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MICROTOMOGRAFIA COMPUTORIZADA DE RAIOS X APLICADA AO ESTUDO DE ARGAMASSAS António Maurício DECivil, IST Portugal [email protected] Manuel Pereira DECivil, IST Portugal [email protected] Inês Flores-Colen DECivil, IST Portugal [email protected] Luís Silva Weber Portugal [email protected] Andreia Fontes DECivil, IST Portugal [email protected] Resumo: Nesta comunicação examinam-se algumas das aplicações potenciais da microtomografia computorizada de raios X (μ-CT) a argamassas de cimento e de cal. A μ- CT é uma metodologia não destrutiva (MND), particularmente adequada para estudos de microscopia qualitativos e quantitativos tridimensionais, de caracterização microestrutural das argamassas até à escala micrométrica. Os domínios de aplicação ao estudo de materiais são muito vastos e incluem, por exemplo, o controlo da sua produção industrial, da sua aplicação e desempenho em contextos muito diversos, assim como da avaliação de anomalias e da monitorização de ensaios laboratoriais em materiais de vários tipos. Palavras-chave: micro-CT; argamassas; caracterização; diagnóstico; método não- destrutivo (MND) 1 INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS A microtomografia computorizada de raios X (μ-CT) é uma metodologia não destrutiva (MNT), que permite efectuar estudos de microscopia qualitativa e quantitativa tridimensional (3D) de objectos constituídos por materiais de complexidade variável mas não opacos aos raios-X. Possibilita o estudo mais ou menos pormenorizado, das características estruturais e texturais tanto à superfície do objecto, como no seu interior, sem que seja necessário recorrer a qualquer tipo de preparação especial físico-mecânica ou de tratamento químico da amostra. As aplicações da μ-CT abrangem os domínios científicos que necessitam de estudar materiais complexos a diferentes escalas de espaço e de tempo, com especial destaque para os materiais biológicos, geológicos e de engenharia, cujas propriedades estão fortemente dependentes das características referidas anteriormente. Apesar da sua aplicação crescente em muitos países [1], ainda surge de modo muito limitado nos estudos científicos realizados em Portugal, nomeadamente em estudos sobre materiais de construção. Apresenta-se este artigo para mostrar alguns dos resultados obtidos no IST [2; 3], em estudos de argamassas efectuados no LAMPIST (Laboratório de Mineralogia e Petrologia do IST/Departamento de Civil, Arquitectura e Georrecursos). Num estudo pluridisciplinar sobre agregados leves de argila expandida [4; 5], a μ-CT revelou-se também uma metodologia muito útil, principalmente quando combinada com a microscopia electrónica de varrimento (MEV).

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MICROTOMOGRAFIA COMPUTORIZADA DE RAIOS X

APLICADA AO ESTUDO DE ARGAMASSAS

António Maurício

DECivil, IST Portugal

[email protected]

Manuel Pereira

DECivil, IST Portugal

[email protected]

Inês Flores-Colen

DECivil, IST Portugal

[email protected]

Luís Silva

Weber Portugal

[email protected]

Andreia Fontes

DECivil, IST Portugal

[email protected]

Resumo: Nesta comunicação examinam-se algumas das aplicações potenciais da microtomografia computorizada de raios X (μ-CT) a argamassas de cimento e de cal. A μ-CT é uma metodologia não destrutiva (MND), particularmente adequada para estudos de microscopia qualitativos e quantitativos tridimensionais, de caracterização microestrutural das argamassas até à escala micrométrica. Os domínios de aplicação ao estudo de materiais são muito vastos e incluem, por exemplo, o controlo da sua produção industrial, da sua aplicação e desempenho em contextos muito diversos, assim como da avaliação de anomalias e da monitorização de ensaios laboratoriais em materiais de vários tipos. Palavras-chave: micro-CT; argamassas; caracterização; diagnóstico; método não-destrutivo (MND)

