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MEU PROFESSOR DE HISTÓRIA MENTIU PRA MIM”: NOÇÕES SOBRE O PROFESSOR DE HISTÓRIA E A HISTÓRIA QUE ENSINA EM UMA COMUNIDADE DO FACEBOOK Márcia Elisa Teté Ramos Universidade Estadual de Londrina Resumo: Nos últimos anos vem se utilizando cada vez mais as redes sociais para uma série de atividades, entre elas, expressar opiniões sobre variados assuntos. Apresenta-se os resultados parciais de pesquisa referente ao objetivo de se compreender os argumentos utilizados em uma comunidade do facebook intitulada Meu professor de história mentiu pra mim”. Esta comunidade, bastante acessada, com mais de 30.000 curtidas, pretende criticar ou mesmo denunciar professores de história sob o pretexto de serem comunistas, desta forma, criticando ou denunciando também a história que supostamente seria ensinada. A página do facebook remete ao blog com o mesmo título que também será analisado, na medida em que se estende sobre as temáticas postadas. Para justificar a “mentira” dos professores de história, esta comunidade considera determinada perspectiva sobre o passado. Através da netnografia, metodologia que embasa o levantamento das noções, das representações e das práticas dos sujeitos na internet (KOZINETS, 2014), busca-se agrupar as concepções mais recorrentes sobre o professor de história e a história ensinada na forma de um discurso-síntese (LEFEBRE; LEFEBRE, 2012) no intuito de analisá-las, para compreender qual o uso que tal comunidade faz do passado. Em outras palavras, busca-se abranger a elaboração da história e sua compreensão, em outras esferas sociais que não o ambiente escolar ou acadêmico (BERGMANN (1989/1990). Palavras-chave: Uso do passado; Professor de história; Cultura midiática; Facebook. Esta pesquisa tem como objetivo buscar compreender as representações sobre o “mau” professor de história em uma comunidade virtual da rede social Facebook 1 denominada “Meu professor mentiu pra mim”. Adota a netnografia como 1 Facebook é uma rede social lançada em 2004. Foi fundado por Mark Zuckerberg, Eduardo Saverin, Andrew McCollum, Dustin Moskovitz e Chris Hughes, estudantes da Universidade Harvard. Inicialmente, a adesão ao facebook era restrita apenas para estudantes da Universidade Harvard, e logo foi a outras universidades. O Facebook é gratuito para os usuários e gera receita proveniente de publicidade, incluindo banners e grupos patrocinados. Os usuários criam perfis que contêm fotos e listas de interesses pessoais, trocando mensagens privadas e públicas entre si e participantes de grupos de amigos. A visualização de dados detalhados dos membros é restrita para membros de uma mesma rede ou amigos confirmados, ou pode ser livre para qualquer um. O Facebook possui várias ferramentas, como o mural, que é um espaço na página de perfil do usuário que permite aos amigos postar mensagens para ele ver. Ele é visível para qualquer pessoa com permissão para ver o

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“MEU PROFESSOR DE HISTÓRIA MENTIU PRA MIM”: NOÇÕES SOBRE O

PROFESSOR DE HISTÓRIA E A HISTÓRIA QUE ENSINA EM UMA COMUNIDADE

DO FACEBOOK

Márcia Elisa Teté Ramos

Universidade Estadual de Londrina

Resumo: Nos últimos anos vem se utilizando cada vez mais as redes sociais para uma série de atividades, entre elas, expressar opiniões sobre variados assuntos. Apresenta-se os resultados parciais de pesquisa referente ao objetivo de se compreender os argumentos utilizados em uma comunidade do facebook intitulada “Meu professor de história mentiu pra mim”. Esta comunidade, bastante acessada, com mais de 30.000 curtidas, pretende criticar ou mesmo denunciar professores de história sob o pretexto de serem comunistas, desta forma, criticando ou denunciando também a história que supostamente seria ensinada. A página do facebook remete ao blog com o mesmo título que também será analisado, na medida em que se estende sobre as temáticas postadas. Para justificar a “mentira” dos professores de história, esta comunidade considera determinada perspectiva sobre o passado. Através da netnografia, metodologia que embasa o levantamento das noções, das representações e das práticas dos sujeitos na internet (KOZINETS, 2014), busca-se agrupar as concepções mais recorrentes sobre o professor de história e a história ensinada na forma de um discurso-síntese (LEFEBRE; LEFEBRE, 2012) no intuito de analisá-las, para compreender qual o uso que tal comunidade faz do passado. Em outras palavras, busca-se abranger a elaboração da história e sua compreensão, em outras esferas sociais que não o ambiente escolar ou acadêmico (BERGMANN (1989/1990). Palavras-chave: Uso do passado; Professor de história; Cultura midiática; Facebook. Esta pesquisa tem como objetivo buscar compreender as representações

