midia_ alternativa na ditadura militar

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    17 a 22 de outubro de 2011 - Belm/PA

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    Imprensa Alternativa na Ditadura Militar: Um olhar jornalstico e acadmico de

    Bernardo Kucinski1

    Clia Regina Trindade Chagas Amorim2

    Michelle Fernandes3

    Raquel Trindade4

    Universidade Federal do Par, Belm, PA

    RESUMO: O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a importncia da obraJornalistas e Revolucionrios:Nos tempos da imprensa alternativa, de Bernardo Kucinski,como suporte terico para o embasamento de reflexes sobre o universo das mdiasalternativas, em especial, das mdias impressas, no s no mbito da ditadura militar 1964-1985), como tambm ps-ditadura militar, em que os alternativos, como por exemplo, o

    Jornal Pessoal, do socilogo e jornalista, Lcio Flvio Pinto, j com outras bandeiras de luta,incentivam e contribuem para o processo de democratizao da comunicao brasileira, emespecial, a amaznica.

    Palavras-chave: Mdia Alternativa. Ditadura Militar. Direito de Comunicao.

    Introduo

    O fenmeno da imprensa alternativa nos anos negros da ditadura militar (1964-1985)

    foi marcado sobretudo pelo direito de comunicao, umas das principais bandeiras de luta que

    os pequenos jornais, a grande maioria de carter poltico-cultural, travaram contra o Estado

    autoritrio, que de posse de um de seus mecanismos de maior represso, o Ato Institucional n

    5 (AI), do dia 13 de dezembro de 1968, impe severas restries ao Pas e s liberdades dos

    indivduos. O governo militar amplia as represses, cesuras e torturas a jornalistas,

    intelectuais e ativistas polticos contrrios ideologia do golpe. Muitos so exilados ou se

    tornam desaparecidos polticos.

    1 Trabalho apresentado em Grupo de Trabalho da II Conferncia Sul-Americana e VII Conferncia Brasileira deMdia Cidad.2 Professora Dra da Faculdade de Comunicao da Universidade Federal do Par e Coordenadora do projetoMdias Alternativas na Amaznia. E-mail:[email protected]

    Bolsista de Iniciao Cientfica do projetoPIBICUFPa. E-mail: [email protected] Bolsista de Iniciao Cientfica do projetoPIBICFAPESPA. E-mail: [email protected]

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    Frente ambincia de uma censura perversa, - universidades, congresso nacional,imprensa, teatro, etc,a imprensa alternativa toma para si a coragem e a responsabilidade de

    noticiar, comunicar, denunciar e expor as mortes de presos polticos, as formas de torturas

    implementadas pelo DOI-CODI, a ostensiva conivncia do Estado com grupos nacionais e

    multinacionais que controlavam a economia, a dvida externa e outros temas de interesse geral

    da populao. (AMORIM, p.19, 2002).

    no contexto da ditadura militar e nos combates de lutas intestinas ao regime de

    exceo pela imprensa alternativa brasileira que se localizam uma das obras clssicas noassunto. Trata-se de Jornalistas e revolucionrios: nos tempos da imprensa alternativa

    (1991), de Bernardo Kucinski. A obra foi revisada e ampliada em 2003, 2 edio pela editora

    Pgina Aberta, Edusp, a mesma da primeira edio.

    Kucinski foi participante ativo da imprensa alternativa do perodo da ditadura militar,

    destaques para os jornais Opinio, Movimento, Em Tempo. O livro resultado de um rduo

    trabalho de doutorado defendido na Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So

    Paulo, em 1991. Foi assessor da Presidncia da Repblica durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Incio Lula da Silva. Escritor, professor da USP e cientista poltico. Ganhou o

    Prmio Jabuti de Literatura, em 1997 com o livro Jornalismo Econmico.

    Figura1: Livro Jornalistas e Revolucionrios Figura 2: Bernardo KucinskiFonte: Skoob (2010) Fonte: Associao Brasileira de Imprensa (2011)

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    Jornalistas e revolucionrios

    Kucinski na obra citada fez um amplo levantamento de cerca de 150 jornais da

    imprensa alternativa no Brasil, no perodo de (1964-1980), nos seus mais diversos formatos,

    comostandard, ofcio, tablides, minitablides, que por opo ou por ausncia de recursos, se

    utilizavam destes formatos. Alguns se auto-sustentavam, outros contavam com publicidades

    ou direcionamento de partidos polticos.