1 INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS

A microtomografia computorizada de raios X (μ-CT) é uma metodologia não destrutiva (MNT), que permite efectuar estudos de microscopia qualitativa e quantitativa tridimensional (3D) de objectos constituídos por materiais de complexidade variável mas não opacos aos raios-X. Possibilita o estudo mais ou menos pormenorizado, das características estruturais e texturais tanto à superfície do objecto, como no seu interior, sem que seja necessário recorrer a qualquer tipo de preparação especial físico-mecânica ou de tratamento químico da amostra. As aplicações da μ-CT abrangem os domínios científicos que necessitam de estudar materiais complexos a diferentes escalas de espaço e de tempo, com especial destaque para os materiais biológicos, geológicos e de engenharia, cujas propriedades estão fortemente dependentes das características referidas anteriormente. Apesar da sua aplicação crescente em muitos países [1], ainda surge de modo muito limitado nos estudos científicos realizados em Portugal, nomeadamente em estudos sobre materiais de construção. Apresenta-se este artigo para mostrar alguns dos resultados obtidos no IST [2; 3], em estudos de argamassas efectuados no LAMPIST (Laboratório de Mineralogia e Petrologia do IST/Departamento de Civil, Arquitectura e Georrecursos). Num estudo pluridisciplinar sobre agregados leves de argila expandida [4; 5], a μ-CT revelou-se também uma metodologia muito útil, principalmente quando combinada com a microscopia electrónica de varrimento (MEV).

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Os estudos de microscopia mais correntes das argamassas são efectuados a partir das superfícies externas já disponíveis nas amostras e/ou com base num número muito limitado de superfícies “internas” mais ou menos arbitrariamente definidas nas amostras, cuja preparação em regra acarreta modificações mais ou menos importantes nas propriedades físico-mecânicas-texturais, devido ao impacto invasivo/destrutivo do instrumento no processo de geração das superfícies “internas”. Estas são razões suficientes para se desejar estender e aprofundar estes estudos clássicos. A utilização da μ-CT, permite: i) resolver o aspecto crítico da representatividade do estudo clássico global da amostra efectuado, com base num número limitado de secções/superfícies, sobretudo quando a amostra não pode ser considerada homogénea e isotrópica à escala do estudo; ii) evitar alguns problemas de preparação das amostras de estudo, nomeadamente quando o seu grau de consolidação é muito baixo (argamassas frescas ou argamassas muito degradadas); iii) fazer microscopia em 3D. Embora a μ-CT não se adeque em regra à realização de análise da composição químico/mineralógica quantitativa dos objectos complexos, mostra-se que é possível muitas vezes discriminar componentes da argamassa, desde que estes tenham propriedades suficientemente contrastantes aos raios X. A par da divulgação da metodologia da μ-CT à comunidade que se dedica ao estudo e produção de argamassas, pretende-se mostrar até que ponto esta pode ser útil para a caracterização micro-estrutural/textural e, eventualmente, composicional da matriz das argamassas. De facto esta metodologia, a par de seus aspectos mais apelativos da visualização 3D dos objectos, também permite caracterizar qualitativa e quantitativa aspectos fundamentais da estrutura das argamassas, tais como aspectos morfologicos e topológicos da matriz e do espectro poroso e a distribuição espacial e o calibre dos poros (textura). A metodologia é aplicada a argamassas de cimento e de cal, com o intuito de avaliar aspectos composicionais e microestruturais, dependentes do processo de fabrico, de aplicação ou da sua evolução subsequente, quando expostas a condições reais de serviço. Um dos objectivos, que não se esgota no presente trabalho, consiste em avaliar/acompanhar o processo de carbonatação de uma argamassa de cal, exposta a condições ambientais distintas. Outro objectivo é validar/comparar os resultados obtidos pela μ-CT, para todas as argamassas, com os obtidos por outras técnicas, tentando evidenciar e explicitar as vantagens e limitações de cada uma.

2 MATERIAIS EM ESTUDO E TÉCNICAS DE ENSAIO

2.1 Enquadramento Este estudo envolveu diversas metodologias de caracterização de argamassas no estado endurecido, que vão da análise microscópica ao MEV, incluindo múltiplos ensaios, como é o caso da porometria de mercúrio (PM). Nesta secção dá-se apenas destaque à descrição da µ-CT, por esta ser a de uso menos corrente e, desse modo, ser a menos conhecida. Na descrição dos materiais estudados, inclui-se informação já referenciada em trabalhos anteriores, com vista à sua comparação com os resultados obtidos por µ-CT. 2.2 Argamassas em estudo Englobaram-se neste estudo 3 tipos de argamassas já utilizadas em estudos anteriores de investigação: (1) argamassas tradicional de cal - ARG1; (2) argamassa pré-doseada de base cimentícia - ARG2 e (3) argamassa pré-doseada à base de cal - ARG3. A argamassa tradicional ARG1 foi produzida com duas areias (do rio e do areeiro, misturadas em igual proporção) e cal aérea hidratada em pó como ligante; ambas as areias utilizadas possuem Dmáx de 2.38 mm, e Dmin de 0.149 mm. A argamassa produzida tem um

