meu cabelo, minha identidade: uma pesquisa bibliográfica...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 Meu Cabelo, Minha Identidade: Uma Pesquisa Bibliográfica Sobre o Conceito de Cabelo Atrelado ao Étnico Racial Com Base Em Um Webdocumentário 1 Joelton Barboza da Silva 2 Viviane Bastos de Sousa 3 Paulo Eduardo Silva Lins Cajazeira 4 Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte, CE Resumo Este trabalho tem como objetivo principal fomentar discussões relacionadas à história e a cultura, que explicam situações vividas atualmente pela nossa sociedade e apresentar como o cabelo auxilia na construção da identidade de um indivíduo, através da perspectiva de pessoas que enfrentaram o medo de fugir dos padrões sociais para assumirem sua verdadeira identidade. Tal trabalho se deu, de início, através da produção de um webdocumentário. É comum entre os seres humanos o cabelo se destacar como elemento de beleza, força e personalidade. Mais do que a moldura do nosso rosto, o cabelo ajuda a expressar o que sentimos, como vivemos e quem somos. Palavras-chave: cabelo; identidade; mídia; preconceito; webdocumentário. Introdução Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas IBGE, de 2013, a maior parte da população residente no Brasil, 93,2 milhões de pessoas era de cor branca, representando 46,3%; 90,6 milhões representava o grupo de pessoas de cor parda que correspondia a 45,0%; 8,0% se declararam de cor preta (16,1 milhões); e 1,6 milhão de pessoas (0,8%) declarou outra cor ou raça (indígena e amarela). Ainda segundo essa pesquisa, não houve grandes mudanças na distribuição da população residente. Dentre as Grandes Regiões, 76,4% da população residente da Região 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Estudos Interdisciplinares da Comunicação, da Intercom Júnior XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Graduando em Jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA). Bolsista PID, Programa de Iniciação à Docência UFCA. Email: [email protected] 3 Graduanda em Jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA). Bolsista PID, Programa de Iniciação à Docência UFCA. Email: [email protected] 4 Orientador, Jornalista e Doutor em Comunicação e Semiótica (PUCSP). Professor adjunto do Curso de Jornalismo e do Programa de Pós-graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Membro do Centro de Estudos e Jornalismo (UFCA/CNPq). E-mail: [email protected]

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

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Meu Cabelo, Minha Identidade: Uma Pesquisa Bibliográfica Sobre o Conceito

de Cabelo Atrelado ao Étnico Racial Com Base Em Um Webdocumentário1

Joelton Barboza da Silva

2

Viviane Bastos de Sousa3

Paulo Eduardo Silva Lins Cajazeira4

Universidade Federal do Cariri, Juazeiro do Norte, CE

Resumo

Este trabalho tem como objetivo principal fomentar discussões relacionadas à história e a

cultura, que explicam situações vividas atualmente pela nossa sociedade e apresentar como

o cabelo auxilia na construção da identidade de um indivíduo, através da perspectiva de

pessoas que enfrentaram o medo de fugir dos padrões sociais para assumirem sua

verdadeira identidade. Tal trabalho se deu, de início, através da produção de um

webdocumentário. É comum entre os seres humanos o cabelo se destacar como elemento de

beleza, força e personalidade. Mais do que a moldura do nosso rosto, o cabelo ajuda a

expressar o que sentimos, como vivemos e quem somos.

Palavras-chave: cabelo; identidade; mídia; preconceito; webdocumentário.

Introdução

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, de 2013,

a maior parte da população residente no Brasil, 93,2 milhões de pessoas era de cor branca,

representando 46,3%; 90,6 milhões representava o grupo de pessoas de cor parda que

correspondia a 45,0%; 8,0% se declararam de cor preta (16,1 milhões); e 1,6 milhão de

pessoas (0,8%) declarou outra cor ou raça (indígena e amarela).

Ainda segundo essa pesquisa, não houve grandes mudanças na distribuição da

população residente. Dentre as Grandes Regiões, 76,4% da população residente da Região

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Estudos Interdisciplinares da Comunicação, da Intercom Júnior – XII

Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da

Comunicação.

