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4888 METODOLOGIAS NÃO CONVENCIONAIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: FILME BEE MOVIE - UMA DISCUSSÃO SOBRE A ÉTICA ANIMAL E O MEIO AMBIENTE Waleska C. V. Santos (EACH-USP, Bolsista Aprender com Cultura e Extensão/USP) Daiane Cardozo de Souza (EACH-USP, Bolsista Aprender com Cultura e Extensão/USP) Karine Stephanie Alves (EACH-USP, Bolsista Programa Unificado de Bolsas/USP) Tânia Regina Vizachri (FEUSP, Coordenadora do D.I.A.N.) Luís Paulo de C. Piassi (EACH-USP, Líder do grupo Interfaces e Banca da Ciência) RESUMO As animações nem sempre transmitem a verdade, entretanto podem ajudar a pensar a respeito das relações culturais que estabelecemos na sociedade. O Bee Movie é um destes casos no qual ajuda a refletir sobre as relações culturais entre os humanos e as abelhas, incentivando uma discussão acerca dos direitos animais e do meio ambiente. Em uma das atividades desenvolvidas no projeto “Banca da Ciência” pela Universidade de São Paulo, a frente temática D.I.A.N. (Debates e Investigações Sobre Animais e Natureza), utilizou o Bee Moviepara colocar em debate a importância das abelhas para o meio ambiente e as causas do seu desaparecimento. O artigo irá relatar esta intervenção lúdico-didática como possibilidade de debater sobre o tema da ética animal e ambiental, referente a vida das abelhas. PALAVRAS-CHAVE: Bee Movie; Ética Animal; Meio Ambiente; Mídia Infantil; Ensino de Ciências. INTRODUÇÃO A Cultura e Extensão Universitária da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo EACH-USP objetiva difundir atividades de ciência e cultura através de programas e projetos universitários que proporcionem experiências de tais assuntos à comunidade interna e externa,contemplando uma abordagem diferenciada de aprendizagem. D.I.A.N. Debates e Investigações sobre Animais e Natureza 1 é uma das seis equipes (figura 1)vinculadas ao projeto de extensão Banca da Ciência (PIASSI et al, 2015), que apresenta desde 2009 propostas de divulgação científica para o público escolar, e ao INTERFACES (Interfaces e Núcleos Temáticos de Estudos e Recursos da Fantasia nas 1 D.I.A.N. foi denominado em homenagem à DianFossey, que é uma zoóloga, primatologista e antropóloga americana, nascida na Califórnia. Dian foi uma importante ativista que dedicou parte da sua vida para estudar e defender a vida de gorilas do alto das montanhas. Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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METODOLOGIAS NÃO CONVENCIONAIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: FILME

BEE MOVIE - UMA DISCUSSÃO SOBRE A ÉTICA ANIMAL E O MEIO

AMBIENTE

Waleska C. V. Santos (EACH-USP, Bolsista Aprender com Cultura e Extensão/USP)

Daiane Cardozo de Souza (EACH-USP, Bolsista Aprender com Cultura e Extensão/USP)

Karine Stephanie Alves (EACH-USP, Bolsista Programa Unificado de Bolsas/USP)

Tânia Regina Vizachri (FEUSP, Coordenadora do D.I.A.N.)

Luís Paulo de C. Piassi (EACH-USP, Líder do grupo Interfaces e Banca da Ciência)

RESUMO

As animações nem sempre transmitem a verdade, entretanto podem ajudar a pensar a

respeito das relações culturais que estabelecemos na sociedade. O Bee Movie é um destes

casos no qual ajuda a refletir sobre as relações culturais entre os humanos e as abelhas,

incentivando uma discussão acerca dos direitos animais e do meio ambiente. Em uma das

atividades desenvolvidas no projeto “Banca da Ciência” pela Universidade de São Paulo, a

frente temática D.I.A.N. (Debates e Investigações Sobre Animais e Natureza), utilizou o Bee

Moviepara colocar em debate a importância das abelhas para o meio ambiente e as causas do

seu desaparecimento. O artigo irá relatar esta intervenção lúdico-didática como possibilidade

de debater sobre o tema da ética animal e ambiental, referente a vida das abelhas.