sobre o “mau” professor de história em uma comunidade virtual da rede social

Facebook1 denominada “Meu professor mentiu pra mim”. Adota a netnografia como

1 Facebook é uma rede social lançada em 2004. Foi fundado por Mark Zuckerberg, Eduardo Saverin, Andrew

McCollum, Dustin Moskovitz e Chris Hughes, estudantes da Universidade Harvard. Inicialmente, a adesão ao

facebook era restrita apenas para estudantes da Universidade Harvard, e logo foi a outras universidades. O

Facebook é gratuito para os usuários e gera receita proveniente de publicidade, incluindo banners e grupos

patrocinados. Os usuários criam perfis que contêm fotos e listas de interesses pessoais, trocando mensagens

privadas e públicas entre si e participantes de grupos de amigos. A visualização de dados detalhados dos

membros é restrita para membros de uma mesma rede ou amigos confirmados, ou pode ser livre para qualquer

um. O Facebook possui várias ferramentas, como o mural, que é um espaço na página de perfil do usuário que

permite aos amigos postar mensagens para ele ver. Ele é visível para qualquer pessoa com permissão para ver o

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metodologia que em síntese, seria a adaptação da etnografia ao contexto histórico

da contemporaneidade bastante permeado pela cibercultura. Segundo Kozinets

(2014), não há como desconsiderar que muito da vida social e cultural passa a

incorporar a internet, e por isso mesmo, novos tipos de mapeamentos precisam ser

postos em ação para a investigação nas Ciências Sociais.

Seguimos a perspectiva de alguns pesquisadores que tem como pressuposto

investigativo as problemáticas referentes ao modo de como se constrói o

conhecimento histórico ou as formas de elaboração do conhecimento histórico que

circulam na História Pública. (BERGMANN, 1980/1990, p. 29-31), entendendo que a

cibercultura, as redes sociais e as comunidades virtuais apresentam determinados

saberes que compõem a cultura histórica do momento. A cibercultura produz não

apenas um maior acesso à informação e comunicação – aliás, nem todo mundo se

enquadra nesta ideia de maior acesso2, mas constrói diferentes (nem superiores e

nem inferiores) racionalidades, experiências, percepções, intersubjetividades e

sociabilidades, formando “um ecossistema comunicativo no qual o que emerge é

outra cultura, outro modo de ver e de ler, de aprender e conhecer” (MARTÍN-

BARBERO, 2001, p. 60).

A escrita hipermidiática, para Chartier constitui uma alteração importante na

história dos textos e/ou das mídias, isto é, das estruturas e formas do suporte, da

modalidade técnica da produção do escrito, das percepções e dos hábitos de leitura

(CHARTIER, 2002, p. 24 e p. 113). Ainda que a tela do computador apresente um

texto reproduzido de um impresso, este não será o mesmo, porque foi alterada a

materialidade de sua escrita, por subsecutivo, sua leitura. O texto eletrônico por ser

maleável, móvel, aberto, desterritorializado e incomensurável, fazendo com que os

leitores enfrentem “o desaparecimento dos critérios imediatos, visíveis e materiais

que lhes permitam distinguir, classificar e hierarquizar os discursos” (CHARTIER,

2002, p. 23). Com a internet, leitor e autor confundem-se, bem como se confundem

perfil completo, e posts diferentes no mural aparecem separados no "Feed de Notícias". O "Face", como é mais

conhecido, possui também aplicativos, com os mais diversos assuntos, e eventos, onde a pessoa pode convidar

todos seus amigos para um determinado evento. Existem versões diferentes do Facebook para telefones celulares

e smartphones, que facilitam a visualização e acessibilidade dos usuários.

http://www.significados.com.br/facebook/ (Acesso em 20 de junho de 2016). 2 Segundo Pisani e Pionet (2010), apenas 2,9% da população africana está conectada, 3,7% da Índia, 12,3% na

China e 19,8% na América Latina (dados de 2009).

