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 Métodos Qualitativos como Ferramentas Interpretativas do Mundo Social Pesquisa Social Robert Menezes

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MétodosQualitativoscomoFerramentas

Interpretativasdo MundoSocial

Pesquisa Social

Robert Menezes

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apoiado no método científico – um caminho para se alcançar um determinado

resultado – definido por Bunge [1980] como “um procedimento regular, explícito e

 passível de ser repetido para conseguir-se alguma coisa, seja material ou conceitual”.

No âmbito das ciências sociais, o desenvolvimento de um saber especializado,fundamentado na reflexão teórica e na observação empírica, tem promovido ao

longo do tempo o método qualitativo de pesquisa científica ao mesmo nível de

validade do método quantitativo, normalmente utilizado pelas ciências da

natureza. Tal consideração destaca o próprio ser humano e seu mundo

subjetivo como objeto de pesquisa das ciências sociais, objeto que fala e que age.

Em parte, as ciências sociais se confundem com o senso comum já que, para

além da inexistência de códigos e outros instrumentos específicos, todos os

indivíduos procuram orientar e racionalizar suas ações dentro de uma estrutura

social, trazendo com isso dificuldades para a eliminação da subjetividade na

análise. Os acontecimentos sociais são sempre interpretados por uma

consciência participante do mundo social, o que torna necessário uma análise

sociológica das representações coletivas do cotidiano. O pesquisador das

ciências sociais, contudo, não pode se limitar aos indícios que o senso comum

possa sugerir. Ao contrário, deve sistematizar sua crítica com método adequado

à dimensão observada. Este artigo pretende apresentar algumas considerações

sobre os métodos qualitativos como ferramentas interpretativas do mundo

social, utilizados para a observação empírica nas ciências socais, destacando

diferenças e adequações em suas aplicações.

A Natureza da Pesquisa Científica

O desenvolvimento humano é o objetivo último das ciências sociais, contudo,

para se chegar a isso é fundamental a aquisição de conhecimento como objetivo

imediato. A pesquisa social, portanto, deve contribuir nessa direção, resolvendo

problemas específicos, gerando teorias ou avaliando teorias existentes. “Em

termos gerais, não existe pesquisa sem teoria; seja explicita ou implícita, ela está

 presente em todo o processo de pesquisa.”  [RICHARDSON, 2009]. De acordo com

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transforma a própria teoria e os próprios objetivos que a orientam. Desta forma,

ação e pensamento estão ligados em um processo de reflexão crítica e de

transformação. A segunda postura, o interpretativismo, considera a

compreensão da ação humana como objetivo das ciências sociais, sendo essaação inerentemente significativa. Por último, a terceira postura, o

construcionismo social, é apresentada como aquela que não deve formular

interpretações isoladamente, mas contra um pano de fundo de compreensões,

de práticas, de linguagem, que os indivíduos têm em comum. Schwandt [2006]

ainda teoriza a noção de compreensão interpretativa a partir de três tradições:

identificação empática, sociologia fenomenológica e jogos de linguagem.

Acrescenta ainda uma quarta classificação: hermenêutica filosófica, que é uma

forma radicalmente diferente de representar a noção de compreensão

interpretativa por considerar que a compreensão é uma condição do ser

humano, que não pode ser controlada por procedimentos ou regras, tendo

como característica o encontro dialógico em estreita ligação com a linguagem.

Schwandt [2006] conclui que o movimento de investigação qualitativa está

baseado na profunda preocupação com a compreensão do que os outros seres

humanos estão fazendo ou dizendo, e que as filosofias do interpretativismo, da

hermenêutica filosófica e do construcionismo social oferecem diferentes

maneiras de lidar com essa preocupação. Deslauriers [2008], aproximando-se da

posição de Günther [2006], sugere que a lógica de base da pesquisa qualitativa

não apresenta diferença do procedimento geral de pesquisa, também adotado

pelo método quantitativo. Segundo Deslauriers [2008], o pesquisador se propõe

a resolver uma questão e colhe informação para respondê-la, trata dos dados,analisa-os e tenta demonstrar como permitem responder ao seu problema

