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Mediao & MidiatizaoUniversidade Federal da Bahia reitor Dora Leal Rosa vice-reitor Luiz Rogrio Bastos Leal editora da Universidade Federal da Bahia diretora Flvia Goullart Mota Garcia Rosa conselho editorial Alberto Brum Novaes Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby lves da Costa Charbel Nio El HaniCleise Furtado Mendes Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti Evelina de Carvalho S Hoisel Jos Teixeira Cavalcante Filho Maria Vidal de Negreiros Camargo edUFBa Rua Baro de Jeremoabo, s/n Campus de Ondina 40.170-115 Salvador Bahia Brasil Telefax: 0055 (71) 3283-6160/6164 [email protected] www.edufba.ufba.br associao nacional dos Programas de Ps-gradUao em comUnicao presidente Prof. Dr. Julio Pinto vice-presidente Profa. Dra. Itania Maria Mota Gomes secretria-geral Profa. Dra. Ines Silvia Vitorino Sampaio Programa de Ps-gradUao em comUnicao da Universidade de BrasliaCampus Darcy Ribeiro, ICC Norte -Subsolo, Sala ASS 633, 70910-900 Asa Norte - DF. http://www.compos.org.br/Maria ngela Mattos Jeder Janotti Junior nilda Jacks Organizadores Mediao & Midiatizao Livro Comps 2012 Salvador - Braslia EDUFBA - Comps 20122012, Autores. Direitos para esta edio cedidos Edufba. Feito o depsito legal. projeto grfico e diagramao Gabriel Cayres capa Ideia original Ncleo de Experimentao Publicitria, PUC Minas (Dbora Menezes, Humberto Guima, Lucas Grossi, Ludmila Maciel, Luis Monteiro, Samuel Boy) Arte-finalizao Gabriel Cayres normalizao Susane Barros reviso Flvia Rosa coordenao editorial Susane Barros sistema de bibliotecas ufbaMediao & Midiatizao / Jeder Janotti Junior, Maria ngela Mattos, Nilda Jacks, Organizadores ; prefcio, Adriano Duarte Rodrigues. - Salvador : EDUFBA ; Braslia : Comps, 2012. 327 p. Livro Comps 2012. ISBN 978-85-232-0955-1 1. Comunicao. 2. Comunicao de massa. 3. Mediao. I. Janotti Junior, Jeder. II. Mattos, Maria ngela. III. Jacks, Nilda. IV. Rodrigues, Adriano Duarte. CDD - 302.23 editora filiada aSumrio9 Prefcio 21 apresentao PARTE I MEDIAO & MIDIATIZAO: CONEXES EPISTEMOLGICAS 31 circuitos versus campos sociais jos luiz braga 53 Medium, media, mediao e midiatizao: a perspectiva germnica marco toledo bastos 79 recepo, mediao e midiatizao: conexo entre teorias europeias e latino-americanas laan mendes barros107 Pode o conceito reformulado de bios miditico conciliar mediaes e midiatizao? gislene silva 123 sistema dos media e deliberao pblica: acerca do valor epistmico da mediao para a legitimao democrtica digenes lycario 149 sob o signo de hermes, o esprito mediador: midiatizao, interao e comunicao compartilhada cludio cardoso de paiva 171 inflexes metodolgicas para a teoria do uso social dos meios e processos de midiatizao jorge cardoso filho PARTE II 195 romarias, marchas e tecnologias: as mediaes e a midiatizao da questo agrria contempornea joel felipe guidani e valdir jose morigi PERCURSOS INVESTIGATIVOS219 mediao e midiatizao da religio em suas articulaes tericas e prticas: um levantamento de hipteses e problemticas luis mauro s martino 245 midiatizao e reflexividade das mediaes jornalsticas carlos alberto de carvalho e leandro lage 271 midiatizao e mediao: seus limites e potencialidades na fotografia e no cinema clarisse castro alvarenga e ktia hallak lombardi 297 midiatizao da enfermidade de lula: sentidos em circulao em torno de um corpo-significante antnio fausto neto 323 sobre os autores e organizadoresPrefcio AdriAno duArte rodrigues1 O hbito de chamar prefcio a um texto que se publica antes de outros e que lhes serve de apresentao muito curioso, e at intrigante, porque se prefcio significa etimologicamente aquilo que se faz antes de qualquer coisa, a questo a de saber antes de que que se faz um prefcio e de que fazer estamos falando quando lhe damos o nome de prefcio. Todos sabemos evidentemente que aquilo que o prefcio faz antes um texto destinado a apresentar outros textos. Mas como possvel ento apresentar textos antes de eles serem feitos? Os leitores mais atentos j podero ter entendido porque comecei por referir este paradoxo com que todos os prefcios esto confrontados. que ele nos coloca imediatamente no cerne da problemtica escolhida pela Comps para a reflexo do seu livro de 2012 e que o objecto dos textos reunidos no volume que o leitor ter na mo no momento em que estiver lendo este prefcio. O paradoxo que acabo de referir a teia em que so enredados todos os prefcios, pelo fato de serem textos que utilizam uma modalidade especfica de dispositivos tcnicos de mediatizao. Ao jogarem com os dispositivos da enunciao, autonomizando, ora umas, ora outras das suas componentes, alguns dispositivos tcnicos de mediatizao permitem realizar prefcios, isto , textos que so feitos antes de outros serem lidos pelos seus leitores. O efeito dos dispositivos tcnicos de mediatizao o de autonomizarem 1 Professor Catedrtico da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade N ova de Lisboa.algumas componentes dos quadros enunciativos que delimitam e constituem o mundo simblico ou discursivo. S explicamos e resolvemos o paradoxo dos prefcios se tivermos em conta a autonomizao, produzida pela utilizao do dispositivo meditico da escrita, do momento em que os autores produzem os textos apresentados pelos prefcios em relao aos momentos em que so publicados, colocados disposio e lidos pelos seus potenciais leitores. A enunciao dos discursos que so precedidos por prefcios desdobra-se, assim, tecnicamente numa multiplicidade de cenrios, tornando-se nmadas, o que lhes permite circular entre cenrios distintos ou diferidos do cenrio da sua produo. porque o dispositivo da escrita alfabtica, como o que utilizado para a produo deste livro, uma tcnica meditica que tem a funo de autonomizar o momento da produo dos discursos aqui publicados em relao sua leitura, que possvel fazer este prefcio, um texto que apresenta os textos publicados depois de ele ter sido produzido. O dispositivo tcnico da escrita d aos discursos a possibilidade de passar para alm das fronteiras do espao e/ou do tempo em que foram produzidos pelos seus autores. evidente que nem todos os dispositivos tcnicos de mediatizao de discursos tornam possvel a elaborao de prefcios. S os dispositivos que jogam com a maquinaria temporal dos dispositivos da enunciao, inscrevendo os discursos em suportes duradouros que persistem para alm da cena efmera da sua produo. Aos discursos que utilizam outros dispositivos tcnicos, tais como o telefone fixo, o telefone celular, a radiodifuso sonora e televisiva e os dispositivos cibernticos, que jogam com outras componentes do dispositivo enunciativo, nomeadamente com a componente espacial, no possvel elaborar prefcios. O telefone fixo, o celular, a rdio, a televiso, os dispositivos cibernticos, a no ser que sejam utilizados dispositivos de registo ou de gravao, anlogos aos da escrita, no autonomizam o momento em que o locutor produz as suas falas em relao ao momento em que elas so ouvidas pelo seu interlo10cutor; autonomizam outras componentes da enunciao, nomeadamente a localizao da sua produo em relao localizao em que decorre a cena da sua recepo, alargando incomensuravelmente o seu alcance espacial. Mas, de uma ou outra maneira, como estamos a ver, o que distingue os discursos que utilizam dispositivos tcnicos dos discursos que, como os que so produzidos face a face, no os utilizam o jogo com as componentes do dispositivo enunciativo. Isto mesmo j tinha sido visto com toda a clareza por Plato, no Fedro (264c e ss.), ao reflectir sobre as consequncias que decorrem da inveno do dispositivo tcnico meditico da escrita alfabtica. O leitor j deve ter reparado que prefiro falar de dispositivos tcnicos da enunciao em vez de media ou de mdia. Como Marco Toledo lembra muito oportunamente, no texto que o leitor poder ler neste volume, a polissemia dos termos media ou mdia no contribui nada para o esclarecimento das questes que este livro pretende abordar. Prefiro falar de dispositivos tcnicos da enunciao, porque me parece que aquilo que os media fazem jogar com componentes dos dispositivos naturais utilizados pelos seres humanos para produzirem discursos ou, como prefiro dizer, para objectivarem simbolicamente a sua experincia (Rodrigues 2011). A propsito da utilidade e do tcnicos, John Peters (1999), chamava a ateno para o fato se confrontar com dois ideais sentido da inveno destes dispositivos numa obra heuristicamente muito sugestiva, de, desde a sua origem, a nossa civilizao antagnicos acerca desta inveno,o ideal da disseminao e o do dilogo. O ideal da disseminao encontrao Peters defendida, nos Evangelhos sinpticos, pela bem conhecida parbola do semeador (Mateus 13, Marcos, 14 e Lucas 8), ao passo que o do dilogo o da maiutica socrtica que Plato parece defender no final do Fedro, na sequncia da aluso lenda egpcia, onde posto em cena o confronto das duas posies antagnicas. Como o leitor poder verificar ao ler os textos aqui reunidos, este antagonismo que continua ainda hoje a dividir as maneiras de pensar as vantagens e os inconvenientes da mdia. 11Tanto para Plato como para os Evangelhos sinpticos, as palavras so sementes que devem ser semeadas para poderem dar frutos abundantes, mas na parbola do semeador, devem ser disseminadas, generosamente espalhadas aos quatro cantos, ao passo que para Scrates, a julgar pelo testemunho de Plato, no devem ser desperdiadas, mas plantadas apenas em terreno frtil e onde possam ser cuidadosamente protegidas. Para os evangelhos sinpticos, no se deve deixar nenhum terreno sem a possibilidade de receber as palavras, mesmo correndo o risco de algumas carem nos caminhos, entre os espinhos ou entre as pedras, deixando assim que cada terreno as faa germinar de acordo com o seu grau de fecundidade, que cada terreno se aproprie delas de acordo com a sua capacidade. J para Plato, as palavras devem ser semeadas apenas nos terrenos capazes de as fazerem frutificar, plantando-as no terreno frtil dos jardins de Adnis, nos jardins onde elas possam encontrar o hmus fertilizador, receber os cuidados apropriados, germinar e dar fruto. Ainda para Plato, a escrita, por ser o dispositivo tcnico de disseminao dos discursos, contribui para o seu desperdcio e, assim, quando a semente espalhada aos quatro cantos, indiscriminadamente, quando a escrita faz circular os discursos para alm das fronteiras do terreno onde pode encontrar a terra fecunda, no frutifica, corre o risco de ser desperdiada. A posio decorrente da parbola do semeador sublinha, antes, a importncia da disseminao generosa da palavra em todas as direes, de maneira a chegar a inseminar todos os terrenos, a no deixar de inseminar e fecundar todos quantos tm a capacidade para dela tirar proveito, mesmo correndo o risco de cair nos caminhos e de ser pisada pelos viajantes, ou no meio dos espinhos e das pedras que a impedem de germinar. O antagonismo destas duas posies incontornvel. No admira, por isso, que continue ainda hoje a dividir a reflexo acerca das vantagens ou dos inconvenientes do uso dos dispositivos tcnicos do discurso. Creio que os textos aqui publicados parecem privilegiar