mestrado profissionalizante em ciências jurídico-forenses

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Universidade de Lisboa Faculdade de Direito Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses DISSERTAÇÃO A IMPUTAÇÃO OBJETIVA EM DIREITO PENAL ALGUNS PROBLEMAS INÊS DE ORNELAS FOUTO VARELA Com a Orientação da Exma. Senhora Professora Doutora Teresa Quintela de Brito 2018

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Page 1: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

UniversidadedeLisboaFaculdadedeDireito

MestradoProfissionalizanteemCiênciasJurídico-Forenses

DISSERTAÇÃO

AIMPUTAÇÃOOBJETIVAEMDIREITOPENAL

ALGUNSPROBLEMAS

INÊSDEORNELASFOUTOVARELA

ComaOrientaçãodaExma.SenhoraProfessoraDoutora

TeresaQuinteladeBrito

2018

Page 2: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

ÍNDICE

RESUMOEPALAVRAS-CHAVE.........................................................................................................................1

ABSTRACTANDKEYWORDS............................................................................................................................3

AGRADECIMENTOS...............................................................................................................................................5

EPÍGRAFE...................................................................................................................................................................7

INTRODUÇÃO...........................................................................................................................................................8

AIMPUTAÇÃODEEVENTOSAAGENTESANTESDACAUSALIDADE:ASORDÁLIAS........11

ACAUSALIDADE:CONCEITOCIENTÍFICOEFILOSÓFICO...............................................................20

ACAUSALIDADE:CONCEITOJURÍDICO....................................................................................................24

ATEORIADASCONDIÇÕESEQUIVALENTES.........................................................................................27

AFORMULAÇÃODACONDITIOSINEQUANON.....................................................................27

ACONDIÇÃOEMCONFORMIDADECOMASLEISDANATUREZA................................29

CONDIÇÃOGLOBALSEGUNDOASREGRASDAESTATÍSTICAEDA

PROBABILÍSTICA..................................................................................................................................30

ATEORIADAADEQUAÇÃO.............................................................................................................................33

OCONCURSOREALDECAUSAS...................................................................................................................45

ACAUSALIDADECUMULATIVA.....................................................................................................45

ACAUSALIDADEALTERNATIVA...................................................................................................48

ATEORIADACONEXÃODERISCO.............................................................................................................53

ACRIAÇÃOOUAUMENTOPELOAGENTEDEUMPERIGOPARAOBEM

JURÍDICO...................................................................................................................................................54

Page 3: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

OCARÁCTERPROIBIDODOPERIGO................................................................................................57

AMATERIALIZAÇÃODORISCONORESULTADO.......................................................................58

APRODUÇÃODEUMRESULTADOCOBERTOPELOFIMDEPROTECÇÃOE

ÂMBITODANORMA..................................................................................................................................59

OCONCURSOVIRTUALDECAUSAS...........................................................................................................64

ACAUSALIDADEVIRTUAL...............................................................................................................64

AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSAL...........................................................................................68

OCOMPORTAMENTODAVÍTIMA.......................................................................................74

ACAUSALIDADEINDIRETA....................................................................................................77

OCOMPORTAMENTOLÍCITOALTERNATIVO......................................................................80

DIREITOCOMPARADO......................................................................................................................................87

AIMPUTAÇÃOOBJECTIVANOSSISTEMADECOMMONLAW.......................................87

AIMPUTAÇÃOOBJECTIVANODIREITOPENALBRASILEIRO.......................................95

CONCLUSÕES.........................................................................................................................................................98

BIBLIOGRAFIA

Page 4: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

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PALAVRAS-CHAVE:CAUSALIDADE,ADEQUAÇÃO,RISCO,MULTIPLICIDADE

A imputação objetiva em Direito Penal consiste na atribuição jurídica de um

resultadotípicoaumacondutadeumagente,apartirdaobservaçãodopadrãode

matriz científica e filosófica da causa-efeito, inerente ao estudo dos

comportamentos humanos e das suas consequências práticas, constituindo tal

atribuiçãoumdospassosfundamentaisdaclassificaçãodeumfactocomocrime.

