michal kalecki - teoria da dinâmica econômica

Upload: marcelo-k-mata

Post on 29-Oct-2015

38 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

  • MICHAL KALECKI

    TEORIA DA DINMICA ECONMICA

    ENSAIO SOBRE AS MUDANAS CCLICAS E ALONGO PRAZO DA ECONOMIA CAPITALISTA

    Apresentao de Jorge MiglioliTraduo de Paulo de Almeida

    Disponibilizado por Ronaldo DartVeiga

  • FundadorVICTOR CIVITA

    (1907 - 1990)

    Editora Nova Cultural Ltda.

    Copyright desta edio 1977, Crculo do Livro Ltda.

    Rua Paes Leme, 524 - 10 andarCEP 05424-010 - So Paulo - SP

    Ttulo original:Theory of Economic Dynamics - An Essay on Ciclical and

    Long-Run Changes in Capitalist Economy

    Texto publicado sob licena de George Allen & Unwin,Londres (Teoria da Dinmica Econmica)

    Direitos exclusivos sobre as Apresentaes de autoria deJorge Miglioli, Mrio Luiz Possas e Tams Szmrecsnyi,

    Editora Nova Cultural Ltda.

    Direitos exclusivos sobre as tradues deste volume:Crculo do Livro Ltda.

    Impresso e acabamento:DONNELLEY COCHRANE GRFICA E EDITORA BRASIL LTDA.

    DIVISO CRCULO - FONE: (55 11) 4191-4633

    ISBN 85-351-0918-8

  • APRESENTAO

    1) Advertncia

    A Teoria da Dinmica Econmica a principal obra de MichalKalecki a respeito das economias capitalistas e constitui leitura indis-pensvel para quem deseja aprofundar seus conhecimentos sobre essaseconomias. Foi originalmente publicada em ingls em 1954 e, com al-guns acrscimos e correes, em 1965. J apareceu em vrias outraslnguas: italiano e espanhol (em 1956), polons e japons (1958), francse alemo (1966), grego (1980) e em sueco (1975) grande parte dela foiincluda numa seleo de textos de Kalecki. A traduo para a lnguaportuguesa foi publicada pela Abril Cultural, na srie Os Pensadores,em 1976.

    Para o leitor que no conhece os trabalhos de Kalecki e, folheandoo presente livro, surpreenda-se com sua formulao matemtica, talvezseja conveniente comear com o seguinte aviso dado pelo autor, noPrefcio edio japonesa da obra: Este livro est cheio de equaes,dados estatsticos, diagramas etc. Ao leitor isso pode provocar a erradaimpresso de que o tema central seja a aplicao da Matemtica e daEstatstica pesquisa econmica. Mas no se trata disso, absoluta-mente. As equaes matemticas so usadas apenas para condensaro curso do raciocnio e dar-lhe maior preciso. Os dados estatsticosservem para demonstrar que os resultados tericos no contradizemos fatos e que, portanto, esses resultados fornecem explicao fidedignados fenmenos pesquisados.1

    Em outras palavras, o livro no constitui um simples tratamentomatemtico de concepes econmicas estabelecidas. Ele compreende,

    5

    1 Includo em KALECKI, Michal. Dziela. v. II, p. 214. Por iniciativa da Academia Polonesade Cincias e com excelente trabalho editorial de Jerzy Osiatynski, esto sendo publicadasem polons as obras completas de Kalecki, sob o ttulo geral de Dziela (Obras) e divididasem cinco volumes: 1) Capitalismo: Conjuntura e Emprego; 2) Capitalismo: Dinmica Eco-nmica; 3) Socialismo; 4) Pases em Desenvolvimento; 5) Anlises Econmicas. At 1981somente os dois primeiros volumes tinham sido publicados.

  • na verdade, um conjunto de pesquisas originais acerca da dinmicadas economias capitalistas, a empregando-se a Matemtica como lin-guagem e a Estatstica como instrumento de verificao emprica dasconcluses tericas.

    Feita essa advertncia, vamos falar um pouco do autor antes deabordarmos o contedo do livro em questo.

    2) Biografia e Obras2

    Michal Kalecki nasceu em Lodz, em 22 de junho de 1899. Estudouna Escola Politcnica de Varsvia e depois na de Gdanski, mas nochegou a graduar-se. Seu primeiro ttulo acadmico ele o obteve aos57 anos de idade, quando, j internacionalmente reconhecido, o governopolons o nomeou professor universitrio; e em 1964 a Universidadede Varsvia lhe conferiu o ttulo de doutor honoris causa.

    Foi um autodidata. Em sua formao como economista, recebeuprofunda influncia das obras de Marx e de outros autores marxistas.

    Seu primeiro emprego como economista foi no Instituto de Pes-quisa de Conjuntura e Preos, de Varsvia, em 1927. Em 1935, quandoj tinha publicado seu estudo inovador em teoria dos ciclos econmicos,viajou para a Sucia com uma bolsa de estudos. No ano seguinte mu-dou-se para a Inglaterra, onde trabalhou na Escola de Economia deLondres e depois na Universidade de Cambridge (1937/39) e no Institutode Estatstica da Universidade de Oxford (1940/45).

    Terminada a Segunda Guerra Mundial, Kalecki prestou serviosdurante algum tempo para a Organizao Internacional do Trabalhoe para o Governo polons. Da foi para o departamento econmico doSecretariado da ONU, onde ficou at 1954.

    Retornando Polnia, ocupou diversos cargos: diretor de pesqui-sas no departamento de cincias econmicas da Academia Polonesa deCincias (1955/56), presidente da Comisso de Planejamento de LongoPrazo (1957/60), vice-presidente do Conselho Econmico do Estado(1957/63), e tambm, ao longo de todo esse tempo (isto , de 1956 a1969), professor na Escola Central de Planificao e Estatstica.

    Kalecki morreu em Varsvia no dia 17 de abril de 1970.

    Os trabalhos de Kalecki podem ser separados em trs grupos:sobre as economias capitalistas desenvolvidas, sobre as economias sub-

    OS ECONOMISTAS

    6

    2 Para mais informaes sobre a biografia e as obras de Kalecki, os seguintes trabalhospodem ser consultados: MIGLIOLI, Jorge (org.). Kalecki. Coleo Grandes CientistasSociais. S. Paulo. Editora tica, 1980; KOWALIK, Tadeus. Biography of Michal Kalecki.In: Problems of Economic Dynamics and Planning Essays in Honour of Michal Kalecki.Varsvia, Polish Scientific Publishers, 1964; FEIWEL, George. The Intelectual Capital ofMichal Kalecki. Knoxville. The University of Tennessee Press, 1975; os vrios artigos deOxford Bulletin of Economics and Statistics, fevereiro de 1977, nmero especial dedicadoa Kalecki. O livro de Feiwel contm a bibliografia completa de Kalecki.

  • desenvolvidas e sobre as economias socialistas. Ele escreveu tambmacerca de outros temas (por exemplo: questes de poltica, estatstica,matemtica terica, metodologia econmica etc.), mas suas principaiscontribuies intelectuais esto contidas nos trabalhos anteriormentereferidos.

    Seus primeiros escritos (1927/32) sobre as economias capitalistasabordam problemas de produo e comercializao (a incluindo o casode cartis internacionais) de mercadorias especficas, e depois algumasquestes de carter mais geral. A grande crise econmica de 1929/33exerceu uma influncia decisiva sobre as preocupaes tericas de Ka-lecki. Em 1933 ele publicou Esboo de uma Teoria do Ciclo Econmico,que se tornou um dos seus trabalhos mais famosos, e dessa poca ato fim de sua vida ele se empenhou em estudar os problemas da dinmica(flutuaes cclicas e mudanas de longo prazo) das economias capita-listas. Depois voltaremos a esse assunto.

    Na primeira metade da dcada de 1950, ao trabalhar no Secre-tariado da ONU, Kalecki passou a ter contato com pases subdesen-volvidos e a interessar-se por seus problemas econmicos. Como resul-tado, elaborou vrios estudos, tanto prticos como tericos.3 Os pri-meiros incluem relatrio sobre os problemas econmicos de Israel, ob-servaes sobre o terceiro plano econmico da ndia, plano qinqenal(1961/65) de Cuba; os estudos tericos se referem a problemas de de-semprego, ajuda econmica internacional, desenvolvimento econmico.Dentre esses ltimos estudos, o mais importante se intitula O Pro-blema do Financiamento do Desenvolvimento Econmico, publicadooriginalmente no Mxico em 1954 e que teve grande influncia naformao do pensamento estruturalista da CEPAL.

    Voltando para a Polnia em 1955, no ano seguinte Kalecki seviu no meio das manifestaes polticas que derrubaram o governostalinista de ento e criaram, no pas, um ambiente democrtico fa-vorvel ao ressurgimento cultural. Na rea da Economia iniciou-se umgrande debate que inclua desde os princpios bsicos dessa cinciaat questes muito especficas do sistema produtivo polons. Nessemesmo ano, Kalecki apresentou dois trabalhos sobre economia socia-lista: no primeiro, procurava colocar nos devidos termos o papel doinvestimento no crescimento econmico; no segundo, defendia a idiada necessidade de reforar os conselhos operrios dentro das empresase de dar-lhes participao no processo de planejamento.4 Nos anosseguintes publicou muitos outros estudos sobre as economias socialistasem geral e a economia polonesa em particular. De todos eles, o mais

    KALECKI

    7

    3 Esses trabalhos se encontram reunidos em: KALECKI, Michal. Essays on Developing Coun-tries. Sussex, The Harvester Press. 1976. Em portugus, vrios deles esto includos em:1) KALECKI. Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas. S. Paulo. Editora Hucitec,1977; 2) MIGLIOLI, Jorge (org.). Kalecki. Op. cit.

    4 Ambos os trabalhos se encontram em MIGLIOLI (org.). Kalecki. Op. cit.

  • importante o livro Introduo Teoria do Crescimento em EconomiaSocialista (primeira edio em 1963 e a segunda, ampliada, em 1968),que hoje se encontra traduzido para vrios idiomas.5

    3) A Obra de Kalecki na Histria do Pensamento Econmico

    A grande contribuio de Kalecki para o entendimento do modocomo funciona e se desenvolve a economia capitalista est em suaformulao e seu aprofundamento do princpio da demanda efetiva.Para compreender a grandeza de sua contribuio, preciso observ-ladentro da histria do pensamento econmico.6

    Em seu livro A Riqueza das Naes (1776), Adam Smith haviadefendido a importncia da frugalidade para o progresso econmico:quanto maior a poupana (dos capitalistas), maior seria a acumulaode capital e, portanto, o referido progresso. Ele condicionava a acumu-lao existncia de uma poupana prvia e estabelecia, ou pelo menossugeria, o princpio de que toda produo teria de ser necessariamentecomprada: a parte no consumida, isto , poupada, seria adquiridapara acumulao.

    Algumas dcadas mais tarde, dentro dessa linha de raciocnio,James Mill na Inglaterra e Jean-Baptiste Say na Frana viriam aformular o que passou, posteriormente, a ser conhecido como lei dosmercados de Say, segundo a qual toda produo criava uma demandanecessria para absorv-la. De acordo com Mill (A Defesa do Comrcio,1808): A produo de mercadorias cria, e a nica e universal causaque cria, um mercado para as mercadorias. (...) A demanda de umanao sempre igual produo de uma nao. Segundo Say (Tratadode Economia Poltica, 1814): Um produto, to logo seja criado, nessemesmo instante gera um mercado para outros produtos em toda agrandeza de seu prprio valor.

