microcefalia e zika: os primeiros achados de uma terrível descoberta

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a3 DIÁRIO DA SERRA QUARTA-FEIRA, 2 DE DEZEMBRO DE 2015 Saúde JULIANA BORGES [email protected] Relação entre o surto de microcefalia e o Zika vírus é confirmada pelo governo Confirmação veio de exames em bebê nascido no Ceará com microcefalia; número de casos de microcefalia sobe para 1.248 e já atinge 13 Estados e DF O Ministério da Saúde confirmou no último sá- bado (28) que existe rela- ção entre o vírus Zika e os casos de microcefalia na Região Nordeste do país. Segundo nota di- vulgada pela pasta, exa- mes feitos em um bebê nascido no Ceará com microcefalia e outras malformações congêni- tas revelaram a presença do vírus em amostras de sangue e tecidos. O resultado enviado pelo Instituto Evandro Chagas revelou, segundo o ministério, “uma situ- ação inédita na pesquisa científica mundial”. O governo assegurou que vai dar continuidade às investigações para des- cobrir quais as formas de transmissão, como o vírus atua no organismo e qual período de maior vulnerabilidade para a gestante. Na última sexta-feira (27), o instituto de pes- quisa notificou o gover- no sobre outros dois óbi- tos relacionados ao vírus Zika. As análises indica- ram que o vírus pode ter contribuído para agravar estes casos. O primeiro caso con- firmado foi o de um ho- mem com histórico de lúpus e de uso crônico de medicamentos corti- coides, no Maranhão, e o segundo é o de uma me- nina de 16 anos, no Pará, que morreu no final de outubro, depois de rela- tar sintomas semelhan- tes ao de dengue, como dor de cabeça e náuseas. Diante dessa declara- ção, a expectativa é que sejam redobradas ações nacionais para combater o mosquito transmissor, o Aedes aegypti, respon- sável pela disseminação da dengue, Zika e chikun- gunya. “O momento ago- ra é de unir esforços para intensificar ainda mais as ações e mobilização”, alertou o ministério. Rodrigo Iais, diretor do Departamento de Saú- de Ambiental e Animal de Botucatu afirma que na América do Sul, a in- formação é o que vírus já esteja circulando na Co- lômbia, Chile, Suriname e Brasil. “Considerando a gran- de circulação de pessoas, visto que o tráfego aéreo é intenso para todas as regiões do globo, a dis- tribuição das arboviro- ses representa hoje um desafio para a saúde pú- blica mundial. Relatórios da coordenação do Pro- grama Nacional do Con- trole da Dengue indicam que mais de 84.000 ca- sos de Zika haviam sido notificados no Brasil por algum dos sistemas de vigilância. Os dados po- dem estar subestimados, pois, em muitos casos, o Zika pode ter sido con- fundido com a dengue”, explica ele. Rodrigo também ale- ga que não há como ter uma média do contágio pelo vírus, já que é algo introduzido recentemen- te no país e, portanto, não há históricos epidê- micos para comparação. “O que há é um trabalho de vigilância para possí- veis epidemias da doen- ça. Não há um número real de casos confirma- dos no país e no estado. No município de Botuca- tu não há notificações de casos suspeitos de Zika”, diz. Segundo ele, a forma de combate é a mesma da dengue e chikungunya, ou seja, evitar a prolife- ração do mosquito trans- missor, como não deixar recipientes com água parada sem os devidos cuidados, já que pode se tornar um criadouro de mosquitos. “Primeiramente, toda a população deve permi- tir a entrada do agente de saúde pública em seu imóvel, pois ele é um profissional capacitado para identificar e orien- tar todas as medidas para eliminar os cria- douros de mosquitos. De acordo com as pesquisas realizadas pela SUCEN, 80% dos criadouros es- tão nos domicílios”, aler- ta Rodrigo. A Vigilância Ambien- tal em Saúde (VAS) rea- lizou no mês de outubro o Levantamento de Índi- ce Rápido de Infestação para Aedes aegypti (LI- RAa), atividade que ava- lia a infestação do mos- quito transmissor da dengue no município em sua fase larvária além de identificar quais são os principais recipientes que estão se tornando criadouros destes inse- tos nos domicílios. O resultado geral em Botucatu foi que 0,8% dos 2.800 imóveis trabalhados estavam com larvas de Aedes aegypti, índice con- siderado satisfatório. De acordo com a Organização Mundial da Saúde a classi- ficação é determinada da seguinte maneira: 0 a 1% dos imóveis com larvas po- sitivas - satisfatório; 1,1% a 3,9% sinal de alerta; acima de 3,9% - risco de epidemia. (com agência brasil) A microcefalia O Ministério da Saú- de confirmou na última segunda-feira (30) que