meus dois pais

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Meus dois pais guia para professores 1 E se um aluno trouxer um relato de homoafetivi- dade em sua família, como devo proceder? Da mesma maneira como você procede quando um aluno conta sobre algo diferente existente na família, como um amigo ou parente que nasceu em outro país e fala outra língua, a mãe que fez plástica ou colocou prótese de silicone e mudou de visual, algum amigo ou parente que ficou mais forte ou mais magro depois de uma maratona de exercícios ou de uma dieta... Diferença não significa algo a ser reprimido ou ex- cluído, mas sim conhecido e incluído no dia a dia, na convivência da criança. Poder perceber que ninguém é igual a ninguém é enriquecedor para o desenvolvimen- to infantil, uma vez que sempre há alguém mais alto, baixo, gordo, magro, que usa óculos ou uma roupa di- ferente — e não há nada de errado com isso. Se os pais de um aluno estão se separ ando, devo dar a ele atenção especial? Não! O pr ofessor pode ficar atento a sinais como bai- xa no rendimento e dificuldade em pr estar atenção, mas sem faz er disso uma questão maior do que deveria ser. A separ ação dos pais não deve ser encar ada como o “fim do mundo”, mas como algo que acontece e pode ser superado: não é uma coisa legal, mas também não é algo excepcional. Par a tanto, é importante dif erenciar o que é separ a- ção do que é abandono. A melhor f orma de fazer isso é dando exemplos concretos par a a criança. Você pode, por exemplo, explicar que a separ ação dos pais é uma situação parecida com o tempo que ela fica sem ver a avó ou algum amigo que mora longe. E que isso é bem dif erente de ser abandonado, como acon- tece com animais que são largados por seus donos. Guia par a professores Walcyr Carrasco Meus dois pais Naldo encar a a separ ação dos pai s de maneira muito natur al. Mas fica revoltado ao desc obri r, por meio de c olegas da escola, que o pai é gay. O garot o pede par a ir morar com a avó, mas acaba ent endendo que mais importante que a ori entação sexual do pai é ter uma f amília que o ama. Este guia em forma de perguntas e respostas foi elaborado pelo psiquiatra Alexandre Saadeh, doutor pela Universidade de São Paulo, professor do Curso de Psicologia da PUC-SP e supervisor dos médicos residentes em Psiquiatria no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Saadeh é especialista em sexualidade humana, e uma de suas áreas de pesquisa é identidade sexual. Ele responde perguntas que vão ajudar os professores a lidar com assuntos delicados como separação e homoafetividade com seus alunos de uma manei- ra mais tranquila e livre de preconceitos. i l u s t r a ç õ e s L a u r e n t C a r d o n série TOdOs JUntOS

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Meus dois pais guia para professores1

E se um aluno trouxer um relato de homoafetivi-dade em sua família, como devo proceder?

Da mesma maneira como você procede quando um aluno conta sobre algo diferente existente na família, como um amigo ou parente que nasceu em outro país e fala outra língua, a mãe que fez plástica ou colocou prótese de silicone e mudou de visual, algum amigo ou parente que ficou mais forte ou mais magro depois de uma maratona de exercícios ou de uma dieta...

Diferença não significa algo a ser reprimido ou ex-cluído, mas sim conhecido e incluído no dia a dia, na convivência da criança. Poder perceber que ninguém é igual a ninguém é enriquecedor para o desenvolvimen-to infantil, uma vez que sempre há alguém mais alto, baixo, gordo, magro, que usa óculos ou uma roupa di-ferente — e não há nada de errado com isso.

Se os pais de um aluno estão se separando, devo dar a ele atenção especial?

Não! O professor pode ficar atento a sinais como bai-xa no rendimento e dificuldade em prestar atenção, mas sem fazer disso uma questão maior do que deveria ser.

A separação dos pais não deve ser encarada como o “fim do mundo”, mas como algo que acontece e pode ser superado: não é uma coisa legal, mas também não é algo excepcional.

Para tanto, é importante diferenciar o que é separa-ção do que é abandono. A melhor forma de fazer isso é dando exemplos concretos para a criança.

Você pode, por exemplo, explicar que a separação dos pais é uma situação parecida com o tempo que ela fica sem ver a avó ou algum amigo que mora longe. E que isso é bem diferente de ser abandonado, como acon-tece com animais que são largados por seus donos.

