meu cabelo, minha identidade: uma pesquisa bibliográfica...
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Meu Cabelo, Minha Identidade: Uma Pesquisa Bibliográfica Sobre o Conceito
de Cabelo Atrelado ao Étnico Racial Com Base Em Um Webdocumentário1
Joelton Barboza da Silva
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Viviane Bastos de Sousa3
Paulo Eduardo Silva Lins Cajazeira4
Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte, CE
Resumo
Este trabalho tem como objetivo principal fomentar discussões relacionadas à história e a
cultura, que explicam situações vividas atualmente pela nossa sociedade e apresentar como
o cabelo auxilia na construção da identidade de um indivíduo, através da perspectiva de
pessoas que enfrentaram o medo de fugir dos padrões sociais para assumirem sua
verdadeira identidade. Tal trabalho se deu, de início, através da produção de um
webdocumentário. É comum entre os seres humanos o cabelo se destacar como elemento de
beleza, força e personalidade. Mais do que a moldura do nosso rosto, o cabelo ajuda a
expressar o que sentimos, como vivemos e quem somos.
Palavras-chave: cabelo; identidade; mídia; preconceito; webdocumentário.
Introdução
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, de 2013,
a maior parte da população residente no Brasil, 93,2 milhões de pessoas era de cor branca,
representando 46,3%; 90,6 milhões representava o grupo de pessoas de cor parda que
correspondia a 45,0%; 8,0% se declararam de cor preta (16,1 milhões); e 1,6 milhão de
pessoas (0,8%) declarou outra cor ou raça (indígena e amarela).
Ainda segundo essa pesquisa, não houve grandes mudanças na distribuição da
população residente. Dentre as Grandes Regiões, 76,4% da população residente da Região
1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Estudos Interdisciplinares da Comunicação, da Intercom Júnior – XII
Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação.
2 Graduando em Jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA). Bolsista PID, Programa de Iniciação à Docência –
UFCA. Email: [email protected]
3 Graduanda em Jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA). Bolsista PID, Programa de Iniciação à Docência –
UFCA. Email: [email protected]
4 Orientador, Jornalista e Doutor em Comunicação e Semiótica (PUCSP). Professor adjunto do Curso de Jornalismo e do
Programa de Pós-graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Membro do Centro de
Estudos e Jornalismo (UFCA/CNPq). E-mail: [email protected]
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Sul declarou ser de cor branca, enquanto nas Regiões Norte e Nordeste a maioria se
declarou parda, com 68,1% e 62,4%, respectivamente.
Num Brasil em que se dissemina a noção de “democracia racial”, a
suposta igualdade de oportunidades e de participação social que tal noção
carregaria como implicação é desmontada, frente aos números expostos –
signos da exclusão do ser negro. Também a tese de um país
assumidamente mestiço é negada, ao se observar, apenas nas peças mistas,
a presença desproporcional do negro em relação à de pessoas não negras.
A seleção significa, edifica e ratifica a falaciosa ideia da existência de uma
“minoria racial”, grupo esse integrado por negros. (BORGES e BORGES,
2012, p. 46)
O parecer CNE/CP n°3/2004 aprovado em 10 de Março de 2004 e homologado em
19 de Maio de 2004 visa atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CP 6/2002,
bem como regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, pela Lei 10.639/200, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica.
Desta forma, busca cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º,
I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A e
79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que asseguram o direito
à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às
histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes
fontes da cultura nacional a todos brasileiros.
Sobre o assunto Félix (2010) explica:
A criança negra ao entrar na escola depara-se com um espaço totalmente
estranho ao do ambiente familiar, onde muitas famílias negras educam as
crianças desde cedo a gostarem de si mesmas e de sua estética. Porém a
escola quebra com essa valorização familiar, a preocupação com a
aparência em torno do cabelo da criança negra é posta em primeiro plano
como uma exigência estabelecida pela escola. (FÉLIX, 2010, p. 05)
Uma análise das informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego - Sistema
PED, realizada em 2014 e com lançamento em 2015, sobre os negros no mercado de
trabalho metropolitano nas cidades de Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São
Paulo, mostrou que, apesar da diminuição das desigualdades no decorrer das últimas
décadas, as desigualdades raciais no mercado de trabalho ainda existem. As diferenças de
salário e ocupação entre negros e não negros estruturam as oportunidades de vida desses
diferentes grupos na sociedade brasileira.
