metodologia da pesquisa cientifica

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METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA Prof. Dr. Guanis de Barros Vilela Junior

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Page 1: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA

Prof. Dr. Guanis de Barros Vilela Junior

2009

Page 2: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA

INTRODUÇÃO:

COMO A METODOLOGIA DA PESQUISA PODE TE AJUDAR

A disciplina METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA está presente nos

currículos de todos os cursos superiores, adotando, não raro denominações

diferentes como métodos e técnicas de pesquisa ou metodologia do trabalho

acadêmico. Aqui, tais denominações serão sinônimas, uma vez que

entendemos que um simples trabalho acadêmico de revisão da literatura sobre

um tema qualquer, por exemplo, já se constitui como uma pesquisa científica.

Científica porque requer condutas e regras claramente identificadas para que

sejam maximizadas as chances de sucesso na pesquisa realizada.

A metodologia da pesquisa científica não é um bicho papão que existe para

importunar aqueles que se aventuram na construção do conhecimento

científico. Ela existe para simplificar a vida do estudante / pesquisador na

condução de seu trabalho de investigação.

Vários manuais de metodologia da pesquisa científica são muito imperativos e

pouco reflexivos; postura que tentaremos evitar ao máximo. Recorramos à

metáfora da receita do bolo. Nela o bolo é o conhecimento científico a ser

construído. Para fazer um bom bolo, são necessários: a) os ingredientes (os

materiais) e b) as proporções destes ingredientes e como os mesmos serão

manipulados para que a receita seja um sucesso (a técnica de execução). Uma

boa receita de bolo deve ser minuciosa o suficiente para que qualquer outra

pessoa que recorra à mesma consiga fazer o bolo com sucesso. Receita ruim é

receita obscura que não nos informa sobre detalhes importantes na elaboração

do bolo. Receita boa é aquela que nos informa criteriosamente quanto, quando,

como e porque os ingredientes devem ser colocados na mesma. E mais, uma

boa receita de bolo, informa sobre possíveis variações que podem ocorrer sem

Page 3: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

alterar significativamente o resultado do bolo. Neste contexto, não pretendemos

defender uma única receita do bolo, e sim refletir sobre possíveis variações

sobre a receita do bolo. Analogamente a metodologia não deve ser apenas

uma receita para a construção do conhecimento científico, ela deve ser

também o espaço da discussão sobre o processo de construção deste

conhecimento. Existem nomes pomposos para isto: Epistemologia (ou Teoria

do Conhecimento) que é uma ciência que estuda as outras ciências, ou, como

preferem alguns autores, a epistemologia é uma metaciência.

Optamos, para fins meramente didáticos, em dividir este livro em dois grandes

blocos: o primeiro, BLOCO I, sobre aspectos normativos das etapas que

usualmente envolvem a pesquisa científica nas diferentes áreas onde

discutiremos as etapas e desafios recorrentes à identificação do tema –

problema, da elaboração e execução do projeto e da redação do relatório da

pesquisa nos formatos de artigo, monografia, dissertação e tese.; o segundo,

BLOCO II, sobre as questões relativas ao processo de construção e validação

do conhecimento científico, promovendo uma reflexão sobre as grandes

concepções epistemológicas da atualidade, tais como o chamado empirismo

lógico do Círculo de Viena, o racionalismo crítico de Popper, as revoluções

científicas de Kuhn, o anarquismo teorético de Feyerabend e os programas de

pesquisa de Lakatos.

Outro aspecto importante deste livro foi a opção por uma redação que concilia

a simplicidade com a profundidade com que os conteúdos foram trabalhados,

ou seja, não podemos confundir simplicidade com superficialidade e muito

menos profundidade com pedantismo acadêmico.

É importante ressaltar que a existência da metodologia da pesquisa científica

só tem sentido se ela for capaz de facilitar os caminhos trilhados na construção

do conhecimento, através da sistematização e da desmistificação.

Desmistificação? Sim! A ciência possui vários exemplos onde foi a violação das

regras metodológicas que a fez evoluir. Muitas vezes o conhecimento novo e

vigoroso é fruto de ousadias metodológicas que no início podem parecer erros

grosseiros, mas que gradativamente se consolidam enquanto novas maneiras

e caminhos de se construir conhecimento sistemático.

Page 4: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

BLOCO IA realização de uma pesquisa científica é uma experiência:

RADICAL, uma vez que pressupõe um aprofundamento em uma área

específica do conhecimento.

DISCIPLINADA, porque requer rigor e controle no trato das informações que

você coletará.

COLETIVA, porque você terá cúmplices nesta aventura, afinal, você lerá

muitos trabalhos de outros pesquisadores e principalmente porque a pesquisa

só se materializa de fato ao ser publicada, tornada pública. Ou seja, queremos

falar alguma coisa para os outros.

Neste BLOCO I você aprenderá uma possível maneira de se realizar uma

pesquisa, do projeto à redação do trabalho final.

Page 5: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

ANTES DE COMEÇAR: UM DESAFIO!

As avaliações só tem sentido se estiverem focadas muito além de apenas uma

nota suficiente para a aprovação do aluno. A avaliação tem aqui de ser

apreendida como um momento de síntese integradora em relação às

informações recebidas. É bastante provável que você já tenha escutado aquele

antigo ditado: “de pouco vale a teoria sem a prática!” Sábias palavras que

atrelam a teoria e a prática, ou seja, a práxis. Na metodologia da pesquisa

científica esta práxis se materializa no desenvolvimento processual de um

projeto de pesquisa. Este será o seu desafio! Melhor: este será o nosso

desafio! Sendo assim, você deverá desenvolver um projeto de pesquisa. Muitos

poderão dizer: “mas eu ainda não sei o que eu quero pesquisar”! Sem

problemas, trata-se de apenas um projeto, ou seja, um conjunto de ações para

conseguir resolver um problema, que enquanto projeto que é, pode (e

comumente isto acontece) sofrer alterações.

PESQUISA CIENTÍFICA: UMA MANEIRA DE PENSAR

Provavelmente foi com advento da escrita como forma de registro de

informações que o homem começou a fazer ciência, isto, segundo os

historiadores, aconteceu entre 3000 e 4000 anos A.C. Parece óbvio que a

capacidade de fazer registros e transmiti-los para seus descendentes, deu ao

ser humano a oportunidade de sistematizar o conhecimento por ele construído.

A pesquisa científica possui características específicas em todas as suas

etapas. Para isto é importante que adotemos uma possível definição de

pesquisa científica e de ciência. Segundo vários metodologistas trata-se, em

ambos os casos, de uma tarefa ingrata, dada a incompletude de qualquer

tentativa que se faça para defini-las, mas purismos à parte, usaremos por hora

as seguintes definições:

Page 6: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

PESQUISA CIENTÍFICA é o processo da mediação racional e metódica que o

homem faz para compreender os fenômenos que ele vivencia, sejam eles

naturais, históricos, psíquicos ou culturais.

CIÊNCIA é todo conhecimento racionalmente construído através da criteriosa,

sistemática e metódica investigação sobre um objeto ou fenômeno, fruto do

processo de pesquisa científica.

Estas possíveis definições e todas suas possíveis precariedades sinalizam

aspectos importantes relativos à maneira de pensar inerente à construção do

conhecimento científico; um deles refere-se à necessidade de se organizar as

informações sobre um objeto ou fenômeno em categorias. Quando falamos em

categorias / categorização, estamos a falar de critérios que as possibilitem. Por

exemplo, um botânico pode classificar as plantas de seu viveiro a partir dos

diferentes tipos de folhas. Outro botânico poderia querer classificá-las tomando

como critério as diferentes maneiras de reprodução. A pesquisa científica

busca dar uma ordem lógica e racional na infinita quantidade de informações

que recebemos ou extraímos do universo. Para que? Para aumentarmos as

chances de compreendermos nosso mundo da melhor maneira possível.

Pesquisamos porque de alguma maneira identificamos nossas carências. É

porque sabemos que muito pouco sabemos que fazemos a ciência acontecer.

Pesquisamos porque desejamos compreender melhor e mais racionalmente

questões fascinantes tais como: Quem somos nós? De onde viemos? Para

onde iremos? Aprofundaremos esta questão no BLOCO II deste livro.

Page 7: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

TIPOS DE PESQUISAS

Os critérios mais usuais para a caracterização metodológica da pesquisa

científica são relativos aos objetivos; aos procedimentos técnicos; à

natureza; às fontes de informação e à forma de abordagem do problema.

Vejamos as principais características de cada um destes critérios.

EM RELAÇÃO AOS OBJETIVOS, as pesquisas podem ser:

1) Exploratórias: são aquelas que visam proporcionar maior familiaridade

com o tema problema com vistas a torná-lo mais evidente. Envolve

levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram

experiências práticas com o problema pesquisado; análise de exemplos

que estimulem a compreensão. Usualmente assumem, em geral, as

formas de Pesquisas Bibliográficas e Estudos de Caso.

2) Descritivas: são aquelas que visam descrever as características de

determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações

entre variáveis. Envolve o uso de técnicas padronizadas de coleta de

dados: questionário e observação sistemática. Assumem, via de regra, a

forma de Levantamento.

3) Explicativas: são aquelas que visam à identificação dos fatores que

determinam ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos.