    Foi David Ricardo, porm (em seus Princpios de Economia Po-ltica e Tributao, 1817), quem deu consistncia terica lei de Say;mais tarde, John Stuart Mill (Princpios de Economia Poltica, 1848)se encarregou de transform-la em dogma, e como tal ela foi incorporadapelos economistas neoclssicos.

    Tendo adotado a lei de Say, Ricardo passou a aplic-la coeren-temente anlise de diversos problemas econmicos e com isso con-tribuiu decisivamente para que economistas posteriores a aceitassemsem questionamento. Graas influncia de Ricardo, a lei de Sayassumiu uma importncia fundamental na interpretao dos mais di-versos problemas: a acumulao de capital e o desenvolvimento eco-

    OS ECONOMISTAS

    8

    5 Esse livro, traduzido e prefaciado por Luiz L. Vasconcelos, foi publicado em Portugal pelaEditora Prelo, Lisboa, 1978, e no Brasil pela editora Brasiliense, S. Paulo, 1982.

    6 Esse tema tratado minuciosamente em MIGLIOLI, Jorge. Acumulao de Capital e De-manda Efetiva. S. Paulo, T. A. Queiroz Editor, 1981.

  • nmico, a impossibilidade de crise de superproduo, a distribuio derenda entre salrios e lucros, a insignificncia da exportao e dosgastos pblicos para o aumento da produo.

    Se a produo que cria a demanda, ento esta ltima tem umpapel passivo. A acumulao de capital e o progresso econmico de-pendem apenas da produo, no encontrando nenhum obstculo porparte da demanda. Na verdade, uma parte da renda gerada no processoprodutivo deixa de ser gasta em consumo, ou seja, poupada, e issopoderia significar que essa parte geraria um excedente de produo,um volume invendvel de mercadorias. Isso, porm, no acontece, deacordo com Ricardo e seus seguidores. A parte poupada da renda deum capitalista seria usada de dois modos: diretamente para acumulaode capital (que constitui uma compra de mercadorias) e/ou para em-prstimo a outros capitalistas, que a usariam para acumulao; assim,toda poupana se transformaria em acumulao de capital (investi-mento, na linguagem atual) e, portanto, toda a produo estaria sendovendida: uma parte para consumo e outra para acumulao.

    Poderia haver circunstancialmente um excesso de produo emalguns setores especficos de atividade, mas isso seria logo corrigido:os capitais estabelecidos neles se deslocariam para os setores onde hdemanda.

    Como a demanda no constitui obstculo para a produo, porque criada por esta, ento a acumulao de capital e o desenvolvimentoeconmico passam a ser determinados apenas pelas condies da pro-duo. Entre estas, a taxa de lucro tem um papel essencial, porquequanto maior ela for, maior ser a taxa de poupana e, conseqente-mente, a taxa de acumulao. Considerando-se que o preo dado(isto , determinado pelas condies da concorrncia), o lucro passa adepender do salrio: quanto maior este, menor aquele. A suposiofundamental dessa concluso a de que a renda total (composta desalrios e lucros) uma grandeza dada; da, o aumento na parcela dossalrios d como resultado uma reduo de igual magnitude na parcelados lucros. Logo, o principal empecilho acumulao passa a ser oaumento dos salrios.

    A suposio adotada nesse argumento tem vrias outras impli-caes e por isso deve ser melhor esclarecida. Segundo a lei de Say,a produo cria sempre sua prpria demanda, ou, em outros termos,toda a renda gerada na produo necessariamente gasta na compradessa mesma produo. Portanto, o poder de compra dessa renda no afetado pelo modo como ela se distribui (da por que a lei de Say s vezes chamada de lei da preservao do poder de compra). Sea renda for redistribuda em benefcio dos salrios, isso significarapenas que os trabalhadores (com seus maiores salrios) compraromais e os capitalistas (com seus menores lucros) compraro menos,mas o montante total da produo e da renda no ser modificado.

    KALECKI

    9

  • De acordo com esse mesmo princpio, se os tributos forem aumentados,isso no afetar a produo, mas apenas transferir para o Estadouma parte do poder de compra dos indivduos. Do mesmo modo, se asexportaes forem incrementadas, a produo no ser alterada, porquea parte a ser exportada, se permanecer no pas, ser adquirida pelopoder de compra nacional gerado pela prpria produo.

    Ainda no tempo de Ricardo, a lei de Say e suas implicaesforam refutadas por diversos autores, entre eles Thomas Robert Mal-thus o mesmo que se tornou conhecido por sua teoria populacional.De acordo com Malthus (em seus Princpios de Economia Poltica, 1820),a demanda tende a ser inferior produo. Isso porque, se os traba-lhadores gastam toda sua renda, o mesmo no acontece com os capi-talistas. Dos lucros totais, os capitalistas usam uma parte para con-sumir e outra para acumular capital, mas uma parte restante no gasta em coisa nenhuma, porque, em vez de gastar, os capitalistasmanifestam uma preferncia pela indolncia (que, diga-se de passa-gem, um conceito muito semelhante ao de propenso a pouparformulado por Keynes um sculo mais tarde). Se a demanda no necessariamente igual produo, ento o progresso econmico dependeno apenas do acrscimo da capacidade produtiva mas tambm dosdeterminantes do aumento da demanda efetiva, imprescindvel parapr em operao aquela acrescida capacidade. Entre esses determi-nantes, Malthus menciona a redistribuio da renda, a expanso dasexportaes e dos gastos improdutivos (entre os quais se incluem osgastos pblicos).

    Tambm Karl Marx se ops frontalmente lei de Say. De acordocom ele, o processo de reproduo pode ser dividido em diferentes mo-mentos. De posse de um dado montante de dinheiro (D), os capitalistasadquirem um determinado volume de mercadorias (M), de dois tipos:meios de produo (matrias-primas, equipamentos etc.) e fora de tra-balho. Operando com os meios de produo, a fora de trabalho geranovas mercadorias (M), de maior valor (isto , M > M). A transformaode D em M e de M em M constitui o processo de criao de valor, oude produo stricto sensu. Mas o processo de produo lato sensu nofoi concludo, porque o valor criado ainda no foi realizado; para isso, preciso que as mercadorias produzidas (M) sejam vendidas (conver-tidas em D). Assim, o processo completo pode ser expresso comoD M M D. Os momentos D M e M M dependem das con-dies prprias da produo (existncia de matrias-primas, equipa-mentos, fora de trabalho, o nvel de produtividade etc.); a transfor-mao de M em D depende das condies da realizao, e nada garanteque o valor criado (M) seja necessariamente realizado, tornado realpara os capitalistas.

    Assim, para Marx, e contrariamente lei de Say, a demanda

    OS ECONOMISTAS

    10

  • no necessariamente igual produo. Mais do que isso, a produoou oferta de mercadorias tende naturalmente, no capitalismo, a sermaior do que sua demanda. Vejamos a razo disso. O valor de todasas mercadorias lanadas no mercado se decompe em trs partes: C,ou capital constante, compreendendo os insumos incorporados nas mer-cadorias e o desgaste (ou depreciao) dos equipamentos empregadosna produo; V, ou capital varivel, correspondente aos salrios pagos;S, a mais-valia ou lucro que os capitalistas esperam auferir. Em suma,o valor total da oferta igual a W = C + V + S.

    Para produzir esse valor, os capitalistas gastaram um montanteigual a C + V. Ou seja, para produzir mercadorias no valor de W = C+ V + S, os capitalistas demandaram mercadorias no valor de C + Ve, portanto, sua oferta maior do que sua demanda. Para produzirW, os capitalistas tiveram de comprar meios de produo no valor deC; como so os prprios capitalistas que vendem essas mercadorias(uns vendem para os outros), isso significa que para produzir W oscapitalistas automaticamente realizam o valor de C. Tiveram tambmde comprar fora de trabalho no valor de V. Supondo-se que os traba-lhadores no poupam, ento todo o montante V de salrios gastopor eles na compra de bens de consumo. Como so os capitalistas quevendem esses bens, ento, para produzir W, os capitalistas automati-camente realizam tambm o valor de V. Em concluso: para produzirW = C + V + S, os capitalistas (diretamente, no caso de C, ou atravsdos trabalhadores, no caso de V) demandam, e vendem, mercadoriasno valor de C + V. Falta, contudo, realizar o valor de S. Que significaisso? Significa que se os capitalistas realizaram apenas o valor de C+ V, eles no obtiveram lucros, mas to-somente tiveram custos.

    Como que os capitalistas, considerados em conjunto, conseguemrealizar a mais-valia, auferir um lucro? A resposta : comprando, unsdos outros, mais mercadorias, alm daquelas correspondentes ao valorde C + V. Que mercadorias so estas? Os capitalistas, enquanto pessoas,precisam consumir; logo, eles compram bens de consumo. Os capita-listas, enquanto agentes do capital, preocupam-se em acumular; logo,eles compram bens de investimento (novos equipamentos etc.). Emconcluso: o montante do lucro auferido pelos capitalistas em conjuntovai depender do quanto eles mesmos gastam na compra de bens deconsumo e de investimento. Assim, supondo-se que a capacidade pro-dutiva total da economia dada, o lucro determinado pelo investi-mento e consumo dos capitalistas. E esse lucro s por acaso ser igualao S da equao da oferta.

    Essas concluses, que mais tarde seriam claramente explicadaspor Kalecki, podem ser tiradas diretamente da teoria de Marx (ver,por exemplo, O Capital, v. II, p. I, cap. 4). Todavia, os primeiros se-guidores e estudiosos de Marx no entenderam devidamente sua ex-plicao do problema da realizao no processo de acumulao de ca-

    KALECKI

    11

  • pital. Alguns simplesmente ignoraram ou minimizaram a importnciado problema, e os outros deram as mais diferentes interpretaes. Maso debate que se travou, se no levou a uma concluso geral, pelo menosserviu para assentar certos pontos especficos.

    Por exemplo, Tugan-Baranovski (em seu livro sobre As CrisesIndustriais na Inglaterra, edio russa de 1894 e edio francesa, mo-dificada, de 1913) deixou bem claro duas questes bsicas: 1) o desen-volvimento da economia capitalista depende no apenas da expansodas foras produtivas, mas tambm da ampliao dos mercados paraabsorver a produo; 2) contrariamente tese dos tericos subconsu-mistas, o aumento do consumo (seja dos trabalhadores ou dos capita-listas) no imprescindvel para realizar a crescente produo; estapode ser realizada apenas no setor produtor de equipamentos porexemplo, so produzidas mquinas para produzir mais mquinas parafazer ainda mais mquinas. Tambm Rosa Luxemburg (em A Acumu-lao de Capital, 1913) acentuou o primeiro ponto. Mas no entendeuo segundo; para ela, era necessrio haver um mercado externo (forado sistema capitalista) para absorver a crescente produo e, assim,estimular a acumulao capitalista. Esta uma falsa soluo terica:apesar disso, ao prop-la, Rosa Luxemburg destacou uma questo re-levante para as economias capitalistas: o papel das exportaes e dosgastos pblicos (especialmente com armamentos) no processo de rea-lizao da produo.

    Fora da corrente marxista, poucos foram os economistas, at adcada de 1930, que se interessaram pelo problema da demanda efetiva.Entre esses poucos, destaca-se J. A. Hobson, cuja principal obra sobreo assunto, A Economia do Desemprego, foi publicada em 1923. Hobsonera um terico do subconsumismo: segundo ele, a capacidade produtivada economia crescia mais rapidamente do que a capacidade de consumoda sociedade, e isso acontecia devido m distribuio de renda: deum lado, os trabalhadores, com baixas rendas, no podiam aumentarseu consumo, e de outro lado, os capitalistas, com altas rendas, for-mavam grandes poupanas, acumulavam capital, ampliando cada vezmais a capacidade produtiva.