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traço em volume aparente de 1:2; a relação água/ligante utilizada foi de 1.24. As argamassas foram sujeitas a quatro condições de cura (CS-seca, CH-húmida, CL-ambiente laboratorial e CA-acelerada) tendo em vista o estudo da carbonatação a diversas idades, no âmbito da dissertação de mestrado de Fontes [2]. Os ensaios em estado endurecido destas argamassas incluíram: ensaios de resistência à tracção por flexão e à compressão; profundidade de carbonatação por indicador de fenolftaleína; massa volúmica aparente e porosidade aberta (pelo método da pesagem hidrostática); observação por lupa binocular; análises por difracção de raios X (DRX) e µ-CT. As argamassas industriais ARG2 e ARG3 foram produzidas através da adição de água à mistura em pó, de acordo com as recomendações do fabricante. A argamassa ARG2 de base cimentícia foi produzida com uma razão ponderal de 1:5 (cimento/agregado); os agregados são de quartzo e calcário e a distribuição de partículas é entre 0.04 e 1.2 mm. É ainda composta por adjuvantes como éter de celulose e hidrófugos de massa em % inferior a 1%. A argamassa ARG3 é uma argamassa bastarda, com uma relação ponderal de 1:1:5 (cal: cimento: agregado); os agregados são de quartzo, mármore e vidro expandido (agregado leve), com distribuição granulométrica entre 0.04 e 1.5 mm; como adjuvantes, realçam-se o éter de celulose e um agente introdutor de ar (olefina-sulfonato de sódio) em % até 1%. O estudo desenvolvido nestas argamassas teve como objectivo a avaliação da porosidade aparente através de diferentes técnicas de ensaio de imersão e microscopia [3]. Na Tabela 1, mostram-se algumas características das argamassas em estado endurecido. A variabilidade da estrutura interna das argamassas de revestimento (tradicionais ou industriais; com aplicações diferentes) torna complexa a análise e comparação das várias propriedades medidas no estado endurecido. Nesse sentido, a utilização de técnicas avançadas de caracterização e diagnóstico de pequenas amostras recolhidas, mesmo que mais onerosas, podem auxiliar na compreensão de fenómenos de alteração relevantes para melhor monitorização do comportamento em serviço das argamassas aplicadas.

Tabela 1 – Propriedades das argamassas estudadas [2; 3; 6]

2.3 Microtomografia computorizada de raios X (µ-CT) As argamassas referidas anteriormente foram também estudadas usando µ-CT, tendo como objectivo uma melhor caracterização da estrutura interna (em termos de constituintes e dimensão/distribuição de poros). Tal como foi indicado na introdução, a µ-CT constitui um MND (ou seja, a amostra, em regra, não é destruída nas diferentes etapas do estudo), com todas as vantagens que daí advêm, em termos de escolha e preparação das amostras, assim como na rapidez de obtenção de resultados. Este último aspecto pode ser crítico no caso da monitorização de processos evolutivos ou reacionais (ex. evolução da cura, ensaios gelo-degelo, ensaios mecânicos, químicos, térmicos, entre outros).

Características ARG1 ARG2 ARG3 Massa volúmica do produto

endurecido (kg/ m3) 1808 1500 1180

Resistência à tracção por flexão (MPa) 0,28 1,5 0,5

Resistência à compressão (MPa) aos 28 dias 0,56 4,0 1,25

Porosidade aparente (%); por porometria de mercúrio () 30 32 (33) 44 (37)

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O scanner µ-CT utilizado no presente estudo (Skyscan 1172 – 1.3Mpix model, 2007, Belgium - Figura 1) permite alcançar uma resolução espacial máxima válida de cerca de 2 μm, o que corresponde, aproximadamente, a um voxel (Volumetric Picture Element) de 1x10-7 mm3. Este sistema inclui também software de análise, vocacionado para o tratamento e análise de dados, e está sedeado no LAMPIST e integrado no Centro de Petrologia e Geoquímica do IST (CEPGIST). A metodologia geral de trabalho incluiu as seguintes etapas principais:

1. Selecção da amostra 2. Preparação da amostra 3. Aquisição de informação (obtenção de radiografias) 4. Filtragem da imagem (eliminação do ruído criado pelo processo de aquisição) 5. Reconstrução (o objecto fica parcialmente definido por um conjunto de fatias) 6. Segmentação – transformação das imagens originais em imagens binárias válidas 7. Definição dos volumes de interesse a estudar e cálculo de parâmetros 8. Análise e tratamento dos resultados obtidos (análise estrutural/textural) 9. Construção de modelos tridimensionais dos volumes de interesse 10. Correlação com os parâmetros obtidos nas outras tarefas.

O sistema associado ao Skyscan 1172 dispõe de programas de controlo do equipamento, de visualização de resultados, de cálculo e de criação de modelo virtuais 2D e 3D. Antes de se descreverem os conteúdos e objectivos de cada uma das etapas, apresentam-se resumidamente os componentes e princípios básicos que regem o funcionamento de um microtomógrafo, em particular o scanner Skyscan 1172.

Figura 1 – Scanner SkyScan 1172 (esq.). Provete de argamassa de cal (ARG1), suportado

e fixado por base de plasticina a um mecanismo rotativo (dir.) A metodologia inicia-se com a captação de radiografias da amostra, enquanto esta roda em torno de um eixo vertical - eixo Z, estando sujeita a um feixe de raios X com configuração cónica (Figura 2). A amostra (domínio a analisar) deve permanecer fixa ao porta-amostras rotativo, rodar em torno de um eixo vertical sem se deformar durante o ensaio e estar sempre totalmente irradiada pelo feixe (informação visualizada num monitor). Esta configuração instrumental condiciona a qualidade/resolução das imagens obtidas: nas amostras maiores (dimensões centimétricas) a fonte deve ficar mais distante da amostra e por isso o factor de ampliação é mais reduzido – a resolução das imagens é mais baixa; nas amostras muito pequenas (cerca de 1 mm) a fonte pode ficar praticamente colada ao objecto, o que permite obter imagens de grande pormenor – podem-se fazer aquisições com resolução máxima de 1-2 µm por pixel.

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Figura 2 – Geometria do leque de raios X (adaptado de SkyScan [7])

As radiografias obtidas por µ-CT de raios X correspondem à projecção 2D do efeito combinado da absorção da radiação-X, em função da distribuição 3D dos coeficientes de atenuação dos raios X ao longo do seu trajecto rectilíneo, no interior e à superfície do objecto, de acordo com a Lei de Lambert-Beer (Figura 3). Na fase de aquisição o operador pode regular alguns parâmetros relativos ao feixe incidente, de modo a optimizar o contraste de fases materiais, pois a maior ou menor absorção da radiação depende da espessura da amostra e da natureza e estrutura espacial dos seus constituintes. Casuisticamente, regula-se a intensidade de corrente e a voltagem, mantendo a potência no seu valor máximo de 10W, e decide-se sobre a utilização ou não de filtros. Dependendo da natureza do problema a resolver, o operador deve estar associado ao respectivo especialista.

Figura 3 – A radiografia (sombra do objecto) depende da distribuição espacial 3D dos coeficientes de atenuação dos raios X. Legenda: I0 – intensidade incidente; I – intensidade transmitida; µ - atenuação linear; x – espessura da amostra (à esquerda). Diversidade de

componentes na argamassa pré-doseada de cal – resolução 10 µm (à direita) A qualidade dos resultados da µ-CT, a obter a jusante, depende fortemente do número e da qualidade das radiografias capturadas inicialmente, como se ilustra na Figura 4.

