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2º. Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído X Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios

03 e 04 de Novembro de 2011 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Autor e método projetual. Louis Kahn na arquitetura modernista.

Author and projetual method. Louis Kahn in the modernist architecture.

Lílian Borges ALMEIDA

Arquiteta e Urbanista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PROGRAU), Universidade Federal de Pelotas/RS (UFPel) | e-mail: [email protected] | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9629547711625839 |

Sylvio Arnoldo Dick JANTZEN

Arquiteta e Urbanista, doutor, professor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PROGRAU) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pelotas/RS (UFPel) | e-mail: [email protected] | CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/617007257868623 |

RESUMO

O presente trabalho discute processos de projeto. A importância de um método com base em uma teoria reflete práticas projetuais mais bem sucedidas, devido às respostas existentes às atitudes projetuais, ou seja, uma razão ao modo de projetar. Além disso, o modo de operar de um arquiteto pode estar de acordo ou não com a tendência arquitetônica dentro da qual produz, podendo reforçá-la ou transformar seus padrões. Esta investigação pretende verificar como ocorria a concepção arquitetônica do arquiteto Louis Isadore Kahn (1901-1974), visto sua participação evidenciada no ensino e no debate da arquitetura nos Estados Unidos na segunda metade do século XX, e sua atividade projetista no limiar entre a arquitetura moderna e pós-moderna. A interpretação de suas atitudes projetuais ocorrerá através de uma abordagem via estudo de algumas de suas obras e de textos teóricos do próprio arquiteto e de autores de teoria, história e crítica da arquitetura. Como resultado, pretende-se expor metodologias e princípios de projeto de Kahn e conferir o enquadramento de sua prática projetual em uma tendência arquitetônica. A presente proposta reforça a ideia da pressuposição de uma teoria ao ato projetual, e, no caso em estudo, enfatiza a individualização de um arquiteto sobre a tendência arquitetônica modernista, trazendo à reflexão um procedimento de prática projetual.

Palavras-chave: Tendência arquitetônica. Processo de projeto. Louis Kahn.

71 10.4237/sbqp.11.343

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Anais do 2º.Simpósio Brasileiro de Qualidade do Projeto no Ambiente Construído X Workshop Brasileiro de Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios | 03 e 04 de Novembro de 2011 | Rio de Janeiro, RJ | PROARQ/FAU/UFRJ e PPG-IAU USP|

ABSTRACT

This paper proposes a reflection on the design process. The importance of a method based on a theory reflects designs practice more successful, having answers to projective attitudes or a reason to the way of making architecture. Moreover, the modus operandi of an architect can agree or disagree with the architectural trend in which the architect produces, and may enforce it or change its standards. This research intends to investigate how was the architectural conception of the architect Louis Isadore Kahn (1901-1974), considering his participation in teaching and architectural debate in the United States in the second half of the Twentieth century, and his activity as an architect on the line between the Modern and Postmodern architecture. The interpretation of his actions will be done through a study about some buildings and theoretical writings of the architect and considerations of authors of theory, history and criticism of architecture. As a result, the intention is to expose Kahn’s principles and project methodologies and to verify the classification of his architectural practic in an architectural trend. This proposal reinforces the idea of a theory presupposition in the projetual act, and in this case study, emphasizes the individualization of an architect on the modernist architecture, bringing to reflection a procedure method.

Key-words: Architectural trend. Design process. Louis Kahn.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho é uma parte de uma investigação maior que tem por objetivo estudar e correlacionar poéticas de tendências e de autor em arquitetura. O estudo recai sobre a produção do arquiteto Louis Isadore Kahn (1901-1974), e, neste artigo, sobre seu método de projeto.

São adotados os conceitos de poética de Pareyson (1997) e de Chauí (2002). Para o primeiro, poética é um programa de arte. Para a segunda autora, conforme a tradução da palavra poiesis por fabricação, poética é a forma de fazer, em que se enquadram as práticas das artes ou técnicas. Interpretando método de projeto como modo de fazer, esses conceitos são aplicáveis a presente argumentação.

Os aspectos poéticos buscam traduzir em regras estéticas ou modos operativos um determinado gosto pessoal ou histórico. A poética só funciona em um contexto. Está historicamente condicionada e ligada ao tempo do artista para se realizar. Vincula-se também à espiritualidade do artista, traduzindo seu gosto, normativa e operativamente (PAREYSON, 1997). Analisar as concepções de arquitetura e o processo de projeto de um arquiteto pode levar à sua poética, pois se tratam de dimensões de sua ―técnica de produzir arte‖.