inicial. A pesquisa qualitativa, contudo, instaurou uma tradição própria, que

evolui e confere uma coloração particular ao seu delineamento. Vários fatores

podem influir nesse processo como o objetivo da pesquisa e os limites nos quais

esta se desenvolve. A pesquisa pode visar à exploração, à descrição ou à

verificação, sendo possível em um meio que se presta à experimentação ou em

local em que o pesquisador não pode controlar. A partir de uma perspectiva

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científicas da pesquisa e transforma a pesquisa qualitativa em discurso

ideológico, o qual produz mais uma visão ideológica do mundo social do que

um conhecimento científico da vida social. Como forma de orientar o debate,

que permanece aberto, Groulx [2008] entende que a contribuição da pesquisaqualitativa no campo da pesquisa social pode ser interpretada como um

processo de inovação intelectual, que pode ser compreendida como uma

inovação científica e pode acarretar inovações sociais, devendo o pesquisador

situar-se em relação às diversas argumentações contraditórias. De um modo

geral, o método qualitativo ganhou prestígio na pesquisa social conforme

análise de Demo [1998], que apresenta uma descrição da mudança de

expectativa referente à pesquisa qualitativa através da evolução histórica,

focando a pós-modernidade como tempo de oportunidade para melhor

compreender a qualidade como atributo humano de natureza dialética. A

análise da qualidade ganha importância na atualidade, quando se aceita que a

ciência é apenas um olhar sobre a realidade, e nem sempre o mais adequado.

Segundo Demo [1998], a tradição positivista tornou-se insuficiente para captar

fenômenos sob a ótica do caos estruturado, não-linearidade, realidade complexa

e outros temas. Dessa forma, nas ciências sociais o método qualitativo adquire

status  de importante ferramenta interpretativa, que deve ser utilizada com

critérios pelo pesquisador social, evitando os modismos metodológicos e

valorizando mais as habilidades formalizantes da metodologia científica. É

importante mencionar que o método qualitativo também dispõe de amostra, o

que, no sentido estrito do termo, designa exclusivamente o resultado de um

procedimento visando extrair uma parte de um todo bem determinado. Nosentido amplo, designa o resultado de qualquer operação visando constituir o

corpus empírico de uma pesquisa. Pires [2008] utiliza o segundo sentido que se

deve entender a referida palavra, compreendendo que a noção de amostra se

aplica tanto às grandes investigações por questionário quanto às pesquisas

referidas a um único indivíduo. É próprio de a pesquisa qualitativa ser flexível

e descobrir-construir seus objetivos, à medida que a pesquisa progride. Desta

forma, a amostra pode, às vezes, modificar-se consideravelmente em relação ao

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delineamento de pesquisa original. Para Pires [2008], a arte de pesquisar

consiste em saber tirar proveito de seus dados, construindo satisfatoriamente

seu problema de pesquisa e sua análise a partir dos dados de que dispõe. São

várias as questões teóricas e metodológicas sobre a amostragem, a partir dosdois tipos de dados: letras e números. Dados ou provas empíricas são

produzidos a partir de dois modos: qualitativo e quantitativo. Nem sempre a

classificação é adequada para Pires [2008], que adverte, por exemplo, que a

categoria geral “amostra teórica” ou “por escolha racional” para as amostras

qualitativas, torna esta categoria um verdadeiro porta-tudo, gerando confusão,

visto que existem também amostras quantitativas por escolha racional. Não é

errado dizer que as pesquisas qualitativas constituem seu corpus  empírico de

uma maneira não-probabilística. Esta é a sua característica mais imediatamente

visível. Contudo, não convém utilizar esse critério como princípio diretivo para

a classificação geral da amostra. Sobre amostragem, Pires [2008] finaliza

demonstrando que os conceitos de amostra, população, universo de análise e

universo geral também estão relacionados à pesquisa qualitativa, além dos

princípios de diversificação e de saturação, importantes para a sua gestão. A

natureza da pesquisa, portanto, comporta os dois métodos reiteradamente

discutidos, ambos de validade científica, cabendo ao pesquisador a escolha

cuidadosa do mais adequado ao seu projeto nos diferentes momentos da

pesquisa.