o ideal da parbola do semeador em detrimento do ideal do dilogo. Mas a confuso acerca do 12sentido que os autores do mediatizao, aos media ou mdia obscurece por vezes as posies e faz com que, por vezes, num mesmo texto, os autores paream defender ao mesmo tempo as duas teses, sem se darem conta de que se trata de posies antagnicas e, portanto, inconciliveis. Alguns autores argumentam que a acelerao e a generalizao dos inventos de dispositivos tcnicos mediticos fazem com que hoje as representaes discursivas do mundo substituam o mundo real. Destas transformaes decorreria a constituio daquilo a que se costuma dar o nome de mundo virtual. Mas, se pararmos para pensar, depressa nos damos conta de que estas transformaes no decorrem propriamente dos recentes inventos cibernticos. Para os seres humanos o mundo no nunca propriamente a realidade, mas o resultado da constituio de processos de objetivao simblica. O que, por isso, parece mostrar esta perspectiva, habitualmente associada ao que se costuma dar o nome de ps-modernidade, encarando os atuais dispositivos cibernticos como responsvel pela substituio do mundo real por um mundo virtual, a persistncia da nostalgia do paraso, desde sempre perdido, da realidade. O texto de Cludio Cardoso de Paiva refere a atribuio da inveno da escrita ao deus egpcio Toth, ao Hermes grego e ao Mercrio latino, citando o trabalho de Andr Lemos. O autor associa as redes cibernticas e a cibercultura herana destas divindades, para lhes atribuir funes hermenuticas, de interpretao do mundo. em nome desta viragem hermenutica associada cibercultura que parece pugnar pela urgncia de um projeto de democratizao digital que torne possvel o acesso generalizado s redes de banda larga e a consequente constituio de um homo mediaticus. O autor parece assim acreditar nas vantagens e nos benefcios da disseminao. Creio que, expressa de maneira diferente, o texto de Jos Luiz Braga, fazendo eco aos mais recentes trabalhos de 13Jess Martn-Barbero, se inscreve na mesma tradio, ao sublinhar a importncia do papel dos media. Pelo fato de serem agentes de mediao e dispositivos de acelerao dos circuitos e dos fluxos, contribuiriam para o processo a que d o nome de inveno social . Os debates em torno das questes que a mediatizao coloca continuam abertos. Sem pretender de modo algum utilizar este espao para o fechar, no posso deixar de afirmar que os textos que o leitor tem entre mos no me levaram a abandonar a ideia que tenho vindo a defender, e a que alguns autores parecem referir-se, de que os dispositivos tcnicos mediticos esto relacionados com a experincia moderna, decorrem de uma das suas caractersticas fundamentais, a da fragmentao da experincia numa diversidade de campos (Rodrigues 2001). Gostaria de aproveitar este espao para precisar melhor esta relao, partindo de uma reflexo mais cuidada sobre aquilo que entendo por experincia moderna. Dediquei-me, nos ltimos anos, a rever a minha posio no sentido de eliminar de vez as leituras historicistas a que se prestavam implicitamente as formulaes que lhes dava no final dos anos 80 do sculo passado (Rodrigues 2011). Devo confessar que, para a maneira como hoje coloco, o problema tem contribudo, alm da frequentao de trabalhos antropolgicos, a leitura atenta de textos, que hoje considero fundacionais, da psicologia social de George Herbert Mead (1992), da fenomenologia de Alfred Schutz (1967), do pragmatismo de William James (2007) e de Charles Peirce. Mas o maior contributo para a reviso da minha maneira de ver os media recebi-o dos estudos empricos que, em conjunto com a minha equipa de pesquisa, tenho vindo a fazer das interaes verbais, tanto espontneas como institucionalmente enquadradas, a que me tenho dedicado regularmente nos ltimos anos. Deixei assim de encarar a experincia moderna como uma etapa histrica, como nos tm feito crer 14desde o sculo XVIII, para a ver como uma camada ou um estrato da experincia dos indivduos e das sociedades de todos os tempos e de todas as sociedades. A concepo historicista da modernidade em grande medida responsvel pela amnsia das expresses de modernidade de outras eras e de outras sociedades, assim como pela iluso de que os dispositivos cibernticos provocariam o fim da modernidade. Minha posio continua a ser a de que os dispositivos tcnicos mediticos, no s asseguram estratgias de composio entre os diferentes campos que a experincia moderna autonomiza, mas procuram tambm integrar estas estratgias em processos interacionais que fundam a sociabilidade e continuam a ser processados ao nvel das outras camadas ou dos outros estratos da experincia, nomeadamente das camadas a que dou o nome de experincia originria e de experincia tradicional, processos e camadas da experincia sem os quais a prpria experincia moderna e os dispositivos tcnicos de mediatizao que ela transpira seriam impossveis. Se entendi o texto de Gislene Silva, esta minha posio parece prxima da noo de bios miditico proposta por Muniz Sodr. Esta minha posio contrape-se evidentemente s abordagens crticas dos discursos dos media que os isolam das interaes no mediticas e os consideram como instrumentos de diversas formas de manipulao. No que negue a existncia de processos, por vezes insidiosos, de manipulao por parte dos discursos que so veiculados pelos media. A questo a de me parecer impensvel a existncia de discursos no manipuladores. Os que sustentam as teses da manipulao dos discursos mediticos encontram na sua natureza retrica a semelhana, mas dificilmente conseguem descortinar a diferena entre os recursos retricos utilizados nos discursos espontneo que circulam no tecido social e os que so utilizados por discursos mediticos. A impossibilidade de definir a noo de manipulao paira como uma sombra sobre as pesquisas sobre os discursos veiculados pelos media. A questo fundamental que no pode deixar de ser previamente resolvida para tornar estas pesquisas 15coerentes a de saber se pode ser imaginada uma modalidade de discursos que no seja manipuladora. Os discursos veiculados pelos media so manipuladores como manipuladores so todos discursos que circulam no tecido social. Falar sempre fazer crer e fazer crer levar os interlocutores a adotar comportamentos conformes com a crena que os locutores pretendem fazer aceitar. que, a partir do momento em que qualquer discurso visa fazer aceitar pelos seus interlocutores aquilo que o autor cr ser verdadeiro, ter ocorrido, ser razovel e ser relevante, no quadro enunciativo que delimita o mundo desse discurso, no plausvel a existncia de um tipo de discurso que no vise levar o seu interlocutor a aceitar aquilo que o autor pretende faz-lo aceitar. evidente que os discursos que circulam graas utilizao de dispositivos mediticos utilizam recursos retricos que apoiam determinados padres polticos, culturais, sociais, sexistas, religiosos, em detrimento de outros padres, como quaisquer outros discursos produzidos pelos falantes que esto inseridos no mundo constitudo e alimentado pelos discursos que circulam nesse mundo, tal como, por exemplo, os discursos de dois amigos sentados mesa de um bar, como os que so produzidos nos balnerios de um ginsio ou como os que ocorrem durante os percursos dos transportes pblicos. A maior parte dos textos aqui reunidos reconhece, explicita ou implicitamente, as dificuldades da tese da manipulao ou da conspirao, o que indicia o alto grau de maturidade que a pesquisa brasileira alcanou nas ltimas dcadas. A reflexo parece debruar-se hoje sobre o papel que os mais recentes dispositivos tcnicos de mediatizao dos discursos desempenham na constituio daquilo que alguns autores designam nova ordem comunicacional e outros preferem chamar novas formas de vida . Mas uma das questes fraturantes para os autores que vem na generalizao dos mais recentes inventos de dispositivos tcnicos do discurso a origem daquilo a que do o nome de mundo virtual, ciberespao ou ciberesfera continua evidentemente a ser a questo da manipulao. 16O leitor pode evidentemente seguir uma multiplicidade de percursos de leitura desta obra, mas certamente depressa se dar conta de que neles ecoam diversas vozes como se de uma partitura ou de linhas meldicas de uma sinfonia se tratasse. Apesar de cada uma destas vozes seguir linhas meldicas e tonalidades diferentes, o conjunto acaba por formar uma polifonia rica, exuberante mesmo. Algumas destas vozes no se fazem ouvir diretamente, mas atravs de citaes, formando quase uma espcie de refro, contribuindo deste modo para uma certa unidade do livro. o caso Jess Martn-Barbero, de Muniz Sodr e de Renato Ortiz, de Orozco Gmez ou de Mauro Wilton de Sousa frequentemente citados. Mas tambm podemos encontrar outras que esto aqui representadas pelos seus autores, com o caso de Jos Luis Braga e Antnio Fausto Neto que, alm de serem frequentemente citados noutros textos aqui, apresentam tambm aqui as suas posies. O dilogo que resulta da polifonia desta publicao um excelente testemunho de um momento particularmente rico dos debates que, no Brasil, se confrontam acerca das questes da comunicao e dos media. Pareceu-me encontrar mais pontos de encontro do que de divergncia entre as posies em torno das questes que parecem mobilizar a reflexo da comunidade cientfica brasileira, em geral, e dos programas de pesquisa e ps-graduao que integram a Comps. Gostaria, no entanto, de chamar ainda a ateno para um outro nvel polifnico desta obra, para o nvel, talvez menos aparente, mas nem por isso menos brilhante, formado pelo entrelaamento ou pela interao que os prprios textos estabelecem entre si. O leitor poder ser levado a concluir que umas vezes convergem, outras divergem, outras vezes ainda parecem seguir rumos ou percursos paralelos. Mas h uma outra modalidade interao entre os textos, a que poderamos dar o nome de deri 17vas, e que podem surpreender o leitor pelo fato de parecerem abrir novas perspectivas, aparentemente distantes dos percursos habituais. Estou a pensar no belo texto de Clarisse Alvarenga e de Ktia Lombardi. As autoras mostram como a publicao das reportagens fotogrficas da guerra do Kuwait de Sophie Ristelhueber ou os filmes documentrios de Pedro Costa podem oferecer a oportunidade de um jogo entre aquilo que comum e aquilo que permite leituras particulares. Para as autoras, a dialtica da percepo do particular e do comum e o distanciamento provocado pelo medium leva a uma multiplicidade de interpretaes ou, como as autoras preferem dizer, de tradues , multiplicidade que relacionam com aquilo a que Jos Luiz Braga, no seu texto, d o nome de sentidos tentativos e com o mtodo abdutivo. Os dispositivos mediticos so assim encarados como analisadores dos sistemas de representao que sustentam nossas crenas, valores e prticas compartilhadas , expresso que retoma uma feliz expresso de Csar Guimares. Creio que esta ltima modalidade de polifonia particularmente importante, porque pode contribuir para a abertura do debate acerca das questes abordadas nesta obra a uma esttica dos dispositivos mediticos, abertura destinada a reciclar ou, pelo menos, a complementar as habituais abordagens polticas. A publicao desta obra cumpre, por