Adotando esse foco, nesta parte da pesquisa será examinada a concepção projetual do arquiteto Louis Kahn através de sua produção teórica e da contribuição de autores de teoria, história e crítica da arquitetura. Ainda serão analisadas imagens de algumas de suas obras e de elementos gráficos que representem soluções em desenho. Os croquis ou diagramas, apesar de sintetizarem informações reduzindo a dimensão da complexidade do objeto arquitetônico, são de grande validade ao estudo das concepções arquitetônicas, pois evidenciam associações, gerações e organizações.

Dentre tantos arquitetos nos Estados Unidos, a atividade de Louis Kahn posiciona-se como intermediária entre o modernismo e o pós-modernismo na arquitetura (COLQUHOUN, 2002; KRUFT,1994; MONTANER, 2001). Assim como Frank Lloyd Wright e Eero Saarinen, por exemplo, Kahn produziu arquiteturas de ―exceções da continuidade do Estilo Internacional ao longo dos anos cinqüenta.‖ (MONTANER, 2001, p. 57).

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Logo, essa localização de Kahn na história da arquitetura aponta para a indagação se seu processo projetual era mais condizente com um período ou com outro, considerando a mudança nos métodos de projetar e de ensino entre a arquitetura acadêmica e arquitetura modernista.

Além disso, o estudo da obra de Kahn revela a sua passagem por diferentes formas de produzir arquitetura, conforme seu contexto de atuação, o que possibilita estudar transformações em sua maneira de projetar.

A multiplicidade de influências arquitetônicas pelas quais passou (sua formação acadêmica, o Estilo Internacional e sua atuação na arquitetura modernista) e que fundamentaram sua maneira conceptiva, reforçariam essas mudanças no arquiteto.

2 LOUIS KAHN

2.1 Formação de um arquiteto em meio a mudanças de sentido na arquitetura

Louis Kahn atravessou os períodos de transformação na arquitetura no século XX, da implantação da arquitetura modernista à sua crise e busca de novos significados. É considerado como arquiteto da terceira geração do Movimento Moderno, tanto pela época em que viveu e por ter se destacado por volta dos anos cinquenta. Essa geração era caracterizada por procurar uma renovação na arquitetura, conciliando com as propostas do Movimento Moderno (MONTANER, 2001).

Formou-se arquiteto na escola de Beaux-Arts da Universidade da Pensilvânia em 1924. Em seguida trabalhou com arquitetos que se expressavam dentro de uma arquitetura modernista, e para companhias de administração pública, projetando habitações de interesse social num momento de reconstrução da economia pós-guerra e pós-crise de 1929 nos Estados Unidos. Esse período marcou a primeira fase de sua carreira.

As bases projetuais metodológicas de sua formação entravam em dicotomia com as da tendência vigente. No sistema Beaux-Arts, a composição resultava de uma ideia prévia a partir de um repertório de formas (elementos de arquitetura e de composição), da seleção e combinação das partes objetivando a forma que expressasse caráter, ordem e proporção, unidade, hierarquia, simetria e tectonicidade, com adições e subtrações, e, que tivesse compreensão social e reconhecimento. Já no racionalismo, não partia de ideias prévias, acreditando na criação a partir do nada e tendo como premissas os requisitos e funções a atender, resultando diagramas funcionais que relacionavam e hierarquizavam funções, porém com pouca definição formal (BUND apud MARTÍNEZ, 2000).

A transformação na maneira tradicional de projetar também refletia as reformulações dos métodos de ensino. A questão da educação artística do século XX pode ser resumida numa ―marcha triunfal da indústria‖ e na decorrente perda de espaço da arte no sistema educacional, inclusive com a separação entre artes liberais e as artes aplicadas. Em cada país ocorreram mudanças diferentes, no sentido de ruptura com o passado e na convergência ao abstracionismo (KRUFT,1994; PEVSNER, 2005).

A Bauhaus (1919-1933) representou isso. Seu sistema de ensino foi difundido na América do Norte baseado num aprender fazendo e exercitando o que se pretendia aprender, sem o respaldo do conhecimento, mesmo que existisse, porém não explicitado (MARTÍNEZ, 2000).

No entanto, a partir da década de 1950 novas mudanças de valores ocorreram no âmbito da arquitetura. O modernismo passou a receber críticas pela ausência de recursos criativos e de seu sistema formal.