PALAVRAS-CHAVE: Bee Movie; Ética Animal; Meio Ambiente; Mídia Infantil; Ensino de

Ciências.

INTRODUÇÃO

A Cultura e Extensão Universitária da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da

Universidade de São Paulo – EACH-USP objetiva difundir atividades de ciência e cultura

através de programas e projetos universitários que proporcionem experiências de tais assuntos

à comunidade interna e externa,contemplando uma abordagem diferenciada

de aprendizagem. D.I.A.N. – Debates e Investigações sobre Animais e Natureza1 –é uma das

seis equipes (figura 1)vinculadas ao projeto de extensão Banca da Ciência (PIASSI et al,

2015), que apresenta desde 2009 propostas de divulgação científica para o público escolar, e

ao INTERFACES (Interfaces e Núcleos Temáticos de Estudos e Recursos da Fantasia nas

1D.I.A.N. foi denominado em homenagem à DianFossey, que é uma zoóloga, primatologista e antropóloga

americana, nascida na Califórnia. Dian foi uma importante ativista que dedicou parte da sua vida para estudar e

defender a vida de gorilas do alto das montanhas.

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Artes, Ciências, Educação e Sociedade), um grupo de pesquisa e investigação de educação em

ciência vinculadoà EACH-USP e à UNIFESP. O projeto Banca da Ciência é composto por

duas modalidades, o A.L.I.C.E.(Arte e Lúdico na Investigação em Ciências na Escola),

voltado ao ensino fundamental,e o J.O.A.N.I.H.A (Jogar, Observar, Aprender, Narrar:

Investigações sobre Natureza, Humanidades e Artes), direcionado ao ensino infantil.Temos

desenvolvido na escola E.M.E.F. Arquiteto Luís Saia da rede municipal da cidade de São

Pauloa atividade aqui relatada, que é uma das frentes de trabalho da modalidade A.L.I.C.E.

(Arte e Lúdico na Investigação em Ciências na Escola) direcionada a estudantes entre 12 e 14

anos e que tem como objetivo a popularização da ciência para adolescentes e uma ampliação

da jornada do tempo escolar, mas com atividades diferentes do que as realizadas em sala de

aula.

Figura 1- equipes

A equipe D.I.A.N. é atualmente composta por 10 integrantes, sendo alguns bolsistas e

outros voluntários, advindos dos cursos de graduação em Licenciatura em Ciências da

Natureza, Gestão de Políticas Públicas, e Gestão Ambiental, e inclui a coordenadora do

grupo, Tânia Regina Vizachri. Pretende alcançar um intercâmbio entre as pesquisas feitas na

universidade, com base em debates sobre leituras acadêmicas feitas nas reuniões de grupo e as

práticas nas salas de aula das escolas selecionadas. O grupo elabora e aplica atividades lúdicas

com foco nos direitos animais e natureza. As aplicações são elaboradas pensando em uma

interação entre os estudantes e as atividades, visando desenvolver uma empatia ao animal por

parte destes. Propõe atividades com materiais diversos e também reciclados, e para cada uma

das aplicações nas escolas é planejado, analisado e preparado os materiais a serem utilizados,

conforme enunciado na metodologia.

As atividades permitem que os alunos assimilem o conteúdo estudado em sala de aula

com temas sobre os direitos animais e a natureza de uma forma lúdica.

O lúdico é uma forma de interação do estudante com o mundo, podendo utilizar-se

de instrumentos que promovam a imaginação, a exploração, a curiosidade e o

interesse, tais como jogos, brinquedos, modelos e exemplificações realizadas

habitualmente pelo professor entre outros. O lúdico permite uma maior interação

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entre os assuntos abordados, e quanto mais intensa for essa interação, maior será o

nível de percepções e reestruturações cognitivas realizadas pelo aluno (CABRAL et

al., 2008).