Aprofundam o conhecimento da realidade porque explicam a razão, ou

seja, o “por que” das coisas. Quando realizada nas ciências naturais,

requerem o uso do método experimental, e nas ciências sociais

requerem o uso do método observacional. Assume, em geral, a formas

de Pesquisa Experimental e Pesquisa Expost-facto (em latim: realizada

ou formulada depois de certo fato).

Page 8: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

EM RELAÇÃO AOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS:

1) Bibliográfica: quando elaborada a partir de material já publicado,

constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente

com material disponibilizado na Internet.

2) Documental: quando elaborada a partir de materiais que não

receberam tratamento analítico.

3) Experimental: quando se determina um objeto de estudo,

selecionam-se as variáveis que seriam capazes de influenciá-lo,

definem-se as formas de controle e de observação dos efeitos que a

variável produz no objeto.

4) Levantamento: quando a pesquisa envolve a interrogação direta das

pessoas cujo comportamento se deseja conhecer.

5) Estudo de caso: quando envolve o estudo profundo e exaustivo de

um ou poucos objetos de maneira que se permita o seu amplo e

detalhado conhecimento.

6) Expost-Facto: quando o “experimento” se realiza depois dos fatos.

7) Pesquisa-Ação: quando concebida e realizada em estreita

associação com uma ação ou com a resolução de um problema

coletivo. Os pesquisadores e participantes representativos da

situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou

participativo.

8) Pesquisa-Participante: quando se desenvolve a partir da interação

entre pesquisadores e membros das situações investigadas.

Page 9: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

EM RELAÇÃO À NATUREZA:

1) Básica: objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da

ciência sem aplicação prática prevista. Envolve verdades e interesses

universais.

2) Aplicada: objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos

à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses

locais.

EM RELAÇÃO À ABORDAGEM DO PROBLEMA:

1) Quantitativa: supõe que o objeto de estudo pode ser quantificável, ou

seja, utiliza números para categorizar e analisar as informações

coletadas. Utiliza-se de técnicas estatísticas (percentil, média, mediana,

desvio-padrão, coeficiente de correlação, ANOVA, dentre outros.)

2) Qualitativa: supõe a existência de uma relação subjetiva entre

pesquisador e objeto/fenômeno de estudo que não pode ser abordada

através de números exclusivamente. Recorre à interpretação dos

fenômenos e à percepção do pesquisador para realizar a descrição dos

mesmos, através preferencialmente, do processo indutivo, ou seja, da

singularidade para a pluralidade.

Estas classificações servirão, fundamentalmente, para situar seus leitores

(além de você mesmo) em relação à maneira que o tema problema será

contextualizado, tanto no que se refere aos métodos, quanto às estratégias a

serem adotadas na fase final do processo de pesquisa, de redação do relatório,

Page 10: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

seja lá qual o formato (monografia, artigo, dissertação, tese, dentre outros)

adotado.

É esperado que sua pesquisa seja passível de ser classificada em mais de

uma das classificações aqui apresentadas. Na metodologia você deverá

explicitar pelo menos duas destas possíveis classificações.

Page 11: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

O PROCESSO DE PESQUISA OU O PROJETO DE PESQUISA?

Utilizaremos aqui muito mais a expressão “processo de pesquisa” do que

“projeto de pesquisa”, primeiro porque este faz parte daquele e

principalmente porque existe uma tendência de muitos jovens pesquisadores a

pensarem o projeto de pesquisa como algo estanque ou auto-suficiente e até

mesmo como uma etapa burocrática e maçante da pesquisa científica. Nada

mais enganoso.

O processo de pesquisa se dá através da reflexão crítica na tentativa de

resolver um problema ou compreender um fenômeno. Lembre-se: O projeto de pesquisa é sua pesquisa em fase embrionária. Para isto, é necessário um

sistemático planejamento que pode ser estruturado em 10 etapas, são elas:

1) escolha do tema-problema;

2) revisão de literatura;

3) justificativa;

4) hipótese;

5) determinação de objetivos;

6) metodologia;

7) coleta e tabulação dos dados;

8) análise e discussão dos resultados;

9) conclusão da análise dos resultados;

10) redação e apresentação do trabalho científico (monografia,

dissertação ou tese).

Page 12: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Tal estrutura não é rígida, apesar de aplicável à maioria dos tipos de pesquisa.

Várias destas etapas, muitas vezes acontecem simultaneamente. São

possíveis algumas variações na nomenclatura que aqui adotamos, mas o mais

importante é que você apreenda a lógica da pesquisa e seu aspecto

processual. É impossível fazer uma pesquisa no afogadilho das horas; uma

boa pesquisa exige tempo e dedicação para acontecer satisfatoriamente.

Uma boa metáfora para elucidar isto é pensar o processo da pesquisa científica

organicamente. Um projeto de pesquisa ao ser executado sistemicamente

amadurece (processualmente) até a redação do relatório final nos formatos de

monografia ou artigo. Pense em uma semente de uma palmeira que germina

em um pequeno vaso. A frágil planta que nasce já é uma palmeira. Ou seja, o

projeto de pesquisa é a fase inicial da construção do conhecimento. Nesta fase

temos um mundo de possibilidades e dúvidas, que ao serem tratadas

adequadamente, organicamente se transformarão em uma jovem planta; esta

crescerá até se tornar uma frondosa palmeira. Assim, até mesmo a

(supostamente) mais controlada pesquisa experimental acontece. Os métodos

adotados podem ser mais rígidos ou mais flexíveis, mas o conhecimento

científico usualmente cresce organicamente como a palmeira, célula por célula,

problema por problema. Aprofundaremos esta questão no Bloco II deste livro.

Page 13: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

ETAPA 1

1) A ESCOLHA DO TEMA- PROBLEMA

O QUE VEM PRIMEIRO? O OVO OU A GALINHA?

A pergunta acima é bem ilustrativa sobre o que vem primeiro, o tema-problema

ou a revisão da literatura? Se por um lado é claro que um tema-problema não

emerge do nada, uma vez que o pesquisador deve ter algum conhecimento

preliminar sobre o tema genérico que pretende pesquisar, é também

impossível que o mesmo domine absolutamente todo o conhecimento existente

sobre um assunto qualquer.

Geralmente o tema-problema é identificado a partir da área de interesse do

pesquisador, de suas afinidades e interesses em um assunto qualquer, sendo

assim, é evidente que alguma coisa o mesmo já conhece sobre o tema

escolhido. Por exemplo, se um pesquisador tem como interesse investigativo o

efeito da atividade física na melhoria da qualidade de vida, é bastante provável

que ele tenha algum conhecimento sobre fisiologia do exercício e sobre o que

venha a ser qualidade de vida. É a partir deste conhecimento preliminar que

usualmente é identificado o tema-problema, entretanto, quanto mais

conhecimentos sobre fisiologia e qualidade de vida o pesquisador possuir mais

fácil ficará identificar um bom tema-problema. Então quanto mais você ler sobre

o seu tema de interesse mais fácil ficará para você encontrar um bom tema-

problema.

Como identificar um bom tema-problema?

Um bom tema-problema é aquele potencialmente capaz de ser relevante na

esfera da pesquisa, do ensino e da extensão. Vejamos porque. Admitamos o

tema-problema: “a prática regular de hidroginástica melhora a qualidade de

vida de idosos?” Trata-se de um bom tema-problema ou não? É provável que a

Page 14: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

maioria dos leitores responda que sim. Mas na realidade esta resposta não é

tão simples assim. Um tema-problema pode ser bom ou ruim. Isto dependerá

essencialmente de como o pesquisador o tratará. Se o pesquisador tiver como

objetivo provar que a hidroginástica é uma boa atividade para o sistema

cardiovascular dos idosos ele estará corroborando, ou seja, confirmando o

resultado já obtido em outras pesquisas similares. E isto é bom, pois afinal

estará contribuindo para a consolidação deste conhecimento na comunidade

científica. Se tal conhecimento científico, fruto do processo de investigação for

adequado para um formato pedagógico, o mesmo poderá ser relevante na

formação de vários profissionais tais como educadores físicos, fisioterapeutas,

biomédicos, médicos, dentre outros. Finalmente, se estes profissionais, em

seus trabalhos cotidianos ao aplicarem este conhecimento, conseguirem de

alguma maneira transformar a vida destas pessoas para melhor, bingo! O

tema-problema e o tratamento dado ao mesmo terá sido bom.

Sem correr o risco de sermos simplistas, é possível afirmar que conhecimento

bom é aquele que é bom para todos. Ingenuidade? Não. Posicionamento

político. A construção do conhecimento científico é permanentemente

permeada por questões políticas, éticas e religiosas. Defendemos a

usualmente chamada ciência humanitária, ou seja, aquela que é

coletivamente construída e potencialmente capaz de ser usufruída por toda a

humanidade. Esta discussão não tem fim, para um aprofundamento

recomendamos a leitura do livro de J. Bronowski, Ciência e valores humanos.

Aprofundaremos este tema no Bloco II deste livro. Devemos pensar nestas

questões para aumentarmos as chances de termos um bom tema problema.

Reflita sobre a questão:

“Estima-se que mais de um trilhão de dólares são gastos anualmente no

mundo com a chamada indústria da guerra e com pesquisas para desenvolver

novas armas.”