2 Graduando em Jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA). Bolsista PID, Programa de Iniciação à Docência –

UFCA. Email: [email protected]

3 Graduanda em Jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA). Bolsista PID, Programa de Iniciação à Docência –

UFCA. Email: [email protected]

4 Orientador, Jornalista e Doutor em Comunicação e Semiótica (PUCSP). Professor adjunto do Curso de Jornalismo e do

Programa de Pós-graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Membro do Centro de

Estudos e Jornalismo (UFCA/CNPq). E-mail: [email protected]

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Sul declarou ser de cor branca, enquanto nas Regiões Norte e Nordeste a maioria se

declarou parda, com 68,1% e 62,4%, respectivamente.

Num Brasil em que se dissemina a noção de “democracia racial”, a

suposta igualdade de oportunidades e de participação social que tal noção

carregaria como implicação é desmontada, frente aos números expostos –

signos da exclusão do ser negro. Também a tese de um país

assumidamente mestiço é negada, ao se observar, apenas nas peças mistas,

a presença desproporcional do negro em relação à de pessoas não negras.

A seleção significa, edifica e ratifica a falaciosa ideia da existência de uma

“minoria racial”, grupo esse integrado por negros. (BORGES e BORGES,

2012, p. 46)

O parecer CNE/CP n°3/2004 aprovado em 10 de Março de 2004 e homologado em

19 de Maio de 2004 visa atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CP 6/2002,

bem como regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, pela Lei 10.639/200, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica.

Desta forma, busca cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º,

I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A e

79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que asseguram o direito

à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às

histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes

fontes da cultura nacional a todos brasileiros.

Sobre o assunto Félix (2010) explica:

A criança negra ao entrar na escola depara-se com um espaço totalmente

estranho ao do ambiente familiar, onde muitas famílias negras educam as

crianças desde cedo a gostarem de si mesmas e de sua estética. Porém a

escola quebra com essa valorização familiar, a preocupação com a

aparência em torno do cabelo da criança negra é posta em primeiro plano

como uma exigência estabelecida pela escola. (FÉLIX, 2010, p. 05)

Uma análise das informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego - Sistema

PED, realizada em 2014 e com lançamento em 2015, sobre os negros no mercado de

trabalho metropolitano nas cidades de Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São

Paulo, mostrou que, apesar da diminuição das desigualdades no decorrer das últimas

décadas, as desigualdades raciais no mercado de trabalho ainda existem. As diferenças de

salário e ocupação entre negros e não negros estruturam as oportunidades de vida desses

diferentes grupos na sociedade brasileira.

Enquanto que as mulheres negras seguem com uma participação menos significativa

que os homens negros no mercado de trabalho, o que aponta desigualdade de acesso e

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continuação no mercado de trabalho segundo sexo, independente de raça e cor. Entre os

homens, as taxas de participação de negros e não negros são bastante semelhantes e

continuam mais elevadas do que as observadas para as mulheres. No que se refere ao

mercado de trabalho na área de comunicação, Rosa (2011), jornalista e doutoranda em

comunicação afirma:

As notícias não são produtos autônomos. Estão integradas ao mundo dos

jornalistas, aos interesses das empresas jornalísticas, aos interesses

sociopolíticos das forças dominantes. No caso brasileiro, acrescentam-se

as disparidades raciais existentes entre negros, indígenas e brancos,

decorrentes do processo de colonização e escravização como fator crítico

de influência no processo de produção de notícia, no Jornalismo como

prática social e na instituição imprensa. (ROSA, 2011, p. 15)

No que tange a imagem da mulher negra, a procura de uma estética ideal e

padronizada, leia-se com base no padrão europeu, proporcionou a criação de artifícios

mecânicos de alisamento, como ferro quente e a chapinha, como também procedimentos

químicos, que modificam a estrutura biológica dos fios. Tais procedimentos ganharam cada

vez mais adeptos, em sua maioria mulheres negras que durante a infância sofreram algum

tipo de preconceito e viram no alisamento a solução para esconder suas características.