    A grande crise econmica iniciada em 1929 acabaria por foraro reconhecimento da importncia da demanda efetiva no processo ca-pitalista de produo. verdade que, apesar da dramaticidade comque o problema se apresentava, a esmagadora maioria dos economistasde formao ortodoxa continuou a sustentar opinies apoiadas na leide Say.7 Mas uns poucos, menos apegados ortodoxia, comearam aver o problema. Isso aconteceu simultaneamente com dois grupos de

    OS ECONOMISTAS

    12

    7 Alguns exemplos dessas opinies foram relacionados por HARROD, Roy. The Life of JohnMaynard Keynes. Londres, 1951; KLEIN, Lawrence. The Keynesian Revolution. 2 ed., Lon-dres, 1968; e LEKACHMAN, Robert. The Age of Keynes. Londres, 1968.

  • economistas europeus nos primeiros anos da dcada de 1930. De umlado, R. Frisch, B. Ohlin e principalmente Gunnar Myrdal, mais in-fluenciados pela obra de Knut Wicksell, puseram em discusso as re-laes entre poupana e investimento. Na Inglaterra, John MaynardKeynes (um declarado admirador de Malthus) e alguns discpulos entre os quais Joan Robinson preparavam uma revoluo contra odomnio da lei de Say, o que aconteceu com a publicao, em 1936,da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda de Keynes. Depoisdo aparecimento dessa obra, e graas tambm ao grande prestgio deseu autor nos meios polticos acadmicos ocidentais, o princpio dademanda efetiva foi ganhando aceitao geral.

    Antes, contudo, de surgir a Teoria Geral de Keynes, Kalecki jhavia publicado, em polons, trs estudos8 que constituram, em con-junto, a primeira formulao precisa e sistemtica do papel da demandaefetiva no processo de reproduo capitalista. Nesses estudos pode-seconstatar claramente a influncia de Marx, Tugan-Baranovski e RosaLuxemburg, como o prprio Kalecki o reconhece.9 E a partir deles Ka-lecki foi ampliando e aprimorando suas concepes, que culminaramcom a publicao de sua Teoria da Dinmica Econmica em 1954 da qual falaremos adiante.

    Apesar de sua formao marxista e da originalidade de suas con-cepes, que precederam o aparecimento da Teoria Geral de Keynes,durante muito tempo Kalecki foi identificado como um keynesiano.Na verdade, aconteceu o contrrio: foi ele quem introduziu diversasidias que depois foram adotadas pela chamada Economia Keynesia-na; como escreveu Joan Robinson: Poucos da atual gerao de key-nesianos param para indagar quanto eles devem a Kalecki e quantorealmente a Keynes.10

    A partir da segunda metade da dcada de 1950 e graas divulgao feita, entre outros, por Joan Robinson, Paul Baran, PaulSweezy e Lawrence Klein a originalidade das idias de Kalecki esua formao marxista comearam a ser mais conhecidas. Muitos eco-nomistas marxistas passaram a perceber que a obra de Kalecki sobreas economias capitalistas, embora desprovida do vocabulrio marxistatradicional e com todo o estilo formal e as expresses matemticas,constitua um desenvolvimento do velho problema da realizao.11

    KALECKI

    13

    8 Esses trs estudos so: Esboo de uma Teoria do Ciclo Econmico e Comrcio Internacionale Exportaes Internas, de 1933. e O Mecanismo da Recuperao Econmica, de 1935.O primeiro foi tambm publicado, com verses diferentes, em francs e ingls em 1935.Esses estudos esto includos em Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas. Op. cit.

    9 A esse respeito, ver KALECKI. As Equaes Marxistas de Reproduo e a Economia Mo-derna e O Problema da Demanda Efetiva em Tugan-Baranovski e Rosa Luxemburg. In:Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas.

    10 ROBINSON, Joan. Kalecki and Keynes. In: Problems of Economic Dynamics and Planning.Op. cit.

    11 Como mais tarde escreveu Maurice Dobb (Theories of Value and Distribution since Adam

  • 4) A Teoria da Dinmica Econmica

    A respeito das economias capitalistas, Michal Kalecki elaborouapenas trs livros: Ensaios em Teoria das Flutuaes Econmicas(1939), Estudos de Dinmica Econmica (1943) e Teoria da DinmicaEconmica (1954);12 todos seus outros livros acerca dessas economiasconstituem colees de artigos originalmente publicados em revistase/ou de captulos especficos daqueles trs livros.

    Como o autor esclarece no prefcio da Teoria da DinmicaEconmica, este livro substitui os dois anteriores. Ou seja, emboratrate dos mesmos temas dos outros dois, constitui um novo livro.E isso em trs sentidos: primeiro, porque representa um aprimora-mento; segundo, porque aborda algumas novas questes; terceiro,porque se utiliza de novos dados estatsticos para verificao dosargumentos tericos. Em suma, o ltimo livro constitui a versomais completa das idias de Kalecki sobre o problema da dinmicadas economias capitalistas.

    Assim, os dois livros anteriores representam verses precursoras.Mas no apenas eles: na verdade, quase todos os temas tratados naTeoria da Dinmica Econmica foram sendo aprimorados em sucessivostrabalhos, muitos dos quais publicados como artigos de revistas. Poroutro lado, alguns desses mesmos temas continuaram a ser estudadospor Kalecki depois da publicao da Teoria da Dinmica Econmica.Portanto, para o leitor interessado na evoluo das idias do autor arespeito desses temas, relacionamos, mais adiante, os trabalhos queprecederam e sucederam o referido livro.

    De que trata a Teoria da Dinmica Econmica? Embora seu sub-ttulo seja Ensaio Sobre as Mudanas Cclicas e a Longo Prazo daEconomia Capitalista, o livro abrange tambm o problema da deter-minao do nvel da renda (ou da produo) a curto prazo.

    As economias capitalistas em geral se desenvolvem dentro deum padro cclico: ou seja, elas se expandem, mas com flutuaes pe-ridicas. Assim, a produo ao longo do tempo pode ser representadacomo um movimento ondulatrio, como a curva C na Figura 1. Mas,apesar das flutuaes, a produo continua a crescer; isto , o movi-mento ondulatrio se d em torno de uma tendncia crescente, expressapela reta T na Figura 1. Nesse comportamento das economias capita-listas, possvel separar trs tipos de questes:

    1) por que, num determinado ano, a renda atingiu um certo nvel,

    OS ECONOMISTAS

    14

    Smith. Londres, 1973. p. 221): Quanto a Kalecki (...) sua obra podia, realmente, ser con-siderada uma formalizao do problema da realizao; e, exceto por sua apresentaorigidamente formal e matemtica, os marxistas podiam sentir-se num mundo familiar.

    12 Essays in the Theory of Economic Fluctuations. Londres, Allen & Unwin, 1939; Studies inEconomic Dynamics. Londres, Allen & Unwin, 1943; Theory of Economic Dynamics. Londres,Allen & Unwin, 1954.

  • e no outro nvel qualquer? Ou, por exemplo, para usar a Figura 1,por que, no ano ti , a renda alcanou o nvel Ri?;

    2) por que a renda oscila ao longo do tempo? Ou, por que a rendaapresenta o movimento descrito pela curva C?;

    3) por que a renda cresce? Ou, como explicar a tendnciacrescente T?

    claro que essas trs questes esto estreitamente relacionadas.Mais do que isso; a longo prazo trata-se de um nico problema: comoexplicar o comportamento da produo no decorrer do tempo? A expli-cao geral para essa pergunta responderia simultaneamente as trsreferidas questes: a tendncia crescente da produo, seu movimentocclico e o nvel atingido em cada ano, tendo em vista que, ao longodo tempo, o comportamento da produo nada mais do que umasucesso de produes anuais. Metodologicamente, contudo, possvelseparar o problema geral nas trs questes especficas, e isso o quetem sido feito na Cincia Econmica. A primeira questo usualmenteconhecida como determinao do nvel da renda (ou, em termos maisgerais, da atividade econmica) e constitui um problema de estticaeconmica, pois no envolve mudanas ao longo do tempo: trata-sede explicar o nvel da renda num nico momento (isto , num ano).As duas outras questes so de dinmica econmica: em ambas oobjeto de estudo so exatamente as variaes do nvel de renda aolongo do tempo. Mas essas duas questes se diferenciam pelo fato deque o objeto de estudo, em uma delas, so as mudanas cclicas e, naoutra, o crescimento da renda.

    Essas duas questes de dinmica econmica tm sido estudadasseparadamente. A anlise dos ciclos e a do crescimento econmico ra-ramente so integradas numa nica teoria. Elas chegam mesmo a cons-tituir dois captulos em separado da Cincia Econmica. Sua no-in-tegrao se deve a duas razes bsicas. A primeira decorre de injuneshistricas e mesmo do modismo. Assim, por exemplo, durante e at

    KALECKI

    15

  • muitos anos depois da grande crise econmica de 1929/33, surgiu umavasta literatura sobre os ciclos; depois, quando as economias capitalistasentraram num ritmo de firme expanso, a tnica se deslocou para ateoria de crescimento (nessa poca, a elaborao de modelos de cres-cimento econmico virou moda, e alguns autores chegaram a falar dofim dos ciclos); na dcada de 1970, quando as economias capitalistasvoltaram a apresentar acentuadas flutuaes, as teorias dos ciclos foramressuscitadas.

    A segunda razo est na dificuldade de integrar consistentementenuma nica formulao terica o problema dos ciclos e o do crescimento.Essa dificuldade se torna maior quando, como no caso de Kalecki, aexplicao terica apresentada sob a forma de um modelo matemtico.

    O objetivo da Teoria da Dinmica Econmica o de explicarcomo, nas economias capitalistas, sendo dadas suas condies prpriasde produo, a renda nacional e cada um de seus componentes (lucrose salrios, pelo ngulo da renda, e consumo e investimento, pelo prismada despesa) so determinados.

    Determinao de Lucros, Salrios e Renda Nacional. De acordocom Kalecki, o volume total de lucros num dado ano determinadopelo investimento, consumo dos capitalistas, dficit oramentrio doGoverno e saldo de exportaes (ver captulo 3). Se, para simplificar,exclumos estas duas ltimas grandezas, temos: lucros = investimentos+ consumo dos capitalistas. Ou seja, como j havia sido indicado porMarx, os lucros realizados pelos capitalistas como um todo so tantomaiores quanto mais eles investem e consomem.

    De que depende, por sua vez, o volume total de salrios? Se ataxa de salrio (isto , o salrio por trabalhador) no se altera, ento,quanto maior a produo, maior o emprego de fora de trabalho e,portanto, maior o montante de salrios; logo, este ltimo depende daproduo. Esta pode ser dividida em trs setores: o setor I produz bensde investimento, o II produz bens de consumo para os capitalistas, eo III produz bens de consumo para os trabalhadores. A produo desteltimo setor vai depender do montante de salrios; supondo-se que ostrabalhadores no poupam, ento, quanto maior esse montante, maiora compra e, assim, a produo de bens do setor III. Se o volume desalrios depende da produo, mas, por outro lado, a produo do setorIII depende daquele, isso significa que ele determinado pela produodos setores I e II: o aumento da produo nesses dois setores implicao crescimento de seu volume de emprego e de salrios; esse acrscimode salrios, por seu turno, vai provocar o aumento da produo, doemprego e do montante de salrios no setor III. Assim, o volume totalde salrios determinado tambm pelo investimento e consumo doscapitalistas.