Page 15: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Dicas para você escolher um bom tema-problema

Podem ser vários os motivos que te influenciarão na escolha de um tema-

problema qualquer, entretanto, existem alguns critérios básicos para que esta

escolha seja a melhor possível, vejamos alguns deles:

1) Você deve ser apaixonado (a) por aquele assunto! OK! A expressão

apaixonado (a) pode parecer um exagero, mas quanto mais você se

interessar por um assunto (tema) tanto melhor e mais fácil será a

identificação do tema-problema. O tema-problema deve te entusiasmar e

muito provavelmente nas suas horas de lazer, lá estará você a ler

diletantemente sobre o mesmo. Como diz o livro do escritor Roberto

Freire: “Sem tesão não há solução”!

2) Outro critério importante para a escolha de um bom tema-problema é o

tempo que você dispõe para estudá-lo. Afinal nada mais frustrante do

que ter um belo tema, mas não ter tempo suficiente para conseguir

realizá-lo. Por exemplo, as chamadas pesquisas longitudinais, ou seja,

aquelas que demandam muitas vezes anos (ou décadas) de

investigação não são cabíveis em um trabalho de conclusão de curso (o

famoso TCC!) de um curso de especialização que dura, em média, um

ano letivo.

3) Por fim, é importante que você reflita sobre uma questão geralmente

melindrosa na escolha do tema: o possível orientador. Você deve evitar

o risco de se estressar além do esperado, por isto, você deve ter certo

grau de empatia com o seu potencial orientador. Apesar de óbvio, nunca

se esqueça: um bom orientador é aquele que te orientará ao longo do

processo de pesquisa e não aquele que te conduzirá durante tal

processo! Orientar é diferente de conduzir! Claro que este processo é

também um trabalho coletivo, mas tenha sempre em mente que é você

que escolhe o tema-problema, contando, muitas vezes, com a ajuda de

seu possível orientador e de outras pessoas.

Page 16: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

É muito comum a dificuldade que vários alunos possuem na identificação de

um tema-problema, mas tal dificuldade tende a desaparecer à medida que você

se aprofunde naquele tema de interesse. Ou seja, à medida que você lê livros e

artigos sobre um assunto, naturalmente dúvidas surgirão. Isto é um bom sinal!

As dúvidas que encontramos ao ler sobre um assunto qualquer são como

dádivas para nós pesquisadores! Não existiriam pesquisas se não fossem as

dúvidas que identificamos.

Mas o que é a dúvida?

A dúvida na pesquisa científica é uma condição necessária, ou seja, a dúvida é

a materialização do problema que pretendemos elucidar e/ou compreender. A

dúvida, portanto, denota uma característica inerente ao ser humano: a

carência! O ser humano ao se saber carente de um conhecimento, se debruça

sobre o mesmo, estudando-o e pesquisando-o. Pesquisamos porque somos

carentes do conhecimento, ou seja, sentimos falta algum esclarecimento para

melhor compreendermos sobre aquele tema e assim compreendermos melhor

o nosso mundo.

Usando uma metáfora: a dúvida na pesquisa científica é como a fome, é ela é

nos leva a comer, ou seja, é ela que coloca o pesquisador em ação. Nesta

metáfora o ato de comer significa nutrir-se. Nutrir-se de conhecimentos. Tal

processo se dá através de uma boa revisão de literatura. É o que agora

discutiremos.

Page 17: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

ETAPA 2

2) REVISÃO DA LITERATURA

Prof. Dr. Guanis de Barros Vilela Junior

A revisão da literatura é a etapa da sistematização dos conhecimentos

existentes sobre um tema qualquer. Nela você deve buscar o que há de mais

atualizado sobre seu tema. Para facilitar esta etapa da sua pesquisa existem

algumas estratégias que são importantes:

1) Recorra preferencialmente a artigos e livros atualizados sobre o seu

tema. Por exemplo, se uma revisão qualquer tiver vinte citações

diferentes, é esperado que a maioria delas tenha sido publicada nos

últimos dez anos. O motivo desta sugestão é simples: o conhecimento

científico avança, ele nunca está acabado, portanto, em 10 anos muito

conhecimento pode ter sido construído e aprofundado. Claro que existem

os clássicos; um livro ou artigo clássico é aquele que possui abrangência

e excelência naquela área, de modo que tendem a ser atemporais.

2) Na revisão da literatura procure mostrar o que se sabe sobre o tema que

você escolheu. Por exemplo, para o tema-problema “o impacto da prática

regular de hidroginástica na melhoria da qualidade de vida de idosos”, o

pesquisador deverá realizar uma revisão de literatura que contenha uma

sólida fundamentação sobre “qualidade de vida”, as diferentes

metodologias e instrumentos para aferi-la e sobre as adaptações

fisiológicas e/ou biomecânicas que serão utilizadas, como elementos a

serem testados, tais como capacidade cardiopulmonar ou densidade

óssea respectivamente. É importante que na revisão da literatura sejam

destacados os diferentes entendimentos que diferentes autores possuem

sobre o tema, para isto procure identificar tensões e aspectos polêmicos

Page 18: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

que constituem pontos de debates na comunidade científica. Se você,

neste processo, identificar alguma lacuna ou aspecto ainda não

esclarecido sobre seu tema, analise se este pode ser seu tema-

problema. É muito comum que a consolidação do tema-problema de dê

nesta etapa de revisão da literatura. Evite citar ostensivamente apenas

um autor, isto pode sinalizar para seus leitores, que você leu apenas os

trabalhos deste sujeito.

3) Use as novas tecnologias a seu favor. A internet veio para facilitar

enormemente o acesso a artigos e até mesmo a compra de livros

específicos que às vezes você não encontra nas livrarias de sua cidade.

Por exemplo, uma boa base de dados no Brasil, está disponível no portal

de periódicos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Nível Superior), disponível no endereço:

http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp . Neste endereço

é possível encontrar uma quantidade enorme de publicações científicas

nas diferentes áreas de conhecimento. Não obstante, é comum que o

volume de publicações encontradas seja enorme, então é importante

estabelecer critérios de filtragem das informações, para que a

operacionalização do trabalho seja possível. Por exemplo, em uma

pesquisa sobre “qualidade de vida” o pesquisador poderia adotar como

critério de filtragem as técnicas metodológicas utilizadas, tais como, quais

questionários foram utilizados, se eram validados ou não e qual

população foi objeto do estudo.

4) Faça o fichamento dos artigos e livros que você leu; nele você deverá

anotar as informações sobre dados gerais da obra, tais como: nome do

(s) autor (es), título do artigo, nome do periódico, número, volume e

número da página inicial e final. Uma citação é a menção, no texto, de

uma informação extraída de outra fonte. No fichamento tome nota de

citações da obra que no seu entendimento possam ser usadas na

redação de seu trabalho. Uma boa revisão de literatura não deve ser uma

colcha de retalhos repleta de citações em seqüência, para evitar isto faça

elos entre as citações, identifique e ressalte aspectos importantes para a

sua pesquisa.

Page 19: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

ETAPA 3

3) JUSTIFICATIVA

Vendendo o seu peixe!

Na justificativa, você deverá mostrar o porquê de sua pesquisa. Defenda a sua

idéia e a relevância de seu projeto, mostre que seu tema-problema é

importante e procure elucidar as razões que o levaram a escolhê-lo. Destaque

as nuance entre o que você está propondo e os trabalhos que já existem.

ETAPA 4

4) HIPÓTESE

A hipótese é uma afirmação que o pesquisador pretende provar; neste sentido

faz referência a uma verdade provisória que explica um fato ou fenômeno e

que será submetida ao crivo da investigação científica. Mas vejamos uma

maneira simples de obtermos uma hipótese. O exemplo utilizado no item 1

sobre o tema-problema: “A prática regular de hidroginástica melhora a

qualidade de vida de idosos?” pode ser facilmente convertido em uma hipótese

através da simples retirada do ponto de interrogação, assim: “A prática regular

de hidroginástica melhora a qualidade de vida de idosos.” Conforme já dizemos

trata-se de uma afirmação.

Um erro bastante corriqueiro em projetos de pesquisa é a usual confusão entre

hipótese e pressuposto teórico. A hipótese não deve ser uma afirmativa que já

Page 20: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

seja um conhecimento categórico relativo ao tema problema. Por exemplo, a

afirmação “exercícios físicos aeróbios diários melhoram a capacidade

cardiopulmonar” apesar de verdadeira, não é uma boa hipótese, uma vez que o

conteúdo de tal assertiva já faz parte do corpo teórico de conhecimentos na

área da saúde, ou seja, trata-se de um pressuposto teórico.

ETAPA 5

5) DETERMINAÇÃO DE OBJETIVOS

A identificação clara dos objetivos é fundamental no processo da pesquisa

científica. Recorrendo a uma metáfora: um objetivo bem definido é a coluna

vertebral de seu projeto de investigação. Através deles marcamos o território a

ser explorado e focamos os raciocínios que serão utilizados.

É comum a utilização de um objetivo geral e de objetivos específicos. Vejamos

as diferenças entre ambos.

No objetivo geral você deve deixar claro aquilo que você pretende com a

realização de sua pesquisa. Vale chamar a atenção para uma confusão

comum: objetivo geral não é o que você pretende realizar (isto seria a

metodologia) e sim o que você espera deste seu realizar, qual o fruto de sua

pesquisa.

Uma dica importante é o uso do tempo verbal adequado e os chamados

estágios cognitivos da atividade intelectual. O verbo deve estar

preferencialmente no infinitivo (exemplos: investigar, compreender, analisar,

medir, etc.).