    Apesar da diversidade de propostas e tendncias, alguns satricos, outros polticos, feministas,

    ecolgicos ou culturais, o que identificava o campo de atuao da imprensa alternativa era o combate

    poltico-ideolgico ditadura, na tradio de lutas por mudanas estruturais, mas tambm criticavam

    severamente o capitalismo e o imperialismo, como se observa nesta informao de Kucinski:

    Uma notvel averso quilo que Weber denominou de esprito-capitalista foi outrotrao marcante e denominador comum de todos os jornais ao longo do cicloalternativo. Era algo que se originava do imaginrio mesmo das esquerdas e da

    juventude da poca, na sua oposio geral, no s ao regime militar, mas ao prpriocapitalismo. Movia-os, ao contrrio, um esprito-anticapitalista. No se propunhamobjetivos mercantis. Repudiavam o lucro. Negavam que as tais virtudes do

    ascetismo, apontadas por Weber, fossem uma das bases da acumulao. Todaacumulao era vista como um roubo, identificada com a acumulao primitivareferida por Marx. Mas no conseguiram criar processos de acumulaosubstitutivos. E, se apesar de tudo, havia lucro, no o reaplicavam. Quando O

    Pasquim comeou a vender mais de 100 mil exemplares por semana, gerandogrande lucro, e surgiu a oportunidade de comprar a preo de ocasio as grficas dogrupo Feitler, no Rio de Janeiro, Jaguar recuou, assustado com a perspectiva de setornar patro. (Kucinski,1991, p. XIX)

    Os peridicos surgidos nessa poca, como o Pasquim, ficaram conhecidos como

    imprensa alternativa ou imprensa nanica. Na tentativa de circunscrever tais conceitos, o autor

    enfatiza que o termo nanico tinha relao direta com o formato tablide de boa parte desta

    imprensa e foi disseminada por publicitrios. Enfatizava uma pequenez atribuda pelo

    sistema a partir da escala de valores e no dos valores intrnsecos imprensa alternativa.

    (Kucinski, 1991, p. XIII). J o radical de alternativa

    (...) contm quatro dos significados essenciais dessa imprensa: o de algo que no estligado polticas dominantes; o de uma opo entre duas coisas reciprocamenteexcludentes; o de nica sada para uma situao difcil e, finalmente, o do desejo dasgeraes dos anos [1960] e [1970], de protagonizar as transformaes sociais que

    pregavam. (1991, p. XIII, grifo nosso).

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    Nesse universo alternativo em que havia claramente uma oposio polticasdominantes, alm da vontade de transformar socialmente o pas, Kucinski tambm sistematiza

    os peridicos em duas grandes classes, influenciadas revista Realidade, baseada na

    reportagem em profundidade, na discusso crtica da moral e dos bons costumes. A revista,

    dirigida por Paulo Patarra, nasceu em 1966, em plena ambincia da revoluo sexual.

    Assim, a primeira classe est ligada predominantemente ao campo poltico, e

    mantinham-se ideologicamente firmes no propsito de contestar o regime imposto. Sua

    sustentao estava nos ideais de valorizao do nacional e do popular da dcada de 1950 e nomarxismo vulgarizado dos meios estudantis dos anos 1960. (...) Foram os nicos a

    perceberem os perigos do crescente endividamento externo, em 1973, e o agravamento das

    iniqidades sociais. (Kucinski, 1991, p. XIV). De acordo com o professor, tal classe refletia

    principalmente na linguagem o marxismo de cunho religioso e os preceitos morais do Partido

    Comunista do Brasil (PCdoB).

    Por outro lado, a segunda classe de nanicos estava circunscrita crtica dos costumes e

    ruptura cultural. Certamente foram influenciados pelos movimentos de contra-cultura norte

    americanos e no orientalismo, no anarquismo e no existencialismo de Jean Paul Sartre.