Quintão (2013) destaca que:

O cabelo é uma das ferramentas corporais mais expressivas: ele “fala”

antes que tenhamos a chance de nos expressarmos verbalmente. E ele

pode e é usado contra nós, assim como a nosso favor, dependendo de

como esteja figurado e de quem sejam nossos interlocutores. Através de

um estudo sobre o cabelo é possível compreender desde a relação de um

indivíduo com sua corporeidade até sua relação com com seu meio e seus

pares. Portanto, um estudo da performance capilar permite a compreensão

das dinâmicas por trás dos diferentes estilos e penteados[...] (QUINTÂO,

Adriana, 2013, p. 24)

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Diante deste cenário, comum em diversos países, muitos movimentos foram criados

a fim de combater o preconceito, como o movimento Black Power5, que deu origem ao

famoso penteado black power. Atualmente outro movimento se ergue. Ainda que de

maneira sutil, se observarmos iremos ver que um grande número de pessoas estão passando

a assumir suas raízes, e diferente do que muitos dizem, a transição capilar não é moda, mas

o modo que homens e mulheres encontraram para se auto afirmar e romper com as

imposições estéticas.

Talvez se o assunto fosse debatido desde cedo no próprio seio familiar e nas escolas

esse não fosse um problema, como explica CLEMENTE (2010, p. 13) “A valorização do

padrão de beleza da criança negra deve iniciar quando criança, e ser estimuladas, por pais,

parentes e educadores, os mesmos devem pontuar as diferenças e mostrar que todos são

belos com as particularidades de suas etnias.”

A partir de então entra a questão da identidade, uma palavra carregada de

significados. No dicionário Aurélio é definida como “conjunto de características que

distinguem uma pessoa ou uma coisa e por meio das quais é possível individualizá-las”.

Pode ser utilizada no sentido de identificação como no Registro Geral (RG), que contém

nome completo, impressão digital, filiação etc. Como também no sentido de personalidade

e autenticidade, com base nas ações e pensamentos expressos pelo indivíduo.

Segundo a Filosofia, ter consciência de si próprio é um elemento fundamental de

diferenciação dos demais e o meio em que se vive é fundamental na construção do

sentimento de identidade. Já Freud ressaltou a existência do que ele chamou de „‟alter ego‟‟

ou „‟outro eu‟‟, indicando que o indivíduo é composto por „‟camadas‟‟, podendo assim,

assumir diversas personalidades. O alter ego se manifesta em diferentes níveis em cada

pessoa.

Webdocumentário: trabalho inicial

Sabendo que o presente trabalho se deu primeiramente através de um

Webdocumentário, faz-se necessária uma breve explicação do que seja esse termo. Um

webdocumentário é um sistema multimídia, acessado pela Internet, que agrupa informações

em diferentes formatos, desde vídeos, textos, áudios, fotos, ilustrações e animações que

5 Movimento entre pessoas negras no mundo ocidental, especialmente nos Estados Unidos do final dos anos 60 e início

dos anos 70, o movimento enfatizou o orgulho racial e a criação de instituições culturais e políticas negras para cultivar e

disseminar interesses coletivos, valores antecipadamente, e segura autonomia para os negros.

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dizem respeito a um tema específico, permitindo ao espectador o controle na navegação, a

interatividade e a participação. Sobre isso, Sylvestre (2014) informa que:

O recurso mais promissor que o ciberespaço oferece é a interatividade. É

este o responsável pela quebra do fluxo linear de informação e tira o

internauta da posição de mero usuário passivo e o recoloca na situação de

um personagem que influencia no fluxo de conteúdo da web. O termo

“interatividade”, de modo geral se refere a uma efetiva participação dos

usuários de informação, buscando romper com a cristalização das posições

de emissor e receptor. (SYLVESTRE, 2014, p. 02)

Tal sistema é comum no jornalismo, sendo estudado com aprofundamento

principalmente nas disciplinas de jornalismo na internet de algumas universidades do país.