Enquanto que as mulheres negras seguem com uma participação menos significativa
que os homens negros no mercado de trabalho, o que aponta desigualdade de acesso e
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continuação no mercado de trabalho segundo sexo, independente de raça e cor. Entre os
homens, as taxas de participação de negros e não negros são bastante semelhantes e
continuam mais elevadas do que as observadas para as mulheres. No que se refere ao
mercado de trabalho na área de comunicação, Rosa (2011), jornalista e doutoranda em
comunicação afirma:
As notícias não são produtos autônomos. Estão integradas ao mundo dos
jornalistas, aos interesses das empresas jornalísticas, aos interesses
sociopolíticos das forças dominantes. No caso brasileiro, acrescentam-se
as disparidades raciais existentes entre negros, indígenas e brancos,
decorrentes do processo de colonização e escravização como fator crítico
de influência no processo de produção de notícia, no Jornalismo como
prática social e na instituição imprensa. (ROSA, 2011, p. 15)
No que tange a imagem da mulher negra, a procura de uma estética ideal e
padronizada, leia-se com base no padrão europeu, proporcionou a criação de artifícios
mecânicos de alisamento, como ferro quente e a chapinha, como também procedimentos
químicos, que modificam a estrutura biológica dos fios. Tais procedimentos ganharam cada
vez mais adeptos, em sua maioria mulheres negras que durante a infância sofreram algum
tipo de preconceito e viram no alisamento a solução para esconder suas características.
Quintão (2013) destaca que:
O cabelo é uma das ferramentas corporais mais expressivas: ele “fala”
antes que tenhamos a chance de nos expressarmos verbalmente. E ele
pode e é usado contra nós, assim como a nosso favor, dependendo de
como esteja figurado e de quem sejam nossos interlocutores. Através de
um estudo sobre o cabelo é possível compreender desde a relação de um
indivíduo com sua corporeidade até sua relação com com seu meio e seus
pares. Portanto, um estudo da performance capilar permite a compreensão
das dinâmicas por trás dos diferentes estilos e penteados[...] (QUINTÂO,
Adriana, 2013, p. 24)
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Diante deste cenário, comum em diversos países, muitos movimentos foram criados
a fim de combater o preconceito, como o movimento Black Power5, que deu origem ao
famoso penteado black power. Atualmente outro movimento se ergue. Ainda que de
maneira sutil, se observarmos iremos ver que um grande número de pessoas estão passando
a assumir suas raízes, e diferente do que muitos dizem, a transição capilar não é moda, mas
o modo que homens e mulheres encontraram para se auto afirmar e romper com as
imposições estéticas.
Talvez se o assunto fosse debatido desde cedo no próprio seio familiar e nas escolas
esse não fosse um problema, como explica CLEMENTE (2010, p. 13) “A valorização do
padrão de beleza da criança negra deve iniciar quando criança, e ser estimuladas, por pais,
parentes e educadores, os mesmos devem pontuar as diferenças e mostrar que todos são
belos com as particularidades de suas etnias.”
A partir de então entra a questão da identidade, uma palavra carregada de
significados. No dicionário Aurélio é definida como “conjunto de características que
distinguem uma pessoa ou uma coisa e por meio das quais é possível individualizá-las”.
Pode ser utilizada no sentido de identificação como no Registro Geral (RG), que contém
nome completo, impressão digital, filiação etc. Como também no sentido de personalidade
e autenticidade, com base nas ações e pensamentos expressos pelo indivíduo.
Segundo a Filosofia, ter consciência de si próprio é um elemento fundamental de
diferenciação dos demais e o meio em que se vive é fundamental na construção do
sentimento de identidade. Já Freud ressaltou a existência do que ele chamou de „‟alter ego‟‟
ou „‟outro eu‟‟, indicando que o indivíduo é composto por „‟camadas‟‟, podendo assim,
assumir diversas personalidades. O alter ego se manifesta em diferentes níveis em cada
pessoa.