Page 21: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Os estágios cognitivos classicamente aceitos para a atividade intelectual são:

a) O do conhecimento

b) O da compreensão

c) O da aplicação

d) O da análise

e) O da síntese

f) O da avaliação

Vejamos mais detalhadamente:

a) Estágio do conhecimento: refere-se à primeira identificação de um

objeto ou fenômeno de estudo. Neste usamos verbos como classificar,

conhecer, relatar, identificar, descrever, etc.

b) Estágio da compreensão: pressupõe o estágio anterior e refere-se ao

conjunto das características gerais que formam um conceito e que são

os atributos do objeto de estudo. Neste estágio usamos os verbos:

compreender, deduzir, demonstrar, interpretar, etc.

c) Estágio da aplicação: pressupõe os estágios anteriores e usamos os

verbos: organizar, desenvolver, aplicar, selecionar, etc.

d) Estágio da análise: mais complexo que os anteriores, onde procuramos

conhecer a natureza, as proporções, as funções e as relações das

variáveis escolhidas para a pesquisa. São usados os verbos: analisar,

provar, investigar, diferenciar, etc.

e) Estágio da síntese: pressupõe os estágios anteriores; trata-se de uma

ação integradora a respeito de análises pontuais anteriormente

realizadas. Os verbos mais utilizados são: esquematizar, propor,

sintetizar, documentar, especificar, etc.

Page 22: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

f) Estágio da avaliação: Em tese, o mais complexo de todos, uma vez

que pressupõe todos os anteriores. Usualmente são usados os verbos:

avaliar, decidir, medir, selecionar, etc.

Vejamos um exemplo: Admitamos que um pesquisador tenha em seu projeto

de mestrado enunciado a hipótese: “a ingestão de 200 gramas diários de

mamão é eficaz na prevenção da gastrite”. Para transformarmos tal hipótese

em objetivo basta colocar um dos verbos citados nos estágios cognitivos no

início da hipótese. Ou seja, teríamos, por exemplo, como objetivo: “relatar que

a ingestão de 200 gramas diários de mamão é eficaz na prevenção da gastrite”.

Ou “analisar se a ingestão de 200 gramas diários de mamão é eficaz na

prevenção da gastrite”. Este último exemplo é mais complexo que o anterior.

Assim, concluímos que o verbo adequado sinaliza o tipo de abordagem que

será utilizada na pesquisa.

Os objetivos específicos por sua vez são os desdobramentos naturais do

objetivo geral. É o clássico “vamos por partes”; opção muitas vezes óbvia dada

à comum dificuldade de atuarmos no todo. O exemplo de objetivo geral

“analisar se a ingestão de 200 gramas diários de mamão é eficaz na prevenção

da gastrite” provavelmente levaria o pesquisador aos seguintes objetivos

específicos:

a) “Compreender os eventos bioquímicos das células de revestimento do

estômago nas diversas condições de acidez e alcalinidade”;

b) “Identificar os princípios ativos do mamão que interagem com as células

do estômago”;

c) “Analisar o nível de reconstrução das lesões estomacais após a ingestão

sistemática de 200 gramas diários de mamão”.

Page 23: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

É comum que cada um destes objetivos específicos evoluam processualmente

para um capítulo na redação da dissertação de mestrado deste pesquisador.

Page 24: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

ETAPA 6

6) METODOLOGIA

Nesta etapa você mostrará como será executada a pesquisa e o design

metodológico que adotará. É na metodologia (ou procedimentos, como alguns

preferem) que você deverá descrever todas as atividades práticas necessárias

para obter as informações necessárias (os dados) para cada um dos objetivos

específicos de sua pesquisa.

Uma boa metodologia é aquela que descreve suficientemente bem os

procedimentos técnicos e operacionais da pesquisa, de modo que ela (a

pesquisa) possa ser repetida por outro pesquisador, a partir das informações

contidas na mesma (na metodologia). A expressão design metodológico se

refere ao tipo de pesquisa, ou seja, será uma pesquisa qualitativa, quantitativa,

descritiva, estudo de caso, exploratória, dentre vários outros já explicados

anteriormente. Descreva a amostra que você utilizará, os critérios utilizados

para defini-la e a porcentagem da mesma em relação a população pesquisada.

Informe sobre como será realizada a coleta dos dados, quais os instrumentos

utilizados: questionários, entrevistas, observação. Descreva como será

realizada a tabulação dos dados, e como os mesmos serão tratados, por

exemplo, você fará a análise do discurso que idosos fazem sobre sua

percepção de qualidade de vida ou realizará um tratamento estatístico

correlacionando duas variáveis quaisquer. Se for cabível, diga a margem de

precisão que será adotada em sua pesquisa.

Page 25: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Tipos de Amostras

Julgamos ser pertinente um aprofundamento relativo aos tipos de amostra,

classicamente elas são categorizadas em dois tipos: as não-probabilísticas e

as probabilísticas, sendo que estas são realizadas por sorteio.

1) Amostras não-probabilísticas podem ser:

amostras acidentais: compostas por acaso, com pessoas que vão

aparecendo;

amostras por quotas: diversos elementos constantes da

população/universo, na mesma proporção;

amostras intencionais: escolhidos casos para a amostra que

representem o “bom julgamento” da população/universo.

2) Amostras probabilísticas podem ser:

amostras casuais simples: cada elemento da população tem

oportunidade igual de ser incluído na amostra;

amostras casuais estratificadas: cada estrato, definido previamente,

estará representado na amostra;

amostras por agrupamento: reunião de amostras representativas de

uma população.

Até esta Etapa 6 do processo de pesquisa temos o que chamamos de

PROJETO DE PESQUISA, acrescido apenas de um CRONOGRAMA, que

nada mais é do que a adequação das etapas do seu projeto ao calendário.

Nele você deve estimar o tempo necessário para cada fase, sendo possível

adaptações que quase sempre acontecem.

Page 26: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

ETAPA 7

Desta etapa em diante você está na fase executiva de seu projeto,

ou seja, realizando a coleta e tabulação dos dados, apresentando-

os e discutindo-os, com vistas à redação final de sua pesquisa.

7) COLETA E TABULAÇÃO DOS DADOS

A coleta de dados refere-se ao processo de aquisição informações e dados

necessários para a realização da pesquisa de acordo com o plano lógico

estabelecido na metodologia.

Nas pesquisas de campo e de laboratório a coleta de dados acontece de

acordo com o seguinte padrão:

Variáveis e objetivos claramente delimitados.

Montagem dos instrumentos utilizados na coleta de dados.

Seleção dos sujeitos / amostra

Coleta de dados propriamente dita.

Tabulação adequada dos dados coletados para análise posterior. A

tabulação dos dados deve ser estruturada de acordo com as

possibilidades e especificações do instrumento utilizado. As planilhas

eletrônicas são um bom começo para a tabulação dos dados, uma vez

que a maioria dos softwares utilizados para o tratamento dos dados é

compatível com o formato de arquivo gerado pelas mesmas.

Page 27: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Coleta de dados em pesquisas bibliográficas

A coleta de dados na pesquisa bibliográfica está presente em todo processo de

pesquisa. Uma pesquisa puramente bibliográfica de qualidade, ao contrário do

pensamento de alguns pesquisadores, é tão importante quanto uma pesquisa

de campo ou laboratório, também de qualidade.

A pesquisa bibliográfica pode trazer à tona uma nova e inédita maneira de

apreender aquilo que já foi publicado, mas, para isto, exige o rigor na leitura de

textos técnicos e acadêmicos, que possuem expressões e jargões específicos.

Tais textos têm como objetivo tácito, a circulação do conhecimento científico

construído. Outro procedimento importante a ser adotado na leitura de textos

acadêmicos e científicos é o recorrente uso do dicionário. Use e abuse do

dicionário; ele facilitará a sua compreensão destes textos.

ETAPA 8

8) ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise e discussão dos resultados é provavelmente o momento mais

profícuo da pesquisa, isto porque é na análise e discussão que você poderá

mostrar o seu arsenal de conhecimentos, sua capacidade de fazer

conexões lógicas e reflexões que emerjam da mediação entre a teoria e os

fatos explicitados pelos dados.

A análise deve ser realizada tendo como foco os objetivos da pesquisa,

num esforço racional de identificar provas para a eventual confirmação ou

refutação da(s) hipótese(s).

Page 28: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

ETAPA 9

9) CONCLUSÃO DA ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nesta etapa você já tem condições de sintetizar os resultados obtidos com a

pesquisa. Deverá explicitar se os objetivos foram atingidos, se a(s)

hipótese(s) foram confirmadas ou rejeitadas. E, principalmente, deverá

ressaltar a contribuição da sua pesquisa para o meio acadêmico ou para o

desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

ETAPA 10

10) REDAÇÃO E APRESENTAÇÃO DO TRABALHO CIENTÍFICO (ARTIGO, MONOGRAFIA, DISSERTAÇÃO OU TESE)

Nesta etapa você deverá redigir seu relatório de pesquisa: artigo,

monografia, dissertação ou tese. Azevedo (1998, p.22) argumenta que o

texto deverá ser escrito de modo apurado, isto é, “gramaticalmente

correto, fraseologicamente claro, terminologicamente preciso e

estilisticamente agradável”. Normas de documentação da Associação

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) deverão ser consultadas visando

à padronização das indicações bibliográficas e a apresentação gráfica do

Page 29: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

texto. Normas e orientações do próprio Curso de Pós-Graduação

também deverão ser consultadas.

Um aspecto importante para uma boa redação é o equilíbrio entre a

chamada linguagem acadêmica e a clareza daquilo que se pretende

dizer. Evite ser prolixo e evite frases rebuscadas que na maioria das

vezes dificultam o entendimento do texto.