No curso de jornalismo da Universidade Federal do Cariri – UFCA ela é ofertada no quinto

semestre, os alunos para obtenção da segunda nota desenvolvem um webdocumentário com

auxílio dos técnicos do laboratório de multimídia. Os formandos também podem, por

opção, criar um webdocumentário como monografia para obtenção do título de bacharel.

Normalmente, o webdocumentário tem um projeto visual exclusivo. Usa uma

interface particular como parte da elaboração de sua identidade. Também habitua ter uma

ideia narrativa e um roteiro concebidos especificamente para cada tema.

Webdocumentários são obras que tratam do mundo histórico e são

projetadas para distribuição e fruição na World Wide Web. O gênero

inclui artefatos acessados através de navegadores em computadores e

aqueles desenvolvidos para acesso em dispositivos móveis como tablets e

smartphones. Desde o final do século XX, o desenvolvimento tecnológico

― como os recursos multimídia, o Compact Disc Read-Only Memory

(CD ROM) e a Word Wide Web ― abriu caminho para experimentos que

desenvolvem a narrativa em suportes digitais. Porém, foi com o amplo

acesso à internet e o amadurecimento das tecnologias agrupadas no

conceito da web 2.0 (início do século XXI) que novos formatos de

documentários começaram a ser desenvolvidos com maior

frequência.(BERNARDES, 2015, p.10)

O uso da fotografia, na maioria das vezes associado a uma narração em off6, é um

elemento primordial em vários projetos novos. Também é notório um grande destaque no

que concerne a parte sonora, outra grande diferença em relação às webrreportagens

tradicionais. O webdocumentário costuma possuir um tema fechado e peculiar. Portanto não

é um portal multimídia para vários assuntos divergentes. Mesmo quando um

webdocumentário é composto por episódios.

Uma das principais características que diferenciam o webdocumentário de

um documentário tradicional reside na ausência de narrativa ou sequência

6 Narração gravada da reportagem jornalística, usada para cobrir as imagens. No off fica a informação que na sonora não

deu, é basicamente o complemento para que todas as informações sejam passadas.

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linear de conteúdo, ou seja, é condição a não linearidade (não há uma

regra de começo, meio e fim) do webdocumentário. (SOUZA, 2015, p. 06)

Segundo a autora, ele tem como característica efetiva a quebra da linearidade

simbólica da narrativa do cinema e da televisão. Ou seja, o internauta deixa de ser apenas

um espectador e passa a poder escolher seu percurso, escolhendo o que ver, quando ver e

em que ordem. A seguir pode ser observado através de uma imagem o webdocumentário

que serviu de inspiração para essa pesquisa.

Print feito do webdocumentário em 13/07/2016

Para averiguação do caso foram realizadas entrevistas com alguns personagens no

webdocumentário que fizeram alisamento e que tempos depois passaram pela transição

capilar7 para que elas pudessem relatar suas experiências pessoais em relação ao assunto.

Pessoas foram abordadas em ambientes públicos, também, onde deram seu parecer a

respeito do que seja cabelo ruim e cabelo bom na opinião deles. Muitos ainda caíram e se

sustentaram no senso comum, outras já abordaram um discurso mais descontruído e

moderno.

Preconceito racial nas redes sociais

Ultimamente tem se percebido um crescente número de crimes racistas por meio das

redes sociais, onde algumas pessoas se utilizam de perfis falsos para atacar e humilhar as

outras simplesmente pela cor da pele. É notório, principalmente, quando se trata de

personalidades famosas e influentes. Todos os acontecimentos citados abaixo ficaram sobre

responsabilidade da polícia. Pessoas foram investigadas, descobertas, responsabilizadas e

presas.

7 Período esperado por uma pessoa que usou química no cabelo com finalidade de alisar, para que o processo químico saia

por completo e ela possa assumir o cabelo crespo ou cacheado novamente.

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Um dos problemas relacionados aos crimes cometidos pela internet é a

prisão em flagrante, além da parte de investigação ser mais complicada.