Tipologia dos Métodos Qualitativos

Paradigma indiciatório

O método qualitativo de pesquisa surge como um argumento fundamentado na

sensibilidade humana durante o processo de aquisição do conhecimento. Ao

analisar essa possibilidade, Ginzburg [1989] compara a sensibilidade do crítico

de arte Gionvanni Morelli, que estabelecia com seu método orientações

metodológicas para a análise de pinturas do século XIX, com o paradigma

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indiciatório no campo das ciências sociais. O método de Morelli procura

identificar indícios nos pormenores, à semelhança da postura detetivesca do

personagem Sherlock Homes do conto de Arthur Conan Doyle. Para Ginzburg

[1989], o elemento que liga Morelli a Doyle e Freud é o pressuposto de que,quanto mais atento estiver o investigador aos sinais ou pistas deixados pelo seu

objeto, maior será a possibilidade de esclarecimentos em torno da problemática

estabelecida. Os sinais na arte são interpretados por signos pictóricos, na

criminologia como indícios, e na psique como sintomas. Ginzburg [1989]

destaca as principais características do paradigma indiciário (relação entre

razão e sensibilidade) em contraposição ao paradigma positivista (oposição

entre racionalismo versus irracionalismo), mostrando que o primeiro está

fundamentado no princípio de que a realidade se apresenta opaca, mas que

existem certos pontos privilegiados – os indícios – que tornam possível decifrá-

la. Dessa forma, qualquer caminho em busca de indícios, de algum modo se

apresenta como um esforço metodológico para aquisição de conhecimento.

Entrevista de tipo qualitativo

Na análise das justificativas alegadas pelos pesquisadores para utilização de

entrevista de tipo qualitativo, três tipos de argumentos se destacam, segundo

Poupart [2008]. O primeiro, de ordem epistemológica, considera que este tipo

de entrevista seria necessário uma vez que uma exploração em profundidade

da perspectiva dos atores sociais é considerada indispensável para uma exata

apreensão e compreensão das condutas sociais. O segundo, de ordem ética epolítica, sugere que a entrevista de tipo qualitativo parece necessária porque

abriria a possibilidade de compreender e conhecer internamente os dilemas e

questões enfrentados pelos atores sociais. O terceiro e último, de ordem

metodológica, considera que a entrevista de tipo qualitativo se imporia entre as

ferramentas de informação capazes de elucidar as realidades sociais,

principalmente como instrumento privilegiado de acesso à experiência dos

atores. Poupart [2008] também busca desconstruir os princípios e as estratégias

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singulares para a elaboração de um saber sociológico. Na falta de poder se

observar uma sociedade, deve-se reconhecer também que é possível se observar

seus componentes, bem como casos de espécie, cuja representatividade

sociológica pode ser estabelecida e repetida. Para o Houle [2008], o estudo decaso é, portanto, um método cujo uso deve ser definido em um espaço teórico

que é conhecido no âmbito do projeto do clínico, tomando-se em consideração a

relação observador-observado. Trata-se, portanto, de um método para análise

dos dados de observação coletados, residindo sua dificuldade no fato de que as

regras que regem o procedimento clínico não serem explícitas. Segundo o objeto

de pesquisa definido, esses materiais são os componentes de uma base de dados

e estão relacionados a uma sociologia do conhecimento. O conhecimento que

emana do senso comum não tem por objetivo explicar, mas dar sentido à vida,

diferente do conhecimento sociológico, cuja finalidade é a de explicar de acordo

com regras teóricas e metodológicas explícitas. Para o Houle [2008], a

contribuição da abordagem clínica foi determinante; o sujeito está aí, sua

palavra vale. É possível, portanto, estimar o potencial heurístico considerável

das histórias ou relatos de vida, as biografias, para a sociologia.