Vejamos agora as principais características de cada um destes formatos

redacionais.

Artigo

O formato de artigo tem como objetivo divulgar com agilidade os

resultados de uma pesquisa científica. Trata-se de um texto integral que

usualmente possui entre 4 e 12 páginas, dependendo das normas do

periódico onde será publicado. Possui a seguinte estrutura:

Título (subtítulo);

Autor (es);

Instituições nas quais os autores trabalham;

Resumo (Abstract);

Introdução;

Texto do artigo (usualmente composto por subtítulos);

Conclusão;

Referências bibliográficas (seguindo as normas da ABNT).

Monografia

A monografia é um texto sobre um único tema (mono = um; grafia= escrita) que

descreve o processo de pesquisa científica da identificação do tema problema,

da revisão da literatura, dos objetivos e hipóteses, da metodologia, até a

Page 30: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

apresentação e discussão dos resultados e finalmente a conclusão. Por

exemplo, podemos conceber uma monografia com a seguinte estrutura:

Introdução – Nesta deve constar um mapeamento contextualizador

sobre o assunto e o delineamento do tema problema. Apresente na

Introdução a justificativa e os objetivos de sua pesquisa. Descreva sobre

a importância da metodologia adotada.

Corpo – São os capítulos de sua monografia, usualmente são

necessários tantos capítulos quantos forem os objetivos específicos.

Aqui você deverá expor os dados coletados e os resultados do

tratamento lógico e racional que foi dado aos mesmos. Neta fase é

importante que você demonstre as relações existentes entre os

resultados e a teoria. Faça reflexões, se possível refute ou corrobore

resultados de outras pesquisas, defenda suas idéias tendo como suporte

a lógica e os resultados.

Conclusão – Aqui você deve sintetizar os resultados e apontar (se for o

caso) a necessidade da realização de mais pesquisas sobre esta

temática. Vale lembrar que a síntese emerge de uma reflexão pessoal

sobre os resultados obtidos.

Dissertação

A dissertação é usualmente uma monografia científica realizada para obtenção

do título de Mestre que é submetida a avaliação de uma banca examinadora.

Sendo assim, estruturalmente trata-se de uma monografia onde se pressupõe

um aprofundamento do tema de investigação, sendo orientada por um Doutor

da área de investigação.

Tese

A tese é necessária para obtenção do título acadêmico de Doutor, sendo

também submetida a uma banca examinadora. É esperado que uma tese

Page 31: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

apresente algo de inédito para a área de pesquisa, contribuindo para o avanço

do conhecimento na mesma. Na tese você deverá mostrar amplo domínio

sobre os conteúdos da área, de seus diferentes métodos e alta capacidade de

síntese em relação à especificidade do conhecimento.

Vejamos agora a estrutura de apresentação formal de monografias,

dissertações e teses. A ordem dos elementos que constituintes é:

Capa (obrigatório)

Folha de rosto (obrigatório)

Errata

Folha de aprovação (obrigatória em trabalhos submetidos a uma banca)

Dedicatória

Agradecimentos

Epígrafe

Resumo (obrigatório para monografias, dissertações e teses)

Abstract (obrigatório para dissertações e teses)

Listas

Sumário (obrigatório)

Elementos textuais (obrigatório)

Referências (obrigatório)

Glossário

Apêndice

Anexos

Índice

Capa (obrigatório)

Page 32: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

É importante ressaltar que sempre devem ser seguidas as normas da

Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), muito especialmente nos

trabalhos acadêmicos, em relação aos diferentes tipos de citações e

elaboração de referências bibliográficas. Tais aspectos são normativos e

enquanto normas que são, precisam ser rigorosamente seguidas.

Finalizando o BLOCO I

Com este BLOCO I você aprendeu os fundamentos que norteiam o processo

da pesquisa científica. Da identificação do tema problema até a estrutura do

relatório da pesquisa realizada nos formatos de artigo, monografia, dissertação

ou tese.

É importante repetir que existem variações ligadas às diferentes possibilidades

de planejamento, execução e finalização do processo de pesquisa. Você

poderá até mesmo inovar em cada uma destas etapas, desde que sejam

garantidos os princípios inerentes à racionalidade, objetividade e clareza

naquilo que você propõe. A pluralidade metodológica é sempre bem vinda, uma

vez que amplia as perspectivas de abordagens sobre os objetos/fenômenos de

pesquisa. São esperadas dúvidas! Afinal, são elas que te motivarão a um

aprofundamento em pontos específicos dos conteúdos aqui trabalhados.

Recorra aos tutores e aos seus orientadores, eles estão preparados para

ajudá-lo para uma melhor compreensão do processo da pesquisa científica.

É comum encontrarmos alunos que relatam a dificuldade “em colocar no papel”

suas idéias. Quanto a isto não temos a menor dúvida: Comece! Não tenha

medo de colocar no papel suas idéias, suas propostas e porque não dizer, seus

sonhos, relativos à sua pesquisa científica. Lembre-se: Todos nós erramos

quando elaboramos nossa primeira pesquisa, tais erros são como dádivas que

nos ajudam nesta aventura de construir o saber.

Page 33: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

BLOCO IICompreender as bases do processo de construção do conhecimento é o objetivo da chamada Teoria do Conhecimento ou Epistemologia.

Neste BLOCO II você deverá identificar e explicar os diferentes tipos de conhecimento, além das peculiaridades do conhecimento científico. Deverá também compreender como se dá o processo de construção e validação do conhecimento científico à luz das principais concepções metodológicas da atualidade.

Page 34: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

TIPOS DE CONHECIMENTO

O que é conhecimento?

Segundo o Dicionário Houaiss trata-se do “ato ou a atividade de conhecer,

realizado por meio da razão e/ou da experiência”. Tal definição é aplicável

a vários tipos de conhecimento uma vez que desde os primórdios da

humanidade o homem acumula conhecimentos construídos através da

observação dos fenômenos da natureza, tais como as estações do ano, a

época das chuvas e do plantio, as fases da lua e sua influência no cultivo,

a posição das estrelas no céu, etc. Os quatro tipos de conhecimento são:

o popular, o filosófico, o teológico e o científico. A principal diferença entre

estes tipos de conhecimento se refere às etapas que delineam o processo

de construção de cada tipo de conhecimento.

O conhecimento Popular

O conhecimento popular ou vulgar é aquele que se constrói cotidianamente

na relação que o ser humano estabelece com as coisas ou fenômenos

com os quais este interage. Por exemplo, há alguns milhões de anos,

nossos ancestrais aprenderam com a experiência que o fogo poderia

servir para afugentar animais ferozes. Tal conhecimento é considerado

verdadeiro através de afirmações do tipo “porque funciona”, “porque vi” ou

“porque sempre foi assim”; tais justificativas, entretanto, são superficiais,

subjetivas e acríticas, uma vez que a afirmação “o fogo afugenta animais

ferozes” para estar certa dependeria de um aprofundamento de questões

relativas à intensidade do fogo e à ferocidade dos animais.

Page 35: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

O conhecimento Filosófico

O conhecimento filosófico pode ser caracterizado pelo uso sistemático da

razão no questionamento lógico e eventual elucidação de problemas

ligados à conduta humana, através de hipóteses oriundas da experiência

e não da experimentação. Este não pode ser verificável uma vez que as

hipóteses filosóficas não são submetidas a testes de observação. O

conhecimento filosófico procura a compreensão de aspectos universais

da existência humana através da reflexão, podendo contribuir para a

melhor compreensão do uso ético de outros tipos de conhecimento, como

o religioso e científico.

O conhecimento teológico

O conhecimento teológico ou religioso adota como elemento fundamental de

seu processo de construção o uso de dogmas de natureza sobrenatural, que

são considerados infalíveis e, portanto não passíveis de eventuais discussões.

Tal conhecimento é valorativo e pressupõe um ato de fé, sem o qual este se

torna impossível. Como exemplo, podemos citar a clássica discussão entre os

criacionistas e evolucionistas. Os criacionistas, formados por grupos de

pesquisadores religiosos ou por religiosos pesquisadores, advogam a partir de

textos sagrados, que o homem seja fruto da obra criadora de um Deus, ao

passo que os evolucionistas, formados por grupos de pesquisadores laicos,

defendem que o homem seja fruto de um processo evolutivo sem fim. Tal

polêmica tem como ponto nevrálgico o entendimento que cada uma das partes

tem sobre o que venha a ser evidência científica.

Page 36: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

O conhecimento científico

O conhecimento científico possui características peculiares que o distingue dos

demais tipos de conhecimento, vejamos mais detalhadamente cada uma delas:

1) O conhecimento científico é factual, ou seja, possui como objeto de estudo a

realidade dos fatos.

2) É um conhecimento sistemático uma vez que é construído uma rede de

idéias articuladas a partir de princípios da lógica.

3) É um conhecimento verificável, onde só hipóteses provadas conseguem o

status de conhecimento científico.

4) É um conhecimento falível, onde não é cabível a idéia de conhecimento

absoluto e acabado, ou seja, à medida que uma ciência avança seu corpo

teórico vai se transformando. O conhecimento científico não é a verdade última

e cabal sobre um fenômeno qualquer.

O QUE É CIÊNCIA?