Outra particularidade da rede de computadores é o fato de que ela liga

vários países. E isso é um empecilho na hora de julgar um crime, pois não

se pode precisar quem é competente para julgar e com base em quais leis.

(DUARTE, 2006, p. 26)

Alguns casos ficaram bem conhecidos na mídia como o da atriz da Rede Globo de

televisão, Tais Araújo. Ela foi alvo de ataques no seu perfil oficial do facebook em

novembro de 2015.

Imagem extraída da internet em 13/07/16

Os comentários foram vários e de diversos tipos, desde com relação a cor da pele até

a textura do cabelo. “Esse cabelo de esfregão”, “me empresta seu cabelo aí pra eu lavar

louça”, “Como pode alguém achar bonito esse cabelo de bom bril”, “com esse cabelo dá pra

lavar a globo inteira”. Esses foram alguns dos comentários que tomaram mais notoriedade

na mídia.

Outro caso que também tomou bastante repercussão foi o da Jornalista Maria Júlia

Coutinho que apresenta o tempo no Jornal Nacional exibido pela Rede Globo. A

profissional foi alvo de vários xingamentos em um post da página do telejornal no facebook

onde ela apareceu, em julho de 2015. Comentários do tipo: “Só conseguiu emprego no JN

por causa das cotas, preta macaca” e “Ela já nasceu de luto” puderam ser observados.

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Imagem extraída da internet em 13/07/16

Outros como o da jovem M.D.M.R, aconteceu em 2014, na época a mineira que

tinha 20 anos postou uma foto com seu namorado, o fato dele ser branco e ela não, gerou

vários comentários maldosos e racistas. Alguns deles foram: “Onde comprou essa

escrava?”, “Me vende ela” e “café com leite”.

Imagem extraída da internet em 13/07/16

O preconceito étnico racial no dia a dia

Muitos autores apresentam pontos de vista diferentes sobre a questão étnica racial, a

maioria deles voltados à identidade cultural, fundamental na construção da identidade

individual. É perceptível que exista uma preferência pelo cabelo liso, tendo como desculpa

que ele é mais prático e mais fácil de pentear.

O conceito de cabelo ruim foi criado há muito tempo, para definir o cabelo de

textura crespa e cacheada, principalmente por ser relacionado com os negros, o que envolve

todo um contexto histórico sobre racismo e preconceito.

Amar o cabelo vai muito além de aceitar sua verdadeira natureza. Existem vários

tipos de textura capilar e todas elas exigem cuidados. Se você ama seu cabelo mesmo ele

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sendo alterado quimicamente, seja com alisamento ou coloração, ele precisa ser bem

tratado.

Em torno da manipulação do cabelo, existe uma vasta história cheia de

significações. Nessa linha, percebe-se que o cabelo é, ao longo dos

séculos, um elemento visível de caráter identitário, sendo visto como

símbolo marcante na hierarquia, a relação de poder de diferentes povos.

No homem, era a expressão de sua força, na mulher, expressão da

fertilidade. Homens e mulheres usavam tranças hornamentadas ou

entrelaçavam seus cabelos e usavam joias para prender as pontas. (FELIX,

2010, p. 05)

Cabeleireiros estão acostumados a receber, quase que diariamente, pessoas em busca

de uma fórmula milagrosa para transformar o cabelo, o que é praticamente impossível sem

uma boa dose de cuidado diário. Historicamente as sociedades estabelecem seus padrões,

em geral com base em modelos definidos por determinados grupos hegemônicos. No Brasil,

assim como todos os estereótipos relacionados à raça negra, o cabelo crespo e cacheado foi

adjetivado como ruim, porém é de se estranhar um país mestiço e conhecido mundialmente

pela diversidade e pluralidade cultural como esse ainda existir pensamentos/opiniões tão

retrógradas e preconceituosas.

Figueiredo (2002, p. 06) diz que “O discurso da militância negra em torno do cabelo

é basicamente contestatório e pretende a destruição de imagem dual construída na

sociedade ocidental.” Na região do Cariri cearense podemos observar a existência de dois

grupos conhecidos que lutam pelo empoderamento das mulheres negras e militam pela

igualdade de gênero, que é o Grunec e o Pretas Simoa.