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formas, processos e funções da oralidade, da leitura e da escrita, e mais do que

isso, antes os sons, imagens e palavras eram propensos a coexistir, agora “passam

a se co-engendrar em estruturas fluidas, cartografias líquidas para a navegação”, em

que “os usuários aprendem a interagir, com ações participativas, como num jogo”

(SANTAELLA, 2007, p. 294).

Especialmente com a web 2.0 desde 2004, os internautas podem interferir

nos sites, blogs, redes, etc., se inscrevendo como sujeitos pensantes. A

memorização de trajetos para não se perder na significação do texto-primeiro, a

escrita parecida com o falado, o uso de logogramas e abreviações, a constante

execução de ações de selecionar, religar, sintetizar, comentar, triar, associar, exigem

e produzem novas habilidades de escrita e leitura, novas categorias intelectuais, em

que se sobressaem os princípios da indeterminação e da transitoriedade. Mas é nas

redes sociais como o Facebook, que se pode expandir a capacidade de

comunicação e relacionamento, construindo saberes, mesmo que estes sejam

aparentemente superficiais Lembrando que nas redes sociais, os posts também

podem se referir a conteúdos considerados mais fundamentados e consistentes de

reportagens de jornais e revistas, livros, vídeos, filmes, e atpe mesmo charges e

sugestões de outros sites, blogs e outras páginas do “Face”.

Em outras palavras, deve-se retomar a pré-conceituação sobre a

superficialidade das discussões no ambiente virtual e buscar entender que

atualmente, os sujeitos conseguem dar ordem aos fragmentos através de uma série

de associações que realizam. É certo que é mais comum nas comunidades virtuais,

voltar-se para o hanging out (saindo) que quer dizer compartilhar nada significativo,

frases de autoajuda, músicas, etc. Em especial, nos últimos cinco anos, não só no

Brasil, este tipo de comunidade mais afeita ao Orkut3, foi substituída pela

comunidade em que: opiniões políticas são explicitadas e discutidas; várias causas

3 Orkut: é uma rede social filiada ao Google, criada em 2004 (e desativada em 30 de setembro de 2014) com o

objetivo de ajudar seus membros a conhecer pessoas e manter relacionamentos. Era gratuito para os usuários e

gerava receita advinda de publicidade. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükkökten, um

engenheiro turco do Google. Apenas um ano depois de ter sido criado, o orkut já ganhou sua versão em

português, devido ao número de usuários. Com o tempo, o orkut implementou algumas ferramentas novas, como

sugestões de amigos na página inicial, chat, temas. No Brasil a rede social teve mais de 30 milhões de usuários,

mas foi ultrapassada pelo líder mundial, o Facebook. https://pt.wikipedia.org/wiki/Orkut Acesso em 20 de junho

de 2016.

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sociais podem ser defendidas e eventos referentes à manifestações de rua podem

ser organizadas. Esta comunidade virtual com o qual trabalhamos, compõem-se de

diversidade de posts, que se à primeira vista parecem não significativos, em última

instância sua mensagem nuclear corresponde a uma argumentação comum.

Esta comunidade virtual, como outras, reúne pessoas que comungam

representações. Contudo, mesmo em uma comunidade, embora haja marcos que

conduzem à ideia de pertencimento, traz também dissenso. No caso optamos por

destacar o discurso-síntese, pois há pouca diversidade de opiniões entre os

membros desta comunidade, e por isso podem ser blocadas, ou seja, no discurso-

síntese se reúnem “conteúdos e argumentos que conformam opiniões semelhantes”

(LEFEBRE; LEFEBRE, 2012, p. 17). Assim, apanho as respostas semelhantes como

se fosse um depoimento único (LEFEBRE; LEFEBRE, 2012, p. 19). O discurso-

síntese não deixa de ser uma forma de categorização, uma forma de reconhecer,

diferenciar e classificar aproximadamente as representações sociais.

As fontes da pesquisa referem-se às descrições presentes nesta comunidade

virtual que reportam ao perfil da página, aos objetivos e posições da mesma. Uma

fonte “movediça” devido ao seu caráter flexível, difícil de delimitar, mas nem por isso

menos importantes como material do historiador do tempo presente. Esta

comunidade tem hoje 30.594 curtidas e apresenta seu conteúdo também em um

blog4. Sua Descrição Curta é: “Essa página solta gotas de ácido que corroem a

camada de verniz cor-de-rosa que os professores passam no comunismo”5.