História oral: trajetórias de vida

A partir de suas experiências em Serviço Social, Gonçalves e Lisboa [2007]

demonstram a importância do método da história oral no processo de

construção do conhecimento, destacando os fundamentos epistemológicos que

lhe conferem o caráter científico. Apresentam a modalidade “trajetórias de

vida” como um constructo histórico e social que utiliza diferentes técnicas de

entrevista para dar voz aos sujeitos até então invisíveis, destacando as

principais etapas dos procedimentos metodológicos utilizados nessa

abordagem. Gonçalves e Lisboa [2007] analisam alguns pressupostos sobre a

pesquisa qualitativa, destacando a relação inseparável entre o pensamento e a

base material, entre o mundo objetivo e a subjetividade dos sujeitos

pesquisados. Algumas considerações são feitas sobre o universo de

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significados, representações, crenças, valores, atitudes, sugerindo o

aprofundando de um lado não perceptivo das relações sociais, o que permite a

compreensão da realidade humana vivida socialmente. Através de referências

bibliográficas, Gonçalves e Lisboa [2007] reforçam a contribuição significativadas metodologias qualitativas, eficazes em áreas exploratórias, notadamente em

campos temáticos. Mostram como são indispensáveis para compreender

fenômenos que se manifestam em longos intervalos de tempo e como

desempenham importante papel na elaboração de hipóteses e construção de

novas teorias, contemplando em suas abordagens teórico-metodológicas a razão

e o sujeito. Gonçalves e Lisboa [2007] apresentam também os fundamentos

epistemológicos da história oral e de sua modalidade “trajetórias de  vida”,

levando em consideração alguns aspectos como: primazia epistemológica,

vigilância epistemológica, consciência e não-consciência, objetividade e

subjetividade, singularidade e totalidade, compreensão na perspectiva

hermenêutica e historicidade. Destacam os procedimentos metodológicos:

elaboração do projeto de pesquisa a partir de um roteiro, apreciação do projeto

de pesquisa pelo comitê de ética profissional, definição do objeto de pesquisa,

definição do problema, definição da amostra e critérios qualitativos, elaboração

do roteiro de entrevistas, realização das entrevistas, processamento das

entrevistas, codificação e análise das entrevistas, e retorno dos resultados da

pesquisa aos sujeitos. Finalmente, Gonçalves e Lisboa [2007] entendem que a

partir da construção e reconstrução dessas experiências, é possível decifrar,

ordenar, organizar, analisar e estabelecer mecanismos de desvelamento da

realidade social e contribuir para a construção do conhecimento sociológico.

Observação direta

A observação dos fenômenos de qualquer natureza constitui o núcleo de todo

procedimento científico. Nas ciências sociais, também, a busca da verdade e da

objetividade é caracterizada pelo rigor científico que permite, além daobservação, a compreensão ou a explicação dos fenômenos sociais, utilizando-

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se de instrumentos de medida, técnicas e métodos de pesquisa. Jaccoud e Mayer

[2008] analisam a abordagem da observação direta, observação participante, ou

observação in situ (interações diretas), como prática de pesquisa nas ciências

sociais, estendida ao domínio da pesquisa qualitativa. Desta forma, aobservação situa-se ao lado de outras técnicas de coleta de material qualitativo,

tais como a entrevista, os relatos de vida, ou a pesquisa documental, nos

manuais básicos sobre os métodos de pesquisas nas ciências sociais.