Grunec

É um Grupo de Valorização Negra do Cariri, uma entidade sem fins lucrativos,

formado na cidade de Crato-CE no ano de 2001 com o objetivo principal de promover

a igualdade étnica racial e elevar a autoestima da população de cor negra na região do

Cariri, além de propagar a consciência sobre afrodescendência, valorizando a história e a

cultura. Ele conta com o apoio de entidades governamentais e não governamentais, liberais,

autoridades, empresários e de qualquer pessoa da população que pretenda se filiar em um

propósito social.

De acordo com pesquisas na internet, o GRUNEC foi criado a partir da vontade de

cinco pessoas que sempre conversavam sobre injustiças sociais, a partir de então resolveram

partir para algo maior e sair dos meros discursos individuais. Depois de uma importante

reunião surge o GRUNEC, que atualmente já contém 15 anos de formação e atuação.

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Segundo informações, atua de forma efetiva na Semana da Consciência Negra e em

ações realizadas junto às Secretarias Municipal e Estadual de Educação para garantir o

cumprimento das normas reguladoras como um dos patamares que levarão a uma

conscientização mais sólida sobre afrodescendência, encaminhando até mesmo a um

contexto nacional.

O grupo promoveu a 1ª Audiência Pública Federal no ano de 2007, para discutir a

implementação da Lei nº 10.639/03 onde conseguiu reunir representantes de 42 municípios

da Região do Cariri cearense, em 2005 realizou o 1º Seminário no Crato para discutir a

Igualdade Racial e é responsável também, todos os anos, pela Semana da Consciência

Negra.

Cria cursos para geração de empregos e renda junto a governo municipal do Crato,

articula a sua adesão ao Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial,

coordenado pela SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade

Racial) como forma de afirmar o compromisso do município no combate ao racismo e de

garantir à população o aperfeiçoamento das políticas públicas voltadas para promoção da

igualdade racial.

Pretas Simoa

É um Grupo de Mulheres Negras do Cariri. Formado por mulheres negras

empoderadas, atuantes e ativistas na região do Cariri, interior do estado Ceará. O nome do

grupo se deu A Preta Tia Simoa, uma negra liberta que liderou os episódios do ano de 1881

em Fortaleza/CE, evento que ficou na história como a Greve dos Jangadeiros, onde se

concretizou o fim do embarque de escravizados naquele porto, definindo os rumos para a

abolição da escravidão no estado. Mas, apesar de sua importante participação para a

mobilização popular que impulsionou os acontecimentos, ela teve sua participação

esquecida na história do Ceará. O grupo alega que:

O racismo deve ser reconhecido como uma construção sociológica, uma

categoria social de dominação e de exclusão. Neste sentido, o debate em

torno da superação do racismo no Brasil deve envolver tanto o Estado

quanto a sociedade em geral, já que trata-se de um fato estrutural que

produz desigualdades e hierarquias sociais determinados pela estrutura da

sociedade e pelas relações de poder que a conduzem. Significa dizer que o

racismo nasce, se manifesta e se perpetua nas próprias Instituições do

Estado, a exemplo das Instituições de ensino superior, como as

Universidades brasileiras. (Racismo: problema de quem? Grupo Pretas

Simoa, s.p)

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Imagem retirada do site https://pretassimoa.wordpress.com/fotos/ em 12/07/2016

Elas também possuem página no perfil da rede social facebook, onde, através de lá

buscam disseminar as suas ideologias e interagir com pessoas que partilham dos mesmos

pensamentos e vontade de um mundo sem preconceito étnico racial. Logo abaixo pode-se

observar uma fotografia de uma intervenção realizada pelo coletivo.