Percebe-se que já se parte da ideia de que o professor – aqui entendido de forma

geral – deturpa o tema do comunismo. Da mesma forma na Descrição Longa:

Se você é socialista, comunista, marxista, acha que Cuba é uma Ilha da Fantasia, vota no PT, no PSOL, acha que o PSDB é um partido de direita, saia URGENTEMENTE dessa página, pois ela solta gotas de ácido que corroem a camada de verniz cor-de-rosa que os professores (como seria bom se fossem só os de História!) passam no comunismo e, sem esse verniz, o comunismo não é nem um pouco bonito6. (gripo nosso)

4 http://meuprofessordehistoriamentiupramim.blogspot.com.br/ 5 https://www.facebook.com/mpdhmpm/info/?entry_point=page_nav_about_item&tab=page_info 6 Idem

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Agora de forma mais contundente, deixa-se claro que existe uma noção

prévia de quem administra a comunidade de que, principalmente, os professores de

história aplicam um discurso que encobre ou “mente” sobre os pontos negativos do

comunismo.

A ausência de dúvida ou ressalvas quanto ao suposto “comunismo” dos

professores de história nos faz reportar à Boaventura de Souza Santos quando

define o “pensamento abissal”. Haveria um grande abismo dividido por uma linha

simbólica entre a realidade social de dois universos: o universo da desta

comunidade virtual e o universo do Outro, no caso, a pessoa de esquerda

representada no professor de história, por isso que, se você é um destes

professores supostamente “comunista”, se defende partidos políticos considerados

de esquerda e como de esquerda e comunista defende Cuba, deve “sair

URGENTEMENTE da página”. No pensamento abissal a divisão é tão forte que o

“outro lado da linha” desaparece, se torna invisível, inexistente, ou então, como é o

caso, aparece como desqualificável, ignorante e ignóbil: “A característica

fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da copresença dos dois

lados da linha” (SANTOS, 2010, p.32). Tendo como base a generalização, que por

sua vez implica no preconceito, o estereótipo se produz e se reforça o pensamento

abissal. Negar a existência do Outro ou estereotipá-lo, é “um meio de simplificar e

agilizar nossa visão de mundo” (RODRIGUES, ASSMAR; JABLONSKI, 2015, p.204),

para não dispender uma energia cognitiva para compreendê-lo.

Os administradores da página resolveram em Descrição Longa, adotar

critérios para que seus membros (ou não) publicassem seus posts (ou não). Isto,

talvez porque a comunidade é aberta, todos podem postar, e se quer zelar para que

apenas argumentos afins sejam incluídos. O intuito é de fortalecer o abismo que

separa uma opinião de outra, uma versão ou posicionamento de outro.

O objetivo dessa página NÃO é promover debate. Existe uma hegemonia absoluta da esquerda na cultura do Brasil. As informações que dão subsídio aos pontos de vista da direita são sistematicamente suprimidas da mídia. Nessas condições, um debate é impossível, porque para debater seria necessário primeiro dar uma aula, desfazer toda a doutrinação marxista do

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MEC, para depois iniciar o debate. E, logicamente, não é possível ensinar e debater com alguém ao mesmo tempo.7

Este critério evidencia a posição da comunidade: os professores de história

ensinam o comunismo, então a noção de esquerda está entranhada na sociedade

dificultando o debate. A mídia apoiaria este suposto professor de esquerda. Não há

lugar nesta comunidade (como em outras) para a multiperpectividade, mas sim,

consolidar, firmar, enraizar um pensamento único. Não se pode contestar, discutir,

debater.

Assim, se você quer fazer um comentário contestando o que se apresenta aqui, faça por sua conta e risco. Se os administradores julgarem que vale a pena responder o comentário, que tal resposta iluminará a noção que o público médio tem sobre o tema, ela será respondido. Mas se o comentário consistir na repetição do que todo mundo já sabe, das mesmas palavras-ideias que circulam na mídia mainstream, ele corre o risco de ser sumariamente apagado8.

