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181 Educação a Distância, Batatais, v. 2, n. 1, p. 181-202, junho 2012 Metacognição como recurso de formação do pensamento reflexivo (espírito crítico) de estudantes virtuais na era da hiperinformação e da dispersão 1 J. Alves 2 Resumo: Como a Escrita, relatada no mito de oth, a invenção da internet também se propõe como um poderoso recurso para a produção do conhecimento, maximizando a memória humana por uma relação simbiótica com a máquina que armazena e processa informações em velocidade e quantidade incríveis. Contudo, as informações armazena- das na Rede configuram-se apenas como dados e sinais que precisam ser ressignificadas por um sujeito histórico, situado no tempo e no espaço e portador de atividades cogni- tivas, para que se tornem conhecimento. Nesse contexto, as competências e habilidades metacognitivas passam a ter grande relevância como recurso não apenas para a formação de um pensamento reflexivo e crítico, mas também para o autogerenciamento e o auto- monitoramento no processo de construção de conhecimento em ambientes virtuais de aprendizagem, visando à superação do “conhecimento enformado” para o conhecimento como aperfeiçoamento ético e moral do ser humano na sociedade pós-moderna. Palavras-chave: Estudantes Virtuais. Hiperinformação. Mito de oth. Conhecimento Enformado. Metacognição. 1 Orientador: Edson Renato Nardi. Prof. Ms. do Centro Universitário Claretiano de Batatais - SP. 2 Coordenador de Material Didático Mediacional do Claretiano de Batatais. Formação em Letras (Facul- dade N. S. Medianeira - SP), Filosofia (Universidade de Passo Fundo - RS), Teologia (Instituto Teológico - SP) e especialização em psicopedagogia para o ensino e aprendizagem e Filosofia e Ensino de Filosofia (Claretiano).

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181Educação a Distância, Batatais, v. 2, n. 1, p. 181-202, junho 2012

Metacognição como recurso de formação do pensamento reflexivo (espírito crítico) de estudantes virtuais na era da hiperinformação e da dispersão1

J. Alves2

Resumo: Como a Escrita, relatada no mito de Thoth, a invenção da internet também se propõe como um poderoso recurso para a produção do conhecimento, maximizando a memória humana por uma relação simbiótica com a máquina que armazena e processa informações em velocidade e quantidade incríveis. Contudo, as informações armazena-das na Rede configuram-se apenas como dados e sinais que precisam ser ressignificadas por um sujeito histórico, situado no tempo e no espaço e portador de atividades cogni-tivas, para que se tornem conhecimento. Nesse contexto, as competências e habilidades metacognitivas passam a ter grande relevância como recurso não apenas para a formação de um pensamento reflexivo e crítico, mas também para o autogerenciamento e o auto-monitoramento no processo de construção de conhecimento em ambientes virtuais de aprendizagem, visando à superação do “conhecimento enformado” para o conhecimento como aperfeiçoamento ético e moral do ser humano na sociedade pós-moderna.

Palavras-chave: Estudantes Virtuais. Hiperinformação. Mito de Thoth. Conhecimento Enformado. Metacognição.

1 Orientador: Edson Renato Nardi. Prof. Ms. do Centro Universitário Claretiano de Batatais - SP.2 Coordenador de Material Didático Mediacional do Claretiano de Batatais. Formação em Letras (Facul-dade N. S. Medianeira - SP), Filosofia (Universidade de Passo Fundo - RS), Teologia (Instituto Teológico - SP) e especialização em psicopedagogia para o ensino e aprendizagem e Filosofia e Ensino de Filosofia (Claretiano).

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1. INTRODUÇÃO

Vivemos na era da hiperinformação e da hiperdispersão promovidas pela invenção da internet, em que a “informação” comumente se confun-de com o “conhecimento”, e o conhecimento tradicional perde seu status de propriedade de memória interna de uma pessoa (SANGER, 2010) para o saber tecnológico imediato e tecnicista, armazenado em máquinas e processado por elas (PETERS, 2009). Como no mito de Thoth - a “in-venção da escrita” -, relatada por Sócrates no livro de Fedro (PLATÃO, 2004, p. 118), também a invenção da internet (digitalização de dados e seu armazenamento e processamento na rede mundial de computadores), potencializada pelas NTICs, surge, na Sociedade da Informação e Co-municação, como uma poderosa “auxiliar” à memória. Um auxiliar, um recurso flexível, dinâmico, “algoriticamente inteligente”, capaz de tornar, em tese, o homem pós-moderno eminente e infinitamente mais bem in-formado e apto a produzir saberes “enformados” capazes de solucionar problemas imediatos com eficácia e eficiência, cuja aplicabilidade prática pode ser transposta a vários contextos, não de maneira perene, estável, mas provisória, mutável, pois participa da natureza efêmera das tecnologias (ECO; CARRIÈRE; PETERS, 2009; SANGER, 2010). Trata-se, pois, de um saber diferente do conhecimento tradicional, que tinha sua origem no espantamento do homem diante dos fenômenos, no cultivo das artes e que buscava o saber perene em si mesmo ou como aperfeiçoamento ético e político de um ideal de homem e de pólis. Aristóteles (sec. IV a. C.) já se referia a esse “novo” tipo de saber, quando classificou as ciências em três grandes ramos: 1) as ciências teoréticas, que buscam o saber em si mesmo; 2) as ciências práticas, que buscam o saber em vista da perfeição moral, ética e política; 3) as ciências poiéticas ou produtivas, que buscam o saber em função do fazer, do produzir determinados objetos (REALE, 2005, p. 178).