    OS ECONOMISTAS

    16

  • Se essas duas grandezas determinam tanto os lucros como ossalrios, e sendo a renda nacional igual soma de lucros e salrios,ento elas tambm determinam a renda nacional. Mas, preciso ob-servar, essa concluso s vlida se supomos que a distribuio darenda entre salrios e lucros no se altera. Para sermos mais exatos:o montante de salrios e a renda nacional dependem no apenas doinvestimento e consumo dos capitalistas, mas tambm da repartioda renda entre salrios e lucros na economia como um todo.

    Consideremos um aumento no investimento e no consumo doscapitalistas, isto , na produo dos setores I e II. Os lucros tero umigual acrscimo. Mas o aumento no montante de salrios vai dependerda distribuio da renda nos trs setores. Se, ao crescer a produodos setores I e II, a repartio da renda no se alterar, ento o montantede salrios crescer na mesma proporo dos lucros; se a repartiose modificar em benefcio destes ltimos, ento o volume de salrioscrescer menos. Enfim, o montante de salrios depende no s do in-vestimento e do consumo dos capitalistas, mas tambm da repartioda renda. O mesmo acontece com a renda nacional.

    Distribuio de Renda. Constatada a importncia da distribuioda renda na determinao do produto nacional, cabe explicar a prpriadistribuio. com a anlise desse problema que Kalecki inicia seulivro. Na economia como um todo, a repartio da renda constitui amdia ponderada da repartio nos diferentes ramos produtivos. E,em cada ramo, a distribuio funo de dois fatores: 1) o grau demonoplio e 2) a relao entre o custo dos insumos materiais e ossalrios. Quanto maior o grau de monoplio, maior o preo (e, dentrodele, o lucro) que uma indstria pode cobrar por sua mercadoria emrelao ao custo de sua produo (onde se incluem o custo dos insumose os salrios); logo, maiores so os lucros em relao aos salrios, isto, maior a participao dos lucros na renda gerada. Em segundolugar, quanto maior o custo dos insumos em relao aos salrios, ecomo os lucros so auferidos sobre a soma de insumos e salrios, entomaiores so os lucros em relao aos salrios (ver captulo 2).

    Formao de Preos. O ponto fundamental dessa explicao dadistribuio da renda o problema do grau de monoplio, o qual implicatoda uma teoria da formao dos preos. Por isso mesmo que Kalecki,antes de formular aquela explicao, trata de estabelecer sua teoriada formao de preos (ver captulo 1).

    Em seus primeiros trabalhos de Economia, de 1928 a 1932, Ka-lecki estudou muitos casos reais de produo e comercializao de mer-cadorias e pde observar a ao monopolista das empresas sobre osmercados. Por isso, ele jamais aceitou a teoria neoclssica dos preos,apoiada no princpio da concorrncia perfeita, e viu-se obrigado a for-

    KALECKI

    17

  • mular sua prpria teoria, no que foi influenciado pelas obras pioneirasde Sraffa, Chamberlin e Joan Robinson sobre o tema.13 Sua teoria a seguinte: excetuando a agricultura (onde os produtos so pouco di-ferenciados e, a curto prazo, a oferta rgida, e onde, portanto, ospreos so determinados pela demanda), nos demais setores existe re-serva de capacidade produtiva, e as empresas seja pela concentraoindustrial ou seja pela propaganda, diferenciao real ou fictcia desuas mercadorias etc. detm poder sobre seus mercados para fixaremos preos de seus produtos. Para isso, cada empresa toma por baseseu custo mdio de produo (insumos e salrios) e acrescenta suamargem de lucro, levando em conta o preo mdio das outras firmas.Quanto maior o domnio sobre o mercado isto , o grau de monoplio por parte de uma empresa, maior ser o preo por ela fixado para seuproduto em relao a seu custo mdio e, portanto, maior ser seu lucro.

    A concepo de Kalecki sobre o processo de formao dos preosfoi publicada pela primeira vez em 1938 e a partir da, em sucessivostrabalhos, foi sendo aprimorada. Mas at hoje continua sendo um dospontos mais discutidos de toda sua obra sobre as economias capitalistas e nem poderia deixar de ser assim, visto contrariar frontalmente ateoria neoclssica dos preos, que o mito mais sagrado dessa correntedo pensamento econmico, dominante no mundo ocidental. De qualquermodo, aceitando-a ou no, no todo ou em parte, um fato tem de serreconhecido: ao relacionar estreitamente a determinao do produtonacional com a distribuio de renda e com o processo de formaodos preos, Kalecki conseguiu integrar numa s teoria trs problemasque na Cincia Econmica ortodoxa so usualmente tratados emseparado (haja vista a tradicional separao da Macroeconomia eda Microeconomia).

    Importncia Fundamental do Investimento. Podemos voltar agoraao problema da determinao do nvel da atividade econmica. J dis-semos que os lucros dos capitalistas como um todo num ano qualquerso formados pelos gastos dos prprios capitalistas em investimento econsumo nesse mesmo ano. Alm disso, sendo dada a distribuio darenda entre lucros e salrios, aquelas duas grandezas determinam tam-bm o montante de salrios e o produto nacional. Assim, o investimentoe o consumo dos capitalistas (juntamente com o dficit oramentriodo Governo e o saldo de exportaes, que temos omitido para simplificara exposio) constituem as variveis fundamentais na determinaodo nvel da atividade econmica.

    Todavia, como mostra Kalecki no captulo 4, tambm o consumo

    OS ECONOMISTAS

    18

    13 SRAFFA, Piero. The Laws of Returns under Competitive Conditions. In: Economic Journal.Dezembro de 1926; CHAMBERLIN, E. H. The Theory of Monopolistic Competition. 1932;ROBINSON, Joan. Economics of Imperfect Competition. 1933.

  • dos capitalistas num ano qualquer depende dos investimentos efetuadosem anos anteriores. Logo, considerando a questo de modo dinmico,isto , ao longo do tempo, a varivel realmente estratgica o inves-timento. essa varivel que determina o nvel da renda nacional numdado ano e suas variaes (ciclos e crescimento) no decorrer do tempo.As relaes entre a renda nacional (tanto seu nvel como sua variao)e o investimento so examinadas no captulo 5.

    Taxas de Juros. Estabelecido o papel estratgico do investimento,cabe encontrar seus determinantes. Antes, porm, de entrar nesse as-sunto, Kalecki faz uma parada para analisar as taxas de juros de curtoprazo (captulo 6) e de longo prazo (captulo 7). Do modo como seencontram, sem maiores explicaes acerca de suas ligaes com otema central (a no ser na ltima pgina do captulo 7), esses doiscaptulos parecem estar meio perdidos no livro. Mas no esto. Deacordo com muitos autores (tanto clssicos como neoclssicos, e tambmSchumpeter e Keynes, embora baseados em supostos diferentes), ataxa de juros assume grande importncia na determinao do inves-timento: este variaria em sentido contrrio ao da taxa de juros. O queKalecki se prope nesses dois captulos refutar essa concepo. Paraisso, antes de tudo, ele separa as taxas de juros de curto prazo e asde longo prazo (o que raramente feito pelos outros autores); e issodeve ser feito porque os emprstimos para investimentos so efetuadosa taxas de longo prazo. A concluso de Kalecki a seguinte: as taxasde curto prazo apresentam grandes oscilaes, mas as de longo prazo(as que efetivamente importam no problema em pauta) permanecemrelativamente estveis durante perodos de tempo razoavelmentelongos (por exemplo, no decorrer de todo um ciclo econmico de oitoa dez anos) e, portanto, tm muito pouca influncia no processo deinvestimento.

    Capital Empresarial como Limite do Investimento. Muitas teoriastratam o investimento como se este fosse acessvel a qualquer indivduodisposto a arriscar-se num empreendimento produtivo, o que caracte-rizaria, nas palavras de Kalecki, um estado de democracia econmicaonde qualquer pessoa dotada de habilidade empresarial pode obtercapital para iniciar um negcio. A realidade, contudo, no esta. Aquase totalidade dos investimentos efetuada por pessoas (fsicas oujurdicas) que j so proprietrias de capital. Logo, ao tratar dos de-terminantes do investimento, preciso levar em conta esse fato, comoo faz Kalecki (ver captulo 8).

    A propriedade de capital por parte de uma empresa o capitalempresarial que limita o montante de investimento que a empresapode efetuar. E isso por dois motivos: 1) quanto maior for seu capitalprprio, a empresa ter maior acesso ao mercado de crdito, isto ,

    KALECKI

    19

  • poder obter maiores emprstimos para investimento; 2) dado o graude risco assumido pela empresa, o montante de emprstimos que elapode tomar para investimento vai depender de seu capital prprio.Trata-se, nesse segundo caso, da aplicao daquilo que Kalecki deno-minou (em estudo anterior) de princpio do risco crescente: ao tomaremprstimos para investimento, o risco assumido pela empresa, emcaso de fracasso, ser tanto maior quanto maior for o valor dos em-prstimos em relao ao valor de seu capital prprio. Assim, com ummesmo grau de risco, as empresas maiores podem recorrer a maisemprstimos do que as empresas menores.

    Determinantes do Investimento. Deixemos de lado a acumula-o de estoques que, para Kalecki, pode ser considerada uma funoda variao do volume de produo. Assim, o investimento se refereapenas acumulao de capital fixo. Seu montante, num dado mo-mento, depende de trs fatores: a disponibilidade de recursos fi-nanceiros prprios, a variao nos lucros e a variao no estoquede capital fixo. Alm dessas trs variveis, na equao dos deter-minantes do investimento includo um outro fator, consideradorelativamente constante ao longo do tempo; assim, independente-mente das trs variveis, haveria sempre um certo montante deinvestimento decorrente desse fator, o qual refletiria a soma de ou-tras diversas influncias principalmente das inovaes tecnol-gicas sobre o processo de investimento.

    Os referidos recursos financeiros so constitudos pela poupanabruta das empresas (isto , os lucros brutos no distribudos) e pelapoupana pessoal dos proprietrios que controlam as empresas. Essesso os recursos de que elas dispem para investimento sem precisaremrecorrer ao mercado de capitais. Quanto maior o volume desses recur-sos, maior deve ser o montante do investimento; primeiro, porque asempresas no podem deix-los simplesmente ociosos e, portanto, ten-dem a convert-los em investimento; segundo, porque eles aumentamo capital prprio das empresas (de que falamos antes), e, assim, am-pliam o acesso ao mercado de capitais.

    O investimento efetuado pelas empresas num dado momento podeser menor, igual ou maior do que o volume de seus recursos financeirosprprios, dependendo da atuao dos outros dois fatores no momentoanterior: a elevao dos lucros influencia positivamente, mas o aumentodo estoque de capital fixo tem uma influncia negativa. A simplesexpanso dos lucros no basta para justificar o investimento; se, nomomento anterior, as empresas tinham capacidade ociosa mas, apesardisso, o estoque de capital cresceu, ento no momento presente elasno precisam investir apenas porque a produo e, com esta, o volumede lucros aumentaram: no momento presente elas podem continuar aproduzir mais, sem ampliar seu capital fixo (isto , sem investir), sim-

    OS ECONOMISTAS

    20

  • plesmente aproveitando-se da capacidade ociosa existente. Em suma, preciso levar em conta a variao tanto do lucro como do estoque decapital fixo.