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Coincidia com o início da etapa profissional que trouxe mais notoriedade a Louis Kahn. Em 1944 ele já havia publicado um ensaio chamado Monumentalidade, onde exprimiu a busca de novos objetivos no Movimento Moderno: ―Monumentalidade em arquitetura pode ser definida como uma qualidade, uma qualidade espiritual inerente a uma estrutura que transmite o sentimento de eternidade, o qual não pode ser adicionado ou mudado.‖ (KAHN, 1993 [1944], tradução nossa).

Kahn fez do passado uma influência para a modificação no Movimento Moderno, combinando métodos construtivos modernos com a composição clássica, não incidindo em colagens ou cópias. Retomou seus princípios de aprendizado da arquitetura acadêmica e propôs a reprodução de temas discutidos sobre aspectos históricos ou do passado, como monumentalidade, forma, ordem e luz, sem deixar de reconhecer o modernismo.

Nessa fase sua obra começou a separar-se mais radicalmente da arquitetura modernista, reforçando os conceitos expostos no seu ensaio. Essa separação foi fortalecida por uma estadia na Academia Americana em Roma nos início dos anos cinquenta, onde se impressionou com as ruínas da Itália, Grécia e Egito, as quais significaram referências para seus projetos (COLQUHOUN, 2002).

Um novo resultado formal pode ser visto em seus prédios, como na proposta para a Galeria de Arte da Universidade de Yale (Figura 1), New Heaven, Connecticut, em 1951.

a b Figura 1: Galeria de Arte da Universidade de Yale. a) Acesso. Fonte: < www.architectureweek.com >;

b) Vista da esquina. Fonte: < www.nytimes.com >

As atitudes estéticas e construtivas, e a não limitação do arquiteto pelas ideologias dogmáticas do modernismo, reforçaram seu posicionamento intermediário e permitiram considerá-lo como uma das figuras da terceira fase dessa tendência, porém situado num período de transição entre ela e o momento pós-modernismo.

A verificação de fases em Kahn está diretamente relacionada às transformações em suas produções arquitetônicas, correspondentes às diferentes influências metodológicas com que teve contato e ao repertório de suas viagens, além do contexto de sua produção.

2.2 O processo projetual de Louis Kahn

A contextualização do arquiteto coloca-o em uma posição de destaque no panorama arquitetônico. Analisar seu processo projetual busca visualizar como projeta um arquiteto que se individualiza e que é capaz de evidenciar-se mesmo em momentos de transição ou de instabilidade na história da arquitetura.

É importante considerar que embora Kahn tenha publicações sobre suas teorias e estratégias projetuais, a seguinte exposição não se restringe ao que foi explicitado por ele,

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mas estende-se a princípios extraídos das análises desta investigação, não necessariamente conscientizados pelo projetista.

Forma e Design eram as duas fases da concepção projetual enunciadas por Kahn em 1960. À etapa Forma é possível associar as questões do teorizar e conceituar de sua arquitetura, enquanto à fase Design, o fazer. Nessa formulação é destacada a importância dos aspectos mentais e de inspiração combinados à concretização da arquitetura, e logo, uma interação dessas duas instâncias. ―A forma é o ―quê‖. O design é ―como‖. Forma é impessoal. Design pertence ao desenhista.‖ (KAHN, 2007 [1961], p. 8, tradução nossa, grifos do autor).

―Intangível‖ e ―tangível‖ foram adjetivos correspondentes à Forma e ao Design, atribuídos por comentadores referidos neste trabalho.

A etapa conceitual, para Kahn, era a organizadora da essência do projeto, a idealização em torno da qual se desenvolveriam os demais elementos. Já o plano tangível era a realização do objeto físico, tratando de como resolver o problema de projeto, qual seria a forma resultante, as dimensões e materiais empregados.

Kahn argumentou sobre a constante alternância entre as duas instâncias do processo conceptivo. Isso pode ser observado em seu princípio sobre a ―vontade de ser‖ dos edifícios — a ―teoria das instituições‖, que significava que os edifícios deveriam manifestar uma intenção (BELL & LERUP, 2002). Em sua entrevista com estudantes da Rice School of Architecture, em 1968, explicou que o projetista deveria ir além do programa e colocar na obra a expressão emocional, o significado de projeto. Para ele, era através da arquitetura que se revelava o modo de sentir, e que era necessário o arquiteto expressar isso no projeto (KAHN, 2007 [1961]).