Na pós-modernidade, este conhecimento instrumental, tecnicista, fechado em si mesmo, é elevado a seu grau máximo, modificando radical-

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mente o modo de produção de conhecimento e, consequentemente, mu-dando a vida das pessoas, sua visão de mundo, de si mesma e seu relacio-namento individual e coletivo na pólis: “Quando ‘tudo está disponível a pedido, o gosto por comparações, contrastes e resumos cresce. Mais e mais se coleta, enumera e apresenta e menos e menos se pensa” (MITTELS-TRASS, 1995, p. 143 apud PETERS, 2009, p. 319). Ou como afirma Weizenbaum (1998 apud PETTERS, 2009, p. 321): “Estamos procurando por conhecimento e estamos nos afogando em informações”. Em outras pala-vras, estamos procurando por vida e caímos na rigidez estéril dos “algorit-mos inteligentes” que decidem por nós.

Neste contexto de mudança de paradigmas da linearidade e lucidez cartesianas para a hiperinformação e hiperconexão que conduzem à dis-persão e à info-obesididade, nada mais relevante do que a utilização da metacognição como um recurso para a formação do pensamento reflexivo e para o autogerenciamento e o automonitoramento em espaços virtuais de aprendizagem (PLATÃO, 2004; PETERS, 2009; GABRIEL, 2011; SANGER, 2010; CHIAZZESE; OTTAVIANO, et. al., 2006; COR-TES, 2011; AZEVEDO, 2005).

O mito de Thoth pode ser interpretado à luz do saber instrumental e tecnicista, cujo objetivo é produzir um resultado imediato e tangível, a que se dá o nome de “conhecimento enformado”:A razão e o ponto de partida para a produção de conhecimento são tipicamente formados por um problema prático. A produção de co-nhecimento não mais se dá nos institutos tradicionais que foram cria-dos com este propósito, mas cada vez mais em novos locais, como, por exemplo, em institutos independentes de pesquisa, pequenas companhias especializadas, firmas de consultoria think tanks... [...] “conhecimento enformado”. Ele se baseia na interação entre um indivíduo e um computador, no qual o conhecimento interno e a in-formação externa são relacionados e integrados, utilizando-se busca elaborada individualmente, estratégia de avaliação e seleção, e des-ta forma estabelecem uma relação simbiótica no que diz respeito ao tempo e à logística. A produção de conhecimento com a ajuda do

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computador torna necessário colocar o conhecimento em uma “for-ma passível de ser processada” (PETERS, 2009, p. 305).

Como no mito, “só lembrarão de um assunto exteriormente e por meio de sinais” (FEDRO, 2004, p. 119). A preocupação não é com a busca do saber em si, do saber de dentro (recordação), do aperfeiçoamento ético e moral (a vida sábia), mas a busca cada vez mais veloz de “informações sem instru-ção” por intermédio de um “auxiliar” exterior para a memória.

A metodologia utilizada neste trabalho foi a da revisão bibliográfi-ca. Tomamos como referencial teórico três autores: Platão (427 a.C), na obra Fedro, Otto Peters (1926), no livro A educação a distância em tran-sição (2009) e Flavell et al., em Desenvolvimento cognitivo, que julgamos fazerem um contraponto entre as interfaces de um mesmo problema, cuja discussão já preocupava o filósofo Sócrates (PLATÃO, 2004) como tem preocupado hoje os pensadores pós-modernos (PETERS, 2009). São duas faces de uma mesma moeda: a produção de conhecimento afeta nos-so modo de ser e de agir. A fim de desvelar nossas proposições, será feita uma breve reflexão acerca do mito de Thoth.

2. O MITO DE THOTH

O deus Thoth apresenta-se a Tamuz, rei de Tebas do Egito, e discorre sobre as artes que inventara. O deus Tamuz o interroga sobre a utilida-de de cada uma de suas invenções. Ao apresentar sua grande invenção, a escrita, Thoth assegura a Tamuz: “Esta arte, caro rei, tornará os egípcios mais sábios e lhe fortalecerá a memória; portanto, com a escrita inventei um grande auxiliar para a memória e a sabedoria” (PLATÃO, 2004, p. 119). Entretanto, Tamuz, ironicamente, questiona a invenção do entusiasmado Thoth, afirmando:

Não é a mesma coisa inventar uma arte e julgar da utilidade ou pre-juízo que advirá aos que a exercerem. Tu, como pai da escrita, esperas dela com o teu entusiasmo precisamente o contrário do que ela pode

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fazer. Tal coisa tornará os homens esquecidos, pois deixarão de culti-var a memória; confiando apenas nos livros escritos só lembrarão de um assunto exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos. Logo não inventaste um auxiliar para a memória, mas apenas para a recordação. Transmite aos teus alunos uma aparência de sabedoria, e não a verdade, pois eles recebem muitas informações sem instrução e se consideram homens de grande saber, embora sejam ignorantes na maior parte dos assuntos. Em consequência, serão desagradáveis companheiros, tornar-se-ão sábios imaginários ao invés de verda-deiros sábios. (FEDRO, 2004, p. 119, grifo nosso).