    Investiam contra o autoritarismo na esfera dos costumes e o moralismo hipcrita da classe

    mdia, observa Kucinski, que deixa claro que mesmo os jornais alternativos de razes mais

    existencialistas do que marxistas, atuavam no plano da contingncia poltica, opondo-se ao

    regime at mais visceralmente. (Kucinski, 1991, p. XV).

    Um exemplo foi OPasquim, do Rio de Janeiro, cuja equipe de editores ficou presa por

    dois meses assim que foi institudo o AI-5. O Pasquim instituiu o culto da cultura

    undergroundnorte-americana. De tamanho tablide,foi um dos nanicos que virou smbolo de

    resistncia desse perodo, alcanou tiragem nacional inicialmente com 20 mil exemplares,

    chegando a atingir at 200 mil. Lanado em 1969, no auge da ditadura, rapidamente estoura

    nas bancas com muita criatividade e humor, sendo utilizado como instrumento de reflexo

    crtica.

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    nesse ambiente que OPasquim descobre a fissura do regime (MARCONDESFILHO, 1990, p. 176) ao trabalhar com o jornalismo satrico e irreverente, j que os militares,

    dispostos a calar toda e qualquer manifestao poltica e ideolgica contrria ao regime, no

    estavam to atentos para a linguagem humorstica do peridico, que desvelava, por meio de

    caricaturas, charges, tiras, piadas, a prpria censura. De fato o humor possibilitou outra forma

    de denncia aos mtodos de represso do governo militar. Em dezembro de 1989, depois de

    circular por pouco mais de 20 anos, O Pasquim encerrou suas atividades5. Nomes como o de

    Tarso de Castro, Jaguar, Srgio Cabral, Claudius, Jaguar e Carlos Prosperi fizeram parte da

    equipe de O Pasquim, unido-se depois Ziraldo, Millr Fernandes e Henfil. Entraram para a

    chamada Patota.

    Para exemplificar o estilo de O Pasquim, Millr Fernandes traduz o existencialismo da

    seguinte maneira: (Kucinski, 1991, p.17) Livre-pensar s pensar, a forma mais eficaz de

    combater a censura.

    Figura 3: O PasquimFonte: Memria Viva (2011)

    Portanto, esses pequenos jornais, em geral semanrios, quinzenrios e mensrios, de

    classe existencialista ou poltica, foram perseguidos pelo aparelhamento militar, por exigir

    5

    O jornal voltou a circular no dia 19 de fevereiro de 2002, com o nome OPasquim 21, uma referncia ao sculoXXI.A sua ltima edio (a de 117) foi em julho de 2004.

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    direito de comunicao, um preceito universal que deve ser exercitado por todos. O Opinio,do Rio de Janeiro, eMovimento, de So Paulo, lutaram arduamente por esse direito e tiveram

    graves problemas com a censura militar.

    Figura 4: Jornal Opinio Figura 5: Jornal MovimentoFonte: Sobrinho (2008) Fonte: Sobrinho (2008)

    Certamente que o boom desses peridicos foi no eixo Rio-So Paulo, mas a veia

    alternativa atingiu outras capitais, pois medida que o regime ditatorial de 1964 avanava,

    consolidava-se o fenmeno alternativo no s nos grandes centros do Pas como tambm em

    outras regies. Em 1974, em Recife, surgiu o Jornal da Cidade, editado por Ivan Maurcio.

    Em Salvador, em 1976, o Coisa Nostra, por Hlio Roberto Lage. Neste mesmo ano aparece

    Posio, em Vitria, de responsabilidade de Rogrio Medeiros. Desacato e Cidade Livre so

    criados em 1977. O primeiro em Aracaju, editado por Pedro Valadares, e o segundo, emBraslia, por Eduardo Almeida. Neste mesmo ano, Fortaleza viu surgirMutiro, assinado por

    Gervsio de Paula.

    Em Belm do Par, surgiu no seio do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) o jornal

    Resistncia e circulou por pouco mais de cinco anos. Sua histria est ligada criao, no dia

    15 de agosto de 1977, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH), por

    alguns membros do partido, como o advogado Paulo Fonteles de Lima e sua esposa, Hecilda

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    Veiga Fonteles de Lima. A finalidade era lutar pelos direitos humanos, divulgar as ideias dopartido e trabalhar pela anistia e pela liberdade de presos polticos.