Atravésdoreconhecimentodoconceitodacausalidadecomofiguradedestaque

no âmbito da problemática da imputação, e encontrando-se a presente

investigaçãoacadémicaestruturadaporreferênciaaosfactospraticadosporação

pelas pessoas singulares, inicia-se esta incursão apresentando breve exposição

relativaaopanoramaexistenteantesdaaplicaçãodesseconceitofundamentalao

Direito,nomeadamenteatravésdoempregodeordálias.

Assimdefinida a essencialidadeda causalidade emsedede imputaçãoobjetiva,

encontram-se reunidas as condições necessárias para a apreciação crítica dos

principais modelos teóricos de imputação objetiva, que se identificam como a

teoriadaequivalênciadecondições,ateoriadaadequaçãoeateoriadaconexão

derisco,bemcomo,atítulocomparativo,breveestudodossistemasdeimputação

dealgunsdosprincipaispaísesdosordenamentosjurídicosdecommonlawedo

Brasil.

A apreciação da evolução dos termos daquelas, dos seus métodos de

funcionamentoeaplicaçãoedascríticasrecebidas,permitedepoisaconcentração

investigativa, devidamente informada, nas questões centrais desta Dissertação,

relativasaoconcursodecausaseperigosnaproduçãodeumeventolesivo.

Nas sociedades modernas, a multiplicidade de fatores que pode convergir, de

forma real e efetiva, bem como virtual e não concretizada, na causação de um

determinado resultado, constitui um contexto de pluralidade factual

tendencialmente cada vez mais frequente, necessitando, por isso, de soluções

jurídicasquecompreendameacomodemtaisproblemas.

Estesnãosãodotados,porém,desoluçõesnormativasuniformes,sendoqueos

critérios e fundamentos apresentados para a resolução de tais questões, tanto

quando para a produção de um resultado concorrem, de forma neste

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materializada,váriascausas,pormeiodediversaspossibilidadesdecombinação

causal,bemcomonocontextodasuaconcorrênciavirtual,emqueaconcretização

detodasestasficaaquémdasuamaterializaçãonoeventolesivofaceàinterrupção

donexocausal,edistintasproblemáticasasiestreitamenteassociadas,encontram

largasdivergênciasnadoutrinaenajurisprudência.EstaDissertação,atravésda

pesquisaeinvestigaçãoapresentadas,procuradar-lhesresposta.

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KEYWORDS:CAUSALITY,ADEQUACY,RISK,MULTIPLICITY

Incriminallaw,objectiveimputationconsistsofthelegalattributionofatypical

result to an agent´s conduct, from the observation of the scientific and

philosophicaloriginofthecause-effectrelation,constitutingthatattributionone

ofthecriticalstepsinclassifyingafactasacrime.

Throughtherecognitionoftheconceptofcausalityastheprominentfigureinthe

study of imputation, and since this academic investigation is structured in

referencetofactscommittedbyaction,bynaturalpersons,thisincursionisstarted

with a brief exposition relating to a previous overview, existing before the

applicationof this fundamentalconcept in the fieldofLaw,namelythroughthe

employmentoftrialsbyordeal.

Then, having defined, in these terms, the importance of causality in objective

imputation,conditionsareaptforthecriticalappreciationofthemaintheoretical

modelsofattribution,whicharethetheoryofequivalenceofconditions,thetheory

ofadequacyandthetheoryofriskconnection,aswellasforabriefstudyofthe

attribution systems in place in some of themain countries in the common law

nationsandintheBrazilianpenalsystem.

Studyingtheevolutionoftheirsterms,theirfunctioningandapplicationmethods

andthecriticalreviewswhichthesetheorieshavebeensubjectedto,thenallows

the concentration of the investigative efforts, duly informed, in the central

questionsof thisDissertation, relating toconcurrentcausesandmenaces in the

originationofaharmfulevent.