Como no mito relatado acima, perante a invenção da internet com todo o seu aparato e a sua parafernália tecnológica e recursos midiáticos, guardamos o mesmo entusiasmo utópico de promessas de informações para todos, da democratização dos saberes, da inclusão dos diferentes em prol de um mundo mais humano, livre e justo. A tecnologia da informa-ção e da comunicação assume o status de poder político e econômico: quem detém as TICs detém o poder e as tomadas de decisões. Como o deus Tamuz, podemos hoje fazer a mesma pergunta: será que a internet poderá nos oferecer o que esperamos dela? Será que esperamos dela preci-samente o contrário do que ela pode realizar? Até que ponto ela nos pode conduzir a um aperfeiçoamento ético e moral, a uma melhor qualidade de vida e das relações humanas?

Paradoxalmente, as pessoas apresentam-se como as mais bem “infor-madas” e, no entanto, sob o crivo da verdade, menos “sábias” de viver a vida, porque, em virtude do próprio cibridismo exacerbado, abdicam do pensar e já não discernem o que pode ser relevante em suas vidas, perdem a capacidade do pensamento reflexivo e crítico (GABRIEL, 2011). Mui-to sabemos sobre as coisas e, no entanto, pouco conhecemos e entende-mos de nós mesmos e do outro, nos empobrecemos humanamente, pois a “localização” do conhecimento já não se encontra na interioridade dos indivíduos e dos grupos, mas na exterioridade das máquinas transitórias. O delírio do homem pós-moderno não é o delírio que nasce de “um estado divino que nos leva além das regras habituais”, mas o delírio “que nasce de

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uma moléstia da alma” que o prende aos algoritmos e o impede do pensar crítico e de viver uma vida boa (PLATÃO, 2004, p. 106). Fascinados e ansiosos por cada novidade tecnológica, indivíduos cíbridos de todas as idades consomem o seu tempo randomicamente surfando “nas nuvens” de mundos virtuais, teleportando-se de rede em rede, de informação em informação, até ao naufrágio solitário na total dispersão de uma memória cultural agonizante (BAUERLEIN, 2008).

Este conhecimento “tecnológico-digital” tem-se tornado a base para a modelagem de um mundo à imagem e semelhança do homem pós-moderno, que se caracteriza por sua relação simbiótica com a máquina. Assim a banda larga e os dispositivos de navegação cibernéticos eliminam as distâncias geográficas e as barreiras temporais, permitindo a conexão dos indivíduos entre si numa rede universal, num “compartilhamento” de informações (dados) sem a necessária ressignificação, para que de fato se tornem, pela mediação humana, saberes e conhecimentos.

É inegável, pois, a maximização das informações através das redes sociais e dos serviços das grandes empresas multimídia de tecnologia da informação e comunicação, tais como a Google, o Twitter, o Facebook, Amazon e tantas outras que a cada dia surgem no emaranhado da rede mundial de internet. É, neste aspecto, que uma releitura da “invenção da escrita” numa ótica pós-moderna da sociedade da informação/sociedade do conhecimento pode lançar luzes a uma compreensão melhor do fe-nômeno em que conhecer passa a significar “uma simbiose de memória biológica e memória artificial” (TIFFIN; RAJASINGHAM, 1995, p. 43 apud PETERS, 2009, p. 175) e a metacognição, a qual passa a exercer um papel relevante como postura crítica e autorreflexiva passível de ser adqui-rida e aplicada nos vários contextos virtuais.

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3. METACOGNIÇÃO

A releitura do mito de Thoth aponta-nos - sobretudo no que diz res-peito à postura crítica e dialética de Sócrates do “só sei que nada sei” -, para o papel da metacognição como um recurso de automonitoramento e de autorregulação que pode contribuir para a formação do pensamento reflexivo e crítico dos navegantes virtuais. É necessário não apenas supe-rar o paradigma do senso comumente aceito de que o “conhecimento” está livremente disponibilizado na rede mundial de computadores e bas-ta a informação pela informação, mas também resgatar o significado da “memorização” como base do “aprender a aprender” (SANGER, 2010). Não se produz conhecimento sem conteúdos e atividades cognitivas, sem mediação humana e tecnológica. Ou seja, a aprendizagem é um proces-so que pressupõe desequilibração, investigação sistemática, reflexão crí-tica e exercício da dúvida metodológica, sem uma postura metacognitiva (GONÇALVES, 2011).

Recentes estudos demonstram que a utilização de ferramentas me-tacognitivas na internet tem contribuído para um melhor ganho pedagó-gico de estudantes virtuais (PETERS, 2009; CHIAZZESE; OTTAVIA-NO et al., 2006; CORTES, 2011; AZEVEDO, 2005). De fato, cada vez mais se impõe a necessidade de autogerenciamento e automonitoramento nos espaços virtuais de aprendizagem, o que significa aquisição de habili-dades metacognitivas para uma produtiva navegação que contribua efeti-vamente para a ressignificação e a produção de conhecimento.