Webdocumentário: trabalho inicial
Sabendo que o presente trabalho se deu primeiramente através de um
Webdocumentário, faz-se necessária uma breve explicação do que seja esse termo. Um
webdocumentário é um sistema multimídia, acessado pela Internet, que agrupa informações
em diferentes formatos, desde vídeos, textos, áudios, fotos, ilustrações e animações que
5 Movimento entre pessoas negras no mundo ocidental, especialmente nos Estados Unidos do final dos anos 60 e início
dos anos 70, o movimento enfatizou o orgulho racial e a criação de instituições culturais e políticas negras para cultivar e
disseminar interesses coletivos, valores antecipadamente, e segura autonomia para os negros.
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dizem respeito a um tema específico, permitindo ao espectador o controle na navegação, a
interatividade e a participação. Sobre isso, Sylvestre (2014) informa que:
O recurso mais promissor que o ciberespaço oferece é a interatividade. É
este o responsável pela quebra do fluxo linear de informação e tira o
internauta da posição de mero usuário passivo e o recoloca na situação de
um personagem que influencia no fluxo de conteúdo da web. O termo
“interatividade”, de modo geral se refere a uma efetiva participação dos
usuários de informação, buscando romper com a cristalização das posições
de emissor e receptor. (SYLVESTRE, 2014, p. 02)
Tal sistema é comum no jornalismo, sendo estudado com aprofundamento
principalmente nas disciplinas de jornalismo na internet de algumas universidades do país.
No curso de jornalismo da Universidade Federal do Cariri – UFCA ela é ofertada no quinto
semestre, os alunos para obtenção da segunda nota desenvolvem um webdocumentário com
auxílio dos técnicos do laboratório de multimídia. Os formandos também podem, por
opção, criar um webdocumentário como monografia para obtenção do título de bacharel.
Normalmente, o webdocumentário tem um projeto visual exclusivo. Usa uma
interface particular como parte da elaboração de sua identidade. Também habitua ter uma
ideia narrativa e um roteiro concebidos especificamente para cada tema.
Webdocumentários são obras que tratam do mundo histórico e são
projetadas para distribuição e fruição na World Wide Web. O gênero
inclui artefatos acessados através de navegadores em computadores e
aqueles desenvolvidos para acesso em dispositivos móveis como tablets e
smartphones. Desde o final do século XX, o desenvolvimento tecnológico
― como os recursos multimídia, o Compact Disc Read-Only Memory
(CD ROM) e a Word Wide Web ― abriu caminho para experimentos que
desenvolvem a narrativa em suportes digitais. Porém, foi com o amplo
acesso à internet e o amadurecimento das tecnologias agrupadas no
conceito da web 2.0 (início do século XXI) que novos formatos de
documentários começaram a ser desenvolvidos com maior
frequência.(BERNARDES, 2015, p.10)
O uso da fotografia, na maioria das vezes associado a uma narração em off6, é um
elemento primordial em vários projetos novos. Também é notório um grande destaque no
que concerne a parte sonora, outra grande diferença em relação às webrreportagens
tradicionais. O webdocumentário costuma possuir um tema fechado e peculiar. Portanto não
é um portal multimídia para vários assuntos divergentes. Mesmo quando um
webdocumentário é composto por episódios.
Uma das principais características que diferenciam o webdocumentário de
um documentário tradicional reside na ausência de narrativa ou sequência
6 Narração gravada da reportagem jornalística, usada para cobrir as imagens. No off fica a informação que na sonora não
deu, é basicamente o complemento para que todas as informações sejam passadas.
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linear de conteúdo, ou seja, é condição a não linearidade (não há uma
regra de começo, meio e fim) do webdocumentário. (SOUZA, 2015, p. 06)
Segundo a autora, ele tem como característica efetiva a quebra da linearidade
simbólica da narrativa do cinema e da televisão. Ou seja, o internauta deixa de ser apenas
um espectador e passa a poder escolher seu percurso, escolhendo o que ver, quando ver e
em que ordem. A seguir pode ser observado através de uma imagem o webdocumentário
que serviu de inspiração para essa pesquisa.
Print feito do webdocumentário em 13/07/2016
Para averiguação do caso foram realizadas entrevistas com alguns personagens no
webdocumentário que fizeram alisamento e que tempos depois passaram pela transição
capilar7 para que elas pudessem relatar suas experiências pessoais em relação ao assunto.