    Essa teoria apresenta diversos pontos fracos, entre os quais doismerecem destaque: 1) a influncia do progresso tcnico no ressaltada,permanecendo embutida numa constante adicionada equao dos de-terminantes do investimento; 2) no se explica por que os capitalistascontinuam a investir (a ampliar seu capital fixo) apesar da existnciade considervel margem de capacidade produtiva ociosa. Kalecki estciente das deficincias de sua teoria, e por isso mesmo continuou aestudar o problema. Poucos anos antes de sua morte, publicou umtrabalho onde apresentou uma nova explicao dos determinantes doinvestimento, eliminando aqueles dois pontos fracos. De acordo comessa explicao, o estmulo ao investimento decorre da concorrnciaentre os capitalistas: um capitalista levado a introduzir inovaestecnolgicas e, portanto, a investir (visto que as inovaes esto em-butidas nos novos equipamentos de capital), apesar da existncia decapacidade ociosa, para captar lucros auferidos por seus concorrentes(ver o ensaio Tendncia e Ciclo Econmico em Crescimento e Ciclodas Economias Capitalistas).

    Ciclos e Crescimento. As duas ltimas partes da Teoria da Di-nmica Econmica tratam separadamente dos ciclos (captulo 11 a 13)e do crescimento (captulos 14 e 15). O problema dos ciclos, relacionadoao dos determinantes do investimento, foi o que mais exigiu o esforointelectual de Kalecki em toda sua vida. Ele publicou um grande n-mero de trabalhos sobre o tema (relacionados mais adiante), tendoelaborado diversos modelos dos ciclos. Seu ltimo modelo est no ensaioTendncia e Ciclo Econmico acima citado; seu penltimo modelo o que est includo na Teoria da Dinmica Econmica.

    Ao fazer e refazer seus modelos, a preocupao de Kalecki eraa de encontrar uma explicao dos ciclos que fosse a mais realistapossvel. Assim, seus primeiros modelos adotavam a hiptese dos ciclospuros, ou seja, ciclos desprovidos de tendncia, como se as flutuaesda produo se dessem ao longo de uma linha horizontal (por exemplo,na Figura 1 a reta T seria horizontal e no ascendente). J em seulivro Studies in Economic Dynamics (1943), Kalecki leva em conta atendncia, e essa nova forma de abordagem foi aprimorada na Teoriada Dinmica Econmica e em um artigo posterior, mas Kalecki con-tinuou insatisfeito por no ter integrado o ciclo e o crescimento eco-nmico num nico modelo. Por isso mesmo, ele voltou a apresentaruma nova formulao, no j citado ensaio Tendncia e Ciclo Econmico(1968), onde advertiu: Eu mesmo abordei esse problema em minhaTeoria da Dinmica Econmica e em minhas Observaes sobre aTeoria do Crescimento de um modo que agora no considero inteira-

    KALECKI

    21

  • mente satisfatrio: comecei desenvolvendo uma teoria do ciclo eco-nmico puro numa economia estacionria e depois modifiquei asrespectivas equaes para introduzir a tendncia. Com essa sepa-rao das influncias de curto e longo prazos, deixei de levar emconta certas repercusses do progresso tcnico que afetam o processodinmico como um todo. Tentarei agora no dividir minha anlisenessas duas etapas.14

    Ou seja, na Teoria da Dinmica Econmica, da equao dos de-terminantes do investimento (da qual constam os trs fatores antesmencionados: a poupana interna bruta das empresas, o aumento doslucros e o aumento do estoque de capital fixo), seu autor deriva aequao do ciclo econmico; todavia, para obter a tendncia, ele obri-gado a introduzir de fora um novo fator: as inovaes tecnolgicas.J no referido ensaio, o progresso tcnico passa a ser o principal de-terminante do investimento, e da que Kalecki obtm tanto a equaodo ciclo como a da tendncia.

    Apesar de Kalecki ter formulado diversos modelos de ciclos, seuprincpio bsico sempre o mesmo. A varivel estratgica na explicaodo nvel da atividade econmica, seja num ano ou seja ao longo dotempo, o investimento. essa varivel que, atravs do seu efeitomultiplicador, determina o volume geral dos gastos (isto , da demandaefetiva) e, assim, a renda nacional num dado ano. essa varivel que,adicionada ao existente estoque de capital, amplia a capacidade pro-dutiva e permite o crescimento econmico de longo prazo. Por fim, essa varivel que, com suas oscilaes, gera os ciclos econmicos. Esuas oscilaes decorrem do carter sui generis do investimento; comoescreveu Kalecki em 1939. Vemos que a pergunta Que causa as crisesperidicas? poderia ser respondida brevemente: o fato de que o in-vestimento no apenas produzido mas tambm produtor. O inves-timento considerado como despesa a fonte de prosperidade, e cadaaumento dele melhora os negcios e estimula uma posterior elevaodo investimento. Mas, ao mesmo tempo, cada investimento uma adioao equipamento de capital, e desde logo compete com a gerao maisvelha desse equipamento. A tragdia do investimento que ele causacrise porque til. Sem dvida, muitas pessoas consideraro paradoxalessa teoria. Mas no a teoria que paradoxal, e sim seu objeto: aeconomia capitalista.15

    5) Trabalhos Relacionados com a Teoria daDinmica Econmica

    Como dissemos anteriormente, Kalecki publicou, antes e depois

    OS ECONOMISTAS

    22

    14 KALECKI. Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas. p. 105 e 106.15 KALECKI. Essays in the Theory of Economic Fluctuations. p. 148 e 149.

  • de sua Teoria da Dinmica Econmica, muitos trabalhos que tratamdos mesmos temas contidos neste livro, e a leitura de alguns delespode ajudar consideravelmente no entendimento do livro.16

    1. Grau de Monoplio e Distribuio da Renda

    Trabalhos anteriores Teoria da Dinmica Econmica, por ordemcronolgica:

    1.1. The Determinants of Distribution of the National Income. In:Econometrica. Abril de 1938. p. 97-112;

    1.2. The Distribution of the National Income. Captulo dos Essays;

    1.3. Money and Real Wages. Captulo dos Essays. Em portugus,Salrios Nominais e Reais. In: Kalecki;

    1.4. Place Nominalne e Realne (Varsvia, 1939), cujo captulo terico,sob o ttulo de Salrios Nominais e Reais, se encontra em Cres-cimento e Ciclo;

    1.5. The Supply Curve of an Industry under Imperfect Competition.In: Review of Economic Studies. Fevereiro de 1940. p. 91-112;

    1.6. The Theory of Long-Run Distribution of the Production of Indus-try. In: Oxford Economic Papers. Junho de 1941. p. 31-41;

    Trabalho posterior:

    1.7. Class Struggle and the Distribution of National Income. In: Ky-klos. n 1, 1971. p. 1-9. Em portugus: Luta de Classe e Distri-buio da Renda Nacional. In: Crescimento e Ciclo.

    2. Determinantes dos Lucros e da Renda Nacional

    Trabalhos anteriores Teoria da Dinmica Econmica:

    2.1. O Handlu Zagranicznym i eksporcie wewnetrznym. In: Ekono-

    KALECKI

    23

    16 Em nossa relao desses trabalhos, os ttulos dos livros Essays in the Theory of EconomicFluctuations, Studies in Economic Dynamics e Crescimento e Ciclo das Economias Capita-listas, j citados, sero resumidos para Essays, Studies e Crescimento e Ciclo, respectiva-mente. O volume referente a Kalecki na Coleo Grandes Cientistas Sociais da Editoratica, tambm j mencionado, ser indicado como Kalecki.

  • mista. n 3 de 1933. p. 27-35. Em portugus: Comrcio Interna-cional e Exportaes Internas. In: Crescimento e Ciclo;

    2.2. Investment and Income. Captulo dos Essays;

    2.3. A Theory of Profits. In: Economic Journal. Junho-setembro de1942. p. 258-267.Posterior:

    2.4. The Marxian Equations of Reproduction and Modern Economics.In: Social Sciences Information, n 6, 1968. p. 73-79. Em portu-gus: As Equaes Marxistas de Reproduo e a Economia Mo-derna. In: Crescimento e Ciclo.

    3. Taxas de Juros

    3.1. The Long-Term Rate of Interest. Captulo dos Essays;

    3.2. The Short-Term Rate and the Long-Term Rate. In: Oxford Eco-nomic Papers. Setembro de 1940. p. 15-22.

    4. Determinantes do InvestimentoOs estudos sobre os determinantes do investimento fazem parte

    dos trabalhos sobre os ciclos econmicos (abaixo relacionados), comuma exceo:

    4.1. The Principle of Increasing Risk. In: Economica. Novembro de1937. p. 440-447; e uma nova verso nos Essays.

    5. Ciclo e Crescimento EconmicoEstudos anteriores Teoria da Dinmica Econmica:

    5.1. Prba-Teorii Koniunktury. Varsvia, 1933. A parte terica dessepequeno livro foi posteriormente publicada em separado. Suatraduo, Esboo de uma Teoria do Ciclo Econmico, se en-contra em Crescimento e Ciclo. Duas verses dessa parte tericaforam publicadas, uma em francs e outra em ingls: Essaidune Thorie du Mouvement Cyclique des Affaires. (In: Revuedconomie Politique. n 2, 1935. p. 285-305); e A Macrody-namic Theory of Business Cycles. In: Econometrica. n 3. 1935.p. 327-344;

    5.2. Istota Propawy Koniunkturalnej. In: Polska Gospodarcza. n 43,1935. p. 1320-1324. Em portugus: O Mecanismo da RecuperaoEconmica. In: Crescimento e Ciclo e tambm em Kalecki;

    OS ECONOMISTAS

    24

  • 5.3. A Theory of the Business Cycles. In: Review of Economic Studies.Fevereiro de 1937. p. 77-97;

    5.4. A Theory of the Business Cycle. Captulo dos Essays e que cor-responde a uma edio modificada do trabalho anterior;

    5.5. Business Cycle and Trend. Segunda parte dos Studies;

    5.6. A New Approach to the Problem of Business Cycles. In: Reviewof Economic Studies. n 2, 1949. p. 57-64.

    Trabalhos posteriores:

    5.7. Observations on the Theory of Growth. In: Economic Journal.Maro de 1962. p. 134-153;

    5.8. Trend and Business Cycles Reconsidered. In: Economic Journal.Junho de 1968. p. 263-276. Em portugus: Tendncia e CicloEconmico. In: Crescimento e Ciclo;

    5.9. Theories of Growth in Different Social Systems. In: Scientia.Maio-junho de 1970. p. 311-316. Em portugus: Teorias do Cres-cimento em Diferentes Sistemas Sociais. In: Crescimento e Ciclo.

    Finalmente, um outro trabalho tambm deve ser mencionado,por apresentar uma abordagem inteiramente diversa das anteriores.Nesse trabalho, publicado em 1943, Kalecki prev o carter polticoque os ciclos econmicos teriam depois da Segunda Guerra Mundial:

    5.10. Political Aspects of Full Employment. In: Political Quarterly.n 4, 1943. p. 322-331. Em portugus: Os Aspectos Polticos doPleno Emprego. In: Crescimento e Ciclo.

    Jorge Miglioli

    Jorge Miglioli, nascido em 1935, licenciado em Cincias Sociais pelaUniversidade Federal do Rio de Ja-neiro, doutor em Cincias Econmi-cas pela Escola Central de Planifi-cao e Estatstica de Varsvia (Po-lnia) e livre-docente em Economiapela Universidade Estadual de Cam-pinas, onde Professor titular do De-partamento de Economia e Planeja-

    KALECKI

    25

  • mento Econmico. Publicou os se-guintes livros: Tcnicas Quantitati-vas de Planejamento (1976); Acumu-lao de Capital e Demanda Efetiva(1981); Introduo ao PlanejamentoEconmico (1982). Alm de ter edi-tado: Michal Kalecki, Crescimento eCiclo das Economias Capitalistas(1977); Kalecki (Grandes CientistasSociais, 1980).