    Kucinski (1991, p. 85-86) afirma:

    Aps a chacina da direo do PCdoB, na Lapa, em dezembro de 1976, e darepresso que se seguiu, alguns remanescentes do partido em Belm do Pardiscutiram a ideia de criar uma associao de direitos humanos. Entre eles, oadvogado Paulo Fonteles de Lima e o agrnomo Humberto Cunha. Wladimir Pomar,filho de um dos lderes assassinados na Lapa, Pedro Pomar, era um dos poucoscontatos eventuais com o partido, quando passava pela regio, onde estavam suasrazes familiares. Os catorze anos de ditadura haviam causado considerveis

    prejuzos oposio do Par [...] o sul do Par havia sofrido a violncia das Foras

    Armadas no combate guerrilha do Araguaia. Por muito tempo, o clima nessa reaera de pavor e muita cautela [...]. Com o assassnio do fazendeiro americano JohnDavis na Amaznia, e a necessidade de garantir o direito de defesa aos posseirosacusados do crime, a idia foi discutida e aprovada pelos remanescentes do partido.[...] Nasceu assim [...] a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.

    Passados seis meses de fundao da SPDDH, a direo do PCdoB decidiu lanar o

    Resistncia, cujo editor foi Luiz Maklouf Carvalho. Carvalho (1994, p. 256) conta que o

    nmero zero do alternativo, num total de oito pginas, com tiragem de 2 mil exemplares, foi

    lanado em fevereiro de 1978, sem referncia aos nomes dos integrantes da equipe, tudo para

    evitar a perseguio militar aos jornalistas. Como os nanicos nacionais, a histria do

    Resistncia tambm no foi diferente. Vrios editores seus foram encarcerados ao longo da

    ditadura. Mesmo convivendo com a censura prvia, era comum, em suas redaes, a violenta

    apreenso de diversas edies.

    Figura 6: Jornal ResistnciaFonte: FURO (2008)

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    Para compreender o surgimento da imprensa alternativa desse perodo ditatorial,

    fundamental esclarecer, segundo Kucinski, a articulao existente entre ativistas polticos; e

    jornalistas e intelectuais. Nesse sentido, a imprensa alternativa aparece neste cenrio a partir

    (...) da articulao de duas foras igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de

    protagonizar as transformaes institucionais que propunham e a busca, por jornalistas e

    intelectuais, de espaos alternativos grande imprensa e universidade. (Kucinski, 1991,

    p.XVI).

    Assim, na dupla oposio ao regime militar e nas limitaes ao trabalho intelectual-

    jornalstica, sob o signo do autoritarismo, que se encontra o nexo dessa articulao entre

    jornalistas, intelectuais e ativistas polticos. (KUCINSKI, 1991: xvi). Profissionais que

    desviaram literalmente o caminho traado pelos complacentes ao golpe e seus militares. Eram

    crticos, contestadores, subversivos e ansiavam por mudanas scio-estruturais para o Brasil.

    Por falar em ativistas polticos, importante ressaltar que Kucinski faz um percurso

    na histria das esquerdas do Pas, j que tais correntes polticas possuem narrativas de ideais,

    reorganizao poltica, ideolgica e cultural, fazendo da imprensa alternativa um dos

    instrumentos de resistncia para essas frentes.

    importante deixar claro que a imprensa alternativa no um fenmeno exclusivo

    dos anos da Ditadura Militar. Kucinski informa que esses meios de comunicao aparecem

    em outros tempos da histria, como as publicaes dos pasquins irreverentes e panfletrios

    do perodo da Regncia, que atingiram o seu apogeu em 1830 com cerca de cinquenta ttulos

    (SODR, 1968 apud KUCINSKI, 1991, p. XXI), e dos jornais anarquistas de operrios,

    meio sculo depois (1880-1920), com quase quatrocentos ttulos (FERREIRA, 1978 apud

    KUCINSKI, 1991, p. XXI). Esses peridicos, sem fins mercantis, na maioria das vezes

    produzidos por um homem s, como era o caso de muitos pasquins, dirigiam-se sociedade

    civil e s classes subalternas criticando o Estado e propondo mudanas (KUCINSKI, 1991,

    p. XXI).