O teor das postagens é previamente delimitado. Distanciar-se destes critérios

significa ter sua perspectiva literalmente “apagada” da comunidade. Porém, o

administrador desta comunidade se ofenda quando seus comentários são apagados

em outro tipo de comundiade: “Pessoal, eu fiz o comentário abaixo na página do tal

Francisco Alencar, mas - vocês sabem como a extrema-esquerda preza o

dissenso... - eles apagaram o comentário. Peço que cada um dos meus seguidores

copie o comentário abaixo e cole lá abaixo da imagem”9.

Se quiser contribuir para a comunidade, há que se comungar a mesma

opinião. Desta forma, a linguagem também deve ser compartilhada. Não se aceita

as palavras geralmente relacionadas à crítica em relação à direita.

7 Idem 8 Idem 9 Refere-se ao post de Francisco Alencar: “Na luta pelo resgate do passado: foi aprovado na Comissão de Cultura

da Câmara o nosso Projeto de Lei 3388/2012, que dá o nome de Herbert de Souza (Betinho) à ponte Rio-Niterói,

hoje chamada de Presidente Costa e Silva. Após uma batalha de meses, que contou com a ajuda do voto em

separado da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o PL venceu mais uma trincheira no Congresso Nacional. A

busca pela memória e pela verdade segue adiante”. O administrador pede em 15 de novembro de 2014 aos

“seus” membros que colem: “Como é isso, Alencar? Gostaria que você me explicasse de que forma passar uma

borracha na História do Brasil limando o nome de um presidente é "A busca pela memória e pela verdade segue

adiante". Também queria você me explicasse por que a extrema-esquerda, no lugar de mudar o nome das obras

que já existem há anos, respeitam a memória e a diversidade política do país e batizam as obras que vocês

constroem com os nomes dos ídolos de vocês? Ah... esqueci... vocês não podem batizar nenhuma obra porque

vocês não fazem nenhuma. As obras do PAC (Programa de Aceleração da Corrupção) estão todas inconclusas

(até porque se elas se concluírem, encerram as possibilidades de desvio de verbas)”.

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Nesses termos, saiba que seu comentário esquerdista corre risco maior de ser apagado, se contiver as palavras "tucano", "reacionário", "neo-liberal". Também nessa base, comentários oriundos de uma mentalidade formatada pela mídia mainstream que incorrem em cacoetes mentais tais como "opor o PSDB ao PT" (quando ambos são partidos de esquerda, com a mesmíssima agenda), "se referir à neo-liberalismo como oposição ao pensamento econômico da esquerda" (quando é obrigação de qualquer cidadão saber que o chamado neo-liberalismo é uma criação da social-democracia, que é uma das variações do sócio-comunismo)10

O uso de determinados jargões, expressões, conceitos e vocábulos expressa

e sedimenta a delimitação de posicionamentos políticos, mesmo que os discursos de

esquerda e de direita sejam múltiplos, correspondendo a diferentes lugares e

posições de luta em torno do significado político-econômico, possibilitam o

entendimento dos sujeitos na contraposição. De fato, os conceitos marcados pelo

administrador da comunidade, situam o debate: a posição e oposição utilizam

frequentemente as palavras “reacionário” e “neoliberalismo”, cada lado conforme sua

“bandeira”. Tanto esta comunidade como outra, não tratada no momento,

denominada “Meu professor de História” (413.889 curtidas)11, que defende o

professor de história, consideram o Outro como improcedente, desleal, autoritário e

conservador. A comunidade “Meu professor de história mentiu pra mim” adverte

utilizando uma citação de Gramsci:

"usar os termos conservador e/ou reacionário em sentido pejorativo" (conservador é aquele que quer conservar o legado civilizacional, portanto usar essa palavra como ofensa não passa de um cacoete de pensamento criado por um dos ideólogos do esquerdismo, Antonio Gramsci).

Embora nesta Descrição Longa da comunidade também haja critérios mais

técnicos12, são os critérios ligados ao teor da argumentação que são enfatizados.

Assim, o administrador dispõe os termos do que é considerado válido na

comunidade, demarcando a questão das palavras.