    OS ECONOMISTAS

    26

  • MICHAL KALECKI

    TEORIA DA DINMICA ECONMICA*

    ENSAIO SOBRE AS MUDANAS CCLICAS E ALONGO PRAZO DA ECONOMIA CAPITALISTA

    Traduo de Paulo de Almeida

    * Traduzido do original ingls: Theory of Economic Dynamics An Essay on Ciclical andLong-Run Changes in Capitalist Economy. 2 ed. revista. Londres. George Allen & Unwin,1965.

  • PREFCIO

    Este livro est sendo publicado em lugar de uma segunda ediode meus Essays in the Theory of Economic Fluctuations (Ensaios sobrea Teoria das Flutuaes Econmicas) e de meus Studies in EconomicDynamics (Estudos de Dinmica Econmica). Trata-se, contudo, de umlivro essencialmente novo. Apesar de cobrir a mesma rea que foi objetodos dois livros anteriores e de as idias bsicas no terem sofridomuitas modificaes, a apresentao e mesmo a argumentao passa-ram por alteraes substanciais. Ademais, em alguns casos, principal-mente nos captulos 13 e 14, foram incorporados novos elementos. Tam-bm o escopo das ilustraes de carter estatstico foi bastante am-pliado, tendo sido utilizados novos materiais estatsticos a que se teveacesso posteriormente publicao de minhas obras anteriores.

    Convm tambm salientar que nas anlises estatsticas foi em-pregado o mtodo dos mnimos quadrados. Esse procedimento podeparecer algo grosseiro luz dos desenvolvimentos mais recentes dastcnicas estatsticas. Deve-se observar, contudo, que o propsito daanlise estatstica aqui encetada mostrar a plausibilidade das relaesentre variveis econmicas a que se chegou teoricamente e no obteros coeficientes mais provveis dessas relaes. Espera-se que as pre-caues tomadas na aplicao de nosso instrumental estatstico simples(principalmente na anlise dos determinantes do investimento) tenhamsido adequadas para obter uma primeira aproximao que sirva parafins ilustrativos.

    Faz-se aqui uso freqente de frmulas, mas, a par disso, foi rea-lizado um esforo em alguns casos mesmo em detrimento da preciso no sentido de se aplicar apenas a matemtica elementar.

    Sou muito obrigado Sra. Ting Kuan Shu-Chuang e ao Sr. ChangTse-Chun por suas valiosas sugestes com relao ao melhoramentoda apresentao do livro e por sua ajuda nas pesquisas estatsticas.

    M. KaleckiFevereiro de 1952

    29

  • PARTE PRIMEIRA

    GRAU DE MONOPOLIZAO EDISTRIBUIO DA RENDA

  • 1Custo e Preos

    Preos determinados pelo custo e preosdeterminados pela demanda

    As alteraes de preos a curto prazo podem ser classificadasem dois grupos principais: as que so determinadas principalmentepor modificaes do custo da produo e as que so determinadas prin-cipalmente por modificaes da demanda. De modo geral, as alteraesde preo dos produtos acabados so determinadas pelo custo, enquantoas alteraes de preo das matrias-primas, inclusive produtos alimen-tcios primrios, so determinadas pela demanda. Claro est que opreo dos produtos acabados afetado por quaisquer mudanas de-terminadas pela demanda ocorridas nos preos das matrias-primas,mas atravs dos custos que essa influncia transmitida.

    evidente que cada um desses dois tipos de formao de preossurge de condies diferentes de oferta. A produo de bens acabados elstica devido existncia de reservas de capacidade produtiva. Quandoa demanda aumenta, o acrscimo atendido principalmente por umaelevao do volume de produo, enquanto os preos tendem a permanecerestveis. As alteraes de preos que porventura se verificarem resultaroprincipalmente de modificaes do custo de produo.

    J quanto s matrias-primas, a situao diferente. necessrioum perodo de tempo relativamente grande para se conseguir um au-mento da oferta de produtos agrcolas. O mesmo se pode dizer comrelao minerao, embora a coisa aqui se d em grau menor. Man-tendo-se a oferta inelstica durante um perodo de tempo curto, umaelevao da procura motiva uma diminuio dos estoques e, conse-qentemente, um aumento dos preos. O movimento inicial dos preospode ser intensificado pela incluso de um elemento especulativo. Asmercadorias em questo normalmente so padronizadas e se acham

    33

  • sujeitas a cotao na bolsa de mercadorias. Um aumento primrio naprocura, motivando uma elevao dos preos, faz-se freqentementeacompanhar por uma procura secundria de carter especulativo. Issotorna ainda mais difcil, a curto prazo, que a produo se equilibrecom a demanda.

    Este captulo tratar principalmente do estudo da formao dospreos determinados pelo custo.

    Fixao do preo por uma firma

    Consideremos uma firma com um dado capital fixo. Supe-se quea oferta seja elstica, isto , que a firma opere com capacidade ociosae que os custos diretos (custos de materiais e salrios os ordenadosse incluem nos custos indiretos) por unidade produzida sejam estveispara a amplitude relevante da produo.17 Diante das incertezas comque se defronta o processo de fixao de preos, no iremos supor quea firma recorra a alguma medida em particular na procura de maxi-mizar seus lucros. No entanto, suporemos que o nvel efetivo dos custosindiretos no influencia diretamente a determinao do preo, umavez que o total dos custos indiretos permanece mais ou menos estvelcom relao s variaes da produo. Assim sendo, o nvel de produoe de preos no qual se supe que a soma dos custos indiretos mais oslucros alcance o ponto mais elevado ao mesmo tempo o nvel quepode ser considerado o que mais favorece os lucros. (Contudo, tardeiremos ver que o nvel dos custos indiretos pode ter uma influnciaindireta sobre a formao dos preos.)

    Para fixar os preos, a firma leva em considerao a mdia deseus custos diretos e os preos de outras firmas que fabricam produtossimilares. A firma tem que evitar que o preo se eleve demasiado comrelao aos preos das outras firmas, j que se isso sucedesse as vendasse reduziriam drasticamente. preciso tambm, por outro lado, evitarque o preo se torne demasiado baixo com relao mdia dos custosdiretos, porquanto isso reduziria drasticamente a margem de lucro.Assim, quando o preo p determinado pela firma com relao aocusto direto unitrio u, preciso tomar cuidado para que a razo entrep e a mdia ponderada dos preos de todas as firmas, p

    __

    18, no se tornealta demais. Se u aumenta, p pode ser aumentado proporcionalmentesomente se p

    __

    aumenta menos que u. Mas se p aumenta menos que u,

    OS ECONOMISTAS

    34

    17 Na verdade, os custos diretos unitrios caem um pouco, em muitos casos, medida quea produo aumenta. Fizemos abstrao dessa complicao, que no de grande importnciano caso. A suposio, feita em 1939, em meus Essays in the Theory of Economic Fluctuations,de uma curva de custos diretos e curto prazo quase horizontal, tem sido comprovada desdeento por muitas pesquisas empricas e tem desempenhado, explcita ou implicitamente,um papel importante na pesquisa econmica. Cf., por exemplo, LEONTIEF, W. W. TheStructure of American Economy. Harvard University Press, 1941.

    18 Ponderado pelas respectivas produes, inclusive pela da firma em questo.

  • o preo da firma p tambm subir menos do que u. Essas condiesse acham claramente expressas na frmula

    p = mu + np__

    onde tanto m como n so coeficientes positivos.Aceitamos que n < 1, pelo seguinte motivo: no caso onde o preo

    p da firma focalizada igual ao preo mdio p__

    temos:

    p = mu + np (1)

    de onde se conclui que n tem que ser menor que a unidade.Os coeficientes m e n, que caracterizam a poltica de fixao de

    preos da firma, refletem aquilo que podemos chamar de grau de mo-noplio da posio da firma. De fato, fica claro que a equao (1) retratauma formao de preos semimonopolstica. A elasticidade da ofertae a estabilidade dos custos diretos unitrios sobre a amplitude relevanteda produo incompatvel com a assim chamada concorrncia perfeita.Ora, se predominassem condies de concorrncia perfeita, o excedentedo preo p sobre os custos diretos unitrios u levaria a firma a aumentara produo at o ponto em que se eliminasse totalmente a capacidadeociosa. Assim, qualquer firma que ficasse no ramo chegaria ao plenoemprego dos fatores de produo, sendo que o preo subiria at o nvelem que se equilibrariam oferta e procura.

    Ser interessante apresentar um grfico demonstrando as modi-ficaes do grau de monopolizao. Dividamos a equao (1) pelo custodireto unitrio u:

    pu

    = m + np__

    u

    Esta equao se acha representada no grfico 1, onde p__

    u a

    abscissa e

    Grfico 1. Modificao no grau de monoplio.

    KALECKI

    35

  • pu

    a ordenada, pela reta AB. A inclinao de AB menor do que 45

    porque n < 1. A posio dessa reta que completamente determinadapor m e n indica o grau de monopolizao. Quando, devido a umamodificao de m e n, a reta deslocar-se para cima, da posio ABpara a posio AB, ento a um dado preo mdio p

    __

    e custo diretounitrio u corresponder um preo mais elevado p da firma sobre a

    amplitude relevante de p__

    u. Diremos nesse caso que o grau de monopo-

    lizao aumentou. Quando, por outro lado, a reta deslocar-se para baixoat a posio AB, diremos que o grau de monopolizao diminuiu(supomos que m e n sempre se modificam de forma tal que nenhumadas linhas correspondentes a vrias posies de AB cruza outra sobre

    a amplitude relevante de p__

    u).

    Podemos agora demonstrar uma proposio que se reveste decerta importncia no que diz respeito a nossa argumentao futura.Consideremos os pontos de interseo P, P, P das retas AB,AB, AB com a linha OK cortando a origem a 45. claro que quantomaior o grau de monopolizao, mais longa ser a abscissa traada apartir do respectivo ponto de interseo. Ora, esse ponto determinadopelas equaes:

    pu

    = m + np__

    u e

    pu

    =p__

    u .

    Conclui-se que a abscissa do ponto de interseo igual a m

    1 n. Por

    conseguinte, um aumento de m

    1 n se refletir em um grau mais elevado

    de monoplio e vice-versa.Neste tpico e no seguinte, a argumentao quanto influncia

    do grau de monopolizao sobre a formao de preos de carterbastante formal. As razes que na prtica levam a modificaes dograu de monopolizao sero examinadas mais adiante.

    Formao de preos num ramo da indstria:um caso especial

    Podemos iniciar o debate da determinao do preo mdio emum ramo da indstria, tomando um caso em que os coeficientes m en so os mesmos para todas as firmas, mas onde os custos diretosunitrios u so diferentes. Temos, ento, com base na equao (1):

    p1 = mu1 + np__

    p2 = mu2 + np__

    OS ECONOMISTAS

    36

  • . . . . . . . . . .

    pk = muk + np__

    (1)

    Se essas equaes forem ponderadas por suas respectivas produes(isto , cada uma delas multiplicada por sua respectiva produo,todos os resultados somados e a soma dividida pelo total da produ-o), obteremos:

    p__

    = mu__

    + np__

    de forma que (2)

    p__

    =m

    1 nu__

    .