Figura 4 – Reconstrução de um objecto pontual usando vários ângulos de rotação [7]

Seguidamente, discute-se e ilustra-se a aplicação da metodologia geral de trabalho. A selecção das amostras (etapa 1) baseia-se essencialmente na compatibilização com os objectivos a atingir, garantindo que os provetes são suficientemente representativos da totalidade das argamassas ou de uma parte destas, bem referenciada em termos dos

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moldes/forma adoptados. As dimensões foram maximizadas em função da resolução máxima pretendida. No caso geral, os provetes estudados por µ-CT foram cortados manualmente com serra, com forma aproximada paralelipédica alongada. Nas argamassas pré-doseadas efectuou-se um desbaste manual sobre lima metálica, de modo a obter uma forma cilíndrica (Figura 5). Utilizaram-se ainda provetes mais pequenos (fragmentos), onde se efectuaram aquisições com maior resolução e onde se realizaram estudos no MEV. Não houve necessidade de preparação especial das amostras (etapa 2), mas no caso das argamassas de cal, dada a sua fraca coesão geral, optou-se por recolher um dos cantos dos provetes (Figura 5). A tentativa de obter provetes cilíndricos nestas argamassas, com recurso a sonda rotacional de cerca de 1cm de diâmetro, ficou gorada, pois as amostras desagregaram-se totalmente. A própria desmoldagem de alguns provetes foi muito difícil nas primeiras semanas ou nas amostras expostas às condições de cura em câmara húmida. Para eliminar alguns destes efeitos, as amostras podem ser embebidas em resina, relativamente transparente à radiação, o que não sucedeu no estudo de Fontes [2]. Devido a esta limitação escolheu-se um maior volume de amostra, o que implicou à escolha de uma resolução de pixel de 24μm. A aquisição de dados (etapa 3) foi efectuada nas condições gerais indicadas na Tabela 2.

Fig. 5 – Aspecto geral dos provetes estudados por µ-CT, com menor resolução.

Da esquerda para a direita ARG1 (CS7), ARG 3 e ARG 2

Tabela 2 – Condições e parâmetros de aquisição utilizadas na µ-CT Ref. Nº provetes/resolução Condições (kV/μA – nº radiografias - filtro ARG1 (CS)

4/24 μm CS7,CS28,CS90,CS120

100/100–189–Al 0.5 mm

ARG2 4*/10 μm; 1**/3 μm cilindro:100/100–265–Al 0.5 mm; lasca: 100/100–210–Al 0.5 mm; fragmento: 59/167–265–sem filtro ARG3 4*/10 μm; 1**/3 μm

* 3 provetes cilíndricos e uma lasca; CSi (i=dias de cura)** fragmento milimétrico Após recolhidas as radiografias, segue-se a filtragem das imagens (etapa 4) e a reconstrução (etapa 5), que podem ser efectuadas em simultâneo; recorrendo-se ao programa NRecon que se baseia no algoritmo modificado de Feldkamp. Com base neste algoritmo é efectuada a correspondência (inversão de dados) entre o conjunto de radiografias verticais do objecto e o conjunto de fatias horizontais correspondente (Figura 6). Estas fatias são a base de todo o processamento de imagem subsequente, com recurso ao programa CTAn. Com base neste programa podem ser efectuados diversos tratamentos de imagem, dos quais se destaca a segmentação (etapa 6). Esta operação consiste na transformação/decomposição válida de imagens originais (256 níveis de cinzento) em imagens binárias mais simples, contendo o resultado da decomposição das imagens originais em séries de imagens com os componentes estruturais de interesse (matéria, interstícios/ar, “agregado”, “ligante”, entre outros - Figura 7), separados o melhor possível

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em função do estudo que se pretende fazer. É uma das mais sensíveis e cruciais etapas quando se pretende efectuar cálculos ou criar modelos para visualização suficientemente representativos. Como se disse anteriormente, a capacidade de destrinçar aspectos estruturais muito finos numa segmentação (ex. poros mais pequenos versus matéria fina) depende fortemente da resolução utilizada. Para proceder ao cálculo de parâmetros morfométricos 2D (fatia) ou 3D (volume) é necessário definir os volumes de interesse a estudar (etapa 7). Uma vez obtidos os resultados, sob a forma de um ficheiro, inicia-se a sua análise e tratamento (etapa 8). Um exemplo de análise composicional é indicado na Figura 8. Na argamassa ARG1 é bem visível a conectividade da rede porosa; na ARG2 salienta-se a visualização do significativo número de poros pequenos; na ARG3 são bem visíveis os poros de maiores dimensões e a existência de outros compostos, como o vidro expandido. A calibração é efectuada com recurso a técnicas complementares de análise, como é o caso da DRX. A construção de modelos tridimensionais no interior dos volumes de interesse é efectuada com recurso ao programa Ant (etapa 9). Existem várias possibilidades de figurinos e combinatórias para a representação destes modelos. Com recurso a um programa externo (CAMTASIA) podem captar-se vídeos, que mostram o objecto nas suas diversas perspectivas, assim como o registo didáctico de todas as operações efectuadas pelo operador no monitor do computador. Tal como será apresentado na secção seguinte, segue-se a correlação com os parâmetros obtidos nas outras tarefas (etapa 10).