As empresas multimídias passaram não só a veicular e a multiplicar exponencialmente, em tempo real, anytime e anywhere, mas também a fil-trar, sob medida, as informações de acordo com os perfis dos usuários, de modo que aquilo que se julga livremente acessar, na realidade, é aquilo que os “algoritmos inteligentes” julgam relevantes aos usuários, e não aquelas informações que de fato o navegante virtual necessita. Os algoritmos são como entes dotados de “inteligência artificial” que pensam, decidem e es-colhem pelas pessoas (PARISER, 2011). Assim, embora as informações pareçam se multiplicar ad infinitum, o acesso a elas é restritivo dentro de

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uma “liberdade controlada” e monitorada em tempo real.Numa visão ingênua e menos crítica, podemos ver a internet como

fator de democratização e de livre acesso a informações nos mais variados formatos e suportes. Aplaudimos a invenção da internet que retoma o so-nho da realização da utopia do universal, preconizada no século das Luzes pelos enciclopedistas (CHARTIER, 2009). Tudo está disponibilizado na rede, bastando um clique para se ter acesso a quantidades incríveis de in-formações (sinais, números, imagens, gráficos, dados etc.) externas a nós e armazenadas em máquinas guardadas nas “nuvens”, que se tornam cada vez mais e necessariamente a extensão de nossas memórias biológicas.

Contudo, como no mito de Thoth, surgem algumas questões que de-vem ser objeto de nossa reflexão: a invenção da internet tornará as pessoas esquecidas, uma vez que deixarão de cultivar a memória? Confiantes nos dados armazenados, só lembrarão de um assunto “exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos?” Até que ponto a internet pode transmitir uma “aparência de sabedoria” e não verdade, visto que o navegante virtual “recebe muitas informações sem instrução e se considera dotado de grande saber, embora seja ignorante na maior parte dos assuntos”? Como pode a metacognição contribuir para tornar a internet um recurso de produção e de preservação do conhecimento humano ao longo das gerações? Para responder a essas questões, precisamos compreender o que seja sociedade da informação e sociedade do conhecimento na pós-modernidade.

4. SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO X SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

4.1 Sociedade da informação

A pergunta fundamental neste tópico é: o que se entende por co-nhecimento na sociedade da informação? Tanto o termo “informação” quanto “conhecimento” hoje estão na ordem do dia. Com as mudanças de paradigmas educacionais, sobretudo marcados pela passagem da line-

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aridade para a hipertextualidade/hiperinformação e hiperconexão (GA-BRIEL, 2011), surge a necessidade de prover o navegante virtual com a aquisição de habilidades metacognitivas, para que ele possa descobrir o que seja relevante nos espaços virtuais de aprendizagem, distinguindo o que é o pensar segundo as conveniências do momento histórico e tecno-lógico e o pensar segundo as realidades cruciais do ser-aí do homem e do seu estar no mundo. Desse modo, uma das características fundamentais do estudante virtual na sociedade da informação é a passagem da hetero-nomia para a autonomia, para o pensar crítico por si próprio, o que neces-sariamente implica a utilização de competências e habilidades cognitivas, como o autogerenciamento e a autorregulação dos processos de ensino e aprendizagem (de produção de conhecimento).

4.2 O que é informação?

Peters (2009, p. 281ss), na obra A educação a distância em transição, dedica todo um capítulo a esta questão e mostra que o conhecimento que se produz mediante a utilização do computador e das informações acessí-veis na rede difere estruturalmente do conhecimento clássico. Esta nova visão de conhecimento não afeta apenas a superfície da questão pedagógi-ca, mas a sua profundidade, enquanto proposta de desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade social, espiritualidade (DELORS, 1999 in MARTINS, 2009). Com a mudança dos cenários pedagógicos, o próprio modo de pensar e de produzir conhecimento, bem como a própria vida das pessoas estão passando por profundas transformações. A “linguagem” das TICs invadiu os cenários educacionais e o âmbito pedagógico, sendo ajustada semanticamente e ressignificada de acordo com as diversas memórias pe-dagógicas.

Ainda segundo Peters (2009), temos que distinguir, no termo “in-formação”, um significado tradicional que implica a noção de processo e/ou a noção de conteúdo. A primeira acepção diz respeito ao “processo” de instruir e modelar o caráter de um indivíduo, o que implica um viés peda-

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gógico, ao passo que a segunda se refere ao conteúdo em si de uma infor-mação factual comumente denominada “notícia” (fatos, acontecimentos, conhecimentos) transmitida pela mídia. Ora, este significado tradicional de “informação” pouco tem a ver com o significado de “informação” no âmbito das tecnologias da informação e da comunicação.