    Os trs livros de Kucinski

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    A obra dividida em trs partes, essas que tambm podem ser chamadas de livros.Kucinski traa a conjuntura do governo militar e do universo alternativo de uma forma

    labirntica, onde se tem conhecimento de diversos jornais, sejam nacionais ou regionais.

    Assim, no primeiro livro, chamado de Panorama da imprensa alternativa no Brasil

    (1964-1980) foi observado sete fases do ciclo alternativo, influenciadas pelos seguintes

    temas: O desmoronamento do universo poltico do populismo; O imaginrio oriundo da

    Revoluo Cubana e da proposta de uma guerrilha continental; Resistncia poltica-cultural,

    uma das mais ricas dos alternativos; Ativismo poltico; Assassinato de Vladimir Herzog em

    outubro de 1975, com a diversificao temtica e regional desta imprensa; Campanha da

    Anistia por volta de 1977; e Jornais Basistas ligados aos movimentos populares e s escolas

    de comunicao que criticam os meios de comunicao de massa. Kucisnki tambm usou os

    termos linhagens e vertentes, uma metodologia capaz de apontar diversos jornais alternativos,

    de acordo com os seus propsitos.

    Neste livro pode-se observar a descrio de Kucinski sobre o apogeu e o declnio da

    imprensa alternativa dentro do contexto do golpe militar. Relaes entre os partidos polticos,

    movimentos sociais e a imprensa oficial so destacados. As rivalidades e desentendimentos

    que aconteciam dentro das redaes de alguns peridicos so caractersticas ressaltadas com

    embasamento pessoal e alternativo de Kucinski, j que o mesmo trabalhou como jornalista e

    mentor de alguns peridicos, entre eles: Amanh (1967), Movimento (1974) e Em Tempo

    (1977).

    Alm do percurso pelos jornais alternativos que tiveram grandes publicaes e

    circulao nacional, destacam-se tambm as histrias dos peridicos que tiveram apenas

    algumas edies. Entre eles est o Reunio (1975), este vinculado ao Partido Comunista,

    durou apenas trs edies.

    O segundo livro, Os jornalistas, direcionado a histrias dos peridicos que tiveram

    considervel importncia no jornalismo alternativo brasileiro, comandados tais projetos por

    jornalistas, como o j citado O Pasquim, suas ascenso e queda. Kucinski tambm apresenta

    o alternativo Versus: a poltica como metfora, lanado em 1975 por Marcos Faerman, em

    So Paulo, uma das mais radicais manifestaes da comunicao alternativa at ser

    apropriado pelo Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), que o transformou em seu porta-

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    voz e o extinguiu, em 1979. (Kucinski, 1991, p. 180); o Coojornal, de Porto Alegre, com asemente de uma ideologia de imprensa alternativa cooperativista dos anos de 1970 em cujo

    cerne estava o jornalista Elmar Bones; eReprter, outro coletivo alternativo que contou com a

    participao dos jornalistas Luiz Alberto Bettencourt, Paulo Haddad, Joo SantAnna, alm

    de Luiz Gollo, Chico Jnior, Eduardo Homem e Elias Fajardo.

    E o terceiro, chamado de Os revolucionrios, os destaques so para a histria dos

    jornais aliados aos partidos polticos como Opinio e Movimento que tiveram como lder

    jornalstico Raimundo Pereira, junto com Kucinski. O alternativo Em Tempo, cujo projetoeditorial foi proposto por ele, tambm no foi esquecido. Em Tempo assumiu o padro

    Standard, ao contrrio da maioria dos peridicos, que optava pelo padro dominante dos

    alternativos, o tablide. o prprio Kucinski quem faz a crtica, enfatizando que o resultado

    foi confuso: (...) Com ttulos deliberadamente fora do lugar, no meio ou no p das matrias, o

    jornal transmitia uma sensao de anarquia deliberada, de amadorismo grfico. (...) No

    conseguia ocupar o imenso espao das pginasstandard. (Kucinski, 1991, p.358).