Figura 6 - Etapas de aquisição, reconstrução e selecção do volume de interesse. Radiografia e imagens reconstruídas cinzentas e com cores falsas da ARG1 CS28 (acima); radiografia, reconstrução e área analisada da ARG2 (meio). Idem ARG 3 (baixo)

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Figura 7 – Segmentação das imagens definidas com 256 níveis de cinzento da ARG2. Representação da fração “arenosa” (meio) e dos poros maiores (dir.). Resolução 10µm

3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

3.1 Análise composicional das argamassas por µ-CT

A caracterização composicional das argamassas por µ-CT baseou-se nas diferenças observadas nos níveis de cinzento das fases presentes. A visualização e a discriminação das fases pelo operador podem ser mais fáceis se as imagens forem convertidas em imagens coloridas. A análise deste tipo de imagens permitiu observar uma multiplicidade de aspectos em todo o volume dos provetes (formas, distribuições, tamanhos, defeitos, entre outros). O resumo dos resultados é apresentado na Figura 8. A validação das fases foi efectuada por observação microscópica, DRX e SEM.

Figura 8 – Composição das argamassas – interpretação com base na µ-CT.

Legenda: F–feldspatos; Q–quartzo; P–poro limpo; M–minério denso; C–calcário; M–mármore; VE–vidro expandido; L–ligante (calcite/portlandite);

ARG1(largura–8mm, esq.); ARG2 (largura–6 mm, meio); ARG3 (largura–6 mm, dir.)

3.2 Argamassa de cal ARG1

De um total de 15 argamassas estudadas, apresentam-se sinteticamente alguns dos resultados obtidos para as argamassas ARG1 (CS7, CS28, CS90 e CS120), sujeitas a condições de cura em câmara seca e analisadas aos 7, 28, 90 e 120 dias. O processo de carbonatação foi avaliado com recurso à DRX e ao indicador de fenolftaleína. Apesar de ambos os métodos mostrarem claramente a progressão da carbonatação, os valores são bastante díspares [2]. Usando a estimativa efectuada por DRX, a carbonatação aos 120 dias não chega a atingir os 60%, enquanto a da fenolftaleína indica carbonatação total. Com recurso à μ-CT, pretende-se avaliar a existência de variações volumétricas nas diferentes fases presentes nas argamassas, que possam ter correspondência com o processo de carbonatação. Existem duas limitações principais na análise efectuada, por um lado a resolução é muito grosseira, não permitindo discriminar os poros mais pequenos e, por outro, os provetes correspondem a partes externas, mais acessíveis à carbonatação. Dado o último aspecto, não era previsível que se observassem diferenças significativas na série CS. Na segmentação efectuada (Figura 9), consideraram-se três fases principais: (1) macroporos, (2) agregado (partículas arenosas) e (3) “ligante” (ligante calcite/portlandite e

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poros de dimensão mais reduzida). Apresentam-se perspectivas dos modelos 3D na Figura 10.

Figura 9 – Segmentação das imagens definidas com 256 níveis de cinzento (histograma da

ARG1. Representação da fração arenosa (esq.) e do “ligante” (dir.)

Figura 10 – Representação dos provetes da ARG1 (CS7,Cs28, CS90 e CS120), usando a segmentação indicada na Figura 9 (resolução 24μm). Agregado (vermelho). “Ligante”

(branco). Destaque ainda para alguns macroporos(amarelo) e fissuras (verde) Apesar das limitações referidas, observa-se uma tendência para o aumento de volume do “ligante” (VO/VT) e da sua espessura (EO) no decorrer do tempo, com redução da superfície específica, no entanto esse aumento não é linear (Tabela 3). A proporção de macroporos é relativamente constante, sendo sensível à existência de pequenos “defeitos”,

como é o caso do provete CS90 (Figura 10). A sua superfície específica tende a diminuir ao longo do tempo, enquanto a sua espessura tende a aumentar (Tabela 3). Tabela 3 – Parâmetros de estudo das argamassas ARG1 - CS obtidos por μ-CT