Ao refletir sobre a intervenção do arquiteto no ―querer‖ do edifício, reconhecia a necessidade de escolhas feitas pelo profissional responsável pelo projeto arquitetônico, e, portanto, quem atribui tais vontades ao edifício.

Dentre essas escolhas, Kahn debateu sobre o programa arquitetônico, opondo-se a tê-lo como uma listagem de espaços a serem contemplados num projeto, e observando que ―ao se reescrever o programa, e não apenas manipular áreas, é que a arquitetura pode ser detectada.‖ (KAHN, 1998, p. 55 apud MANO, 2010, p. 94).

Os esquemas gráficos seriam a primeira materialização das ideias, o momento inicial da forma para Louis Kahn, quando se coloca de frente aos dados do problema de projeto (Figura 2), e a ocasião da chamada ―manifestação do que o edifício queria ser‖ (MONTANER, 2001).

Figura 2: Evolução de diagramas de concepção de Kahn, da Forma ao Design. Projeto da Primeira Igreja

Unitária. Fonte: autores sobre imagens de RONNER apud LASSANCE e TAVARES FILHO, 2008.

Seus princípios, se interpretados como regras ou modos de operar do arquiteto, podem também ser associados à dimensão tangível de seu método de projetar. O relacionamento direto da parte material com a conceitual de sua concepção arquitetônica dificulta a distinção

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entre as duas instâncias Forma e Design. É na transformação do conceitual em construído que apareceria um momento divisor entre elas (MANO, 2010).

Assim como as maquetes, os diagramas constituíam uma passagem à etapa Design (tangível), sintetizavam as ideias conceptivas e materializavam o conceitual. A evolução dos esquemas gráficos de projetos pode revelar como se desenvolvia o pensamento compositivo do arquiteto e que operações eram utilizadas em suas propostas.

A materialização do ideal ultrapassa a soma dos conceitos e adquire uma organização ou estrutura de nível superior, conforme interpretações do projetista, que pode ou não corresponder à solução final do projeto. O ideograma inicial não sugeria uma configuração morfológica ou a pretensão de uma forma a edificar. Porém, em Kahn, a evolução dos desenhos (Figura 3) apresentava um elevado grau de correspondência entre o diagrama e a planta baixa de seus projetos (Figura 4), representando o problema de projeto como no academicismo: ―[...] a planta [...] é o esquema básico.‖ (MARTÍNEZ, 2000, p. 25).

Figura 3: Evolução de diagramas do processo projetual de Kahn. Assembléia de Dacca.

Fontes: <www.maxprotetch.com> e <www.moma.org >

a b c

Figura 4: a e b) Evolução de diagramas do processo projetual da Assembléia Nacional de Dacca. Fonte: Imagens editadas pelos autores. Originais disponíveis em: <www.maxprotetch.com> e <www.moma.org>;

c) Implantação do prédio da Assembléia Nacional de Dacca. Fonte: <www.greatbuildings.com>.

A opção por uma solução formal inicial, a partir de um repertório conhecido pelo arquiteto, aproxima-se da noção de partido arquitetônico do sistema Beaux-Arts, apesar de Kahn não ter mencionado esse termo na descrição de seu processo projetual (MONTANER, 2001).

Outros pontos que permitem a aproximação entre seu método e o acadêmico são o tratamento do projeto a partir do geral ao particular, a primazia da planta baixa, a composição simétrica e as soluções de relações entre os volumes.

Já a contribuição das técnicas modernas de construção, o uso de concreto armado, a aplicação de materiais em bruto, fachadas sem ornamentos (Figura 5) e alguns pontos de organização do espaço, são aspectos que vinculam Kahn à tendência modernista.

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a b c Figura 5: Materiais em estado bruto nas obras. a) Laboratórios Richards; b) Assembléia Nacional de Dacca. Foto: Karl Ernst Roehl; c) Museu de Belas Artes Kimbell. Fonte: < http://commons.wikimedia.org>.

Assim, é observada uma incongruência na classificação do método de projeto de Kahn. Por parte dos críticos, a preocupação de Kahn em atribuir significados aos seus projetos ultrapassou o modernismo e foi uma atitude de autor, bem como a importância da luz natural, que representava a ―essência das coisas‖. Kahn privilegiou esses aspectos em seus processos projetuais.