    O fim do ciclo alternativo

    importante enfatizar que medida que o Pas avanava na abertura poltica, que se

    inicia no governo do presidente da Repblica Joo Batista de Figueiredo em 1979, escolhido

    no ano anterior pelo Congresso, com mandato de seis anos, os jornais alternativos foram

    perdendo flego.

    [...] a grande imprensa no foi s recriando uma esfera pblica, como o fezapropriando-se de temas at ento exclusivos da imprensa alternativa, erecontratando muitos dos seus jornalistas. Opor-se ao governo deixou de sermonoplio da imprensa alternativa. Alm disso, a retomada da atividade polticaclssica, no mbito dos partidos e de seus jornais, que aps a decretao da anistiasaram da clandestinidade, esvaziou a imprensa alternativa de sua funo de espao erealizao scio-poltica (KUCINSKI, 1991, p. xxv).

    Certamente que outros elementos somaram a este cenrio no sentido de fazer com que

    a imprensa alternativa se transformasse numa rede frgil no s Ditadura Militar, mas sua

    prpria luta, desaparecendo rapidamente: repudiavam o lucro, negligenciando questes

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    administrativas, insistiam numa distribuio nacional antieconmica e no conseguiramformar um conjunto de leitores-assinantes, dando certo triunfalismo em relao aos efeitos

    da censura (KUCINSKI, 1991, p. xxvi).

    Kucinski (1991, p. xxviii) revela tambm que propostas ticas de transformao social,

    alm da crena na realizao pessoal por meio da ao coletiva ou comunitria tambm foram

    desaparecendo, ocasionando a morte de muitos alternativos

    Muitos jornais alternativos do ltimo perodo desapareceram em meio a umprocesso poltico no interior das esquerdas mais complexo que a mera passagem doespao clandestino e semiclandestino para uma esfera pblica. (Kucinski, 1991, p.xxviii).

    E o comeo de um outro.... Consideraes finais

    A contextualizao e anlise da obra de Bernardo Kucinski possibilitam desvelar um

    dos momentos mais fecundos da histria da imprensa alternativa brasileira. Mas no pra por

    a. Serve, tambm, de embasamento terico, fora do mbito temporal delimitado pelo autor,para estudos na rea que pretendem (re)conhecer meios alternativos - do ciclo surgido no

    calor da ditadura militar, no h dvida - mas tambm de outras propostas alternativas para

    alm deste ambiente, que alavancaram o processo de redemocratizao do Pas e que se fazem

    presente, com novas bandeiras de lutas, contextos e realidades distintas daquela. A obra

    ensina que adentrar no universo de uma imprensa alternativa envolve, por exemplo, a anlise

    de situaes, contextos, atores sociais, problemas e tenses desta imprensa, e a necessidade de

    se entender que tal meio apresenta uma forma diferenciada e contra-hegemnica de se levar a

    informao para a sociedade.

    Em outras palavras: a obra se reveste de grande importncia para os estudos dos

    jornais impressos alternativos brasileiros e abre caminhos para se compreender discursos

    polticos, sociais e econmicos existentes de meios alternativos surgidos ou no no perodo de

    ditadura militar.

    Para corroborar com tal afirmativa, a regio amaznica no fugiu da dinmica dos

    alternativos como o Resistncia do ciclo surgido na ditadura militar, nem em poca de

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    democracia estabelecida, como o nascimento do alternativo Jornal Pessoal, em 1987, pelosocilogo e jornalista Lcio Flvio Pinto, surgido no seio de uma mdia hegemnica paraense

    em 1987.

    Mas no poderia ser diferente, j que a regio foi e continua sendo cenrio de

    inmeras formas de lutas contra os regimes impostos pelo Estado e por aqueles que possuem

    em suas mos grande poder econmico. Da a importncia e necessidade de existirem formas

    alternativas, subversivas, contra-hegemnicas de denncia dos que se acham donos da

    Amaznia, donos da terra, privando o coletivo de exercer seus direitos de cidadania em

    terras amaznicas.