“Informação”, neste aspecto, “é algo que é derivado de dados trans-mitidos, sinais ou consequências de sinais”, o que implica tecnicamente o trabalho de elaboração, processamento e gerenciamento de unidades de informação, “buscando, encontrando, gravando, armazenando, recupe-rando, transmitindo, convertendo e arranjando unidades de informação” (PETERS, 2009). Neste âmbito técnico, a informação se reduz a “sinais” e a “dados” que podem ser capturados numa tela de PC sob a forma de letras, gráficos, figuras, os quais apenas irão adquirir significado e se con-verter em informação quando “interpretados”, “processados” e “decodifi-cados” pelos indivíduos. Em consequência, há um equívoco em se falar de “dilúvio de informações”, de “avalanche de informações”, quando o correto seria se referir a “dilúvio de dados”, de “avalanche de dados irrelevantes e que não passam de lixo digital”, uma vez que a “informação em si” passa a ser relevante quando é criada nas mentes individuais e limitadas dos indi-víduos:

Os dados são na verdade transmitidos e levados a indivíduos, mas não se transformam em informação até que estes indivíduos os tenham selecionado e processado por intermédio da interpretação. É portan-to possível ter grandes quantidades de dados sem que se consiga qual-quer informação. A interpretação apropriada acontece de um modo diferente para cada indivíduo e leva também a resultados diferentes, porque toda a história de vida dos indivíduos envolvidos influencia o processo: suas necessidades e emoções, seus conhecimentos, inte-resses e socialização, mas também sua imaginação e ideologias (cf. Weizenbaum, 1998) Estamos lidando aqui com processos cogniti-vos, mesmo que na verdade sejam, em sua maior parte, inconscientes (PETERS, 2009, p. 289).

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4. 3 Sociedade do conhecimento

No sentido tradicional e numa visão empírica, conhecimento pode ser entendido como a compreensão teórica ou prática de uma arte, ciência ou atividade, e, muitas vezes, ele confunde-se com a aquisição de compe-tências cognitivas e habilidades comprovadas dos indivíduos. Contudo, conhecimento, na acepção clássica do termo, não é coisa ou um objeto do mundo exterior, como, por exemplo, os sinais e os dados armazenados em um computador e nem se confunde com o saber do senso comum, mas implica um caráter de “totalidade de informação” adquirida - por meio da teoria e da prática, do estudo e da aprendizagem sistemáticos e da ressig-nificação criteriosa dos fatos -, por um indivíduo, que pode se elevar a um grau máximo de compreensão da realidade (PETERS, 2009). Tal catego-ria de conhecimento (dialético) foi elogiada por Sócrates, que afirma:

Ora, caro Fedro, eu também sou muito amigo desta maneira de com-por e de decompor as idéias (dialética). É a melhor maneira de apren-der a falar e a pensar. E quando me convenço de que alguém é capaz de apreender, ao mesmo tempo o conjunto e os detalhes de um ob-jeto, sigo esse homem como se caminhasse nas pegadas de um deus. (PLATÃO, 2004, p. 107).

Não é foco deste artigo discorrer sobre os aspectos sociológicos, psi-cológicos, epistemológicos do conhecimento, mas apenas, seguindo os passos de Peters, expor o significado que ele adquire na pós-modernidade, o qual distancia do seu significado tradicional. Na era pós-industrial, o conhecimento teórico e prático, aplicável, é visto como um fator determi-nante para o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico de um país. Juntamente com os setores da agricultura, da indústria, do comércio e dos serviços, a produção de conhecimento configura-se como um “setor” es-tratégico igualmente relevante.

Diferentemente do conhecimento tradicional, rigoroso, perene e fi-xado em livros e bibliotecas, hoje tem lugar o conhecimento “enformado”, ou seja, o “conhecimento do conhecimento” de uso imediato, o conheci-

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mento prático e de aplicação multiforme ao conhecimento, descentraliza-do, não hierárquico, interativo, compartilhado anytime e anywhere, flexí-vel, temporário, produzido com a utilização dos computadores em rede. Trata-se de uma modalidade de conhecimento em que a relevância dos conteúdos em si perde significância para o modo como o conhecimento é “elaborado, processado, armazenado e depois ativado em outros contex-tos com a ajuda de computadores e redes de computadores” (PETERS, 2009).

Ainda segundo o mesmo autor, esta nova forma de produção de co-nhecimento privilegia o “saber como” o “know-how”, em detrimento do “saber o quê”, o que leva a um novo tipo de conhecimento que se caracte-riza pelo rápido acesso às informações quantitativa e qualitativamente in-críveis, pela necessidade de aquisição de novas competências e habilidades diferentes daquelas exigidas na produção do conhecimento tradicional. O que importa é “criatividade, imaginação criativa, poder de raciocínio silogístico, abertura, tolerância, flexibilidade, habilidade no manuseio da comunicação virtual e capacidade de resolução de problemas orientada para os dados no lugar da resolução de problemas orientados para a teoria” (idem, p. 306-307).