Muitos estudiosos em epistemologia se debruçaram sobre a árdua tarefa de

definir a ciência; a complexidade de tal tarefa é conseqüência principalmente

das bases normativas da construção do conhecimento ao longo da história. O

conceito tradicional de ciência tem origem em Platão e Aristóteles na Grécia

antiga; para eles ciência é o oposto de opinião, uma vez que nesta, falta a

garantia sobre sua validade e naquela é imprescindível a existência da própria

validade. Por exemplo, podemos ter a opinião de que a ingestão de um

determinado alimento seja prejudicial aos rins, ou seja, não temos provas e

evidências sobre tal afirmação. Caso tivéssemos estas provas e evidências,

obtidas através de pesquisas em fisiologia, tal afirmativa seria científica.

Com o advento da ciência moderna a conceituação de ciência ficou mais

complexa, dado que não entendemos o conhecimento científico como absoluto

e infalível. Situamos, no contexto neste livro, a ciência moderna com o

surgimento e consolidação das ciências sociais e da física quântica nos

Page 37: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

séculos XVIII e XIX, o que colaborou em muito para o aprimoramento do

conceito de ciência. De fato, ao compreendermos que ele é relativo e falível,

abrimos um enorme leque de possibilidades e entendimentos sobre o que é

ciência; vejamos algumas possíveis definições:

“Ciência é o conhecimento que, em constante interrogação de seu método,

suas origens e seus fins, procura obedecer a princípios válidos e rigorosos,

almejando especialmente coerência interna e sistematicidade”. (Dicionário

Houaiss).

“Ciência é a observação sistemática dos eventos naturais e as condições

necessárias para descobrir fatos sobre eles e para formular leis e princípios

baseados nestes fatos.” (Academic Press Dictionary of Science & Technology).

“A ciência é uma atividade intelectual realizada por seres humanos que está

desenhado para descobrir informações sobre o mundo natural em que vivem

os seres humanos e para descobrir as formas em que esta informação possa

ser organizada em padrões significativos. A principal finalidade da ciência é

recolher fatos (dados). O objetivo final da ciência é para discernir o que existe

entre ordem e entre os vários fatos”. (Dr. Sheldon Gottlieb).

“Ciência é aquele conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida,

uma garantia da própria validade”. (Dicionário de filosofia, Abbagnano, N.)

Vejamos agora algumas possíveis definições mais polêmicas sobre o que é

ciência:

“Ciência é a crença na ignorância dos peritos. Religião é a cultura da fé, ciência

é a cultura da dúvida”. (Richard Feynman).

“O combustível da ciência é a ignorância. A ciência é como um forno que deve

ser alimentado com troncos das florestas da ignorância que nos rodeiam. No

processo, o desmatamento a que chamamos conhecimento se expande, mas

quanto mais ele se expande de mais ignorância precisará Um verdadeiro

Page 38: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

cientista está entediado pelo conhecimento, é este ataque à ignorância que o

motiva. A floresta é sempre mais interessante que a clareira”. (Matt Ridley).

“O verdadeiro propósito do método científico é certificar se a Natureza não

tenha enganado em pensar que você sabe algo que, na verdade, não saiba”.

(Robert M. Pirsig).

“Ciência é o fruto possível na seara dos céticos, sendo uma maneira racional e

carente de evidências, de interpretar o mundo”. (Guanis Vilela Junior).

“Acho que vamos ter de nos habituarmos à idéia de que não devemos olhar

para a ciência como um "corpo de conhecimentos", mas sim como um sistema

de hipóteses, ou como um sistema de suposições ou antecipações que em

princípio não podem ser justificadas, mas com o qual estamos a trabalhar,

desde que fique de pé para testes, e do qual somos a razão em dizer que

nunca sabemos que elas são "verdadeiras". . . (Karl Popper).

Talvez você se lembre daquela famosa frase: ”as perguntas mais simples são

as mais difíceis de serem respondidas”; “quem somos nós?”; “o que é vida?”; “o

que é ciência?”; “para onde vamos?” É claro que mais importante que tentar

responder a estas questões, talvez seja mais significativa a ação implícita em

cada uma delas, quero dizer, por exemplo, que mais importante que saber o

que a vida, é o viver; que mais importante que saber precisamente o que

ciência, é fazer a ciência. A maioria destas citações nos permite a constatação

de que a ciência exige uma intencionalidade lógica que conduz às diferentes

etapas do processo de investigação científica.

Segundo Trujillo (1974) a logicidade da ciência se dá por meio de um

constructo onde:

A) Seja possível a observação racional;

B) Seja possível a interpretação e explicação dos fenômenos;

C) Seja possível a verificação dos fenômenos, através de experimentação

ou da observação;

D) Seja possível a elaboração de generalizações, princípios e leis.

Page 39: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Assim, podemos constatar que o fazer ciência pressupõe um caminho a ser

percorrido que vai da identificação de uma indagação ou problema; passa pela

compreensão deste problema diante daquilo que se sabe sobre a temática em

questão; lança possíveis explicações sobre este problema (hipóteses); testa

com rigor estas possíveis explicações; estabelece conexões lógicas entre a

teoria e o observado e finalmente, confirma ou não as possíveis explicações

encontradas.

Classificando as ciências

Toda tentativa de classificação parte da definição dos aspectos que nortearão a

mesma. Com as ciências não é diferente, temos a tradicional e conhecida

classificação das ciências biológicas, exatas e humanas, até outras mais

complexas. Vejamos algumas delas.

Auguste Comte, um dos expoentes do positivismo no século XIX, propôs uma

classificação a partir dos conteúdos das mesmas. Para ele as ciências

poderiam ser categorizadas em: matemáticas; físico-químicas; biológicas;

morais (psicologia, história, sociologia e política) e metafísicas.

Mario Bunge, eminente físico e epistemologista argentino, classificou as

ciências, em relação aos conteúdos, como formais (lógica e matemática) e

factuais (física, química, biologia, sociologia, economia, história e ciência

política). As formais são aquelas que dependem essencialmente do significado

de seus termos e de sua estrutura lógica, ao passo que as factuais, são

aquelas que precisam também dos fatos a que se referem.

Page 40: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Separando o joio do trigo...

A criatividade humana de fato não tem fim. Na epistemologia é usual a

terminologia protociência e pseudociência para a delimitação e diferenciação

da chamada ciência real, ou seja, aquela que se submete ao crivo da

experimentação e à busca das evidências (provas) que atestem sua validade.

A protociência refere-se às ciências em sua fase embrionária, ou seja, antes do

surgimento e consolidação do método científico. Usualmente este termo

(protociência) é utilizado em referência a todo conjunto de crenças e teorias

que ainda não foram testados pelo método científico. Historicamente são

exemplos de protociência a alquimia e a astrologia; ambas, ao serem

estudadas sob o rigor do método científico, possibilitaram o surgimento da

química e da astronomia respectivamente.

Uma pseudociência, por sua vez, refere-se às teorias, crenças e métodos que

reivindicam o status de científicas sem aderirem ao método científico, ou seja,

não provam o que propõem e não apresentam evidências plausíveis de sua

validade. Esta questão é polêmica e desperta paixões por todos os cantos. São

consideradas pseudociências: a ufologia, o criacionismo, o efeito lunar, a

terapia do toque, a cientologia, a dianética e até mesmo a homeopatia.

Carnap é pontual nesta questão ao escrever o famoso Princípio da Tolerância:

“Nossa intenção não é elencar proibições e sim convenções, afinal na lógica não há moral. Qualquer um tem a liberdade de construir a sua própria lógica como desejar. Tudo que pedimos é que para que seja possível a discussão, então que os métodos sejam claramente explicados; que ao invés de argumentos filosóficos as regras da sintaxe sejam fornecidas”. (in Logical Syntax, 17).

De fato, como qualquer outro, o jogo científico também precisa de regras

claramente colocadas para que ele aconteça. As regras metodológicas acabam

por se configurar como os elementos delimitadores e norteadores do processo

de construção do conhecimento científico. Veremos a partir de agora, os mais

importantes tipos de métodos e suas características gerais.

Page 41: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Para refletir!Esta é a famosa gravura do pintor espanhol Goya, intitulada “O sono da razão produz

monstros” de 1798.

Faça uma reflexão sobre a mesma

sob o ponto de vista epistemológico.

Page 42: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

MÉTODOS CIENTÍFICOS

A palavra método tem sua origem no grego onde met significa através e hodós

significa caminho, ou seja, através de um caminho. Assim, o método refere-se

ao caminho a ser trilhado para a construção do conhecimento científico. Dentre

as várias acepções para método presentes no Dicionário Houaiss (2001) a

mais significativa no contexto deste livro é:

“o somatório de operações e disposições preestabelecidas que garantem o conhecimento, tais como a busca de evidência, o procedimento analítico, a ordenação sistemática que parte do simples para o complexo, ou a recapitulação exaustiva da totalidade do problema investigado”.

É importante que fique claro que não existe ciência sem método e que os

métodos que aqui apresentaremos são os exemplos mais corriqueiros e usuais.

Todos os métodos são passíveis de leituras singulares, ou seja, de adaptações

que emirjam das limitações e demandas do processo de pesquisa em si.