Inmodernsocieties,themultiplicityoffactorswhichmayconverge,inarealand

effectiveway,aswellas inavirtualandnot fullymaterializedway, incausinga

certainresult,constitutesacontextoffactualpluralitytendentiallymorefrequent

and therefore more in need of juridical solutions which can understand and

accommodatesuchproblems.

However,theseproblemsdonotpossessevenandequalnormativesolutions,be

itinthesituationswhen,fortheproductionofaresult,severalcausescompete,in

actuality, in the production of the result, be itwhen that causal competition is

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present in itsvirtual terms, inwhichnoallcausesdonotreachthecompletion

stageduetoaninterruptioninthecasuallinkandotherissuescloselyrelated.In

these instances, the criteria facing these questions provides instead several

different jurisprudence and doctrinal responses, without a consensus to these

questions. This Dissertation, through the research and investigation presented,

triestoanswerthem.

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AGRADECIMENTOS

À minha Orientadora, EXMA. SENHORA PROFESSORA DOUTORA TERESA

QUINTELADEBRITO,pelagenerosidade,sapiênciaeconsideração,

AomeuPAI,peloapoioincondicional,amizadeemotivação,

ÀminhaMÃEeàminhaAVÓHÉLIA,pelacompreensãoeencorajamento,

Àminhaprima,PROFESSORADOUTORAANACALDEIRAFOUTO,peloconselho

amigo,

SemosquaisestaDissertaçãonãoteriasidopossível,

MUITOOBRIGADA.

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7

“Intentions,goodorbad,arenotenough.

There'sluckorfateorsomethingelsethattakesover.”

—JohnSteinbeck,TheWinterofOurDiscontent

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1. INTRODUÇÃO

ApresenteDissertação, intituladaAImputaçãoObjetivaemDireitoPenal -Alguns

Problemas,centra-senadiscussãodealgumasdasdivergênciaspresentesnoâmbito

desta matéria, no Direito Penal. Os comportamentos humanos e as suas

consequências jurídico-penalmente relevantes,bemcomoaanálisedaspossíveis

ligações normativas entre ambos, são campos de extremo interesse prático e

académico, em particular o estudo dos fundamentos e condições que permitem

afirmar a existência de uma verdadeira conexão entre uma conduta e um

acontecimentolesivo,mesmosendoestafuncionalmentediversaetemporalmente

separadadaquele.

Emboraaimputaçãosubjetiva,tendoemcontaacomponenteindividualeinterna

do agente, nomeadamente os seus estados de espírito e as suas intenções de

provocaçãodoresultado,sejatambémindispensávelnoâmbitoqualificativodeum

facto como crime, apenas a imputação objetiva permite, para alémdesse âmbito

particulare introspetivo, edeummodoqueédefinitivo, afirmarqueumevento

apenas teve lugar nomundo real face a e por causa de uma específica conduta,

devendoesta,porisso,serobjetivamenteatribuídaàquele.

Osproblemasjurídicosinerentesàanálisedasrelaçõesdecausaeefeitoeadifícil

conjugação e delimitação do espaço ativo de responsabilidade de um cidadão,

diretamente proporcional à sua liberdade de atuação prática, são temas de

incontornável importância faceàsuaessencialidadenaestruturaçãodopercurso

lógico-classificativo que permite qualificar, no nosso ordenamento jurídico, um

factocomocrime.

Naverdade,definindo-seocrimecomoumfactotípico,ilícito,culposoepunível,a

imputação objetiva é a figura de sentido que, antes de qualquer classificação

adicional,permiteligarjuridicamenteedeformadefinitivaacondutapraticadaao

resultadoocorrido,emtodososcrimesderesultadooumateriais.