    Recordemos que, de acordo com o tpico anterior, quanto mais elevado

    o grau de monopolizao, maior serm

    1 n. Podemos assim concluir:

    O preo mdio p__

    proporcional ao custo direto unitrio mdio u__

    se ograu de monopolizao se mantiver constante. Se aumentar o grau demonopolizao, p

    __

    se elevar com relao a u__

    .Ainda importante ver de que forma um novo equilbrio de

    preos alcanado quando os custos diretos unitrios mudam em con-seqncia de modificaes nos preos das matrias-primas ou da mo-de-obra. Representemos os novos custos diretos unitrios por u1, u2etc., e os preos velhos por p1, p2 etc. A mdia ponderada dessespreos p

    __

    . A ela correspondem os novos preos p1, p2 etc., iguais amu1 + np

    __

    , mu2 + np__

    etc. Isso leva por sua vez a um novo preo mdiop__

    , e assim por diante, convergindo o processo afinal para um novo valorde p

    __

    , dado pela frmula (2). Essa convergncia do processo depende dacondio de ser n < 1. De fato, conforme as equaes (1) temos que:

    p__

    = mu__

    + np__

    e para o novo p__

    final:

    p__

    = mu__

    + np__

    .

    Subtraindo a segunda equao da primeira, obtemos:

    p__

    p__

    = n (p__

    p__

    )o que mostra que o desvio do valor final de p

    __

    diminui em progressogeomtrica sempre, desde que n < 1.

    Formao de preos num ramo da indstria: o caso geral

    Consideremos agora o caso genrico em que os coeficientes m e

    KALECKI

    37

  • n so diferentes de firma para firma. Parece que, mediante um pro-cedimento semelhante ao que foi aplicado no caso especial, chega-se frmula:

    p__

    =m__

    1 n__ u

    __

    (2)

    m__

    e n__

    so a mdia ponderada dos coeficientes m e n.19Agora imaginemos uma firma para a qual os coeficientes m e n

    sejam iguais a m__

    e n__

    para o ramo de indstria ao qual essa firmapertence. Podemos consider-la como sendo uma firma representativado ramo de indstria a que pertence. Podemos ainda considerar queo grau de monopolizao desse ramo de indstria seja o mesmo dafirma escolhida como representativa. Assim, o grau de monopolizaoser determinado pela posio da reta correspondente a:

    pu

    = m__

    + n__ p

    __

    u .

    Um aumento do grau de monopolizao ir refletir-se num desloca-mento para cima dessa reta (ver grf. 1). Conclui-se da argumentaocontida na pgina 36, que quanto mais elevado o grau de monopolizao,

    de acordo com esta definio, maior serm__

    1 n__ .

    A partir disso e da equao (2), segue-se a generalizao dosresultados obtidos no tpico anterior para o caso especial considerado.O preo mdio p

    __

    proporcional ao custo direto unitrio mdio u__

    se ograu de monoplio for constante. Se o grau de monopolizao aumentar,p se eleva com relao a u

    __

    .A razo entre preo mdio e custo direto unitrio igual razo

    entre o montante dos rendimentos do ramo da indstria e o montantedos custos diretos do ramo da indstria. Segue-se que a razo entrerendimentos e custos diretos estvel, aumentando ou diminuindosomente conforme o que acontecer com o grau de monopolizao.

    Deve-se lembrar que todos os resultados aqui obtidos esto sujeitos suposio de que a oferta seja elstica. Quando as firmas no tm maiscapacidade ociosa, um aumento adicional da demanda ir provocar umaelevao do preo alm do nvel indicado pelas consideraes acima. Con-tudo, esse nvel poderia ser mantido por algum tempo, enquanto a firmapermitisse que os pedidos se acumulassem em carteira.

    Causas de modificao do grau de monopolizao

    Limitar-nos-emos aqui a discutir os principais fatores subjacentes

    OS ECONOMISTAS

    38

    19 m a mdia de m ponderada pelos custos diretos totais de cada firma: n a mdia de nponderada pelas respectivas produes.

  • s modificaes do grau de monopolizao nas economias capitalistasmodernas. Em primeiro lugar, h que considerar o processo de con-centrao da indstria, que leva formao de corporaes gigantescas.A influncia do surgimento de firmas que representam uma parcelasubstancial da produo de um ramo de indstria pode ser facilmenteentendida luz das consideraes acima. Uma firma desse tipo sabeque seu preo p influencia de forma aprecivel o preo mdio p

    __

    e que,ademais, as outras firmas do ramo se vero compelidas na mesmadireo, j que a formao de preos delas depende do preo mdiop__

    . Assim, a firma pode fixar seu preo num nvel mais elevado do queseria o caso se as coisas fossem diferentes. Outras firmas grandesfazem o mesmo jogo e assim o grau de monoplio se eleva de modosubstancial. Esse estado de coisas pode ser reforado por um acordotcito. (Entre outras coisas, esse acordo pode se dar mediante a fixaode preos por uma firma grande, a firma lder, com as outras firmasseguindo esses preos.) Um acordo tcito, por outro lado, pode trans-formar-se num acordo mais ou menos formal, ou seja, num cartel, oque equivale ao monoplio completo, limitado apenas pelo medo daentrada de novos membros.

    A influncia que ocupa o segundo lugar em importncia o de-senvolvimento da promoo atravs da publicidade, vendedores etc.Assim, a concorrncia de preos substituda pela concorrncia atravsde campanhas de publicidade etc. Obviamente isso tambm ir provocaruma elevao do grau de monopolizao.

    Alm dos fatores apontados acima, dois outros tm que ser levadosem considerao: (a) a influncia das modificaes no nvel dos custosindiretos com relao aos custos diretos sobre o grau de monopolizao;(b) o poderio dos sindicatos.

    Se o nvel dos custos indiretos se elevar muito com relao aoscustos diretos, haver necessariamente um aperto dos lucros, a menosque se permita um aumento da razo entre o total dos rendimentose os custos diretos. Disso pode resultar um acordo tcito entre as firmasde um ramo para proteger os lucros e conseqentemente elevar ospreos com relao aos custos diretos unitrios. Por exemplo, a elevaoem custos de capital por unidade produzida, resultante da introduode tcnicas que aumentam a capital-intensidade, pode, dessa maneira,tender a elevar o grau de monopolizao.

    O fator representado pela proteo dos lucros aparece com fre-qncia durante perodos de depresso. A situao nessas ocasies a seguinte: o total dos rendimentos decresce na mesma proporo queos custos diretos se o grau de monopolizao permanecer inalterado.Ao mesmo tempo, o total dos custos indiretos cai, nos perodos dedepresso, menos que os custos diretos. Isso abre o caminho para oestabelecimento de acordos tcitos no sentido de no se reduzirem ospreos na mesma proporo dos custos diretos. Conseqentemente, sur-

    KALECKI

    39

  • ge uma tendncia no sentido de o grau de monopolizao subir nadepresso, tendncia essa que opera em sentido inverso na fase deprosperidade.20

    Apesar de as consideraes acima apresentarem um meio peloqual os custos indiretos podem afetar a formao dos preos, claroque sua influncia sobre os preos em nossa teoria muito menosntida do que a que exercem os custos diretos. O grau de monopolizaopode aumentar mas no se pode afirmar que aumente necessaria-mente em conseqncia de um aumento dos custos indiretos comrelao aos custos diretos. Isso e a nfase dada influncia dos preosde outras firmas constituem a diferena entre a teoria aqui exposta ea assim chamada teoria dos custos totais.

    Focalizemos agora o problema da influncia do poderio dos sin-dicatos sobre o grau de monopolizao. A existncia de sindicatos po-derosos pode criar uma tendncia no sentido de se reduzir a margemde lucro, pelos seguintes motivos. Verificando-se uma razo elevadaentre os lucros e os salrios, fortalece-se o poder de barganha dossindicatos em suas atividades visando aumentos de salrios, uma vezque os salrios mais elevados sero ento compatveis com lucros ra-zoveis aos nveis de preos existentes. Se aps os aumentos seremconcedidos os preos fossem majorados, seriam geradas novas deman-das de aumento de salrios. Da se conclui que uma razo elevadaentre lucros e salrios no pode ser mantida sem criar uma tendnciano sentido da elevao dos custos. Esse efeito adverso sobre a posiocompetitiva de uma firma ou de um ramo da indstria estimula aadoo de uma poltica de margens de lucro mais baixas. Assim, ograu de monopolizao ser em certa medida mantido baixo graas ao dos sindicatos e quanto maior for a fora dos sindicatos com maiorintensidade isso se far sentir.

    As modificaes do grau de monopolizao so de importnciadecisiva no s para a distribuio de renda entre trabalhadores ecapitalistas como tambm em alguns casos para a distribuio de rendada classe capitalista. Assim, o aumento no grau de monopolizao mo-tivado pelo crescimento das grandes corporaes resulta em uma trans-ferncia relativa de renda das outras indstrias para as dominadaspor tais corporaes. Dessa forma, a renda redistribuda, passandodas pequenas para as grandes empresas.

    As relaes custo-preo a longo e a curto prazo

    As relaes custo-preo descritas acima baseiam-se em um enfo-que da situao a curto prazo. Contudo, os nicos parmetros que

    OS ECONOMISTAS

    40

    20 Essa a tendncia bsica; contudo, em alguns casos o processo oposto de ocorrncia de-senfreada pode manifestar-se numa depresso.

  • entram nas equaes em questo so os coeficientes m e n, que refletemo grau de monopolizao. Esses coeficientes podem se bem que notenham que faz-lo necessariamente mudar a longo prazo. Se m en permanecem constantes, as alteraes a longo prazo nos preos re-fletiro somente as alteraes a longo prazo dos custos diretos unitrios.O progresso tecnolgico tender a reduzir o custo direto unitrio u.Mas as relaes entre os preos e os custos diretos unitrios podemser afetadas por modificaes no campo da tcnica e dos equipamentossomente na medida em que elas influenciarem o grau de monoplio.21Esta ltima possibilidade havia sido indicada acima quando se men-cionou que o grau de monopolizao poderia ser influenciado pelo nveldos custos indiretos com relao aos custos diretos.

    Deve-se salientar que toda essa perspectiva contraria pontos devista geralmente aceitos. Supe-se em geral que devido crescenteintensidade de capital, isto , crescente dispndio de capital fixo porunidade de produo, h necessariamente um contnuo aumento darazo entre preo e custo direto unitrio. Esse ponto de vista baseia-se,ao que parece, na suposio de que a soma dos custos indiretos maislucros varia a longo prazo mais ou menos em proporo ao valor docapital. Assim, a elevao em capital com relao produo traduzidaem uma razo mais alta entre custos indiretos mais lucros e rendi-mentos, equivalendo isso a um aumento da razo entre preos e custosdiretos unitrios.

    Ora, parece que lucros mais custos indiretos podem apresentaruma queda a longo prazo com relao ao valor do capital e, conse-qentemente, a razo entre preo e custo direto unitrio pode perma-necer constante mesmo se o capital aumentar com relao produo.Isso se acha demonstrado pelo que aconteceu no ramo manufatureiroda economia norte-americana no perodo compreendido entre 1899 e1914. (Ver tabela 1.)

    Como se poder ver pela tabela, o capital fixo subiu continua-mente com relao produo durante o perodo focalizado, enquantoa razo entre rendimentos e custos diretos permaneceu mais ou menosestvel. Isso explicado por uma queda nos lucros mais custos indiretoscom relao ao valor do capital fixo (tanto com relao a seu valornominal como com relao a seu valor aos preos correntes).

    Sempre existe, claro, a possibilidade, indicada acima, de queo aumento dos custos indiretos com relao aos custos diretos, devidoao aumento da intensidade do capital, provoque uma elevao do graude monopolizao, graas tendncia de se protegerem os lucros:

    KALECKI

    41

    21 Essa afirmao, contudo, matizada pela suposio subjacente a nossas equaes custo-preo,a saber, que o custo direto unitrio no depende do grau de utilizao do equipamento eque o limite de capacidade prtica no atingido. Ver pp. 35-6

  • essa tendncia, contudo, no de forma alguma automtica, podendono prevalecer, conforme se demonstra no exemplo dado.