o número de casos de microcefalia, uma mal- formação congênita ce- rebral, aumentou para 1.248 no país e já atinge 13 Estados. Os dados fa- zem parte do novo bole- tim epidemiológico, que apresenta dados até a última sexta-feira, 28 de novembro. De acordo com o bole- tim, Pernambuco conti- nua a frente no número de casos de microcefalia, com 646. O Estado decla- rou no último domingo dois decretos de emer- gência – um para Pernam- buco e outro para Recife – para aumentar o combate ao Aedes aegypti. Em seguida, em nú- mero de casos de mi- crocefalia, estão a Para- íba (248), Rio Grande do Norte (79), Sergipe (77), Alagoas (59), Bahia (37), Piauí (36), Ceará (25), Rio de Janeiro (13), Tocantins (12) Maranhão (12), Goiás (2), Mato Grosso do Sul (1) e Distrito Federal (1). A nota também afirma que subiu para sete o nú- mero de recém-nascidos mortos. A microcefalia é uma malformação congênita em que o cérebro do feto não se desenvolve de ma- neira adequada. O bebê, quando nasce, apresenta um perímetro cefálico menor do que os 33 cen- tímetros considerados normais. Além de trazer risco de morte, a condi- ção pode ter sequelas graves para os bebês que sobrevivem, como difi- culdades psicomotoras (no andar e no falar) e cognitivas (como retardo mental). O médico infectolo- gista Alexandre Naime Barbosa explica que o Zika é um vírus desco- berto na década de 1940 em uma floresta no cen- tro da África, portanto já é conhecido há muito tempo. “Nunca foi dada muita importância ao vírus, pois ele nunca ti- nha matado ninguém. Não existe na literatura médica relato de mor- te ou complicação grave causada pelo Zika, já que ele era conhecido apenas por causar uma doença parecida com a dengue, principalmente no que se refere ao paciente ter febre, reações cutâneas, como alergias e manchas e conjuntivite”, relata o especialista. Ele ainda fala que essa doença só acometia lugares muito pobres da África, onde a mortali- dade infantil de crian- ças até um ano de idade é enorme, portanto elas morrem de outras coisas e o diagnóstico de micro- cefalia não existe. Ago- ra, com esta epidemia acontecendo no Brasil, foi possível diagnosticas estes casos. “Aqui no su- deste a intensidade do vírus ainda é baixa, mas nós possuímos os dois Rodrigo Iais, diretor do Departamento de Saúde Ambiental e Animal de Botucatu afirma que na América do Sul, a informação é o que vírus já esteja circulando na Colômbia, Chile, Suriname e Brasil O médico infectologista Alexandre Naime Barbosa explica que o Zika é um vírus descoberto na década de 1940 em uma floresta no centro da África, portanto já é conhecido há muito tempo fatores necessários para termos a epidemia por aqui, que é um número de pessoas muito grande e alto índice do mosquito Aedes”, alega Alexandre. O médico infectologis- ta também explica que quando a gestante entra em contato com o vírus, ele pode ou não chegar ao cérebro da criança. “O primeiro trimestre é sempre o mais perigo- sos, já que é nesta fase que o cérebro da criança está se desenvolvendo. Nem toda gestante que pegar o Zika terá uma criança com microcefa- lia. Isso depende muito se o vírus conseguirá passar a barreira da pla- centa e chegar ao cérebro da criança, e se já tiver ou não passado dos três meses de gestação. As- sim como a mãe elimina o vírus depois, a crian- ça também não nascerá com o vírus”. Para as gestantes, a sugestão é fugir do mos- quito Aedes. Segundo o especialista, elas devem evitar áreas de grande concentração de mosqui- to, fazer uma varredura na casa e conscientizar os vizinhos para aca- barem com os focos do mosquito. Além disso, elas devem evitar sair com roupas muito finas e procurar usar o repe- lente a base de Icaridina (25%). “Outra recomendação, que parece absurdo nós termos que falar, é para que as pessoas que pude- rem, evitarem a gravidez durante este período de epidemia. Para o Brasil, sobrou a dolorosa honra de fazer essa descober- ta científica. Mas acho que o país está dando a resposta adequada na medida do possível. E é importante nos cons- cientizarmos que isso está acontecendo porque as pessoas não se preo- cupam em acabar com os focos da dengue, então isso tende a piorar”, con- clui Alexandre. O bebê, quando nasce, apresenta um perímetro cefálico menor do que os 33 centímetros considerados normais. Além de trazer risco de morte, a condição pode ter sequelas graves para os bebês que sobrevivem, como dificuldades psicomotoras (no andar e no falar) e cognitivas (como retardo mental) REPRODUÇÃO FOTOS: SIDNEY TROVÃO