conseguinte, um papel importante, o de colocar ao alcance dos leitores o ponto da situao sobre questes que tm dominado e continuam a dominar o debate sobre a comunicao no Brasil. referncias James, W. (2007) Philosophie de l Exprience, Paris, Les Empcheurs de Penser en Rond (original : 1909) Mead, G. H. (1992) Mind, Self and Society, Chicago & London, The Universitu of Chicago Press (original: 1934). Plato 18 Fedro, 264.Peters, J. D. (1999) Speaking into the air. The History of the Idea of Communica tion, Chicago & London, The University of Chicago Press. Rodrigues, A. D. (2001) Rodrigues, A.D. (2011) Gulbenkian. Schutz, A. (1992) Estratgias da Comunicao, Lisboa, ed. Presena. O Paradigma Comunicacional, Lisboa, ed. da Fundao C.The Phenomenology of the Social World, Northwestern UniversityPress (original alemo: 1932) 19Apresentao Est distante a poca em que o campo da comunicao no Brasil podia ser considerado como perifrico s metrpoles . Do mesmo modo que a Amrica Latina foi responsvel por uma grande virada para a compreenso das prticas de comunicao, dando a devida voz aos receptores e valorizando os aspectos processuais dos fenmenos comunicacionais, hoje o Brasil est se transformando em um lugar distinto no contexto da produo de conhecimentos sobre a comunicao e a cultura no mundo contemporneo. Nesse cenrio, tanto os encontros, bem como a produo acadmica publicada na E-Comps (revista eletrnica da Associao Nacional de Programas de Ps-Graduao em Comunicao) e os livros anuais tm se destacado como mola propulsora do pensamento crtico e reflexivo sobre a comunicao miditica em nosso pas. A compreenso sobre a importncia do debate acerca da complexidade dos fluxos comunicacionais do mundo atual e os conceitos de mediao e midiatizao ganharam destaque ao tentar dar conta tanto da circulao, bem como das interaes sociais que caracterizam os processos miditicos. Esse trajeto torna necessrio que se deixe de lado o bias produtivista que era hegemnico na pesquisa em comunicao e faz com que pesquisadores de gabinete passem a olhar para a intensidade das apropriaes culturais da comunicao no dia a dia. Tendo em vista este cenrio, o processo de edio do livro da Comps 2012 teve como guia as seguintes questes: quais as possveis diferenas, articulaes e tensionamentos entre mediao e midiatizao? Como estes conceitos e noes tm sido recortados nos estudos de comunicao em suas dimenses tericas e empricas? At que ponto possvel enxergar continuidades e rupturas entre as ideias de midiatizao e mediao?Como esses conceitos so utilizados como operadores para a compreenso da comunicao contempornea? A partir dessas questes organizamos o livro em duas partes que se complementam como faces de um caleidoscpio. Que a leitora e o leitor no se espantem com a metfora, espera-se o surgimento de uma terceira face a partir das frices e encontros entre as ideias de mediao e midiatizao. A primeira parte, Mediao & Midiatizao: conexes epistemolgicas, estruturada em torno de sete textos, discute as matrizes epistemolgicas e as possveis articulaes entre os conceitos chaves do livro, bem como os aportes terico-metodolgicos dos estudos na rea de comunicao e as reflexes crticas sobre abrangncias e limites dessas ideias. A segunda parte, nomeada Percursos Investigativos, apresenta cinco textos que repercutem as noes de midiatizao e mediao no campo da pesquisa emprica e na anlise dos processos e produtos miditicos. Assim, os artigos so apresentados na seguinte perspectiva: Jos Luiz Braga, autor do texto Circuitos versus campos sociais empreende uma importante reflexo sobre o atravessamento dos campos sociais pelos processos de midiatizao, abrindo espao para relacion-lo com o conceito de mediao na medida em que no o identifica indstria cultural ou inovao tecnolgica. Este posicionamento, embora reconhecidamente vinculado linha de pesquisa a que pertence o autor, abre espao para conduzir uma aproximao entre os conceitos-tema do livro. Para ele os processos de midiatizao so as bases das mediaes comunicativas, como tem afirmado Jess Martn-Barbero, o grande expoente da rea que trabalha com conceito de mediao. A partir de uma abordagem sincrnica e diacrnica o texto Medium, Media, Mediao e Midiatizao: a perspectiva germnica, de Marcos Toledo Bastos, explora os termos contidos no ttulo, percorrendo os aspectos etimolgicos e tericos de suas diversas utilizaes e significaes, tendo como base comparaes entre suas definies na Alemanha e seus contrapontos entre autores de origens diversas, que incluem os percussores dos 22Estudos Culturais, a Escola de Frankfurt, autores latino-americanos e autores singulares como McLuhan, Kitler e Braga. Atravs deste panorama o texto procura apresentar ao leitor bases para que se possa entender no s a especificidade das pesquisas em comunicao na Alemanha, o aporte histrico destes termos no Brasil, como tambm o alcance epistemolgico e analtico desses conceitos a partir de suas diferentes significaes. A seguir, Laan Mendes Barros, autor do texto Recepo, mediao e midiatizao: conexes entre teorias europeias e latino-americanas, aponta possveis articulaes entre trs correntes europeias Esttica da Recepo, da Escola de Konstanz; Hermenutica Francesa, particularmente as formulaes de Paul Ricoeur, e Estudos Culturais Ingleses e os estudos latino-americanos sobre as mediaes. Na viso do autor, tais perspectivas j projetavam desde a sua emergncia produo de sentidos para alm das relaes entre mdia e recepo, texto e leitor e, nesse sentido, podem contribuir para que os estudos contemporneos compreendam mediao e midiatizao como processos complementares e no excludentes. O texto Pode o conceito reformulado de bios miditico conciliar mediaes e midiatizao?, de Gislene Silva, parte das discusses em torno das crticas s faltas de limites e abrangncias das noes de mediao em Barbero e midiatizao em Braga, para a partir da propor uma articulao entre essas perspectivas tendo em vista a proposta de Sodr de bios miditico. Segundo a autora, essa ponte abarca a ideia de que os fenmenos comunicacionais so processos e interaes relacionados ao campo da cultura presentes no pensamento de Barbero e Braga ao mesmo tempo em que reconhece a necessidade de apontar a proeminncia e especificidade do universo da comunicao para que se possa pensar de modo aprofundado as articulaes e prticas interacionais que caracterizam tanto a mediao quanto a midiatizao da cultura contempornea. Digenes Lycario prope em Sistema dos media e deliberao pblica: acerca do valor epistmico da mediao para a legitimao democrtica avanos no modelo deliberativo habermasiano ao considerar que o sistema 23miditico tem atribuio de operar formas de mediao decisivas para garantir a legitimao democrtica. O texto reflete o esforo do autor em se contrapor s correntes tericas que ora desconfiam do papel exercido pelo sistema miditico no processo de deliberao pblica, ora o consideram relevante, mas raramente imprescindvel . Nessa tica, ele considera que a mediao no se d apenas pela remodulao das prticas sociais lgica da midiatizao, mas, sobretudo pela modulao das prprias prticas miditicas em funo de sua responsividade ao mundo da vida e aos outros sistemas com os quais se relaciona . Cludio Cardoso de Paiva, em um texto calcado na metfora j anunciada no ttulo Sob o signo de Hermes, o esprito mediador: midiatizao, interao e comunicao compartilhada parte do pressuposto de que os desdobramentos e ressonncias dos fenmenos de midiatizao e mediao vo depender dos usos sociais, e ambienta sua reflexo na comunicao em rede. Constri seu ensaio reunindo contribuies da antropologia simblica, dos estudos culturais e da cibercultura, tomando vrios objetos observveis, aos quais faz referncia aqui e ali na busca de interpretao da complexidade cultural que os envolve na era da comunicao digital. Mediao e midiatizao so fenmenos que recebem tratamento hermenutico na anlise do autor. Em Inflexes metodolgicas para a teoria social dos usos e processos de midiatizao, Jorge Cardoso Filho parte da crtica ao denominado mapa noturno de Jess Martn-Barbero, para introduzir sua discusso sobre os aspectos materiais da experincia, que seriam negligenciados por este autor. Ou seja, argumenta sobre a necessidade de uma articulao entre a teoria das mediaes, de mbito latino-americano, e a teoria das materialidades, de inspirao alem, que se complementariam na busca de um procedimento metodolgico capaz de apreender sistemtica e empiricamente expresses materiais dos usos sociais dos meios e processos de midiatizao. Esta sua estratgia para aproximar mediao e midiatizao como conceitos que podem dialogar. 24Na segunda parte, apresentam-se os seguintes trabalhos: Romarias, marchas e tecnologias: as mediaes e a midiatizao da questo agrria contempornea, texto de Joel Felipe Guindani e Valdir Jose Morigi, ancora-se na noo de midiatizao social para refletir sobre as formas de mobilizao mediadas pelas prticas comunicacionais utilizadas por lideranas do Movimento Sem Terra (MST), sob perspectiva complexa e multidisciplinar. Os autores entendem que o fenmeno da mediao/ midiatizao um processo social amplo que altera referncias histricas tradicionais e estveis e, ao mesmo tempo, potencializa experincias de visibilidade aos projetos polticos e ideolgicos. Baseados em pesquisa participante com lideranas de assentamentos rurais de dois estados brasileiros, Guindani e Morigi ressaltam que a questo agrria, em sua dimenso sociocomunicacional, um fenmeno difuso e inacabado, atravessado pela dimenso sociotcnica e por processos de mediao social. No texto Mediao e midiatizao da religio em suas articulaes tericas e prticas: um levantamento de hipteses e problemticas, Luis Mauro S Martino busca compreender as transformaes da comunicao no mundo contemporneo atravs do entendimento de como os processos de midiatizao e mediao transformam as prticas e a prpria noo de experincia religiosa. Antes de procurar uma abordagem que d conta somente do campo religioso, S Martino procura demonstrar como a particularidade de seus estudos est conectada a transformaes gerais da comunicao miditica em sentido geral. Assim, tanto as definies tericas, bem como a presena da religiosidade e da religio na mdia e suas especificidades brasileiras so compreendidas nas articulaes entre tecnologias de comunicao e sua presena no cotidiano atravs das articulaes efetuadas no mbito das mediaes. No texto Midiatizao e reflexividade das mediaes jornalsticas, Carlos Alberto de Carvalho e Leandro Lage buscam a compreenso de alguns rearranjos nos processos de produo, circulao, consumo e ressignificao das prticas jornalsticas contemporneas. luz do pensamento 25de Anthony Giddens sobre a reflexividade da vida social moderna e do dissenso terico entre estudiosos brasileiros acerca do conceito de midiatizao, os autores indagam se a midiatizao representa uma processualidade de referncia ou nova forma de vida, evidenciando que no se trata de escolher entre uma e outra posio e, sim, de considerar que ela no suprime as formas tradicionais de sociabilidade nem abarca a totalidade dos processos comunicacionais. Sob tal tica, argumentam que o jornalismo