estava a ouvir claramente – A Angela é tímida. Se o B… Bem, se um rapaz
não tiver coragem para lhe convidar para sair, ela nunca lhe irá perguntar.
- Tu gostas de raparigas tímidas - Disse Emmett, de volta aos improvisos –
Raparigas calmas. Raparigas como… hum, não sei. Talvez Bella Swan?
Sorri-lhe – Exactamente - Depois voltei para a encenação – Talvez a Angela se
canse de esperar. Talvez a convide para o baile.
Não, não convidas. Pensou Ben, a endireitar-se na sua cadeira. E então que ela
seja mais alta que eu? Se ela não se importa, eu também não. Ela é a rapariga
mais simpática, mais esperta e mais bonita desta escola. E ela quer-me a mim.
Gostei deste Ben. Ele parecia claro e bem esclarecido. Talvez até merecesse
uma rapariga como a Angela.
Fiz um polegar para cima ao Emmett por debaixo da carteira enquanto a Sra.
Goff parou e saudou a turma.
Ok, eu admito, aquilo foi um tanto engraçado. Pensou Emmett.
Sorri para mim mesmo, feliz por ter sido capaz de moldar o final feliz de uma
história de amor. Eu tinha a certeza que Ben ia cair na armadilha e que Angela
iria receber o meu presente anónimo. A minha dívida foi paga.
Que tolos eram os humanos, deixar que uma diferença de 15 centímetros
confundisse a sua felicidade.
O meu sucesso deixou-me de bom humor. Sorri novamente enquanto me
ajeitava na cadeira para ser entretido. Afinal de contas, como Bella referiu ao
almoço, eu nunca a tinha visto em acção numa aula de educação física antes.
Os pensamentos de Mike eram os mais fáceis de encontrar no burburinho de
vozes que andavam pelo ginásio. A sua mente tinha-se tornado demasiado
familiar nas últimas semanas. Com um suspiro, percebi que ia ouvir através
dele. Pelo menos podia ter a certeza que ele estaria a prestar atenção a Bella.
Estava mesmo a tempo de ouvi-lo a oferecer-se para fazer de parceiro de Bella.
Enquanto ele fazia a sugestão, outras parcerias passaram pela mente dele. O
meu sorriso desapareceu, os meus dentes cerraram-se e eu tive que me
lembrar que matar Mike Newton não era uma opção permitida
- Obrigada Mike. Sabes que não tens de fazer isto.
- Não te preocupes, eu não te atrapalho.
Sorriram um para o outro, e flashes de numerosos acidentes, todos ligados a
Bella de alguma forma, passaram pela cabeça de Mike.
Primeiramente Mike jogou sozinho, enquanto Bella hesitava na última metade
do campo, a segurar cautelosamente na sua raquete, como se fosse alguma
espécie de arma. Então o treinador bateu palmas enquanto caminhava e disse a
Mike para deixar Bella jogar.
Oh não. Pensou Mike enquanto Bella caminhava com um suspiro, a segurar a
sua raquete num ângulo estranho.
Jennifer Ford serviu o volante directamente na direcção de Bella com uma
satisfação convencida a rondar os seus pensamentos. Mike viu Bella a dar uma
guinada, batendo a raquete muito longe do seu alvo, e ele entrou para tentar
salvar a jogada.
Eu observei a trajectória da raquete de Bella com preocupação. De certeza que
ela tinha acertado na rede esticada, e agora a raquete estava a voltar na
direcção dela, e bateu na testa de Bella antes de atingir o braço de Mike com
um ressonante “thwack”.
Au. Au. Uhm. Isto vai deixar um hematoma.
Bella estava a esfregar a sua testa. Era difícil para mim ficar parando no lugar
onde estava, sabendo que ela estava magoada. Mas o que poderia eu fazer se
estivesse lá? E não parecia ser algo sério… eu hesitei, a assistir. Se ela tentasse
continuar a jogar, eu teria que arranjar uma desculpa para a ir tirar da aula.
O treinador riu-se. “Desculpa, Newton.”. Esta rapariga tem a pior má sorte que
eu já vi. Não a devia infligir aos outros...