Os estudantes tem a oportunidade de exporem e construírem os seus pensamentos

enquanto se divertem com as atividades lúdicas. Segundo Dallagnol, Vianna e Korte (2012),

ao longo dos anos tem-se verificado que o ensino de ciências na Educação Básica e

a formação do professor vêm sendo interferidos por um ensino convencional acompanhado de

uma limitação a materiais como livros didáticos, dificultando a compreensão e

tornando múltipla a investigação ao estudo de ciências. Diante deste quadro, considera-se que

a ferramenta audiovisual contribui a um ensino de ciências diversificado, no qual as

metodologias não convencionais obtém êxito quanto à participação do aluno nas atividades,

propiciando relatos de vivências e conhecimentos que estes trouxeram durante a aplicação,

seja no campo escolar ou no cotidiano. Percebe-se que os alunos debatem o tema de uma

forma espontânea e diferente do que estão acostumados no ambiente escolar.

Embora os filmes de animação apresentem sempre figuras de animais de forma

antropomorfizada (com características humanas), por representarem animais de outras

espécies também trazem em seu conteúdo visões culturais sobre a nossa relação com eles.

Dentre as interpretações dos filmes de animação, tal prática de olhar para a antropomorfização

dos animais como metáfora de nossa sociedade é muito comum entre os pesquisadores

(KINDEL, 2003; OLIVEIRA; MOURO, 2007). Como discutido em artigo anterior

(VIZACHRI, 2015) essa maneira de olhar ignora a relação dos animais em constante relação

com humanos, que raramente é discutido. A maioria das atividades que utilizam filmes de

animação em sala de aula o faz para discutir apenas questões humanas, pois analisam os

animais como metáforas. As implicações disso já foram discutidas no artigo Os problemas do

uso da metáfora animal (VIZACHRI, 2014). Contudo, o olhar dos pesquisadores está

mudando e os animais estão começando a se tornar um motivo importante de estudo,

principalmente para pensarmos nossa relação com eles. O artigo de Leandro Belinaso

Guimarães e de Bruna Luiza da Silva (2009) mostra um início, ainda tímido, dessa mudança

de perspectiva. Assim, podemos perceber que a temática do animal em relação ética conosco

está começando a ser colocada em questão da maneira de pensar e representar os animais, o

que afeta a maneira como os tratamos (MALAMUD, 2012, p. 24).

O objetivo deste trabalho é relatar uma intervenção lúdico-didática utilizando como

ferramenta audiovisual o filme Bee Movie(2007), de modo a investigar como as mídias

infantis podem auxiliar o público escolar a refletir sobre o modo cultural como as abelhas são

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tratadas e entendidas pela sociedade. A utilização do filme Bee Movie na aplicação objetivou

educar os alunos a serem espectadores críticos, para que possam dar suas opiniões sobre o

tema abordado no filme, não ser espectadores passivos e concordarem com a visão que o

autor apresenta. Assim, refletir o filme é passar de espectador passivo para espectador crítico.

O cinema quando utilizado como ferramenta de educação no processo escolar necessita

ensinar a ver diferente (CARMO, 2003, p. 77). O uso de mídias, em geral, aproxima os alunos

da realidade, que é apresentada em um formato ilustrativo, uma percepção de uma

sensibilidade com uma fomentação do debate (CHAMPANGNATTE; NUNES, 2011).

CARACTERÍSTICAS DA ESCOLA ARQUITETO LUÍS SAIA

A escola onde são aplicadas as atividades do grupo D.I.A.N. é municipal da rede

pública do ensino fundamental da zona leste da cidade de São Paulo. A escola foi criada pelo

Decreto 3341 de 16 de Novembro de 1956. A escola funciona em um espaço físico que foi

inaugurado em 23 de Março de 1958. Atualmente, a escola chama-se E.M.E.F. Arquiteto Luís

Saia.

Este novo espaço físico passou por muitas reformas e ampliações de espaços,

buscando obter um ambiente melhor para os alunos. Hoje, a escola apresenta recursos

tecnológicos em sala de aula, os quais facilitam aplicações audiovisuais do grupo D.I.A.N. A

sala de aula onde aplicamos as atividades tem televisão com entrada USB e DVD. Também,

quando necessário para as aplicações a escola disponibiliza o projetor. Sendo assim, a escola

apresenta boa infraestrutura para as aplicações. A E.M.E.F. possui, no momento atual, salas

de aula regulares, pátio externo, refeitório, sanitários, sala multimídia, sala de informática,

sala de leitura, quadra, e instalações da administração. A escola apresenta comprometimento

ético com a comunidade sempre tentando adequar-se para obter o melhor ambiente para os

alunos.