MÉTODO INDUTIVO

O método indutivo é aquele estruturado a partir do processo de indução, ou

seja, a partir de observações singulares e pontuais, permite uma conclusão de

ordem generalizante. Um exemplo clássico é o da observação do comprimento

da orelha dos burros: “O burro 1 possui orelhas grandes”; “o burro 2 possui

orelhas grandes”; “o burro 3 possui orelhas grandes”; logo todos os burros

possuem orelhas grandes! Porque afirmamos com tanta segurança que todos

os burros possuem orelhas grandes? E se existir um burro mutante? Esta

questão não é tão simples de ser respondida. O ser humano evoluiu pensando

indutivamente. Indutivamente acreditamos na regularidade das estações do

ano; isto nos possibilitou planejar a época certa do plantio e da colheita.

Indutivamente acreditamos que no próximo ano tudo continuará sob nosso

suposto controle, por exemplo: trabalhar regularmente; ir para praia no verão;

para as montanhas no inverno; ir ao dentista e ao oftalmologista uma vez por

Page 43: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

ano. Indutivamente (pasmem!) até acreditamos que o conhecimento científico é

sempre bom. Um indutivista é aquele que acredita, ou seja, tem fé na

estabilidade dos fenômenos que observa, para ele, a natureza é estável e

previsível. Confortável ou perigoso? David Hume e Karl Popper são dois

pensadores exemplares que se debruçaram sobre esta questão.

MÉTODO DEDUTIVO

O método dedutivo, inicialmente proposto por Descartes, Spinoza e Leibniz, é

estruturado a partir da observação generalizante de um fenômeno ou fato, que

possibilita a construção de conclusões singulares. Por exemplo: “todo homem é

mortal, fulano de tal é humano, logo é mortal”. Aqui as expressões “todo

homem é mortal” e “fulano de tal é humano” são as premissas e a expressão

“logo é mortal” é a conclusão. No método dedutivo a conclusão tem como

finalidade explicitar o conteúdo das premissas. Vejamos mais um exemplo:

“o esporte é socializante (premissa 1),

natação é um esporte (premissa 2),

logo, natação é socializante” (conclusão).

Observe que sendo verdadeiras as premissas, a conclusão também será. Além

disto, a informação contida na conclusão já estava de alguma maneira presente

nas premissas.

MÉTODO HIPOTÉTICO – DEDUTIVO

Proposto por Popper, o método hipotético – dedutivo possui etapas que

passam pela identificação do problema, pela formulação de conjecturas ou

hipóteses que são testadas ou falseadas. Segundo Gil (1999) “falsear

significa tornar falsas as conseqüências deduzidas das hipóteses. Enquanto

no método dedutivo se procura a todo custo confirmar a hipótese, no

Page 44: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

método hipotético-dedutivo, ao contrário, procuram-se evidências empíricas

para derrubá-la”. Tal estratégia epistemológica causa certo estranhamento,

a pergunta mais basal em relação a esta é: como pode um cientista querer

derrubar sua hipótese? Isto não seria a mesma coisa que puxar o próprio

tapete? Vejamos esta questão mais detalhadamente.

Critério da Falseabilidade

Para Popper é o critério da falseabilidade (ou refutabilidade) que possibilita

a distinção entre a ciência e a pseudociência. Este critério é: se uma teoria

é incompatível com possíveis evidências empíricas então ela é científica,

caso contrário, ela será dogmática e, portanto, não científica. Popper cita

como exemplos de teorias não científicas o marxismo e a psicanálise

usando o argumento de que estas são sempre compatíveis com todas as

observações. Para Popper o marxismo deixou de ser científico a partir do

momento que foi modificado para acomodar as evidências oriundas da

observação. No caso da psicanálise, Popper advoga que ao ser compatível

com toda observação possível esta seria anti científica. Não obstante, deixa

claro que uma pseudociência pode se tornar ciência através do refinamento

de sua teoria e do avanço tecnológico. Discutir tais temas com historiadores

e psicanalistas é tão polêmico quanto a discussão de quem é melhor no

futebol, Brasil ou Argentina? Retomaremos esta questão no item sobre o

racionalismo crítico de Popper.

Sugestão para quem tem tempo e fôlego! O livro A lógica da pesquisa

científica de Karl Popper.

MÉTODO DIALÉTICO

O método dialético tem suas origens na Grécia antiga com Zenon, Sócrates e

Heráclito. Nele, o permanente diálogo entre os opostos possibilita uma reflexão

mais radical do fenômeno estudado e, portanto, uma compreensão mais ampla

Page 45: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

do mundo. Seus elementos básicos são a Tese, Antítese e a Síntese.

Modernamente temos a dialética idealista de Hegel e a dialética materialista de

Marx.

A dialética marxista possui 4 princípios, são eles:

1) Tudo se relaciona: o mundo é um conjunto de processos dinâmicos que

estão em permanente interação entre si, onde nada está acabado. Por

exemplo, uma planta está em permanente processo de interação com o

ar e com o solo.

2) Tudo se transforma: ao se relacionarem as coisas mudam

permanentemente. As coisas por simplesmente existirem estão em

permanente mudança, mesmo que não percebamos isto. Admitamos

que você observe hoje uma estátua em um museu. Tal experiência ao

ser repetida daqui a 10 anos não será a mesma, uma vez que a estátua

não será exatamente a mesma e você também terá mudado neste

tempo. A estátua ao interagir com o ar que a rodeia terá sofrido

alterações, mesmo que imperceptíveis a olho nu.

3) Mudança da quantidade à qualidade: onde pequenas mudanças

quantitativas, gradualmente, determinam uma mudança qualitativa. Por

exemplo, um coração está funcionalmente bem; as artérias coronarianas

do indivíduo ao longo de sua vida sedentária e com hábitos não

saudáveis, foram lentamente ficando obstruídas... de repente, uma

pequena quantidade a mais LDL (colesterol nocivo) foi suficiente para

bloquear totalmente o fluxo sanguíneo. Ou seja, uma mudança

quantitativa determinou uma mudança qualitativa.

4) Interpenetração dos contrários: onde o conflito dos opostos que

determina a permanente mudança das coisas. Politzer (1979) cita como

exemplo: “é na criança e contra ela que cresce o adolescente; é no

adolescente e contra ele que amadurece o adulto”.

Tais métodos são as colunas que sustentam toda a estrutura que compõem

o saber científico na atualidade. Vale lembrar que optamos por não elencar

as nuances técnicas dos procedimentos científicos que muitas vezes

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também são chamados de métodos, tais como o método histórico, o método

fenomenológico, o método tipológico, dentre tantos outros.

O QUE É EPISTEMOLOGIA?

A epistemologia é a ciência que tem como objeto de estudo a construção e

validação do conhecimento científico. No contexto deste livro o termo

epistemologia é sinônimo de teoria da ciência ou filosofia da ciência, que

são denominações bastante usadas também.

Há muito tempo filósofos e cientistas tentam explicar como o conhecimento

científico acontece e qual sua confiabilidade. Confiabilidade esta que extrapola

as fronteiras do conhecimento em si mesmo, mas que exige uma reflexão

sobre o uso ético e moral do conhecimento científico. O exemplo mais polêmico

atualmente é o uso de técnicas de engenharia genética para a clonagem de

seres humanos.

Faça uma reflexão sobre a seguinte situação hipotética: “uma mãe que tenha

perdido seu filho de 3 anos de idade em um acidente. Seria legítimo que ela

pudesse ter um clone de seu filho?” Se é legítimo para a maioria dos

governantes dos países ricos, investir bilhões de dólares todos os anos em

pesquisas para o desenvolvimento de armas mais poderosas, porque não seria

legítimo para uma mãe clonar seu filho?

Page 47: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

Veremos a seguir as principais concepções metodológicas da atualidade, ou

seja, as mais relevantes e importantes tentativas de explicação dos processos

de construção do conhecimento científico.

CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS DA ATUALIDADE

EMPIRISMO LÓGICO DO CÍRCULO DE VIENA

O chamado Círculo de Viena refere-se a um grupo de notáveis cientistas e

filósofos que se debruçaram sobre as prementes questões epistemológicas

conseqüentes dos enormes avanços científicos e tecnológicos que ocorreram

na virada do século XIX para o século XX. Alguns exemplos: a eletricidade, a

teoria da relatividade de Einstein, a física quântica, a genética, dentre outros.

Podemos enumerar como objetos de estudo dos empiristas o problema da

confiabilidade do conhecimento científico; a relação entre os enunciados

científicos e suas bases empíricas e a polêmica questão do conhecimento

antecedente (a priori) que possibilita o entendimento daquilo que se observa.

Os pensadores do Círculo de Viena argumentaram que o conhecimento

científico tem que ser pautado pelo Princípio do Empirismo, ou seja,

consolidado a partir da experiência (empiria no grego).

Outro aspecto importante do empirismo lógico é o chamado Princípio do Logicismo onde o conhecimento científico tem que ser enunciado a partir do

uso rigoroso da lógica. Com isto, houve uma valorização da matemática como

linguagem universal, que com seu rigor lógico, deveria ser usada em toda a

Ciência. Ciência e não ciências, os empiristas lógicos defendiam o ideal de

uma única ciência unificada, o chamado pan cientificismo. Para eles, a Ciência

Unificada, seria lógica e usaria a linguagem universal: a matemática. É neste

cenário que surgem algumas tentativas de aplicar a matemática em diversas

áreas de investigação científica, tais como a sociometria, a psicometria, a

antropometria, e as polêmicas frenologia e numerologia, hoje consideradas

pseudocientíficas. Radicalismos à parte, são inegáveis os legados do

empirismo lógico para a ciência contemporânea; a matemática hoje é muito

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utilizada na área das ciências biológicas e da saúde, como a biomecânica,

bioengenharia e no desenvolvimento das chamadas biotecnologias.