Guia para professores

Walcyr Carrasco

Meus dois pais

Naldo encara a separação dos pais de maneira muito natural. Mas fica revoltado ao descobrir, por meio de colegas da escola, que o pai é gay. O garoto pede para ir morar com a avó, mas acaba entendendo que mais importante que a orientação sexual do pai é ter uma família que o ama.

Este guia em forma de perguntas e respostas foi elaborado pelo psiquiatra Alexandre Saadeh, doutor pela Universidade de São Paulo, professor do Curso de Psicologia da PUC-SP e supervisor dos médicos residentes em Psiquiatria no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Saadeh é especialista em sexualidade humana, e uma de suas áreas de pesquisa é identidade sexual. Ele responde perguntas que vão ajudar os professores a lidar com assuntos delicados como separação e homoafetividade com seus alunos de uma manei-ra mais tranquila e livre de preconceitos.

ilustrações Laurent Cardon

sérietodOs

jUntOS

Meus dois pais guia para professores

Devo interferir quando meus alunos fazem comen-tários preconceituosos?

Sim, sempre que beirar a discriminação, ou seja, quando o comentário magoa e acentua a diferença como algo errado, esquisito. Quando alguém faz um comentário preconceituoso, revela que desconhece o assunto em questão. Por isso, é essencial que o pro-fessor esclareça a situação, mostrando que determi-nada característica não é motivo para a pessoa ser discriminada ou excluída.

Muitas vezes, o comentário preconceituoso nem é da criança, pois ela mesma não tem noção do pre-conceito, mas está reproduzindo algo que ouviu ou aprendeu em casa.

A postura do professor, sabendo trabalhar o comentá-rio sem ser repressivo ou acusador, é muito importante.

Primeiro, é preciso entender a origem daquele co-mentário e deixar claro que toda atitude deve ser basea-da na ética e no entendimento, a começar pela sua.

Não existe certo e errado em relação ao desejo se-xual humano, mas sim o que é adequado ou não, o que causa dor e sofrimento a si mesmo e aos outros ou não. Até porque desejo não implica escolha, mas sim algo independente de nossa vontade. Já a realização desse desejo depende de determinação e escolha.

Sem julgar o aluno, o professor deve deixar claro que todo comentário que faça mal a alguém deve ser evitado.

Na minha classe, o pai ou a mãe de um aluno é gay assumido. O que posso fazer?

Garantir que isso seja visto como particularidade e não monstruosidade, tanto entre os pais quanto entre as crianças.

A exclusão, muitas vezes, passa por questões que envolvem os pais e não as crianças diretamente. ter um pai gay não deve ser entendido como uma mancha, algo que contamina o filho. Pode ser visto de forma positiva, como algo que só interessa à pessoa, que não contamina nem influencia os outros.

Na minha classe, há um menino que todo mundo chama de gay. devo informar os pais da criança so-bre o assunto?

Sim, pois não cabe ao professor resolver ou elucidar todas as questões que aparecem em sala de aula. A par-ticipação dos pais é fundamental no processo educador e do desenvolvimento infantil. nesses momentos, bus-car entender o que acontece em casa e na escola pode ajudar os pais, a criança e os professores a encontrar estratégias para lidar com essas situações.

Ser chamado de gay deve ser entendido como bullying se o objetivo dos alunos que fazem esse comen-tário for discriminar e excluir, assim como o uso de outros apelidos: “rolha de poço”, “quatro-olhos”, “aleijado”...

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Como devo lidar com meus preconceitos sobre a homoafetividade?

Conversando com profissionais que possam orien-tá-lo. diferenciar o que é um valor seu, ou uma dificul-dade sua, do seu papel de educador é muito importante. Desenvolver potenciais é função do professor, sem incutir valores morais específicos e pessoais ou de exclusão entre as crianças.

SUgEstão dE AtiVidAdE

o aprendizado a partir da diferença é uma das ex-periências mais ricas que o professor pode proporcionar ao seu aluno. Em sala de aula, isso pode ser vivenciado de diversas maneiras. Uma sugestão é reunir os alunos para falar sobre os diferentes tipos de família existen-tes. Outra discussão possível é perguntar às crianças o que elas acham feio e por quê. O professor pode mediar o debate, pontuando a importância de conviver com as diferenças. As duas discussões podem render um trabalho interdisciplinar com Artes, em que os alunos desenhem ou modelem suas representações.

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