METODOLOGIA

Snyders (1988, p. 233) e Paulo Freire (2002, p. 99) falam da importância de a escola

abordar temas que sejam do interesse das crianças e que não fuja dos temas polêmicos.

Snyders (1988, p. 190) se preocupa se o que é ensinado corresponde às expectativas dos

alunos, se acolhe às preocupações deles, assim como ressalta a importância dos estudantes

desenvolverem uma visão crítica da cultura, ou seja, que a escola trabalhe com coisas que

deem prazer aos estudantes (cultura primeira), mas que também os faça ter uma visão mais

crítica desta, passando assim para a cultura elaborada. Assim, pretendemos que a nossa

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relação com as outras espécies seja problematizada, formando uma discussão

conscientizadora da realidade vivida (FREIRE, 2002).

Assim, temos atuado em três etapas, as quais não são estáticas, mas encadeadas, pois

cada etapa pode redefinir as demais:

(1) Análise das manifestações artístico-culturais, a qual é voltada para análise crítica do

material midiático a ser utilizado, segundo o referencial teórico dos Estudos Culturais,

considerando que manifestações culturais comunicam mensagens e propõem práticas

diversas e até contraditórias (KELLNER, 2001, p. 123). Nessa etapa fizemos a análise

do filme.

(2) Formulação didática, na qual formulamos o objetivo da atividade e os passos

necessários para chegarmos a esse objetivo, ou seja, como desenvolver no estudante a

reflexão crítica dos materiais analisados na etapa anterior. Utilizamos nessa fase tanto

o produto cultural em si (como o filme), como para textos (críticas, frases, etc.)

formando, assim, um “super texto” que questiona a própria obra apresentada. Neste

processo, buscamos pensar no diálogo entre educadores e educandos em processo de

reflexão e conscientização, não como mais uma aula a ser ministrada. Precisamos

pensar tanto no lúdico, no prazer que os estudantes terão com aquilo, quanto nos

objetivos de conteúdo que almejamos atingir. Nessa etapa elaboramos a atividade

pensando na análise feita anteriormente.

(3) Intervenção lúdico-didática, que traz elementos para avaliar as hipóteses formuladas

nas etapas anteriores e sua possível reformulação, havendo, assim, uma revisão

completa das demais etapas, inclusive com relação à seleção de materiais. Nesta etapa

ocorre a coleta de dados realizada durante a própria aplicação, através de perguntas

feitas para os adolescentes. Além disso, para uma melhor análise dos resultados a

aplicação foi gravada e posteriormente transcrita, e toda a aplicação foi fotografada e

filmada, construindo assim uma minuta temporal detalhando o processo. A análise foi

guiada pela observação de alguns eventos verificáveis definidos previamente pelo

grupo, o qual demonstraria o envolvimento deles com a atividade realizada. Os

eventos verificáveis visam indicar se os alunos tiveram interesse no tema proposto, se

debateram, relacionaram o tema da aplicação com conceitos aprendidos na escola ou

no ambiente externo, se os alunos demonstram posições de ordem social, política,

ética ou moral, se levantam questionamentos, dentre outros itens. Essa última parte foi

a da aplicação da atividade e coleta dos resultados.

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TRECHOS SELECIONADOS DO FILME BEE MOVIE

O filme Bee Movie relata a história da abelha Barry B. Benson que acaba de se formar

na faculdade, quando se vê diante da escolha de arrumar um emprego na empresa Honex, e

percebe que não quer exercer o mesmo trabalho para sempre, como as abelhas fazem ou como

seu pai, que era um misturador de mel. Então, o protagonista acaba escolhendo ser um dos

“Ases do pólen”, que desempenham a função da polinização devido ao fato de sua curiosidade

de conhecer o mundo fora da colmeia. O filme discute as relações entre o homem e o animal,

evidencia os fatores ruins a estes insetos, como a picada das abelhas que pode causar sua

morte, a ingestão de alimentos que os humanos deixam expostos e que fazem mal às abelhas,

organização de um apiário e como estas são forçadas a produzir mel, com uma discussão

acerca dos direitos animais.