atravessado por mltiplas, sofisticadas e complexas mediaes e interaes entre atores sociais e dispositivos sociomiditicos. O texto Midiatizao e mediao: seus limites e potencialidades na fotografia e no cinema de Clarisse Castro Alvarenga e Ktia Hallak Lombardi apresenta as possveis interaes entre midiatizao e mediao atravs da articulao entre as ideias de bios miditico, de Muniz Sodr, e midiatizao, de Jos Luiz Braga, focando os aspectos sensveis de suas materializaes nas fotografias de Sophie Riestelhueber, apresentadas no livro Fait, e no filme Juventude em marcha, do cineasta portugus Pedro Costa. O percurso que envolve definies conceituais e sua presena nos produtos miditicos permite repensar as fendas abertas nos processos de comunicao que aqui, no so mais vistos como parte de esquemas estanques e sim, como dinmicas culturais que transformam a ideia de comunicao no audiovisual contemporneo. Antnio Fausto Neto em Midiatizao da enfermidade de Lula: sentidos em circulao em torno de um corpo-significante examina a potencialidade do conceito de midiatizao, atravs da anlise das estratgias que deram visibilidade enfermidade do ex-presidente, que implicariam na construo de novos processos de produo do acontecimento miditico, sinalizando tambm as mediaes que so engendradas nesta nova dinmica sociocomunicacional. Para tal, analisa as lgicas e operaes do campo miditico que so apropriadas por outros campos sociais, as quais estruturam novas possibilidades de produo de sentidos, mediadas por 26novas prticas sociais, explorando desta forma a aproximao dos dois conceitos-chave desta publicao. Como se pode notar no panorama delineado acima, os autores do livro Comps 2012 problematizam tanto a concepo totalizante da midiatizao que subsume as formas de interao social quanto a nfase excessiva nos condicionantes culturais dos processos de mediao. Assim, parte expressiva das reflexes apresentadas nesta publicao sinaliza uma viragem nas perspectivas dos estudos da comunicao que encaram tais fenmenos como processos transversais e complementares. Como ressaltado no instigante prefcio do professor Adriano Duarte Rodrigues, a trajetria do livro pautou-se no dilogo crtico que busca a intensidade na descrio dos conceitos de midiatizao e mediao, visando a construo de bases epistemolgicas slidas e capazes de assegurar maturidade terica e metodolgica, abrangendo ao mesmo tempo, a diversidade do campo da comunicao e a permanente conexo entre academia e prticas cotidianas. Com isso reconhece que o Brasil ocupa um lugar de destaque no s na produo miditica bem como nas prticas que envolvem reflexo e produo de conhecimento crtico sobre os processos comunicacionais que caracterizam a cultura contempornea. 27PARTE IMEDIAO & MIDIATIZAO: CONEXES EPISTEMOLGICASCircuitos versus campos sociais Jos LuiZ BrAgA introdUo O presente texto se concentra na expresso midiatizao . Essa a questo que direciona a Linha de Pesquisa em que me inscrevo, no PPG em Cincias da Comunicao da Unisinos.1 Mais especificamente, neste artigo, tenho o objetivo de refletir sobre uma das consequncias significativas que a midiatizao crescente apresenta na sociedade contempornea que um atravessamento dos campos sociais estabelecidos, gerando situaes indeterminadas e experimentaes correlatas. Com este objetivo em mente, minhas primeiras anotaes, iniciadas h algum tempo, no incluam perspectivas sobre o conceito de mediaes . Acreditava, entretanto, que o foco em um dos dois termos da proposta da Comps para seu livro de 2012 seria suficiente para legitimar um encaminhamento do texto seleo por seus organizadores. Entretanto, em conversa com colegas sobre a perspectiva que damos a midiatizao em nossa linha de pesquisa, percebi que a gama de sentidos do conceito de mediaes seria pertinente para esclarecer meu tema principal. 1 A Linha de Pesquisa Midiatizao e Processos Sociais conduzida pelos professores Ant onio Fausto Neto, Jairo Ferreira, Pedro Gomes e pelo autor do presente artigo. Conceitos e e nigmas pertinentes so constantemente debatidos entre ns, produzindo um ambiente de estmulo reflexivo, tanto mais rico pela diversidade de ideias que atravessa nossas preferncias.Em perspectiva genrica, uma mediao corresponde a um processo em que um elemento intercalado entre sujeitos e/ou aes diversas, organizando as relaes entre estes. Esse conceito bsico parece se manter em todas as situaes em que a expresso chamada a nomear o processo. Os sentidos especficos variam segundo o elemento mediador; conforme os sujeitos cuja relao intermediada; e de acordo com seu modo de atuao. Em perspectiva epistemolgica, trata-se do relacionamento do ser humano com a realidade que o circunda, que inclui o mundo natural e a sociedade. A ideia de mediao corresponde percepo de que no temos um conhecimento direto dessa realidade nosso relacionamento com o real sempre intermediado por um estar na realidade em modo situacionado, por um ponto de vista que social, cultural, psicolgico. O ser humano v o mundo pelas lentes de sua insero histrico-cultural, por seu momento . Conforme a rea de estudos e o tipo de objeto de cujo conhecimento se trata, diferentes elementos so enfatizados como mediadores a linguagem, a histria de vida, a insero de classe, as experincias prticas e o mundo local , o trabalho, a educao formal recebida, os campos sociais de insero. No mbito da Comunicao, o surgimento de uma mdia de massa na forma de indstria cultural tornou-se objeto de estranhamento social: uma sociedade vista como massificada passava a ser mediada por processos informativos e de entretenimento no-habituais, subsumidos a setores sociais dominantes, no controlados pela sociedade em geral. Como consequncia desse elemento mediador, implantado como um corpo estranho , criava-se a impresso de uma exposio direta da sociedade mdia, como entidade passiva diante de um potencial homogeneizador. Entretanto, Jess Martn-Barbero vem assinalar, nos anos 1980, uma mediao fundamental entre a sociedade e as proposies da mdia de massa: a insero cultural do receptor. Sua formulao, hoje antolgica, 32aciona um deslocamento do foco de ateno, no estudo das comunicaes massivas: dos meios s mediaes . Essa expresso, praxiolgica desde sua formulao, realiza duas aes cognitivas relevantes. Por um lado, prope a superao de uma viso objetivista dos meios (da indstria cultural, suas tecnologias, seus produtos), a serem redirecionados para uma viso relacional na sociedade. Por outro, introduz uma preocupao da rea com a composio daquelas mediaes, com os elementos que a se realizam mas sobretudo com o modo, a intensidade, a eficcia de tais mediaes (culturais) no enfrentamento de seu par relacional (a mdia com seus produtos). Essa percepo relevante, no apenas porque pe em cena o receptor integrado em seus ambientes mas tambm porque comea a fazer perceber os processos midiatizados. Como os meios, antes dessa virada, apareciam de modo preocupante como produtores de efeitos no controlveis pela sociedade, as mediaes se pem, praxiologicamente, como espao da ao de resistncia. No se trata apenas de conhecimento do mundo (nos aspectos e objetos em foco), do vis com que se o percebe e pelos quais nos relacionamos com os meios. Mas tambm e talvez sobretudo da possibilidade de enfrentamento, da reflexo sobre a qualidade das condies para esse enfrentamento, como uma interao de natureza poltico-social. Por isso mesmo, no infrequente as duas palavras serem reunidas em formato opositivo: mediaes ou midiatizao. Essa possvel oposio corresponde, tambm, a duas nfases alternativas: o objeto preferencial dos estudos de comunicao seriam os meios ou seriam as mediaes? Efetivamente, Immacolata Vassallo de Lopes, em entrevista com Jess Martn-Barbero (2009, p. 150), oferece o ngulo adequado para que o pesquisador esclarea sua visada atual: Mediatizao ou mediao? [...] a questo da comunicao uma questo de meios ou de mediaes? Fao essa pergunta para que responda precisamente este ponto: ser preciso fazer um outro livro agora, intitulado Das mediaes ao meios? 33O autor assinala que em Dos meios s mediaes se referia s mediaes culturais da comunicao . E ainda: A partir da, o que aparecia claramente eram dois eixos: um, as lgicas de produo e as competncias da recepo; e outro, as matrizes culturais e os formatos industriais . Observa que, no desenvolvimento de sua reflexo, entretanto, comeou a pensar as mediaes comunicativas da cultura . (MARTN-BARBERO, 2009, p. 150) Nessa perspectiva, [] preciso assumir no a prioridade dos meios, mas sim que o comunicativo est se transformando em protagonista de uma maneira muito forte . (MARTN-BARBERO, 2009, p. 152, grifos nossos) O sentido que atribumos, em nossa Linha de Pesquisa, ao termo midiatizao muito prximo dessa segunda proposio. No intervalo entre as duas nfases percebidas por Martn-Barbero, dois processos reduzem o estranhamento da mdia. Um deles, processo tecnolgico, corresponde disponibilizao de aes comunicativas midiatizadas para largas parcelas da populao, dosando e redirecionando a comunicao massiva. O outro, processo social, diz respeito a uma entrada experimental de participantes sociais nas prticas e processos antes restritos indstria cultural por crtica social, por reivindicaes de regulao pblica da indstria, por aes sociais organizadas para ocupar espaos de produo e difuso; e certamente pela ativao crtica e intencionada das mediaes culturais, por apropriaes em desvio das interpretaes preferenciais da produo. Ao mesmo tempo em que a questo comunicacional se torna presente e fundante para a sociedade, os processos sociais se midiatizam de que tomam diretamente iniciativas midiatizadoras. midiatiZao Antnio Fausto pode denominar relativa, face midiatizao, 34 Neto (2008, p. 93) observa que, em um perodo que se sociedade dos meios , as mdias [...] teriam uma autonomia existncia dos demais campos . J na sociedade de a cultura miditica se converte na referncia sobre a qual a no sentidoestrutura scio-tcnica-discursiva se estabelece, produzindo zonas de afetao em vrios nveis da organizao e da dinmica da prpria sociedade . Nossa perspectiva sobre midiatizao observa justamente esse deslocamento. Por diversas razes, j no se pode considerar a mdia como um corpo estranho na sociedade. Com a midiatizao crescente dos processos sociais em geral, o que ocorre agora a constatao de uma acelerao e diversificao de modos pelos quais a sociedade interage com a sociedade. Ainda que os processos interacionais mais longamente estabelecidos da ordem da oralidade presencial e da escrita em suas mltiplas formas continuem a definir padres de comunicao, e lgicas inferenciais, que organizam a sociedade e suas tentativas, tais processos, em sua generalidade, se deslocam para modos mais complexos, envolvendo a diversidade crescente da midiatizao o que bem mais amplo e diferenciado do que referir simplesmente o uso dos meios. Assim, hoje, o que atrai fortemente nossa ateno so esses processos cujas aes no se restringem ao objeto meios nem ao objeto receptores e suas mediaes , mas os incluem, a ambos, em formaes muitssimo diversificadas e ainda articulados a outras formaes. Em um