4.4 Ruptura com o pensamento/conhecimento tradicional

Segundo Norbert Bolz (apud PETERS, 2009, p. 310), a “informáti-ca substituiu a metafísica”, querendo dizer com isso que a forma de produ-ção do conhecimento imposta pela sociedade da informação rompe com os paradigmas anteriormente válidos, em que o mundo exterior era repre-sentado à imagem e semelhança do homem. Ele afirma que as

[...] configurações imateriais em simulações em computador substi-tuem o aparecimento de uma objetividade estável, a questão da re-ferência perde o seu significado. Até a nossa amada Natureza, o pro-duto mais famoso das reflexões da velha cultura européia, pode ser reconhecida sobre as novas condições da mídia como um ambiente programado. Sob as condições dos novos meios e da tecnologia de

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computadores, o homem se despediu de um mundo que era ordena-do por meio de representações, e de um modo de pensar que via a si mesmo como uma representação do mundo exterior...”

No contexto tradicional, o que caracteriza o conhecimento é a “re-ferência a posteriores atividades cognitivas do sujeito”. Quem conhece é somente um indivíduo ou um grupo de indivíduos. Consequentemente, o conhecimento está restrito ao indivíduo ou ao grupo e reflete as memórias cognitivas e afetivas do indivíduo ou da coletividade. É um conhecimento duradouro e estático, situado no tempo e no espaço, num contexto socio-cultural determinado e que pode ser definido como “crença verdadeira justificada” (GRAYLING, in BUNNIN; TSUI-JAMES, 2002, p. 41).

Em contrapartida, a informação caracteriza-se por um conjunto “flu-tuante de fatos, um objeto circulando em rede” e apenas se transforma em conhecimento pela ação de um sujeito histórico; por si só a máquina não “conhece”, não exerce atividades cognitivas, não justifica, não está sujeita à influência de fatores socioculturais, emocionais e subjetivos, por si só não é portadora de conhecimento, de “uma crença verdadeira justificada”; apenas armazena e processa dados. “Informação: informação que existe. Conhecimento: informação armazenada em mim” (ROMISZOWSKI, 1981 apud PETERS, 2009, p. 312). O conhecimento somente acontece em virtude de uma atividade cognitiva capaz de transformar a informação em conhecimento: “Informação que foi interpretada e sintetizada, refle-tindo certos valores implícitos, se torna conhecimento (TAPSCOTT, 1997, p. 32 apud PETERS, 2009, p. 312). Portanto, o conhecimento hu-mano é uma atividade cognitiva complexa que extrapola o âmbito parti-cular das ciências em geral e das tecnologias. As ciências produtivas, pelo seu caráter teleológico (de finalidade) e instrumentalista que privilegia o como fazer, excluem questões fundamentais importantes que devem ser colocadas no âmbito da informação e do “conhecimento” enformado, quais sejam as questões éticas e políticas. Na sociedade da informação e da tecnologia, o poder financeiro e econômico detêm também o poder da informação e o acesso a ela. Daí a nossa proposta do uso da metacognição

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como um recurso de superação do “enformação do conhecimento” para a formação do pensamento reflexivo e crítico e a produção do conhecimen-to na utilização da internet.

5. METAGONIÇÃO COMO RECURSO PARA O PENSAMENTO REFLEXIVO

Coube a Flavell a introdução do termo “metacognição” na Psico-logia... Figueira (1994) mostra que grande parte dos autores, a começar por Flavell (1970), entende a metacognição como “o conhecimento do próprio conhecimento (metaconhecimento), conhecimento dos próprios processos cognitivos e suas formas de operação”.

Segundo Rischbieter (2004), é preciso desmistificar o termo “meta-cognição”, por tratar-se de uma “palavra complicada para uma idéia sim-ples: refletir sobre o que fazemos”. De fato, se prestarmos mais atenção sobre a maneira como fazemos as coisas, de como buscamos informações, de como estudamos e aprendemos, perceberemos que diariamente, de forma intuitiva, refletimos sobre o nosso modo de agir e lançamos mão de me-canismos de controle de nossos atos, de artifícios facilitadores, que outra coisa não são senão estratégias metacognitivas para melhorar nosso de-sempenho. E, ao longo do tempo, no exercício de nossa profissão, vamos descobrindo que o nosso modo de pensar afeta o nosso jeito de realizar um trabalho ou uma tarefa.

Na verdade, metacognição é um “termo novo” para expressar uma ideia antiga: “aprender a aprender” (“learning to learn”). Se remontarmos à Antiguidade grega, à história do pensamento e da educação, veremos que a famosa frase de Sócrates “Só sei que nada sei” traduz uma profunda experiência metacognitiva, pois certamente o filósofo grego, refletindo sobre seu próprio conhecimento, teria aprendido que “a mente humana é um aparelho cognitivo um tanto imprevisível e não totalmente confiável, ainda que notável” (FLAVELL et al., 1999, p. 126). Outro exemplo de experiências e conhecimento metacognitivos, ou seja, um refletir sobre

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os próprios processos cognitivos e o produto desses processos, é nos ofe-recido pelo filósofo Spinoza, quando afirma “...também, se alguém sabe algo, então ele sabe que o sabe, e ao mesmo tempo ele sabe que sabe aquilo que sabe que ele sabe...” (BROWN et. al., 1981; WEINERT, 1987 apud FIGUEIRA, 1994).