Ele virou-se de costas deliberadamente e moveu-se para assistir a outro jogo
para que Bella pudesse voltar ao seu lugar de espectadora.
Au. Pensou Mike de novo, a massajar o braço. Virou-se para Bella – Estás bem?
- Sim, e tu estás? - Perguntou timidamente, a corar.
- Acho que aguento - Não quero parecer um bebé chorão. Mas, bolas, aquela
doeu!
- Eu fico aqui atrás - Disse Bella, vergonha e desgosto na sua expressão em vez
de dor. Talvez Mike tivesse tido o pior daquilo. Esperei que fosse esse o caso. Ao
menos ela não estava a jogar mais. Ela segurava a raqueta atrás das costas, os
seus olhos cheios de remorsos… Tive que disfarçar o meu riso com tosse.
O que é que tem piada? - Quis saber Emmet quis saber.
- Digo-te depois - Murmurei.
Bella não se aventurou a jogar de novo. O treinador ignorou-a e deixou o Mike
jogar sozinho.
Fiz o questionário rapidamente no final da hora, e Sra. Goff deixou-me sair mais
cedo. Eu estava a ouvir intencionalmente Mike enquanto passava pelo recreio.
Ele tinha decidido confrontar Bella a meu respeito.
A Jessica jura que eles estão a andar. Porquê? Por que é que ele teve que a
escolher?
Ele não tinha reconhecido o fenómeno real, que foi ela que me escolheu.
- Então.
- Então o quê? – Perguntou ela.
- Tu e o Cullen, hã? - Tu e a aberração. Suponho que, se um rapaz rico é assim
tão importante para ti…
Cerrei os dentes àquela degradante suposição.
- Isso não te diz respeito Mike.
Defensiva. Então é verdade. Bolas. – Não me agrada.
- Não tem de te agradas – Disse bruscamente.
Por que é que ela não consegue ver o espectáculo de circo que ele é? Como
eles são todos. A maneira como ele olha para ela. Dá-me arrepios só de ver –
Ele olha-te como… como se fosses algo de comer.
Eu encolhi-me, à espera da resposta dela.
O seu rosto ficou vermelho brilhante, e os lábios fecharam-se com força, como
se estivesse a suster a respiração. Então, subitamente, um risinho saiu dos seus
lábios.
Agora está a rir-se de mim. Óptimo.
Mike virou-se, com mau humor, e foi-se embora para trocar de roupa.
Encostei-me contra a parede do ginásio e tentei recompor-me.
Como é que ela se podia ter rido da acusação de Mike? Uma acusação tão
acertada que comecei a pensar se Forks já tinha percebido demasiado… Por
que é que se rira da acusação de que eu a podia matar, quando ela sabia que
isso era inteiramente verdade? Onde é que estava o humor nisso?
O que é que havia de errado com ela?
Será que tinha um sentido de humor mórbido? Isso não se encaixava na ideia
que eu tinha do seu carácter, mas como poderia eu ter a certeza? Ou talvez o
meu “sonho” do anjo perturbador estava correcto numa coisa, que ela não tinha
medo nenhum. Corajosa, essa era uma palavra para isso. Outros poderiam dizer
estúpida, mas eu sabia o quanto inteligente ela era. Mas independentemente da
razão, esta falta de medo ou o retorcido sentido de humor não era bom para
ela. Seria esta estranha falta de medo que a colocava em perigo tão
constantemente? Talvez ela precisasse sempre de mim aqui…
Só com isso, o meu humor já estava a flutuar.
Se eu conseguisse simplesmente disciplinar-me, tornar-me seguro, então talvez
fosse certo para mim ficar com ela.
Quando ela passou pelas portas do ginásio, os seus ombros estavam firmes e o
seu lábio inferior estava entre os dentes outra vez: um sinal de ansiedade. Mas
assim que os olhos dela encontraram os meus, os seus ombros rígidos
relaxaram e um largo sorriso apareceu no seu rosto. Era uma estranha
expressão pacífica. Ela caminhou para o meu lado sem hesitar, apenas parando
quando estava perto o suficiente para que a temperatura do seu corpo batesse
em mim como uma onda de maré.