artigo de 2007, Midiatizao como processo interacional de referncia, propus algumas perspectivas sobre esse enfoque. Assim, preciso fazer uma distino bsica. Quando falamos em midiatizao , no estamos circunscrevendo o termo indstria cultural; nem s inovaes tecnolgicas tornadas disponveis. Certamente, a presena da indstria cultural fato que no deve ser descurado. Entretanto, mesmo levando em conta essa presena, no entendemos que midiatizao corresponda a uma ampliao ou predomnio da indstria cultural sobre a sociedade. Ao contrrio, as inmeras possibilidades que vo se desenvolvendo para criticar, para apreender reflexivamente os produtos e processos dessa indstria, para setores da sociedade agirem nas mdias e pelas mdias, os esforos de regulamentao poltico-social tudo isso, ao contrrio, torna a presena da indstria cultural um elemento no ho 35mogeneizante do social. Eliseo Vern (1998, p. 1, grifo do autor, traduo nossa) prope que Uma sociedade em vias de midiatizao (distinta da sociedade meditica do perodo anterior [...]) no por isso uma sociedade dominada por uma s forma estruturante, que explicaria a totalidade de seu funcionamento. A midiatizao opera atravs de diversos mecanismos segundo os setores da prtica social que interessa, e produz em cada setor distintas conseqncias. Alm disso, o surgimento das novas tecnologias crescentemente disponibiliza possibilidades de midiatizao para setores no-miditicos : das mais diversas instituies aos grupos ad-hoc e aos indivduos. Entretanto, no restringimos o termo a essa penetrao tecnolgica. claro que se trata de um insumo relevante, merecedor de pesquisa e reflexo mas entendemos que os processos comunicacionais associados no decorrem simplesmente da inveno tecnolgica. preciso um componente diretamente social no processo. Sobre a tecnologia disponibilizada preciso ainda que se desenvolvam invenes sociais de direcionamento interacional. Essas invenes so, talvez, a parte mais importante da questo. porque a sociedade decide acionar tecnologias em um sentido interacional que estas se desenvolvem na engenharia e na conformao social. S e Holzbach (2010, p. 9), tratando de performances mediadas por computador, observam que o You Tube foi desenvolvido para ser um canal de veiculao de vdeos domsticos mas os usurios comearam a postar vdeos de instituies [...] fazendo eclodir uma srie de discusses sobre direitos autorais E mais adiante, falando do twitter: desenvolvido para que os usurios respondessem pergunta o que vc est fazendo? , ele tambm desviou-se de seus usos originais, tornando-se uma das plataformas populares no Brasil ao longo de 2009 (p. 10). Essa parece ser uma constante, a cada tecnologia produzida. Basta pensar que o rdio foi tecnologicamente desenvolvido para viabilizar comunicaes ponto a ponto, como por exemplo entre 36navios, que no podiam utilizar a tecnologia do telgrafo (com fios). At hoje, na Frana, o rdio chamado de t.s.f (telgrafo sem fios) sendo usado, evidentemente, para aes interacionais muito diferentes a partir de invenes sociais. Por tudo isso, no se trata de retornar das mediaes aos meios: ambos so parte necessria e significativa da abrangncia que nos interessa. Mas ao mesmo tempo, no so objetos suficientes. O conceito de midiatizao, ainda em fase de construo , como observa a chamada de artigos para o Livro Comps de 2012, solicita uma abrangncia maior. Todas as reas e setores da sociedade passaram a desenvolver prticas e reflexes sobre sua interao com as demais reas e setores, testando possibilidades e inventando processos interacionais para participar segundo suas prprias perspectivas e interesses. Essas prticas, esses processos, em toda sua variedade, tornam-se objeto possvel para nossa investigao desde que, de algum modo, produzam ao interacional. Isso corresponde a dizer que tais objetos oferecem a possibilidade de grande variedade de perguntas para a investigao, algumas das quais talvez nem sabemos ainda como expressamente gerar ou organizar. Assim como, desde o sculo XVII, a imprensa se desenvolveu como um componente estruturante da sociedade (notadamente a europeia), na medida em que esta buscava organizar, diversificadamente, as potencialidades da escrita a servio de seus interesses mltiplos e frequentemente contraditrios; assim tambm vemos os processos de interacionalidade midiatizante estimulando os modos pelos quais a sociedade se comunica e, em consequncia, tentativamente se organiza. Diante desse objeto, extraordinariamente complexo, a primeira dificuldade que se pe a de escolher focos de investigao e desenvolver conceitos que possam clarear e priorizar suficientemente os mbitos de pesquisa. Tentativas mltiplas vm sendo apresentadas acredito que, aos poucos, iro se evidenciando os ngulos mais produtivos dentre estas. 37Sabemos que a partir do prprio embate entre conceitos e hipteses concorrentes que podemos desenvolver percepes e ajustes conceituais necessrios. (CAMPBELL, 2005) Na linha de pesquisa de Midiatizaes, temos assim trabalhado, com diversidade interna de reflexes e elaborao, os conceitos de circulao, circuitos, dispositivos e ambincia midiatizada. O enfoque do presente texto se circunscreve aos dois primeiros. circUlao Nas relaes agora vistas como bem mais complexas entre a produo e a recepo, um conceito inicialmente restrito a esse intervalo entre os dois polos, ganha vigor e relevncia. Em A sociedade enfrenta sua mdia, afirmamos que quando se trata de valores simblicos e da produo e recepo de sentidos, o que importa mais a circulao posterior recepo. [...] O sistema de circulao interacional essa movimentao social dos sentidos e dos estmulos produzidos inicialmente pela mdia. (BRAGA, 2006, p. 28, grifo do autor) Fausto Neto (2010) assinala um desenvolvimento do conceito de circulao que, na medida em que se complexifica, se torna nuclear para pensar a midiatizao da sociedade. Fazemos aqui uma apropriao do artigo, pelo ngulo em que estuda a sucesso de sentidos dados expresso. No perodo da nfase nos meios, a circulao era vista meramente como a passagem de algo do emissor ao receptor. Uma preocupao central era a de verificar a consistncia entre o ponto de partida e o ponto de chegada o principal critrio acionado era o da busca de correspondncia e identidade entre emisso e recepo. Com a percepo de que os receptores so ativos, a circulao passa a ser vista como o espao do reconhecimento e dos desvios produzidos pela apropriao. Aparece ento como resultado da diferena entre lgicas de processos de produo e de recepo de mensagens . (FAUSTO NETO, 2010, 38p. 10, grifo nosso) Torna-se, portanto, um espao de maiores possibilidades de ocorrncia interacional, na prtica social; e de descobertas, na investigao. Dada a possibilidade de desarticulao entre essas lgicas, por suas diferenas, coloca-se a questo de contratos para descrever as possibilidades de construo de vnculos entre produo/recepo . (FAUSTO NETO, 2010, p. 10, grifo nosso) Uma pergunta relevante se voltava para entender como a sociedade evita que as diferenas entre as lgicas da produo e as da recepo levem simples incompreenso mtua. A circulao , ento, transformada em lugar no qual produtores e receptores se encontram em jogos complexos de oferta e reconhecimento . (FAUSTO NETO, 2010, p. 11, grifo nosso) Nesse estgio, as lgicas dos contratos so subsumidas por outras lgicas de interfaces [...] os receptores perambulam por vrias mdias, migrando em seus contatos com os mesmos, e quebrando zonas clssicas de fidelizao . Fausto Neto (2010, p. 12-14, grifo do autor) reitera, ainda, em sua concluso, que as novas condies de circulao afetam as lgicas de instituies produtoras e sujeitos-receptores, por fora da ambincia da midiatizao . Podemos observar a os desenvolvimentos sobre a relao produo/ recepo. A partir dessas percepes sucessivas no entendimento de circulao , mais um passo deve ser proposto: indo alm das relaes diretas entre produtor e receptor, importa o fato de que este ltimo faz seguir adiante as reaes ao que recebe. Isso decorre no apenas da presena de novos meios, mas tambm de que os produtos circulantes da mdia de massa so retomados em outros ambientes, que ultrapassam a situao de recepo (o espectador diante da tela). Esse fluxo adiante acontece em variadssimas formas desde a reposio do prprio produto para outros usurios (modificado ou no); elaborao de comentrios que podem resultar em textos publicados ou em simples conversa de bar sobre um filme recm visto; a uma retomada de ideias para gerar outros produtos (em sintonia ou contraposio); a uma estimulao de debates, anlises, polmicas em processo agonstico; 39a esforos de sistematizao analtica ou estudos sobre o tipo de questo inicialmente exposta; passando ainda por outras e outras possibilidades, incluindo a, naturalmente a circulao que se manifesta nas redes sociais. Em todas essas alternativas, na sociedade em midiatizao o esforo produtivo para circular se faz na conformao da escuta prevista ou pretendida. No artigo La poltica de los internautas es producir circuitos (BRAGA, 2011, p. 7) discuto essa espcie de contrafluxo que a necessidade de previso da escuta possvel na composio da fala a ser posta em circulao: No contrafluxo, passamos a produzir a partir das respostas que pretendemos, esperamos ou receamos . Essa caracterstica de fluxo contnuo, marcado pela retroao da escuta prevista, parece-me ser um dos aspectos mais pregnantes da midiatizao, merecedor de investigao emprica para aprofundar a variedade de consequncias (problemticas, promissoras ou desafiantes) da interao social atual. Pelo menos nos macro-ambientes de interao social do qual fazem parte, alis, as redes sociais e na medida em que as interfaces sociais se encadeiam crescentemente, percebemos que o esforo interacional se desloca do modelo conversacional (comunicao reverberante, de ida-e-volta) para um processo de fluxo contnuo, sempre adiante. Nessas circunstncias, j no to simples distinguir pontos iniciais e pontos de chegada , produo e recepo como instncias separadas. O que, alis, nos faz perceber que tal construo decorre mais de uma condio histrica especfica (a fase de implantao dos meios de massa) do que de uma pretendida natureza do processo interacional que, pela prpria etimologia da palavra, enfatiza antes a indistino de papeis do que uma especializao por estrutura . Ou seja: o exerccio de diferentes aes, as assimetrias e opresses, devem ser relacionadas antes a cada tipo especfico de interao, assim como a seus contextos significativos; e no a uma pretendida lgica diferencial no interagir. claro que no caso dos meios de massa podemos distinguir claramente essas duas posies que devem ser assim estudadas segundo suas lgicas especficas; mas 40evitando naturalizar estes papis como se fossem categorias inelutveis da midiatizao. consensual que, nas redes sociais, as diferentes lgicas interacionais definem outros papis para os participantes. Mas mesmo nos meios ditos unidirecionais, uma vez absorvidos seus processos, culturalmente , pela sociedade e integrados a outros circuitos, a diferena deixa de significar necessariamente assimetria contestvel. Por raciocnio complementar, se abordamos a circulao nessa visada abrangente, decorre da que o produto meditico no o ponto de partida no fluxo. Pode muito bem ser visto como um ponto de chegada, como consequncia de uma srie de processos, de expectativas, de interesses e de aes que resultam em sua composio como um objeto para circular e que, por sua vez, realimenta o fluxo da circulao. No artigo referido anteriormente (BRAGA, 2011b), sublinhamos que, a rigor, no o produto que circula mas encontra um sistema de circulao no qual se viabiliza e ao qual alimenta. O produto, entretanto, um momento particularmente auspicioso da circulao justamente porque, consolidado em sua forma que permanece (e que se multiplica, na sociedade em midiatizao), pode continuar circulando e repercutindo em outros espaos. O produto, por sua permanncia e tambm porque se molda ao mesmo tempo em que busca moldar os ambientes em que se pe a circular, torna-se um especial objeto de observao para inferncias sobre os processos mais gerais em que se inscreve. Os processos e as consequncias desse modo preferencial de circulao, prprio da sociedade em midiatizao, devem ento ser estudados. Uma questo que se pe aqui a de como concretizar aspectos dessa perspectiva abrangente, de modo a transitar da elaborao reflexiva e ensastica para o trabalho da pesquisa emprica. Uma primeira aproximao corresponde a perceber que essa circulao em fluxo contnuo no apenas uma descrio abstrata. Ela se manifesta concretamente na sociedade, na forma de circuitos que so culturalmente praticados, so reconhecveis por seus usurios e podem ser descritos e analisados por pesquisadores. 