Seu discurso também mostra singularidades em sua concepção. Em sua própria descrição de seus projetos declarava o emprego de analogias para qualificar o espaço e atribuir-lhe significado, como no Instituto Salk de estudos biológicos, construído entre os anos de 1959 e 1965 em La Jolla, San Diego, Califórnia, na costa do Pacífico (Figura 6). Kahn pretendeu uma analogia entre o pátio central e uma sala de reuniões.

a b Figura 6: Instituto Salk. Prédios dos laboratórios. a) Planta Baixa. Fonte: autores, sobre planta disponível

em: <www.greatbuildings.com>; b) Espaço central aberto. Fonte: ROSA, 2006, p. 47.

A individuação de um artista em uma tendência é assunto relevante a ser tratado na arquitetura. A ocorrência disso no período em que Louis Kahn viveu teve importância sobre os rumos da arquitetura e sobre as modificações nos métodos de projetar, capazes de transformar os padrões da tendência, ou reforçá-los.

2.3 Uma interpretação semiológica sobre o método de projeto de Kahn

A última fase do trabalho de Kahn é marcada pela atenção à geometria e à estrutura como ―corporificação do simbólico na arquitetura‖ (BELL & LERUP, 2002, p. 84). Com isso, trouxe à discussão noções de significado e intenção, de uso da história e de representação formal, o que vai ao encontro de paradigmas pós-modernistas.

Um desses paradigmas é o da semiologia, que pode conduzir a uma compreensão do imaginário do arquiteto. Transportando os momentos de concepção do processo de projeto de Kahn a uma interpretação semiológica, a Forma como momento conceitual do objeto arquitetônico, e o Design como sua materialização, corresponderiam aos componentes do signo semiótico — significado e significante, respectivamente.

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O plano material é uma interpretação do projetista sobre o problema do projeto e a etapa conceitual é pessoal e individual. Através da concretização física do conceito em objeto arquitetônico, essa interpretação é realizada e comunicada, para novamente ser signo.

Sob a mesma ótica é possível tecer conjeturas quanto ao enquadramento do processo projetual de Kahn na tendência arquitetônica, ou sua individuação. Para compreender as intenções do arquiteto e a diferença entre a arquitetura como forma de linguagem e a linguagem do arquiteto, os acontecimentos arquitetônicos podem ser classificados em dois níveis: o nível da língua e ao nível da fala (SAUSSURE apud STROETER, 1986).

A arquitetura enquanto língua corresponderia à poética da tendência, pois promove um sistema que contém repertórios, combinações e regras dentro das quais um artista deveria produzir.

Já a arquitetura como fala poderia ligar-se à poética de um arquiteto, sua linguagem, sua maneira própria de projetar, pois é um ato individual onde são expressas suas intenções e ações, que podem ser tidas como inovação ou desobediência a regras. No caso de Kahn, enquanto ―figura‖ que se destaca sob o fundo da tendência, a sua busca de transformação no campo arquitetônico situa-se nesse nível.

Ao argumentar uma circularidade entre as etapas de concepção Forma e Design, Kahn demonstrava que tanto as preocupações de conceituação como as soluções dos detalhes do objeto arquitetônico baseavam-se na sua concepção doutrinária pessoal de arquitetura.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

―[...] um processo de projeto tem como resultado a produção de um conjunto de especificações e representações que permite construir o objeto representado.‖ (MARTÍNEZ, 2000, p.11).

A fase conceptiva não era a única etapa do processo projetual de Kahn. O arquiteto ainda experimentava outros momentos e níveis de decisão projetual. O segundo era o estabelecimento de uma ordem sob critérios de composição e fundamentada numa geometria, e, por último, a solução em desenho (MONTANER, 2001).

Os estudos de articulação em planta e dos volumes, da ordenação espacial, do desenho dos elementos à forma final do edifício, completavam o conjunto de seus procedimentos de composição. A organização em eixos, as repetições, interseções e justaposições, seguindo regras da geometria, acrescentavam-se às suas estratégias projetuais.

Em conjunto, suas atitudes projetuais que ora refletem o academicismo e ora preocupam-se com o significado da obra, superou os assuntos da tendência modernista. O academicismo de Kahn assimilou as técnicas modernas de construção. As questões de significado vinculam sua arquitetura à abordagem linguística da arquitetura, uma das marcas pós-modernas. Observa-se um paradoxo sobre o enquadramento do processo projetual de Kahn em um determinado período arquitetônico, o que caracteriza seu posicionamento na arquitetura.