10 https://www.facebook.com/mpdhmpm/info/?entry_point=page_nav_about_item&tab=page_info 11 https://www.facebook.com/Meu-Professor-de-Hist%C3%B3ria-361291767338033/?fref=ts 12 Critério técnico: “Não será permitido flood (múltiplos comentários seguidos). Dê um jeito de colocar tudo que

você quer dizer em um ÚNICO comentário e espere que ele seja respondido. Quando houver dois comentários

seguidos do mesmo autor, o segundo será excluído, salvo se os administradores julgarem que o conteúdo é

relevante o suficiente a ponto de fazer com que seja mantido’.

https://www.facebook.com/mpdhmpm/info/?entry_point=page_nav_about_item&tab=page_info

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Também é motivo de exclusão do comentário o ato de acusar uma postagem de falácia, sem ao menos ter a mais vaga ideia do que é vir a ser uma falácia. Essa cambada de retardados esquerdistas aprendeu a palavra "falácia", mas não sabe o que é. Sabem que é alguma coisa da qual podem acusar um oponente em um debate e, com isso, impressionar os que são AINDA MAIS IGNORANTES QUE ELES PRÓPRIOS. Entre as idiotices mais comuns está a de acusar uma OFENSA de ser um "argumento ad hominem". Se não sabem o que é falácia ou o que é argumento ad hominem, não serei eu quem vou ter que ensinar. Vão estudar e parem de encher minha página com aleivosias.

Como dissemos, faz parte da oposição ao Outro, desqualificá-lo para o

debate (debate este que é proibido por esta comunidade) o que quase sempre no

ambiente virtual, em especial nas redes sociais, independe de lado político e

presume arrogância intelectiva.

Terminando a Descrição, o administrador indica uma leitura:

Como sou cristão, cumprindo o mandamento cristão da generosidade, até ofereço um link para começar a pesquisa, MAS A BOBAGEM SERÁ APAGADA. Leia o item "Falso ad hominem" nesse link http://papodehomem.com.br/manual-compacto-de-como-foder-por-completo-uma-discussao-na-internet/ 13

Em relação os posts, que tomamos dos anos de 2014, 2015 e 2016 até o

momento, uma breve análise descortina os seguintes discursos-síntese:

Não apenas o professor de história é comunista, mas também o MEC, o

ENEM e o livro didático;

As pessoas de esquerda, incluindo os professores de história (porque

também são funcionários públicos), são vagabundos;

Professores de história defendem os Direitos Humanos (e eles não devem ser

defendidos, pois há que fazer justiça com as próprias mãos, ou ainda

“bandido bom é bandido morto”);

Decorrente desta ideia acima, são contra o desarmamento, pois a população

deveria ter “direito à defesa”;

13 Idem. O link refere-se ao blog Papo de Homem. No texto “Manual compacto de como foder por completo uma

discussão na internet”, Flavio Morgenstern, com uma linguagem considerada “chula”, emite sugestões de como

se portar no ambiente virtual.

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Professores de história defendem o “racismo reverso” (a comunidade se opõe

ao sistema de cotas);

Os professores de história “coitadizam” mulheres, negros e indígenas, ou

seja, são vistos como vítimas da sociedade. Ao contrário: seriam oportunistas;

As pessoas de esquerda são a favor do aborto;

Deveriam ler: Olavo Carvalho, Leandro Narloch, Rodrigo Constantino,

Reinaldo Azevedo.

Se dizem comunistas mas gostam de tecnologia, de vida boa, de viajar, etc.

Os professores de história, em especial, reclamam do salário, mas só pensam

em fazer greves (sendo assim, contraditórios).

Enfim, a esquerda na figura do professor de história, não sabe argumentar, é

radical, falaciosa, não gosta de trabalhar, é oportunista, “canalha”, contraditórios,

“bandidos”, corruptos. É interessante perceber que parte do princípio de que os

professores de história são “de esquerda”, e por serem de esquerda, ensinam uma

história errada, mentirosa. O próprio nome da comunidade indica isto. Não se

questiona em nenhum momento, não se produz ou se tem como referência um

estudo empírico, que tenha como resultado a comprovação de que este professor de

história edifique o comunismo, porém, obviamente, não é esta a finalidade de uma

comunidade virtual e não é este estudo empírico que cobramos da mesma. A

necessidade da comunidade em criticar o comunismo supostamente ensinado pelo

professor de história, parte da ideia de que aqueles que são de esquerda, hoje, no

Brasil, tendem a apreciar o comunismo e criticar o capitalismo. Esta perspectiva é

criada através da experiência? Estes membros da comunidade vivenciaram na sala

de aula de qualquer nível de ensino a prática da maioria de seus professores de

história defendendo o comunismo e criticando o capitalismo? Ao nosso ver, é

provável que que esta noção esteja circulando em nossa sociedade devido ao

contexto político brasileiro, quando os debates políticos vêm tomando grandes

proporções. A experiência diz respeito muito mais às representações circulantes do

que práticas efetivas em sala de aula. Representações produzidas nas múltiplas

interações sociais que correspondem aos debates travados no senso comum.