Não é nosso foco aqui discutir o papel da metacognição em ambientes reais de aprendizagem expositiva tradicional, mas mostrar a sua contribui-ção na formação do pensamento reflexivo do estudante virtual (e-learning people) em ambientes virtuais de aprendizagem que buscam privilegiar sua autonomia, levando-o a uma postura metacognitiva de autorregulação e de automonitoramento do pensamento. É importante conceituar aqui o que seja controle executivo e autorregulação do pensamento. O primeiro pode ser entendido como a faculdade de uma pessoa saber como pode rea-lizar determinada tarefa ou como pode aplicar uma estratégia para solução de um problema. Por sua vez, autorregulação do pensamento ou “atividades metacognitivas regulatórias” ou ainda “estratégias de autorregulação” são termos equivalentes que dizem respeito à nossa capacidade de deliberar, regular ou monitorar o quê, o como e o porquê fazemos as coisas assim e não de outra maneira. Em outras palavras, autorregulação significa pla-nificar, planejar nossas ações, percepcionar os fins a alcançar e ajustar as estratégias a esses mesmos fins.

Recentes estudos demonstram que a utilização de ferramentas me-tacognitivas na internet têm contribuído para um melhor ganho peda-gógico dos estudantes virtuais (PETERS, 2009, p. 201; CHIAZZESE; OTTAVIANO et al., 2006; CORTES, 2011; AZEVEDO, 2005). De fato, cada vez mais impõe-se a necessidade de autogerenciamento e de au-tomonitoramento nos espaços virtuais de aprendizagem, o que significa não apenas aquisição de habilidades metacognitivas para uma produtiva navegação que contribua efetivamente para a produção de conhecimento, mas também capacidade de reflexão crítica. Peters (2009) fala de um “’sal-to’ de espaços de aprendizagem reais para virtuais”. Esta mudança abrupta impõe aos educadores o desafio de “preparar seus alunos para aprender na sociedade do conhecimento” (idem, p. 167). Peters apresenta, então,

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os dez espaços de aprendizagem, cujo poder inovador está modificando o comportamento de ensino e aprendizagem, indicando o surgimento de uma nova era educacional, que, segundo Peters (2009), será marcada não mais pela linearidade e pela heteronomia (hierarquização e sistematização de conteúdos em um currículo fechado, centrado no professor e circuns-crito em espaços reais), mas pela hipertextualidade e pela autonomia, que pressupõem um currículo aberto, centrado no aluno e fluido nos espaços de aprendizagem. O autor acrescenta que:

Em vista da indeterminável abundância e variedade de informação que agora está disponível em todos os bancos de dados acessíveis, a capacidade de procurar, encontrar e avaliar informação importante para a aprendizagem do próprio estudante será difícil e rara. A tare-fa mais difícil será provavelmente acessar os conteúdos e ofertas de apoio no que diz respeito aos processos planejados de aprendizagem, porque isso pressupõe experiência metacognitiva e considerável in-sight pedagógico (PETERS, 2009, p. 185, grifo nosso).

Aprender a aprender de maneira autônoma pressupõe necessaria-mente desenvolver estratégias de aprendizagem autorregulada. Daí a ne-cessidade de aprender a desenvolver o hábito da metacognição. Segundo Peters (2009, p. 201), à medida que um estudante virtual adquire a sua autonomia no seu processo ensino e aprendizagem, mais ele se torna o seu próprio professor, exercendo tarefas que tradicionalmente cabiam ao professor. Isso exige do aluno a aquisição de habilidades e de hábitos meta-cognitivos imprescindíveis à aprendizagem em espaços de aprendizagem virtuais.

Ora, planificar ações ancora ideias de como monitorar, testar, revisar e avaliar estratégias de aprendizagem. Fala, também, da necessidade de elaboração de planejamentos do que vamos fazer, de previsão de consequ-ências, de verificação e de checagem de resultados. Enfim, é perguntar-se: qual será o resultado, se isso for feito dessa ou daquela maneira? Como irei fazer isso? Isso fará sentido? Em síntese, conhecimento metacogni-tivo implica postura crítica e uma série de comportamentos ou processos

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utilizados para coordenar e controlar, deliberadamente, tentativas para aprender e resolver problemas (BROWN; DELOACHE, 1983, in FRY; LUPART,1987 apud FIGUEIRA, 1994).

6. CONSIDERAÇÕES GERAIS

São muitos os desdobramentos em relação ao tema em questão que, em virtude da extensão de um artigo, não podem ser contemplados, ape-nas presumidos nas entrelinhas ou nas referências indicadas. Nossa inten-ção aqui não é a de satanizar a internet, mas de reconhecê-la como meio de humanização se o seu uso for voltado para servir ao homem e não ser servida por ele. Ela pode se transformar em um instrumental de emancipa-ção do indivíduo, de sua autonomia, da realização de suas possibilidades e potencialidades. As tecnologias da informação e comunicação já estão incorporadas à vida das pessoas de tal forma que já não se pode conceber o mundo sem elas. Todos estamos hiperconectados, hiperinformatizados e hiperdirecionados. A questão de fundo que se levanta é a da eticidade no uso das NTICs. Conforme Parisier (2011), “o que a internet está es-condendo de você?” Que intenções e propósitos estão por traz de grupos econômicos que detêm o monopólio das informações (sinais, dados), ou seja, do conhecimento tecnológico que alimenta, mediante filtragens de conteúdos, a indústria cultural, bem como o modo como as pessoas veem a realidade (PARISER, 2011).