- Olá - Sussurrou.
A felicidade que senti neste momento era, novamente, sem precedentes.
- Olá – Disse. E depois, porque com o meu humor subitamente tão leve eu não
conseguia resistir em meter-me com ela, adicionei – Como correu a aula de
Educação Física?
O seu sorriso hesitou – Correu bem.
Ela era uma péssima mentirosa.
- Deveras? - Perguntei, a pressionar o assunto. Eu ainda estava preocupado com
a sua cabeça. Será que estava com dores? Mas então os pensamentos de Mike
Newton estavam tão altos que quebraram a minha concentração.
Odeio-o. Quem me dera que ele morresse. Espero que conduza aquele carro
brilhante directamente para u precipício. Por que é que ele não pôde
simplesmente deixá-la em paz? Limitar-se a ficar com os do tipo dele, as
aberrações.
- O que foi? – Exigiu saber Bella.
Os meus olhos voltaram a focar-se no seu rosto. Ela olhou para as costas de
Mike e depois para mim.
- O Newton está a irritar-me - Admiti.
A boca dela abriu-se, e o sorriso desapareceu. Ela devia ter-se esquecido que eu
tinha o poder de assistir à sua desastrosa última hora, ou tinha esperança de
que eu não o tivesse utilizado – Não estiveste a escutar novamente?
- Como está a tua cabeça?
- És incrível! – Disse ela através dos dentes, e depois virou-me as costas e
passou furiosamente pelo estacionamento. A sua pele estava vermelha escura,
tal era a vergonha.
Acompanhei o passo dela, esperando que a sua raiva passasse rápido.
Normalmente ela era rápida a perdoar-me.
- Foste tu que referiste que eu nunca te vira na aula de Educação Física –
Expliquei – Fiquei curioso.
Ela não respondeu, as suas sobrancelhas estavam juntas.
Parou subitamente no estacionamento quando percebeu que o caminho para o
meu carro estava bloqueado por uma multidão de estudantes do sexo
masculino.
Até que velocidade já terão ido com esta coisa…
Vejam só as mudanças SMG. Nunca tinha visto destas fora das páginas de
revista.
Belas grelhas...
Quem me dera ter por aí 60 mil dólares…
Este era exactamente o motivo pelo qual era melhor para Rosalie usar o carro
só fora da cidade.
Passei pela multidão de rapazes excitados até ao meu carro. Depois de um
segundo de hesitação, Bella seguiu-me.
- Ostentoso - Murmurei enquanto ela entrava no carro.
- De que carro se trata? - Perguntou.
- É um M3.
Fez uma careta – Não falo o dialecto “automobilês”.
- É um BMW – Revirei os olhos e concentrei-me em sair dali sem passar por cima
de ninguém. Tive que olhar fixamente para alguns rapazes que não pareciam
querer sair do meu caminho. Meio segundo a encarar o meu olhar pareceu ser o
suficiente para convencê-los.
- Ainda estás zangada? – Perguntei-lhe. A sua expressão tinha relaxado.
- Sem dúvida - Respondeu brevemente.
Suspirei. Talvez eu não devesse ter trazido este assunto. Oh, bom, podia tentar
emendar-me, supus – Perdoas-me se eu te pedir desculpa?
Ela pensou nisso por um momento – Talvez… se o fizeres com sentimento –
Decidiu – E também se prometeres não repetir.
Eu não lhe ia mentir, mas não ia mesmo concordar com aquilo. Talvez se eu
oferecesse uma boa troca.
- E se eu o fizer com sentimento e, além disso, concordar em deixar-te conduzir
no sábado? – Contraí-me com o pensamento daquilo.
A ruga entre os seus olhos apareceu enquanto ela considerava a nova proposta
– Combinado – Disse, depois de um momento a pensar.
Agora para as minhas desculpas… eu nunca tinha tentado deslumbrar a Bella
de propósito antes, mas agora parecia ser uma boa altura. Olhei profundamente
para os seus olhos enquanto conduzia para longe da escola, a questionar-me se
o estava a fazer correctamente. Usei o meu tom mais persuasivo.