    Figura 7: Lcio Flvio Pinto Figura 8: Jornal PessoalFonte: Agencia Amaznia de Noticias (2011) Fonte: Pinto (2010)

    O quinzenrio Jornal Pessoalpersiste h 24 anos na aventura alternativa, denunciando

    e provando nas suas pginas que possvel fazer jornalismo cidado, comprometido com a

    sociedade a qual est vinculado. Lcio Flvio Pinto o responsvel por toda a produo do

    alternativo, de reprter a editor, em meio a um vulco de informaes e constantes tenses

    dentro da Amaznia. possvel fazer uma analogia da trajetria doJornal Pessoalcom o que

    Kucinski coloca quando apontou o modelo tico-poltico da imprensa alternativa que surgia

    na poca da ditadura, em que a maioria repudiava o lucro. certo que o contexto e as

    bandeiras de lutas so outras, mas o Jornal Pessoalde Lcio Flvio Pinto repudia o lucro no

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    mais alto grau. Nunca aceitou publicidade. O seu maior lucro o social em nome de umjornalismo tico na regio.

    O exemplo doResistncia e doJornal Pessoal, de Belm do Par, citados no presente

    artigo, um dentre outras possibilidades que o projeto Mdias Alternativas na Amaznia, da

    Faculdade de Comunicao, Universidade Federal do Par (UFPa), est pesquisando. O

    projeto, financiado pela Universidade e Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Par

    (Fapespa), comeou em agosto de 2011 e est sistematizando estudos e mapeando mdias

    alternativas na Amaznia: agrupando-as por categorias:Mdia Impressa, Mdia Rdio, Mdia

    Audiovisual e Mdia On Line, iniciando com a primeira.O contexto histrico perseguido o

    perodo da Ditadura Militar no Brasil (19641985) at os dias atuais, da a importncia da

    obra de Bernardo Kucinski. Tal escolha se justifica pelo boom da imprensa alternativa,

    como j foi ressaltado acima, que marcou o perodo no Pas. Este liame histrico, portanto,

    ser fundamental para se entender o movimento das mdias alternativas que nos anos de 1970-

    1980 lutavam pela liberdade de expresso contra o autoritarismo vigente; e a partir de 1990, a

    bandeira em defesa da cidadania em uma poca j de democracia estabelecida.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AMORIM. Clia Regina Trindade Chagas. Oralidade e riso na primeira pgina do Jornal Pessoal:Um recorte cultural da Amaznia. 2002. 134 f. Dissertao (Mestrado em Comunicao eSemitica) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, Programa de Ps-Graduao emComunicao e Semitica, So Paulo, 2002.

    CARVALHO, Luiz Maklouf. Contido a balaa vida e a morte de Paulo Fonteles, advogado de

    posseiros no Sul do Par. Belm: Cejup, 1994.

    KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionrios: nos tempos da imprensa alternativa. So Paulo:Scritta, 1991.

    MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notcia. 2. ed. So Paulo: tica, 1991.

    FONTES UTILIZADAS PARA AS FIGURAS:

  • 7/28/2019 Midia_ Alternativa Na Ditadura Militar

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    ALMEIDA, Rogrio. Furo. Disponvel em. http://rogerioalmeidafuro.blogspot.com/2008/10/resistir-o-primeiro-passo-30-anos-do.html. Acesso 30.09.2011

    ASSOCIAO BRASILEIRA DE IMPRENSA. Kucinski. Disponvel emhttp://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=3068. Acesso 24.09.2011

    MEMRIA VIVA. O PASQUIM. Disponvel em http://memoriaviva.tumblr.com/. Acesso25.09.2011

    PINTO, Luiz. Charges do Jornal Pessoal. Disponvel em.http://chargesdojornalpessoal.blogspot.com/. Acesso 29.09.2011

    SKOOB. Livros: Disponvel em: http://www.skoob.com.br/livro/126815-jornalistas-e-revolucionarios.Acesso 29.09.2011.

    SOBRINHO. Pedro Vicente Costa . COISAS DA VIDA. OPINIO E MOVIMENTO. Disponvelem. http://cenasecoisasdavida.blogspot.com/2008/10/artigos_26.html. Acesso 27.09.2011

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