    TABELA 1. Intensidade de Capital e Razo Entre Rendimentos e CustosDiretos no Ramo Manufatureiro nos Estados Unidos, 1899-1914.

    Abordamos acima certas questes que surgem ligadas aplicaode nossa teoria aos fenmenos a longo prazo. Quando sua teoria aplicada anlise da formao de preos no decurso de um ciclo eco-nmico, levanta-se o problema de saber se a nossa frmula funcionana fase de prosperidade. De fato, em tais perodos a utilizao de equi-pamento pode atingir o ponto de eliminar a capacidade ociosa e assim,sob presso da demanda, os preos podem exercer o nvel indicado poressas frmulas. Parece, contudo, que, devido disponibilidade de ca-pacidade ociosa e possibilidade de aumentar o volume do equipamentosempre que ocorrem estrangulamentos, esse fenmeno no encontradofreqentemente mesmo em fases de prosperidade. Parece que em geralele se restringe a situaes de guerra ou de ps-guerra, quando a ca-rncia de matria-prima ou de equipamento limita fortemente a ofertacom relao procura. Esse tipo de aumento de preos que constituio motivo bsico do processo inflacionrio que predomina nesses perodos.

    Aplicao s mudanas a longo prazo no ramomanufatureiro dos EUA

    Como a razo entre preo e custo direto unitrio igual razoentre o montante dos rendimentos e o montante dos custos diretos, asmodificaes nessa relao podem ser analisadas empiricamente comreferncia a vrios ramos tomando-se por base o Censo dos FabricantesNorte-Americanos (United States Census of Manufactures), onde en-contramos o valor dos produtos, o custo das matrias-primas e os custosde mo-de-obra de cada ramo. Contudo, as modificaes da razo entre

    OS ECONOMISTAS

    42

  • rendimentos e custos diretos de um nico ramo da indstria que, deacordo com o que foi dito acima, so determinadas por modificaesno grau de monopolizao, refletem mudanas das condies particu-lares daquele ramo da indstria. Por exemplo, uma modificao napoltica de preos de uma firma grande pode ocasionar uma mudanafundamental no grau de monopolizao do ramo da indstria ao qualessa firma pertence. Por esse motivo, limitamos as consideraes aquicontidas ao ramo manufatureiro como um todo, podendo dessa formainterpretar as modificaes de relao entre rendimentos e custo diretoem termos de mudanas importantes das condies industriais.

    Tomamos assim a razo entre o montante dos rendimentos doramo manufatureiro dos Estados Unidos e o montante de seus custosdiretos. Surge contudo uma dificuldade: essa relao no reflete sim-plesmente as modificaes na relao entre os rendimentos e os custosdiretos em ramos da indstria em separado, mas tambm alteraesde sua importncia dentro do setor manufatureiro como um todo. Poresse motivo, na tabela 2 se acha indicada no s a razo entre osrendimentos e os custos diretos do setor manufatureiro dos EstadosUnidos, como tambm essa razo calculada com base na suposio deque a parcela relativa representada no valor total dos rendimentospelos grupos principais seja estvel.22 A diferena real entre essas duassries parece, em geral, no ser significativa.

    TABELA 2. Razo Entre Rendimentos e Custos Diretos no Setor Ma-nufatureiro dos Estados Unidos, 1879-1937.

    KALECKI

    43

    22 Os detalhes do clculo, bem como os ajustes que foram feitos a fim de permitir a comparaoem termos aproximados dos vrios anos do Censo, o que havia sido prejudicado por modi-ficaes de escopo e de mtodos do Censo, encontram-se descritos no Apndice Estatstico.Notas 2 e 3.

  • Nota-se que houve um aumento substancial na razo entre rendi-mentos e custos diretos de 1879 a 1889. Sabe-se que esse foi um perodode mudana no capitalismo americano e que se caracterizou pela formaode gigantescas corporaes industriais. No pois surpresa alguma queo grau de monopolizao tenha aumentado nesse perodo.

    De 1889 a 1923 houve pouca modificao na razo entre rendi-mentos e custos diretos. Contudo, aparece um aumento marcante noperodo de 1923 a 1929. A elevao no grau de monopolizao nesseperodo pode ser explicada em parte por aquilo que poderia ser chamadode revoluo comercial a sbita entrada em cena de promoo devendas atravs da publicidade, vendedores etc. Outro fator a considerarfoi um aumento geral dos custos indiretos com relao aos custos diretosocorrido nesse perodo.

    Pode-se perguntar se o alto nvel da razo entre rendimentos ecustos diretos em 1929 no se deveu, pelo menos em parte, a terem asfirmas atingido sua capacidade total na fase de prosperidade. H quesalientar, porm, que o grau de utilizao de equipamento em 1929 noera maior que o de 1923. Um exame dos dados do Censo para 1925 e1927 tambm parece indicar que a elevao da razo entre rendimentose custos diretos durante o perodo 1923/29 foi de carter gradual.

    De 1929 a 1937 a razo entre rendimentos e custos diretos apre-senta uma modesta reduo. Provavelmente isso pode ser atribudoprincipalmente ao aumento do poderio dos sindicatos.

    As explicaes aqui contidas so de carter provisrio e esque-mtico. De fato a interpretao do movimento da razo entre rendi-mentos e custos diretos em termos de modificaes do grau de monopliocompete aos especialistas em histria econmica, que podem contribuirpara esse estudo com conhecimento mais aprofundado das condiesindustriais em mudana.

    Aplicao ao ramo manufatureiro e ao do comrcio varejistados EUA durante a Grande Depresso

    Na tabela 3 aparece a razo entre rendimentos e custos diretosdo setor manufatureiro dos Estados Unidos nos anos de 1929, 1931,1933, 1935 e 1937. Mais uma vez, alm da razo original entre ren-dimentos e custos diretos, d-se tambm a razo ajustada em funodas modificaes na composio do valor dos produtos.23 Como na tabelaanterior, no h diferena significativa entre as duas sries. A tabelaindica tambm a razo entre o total das vendas a varejo de bens deconsumo nos Estados Unidos e o seu custo para os varejistas duranteo mesmo perodo. Isso corresponde, grosso modo, razo entre rendi-

    OS ECONOMISTAS

    44

    23 Como na tabela anterior, os dados foram ajustados em funo de modificaes no escopoe nos mtodos do Censo (ver Apndice Estatstico, Notas 2 e 3).

  • mentos e custos diretos do ramo varejista. (No foi feito o clculo deuma srie ajustada para a composio das vendas.)

    TABELA 3. Razo Entre Rendimentos e Custos Diretos no SetorManufatureiro e no Comrcio Varejista nos Estados Unidos, 1929/37.

    V-se que a razo entre rendimentos e custos diretos tendeua aumentar durante a depresso; levando em conta o alcance dadepresso na dcada de 30, contudo, a mudana foi de carter bas-tante moderado. O aumento da razo pode ser atribudo a uma ele-vao dos custos indiretos com relao aos custos diretos, o queestimulou o estabelecimento de acordos tcitos para proteger oslucros e portanto para aumentar o grau de monopolizao. V-seque durante o perodo de recuperao de 1933 a 1937 houve ummovimento no sentido inverso. Para o setor manufatureiro, contudo,a razo entre rendimentos e custo direto caiu a um nvel significa-tivamente inferior ao de 1929. Conforme foi sugerido anteriormente,isso provavelmente resultou de um considervel fortalecimento dossindicatos no perodo de 1933/37.

    Flutuaes dos preos de matrias-primas

    Conforme dissemos no incio deste captulo, as modificaes acurto prazo nos preos dos produtos primrios refletem principalmenteas alteraes da demanda. Dessa forma, esses preos caem bastantecom a contrao da atividade econmica e sobem bastante com suaexpanso.

    sabido que os preos das matrias-primas sofrem flutuaescclicas maiores do que os nveis salariais. As causas desse fenmenopodem ser explicadas da seguinte forma: mesmo com os salriosmantidos constantes, os preos das matrias-primas cairiam durante

    KALECKI

    45

  • uma depresso, devido queda da demanda real. Ora, os cortesde salrios durante uma depresso nunca podem alcanar o preodas matrias-primas em sua queda, porque os cortes salariais porsua vez provocam uma queda na demanda e portanto uma novaqueda nos preos dos produtos primrios. Imaginemos que os preosdas matrias-primas caiam em 20% devido diminuio da demandareal. Imaginemos ainda que em seguida a taxa de salrios seja cor-tada tambm em 20%. A teoria da formao de preos desenvolvidaacima indica que o nvel geral de preos ir conseqentemente cairtambm em cerca de 20%. (O grau de monoplio tende a aumentarum pouco, mas no muito.) Mas isso ocasionar uma queda corres-pondente das rendas, de demanda, e, portanto, dos preos das ma-trias-primas.

    Na tabela 4, abaixo, feita uma comparao dos ndices de preosde matrias-primas e salrios/hora nos Estados Unidos, no perodo de1929/41. (Ver p. 47)

    A razo entre preos de matrias-primas e salrios/hora mostrauma tendncia a decrescer a longo prazo que em parte reflete a elevaoda produtividade do trabalho. Isso, contudo, no esconde o padro cclicoque se acha manifesto em particular na queda marcante verificadatanto na depresso de 1929/33, como na de 1937/38.

    Formao de preos de produtos acabados

    De acordo com a teoria acima, a formao de preos de produtosacabados resulta da formao de preos em cada etapa da produo,com base na frmula

    p__

    =m__

    1 n__ u

    __

    .

    Dado um grau de monoplio, os preos a cada etapa so propor-cionais aos custos diretos unitrios. Na primeira etapa da produo,os custos diretos consistem de salrios e do custo de produtos primrios.Na etapa seguinte, os preos so formados com base nos preos daetapa anterior e nos salrios da etapa atual, e assim por diante. fcil de ver, portanto, que, dado um grau de monoplio, os preos deprodutos acabados so funes lineares homogneas dos preos dasmatrias-primas de um lado e, de outro, dos custos de mo-de-obraem todas as etapas da produo.

    Uma vez que as flutuaes dos salrios no decurso do cicloeconmico so muito menores que as dos preos das matrias-primas(ver tpico anterior), conclui-se que os preos dos produtos acabadostambm tendem a flutuar bem menos que os preos das matrias-primas.

    OS ECONOMISTAS

    46

  • TABELA 4. ndices de Preos de Matrias-Primas e de Salrios/Horanos Ramos Manufatureiro, de Minerao, de Construo e Ferrovirionos Estados Unidos, 1929/41.

    Quanto s diferentes categorias de preos de produtos acabados,supe-se freqentemente que os preos dos bens de capital duranteum perodo de depresso caem mais que os preos dos bens de consumo.Dentro da teoria aqui exposta, contudo, no h fundamento para essasuposio. Pode-se at mesmo pressupor uma certa queda dos preosde bens de consumo com relao aos preos dos bens de capital. Opeso dos produtos primrios, inclusive produtos alimentcios, prova-velmente ser maior no montante dos bens de consumo que no casodos bens de capital e os preos dos produtos primrios caem mais queos salrios durante a depresso.

    Na tabela 5 aparecem os ndices de preos de matrias-primas,preos ao consumidor (no nvel de varejo) e preos de bens acabadosde capital nos Estados Unidos no perodo de 1929 a 1941. V-se queos preos das matrias-primas apresentaram uma flutuao muitomaior que os preos de bens de consumo acabados ou bens de capitala