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PretendendoestaDissertaçãodedicar-seàanáliseemprofundidadedealgunsdos

problemasedivergênciasexistentesnoâmbitodotemadaimputaçãoobjetiva,que

énaturalmenteextensodevidoaoseucarácterabrangentedetodasasformasde

prática das condutas humanas e penalmente relevantes, tomou-se a decisão, ab

initio,deestruturaroescopodapresente investigaçãoacadémicaemrelaçãoaos

crimes praticados por ação, por pessoas singulares, excluindo do seu âmbito as

diferentes questões trazidas pela análise da imputação de factos praticados por

omissão,bemcomoaquelespraticadosporpessoascoletivas,acreditando-seque

esta opção permite uma melhor dedicação investigativa e concentração em

problemáticasespecíficas,emparticular,aapreciaçãodasquestõescentraisdesta

Dissertaçãorelativasàverificaçãodemultiplicidadedecausas,realouvirtual,na

produçãodeumresultado.

Dessaforma,inicia-seopresenteestudocomaapreciaçãohistóricaevalorativada

importânciadacausalidadeenquantoconceitoinovadoreprogressivoaquandoda

sua inicial aplicação ao Direito, para tal apreciando também os significativos

contributosdoscamposfilosóficosecientíficosparaasuadefinição,eobservando,

atítulocomparativo,opanoramajurídicoexistentepreviamenteàcrucialinclusão

deste conceito no âmbito da imputação objetiva, nomeadamente através da

utilizaçãodométododasordálias.

Partindo,nessestermos,daindispensávelfiguradacausalidade,etendoemcontaa

evoluçãodogmáticadasua invocaçãoeaplicaçãopráticanocampoda imputação

objetiva, são estudadas, numa perspetiva crítica e comparativa, as três grandes

teoriasdeimputaçãoobjetivahistoricamentepropostasedefendidaspeladoutrina

epelajurisprudência,constituídaspelateoriadascondiçõesequivalentes,ateoria

daadequaçãoeateoriadaconexãoderisco.

Aapreciaçãocriticadasreferidasteorias jurídicasde imputaçãoobjetivapermite

assim, de modo valorativamente informado e fundamentado, e com a devida

contextualização jurídica, em termos jurisprudenciais e doutrinais, realizar uma

investigaçãoespecíficarelativaàsdivergênciaspresentesnaanáliseeresoluçãodas

situaçõesdeconcursodecausaseriscos,quernocasodeconcorrênciareal,querna

virtualequestõesasiligadas,emparticularainterrupçãodonexodeligaçãoentre

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aaçãoeoresultadoeafiguradocomportamentolícitoalternativo,sendocertoque

as diferentes soluções jurídicas que têm vindo a ser propostas quanto a estas

questõessãomuitopoucodotadasdeuniformidadedecisória.

Naverdade,emsociedadesglobalizadas,comoasatuais,tecnológicaesocialmente

desenvolvidas,nasquaisosperigosparaosbensjurídicosprotegidosedotadosde

dignidadepenalsãomúltiplos,concorrentesecadavezdemaisesubstanciaistipos

equalidades,asproblemáticasassociadasàconvergênciadefatoresnacausaçãode

lesõesdeformarealeefetiva,bemcomonoscasosemqueessamultiplicidadese

apresentaemtermosvirtuaisouhipotéticos,sãocadavaismaisfrequentes,sendo

por isso a posterior necessidade da sua individualização e análise da eventual

imputação objetiva ao resultado produzido essenciais para a apreciação da

tipicidadeedaqualificaçãodofactocomocrime.

Nesta sede, e de forma a enriquecer a pesquisa apresentada com elementos

comparativos relativos a ordens jurídicas distintas da portuguesa, é ainda,

previamente à apresentação das conclusões finais e críticas da presente

investigação,feitabreveincursãorelativaaopanoramageraldeimputaçãoobjetiva,

comfoquenasquestõescentraisdeconcursodecausaseperigosnaproduçãode

umevento lesivo,nosordenamentos jurídicosdecommon law enodireitopenal

brasileiro.