Pessoas foram abordadas em ambientes públicos, também, onde deram seu parecer a
respeito do que seja cabelo ruim e cabelo bom na opinião deles. Muitos ainda caíram e se
sustentaram no senso comum, outras já abordaram um discurso mais descontruído e
moderno.
Preconceito racial nas redes sociais
Ultimamente tem se percebido um crescente número de crimes racistas por meio das
redes sociais, onde algumas pessoas se utilizam de perfis falsos para atacar e humilhar as
outras simplesmente pela cor da pele. É notório, principalmente, quando se trata de
personalidades famosas e influentes. Todos os acontecimentos citados abaixo ficaram sobre
responsabilidade da polícia. Pessoas foram investigadas, descobertas, responsabilizadas e
presas.
7 Período esperado por uma pessoa que usou química no cabelo com finalidade de alisar, para que o processo químico saia
por completo e ela possa assumir o cabelo crespo ou cacheado novamente.
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Um dos problemas relacionados aos crimes cometidos pela internet é a
prisão em flagrante, além da parte de investigação ser mais complicada.
Outra particularidade da rede de computadores é o fato de que ela liga
vários países. E isso é um empecilho na hora de julgar um crime, pois não
se pode precisar quem é competente para julgar e com base em quais leis.
(DUARTE, 2006, p. 26)
Alguns casos ficaram bem conhecidos na mídia como o da atriz da Rede Globo de
televisão, Tais Araújo. Ela foi alvo de ataques no seu perfil oficial do facebook em
novembro de 2015.
Imagem extraída da internet em 13/07/16
Os comentários foram vários e de diversos tipos, desde com relação a cor da pele até
a textura do cabelo. “Esse cabelo de esfregão”, “me empresta seu cabelo aí pra eu lavar
louça”, “Como pode alguém achar bonito esse cabelo de bom bril”, “com esse cabelo dá pra
lavar a globo inteira”. Esses foram alguns dos comentários que tomaram mais notoriedade
na mídia.
Outro caso que também tomou bastante repercussão foi o da Jornalista Maria Júlia
Coutinho que apresenta o tempo no Jornal Nacional exibido pela Rede Globo. A
profissional foi alvo de vários xingamentos em um post da página do telejornal no facebook
onde ela apareceu, em julho de 2015. Comentários do tipo: “Só conseguiu emprego no JN
por causa das cotas, preta macaca” e “Ela já nasceu de luto” puderam ser observados.
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Imagem extraída da internet em 13/07/16
Outros como o da jovem M.D.M.R, aconteceu em 2014, na época a mineira que
tinha 20 anos postou uma foto com seu namorado, o fato dele ser branco e ela não, gerou
vários comentários maldosos e racistas. Alguns deles foram: “Onde comprou essa
escrava?”, “Me vende ela” e “café com leite”.
Imagem extraída da internet em 13/07/16
O preconceito étnico racial no dia a dia
Muitos autores apresentam pontos de vista diferentes sobre a questão étnica racial, a
maioria deles voltados à identidade cultural, fundamental na construção da identidade
individual. É perceptível que exista uma preferência pelo cabelo liso, tendo como desculpa
que ele é mais prático e mais fácil de pentear.
O conceito de cabelo ruim foi criado há muito tempo, para definir o cabelo de
textura crespa e cacheada, principalmente por ser relacionado com os negros, o que envolve
todo um contexto histórico sobre racismo e preconceito.
Amar o cabelo vai muito além de aceitar sua verdadeira natureza. Existem vários
tipos de textura capilar e todas elas exigem cuidados. Se você ama seu cabelo mesmo ele
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sendo alterado quimicamente, seja com alisamento ou coloração, ele precisa ser bem
tratado.
Em torno da manipulação do cabelo, existe uma vasta história cheia de
significações. Nessa linha, percebe-se que o cabelo é, ao longo dos
séculos, um elemento visível de caráter identitário, sendo visto como
símbolo marcante na hierarquia, a relação de poder de diferentes povos.