- Então lamento muito ter-te aborrecido.
O seu batimento cardíaco acelerou e ficou mais alto que antes. Os olhos dela
estavam bem abertos, parecendo atordoados.
Fiz um meio sorriso. Parece que tinha acertado. É claro que eu também estava
com alguma dificuldade em desviar o olhar. Eu estava igualmente deslumbrado.
Ainda bem que tinha esta estrada memorizada.
- E estarei à porta de tua casa no sábado de manhã, bem cedo - Adicionei,
finalizando o acordo.
Ela piscou os olhos rapidamente, a balançar a cabeça como se para se
concentrar – Hum – Disse ela – No que se refere à questão de Charlie, não ajuda
muito que um Volvo seja inexplicavelmente abandonado na entrada.
Ah, tão pouco que ela ainda me conhecia – Não tencionava ir de carro.
- Como é que… - Começou a perguntar.
Eu interrompi-a. A resposta seria difícil de explicar sem uma demonstração, e
agora não era o momento certo – Não te preocupes. Eu lá estarei, sem carro.
Inclinou a cabeça, e pareceu por um segundo que me ia pressionar para saber
mais, mas depois pareceu mudar de ideias.
- Já é depois? - Perguntou, a lembrar-me da conversa inacabada do refeitório
hoje. Ela tinha desistido de uma pergunta difícil para se lembrar de outra pior.
- Suponho que já é depois – Concordei sem vontade.
Estacionei em frente da casa dela, a ficar tenso enquanto pensava em como
explicar… sem deixar muito evidente a minha natureza monstruosa, sem a
assustar novamente. Ou isso era errado? Minimizar as minhas coisas obscuras?
Ela esperou com a mesma máscara educadamente interessada que tinha usado
ao almoço. Se eu estivesse menos ansioso, aquela calma dela ter-me-ia feito rir.
- E tu ainda queres saber porque é que não me podes ver caçar? – Perguntei.
- Bem, estava sobretudo a interrogar-me a respeito da tua reacção – Disse ela.
- Assustei-te? - Perguntei, certo de que ela negaria.
- Não.
Tentei não sorrir. E falhei – Peço desculpa por te ter assustado - E depois o meu
sorriso desfez-se com o humor momentâneo – Deveu-se apenas à mera ideia de
tu estares presente enquanto eu caçava.
- Seria mau?
A figura mental era demasiado: Bella, tão vulnerável na escuridão vazia. Eu,
fora de controlo... Tentei banir aquilo da minha cabeça – Muito.
- Porque…
Respirei fundo, concentrando-me por um momento na sede que queimava.
Sentindo-a, lidando com ela, a provar a minha dominação sobre ela. Ela nunca
me iria controlar de novo (a sede). Eu desejei que isso fosse verdade. Eu seria
seguro para Bella. Olhei para as nuvens sem realmente as ver, e desejei que a
minha determinação fizesse alguma diferença se eu estivesse a caçar quando
sentisse o seu cheiro.
- Quando nós caçamos, entregamo-nos aos nossos sentidos – Disse-lhe, a
pensar em cada palavra antes de a dizer – Regemo-nos menos pela nossa
cabeça. Sobretudo ao sentido do olfacto. Se estivesses perto de mim quando eu
perdesse o controlo dessa forma…
Abanei a minha cabeça com agonia com o pensamento do que iria - não no que
podia, mas no que iria - certamente acontecer nessa altura.
Ouvi a falha no seu batimento cardíaco, e depois virei-me, inquieto, para ler os
seus olhos.
A cara de Bella estava controlada, os seus olhos graves. A boca estava
ligeiramente cerrada fechada, no que eu supus ser preocupação. Mas
preocupação com o quê? Com a sua própria segurança? Ou a minha angústia?
Continuei a olhar para ela, a tentar traduzir a sua expressão ambígua num facto
concreto.
Ela também olhou para mim. Os seus olhos ficaram maiores por um momento e
as pupilas dilataram-se, embora a luz não tivesse mudado.