Legenda: VO/VT – percentagem volumétrica do objecto; SO/VO – superfície específica do objecto; EO – espessura objecto (diâmetro médio); VT – volume total analisado

Argamassa VO/VT [%] SO/VO [1/mm] EO [mm]

"li

gan

te"

CS7 28,1 39,4 0,11 CS28 34,9 28,1 0,14 CS90 32,2 36,8 0,11 CS120 42,8 31,1 0,13

macr

op

oro

s CS7 1,5 42,6 0,16

CS28 1,5 37,7 0,18

CS90 4,7 36,5 0,20

CS120 1,5 32,6 0,21

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3.3 Argamassa de base cimentícia ARG2

Para além da análise composicional, a ARG2 (Figura 7) foi sujeita a análise morfométrica quantitativa da fração “matriz” (granulados e poros finos) e dos poros maiores. Alguns

dos resultados obtidos são comparados sumariamente com os obtidos por PM e por MEV (Figura 11). As distribuições de poros determinadas por µ-CT estão dependentes da resolução (capacidade de discriminação) utilizada. Com resolução 10 µm, o histograma varia entre 10 e 420 µm, com intervalos de 20 µm. A porosidade total é 15%. Com resolução 3 µm (pequeno fragmento), o histograma varia entre 3 e 191 µm, com intervalos de 6 µm. A porosidade total é 21%. Estes valores estão em linha com os obtidos por imersão em tina (32%) e PM (33%) (Tabela 1), tendo em conta a fracção significativa de poros mais finos visíveis nas imagens MEV com ampliação de 1200X. O PM indica uma distribuição de poros entre cerca de 10 nm e 100 µm, com duas populações em torno de 0.5 µm e 4 µm, sendo a segunda a mais importante. Deste modo, a PM não abrange os poros de maiores dimensões e indica a presença de poros muito finos (< 0.5 µm), que não se identificaram por SEM. Figura 11 – ARG2 – Distribuições de poros determinadas por µ-CT e por PM. Imagens MEV com ampliação 35X (barra 100 µm) e 1200X (barra 10 µm). Os poros mais finos estão próximos do limite máximo de resolução utilizado 3.4 Argamassa bastarda ARG3

Foi efectuada uma análise idêntica à da argamassa ARG2 (Figura 12). Com resolução 10 µm, o histograma varia entre 10 e 468 µm, com intervalos de 20 µm. A porosidade total é 22%. Com resolução 3 µm, o histograma varia entre 3 e 318 µm, com intervalos de 6 µm. A porosidade total é 31%. Estes valores também estão em linha com os obtidos por imersão em tina (44%) e PM (37%) (Tabela 1), tendo em conta os dados obtidos por MEV. O PM indica uma distribuição de poros entre cerca de 200 nm e 100 µm, com duas populações em torno de 0.8 µm e 4 µm, sendo a segunda a mais importante. Deste modo, a PM não abrange os poros de maiores dimensões e indica a presença de poros muito finos (< 0.5 µm), que não se identificaram por MEV. É de registar uma diferença significativa na porosidade calculada por imersão e pela PM. Ao comparar os resultados da ARG2 e da ARG3 observa-se uma tendência, já referenciada na literatura [8], segundo a qual a dimensão dos poros mais finos presentes nas argamassas depende, em parte, das dimensões das partículas do agregado. A ARG3 contém um agregado mais grosseiro (mármore e vidro expandido) e, de acordo com a PM,

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não contém poros abaixo de cerca de 0.2 µm. A ARG2 contém apenas granulados muito finos (areia e calcário) e, segundo a PM, os poros mais finos podem atingir os 10 nm. Tal como foi referido, esta dimensão ultrafina de poros não foi confirmada pelo MEV e pode estar relacionada, em parte, com o esmagamento da amostra durante o ensaio de PM. A mesma hipótese é considerada para agregados de argila expandida [4; 5]. Apresentam-se na Figura 13, alguns perpectivas de modelos virtuais 3D, evidenciando diversos aspectos da ARG3. Numa das imagens representa-se o conjunto dos macroporos e dos agregados leves, predominantemente esféricos (25% do volume total). Noutra imagem, mostra-se a distribuição do agregado de mármore mais grosseiro (12% do volume total). Figura 12 – ARG3 – Distribuições de poros determinadas por µ-CT e por PM. Imagens MEV com ampliação 35X (barra 100 µm) e 1200X (barra 10 µm). Os poros mais finos estão próximos do limite máximo de resolução utilizado