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a3DIÁRIO DA SERRAQUARTA-FEIRA, 2 DE DEZEMBRO DE 2015 Saúde

JULIANA [email protected]

Relação entre o surto de microcefalia e o Zika vírus é confirmada pelo governoConfirmação veio de exames em bebê nascido no Ceará com microcefalia; número de casos de microcefalia sobe para 1.248 e já atinge 13 Estados e DF

O Ministério da Saúde confirmou no último sá-bado (28) que existe rela-ção entre o vírus Zika e os casos de microcefalia na Região Nordeste do país. Segundo nota di-vulgada pela pasta, exa-mes feitos em um bebê nascido no Ceará com microcefalia e outras malformações congêni-tas revelaram a presença do vírus em amostras de sangue e tecidos.

O resultado enviado pelo Instituto Evandro Chagas revelou, segundo o ministério, “uma situ-ação inédita na pesquisa científica mundial”. O governo assegurou que vai dar continuidade às investigações para des-cobrir quais as formas de transmissão, como o vírus atua no organismo e qual período de maior vulnerabilidade para a gestante.

Na última sexta-feira (27), o instituto de pes-quisa notificou o gover-no sobre outros dois óbi-tos relacionados ao vírus Zika. As análises indica-ram que o vírus pode ter contribuído para agravar estes casos.

O primeiro caso con-firmado foi o de um ho-mem com histórico de lúpus e de uso crônico de medicamentos corti-coides, no Maranhão, e o segundo é o de uma me-nina de 16 anos, no Pará, que morreu no final de outubro, depois de rela-tar sintomas semelhan-tes ao de dengue, como dor de cabeça e náuseas.

Diante dessa declara-ção, a expectativa é que sejam redobradas ações

nacionais para combater o mosquito transmissor, o Aedes aegypti, respon-sável pela disseminação da dengue, Zika e chikun-gunya. “O momento ago-ra é de unir esforços para intensificar ainda mais as ações e mobilização”, alertou o ministério.

Rodrigo Iais, diretor do Departamento de Saú-de Ambiental e Animal de Botucatu afirma que na América do Sul, a in-formação é o que vírus já esteja circulando na Co-lômbia, Chile, Suriname e Brasil.

“Considerando a gran-de circulação de pessoas, visto que o tráfego aéreo é intenso para todas as regiões do globo, a dis-tribuição das arboviro-ses representa hoje um desafio para a saúde pú-blica mundial. Relatórios da coordenação do Pro-grama Nacional do Con-trole da Dengue indicam que mais de 84.000 ca-sos de Zika haviam sido notificados no Brasil por algum dos sistemas de vigilância. Os dados po-dem estar subestimados, pois, em muitos casos, o Zika pode ter sido con-fundido com a dengue”, explica ele.

Rodrigo também ale-ga que não há como ter uma média do contágio pelo vírus, já que é algo introduzido recentemen-te no país e, portanto, não há históricos epidê-micos para comparação. “O que há é um trabalho de vigilância para possí-veis epidemias da doen-ça. Não há um número real de casos confirma-dos no país e no estado. No município de Botuca-tu não há notificações de casos suspeitos de Zika”,

diz. Segundo ele, a forma

de combate é a mesma da dengue e chikungunya, ou seja, evitar a prolife-ração do mosquito trans-missor, como não deixar recipientes com água parada sem os devidos cuidados, já que pode se tornar um criadouro de mosquitos.

“Primeiramente, toda a população deve permi-tir a entrada do agente de saúde pública em seu imóvel, pois ele é um profissional capacitado para identificar e orien-tar todas as medidas para eliminar os cria-douros de mosquitos. De acordo com as pesquisas realizadas pela SUCEN, 80% dos criadouros es-tão nos domicílios”, aler-ta Rodrigo.

A Vigilância Ambien-tal em Saúde (VAS) rea-lizou no mês de outubro o Levantamento de Índi-ce Rápido de Infestação para Aedes aegypti (LI-RAa), atividade que ava-lia a infestação do mos-quito transmissor da dengue no município em sua fase larvária além de identificar quais são os principais recipientes que estão se tornando criadouros destes inse-tos nos domicílios.

O resultado geral em Botucatu foi que 0,8% dos 2.800 imóveis trabalhados estavam com larvas de Aedes aegypti, índice con-siderado satisfatório. De acordo com a Organização Mundial da Saúde a classi-ficação é determinada da seguinte maneira: 0 a 1% dos imóveis com larvas po-sitivas - satisfatório; 1,1% a 3,9% sinal de alerta; acima de 3,9% - risco de epidemia. (com agência brasil)

A microcefaliaO Ministério da Saú-

de confirmou na última segunda-feira (30) que o número de casos de microcefalia, uma mal-formação congênita ce-rebral, aumentou para 1.248 no país e já atinge 13 Estados. Os dados fa-zem parte do novo bole-tim epidemiológico, que apresenta dados até a última sexta-feira, 28 de novembro.