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Contudo, o senso comum é o modo de pensar da maioria das pessoas, por isso são

noções comumente admitidas pelos indivíduos, também obtidas através das

vivências, experiências e observações do mundo, e não podem ser desqualificadas.

Como dissemos, não é o intuito aqui de um estudo comparativo entre

comunidades diferentes, mas vale verificar no que a comunidade “Meu professor de

história” se contrapõe à comunidade “Meu professor de história mentiu pra mim”:

O Estado de Bem-Estar Social não deve ser desmontado. O Estado Mínimo é

próprio do neoliberalismo e a privatização é retrocesso;

As políticas públicas voltadas para a redução da pobreza, como por exemplo

a Bolsa Família devem ser vistas de forma positiva;

A direita é radical, conservadora, reacionários, fascista e neoliberal;

Os Estados Unidos são imperialistas, provocam guerras e interferem em nas

políticas econômicas de todo o mundo para proveito próprio;

As Leis Trabalhistas asseguram o mínimo de direitos ao trabalhador e não

devem ser desmontadas, antes, devem ser incrementadas.

Não se encontrou defesa ao comunismo, ao desarmamento ou ao aborto, ou

ainda, aprovação das políticas educacionais do MEC ou da implementação odo

ENEM. Costuma-se citar Marx e Rosa Luxemburgo. Se critica Bolsonaro e Donald

Trump, como se estes fossem os heróis de toda direita, e toda direita é “coxinha”.

Estes “coxinhas” podem ser de classe média, mas podem ser também pobres que,

alienados, fazem o jogo do patrão e/explorador. Isto é: também se generaliza ou

estereotipa o que consideram sendo de direita. Ao contrário da comunidade “Meu

professor de história mentiu pra mim”, os posts que questionam a comunidade “Meu

professor de história” não são apagados e por isso mesmo, existem muitos posts

críticos inscritos nesta comunidade, na maior parte das vezes agressivos e

desrespeitosos. Não existem quanto à comunidade “Meu professor de história”,

critérios na Descrição Curta e nem na Descrição Longa de controle dos posts seja

estes concordantes ou discordantes.

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Ao nosso ver, o que está em jogo são dois projetos de sociedade. No caso da

comunidade da qual nos propomos a analisar que critica o professor de história,

parte-se de duas premissas interdependentes: 1) premissa neoliberal: o

professor/funcionário público, principalmente da área de Ciências Humanas,

entendido como ônus para o Estado, que se quer “mínimo” no investimento das

políticas públicas, mas incisivo nos dispositivos de intervenção político-cultural e 2)

premissa neoconservadora: o professor de história seria sempre “de esquerda”,

portanto, ensinaria uma história considerada “ideológica”. O argumento de fundo é a

crítica incisiva em relação às políticas sociais próprias de um Estado de Bem-Estar

Social que buscam garantir serviços públicos e proteção à população. Este modelo

de Estado, cria políticas sociais que alocam recursos em benefício de pessoas

pertencentes a grupos discriminados e excluídos socioeconomicamente. Tanto as

políticas afirmativas, como as medidas que têm como objetivo combater

discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de classe, aumentando a

participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde,

emprego, habitação, bens materiais, redes de proteção social e/ou no

reconhecimento cultural, bem como as políticas baseadas nos Direito Humanos,

vem sendo compreendidas por alguns grupos como políticas de “vitimização” que se

constituem um ônus para aqueles que “pagam seus impostos”.

No mínimo, esta noção da comunidade em questão, serve ao propósito de

nos fazer ver quais saberes impregnam o cotidiano, quais saberes fazem sentido

para determino grupo social. A necessidade de compreender as posições da

comunidade decorre do fato de se configurarem também como uma História Pública

de nosso tempo e lugar, ou seja, deve-se avaliar que estas representações

veiculadas nos remetem à parte das formas e funções do conhecimento histórico na

vida cotidiana.

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