Figura 13 – Perspectivas de modelos 3D da ARG3 (resolução 10µm). Em cima, poros e

agregados leves (esq.) e agregado grosseiro: mármore (dir.) Em baixo, matriz fina: areia+ poros finos (esq.) e modelo global com transparência na matriz fina (dir.)

4 CONCLUSÕES

De acordo com o estudo efectuado, a µ-CT estende o âmbito dos estudos clássicos, revelando-se uma metodologia válida de grande utilidade para a caracterização

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composicional e microestrutural de argamassas, desde os trabalhos científicos fundamentais até aos aspectos mais práticos da produção e do comportamento em serviço, no intervalo microscópico acima do limiar de resolução. Contudo, a parte mais fina do espectro poroso não discriminável com o sistema Skyscan 1172, pode ser globalmente quantificada por diferença ao total global e/ou complementada com o estudo por MEV. A µ-CT reune as qualidades de um MND com as de uma plataforma interactiva de visualização, incluindo a possiblidade de efectuar análises morfométricas muito completas. As imagens obtidas pela µ-CT podem ser ainda utilizadas por outros programas de análise, ampliando-se o seu domínio de aplicação. De um modo mais particular, os primeiros resultados obtidos no ensaio de carbonatação na ARG1, mostram tendências evolutivas consistentes de alguns parâmetros físicos, que será necessário aprofundar um pouco mais, para averiguar a possibilidade de generalização. As argamassas ARG2 e ARG3 têm matrizes e espectros porosos distintos, confirmados pelas diversas metodologias utilizadas. Parece verificar-se uma correspondência entre a dimensão dos poros mais finos das argamassas e o tamanho das partículas de agregado. Por outro lado, a diminuição do valor da porosidade medida pela PM, relativamente ao ensaio de imersão em tina, e a indicação da existência de poros de dimensões nanométricas na ARG2 sugere a existência de colapso estrutural/esmagamento da estrutura pela alta pressão provocada pela intrusão de mercúrio. 5 BIBLIOGRAFIA

[1] Maltana, A.; Costa, M. Avaliação da estrutura interna por microtomografia em pastas cimentícias. IX Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Argamassas, 17 a 20 de Maio, Belo Horizonte/Minas Gerais, 2011. [2] Fontes, A. Influência das condições de cura na carbonatação de argamassas tradicionais com ligante à base de cal aérea – Métodos de análise. Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, IST, 165 p, 2011. [3] Custódio, M.; Vieira, N.; Flores-Colen, I.; Silva, L. Técnicas de ensaio para determinação da porosidade em argamassas. 4º Congresso de Argamassas e ETICS, 29 e 30 de Março, APFAC/ITecons, Coimbra, 2012. [4] Bogas, J. A. Characterization of structural lightweight expanded clay aggregate concrete. Lisbon: PhD thesis in civil engineering. Portugal: Technical University of Lisbon, IST, 2011. [5] Bogas, J. A.; Maurício, A.; Pereira, M.F.C. Microstructural analysis of Iberian expanded clay aggregates. submitted to Microscopy and Microanalysis, 2011.

[6] Flores-Colen, I. Metodologia de avaliação do desempenho em serviço de fachadas rebocadas na óptica da manutenção predictiva. Dissertação para a obtenção do grau de Doutor em Engenharia Civil, IST, Lisboa, 466 p, 2009. [7] SkyScan. Desktop X-ray microtomograph. SkyScan 1172 Instruction manual. Belgium, 54 p, 2005. [8] Rato, V. Influência da microestrutura morfológica no comportamento de argamassas. Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa. Portugal. 294 p, 2006. AGRADECIMENTOS: os autores do CEPGIST agradecem o financiamento atribuído pela FCT (SFRH/BD/27366/2006) por meio do Programa Operacional Factores de Competitividade - COMPETE - Projecto «PEst-OE/CTE/UI0098/2011».