Conceitualmente, a pesquisa é uma técnica direta, já que há um contato com

informantes. Trata-se, também, de uma observação não-dirigida, na medida em

que a observação da realidade continua sendo o objetivo final e, habitualmente,

o pesquisador não intervém na situação observada. A observação também é

uma análise qualitativa, pelas anotações que são feitas para descrever e

compreender uma situação, mais do que números para quantificar freqüências

de comportamentos. Para Jaccoud e Mayer [2008], esse procedimento se

harmoniza com uma sociologia centrada em ações coletivas e processos sociais,

que podem ser, em parte, apreendidos por meio de interações diretas, não

determinadas previamente. Hoje, após um período de crítica aos métodos e

técnicas qualitativas, os princípios e as técnicas de observação, suas

modalidades de aplicação e seu contexto ético são largamente sistematizados,

representando uma contribuição ao processo de produção do conhecimento. A

observação participante para alguns sociólogos é menos uma técnica de

pesquisa do que um tipo de relacionamento que o pesquisador estabelece com

seu universo social e constitui uma das estratégias da abordagem mais geral da

pesquisa de campo ou pesquisa etnográfica. Como conseqüência, tende a serchamada de abordagem etnográfica, visto que envolve uma gama de técnicas

que vão da coleta de fontes documentais às entrevistas formais e informais,

passando, pela observação propriamente dita. Finalizando, Jaccoud e Mayer

[2008] afirmam que a proposta epistemológica dos metodologistas pós-

modernos é desconstruir a polarização das relações entre sujeito e objeto,

considerando que os resultados das observações devem provir de uma

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elementos provenientes, tanto quanto possível, de fontes, pessoas ou grupos

representando muitos interesses diferentes, de modo a obter um ponto de vista

tão global e diversificado quanto poder ser. A análise documental, embora

ofereça algumas vantagens, como por exemplo, elimina em parte a dimensão dainfluência do pesquisador sobre o sujeito, por outro lado oferece desvantagens,

como por exemplo, constitui um instrumento que o pesquisador não domina,

momento em que a informação circula em sentido único e o pesquisador não

pode exigir do documento precisões suplementares. Na opinião de Cellard

[2008], não existe um modo rígido para representar uma análise documental de

natureza qualitativa. Os pesquisadores percorrem as etapas metodológicas por

reflexo e segundo uma ordem variável de natureza pessoal. A análise do

documento, portanto, decorre de uma série de escolhas que dependem do

pesquisador: escolha do tema, do problema de pesquisa, da orientação teórica

ou ideológica, dos elementos do contexto que permitem a interpretação e da

abordagem metodológica.

Teoria do discurso e análise do discurso

O discurso é uma construção social, não individual, que só pode ser analisado a

partir de seu contexto histórico-social, refletindo uma visão de mundo

determinada, vinculada aos seus autores e à sociedade em que vivem. A partir

dos anos 80 a análise do discurso aplicada a questões relativas ao

funcionamento ideológico tornou-se uma alternativa para os cientistas sociais

no Brasil. A linha francesa de análise do discurso, que tem por base umsintagma de muitos sentidos, abrigando diferentes práticas de análise,

predominou no país. O estruturalismo e a crítica marxista foram duas posições

intelectuais de forte apelo hegemônico nas ciências sociais –  uma prática

engajada que tomava a questão da linguagem no contexto de um duplo recorte

sócio-político que percebe a operação da ideologia da linguagem e põe em ação

uma maquinaria analítica para intervir numa política do saber – constituindo-se

duas razões de ser da análise do discurso francesa. As questões dos limites do

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objetivismo, da materialidade da ideologia, da luta pela fixação do sentido e da

dimensão inconsciente e necessariamente situada da linguagem e seu uso, são

levantadas pela análise do discurso, que de acordo com Burity [2007], também

traz referências à análise da linguagem, interrogando as ciências sociais em suaconcepção instrumentalista e expressionista da linguagem, ora vista como meio

de comunicação, ora vista como a superfície de processos imanentes de maior

significado. A teoria do discurso, por outro lado, hauriu em parte nas fontes da

análise do discurso francesa, indo além desta, lançando mão de outras

interlocuções renovadoras nas ciências sociais. Com isso, surge a filosofia

wittgensteiniana, a desconstrução, o construtivismo, o pragmatismo e os

estudos retóricos. A teoria do discurso é algo mais inserido numa prática

científica, dando importância na interrogação do campo das transformações

sociais, ao propor uma teoria da política como ontologia do social. Para Burity

[2007], as relações entre a teoria do discurso e a análise do discurso não são

estáveis ou dadas. Os dois conceitos não compartilham de um mesmo conjunto

de posições sobre a relação entre discurso, linguagem, ideologia e política.