No homem, era a expressão de sua força, na mulher, expressão da
fertilidade. Homens e mulheres usavam tranças hornamentadas ou
entrelaçavam seus cabelos e usavam joias para prender as pontas. (FELIX,
2010, p. 05)
Cabeleireiros estão acostumados a receber, quase que diariamente, pessoas em busca
de uma fórmula milagrosa para transformar o cabelo, o que é praticamente impossível sem
uma boa dose de cuidado diário. Historicamente as sociedades estabelecem seus padrões,
em geral com base em modelos definidos por determinados grupos hegemônicos. No Brasil,
assim como todos os estereótipos relacionados à raça negra, o cabelo crespo e cacheado foi
adjetivado como ruim, porém é de se estranhar um país mestiço e conhecido mundialmente
pela diversidade e pluralidade cultural como esse ainda existir pensamentos/opiniões tão
retrógradas e preconceituosas.
Figueiredo (2002, p. 06) diz que “O discurso da militância negra em torno do cabelo
é basicamente contestatório e pretende a destruição de imagem dual construída na
sociedade ocidental.” Na região do Cariri cearense podemos observar a existência de dois
grupos conhecidos que lutam pelo empoderamento das mulheres negras e militam pela
igualdade de gênero, que é o Grunec e o Pretas Simoa.
Grunec
É um Grupo de Valorização Negra do Cariri, uma entidade sem fins lucrativos,
formado na cidade de Crato-CE no ano de 2001 com o objetivo principal de promover
a igualdade étnica racial e elevar a autoestima da população de cor negra na região do
Cariri, além de propagar a consciência sobre afrodescendência, valorizando a história e a
cultura. Ele conta com o apoio de entidades governamentais e não governamentais, liberais,
autoridades, empresários e de qualquer pessoa da população que pretenda se filiar em um
propósito social.
De acordo com pesquisas na internet, o GRUNEC foi criado a partir da vontade de
cinco pessoas que sempre conversavam sobre injustiças sociais, a partir de então resolveram
partir para algo maior e sair dos meros discursos individuais. Depois de uma importante
reunião surge o GRUNEC, que atualmente já contém 15 anos de formação e atuação.
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Segundo informações, atua de forma efetiva na Semana da Consciência Negra e em
ações realizadas junto às Secretarias Municipal e Estadual de Educação para garantir o
cumprimento das normas reguladoras como um dos patamares que levarão a uma
conscientização mais sólida sobre afrodescendência, encaminhando até mesmo a um
contexto nacional.
O grupo promoveu a 1ª Audiência Pública Federal no ano de 2007, para discutir a
implementação da Lei nº 10.639/03 onde conseguiu reunir representantes de 42 municípios
da Região do Cariri cearense, em 2005 realizou o 1º Seminário no Crato para discutir a
Igualdade Racial e é responsável também, todos os anos, pela Semana da Consciência
Negra.
Cria cursos para geração de empregos e renda junto a governo municipal do Crato,
articula a sua adesão ao Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial,
coordenado pela SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade
Racial) como forma de afirmar o compromisso do município no combate ao racismo e de
garantir à população o aperfeiçoamento das políticas públicas voltadas para promoção da
igualdade racial.
Pretas Simoa
É um Grupo de Mulheres Negras do Cariri. Formado por mulheres negras
empoderadas, atuantes e ativistas na região do Cariri, interior do estado Ceará. O nome do
grupo se deu A Preta Tia Simoa, uma negra liberta que liderou os episódios do ano de 1881
em Fortaleza/CE, evento que ficou na história como a Greve dos Jangadeiros, onde se
concretizou o fim do embarque de escravizados naquele porto, definindo os rumos para a
abolição da escravidão no estado. Mas, apesar de sua importante participação para a
mobilização popular que impulsionou os acontecimentos, ela teve sua participação
esquecida na história do Ceará. O grupo alega que:
O racismo deve ser reconhecido como uma construção sociológica, uma
categoria social de dominação e de exclusão. Neste sentido, o debate em
torno da superação do racismo no Brasil deve envolver tanto o Estado
quanto a sociedade em geral, já que trata-se de um fato estrutural que
produz desigualdades e hierarquias sociais determinados pela estrutura da
sociedade e pelas relações de poder que a conduzem. Significa dizer que o
racismo nasce, se manifesta e se perpetua nas próprias Instituições do
Estado, a exemplo das Instituições de ensino superior, como as
Universidades brasileiras. (Racismo: problema de quem? Grupo Pretas
Simoa, s.p)
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Imagem retirada do site https://pretassimoa.wordpress.com/fotos/ em 12/07/2016
Elas também possuem página no perfil da rede social facebook, onde, através de lá
buscam disseminar as suas ideologias e interagir com pessoas que partilham dos mesmos
pensamentos e vontade de um mundo sem preconceito étnico racial. Logo abaixo pode-se
observar uma fotografia de uma intervenção realizada pelo coletivo.