A minha respiração acelerou e, de repente, o silêncio no carro parecia estar a
transformar-se, como na sala de biologia escura esta tarde. A corrente eléctrica
passou entre nós novamente, e meu desejo de lhe tocar era mais forte do que
as exigências da minha própria sede.
Aquela electricidade fez-me sentir como se eu tivesse pulsação outra vez. O
meu corpo cantou com aquilo. Como se eu fosse humano. Mais do que qualquer
coisa no mundo, eu queria sentir o calor dos lábios dela contra os meus. Por um
segundo, eu lutei desesperadamente para encontrar a força, o controlo, para
ser capaz de colocar a minha boca tão perto da sua pele…
Ela inspirou irregularmente, e só aí é que eu percebi que quando a minha
respiração acelerou, a dela tinha parado.
Fechei os meus olhos, a tentar quebrar a conexão entre nós.
Sem mais erros.
A existência de Bella estava ligada a milhões de delicados processos químicos,
todos tão facilmente rompidos. A expansão rítmica dos seus pulmões, a
passagem de oxigénio, era vida ou morte para ela. A cadência agitada do seu
coração frágil podia ser parada por tantos acidentes estúpidos, ou doenças,
ou… por mim.
Não acreditava que algum membro da minha família hesitasse se lhes fosse
dada a oportunidade de voltar atrás, se ele ou ela pudesse trocar a imortalidade
pela mortalidade de novo. Qualquer um de nós faria qualquer coisa por isso.
A maioria da nossa espécie prezava a imortalidade mais do que qualquer coisa.
Até existiam humanos que desejavam isto, que procuravam nos lugares escuros
alguém que lhes pudesse dar o mais sombrio dos presentes…
Nós não. Não a minha família. Nós trocaríamos qualquer coisa para ser
humanos.
Mas nenhum de nós esteve tão desesperado por um caminho de volta como eu
estava agora.
Olhei para as microscópicas manchas e falhas do pára-brisas, como se houvesse
alguma solução escondida no vidro. A electricidade não tinha desaparecido, e
eu tive que me concentrar para manter as mãos no volante.
A minha mão direita voltou a ter picadas sem dor de novo, de quando eu lhe
tinha tocado antes.
- Bella, penso que devias entrar agora.
Ela obedeceu à primeira, sem comentar, a sair do carro e a bater a porta atrás
dela. Será que ela tinha sentido o potencial desastre tão claramente como eu?
Será que sair a magoou, como para mim me magoou deixá-la ir? O único
consolo é que eu a veria em breve. Antes de ela me ver a mim. Sorri ao pensar
nisso, e depois desci o vidro e inclinei-me para falar com ela mais uma vez.
Agora era mais seguro, com o calor do seu corpo fora do carro.
Ela virou-se para ver o que eu queria, curiosa.
Ainda curiosa, apesar de me ter feito tantas perguntas hoje. A minha própria
curiosidade estava inteiramente insatisfeita: responder às perguntas dela hoje
só tinha revelado os meus segredos. Eu tinha-lhe tirado pouco para as minhas
próprias suposições. Isso não era justo.
- Oh Bella!
- Sim?
- Amanhã é a minha vez.
A testa dela enrugou-se – A tua vez de quê?
- De fazer as perguntas - Amanhã, quando estivéssemos num lugar mais seguro,
cercado por testemunhas, eu iria conseguir as minhas próprias respostas. Sorri
com esse pensamento, e depois virei-me, porque ela não fez sinal de se afastar.
Mesmo com ela fora do carro, o eco da electricidade ainda se movia no ar. Eu
também queria sair, para a acompanhar à porta como uma desculpa para ficar
ao pé dela.
Sem mais erros. Liguei o carro e depois suspirei enquanto ela desaparecia atrás
de mim. Parecia sempre que eu estava ou a correr em direcção a Bella, ou a
fugir dela, nunca ficava no meu lugar. Tinha que encontrar alguma maneira de
me estabilizar se algum dia fossemos ter algum tipo de paz.