41O prximo item e a concluso pretendem concretizar minimamente esse conceito, como base para investigaes especficas. circUitos VERSUS camPos Tais circuitos no se desenvolvem no vazio. H uma sociedade pr-meditica solidamente instalada por suas instituies e estruturas historicamente elaboradas. Um bom modo para tratar esse ambiente estabelecido referir os campos sociais, conforme a perspectiva de Bourdieu (2003, p. 22, grifo do autor) estudados como microcosmos relativamente autnomos : Uma das manifestaes mais visveis da autonomia dos campos sua capacidade de refratar, retraduzindo sob uma forma especfica as presses ou demandas externas. [...] quanto mais autnomo for um campo, maior ser seu poder de refrao e mais as imposies externas sero transfiguradas, a ponto, frequentemente, de se tornarem perfeitamente irreconhecveis. Adriano Rodrigues (1990, p. 143) prope que um campo social constitui uma esfera de legitimidade . Observando que cada um dos campos sociais coexiste com uma multiplicidade de outros campos, compondo entre si [...] as funes expressivas e pragmticas e as formas simblicas de visibilidade . (RODRIGUES, 1990, p. 149) O autor oferece, em 1990, uma boa percepo sobre a instaurao do campo dos media na sociedade. De modo pertinente para o que se percebia ao final da dcada de 1980, prope que [...] a legitimidade do campo dos media de natureza predominantemente vicria ou delegada. A fonte da sua legitimidade resulta de um processo de autonomizao de uma parte das funes de mediao dos outros campos sociais, autonomizao exigida pelo processo generalizado de disseminao das esferas da experincia no mundo moderno. (RODRIGUES, 1990, p. 155) Entretanto, na sociedade em midiatizao, j no se podem apreender os processos sociais segundo essa incluso de um campo especial, 42atravs da cesso de mediaes pelos outros campos ao campo meditico. Em nossa aproximao do conceito, resistimos perspectiva de que a midiatizao da sociedade seja simplesmente decorrente da ao dos meios , seja pela incidncia da indstria cultural ou como decorrncia direta da inovao tecnolgica, ou da ao dos ambientes institucionais/ profissionais que, em torno de tais processos, caracterizam o campo dos media . certamente vlido fazer referncia a um campo dos media , restrito, entretanto como um dos espaos aquele do delineamento institucional/ profissional mais evidente, e para o qual as universidades principalmente oferecem sua formao em Comunicao. Mas esse campo no o responsvel pela midiatizao da sociedade, seno na medida em que todos os campos sociais igualmente o so, cada um com sua incidncia especfica. Fausto Neto (2008, p. 92) considera que j no se trata mais de reconhecer a centralidade dos meios na tarefa de organizao de processos interacionais entre os campos sociais, mas de constatar que a constituio e o funcionamento da sociedade de suas prticas, lgicas e esquemas de codificao esto atravessados e permeados por pressupostos e lgicas do que se denominaria a cultura da mdia . O surgimento de modos diversificados para interagir na sociedade, a intensidade da circulao simblica, o surgimento de articulaes e de frices onde anteriormente os processos principais podiam ser conduzidos pelas lgicas de campos especficos e por negociao em zonas de fronteira entre campos tudo isso leva necessidade de processos experimentais pela sociedade em sua abrangncia. Seja para fazer de outro modo as mesmas coisas, seja para acionar processos antes no viveis ou nem sequer pensveis , todos os setores da sociedade so instados, pela prpria predominncia da midiatizao como processo interacional de referncia (BRAGA, 2007), a se articularem atravs de circuitos pouco habituais. A midiatizao geral da socie 43dade torna inevitvel a continuidade entre processos mediticos e outros processos interacionais de sociedade que se relacionam crescente e diversificada mente com as interaes midiatizadas. O uso de processos tecnologicamente acionados para a interao j no mais um fato da mdia (campo social) assim como a cultura escrita no um fato das editoras, dos autores e das escolas, exclusivamente. Esses dois grandes processos culturais (hoje com fortes interpenetraes) so antes de tudo fatos comunicacionais da sociedade. Na prtica social encontramos, ento, sobretudo circuitos. Cada setor ou processo de sociedade participa de circuitos mltiplos. Com a midiatizao crescente, os campos sociais, que antes podiam interagir com outros campos segundo processos marcados por suas prprias lgicas e por negociaes mais ou menos especficas de fronteiras, so crescentemente atravessados por circuitos diversos. Esses circuitos contemporneos envolvem momentos dialgicos, momentos especializados ; momentos solitrios o mundo circula em nosso self e momentos tecno-distanciados, difusos. Todos esses momentos se interferem se apoiam s vezes, certamente se atrapalham. Uma percepo que ocorre, diante de tais processos, a exigir elaborao reflexiva, que com frequncia se caracterizam como circuitos canhestros , exatamente porque tentativos. A cultura comunicacional mediadora passa a ser caracterizada por tais processos fortemente tentativos. O que importa assinalar, em nvel distinto das observaes genericamente recusadoras ou deslumbradas, que a passagem do estranhamento absoro como cultura no se faz apenas por uma habituao mas sim, fortemente, por inveno social. A cultura da midiatizao em implantao se faz por experimentao. claro que processos inventados socialmente e historicamente tornados vigentes podem resultar valorveis ou negativos e geralmente so, de modo tensionado, bons ou maus conforme as circunstncias o que significa que devem ser criticados com especificidade. 44Os diferentes campos sociais, no seu trabalho de articulao com o todo social, desenvolvem tticas e usos para as tecnologias disponveis, moldando-as a seus objetivos. Ao experimentarem prticas mediticas, ao se inscreverem, para seus objetivos interacionais prprios, em circuitos midiatizados, ao darem sentidos especficos ao que recebem e transformam e repem em circulao os campos sociais agem sobre os processos, inventam, redirecionam ou participam da estabilizao de procedimentos da midiatizao. Essa processualidade interacional inevitavelmente repercute sobre o prprio perfil do campo por exemplo, incidindo sobre o equilbrio das foras que o desenham em dado momento, abrindo possibilidades para determinadas linhas de ao e fechando outras, exigindo diferentes tipos de ajuste ao contexto. Mas isso tambm requer inveno social. Alm dessas aes institucionais de ajuste do prprio campo ao ambiente midiatizado, aes novas se desenvolvem no contexto, que remetem a desafios antes no acionveis e para os quais no h respostas prontas. Algumas dessas aes so diretamente subversivas , como assinala Victor Folquening (2011) correspondendo possibilidade de agentes externos a um campo social (inclusive agentes individuais) de produzir incidncias sobre um campo estabelecido a partir de pontos externos a este, uma vez que consigam estimular circuitos ou dispositivos interacionais tentativos que encontrem ressonncia no prprio campo ou em suas reas de entorno. Isso pode ocorrer porque todos os campos sociais, na sociedade em midiatizao, parecem estar mais atrelados a necessidades de interao externa , mesmo custa de no poder impor suas prprias lgicas para dizer suas coisas . Paralelamente, determinados agentes com posio interna em um campo social e utilizando o capital social a amealhado passam a interagir com o ambiente externo fora das lgicas estritas mais habituais desse campo, acionando processos e lgicas diferidos e difusos, prprios da midiatizao. Mesmo quando tais processos de circulao encontram 45uma recusa crtica por parte dos grupos definidores e controladores das lgicas do campo (no estado atual do jogo de foras), o capital social anteriormente acumulado por aqueles agentes, complementado pelos capitais da aceitao externa , modifica as relaes de foras internas. Por todas estas razes, a capacidade de refrao dos campos se encontra inevitavelmente diminuda, em todo caso deformada por comparao ao desenho estabelecido. Outra maneira de expressar isso seria considerar que a esfera de legitimidade estabelecida pelos diferentes campos sociais se encontra agora constantemente em risco, devendo ser continuadamente reconsiderada e reelaborada. Exemplos podem se multiplicar basta observar a incidncia das aprendizagens no-controladas pelo campo educacional; ou a difuso de falas em modo diferido e difuso com relao a campos que asseguram, habitualmente, um contato controlado entre seus especialistas e o pblico atendido, como o caso da medicina e do campo psicolgico. Mesmo no espao profissional estabelecido da comunicao social os meios institucionalizados , observamos a incidncia de uma sobre-midiatizao, quando diferentes pessoas e instituies envolvidas em fatos de atualidade se deslocam da situao de fonte isto , de fornecedores de uma informao que deve ainda passar pelo crivo interpretativo-seletivo de um jornalista para uma posio de informadores diretos , com base em uma reivindicao de credibilidade por se vincularem diretamente ao acontecimento relatado. So apenas exemplos mas parece suficiente para esclarecer nossa proposio. No estamos sugerindo que os campos sociais se diluiro em favor de uma espcie de comunicao direta da sociedade atravs de redes difusas. Mas afirmamos que as mudanas decorrentes de processos de interao em midiatizao modificam (e modificaro crescentemente) o perfil, os sentidos e os modos de ao dos campos sociais; que outros campos se desenvolvem; e sobretudo que os modos de interao entre os campos sociais e entre cada um destes e a sociedade ao largo continuaro a se modificar. 