RACIONALISMO CRÍTICO DE KARL POPPER

Considerado por muitos como o mais brilhante epistemologista, Popper faz

uma crítica radical e profícua ao empirismo lógico, apesar da sua concordância

com o grupo de Viena, no que tange à base empírica do conhecimento

científico e da valorização da lógica.

Conforme já vimos no tópico sobre o Método Hipotético Dedutivo, para Popper

o conhecimento científico deve ser construído a partir do critério da

falseabilidade ou seja, uma teoria para ser científica, deverá ser refutada em

algum momento, caso ela funcione sempre, não será científica, será dogmática

e portanto, uma pseudociência. Ao criticar as teorias de Marx e Freud, Popper

ressalta que tais teorias não eram testadas com base na experiência e sim os

resultados da experiência é que eram interpretados pela teoria. Ou seja, a

experiência era adequada ao poder de fogo da teoria. Conforme ressalta

Carvalho (1997):

“Uma teoria que pretende ser empírica, ou seja, que reivindica fazer asserções sobre o mundo real, factual, deve, em princípio, ser refutável. A capacidade que uma teoria tem de poder colidir com a realidade é a medida que temos para afirmar que tal teoria é informativa, que ela noz diz algo sobre a realidade”.

Ou seja, é relativamente fácil encontrarmos confirmações empíricas para uma

teoria, como os exemplos utilizados por Popper, da teoria marxista e da

psicanálise freudiana. Vejamos uma possível explicação para isto: toda

experiência depende da observação. É na observação que está o problema,

porque ela depende de quem observa e, portanto, pode ser subjetiva e passível

de adequações à teoria. Assim, para Popper o conhecimento científico não é

fruto da experiência e sim de uma teoria que ao ser confrontada com a

experiência, pode ser refutada ou não. Desta maneira, é a partir do escopo

generalizante de uma teoria que é possível a compreensão singular de um

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evento observado, tal movimento, da generalização teórica à compreensão do

fenômeno pontual, caracteriza o chamado dedutivismo lógico de Popper.

AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS DE THOMAS KUHN

Thomas Kuhn publicou em 1962 o livro A estrutura das revoluções científicas

no qual propõe uma inovadora teoria epistemológica. Neste faz uma crítica

tanto ao empirismo lógico quanto ao racionalismo crítico de Popper.

Para Kuhn é na dimensão histórica que se pode compreender o processo de

construção do conhecimento científico.

Um dos conceitos mais importantes (e também muito polêmico) na concepção

kuhniana de ciência é o de paradigma. Podemos defini-lo como o conjunto de

aspectos filosóficos, sociais, culturais e tecnológicos que consolidam a unidade

de uma comunidade científica. Por exemplo, é o paradigma dos modernos

estados laicos do ocidente que viabilizaram o desenvolvimento e consolidação

das pesquisas em engenharia genética e células tronco. Tais pesquisas são

impensáveis em um estado controlado pelo poder religioso. Curioso e

magnânimo é notar que inclusive aqueles que hoje são contra tais pesquisas

muito provavelmente no futuro recorrerão às terapias e tratamentos que estas

possibilitarão. Sim, a necessidade e as carências transformam a ciência e os

homens.

Para Kuhn a chamada ciência normal é aquela que resolve problemas em

uma situação de estabilidade paradigmática. Entretanto, quando esta ciência

normal não consegue resolver um número crescente de problemas ela entra

em uma situação de crise. Tal crise acaba por instabilizar o paradigma vigente;

este cenário conflituoso gera um substrato fértil ao surgimento de novas idéias

na tentativa de resolver os problemas ainda não solucionados. Na

eventualidade de que, neste contexto, ocorra uma solução satisfatória a estes

problemas, esta nova solução será inicialmente criticada e colocada à prova

pela comunidade científica. Após a exaustiva repetição dos métodos desta

ciência revolucionária a mesma poderá ser aceita pela comunidade científica

até a sua consolidação uma nova ciência normal em um outro cenário

Page 50: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

paradigmático. Tal processo é historicamente consolidado. Exemplo clássico é

o surgimento e consolidação da mecânica quântica na física. Na área da saúde

podemos citar a descoberta do impulso nervoso como fenômeno eletroquímico

e a futura compreensão da sintaxe genômica como revoluções científicas.

O PROGRAMA DE PESQUISA DE IMHRE LAKATOS

Lakatos, junto com Popper, Kuhn e Feyerabend, participou de debates de alto

nível na epistemologia contemporânea. Sua proposta epistemológica surge

como uma possível solução à polêmica existente entre as teorias de Popper e

Kuhn.

Para Lakatos um programa de pesquisa é composto por teorias interligadas e

possui a seguinte estrutura:

Núcleo – Refere-se aos pressupostos teóricos considerados irrefutáveis

pelos pesquisadores, ou seja, o conhecimento tácito de uma área de

investigação.

Cinturão Protetor – Conjunto de hipóteses auxiliares que garantem a

irrefutabilidade do núcleo. Algumas destas hipóteses auxiliares podem

ser eventualmente refutadas diante de uma anomalia, ou seja, de um

problema não resolvido. Neste sentido estas hipóteses auxiliares fazem

o corpo-a-corpo inicial entre a teoria e os fatos observados, garantindo

de maneira satisfatória a integridade do núcleo.

Heurística – Refere-se ao conjunto de regras e métodos que orientam

os cientistas, podendo ser positiva ou negativa. Recorramos à metáfora

das placas de sinalização do trânsito. Por exemplo, se você se deparar

com uma placa de contramão em uma rua que seja o acesso mais fácil a

um hospital em uma situação de emergência onde você esteja

socorrendo uma vítima de infarto. Que decisão tomar? Seguir a

sinalização e contornar a quadra para chegar ao hospital ou entrar na

contramão? Esta tomada de decisão dependerá das condições de

Page 51: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

trânsito no local e de sua habilidade ao volante. A heurística negativa na

pesquisa científica não proíbe você de, por exemplo, ousar em um novo

procedimento metodológico, mas apenas, sinaliza sobre os perigos

inerentes a tal opção. Se estiver em jogo a obtenção de um título

acadêmico como mestrado ou doutorado, nossa recomendação é: não

se arrisque! Deixe isto para uma pesquisa futura. A heurística positiva,

ao contrário, sinaliza o que deve ser feito pelo pesquisador e em

concordância com Silva e Laburú (2002) “procura, assim, salvaguardar o

cientista de ficar sem rumo num oceano de anomalias.”

Vejamos um exemplo na área da saúde, de cada um dos elementos de um

programa de pesquisas. Núcleo: “Atividade física regular e orientada promove

a melhoria da qualidade de vida”. Milhões de pesquisas na área provam que

isto de fato acontece, trata-se de um conhecimento categórico.

Cinturão Protetor: “correr em velocidade moderada durante meia hora por dia

quatro vezes por semana melhora a capacidade cardiovascular e diminui o

estresse”. Trata-se de uma hipótese auxiliar que ajuda a garantir a integridade

do núcleo.

Heurística: “o pesquisador ao testar os efeitos de corridas de longa distância

se depara com a morte súbita de um maratonista”. Trata-se de uma heurística

negativa, pois o pesquisador entrou na contramão ao supor que a hipótese

auxiliar seria aplicada também a corredores fundistas.

Para Lakatos, ao contrário de Kuhn, não existem crises nas ciências, o que

existe é uma competição entre diferentes programas de pesquisas, onde o que

resolver o maior número de problemas tende a se perpetuar.

O ANARQUISMO TEORÉTICO DE PAUL FEYERABEND

Em seu livro Contra o método, Feyerabend faz uma preciosa crítica às

chamadas concepções epistemológicas, estabelecendo as bases do chamado

Page 52: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA

anarquismo teorético. Para ele, nossas metodologias falham à medida que se

pretendem infalíveis e universais. Além disto, as regras utilizadas são muito

simplistas para explicar fenômenos muito complexos.

O próprio título de seu livro (Contra o método) é um recado claro: ele não

acredita na eficiência do método científico. Um dos princípios fundamentais do

anarquismo teorético é o do vale tudo: “é a violação de regras metodológicas,

normalmente consideradas óbvias, que permite o avanço da ciência.” De fato,

isto nos parece mais óbvio do que nunca, caso contrário, é bastante provável

que estaríamos todos a viver em um mundo acadêmico altamente

burocratizado, que burramente pune o que há de mais belo na ciência: o ato de

criar! Neste sentido a formatação e exigências das revistas científicas são

(salvo honrosas exceções) o mais triste exemplo de embotamento das idéias e

do livre pensar. Infelizmente este fenômeno é mundial, as revistas científicas

que antes eram o espaço, por excelência do arejamento intelectual, agora,

cumprem, na maioria das vezes, o melancólico papel de garantir alguns

pontinhos a mais nos supostos indicadores de produtividade acadêmica. Mas o

que isto tem a ver com o anarquismo científico? A resposta tem que ser direta:

tudo! Afinal, se vale tudo, vale até mesmo este modelo hegemônico de se fazer

ciência.

CONCLUINDO

Este livro está inconcluso tal como está a ciência e o nosso projeto neste

planeta, não obstante, trilhamos um caminho, refletimos sobre questões que

norteiam a construção do conhecimento, tentando, descaradamente, mostrar

também o outro lado da moeda do conhecimento. A idéia era de fato provocar

a discussão, instabilizar as supostas certezas e dizer:

Ei! Siga em frente!

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