A conscientização para um uso responsável da internet passa neces-sariamente pela metacognição como auxiliar poderosa na formação de uma razão crítica nos indivíduos, a fim de que se possa separar “o joio do trigo”. A internet, como qualquer tecnologia, dependendo do uso que se faça, pode se tornar um recurso importante de formação do pensamento reflexivo, oposto à racionalidade técnica da indústria cultural, à instru-mentalização da razão (ENVANGELISTA, 2003). Em outras palavras, como já destacamos, nosso interesse nesta revisão bibliográfica foi o de demonstrar a importância do conceito da metacognição como recurso

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não apenas para a formação do pensamento crítico e reflexivo, mas tam-bém para o autogerenciamento e o automonitoramento de uma navega-ção produtiva e captura e processamento de informações significantes que possam ser geradoras de conhecimentos humanizadores.

É preciso levar em consideração que este desafio não é novo, pois mesmo a sociedade da informação e/ou sociedade do conhecimento ain-da se funda sob a égide da escrita e da leitura, como na época de Sócrates. Portanto, continuam válidas suas observações sobre a questão da utilidade da escrita transpostas para a utilidade da internet. Nihil nuovi sub luna! Como ele bem afirma:

O uso da escrita, Fedro, tem um inconveniente que se assemelha à pintura. Também as figuras pintadas têm a atitude de pessoas vivas, mas se alguém as interrogar conservar-se-ão gravemente caladas. O mesmo sucede com os discursos. Falam das coisas como se as conhecessem, mas quando alguém quer informar-se sobre qualquer ponto do assunto expos-to, eles se limitam a repetir sempre a mesma coisa. Uma vez escrito, um discurso sai a vagar por toda parte, não somente os conhecedores mas também entre os que o não entendem, e nunca se pode dizer para quem serve e para quem não serve. Quando é desprezado ou injustamente cen-surado, necessita do auxílio do pai, pois não é capaz de defender-se nem de se proteger por si (PLATÃO, 2004, p. 120, grifo nosso).

Ontem, como hoje, os encantos oferecidos pela sociedade da infor-mação, atrelados à indústria cultural, seduzem as pessoas e obnubila seus olhares. A capacidade de espantamento é depauperada e a homogeneiza-ção dos sentimentos, dos desejos e das necessidades dos indivíduos rei-fica as individualidades. Suas capacidades cognitivas são aprisionadas na cadeia férrea da lógica dos algoritmos, da inteligência artificial. Já não é preciso pensar, lembrar, recordar, analisar. Basta processar as informações. Neste contexto, as palavras de Sócrates recobram um significado vigoro-so de protesto contra uma estética passiva de recepção das informações (dados), que a cada momento a rede mundial de computadores inunda milhões e milhões de telas. O fetiche dos artefatos tecnológicos domina as mentes como objetos de desejos viciantes e embriagadores e fazem os

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indivíduos delirarem perante uma sucessão vertiginosa de novas necessi-dades criadas, arrastando-os sempre mais para fora de si mesmos e para fora do outro, que, apesar de próximo, fica mais distante. Como Narciso, esquecidos de nós mesmos, enamoramos de nossa imagem virtual refleti-da nas telas que se multiplicam indefinidamente no vazio de nós mesmos. Apesar de tudo isso, sabemos por intuição, e a linguagem de nossos corpos confirme, que é na afeição que a vida humana recobra seu sentido pleno e supera o narcisismo da pseudoindividualidade e da pseudoconcreticidade materializadas no fetiche das telas digitais e nos ambientes virtuais. Só a afeição pode conduzir as pessoas, pela via da interioridade, como quisera Agostinho, a si mesmas e ao outro e produzir o mais sublime dos conheci-mentos, que é a sabedoria. E esta a máquina poderá nos prover? O huma-no foi ejetado do próprio homem, permanecendo apenas o simulacro de sua imagem tecnicizada na tela.

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Title: Metacognition as a resource for the reflective thinking training of the e-people learning in the era of virtual hiper information and dispersion: A contribution socratic method.Author: J. Alves.

ABSTRACT: Like the written, reported in the myth of Thoth, the inventation of the internet is also proposed as a powerfull resource for the production of knowledge ma-ximizing the human memory by a symbiotic relationship with the machine that stores and processes information at incredible speed and quantity. However, the information stored at Network are configured only as data and signals that need to be re-signified by a historical subject, situated in time and space and the bearer of cognitive activities, to become knowledge. The competences and metacognitive skills are very important to have as resource not only for the information of a reflective and critical thinking, but also self-management and self-monitoring in the construction of knowledge in virtual learning environments in the order to overcome the “informed knowledge”, knowledge as to the ethical and moral improvement of man in postmodern society.Keywords: E-people Learning. Hiper Information. Myth of Thoth. Informed Knowledge. Metacognition.