46Pelo menos at que, eventualmente, aps um perodo de forte experimentao social, aos poucos se desenvolva algum tipo de estabilidade de processos, nosso foco de estudos envolve estarmos atentos para esses aspectos tentativos . Devemos enfatizar que, embora esse impulso de experimentao estimule certamente a inovao tecnolgica, essas tentativas se demarcam sobretudo como buscas de procedimentos interacionais. nesse mbito de processos de natureza comunicacional que muitas questes sociais se encontram em jogo. Estudar circuitos relevante para compreender a sociedade em midiatizao justamente porque no prevalecem a, simplesmente, as lgicas deste ou daquele meio, nem mesmo as lgicas preferenciais de determinados tipos de meios. Assim, no interessante contrapor os meios digitais aos meios de massa como se fossem caracterizadores de diferentes mundos. Cada circuito compe diferentes articulaes entre o massivo e o digital, engastando ainda, a, o presencial e a escrita. conclUso Do que foi referido acima, decorre que no atribumos os processos da midiatizao a nenhum setor prioritrio da sociedade. Aparentemente, por um concurso de circunstncias histricas, relacionados a necessidades, interesses e reivindicaes de diferentes setores sociais, ingressamos em um perodo de intensificao da interao social, com valorizao generalizada e forte autopercepo dos processos relacionados, de seus movimentos, objetivos e estratgias. No momento atual, inferimos um determinado conjunto de caractersticas gerais que parece expressar tais processos. Dentro da visada antes afirmada, de ir alm do nvel reflexivo e ensastico para observar alguns ngulos pertinentes para pesquisa emprica, queremos enfatizar que os conceitos e caractersticas que referimos no se propem como explicaes sobre a sociedade em midiatizao. No considero que tais caractersticas sejam essncias que estejam em ao 47na sociedade, dirigindo doravante os processos segundo os quais a sociedade conversa com a sociedade. Alm disso, no consideramos aquelas lgicas como em si negativas ou positivas: so apenas processos gerais que apresentam nfase e reiterao suficientes, observao, para que os consideremos ngulos merecedores de estudo emprico, de inquirio para perceber como a cada caso e segundo que direcionamentos especficos se manifestam na sociedade. No presente artigo, referimos algumas lgicas e processos que se apresentam com frequncia, que podem ento se destacar como alguns dos modos pelos quais a midiatizao se instala. Podem servir, nesse nvel, como heursticas para investigaes especficas atravs das quais devese obter uma percepo mais clara das prprias lgicas, ou sua substituio por outras, mais afinadas com a realidade. Encontramos uma circulao em fluxo contnuo, relacionada gerao de circuitos complexos em dois sentidos: pela variedade de ambientes atravessados; e pela diversidade de processos, meios e produtos articulveis ao circuito. Os circuitos mais marcados pela midiatizao da sociedade atravessam os campos sociais estabelecidos, abalando sua capacidade de refrao e o desenho de sua esfera de legitimidade. Em tais circuitos, aparece frequentemente um foco no polo receptor, produzindo o que chamamos de contrafluxo de escuta . Um mote frequente na sociedade em midiatizao se refere presena e relevncia de novas tecnologias como geradoras ou viabilizadoras de processos e de dispositivos interacionais igualmente inovadores. De nossa parte, relacionamos sempre a tais inovaes uma inveno social que d sentido tecnologia ao mesmo tempo em que a inovao estimula constantemente essa inventiva social. O que chamamos de dispositivos interacionais no corresponde ao aspecto tecnolgico (o aparato), mas sim a matrizes sociais que vo sendo tentativamente elaboradas para assegurar interao e que podem ser acionadas culturalmente. Com esse processo, os dispositivos e os circuitos sociais se 48caracterizam por uma necessidade de experimentao que evidencia a comunicao como tentativa . Um dos principais processos de socializao e de formao no ambiente da midiatizao passa a ser, diretamente, um trabalho tentativo, de experimentao quer isso ocorra atravs de um acesso intensivo aos processos de rede social, quer se refira a uma permeao nos meios ditos de massa, tomados como referncia para interaes ou como base para processos interacionais derivados. No existindo (por definio) critrios prvios para aquilatar essa experimentao, os processos tentativos se assinalam frequentemente como canhestros dependendo do exerccio social para ajustes e correes de percurso. Embora os processos sociais se voltem para maximizar a instantaneidade da circulao, paralelamente v-se ampliada sua potencialidade para a circulao diferida e difusa, dada a permanncia possvel dos produtos e das falas em geral; assim, os ritmos da circulao se encontram modulados por articulaes diversas possveis entre as tticas da instantaneidade que procuram abreviar o tempo de acesso e de circulao; e as tticas de acervo, voltadas para a permanncia e para a recuperao. O fato de que os circuitos em desenvolvimento tenham a tendncia assinalada, de atravessar os campos sociais estabelecidos mesmo quando o ponto de origem de um circuito um desses campos, como, por exemplo, o educacional , leva a uma espcie de recontextualizao . As referncias habituais se encontram deslocadas ou complementadas por referncias menos habituais fazendo com que os prprios circuitos em desenvolvimento elaborem e explicitem os contextos requeridos para atribuio de sentidos aos produtos e falas que circulam. Tudo isso faz perceber que midiatizao no se confunde com aes da indstria cultural . Esta fornece apenas um subconjunto de processos e de referncias e, eventualmente, partes de circuitos que entretanto so diferentemente acionadas, apropriadas ou redirecionadas por outros 49agentes sociais. Mais, ento, que por um foco na mdia , percebemos hoje a midiatizao da sociedade como uma criao e recriao contnua de circuitos, nos quais, articulados com processos de oralidade e processos do mundo da escrita, os processos que exigem ou exercem intermediao tecnolgica se tornam particularmente caracterizadores da interao. Entretanto, tais possibilidades so muito diferentemente acionadas a cada caso, por cada campo social ou setor de campo, ou ainda por participantes sociais reivindicadores de perspectivas diferentes daquelas j estabelecidas. No so as caractersticas gerais da midiatizao que dizem o social mas sim os modos pelos quais sejam historicamente acionadas. Mais exatamente, os acionamentos que vo produzindo aquelas caractersticas. Por isso mesmo, as proposies que apresentamos aqui no so tentativas de explicao mas sim ngulos a serem estudados. Os encaminhamentos dados a tais caractersticas, as ponderaes diferenciadas entre elas, e mesmo sua confirmao ou no como caracterizadores abrangentes da midiatizao dependero justamente das experincias e processos, de seu sucesso relativo, das validades sociais que venham a ser encontradas e eventualmente prezadas pela sociedade. Isso corresponde a dizer que, na sociedade em midiatizao, no so os meios , ou as tecnologias , ou as indstrias culturais que produzem os processos mas sim todos os participantes sociais, grupos ad-hoc, sujeitos e instituies que acionam tais processos e conforme os acionam. O estudo da midiatizao no corresponde, ento, a explicar ocorrncias singulares pela indicao das lgicas supostamente inexorveis que se encontrariam em ao. Corresponde, antes, a estudar minuciosamente aquelas experincias sociais de produo de circuitos e de dispositivos interacionais para, atravs das percepes a obtidas, identificar os riscos, os desafios, as potencialidades e os direcionamentos preferenciais; procurando perceber como esto se encaminhando as mediaes comunicativas da sociedade e sempre que relevante tentando incidir praxiologicamente sobre elas. 50Assim, voltando aos dois termos que compem a temtica geral definida pela Comps para 2012, percebemos que, longe de caracterizar uma contraposio ou ruptura entre ambos, a midiatizao se pe hoje como principal mediao de todos os processos sociais. Acredito que isso corrobora e desdobra a afirmao de Jess Martn-Barbero referida no incio do texto, de ter passado de uma proposio sobre mediaes culturais da comunicao , para uma nfase nas mediaes comunicativas da cultura . So os processos da midiatizao que hoje delineiam e caracterizam, crescentemente, as mediaes comunicativas da sociedade. reFerncias BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da cincia: por uma sociologia clnica do campo cientfico. So Paulo: Editora UNESP, 2003. BRAGA, Jos Luiz. Midiatizao como processo interacional de referncia. In: MDOLA, Ana Slvia; ARAUJO, Denize Correa; BRUNO, Fernanda (Org.). Imagem, visibilidade e cultura miditica: livro da XV Comps. Porto Alegre: Sulina, 2007. ______. Nem rara, nem ausente , jul./dez. 2010. tentativa. Matrizes, So Paulo, v. 4, n. 1, p. 65-81______. A sociedade enfrenta sua mdia mdia: dispositivos sociais de crtica miditica. So Paulo: Editora Paulus, 2006. ______. La poltica de los internautas es producir circuitos. In: CARLN, Mario; FAUSTO NETO, Antonio (Org.) Las polticas de los internautas. Buenos Aires: Editor a La Crujia, 2011. CAMPBELL, Donald. Apresentao. In: YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e mtodos. Porto Alegre: Artmed, 2005. 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Sobre la democracia audiovisual evolucionada. 1998. Disponvel em:http: . Acesso em: 10 set. 2011. 