Na atividade foram retirados trechos selecionados do filme Bee Movie, que foi editado

pelo grupo D.I.A.N. com duração de 13 minutos, com a finalidade de mostrar aos alunos e

alunas as partes mais tendenciosas e críticas do filme, que distorcem completamente a

realidade da produção de mel e seus impactos no meio ambiente. A seguir serão apresentados

os trechos, que se concentram no contato entre humano e animal em detrimento das relações

do ambiente e a produção da indústria do mel com suas consequências ao modo de vida das

abelhas.

O primeiro contato de Barry com os humanos foi estranho, chegando a questionar

como estes são estressados em razão da reação de medo e espanto por parte das pessoas. De

repente, neste cenário começa a chover e Barry vai parar no apartamento da florista Vanessa.

As pessoas que estavam lá queriam matá-lo, e a moça salvá-lo. Esta atitude gentil da florista

faz com que Barry converse com ela, o que, inicialmente, assusta a moça, porém

posteriormente eles acabam se tornando grandes amigos.

No momento em que Barry vai ao supermercado com Vanessa, se surpreende com os

potes de mel nas prateleiras; a moça demonstra uma visão de que o mel é feito para os

homens. Barry enfatiza que o mel é das abelhas e o processo é fruto de um trabalho árduo das

abelhas, no que descobre que potes de mel vêm da “HoneyFarm”, que emprega apicultura. O

filme demonstra o processo que os apicultores fazem de inspecionar o apiário para manter a

alta produção de mel, utilizando o fumigador e deixando as abelhas numa situação de

fragilidade, impedindo de reagirem e voar. Diante esta situação, Barry decide processar os

humanos pelo roubo e uso indevido do mel das abelhas, os cárceres e maus-tratos. A

estratégia de Barry para ganhar o processo é criticar o uso do fumigador e seus efeitos de

intoxicação por parte da fumaça, relacionando o trabalho forçado das abelhas nos apiários e

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que estas são escravas do mel. As abelhas ganharam o resultado judicial, e com isso os potes

de mel foram retirados dos supermercados, com o fim do uso da imagem do mel como o

símbolo do urso, a utilização de produtos cosméticos e alimentícios. Com a retirada de todo o

mel houve uma superprodução na Honex no qual as abelhas pararam a produção e a

polinização. No filme isso é apresentado como um desastre, como se fosse culpa das abelhas e

principalmente de Barry, que se sente culpado e tenta reverter essa situação fazendo com que

as abelhas voltem a produzir mel e, consequentemente, polinizar. No final, as abelhas voltam

a produzir mel para os humanos.

O filme deixou de enfatizar que as abelhas são importantes para o meio ambiente, não

porque elas produzem mel para os homens, que poderiam viver sem, mas sim por causa da

polinização, evitando a morte das flores, e uma das relevâncias que foram levadas ao debate é

se as animações sempre trazem a verdade, se é tudo culpa das abelhas.

Segundo Vizachri (2014) o filme Bee Movie levanta uma discussão aos direitos

animais como a amizade entre humano e um animal, o ato de salvar uma abelha que ia ser

morta (o direito à vida), o resultado judicial que as abelhas ganham e suas reivindicações

atendidas. Mas não há uma defesa, porque há uma satirização, como a cena da vaca

reclamando de seus direitos, ou então o fim da glorificação do urso como símbolo do mel, a

possibilidade de processar o cantor Sting, pois seu nome é sinônimo na língua inglesa de

ferrão.

A animação distorce as relações ecológicas quando apresenta como problema do

desaparecimento das abelhas a falta de consumo de mel. O documentário Mais que Mel

(2012) mostra como é prejudicial aos humanos o fim do processo de polinização realizado

pelas abelhas, que já é feito manualmente na China, mostra o sistema de apicultura com a

utilização de uma raça pura de abelhas, os fatores antrópicos, os alimentos que os humanos

deixam expostos e que as abelhas ingerem, e as doenças. A visão do documentário é que o

fim da polinização está relacionado também com a produção de mel para humanos, o que é

uma visão diferente do Bee Movie, que mostra que o fim da polinização está relacionado à

ausência de consumo do mel, gerando uma visão errônea de que se os humanos parassem de

consumir mel, as abelhas iriam parar de produzir mel, como se as abelhas produzissem isso

apenas para humanos (VIZACHRI, 2014).