De acordo com o bole-tim, Pernambuco conti-nua a frente no número de casos de microcefalia, com 646. O Estado decla-rou no último domingo dois decretos de emer-gência – um para Pernam-buco e outro para Recife – para aumentar o combate ao Aedes aegypti.

Em seguida, em nú-mero de casos de mi-crocefalia, estão a Para-íba (248), Rio Grande do Norte (79), Sergipe (77), Alagoas (59), Bahia (37), Piauí (36), Ceará (25), Rio de Janeiro (13), Tocantins (12) Maranhão (12), Goiás (2), Mato Grosso do Sul (1) e Distrito Federal (1). A nota também afirma que subiu para sete o nú-mero de recém-nascidos mortos.

A microcefalia é uma malformação congênita em que o cérebro do feto não se desenvolve de ma-neira adequada. O bebê, quando nasce, apresenta um perímetro cefálico menor do que os 33 cen-tímetros considerados normais. Além de trazer

risco de morte, a condi-ção pode ter sequelas graves para os bebês que sobrevivem, como difi-culdades psicomotoras (no andar e no falar) e cognitivas (como retardo mental).

O médico infectolo-gista Alexandre Naime Barbosa explica que o Zika é um vírus desco-berto na década de 1940 em uma floresta no cen-tro da África, portanto já é conhecido há muito tempo. “Nunca foi dada muita importância ao vírus, pois ele nunca ti-nha matado ninguém. Não existe na literatura médica relato de mor-te ou complicação grave causada pelo Zika, já que ele era conhecido apenas por causar uma doença parecida com a dengue, principalmente no que se refere ao paciente ter febre, reações cutâneas, como alergias e manchas e conjuntivite”, relata o especialista.

Ele ainda fala que essa doença só acometia lugares muito pobres da África, onde a mortali-dade infantil de crian-ças até um ano de idade é enorme, portanto elas morrem de outras coisas e o diagnóstico de micro-cefalia não existe. Ago-ra, com esta epidemia acontecendo no Brasil, foi possível diagnosticas estes casos. “Aqui no su-deste a intensidade do vírus ainda é baixa, mas nós possuímos os dois

Rodrigo Iais, diretor do Departamento de Saúde Ambiental e Animal de Botucatu afirma que na América do Sul, a informação é o que vírus já esteja circulando na Colômbia, Chile, Suriname e Brasil

O médico infectologista Alexandre Naime Barbosa explica que o Zika é um vírus descoberto na década de 1940 em uma floresta no centro da África, portanto já é conhecido há muito tempo

fatores necessários para termos a epidemia por aqui, que é um número de pessoas muito grande e alto índice do mosquito Aedes”, alega Alexandre.

O médico infectologis-ta também explica que quando a gestante entra em contato com o vírus, ele pode ou não chegar ao cérebro da criança. “O primeiro trimestre é sempre o mais perigo-sos, já que é nesta fase que o cérebro da criança está se desenvolvendo.

Nem toda gestante que pegar o Zika terá uma criança com microcefa-lia. Isso depende muito se o vírus conseguirá passar a barreira da pla-centa e chegar ao cérebro da criança, e se já tiver ou não passado dos três meses de gestação. As-sim como a mãe elimina o vírus depois, a crian-ça também não nascerá com o vírus”.

Para as gestantes, a sugestão é fugir do mos-quito Aedes. Segundo o

especialista, elas devem evitar áreas de grande concentração de mosqui-to, fazer uma varredura na casa e conscientizar os vizinhos para aca-barem com os focos do mosquito. Além disso, elas devem evitar sair com roupas muito finas e procurar usar o repe-lente a base de Icaridina (25%).

“Outra recomendação, que parece absurdo nós termos que falar, é para que as pessoas que pude-

rem, evitarem a gravidez durante este período de epidemia. Para o Brasil, sobrou a dolorosa honra de fazer essa descober-ta científica. Mas acho que o país está dando a resposta adequada na medida do possível. E é importante nos cons-cientizarmos que isso está acontecendo porque as pessoas não se preo-cupam em acabar com os focos da dengue, então isso tende a piorar”, con-clui Alexandre.

O bebê, quando nasce, apresenta um perímetro cefálico menor do que os 33 centímetros considerados normais. Além de trazer risco de morte, a condição pode ter sequelas graves para os bebês que sobrevivem, como dificuldades psicomotoras (no andar e no falar) e cognitivas (como retardo mental)

REPRODUÇÃO

FOTOS: SIDNEY TROVÃO