Fases na carreira de Kahn mostram a diversidade de influências dos meios em que produziu. Quando projetou habitações populares, as lutas sociais e políticas pretendiam solucionar a questão habitacional norte-americana. O problema projetual da habitação social foi abordado por Kahn através da composição com elementos pré-moldados e agregados que geravam um conjunto integrado. Sua concepção se encontrava influenciada pelo racionalismo e pelo Movimento Moderno (MONTANER, 2001).

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A incorporação da álgebra às formulações geométricas que levassem a formas ordenadas, com qualidade rítmica, aliadas ao que definia serem dimensões humanas e espirituais da arquitetura, revelava-se no racionalismo estrutural e na expressividade arquitetônica (BELL & LERUP, 2002). As próprias conotações significativas atribuídas aos espaços, durante o processo de concepção, evidenciam a preocupação de Kahn com o significado de seus projetos, com a dimensão expressiva das obras.

Pelas abordagens apresentadas, a ―questão Kahn‖ pode ser tida como contraditória. Por um lado o projetista pertenceu a uma tendência, por outro não. No entanto, a biografia intelectual de Kahn é objeto privilegiado, pois em sua obra é possível tomar consciência dessas questões arquitetônicas e projetuais, incluindo metodologias de projeto.

A correspondência de algumas de suas atitudes tanto às bases de sua formação quanto ao meio de sua atuação, seja o modernista ou a transição ao pós-modernismo, condizem com a ―libertação‖ dos estilos do século XX. Contudo, a indefinição sobre a ―classificação‖ de seu método de projetar pode ser atribuída à consideração de ausência de uma revolução radical quanto ao método de projetar naquele século.

Mudavam-se alguns instrumentos, mas não o domínio instrumental. Um mesmo conjunto de elementos poderia resultar em diversos partidos, tanto no academicismo como no modernismo. As projeções eram o produto gráfico, e a planta baixa, em especial, poderia sugerir diversos resultados formais. A uma mesma planta poderiam corresponder diferentes fachadas (MARTÍNEZ, 2000).

Kahn exemplificou com seus princípios que o ato de projetar pressupõe uma teoria, evidenciando inclusive sua individuação. A permanência do tema sobre os métodos projetuais na contemporaneidade reforça a necessidade da teoria crítica da arquitetura e expõe limites das teorias artísticas, que, nos acontecimentos de rupturas, não percebem continuidades e contradições entre uma tendência artística e outra.

4 REFERÊNCIAS

BELL, Michael; LERUP, Lars (eds.) Louis I. Kahn: Conversas com estudantes. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.

COLQUHOUN, Alan. Louis I. Kahn. In: La arquitectura moderna: una historia desapasionada. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. pp. 247- 254.

KAHN, Louis I. Forma y deseño. Buenos Aires: Nueva Visión, 2007 [1961].

______. Monumentality. In: Architecture culture: 1943-1968. New York: Columbia Books of Architecture; Rizzoli, 1993 [1944], pp. 48- 54.

KRUFT, Hanno- Walter. A History of Architectural Theory: from Vitruvius to the present. New York: Princeton Architectural Press, 1994.

LASSANCE, Guilherme e TAVARES FILHO, Arthur. Transições entre os planos conceitual e material da concepção arquitetônica em Louis I. Kahn. Arquiteturarevista, Porto Alegre, vol.4, n.1, UNISINOS, 2008. Disponível em: <http://www.arquiteturarevista.unisinos.br/pdf/ 41.pdf > Acesso em: 27 mai. 2011. 4 imagens, P&B.

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MANO, Rafael Simões. Louis Kahn, Professor: a fala do indizível. Cadernos do PROARQ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 14, p.88-98, 2010. Disponível em: <http://www.proarq.fau.ufrj.br/site/ cadernos_proarq/cadernos-proarq_14.pdf> Acesso em: 03 mar. 2011.

MARTÍNEZ, Alfonso Corona. Ensaio sobre o projeto. Tradução Ane Lise Spaltemberg; revisão técnica de Silvia Fischer. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.

MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001.

PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

PEVSNER, Nikolaus. Academias de arte: passado e presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

ROSA, Joseph. Louis I. Kahn. Köln: Taschen, 2006. 1 fotografia, color.

STROETER, João Rodolfo. Arquitetura e teorias. São Paulo: Nobel, 1986.

5 AGRADECIMENTOS

CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

PROGRAU- Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas

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