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE APLICADA

A atividade com o filme Bee Movie foi realizada no dia 15 de março de 2016, em uma

sala de aula com seis alunos entre 12 e 14 anos de idade, na Escola Municipal de Ensino

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Fundamental Arquiteto Luís Saia, localizada em São Miguel Paulista. Teve como objetivo

geral desenvolver a reflexão dos alunos sobre a ética animal, ou seja, se eles podem começar a

desenvolver um raciocínio sobre questões éticas e formular uma opinião sobre o que é certo

ou errado, bem como conscientizar sobre o desaparecimento das abelhas e sobre a

importância delas para o meio ambiente. Foram realizadas três etapas no processo de

aplicação da atividade, todas executadas no mesmo dia, com o tema geral “Meio Ambiente” e

tema específico sobre a aprendizagem de caráter científico introdutório sobre a vida das

abelhas e sua relação com o meio ambiente e a vida dos seres humanos.

Na primeira etapa foram mostrados trechos selecionados do filme Bee Movie, e em

seguida foi realizada uma conversa com os alunos sobre as questões apresentadas nos trechos

do filme, de forma a incitar a reflexão sobre questões antes não percebidas pelos alunos. A

última etapa se constituiu em um quiz dinâmico contendo questões interessantes sobre a vida

das abelhas, seguidas de respostas alternativas, e que foram lidas pelos integrantes do grupo

D.I.A.N. A proposta foi que os alunos se organizassem em uma fileira horizontal (um ao lado

do outro) para que, a cada resposta que acertassem, dessem um passo à frente, promovendo

uma interação divertida que possibilitasse a aprendizagem.

RELATO DA ATIVIDADE E RESULTADOS

Na aplicação estavam presentes seis alunos, dentre eles cinco meninas e um menino.

As meninas, no início, pareciam não estar tão envolvidas com o tema, e o menino desde o

início demonstrou mais entusiasmo que as meninas. Contudo, durante a etapa do trecho do

filme Bee Movie, todos demonstraram reações positivas, se envolvendo com a proposta da

atividade. As reações demonstradas foram sorrisos e olhares atentos ao filme.

Na segunda parte atividade, que foi o debate, perguntamos o que tinha acontecido no

filme e alguns estudantes responderam que a abelha tinha parado de produzir mel e de fazer a

polinização, o que ocasionou um desastre. Consequentemente, questionamos os estudantes se

o desequilíbrio era realmente culpa das abelhas ou os seres humanos teriam alguma influência

naquele desequilíbrio. Uma das alunas disse: “Eu acho que as pessoas não dão o maior valor

para as abelhas. As abelhas trabalham e trabalham, e as pessoas pegam todo o mel para elas”.

Verificou-se que os alunos estabeleceram relação com informações por eles adquiridos

em ambiente escolar, quando disseram que a natureza necessita das abelhas para a

polinização. Ademais, o professor da turma relatou que estava falando sobre o tema

polinização para os alunos na mesma semana em que a atividade foi aplicada. Ainda, um

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aluno disse que sabia o que era polinização: “As abelhas pegam o pólen de uma flor e levam

para outra flor”.

Perguntamos se os alunos sabiam que na China já se está polinizando as flores

manualmente, que já se tira pólen das flores com cotonete e depois polinizam manualmente

outra flor com aquele pólen que foi retirado. Os alunos falaram que não sabiam disso e que

acham que isso poderia funcionar, mas que não seria a mesma coisa que a polinização natural.

Também, falaram que a importância das abelhas para o meio ambiente é muito grande.

Contamos para os alunos uma frase em queEinstein dizia que se todas as abelhas morressem,

em quatro anos a população seria extinta, mas que não se sabe se esse fato é verdadeiro ou

não.

Em sequência, perguntamos para os estudantes se eles achavam que se os humanos

parassem de consumir mel, as abelhas iriam morrer. A resposta dos alunos foi sim, eles

achavam que as abelhas morreriam se os humanos parassem de consumir mel. Sendo assim,

mais uma vez respondemos a essa pergunta com embasamentos conceituais, desmistificando

ideias que os estudantes tinham sobre a produção de mel e a relação das abelhas com os seres

humanos.