52Medium, media, mediao e midiatizao a perspectiva germnica MArCo toLedo BAstos .st ..a..a... t. e..a. eta..luego ha de ser bajo la accin de un agente intermedio ( portanto necessria a ao de um agente intermedirio) Traduo do original de Aristteles por Calvo Martnez (Aristoteles, 1978) .st ..a..a... t. e..a. eta.. quare necesse est aliquod esse medium (por conseguinte, o medium uma necessidade) Verso do texto de Aristteles por Toms de Aquino (Aquinas, 1968) MEDIUM Medium, media, mediao e midiatizao so estratos conceituais que se referem a um mesmo conjunto de fenmenos. Os conceitos se encavalam e formam um rocambole terico que orienta as pesquisas em media e comunicao no Brasil e na Alemanha, no obstante a ausncia de uma definio consensual. (STRMBCK, 2008) Eisenlohr (2011) argumenta que o conceito de medium traz um excesso de definies que impossibilita qualquer sentido unificado. Em uma sondagem realizada por Mnkere Roesler (2008) junto rea de Comunicao na Alemanha, foram levantadas as seguintes definies para o conceito de medium: roda e espelho (MCLUHAN, 1964); bola de futebol, sala de aula e sala de espera (FLUSSER, 1997); rua, sistema eleitoral e greve geral (BAUDRILLARD, 1972); cavalo, dromedrio e elefante (VIRILIO, 1984); gramofone, filme e mquina de escrever (KITTLER, 1993); dinheiro, poder e influncia (PARSONS, 1968); arte, religio e amor (LUHMANN, 1997). O levantamento de Mnker confirma a tese de Patrick Eisenlohr de que qualquer coisa pode ser um medium. A histria do vocbulo medium curiosa. O Vocabulrio Portuguez e Latino (BLUTEAU, 1712-1728), cujos 16 volumes foram publicados originalmente na primeira metade do sculo XVIII, registrou o termo mediao como a interveno daquelle que anda negoceando algum concerto entre partes definidas (BLUTEAU, 1712-1728, p. 384); uma acepo convergente com o conceito de midiatizao na lngua alem. Tambm registrou medianeiro como aquelle por cuja interveno se trata, ou se conclue, algum negocio . Alm disso, o dicionrio introduziu o registro de meyo como qualquer espediente, industria, razo, artificio, inveno que serve para conferir alguma cousa (BLUTEAU, 1712-1728, p. 384). J o Diccionario da Lingua Portugueza de Antnio de Moraes Silva (1789-1813), primeiro compndio gramatical editado por um brasileiro, registrou os vocbulos mdio como algo que media entre outras (SILVA, 1789-1813, p. 281); intermdio como de permeyo; entre uma coisa e outra (SILVA, 1789-1813, p. 173); meio como o lugar, ou a parte entre os extremos, que dista delles igualmente (SILVA, 1789-1813, p. 283); entremeio como o espao medio entre duas coisas (SILVA, 1789-1813, p. 716) e mediao como interposio de graa, autoridade, valimento, amizade, para reconciliar desavindos . (SILVA, 17891813, p. 280) Registrou, por fim, o vocbulo mediar como estar no meyo de ditas coisas; que meda entre as terras de ambos . (SILVA, 1789-1813, p. 280) sintomtico que o dicionrio de Antnio de Moraes Silva j trouxesse o substantivo mediao e o verbo mediar , definidos como in54terposio e reconciliao. Outra curiosidade desse dicionrio a sugesto do autor de evitar a flexo mediar , uma vez que meda equivoca-se com o imperfeito do indicativo de Medir . A sugesto de Antnio de Moraes Silva oferece uma explicao plausvel, embora anacrnica, para a estranha mutao do vocbulo media, plural de medium, para mdia, resultado da transliterao da pronncia anglfona do vocbulo latino media.1 A trajetria do vocbulo medium nas lnguas portuguesas e alems oferece um paralelo rico em contrastes. O lxico conversacional de Herder (2005), publicado originalmente em 1856, j trazia o vocbulo medium enquanto os dicionrios brasileiros se afastavam do radical latino. O lxico universal de Pierer (1855) tambm trazia o termo medium e divagava sobre suas razes latinas e incorporaes gregas. Apresentava tambm a acepo religiosa de medium como uma pessoa que medeia os espritos e o mundo material. De todo modo, tanto os dicionrios alemes como os brasileiros se abstiveram de apresentar uma definio de medium vinculada a dispositivos tcnicos como o telgrafo, que j havia sido inventado por Samuel Morse em 1813. Afora a gramtica grega, um epigrama latino e o debate religioso, no h nenhuma dotao para o vocbulo medium que o aproxime da definio comunicacional hodierna. De fato, comenta Elena Esposito (2008), ns dispomos de uma multido de teorias da mdia, mas infelizmente no contamos com nenhuma teoria do medium.1 Optamos por utilizar a terminologia media e mdia nesse texto. Sacrificamos com is so uma possvel uniformidade lxica e um suposto rigor lingustico ao no nos definimos entre as forma s mdia/medium e mdias/media. Nossa escolha se explica, por um lado, em funo da necessidade de dia logar com a etimologia do vocbulo media, que a forma latina para o plural de medium/meios. Por outro lado, nossa escolha tambm refm da patente incorporao do vocbulo mdia pelos dicionrio brasileiros. (AURLIO, 1986; AULETE, 1987; HOUAISS, 2001) O verbete mdia, no Dicionr io Aurlio, apresenta sete acepes e forma quatro locues. (AURLIO, 1986) O mesmo verbete registra, no Dicionrio Houaiss, seis acepes e cinco locues. (HOUAISS, 2001) Ainda de acordo com o Houaiss (2001), o registro do vocbulo mdia na lngua portuguesa data de 1960, portanto um re gistro anterior ao estabelecimento do prprio campo de pesquisa em comunicao no Brasil. Poderamos ver ter mdias como mdia, como ocorreu entre os portugueses, mas a dinmica do portugus brasil eiro optou por mdia em razo da correlao com a expresso norte-americana mdia de massa mass media. Essa conjectura se soma quela aventada por Antnio de Moraes Silva e oferece uma hiptese para a origem do registro mdia. 55A consolidao do conceito de medium foi gradual e progressiva. Hegel (1993) discutiu o conceito longamente no quadro de seu sistema filosfico; Novalis (1826) relacionou medium e natureza; e Rilke (1976) vinculou o medium obra de arte. Mas a trajetria filosfica e literria do vocbulo no incorporava a acepo comunicacional. Embora o conceito de medium j trouxesse uma mensagem antes mesmo da difuso global do conceito na dcada de 1960 do sculo XX (HAGEN, 2008), foi durante a dcada de 1950 que o conceito de medium comeou sua prspera carreira. (GUILLORY, 2010) De acordo com Mnker e Roesler (2008), um dos marcos histricos da ascenso do conceito ocorreu em 1964 quando Marshall McLuhan publicou Understanding Media, seu livro mais popular. Apesar de McLuhan descrever os media no primeiro captulo com uma ampla gama de objetos, incluindo dinheiro, energia e munio, ele recua no segundo captulo para uma definio de medium que inclui apenas rdio, televiso, telefone e os demais meios de comunicao de massa. O conceito de medium na tradio alem , contudo, um desenvolvimento da acepo seminal oferecida por Aristteles (1978). A base do Medienapriorismus germnico est na tese aristotlica que relaciona meio e forma. Aristteles argumenta, por exemplo, que a atividade da viso requer o medium ar. Para Aristteles h sempre um atributo sensvel que causa um movimento no medium (ar, gua ou terra), que por sua vez produz movimento nos rgos do sentido. Com isso, os corpos s so percebidos na medida em que atributos sensveis movimentam o medium. A definio aristotlica de medium, assim como a maior parte de sua obra, foi difundida no mundo islmico pelos trabalhos e tradues de Al-Kindi, Al-Farabi e Averroes, mas permaneceria desconhecida no mundo ocidental at a traduo tardia para o Latim, sobretudo nas verses de Alberto Magno e nos comentrios de Toms de Aquino, que no dominava o grego, mas cujas verses latinas do sculo XII, orientadas pela teologia crist, seriam decisivas para a divulgao do corpus aristotelicum na Europa ocidental. Hagen (2008) comenta que o conceito aristotlico de medium 56demoraria mais de um milnio para chegar Europa, e sua adoo s ocorreria a posteriori na era moderna. Foram nos comentrios de Toms de Aquino sobre o De Anima, especialmente no captulo 30 de Sentencia Libri de Anima de 1267-1268, e que mais tarde apareceriam em Quaestiones de Anima de 1269, que o conceito de medium introduzido de maneira indita no mundo europeu. (AQUINAS; ROBB, 1968) Mas a acepo comunicacional do conceito de medium s comeou a tomar forma a partir da obra do austraco Fritz Heider, cujo pensamento foi influenciado pelo corpus aristotelicum. Para Heider (1921), um medium compreende uma massa de elementos reunidos de modo disperso e transigente, sem nenhuma configurao fixa, mas que adquirem uma forma rgida to logo alguma fora se aplique sobre o medium. Um medium algo que percebemos como um vazio um nada formando com isso uma unidade de ordem inferior . (HEIDER, 2005, p. 65) Essa definio alargada de medium terminaria por contaminar todo o pensamento germnico sobre comunicao e media. Harry Pross (1972), por exemplo, se aproximou de Heider ao definir o medium como um espao vazio e intermedirio que quando preenchido permite a mediao. Tambm Niklas Luhmann (1997) definiria o conceito de medium de acordo com as formulaes de Heider, apresentando o conceito de medium (meio) como um par oposto ao de forma. Meio e forma consistem em um sistema binrio que atravessa toda a sociologia luhmanniana e funciona como um mecanismo heurstico para os processos sistmicos. Essa polaridade pode ser explicada na relao entre um contnuo disperso e contingente de elementos e uma fora que lhe imprime um formato. Uma montanha de areia ou uma multido dispersa de indivduos, por exemplo, constituem um medium, que se converte em forma to logo uma fora se aplique a esse meio. Assim, o caminhar na praia empresta a forma de pegadas no contnuo disperso da areia, e a reunio efmera de indivduos dispersos forma a opinio pblica. Um meio se condensa em uma forma e essa dinmica cataltica altera a disposio dos elementos sem transformar sua natureza. 57Desse modo, a relao entre forma e medium na tradio germnica consiste em disposies binrias em que um medium ganha forma em decorrncia de uma fora misteriosa. Porque um meio no tem desenho definido, ele no oferece resistncia imposio de formas, que se aplicam livremente e emprestam novas ligaes isto , novas formas aos elementos do medium. As pegadas na areia impem um acoplamento rgido que o meio areia (desprovido de integrao entre seus gros) no tinha at ento. Os objetos s so percebidos em razo da forma, que rgida, em contraste com o meio, que flexvel. Os media surgem a partir da unio frgil de elementos superabundantes, como gros de areia, ar, ou luz, enquanto a forma uma seleo invariavelmente temporria. Niklas Luhmann (1997; 1999) aplica esse modelo binrio a uma srie de objetos, como o dinheiro, o poder, a arte, a verdade cientfica, o amor e a opinio pblica, ocasio em que a conscincia das pessoas pode ser descrita como um medium. Mas Luhmann no explica, fiel tradio aristotlica, que fora essa que se aplica ao meio e lhe transforma em forma. A distino dinmica oferecida pelo binmio meio e forma foi fundamental para o conceito de mdia da tradio germnica. Essa acepo dinmica contrasta frontalmente com a tradio norte-americana de pesquisa em comunicao, onde os meios constituem objetos empricos de uma realidade comum. Na tradio germnica no existe um medium sem uma forma, nem uma forma pode existir sem um medium. Com isso, um medium no chega a constituir um objeto de pesquisa, uma vez que objetos como a televiso, o rdio ou o jornal no configuram um medium, mas uma modulao a partir da qual a manifestao de formas pode ser observada. Aquilo que a pesquisa emprica em comunicao entende como medium aparece na escola alem como uma modulao, isto , como uma camada de traduo entre medium e forma. Nessa perspectiva epistemolgica no possvel observar um medium, uma vez que os meios se manifestam apenas indiretamente. Qualquer tentativa de abordagem direta do medium leva inevitavelmente a outra forma dentro de outro medium. 58MEDIA A diferena no tratamento dedicado ao conceito de media nos programas de comunicao francfonos, anglfonos, germnicos ou brasileiros teve impacto decisivo nas pesquisas de mediao e midiatizao. Para as pesquisas em comunicao e para os estudos culturais, o conceito de media normalmente empregado para se referir aos estudos tradicionais de mass media que compreendem imprensa, rdio, televiso e novas mdias. Esse entendimento atravessa toda a tradio anglfona e se manifesta na obra de Marshall McLuhan, que optou por um conceito de media instrumentalizado e unidimensional. Essa cristalizao do conceito de media na conjuntura anglfona foi consequencia do encontro da tradio emprica anglfona com a tradio idealista germnica, difundida por intele