Imagem retirada do site https://pretassimoa.wordpress.com/fotos/ em 12/07/2016

Considerações finais

Poder ouvir depoimentos emocionados de pessoas que presenciaram e sofreram com

o preconceito étnico racial e que hoje lutam para que isso não venha a acontecer com as

futuras gerações nos deixa mais tranquilizados. Também saber que na região do Cariri

cearense existem grupos atuantes que têm como objetivo principal a militância contra esse

tipo de pensamento retrógrado enraizado na cultura de algumas pessoas.

Logo esse trabalho teve como intuito principal trazer a tona um assunto tão presente

e comum na sociedade brasileira, o fato de meninas negras alisarem os seus cabelos para se

sentirem inclusas dentro de uma classe a qual elas, biologicamente, não fazem parte.

Com o passar dos tempos, as entrevistas deixaram evidente que isso foi percebido

por elas. Essas garotas atualmente assumiram seus cachos e hoje buscam desconstruir

pensamentos semelhantes e ajudar outras pessoas que ainda passam e sofrem com

problemas da não aceitação de suas descendências.

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Foi constatado que algumas das entrevistadas que passaram pelo processo de

transição capilar aderiram ao alisamento por incentivo de alguém da família. Era

perceptível a emoção, no tom de voz delas e nas expressões, ao ressaltarem o momento em

que foram “obrigadas” socialmente a passarem pelo processo químico para se inserirem

dentro um padrão social tido como perfeito.

A estudante Amanda Carreiro, 21 anos, reside em Juazeiro do Norte-CE e participou

da entrevista para o webdocumentário, ela informou já ter feito alisamento devido

influência de um parente.

Desde criança que meu cabelo foi alisado, por muitos e muitos anos. Isso

não foi uma coisa que eu fui atrás, porque eu não tinha conhecimento,

também, acho que eu tinha por volta de uns sete anos, foi até minha tia

que disse: vamos baixar o volume do cabelo dela e nem sabia como tratar,

essa era a verdade, não sabia cuidar de um cabelo cacheado. E isso hoje

em dia... as pessoas estão se libertando mais, tendo aquela liberdade de ter

esse cabelo com volume, cabelo solto. (Amanda Carreiro, 2015)

Imagem da entrevistada feita por Poliana Jamacaru e extraída do webdocumentário em

13/07/2016

Após aceitarem seus cabelos cacheados e crespos e assumirem sua identidade

enquanto mulheres empoderadas, as mesmas passaram a viver mais felizes consigo mesma,

passaram também a ponderam outras mulheres e militarem pela causa nas redes sociais e

nos campos sociais que fazem parte.

O cabelo é um marcante indício de procedência étnica, é um dos

principais elementos biotipológicos na construção da pessoa na cultura. O

negro quando assume o seu cabelo de negro assume também o seu papel

na sociedade como uma pessoa negra. E ser negro no Brasil e no mundo,

convenhamos, é ainda um duro caminho trilhado por milhares de afro

descendentes. (LODY, R. 2004, p. 125)

Pâmela Queiroz é estudante de Jornalismo, tem 18 anos e mora em Crato, ela contou

que começou os processos de alisamento aos 14 anos e que esse foi o seu presente de

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aniversário, ela também se sentia angustiada por não ter herdado os traços europeu do pai:

olhos azuis, cabelo liso e pele branca, mas sim o da sua mãe. Porém hoje ela conta que o

pensamento é outro “Eu sei que esse processo de alisamento foi o que me fez identificar

enquanto uma mulher negra, foi o que me fez identificar enquanto dona desse cabelo lindo

que eu sei que é [...] eu sei que essa é uma herança que eu carrego e que eu tenho que me

fazer valer dela.”

Imagem extraída do facebook pessoal da entrevistada em 14/07/2016

Referências bibliográficas

BERNARDES, Fernanda. Webdocumentário e as Funções Para a Interação no Gênero

Emergente: análise de Fort Mcmoney e Bear 71. PUCRS, Porto Alegre, 2015.

BORGES, Roberto Carlos da Silva e BORGES, Rosane (Orgs.) MÍDIA E RACISMO. Coleção

Negras e Negros: Pesquisas e Debates Coordenação: Tânia Mara Pedroso Müller, Brasil, 2012.

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