O próximo questionamento que fizemos foi o que os estudantes pensam quando uma

abelha vem em sua direção. Os alunos disseram que eles têm medo quando veem uma abelha

em sua direção. Entretanto, um dos alunos disse: “Eu ouvi falar que quando uma abelha pica

um ser humano, elas morrem. É verdade?”. Respondemos que era verdade o que o aluno tinha

falado.

Na última etapa, os alunos participaram do quiz com entusiasmo, e se surpreenderam

com as respostas que não sabiam antes, o que gerou pequenos debates e explicações no

decorrer da atividade. Os alunos acertaram quase todas as questões do quiz, só havendo

divergência de respostas em algumas questões. Na questão “que produtos o homem pode

retirar a partir das abelhas além do mel”, duas alunas responderam que as abelhas só fornecem

mel, sendo assim, ficaram surpresas quando dissemos que a resposta certa seria geleia real,

própolis e pólen. Já na questão “como as abelhas retiram o néctar” todos os alunos

responderam a opção errada, que era “encostando-se na flor”, e a resposta correta seria

“sugam com a língua”. Também, na questão “como as abelhas operárias informam a colmeia

sobre a localização do néctar” todos os alunos escolheram a opção errada, e ficaram surpresos

quando dissemos que seria pelos movimentos de "dança das abelhas". Na questão “como as

abelhas fabricam o mel”, apenas uma aluna respondeu a resposta incorreta. Quando se

perguntou se o mel era para os homens, a metade dos alunos disse que sime, dessa

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forma,explicamos que o mel é para a alimentação das abelhas e que os homens conseguem

viver sem o mel.

A partir da figura abaixo registrada na atividade do quizde curiosidade sobre as

abelhas é possível fazer uma breve análise da linguagem corporal dos estudantes que

participaram da intervenção. O sorriso pode identificar alguns sentimentos,dentre eles a

alegria, mostrando emoções relacionadas com o prazer, satisfação, euforia e êxtase (CARMO,

2010). Os sorrisos verdadeiros são gerados inconscientemente pelo cérebro. Pode-se observar

o sorriso largo e espontâneo das três alunas encontradas no lado direito da fotografia,

indicando o prazer e euforia em participar da atividade. Os outros dois alunos da outra ponta

apresentam um sorriso mais discreto. Em relação aos braços cruzados, pode-se indicar que os

alunos se esconderam dentro de suas próprias ideias (VIEIRA, 2010). Os braços cruzados

indicam resistência à comunicação sendo um aspecto negativo, enquanto o sorriso indica um

aspecto positivo (WEIL; TOMPAKOW,2000). Os alunos mostraram participar ativamente da

intervenção lúdico-didática, entretanto muitas vezes os alunos podem não expressaram todas

as suas ideias.

Figura 2 - participação dos alunos no quiz de curiosidades sobre as abelhas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização do Bee Movie propiciou uma sensibilidade aos alunos em relação às

abelhas no final. Muitos desconheciam o processo de apicultura no que se diz respeito a forçar

as abelhas a produzir mel, causando mortes e um dos fatores do seu desaparecimento. A

maioria dos alunos havia assistido ao filme, mas percebe-se que tinham como entendimento a

mensagem final de o humano e o animal viverem sempre harmonicamente. A discussão

abordada pelo D.I.A.N. no processo de apicultura se manifestava como assunto novo para os

alunos, apesar de eles já terem assistido ao filme, assim como o desaparecimento das abelhas

e a importância dessas para o meio ambiente.

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O uso da mídia de forma questionadora favoreceu o senso crítico por refletir sobre o

quanto as cenas abordadas são verídicas ou não. A atividade do quiz propiciou aos alunos um

suporte à introdução ao tema das abelhas criando uma familiarização e empatia ao animal ao

trazer algumas informações que mostraram a similaridade entre os humanos e as abelhas,

como o fato de elas também se comunicarem. Assim, os alunos demonstraram um entusiasmo

diante as curiosidades sobre as abelhas. A metodologia não convencional promoveu uma

aprendizagem diversificada em relação à forma do ensino que os alunos estão acostumados, e

os resultados demonstramo êxito deste recurso no ensino de ciências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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