Imagem retirada do site https://pretassimoa.wordpress.com/fotos/ em 12/07/2016
Considerações finais
Poder ouvir depoimentos emocionados de pessoas que presenciaram e sofreram com
o preconceito étnico racial e que hoje lutam para que isso não venha a acontecer com as
futuras gerações nos deixa mais tranquilizados. Também saber que na região do Cariri
cearense existem grupos atuantes que têm como objetivo principal a militância contra esse
tipo de pensamento retrógrado enraizado na cultura de algumas pessoas.
Logo esse trabalho teve como intuito principal trazer a tona um assunto tão presente
e comum na sociedade brasileira, o fato de meninas negras alisarem os seus cabelos para se
sentirem inclusas dentro de uma classe a qual elas, biologicamente, não fazem parte.
Com o passar dos tempos, as entrevistas deixaram evidente que isso foi percebido
por elas. Essas garotas atualmente assumiram seus cachos e hoje buscam desconstruir
pensamentos semelhantes e ajudar outras pessoas que ainda passam e sofrem com
problemas da não aceitação de suas descendências.
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Foi constatado que algumas das entrevistadas que passaram pelo processo de
transição capilar aderiram ao alisamento por incentivo de alguém da família. Era
perceptível a emoção, no tom de voz delas e nas expressões, ao ressaltarem o momento em
que foram “obrigadas” socialmente a passarem pelo processo químico para se inserirem
dentro um padrão social tido como perfeito.
A estudante Amanda Carreiro, 21 anos, reside em Juazeiro do Norte-CE e participou
da entrevista para o webdocumentário, ela informou já ter feito alisamento devido
influência de um parente.
Desde criança que meu cabelo foi alisado, por muitos e muitos anos. Isso
não foi uma coisa que eu fui atrás, porque eu não tinha conhecimento,
também, acho que eu tinha por volta de uns sete anos, foi até minha tia
que disse: vamos baixar o volume do cabelo dela e nem sabia como tratar,
essa era a verdade, não sabia cuidar de um cabelo cacheado. E isso hoje
em dia... as pessoas estão se libertando mais, tendo aquela liberdade de ter
esse cabelo com volume, cabelo solto. (Amanda Carreiro, 2015)
Imagem da entrevistada feita por Poliana Jamacaru e extraída do webdocumentário em
13/07/2016
Após aceitarem seus cabelos cacheados e crespos e assumirem sua identidade
enquanto mulheres empoderadas, as mesmas passaram a viver mais felizes consigo mesma,
passaram também a ponderam outras mulheres e militarem pela causa nas redes sociais e
nos campos sociais que fazem parte.
O cabelo é um marcante indício de procedência étnica, é um dos
principais elementos biotipológicos na construção da pessoa na cultura. O
negro quando assume o seu cabelo de negro assume também o seu papel
na sociedade como uma pessoa negra. E ser negro no Brasil e no mundo,
convenhamos, é ainda um duro caminho trilhado por milhares de afro
descendentes. (LODY, R. 2004, p. 125)
Pâmela Queiroz é estudante de Jornalismo, tem 18 anos e mora em Crato, ela contou
que começou os processos de alisamento aos 14 anos e que esse foi o seu presente de
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aniversário, ela também se sentia angustiada por não ter herdado os traços europeu do pai:
olhos azuis, cabelo liso e pele branca, mas sim o da sua mãe. Porém hoje ela conta que o
pensamento é outro “Eu sei que esse processo de alisamento foi o que me fez identificar
enquanto uma mulher negra, foi o que me fez identificar enquanto dona desse cabelo lindo
que eu sei que é [...] eu sei que essa é uma herança que eu carrego e que eu tenho que me
fazer valer dela.”
Imagem extraída do facebook pessoal da entrevistada em 14/07/2016
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