Diferentes estratégias de articulação entre os dois conceitos podem ser vistas

como: estilos de abordagens, convergência em torno de objetos de pesquisa e

modulação de concepções qualitativas de pesquisa social.

Vozes e silêncio no texto de pesquisa

O texto de pesquisa apresenta-se como lugar de produção e de circulação de

conhecimento, não se reduzindo a uma simples transcrição de conhecimentoproduzido em situação de campo. O texto de pesquisa pode ser interrogado em

relação a várias questões, uma das quais é fundamental: a relação entre o

pesquisador e o seu outro. A alteridade, portanto, sugere que a linguagem põe e

supõe o outro, derivando daqui todo o conceito de enunciação como lugar de

expressão e de constituição de subjetividade numa relação de alteridade. Para

Amorim [2002], que pretende mostrar sua experiência de trabalho sobre a

questão do texto de pesquisa em ciências humanas a partir de uma percepção

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polifônica, apoiando-se em uma síntese da teoria dialógica de Mikhail Bakhtin,

este autor se impõe nessa categoria de reflexão. Em sua obra, o caráter de

alteridade do enunciado se radicaliza, desdobrando os lugares enunciativos ao

infinito. Seu enunciado dialógico merece ser chamado de polifônico, pois umamultiplicidade de vozes pode ser ouvida no mesmo lugar. Como conseqüência,

essa teoria de vozes constitui-se um sistema de categorias de análise com o qual

se torna possível uma leitura crítica dos textos em ciências humanas. Essa

leitura analítica busca identificar quais são as vozes que se deixam ouvir no

texto, em que lugares são possíveis ouvi-las e quais são as vozes ausentes. Nas

ciências humanas a questão da voz do objeto é decisiva. O homem não é o seu

objeto específico, uma vez que pode também ser estudado pela biologia ou

outra ciência. O objeto específico das ciências humanas é o discurso ou, num

sentindo mais amplo, a matéria significante. Desta forma, o objeto é um sujeito

produtor de discurso e é com seu discurso que lida o pesquisador. As ciências

humanas têm, portanto, essa especificidade de ter um objeto não apenas falado,

como em todas as outras disciplinas, mas também um objeto falante. A autora

distingue entre lugar do autor e lugar do locutor, mostrando como são cruciais

essas idéias para o trabalho de análise, destacando a grande contribuição da

abordagem polifônica em tornar problemática toda ilusão de transparência de

um texto de pesquisa. Como um caleidoscópio, o objeto de pesquisa é inquieto,

a cada vez que dele se fala. Dois problemas emergem da abordagem polifônica:

o monologismo e o silêncio. Nesse sentido, Amorim [2002] apresenta exemplos

comparativos, afirmando que todo enunciado é constitutivamente dialógico e

que todos os textos são sempre híbridos. Para finalizar, Amorim [2002] afirmaque o pensamento de Jean-François Lyotard e sua concepção de regime

discursivo tornam-se necessárias para complementar e redimensionar a

abordagem dialógica a partir de Mikhail Bakhtin.

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Conclusão

Foi dito que a pesquisa social deve contribuir para o desenvolvimento humano,

sendo este o objetivo geral de qualquer trabalho de pesquisa nas ciênciassociais. A escolha do método qualitativo, por outro lado, uma das

possibilidades metodológicas para a pesquisa, está relacionada com a natureza

ontológica do objeto de estudo, e envolve uma variedade de práticas que vão

desde o estudo de caso até análise de discursos, passando por diversas

modalidades que nem sempre são necessariamente qualitativas. O fundamental

é que o pesquisador, como participante do processo de construção de

conhecimento, não deve escolher entre um método ou outro, mas utilizar as

várias abordagens qualitativas e quantitativas que sejam adequadas à sua

questão de pesquisa. Uma boa pesquisa, portanto, pode abrigar momentos para

o método qualitativo e momentos para o método quantitativo.

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