Assim, esta Dissertação propõe-se apresentar respostas às centrais questões

colocadas,paratalpartindodainvestigaçãorealizadaeaquiexposta,tendoemconta

assuascomponenteshistórica,comparativaevalorativa,apreciandoasindicadas

divergências doutrinais e jurisprudenciais de forma crítica e analítica,

possibilitando,afinal,aapresentaçãodesoluçõesdevidamentefundamentadas.

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2. A IMPUTAÇÃO DE EVENTOS A AGENTES ANTES DA CAUSALIDADE: AS

ORDÁLIAS

A palavra ordália deriva do vocábulo anglo-saxónico ordǣl, com significado de

veredictooudejulgamentosemqualquerinterferênciahumana,antesderivadode

umaprerrogativadivinaeabsoluta.Porsuavez,originariamente,derivaaqueleda

expressãoproto-germânica1uzdailjam,significandoaquiloqueestátratado2.

A ordália é o processo através do qual o acusado de um crime é sujeito, por

imposiçãododecisordoprocessoouporsujeiçãovoluntáriadopróprioacusado,a

provascomelementostotalmentenaturalísticoscomoobjetivodeserafirmadaou

afastada a sua responsabilidade criminal, sendo o resultado deste procedimento

aceiteunanimementepelacomunidade.

TalcomopreconizaSirWalterScott,nasuaobraépicaIvanhoe,estajádoano1820,

“a vingança é um manjar dos Deuses” 3 , pelo que a utilização das ordálias se

acreditava legitimada pela crença da direta intervenção divina no processo de

julgamentojudicial,constituindoestas,porisso,nasuaessência,um judiciumDei,

isto é, um juízo de Deus, sendo realizadas dentro de um contexto estritamente

solene e sendo o seu resultado entendido e reconhecido por todos como prova

irrefutáveldavontadedosCéus.

OprimeiroregistonasuaaplicaçãoremontaaoperíododaAntiguidade,cominício

no século VIII a.C., na Mesopotâmia, embora o seu uso generalizado na Europa

apenas se tenha verificado após a queda do Império Romano, tendo-se assim

fortificadonessecontinente,bemcomonaÁfricaenaÁsia,duranteaIdadeMédia,

dosséculosVaXV(d.C.),massobretudoatéaoséculoXI.

1Aprotolínguabasecomumàslínguasgermânicas,nomeadamenteoalemão,oinglês,oholandês,osueco,odinamarquês,onorueguêseoislandês.2DeacordocomevoluçãolinguísticaapresentadapeloautorRobertBartlett,nasuaobraTrialbyFireandWater:TheMedievalJudicialOrdeal,na3ªediçãodaEchoPointBooks&Media,de2017,napágina26. 3 Na página 267 da edição da Baudry´s Foreign Library, na reimpressão de 1952.

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Duranteestesperíodos,nãoexistindoaindaEstadosfortescomsistemasjurídicos

estruturados e solidamente regulamentados, sendo proferida uma acusação, sob

juramentoeperantejuiz,oueram,desdelogo,asprovasapresentadaspeloacusador

diretamente suficientes e adequadas para a decisão, sendo, à partida, obtida

confissãodoacusado,passando-se,semmais,diretamenteparaoproferimentoda

sentença,ou,nãosendotalpossível,nomeadamenteporinexistênciadeconfissão,

era“solicitada”aintervençãodivina,cujaconcretizaçãonoplanomaterialocorreria

através da ordália, sem qualquer possibilidade de contraditório por parte do

acusado.

Historicamente, tendo sido utilizados diversos tipos de ordálias, podiam estas

constituirumaprovadevidaoumorte,equivalendoasobrevivênciaàinocênciado

acusado,ou,alternativamente,umasujeiçãodestealesõesfísicas,casoemqueseo

suspeitoficasseilesoouserapidamenteserecuperasseseentendiaqueerainocente

emrelaçãoataisacusações.

Os meios utilizados eram bastante variados, desde que facilmente acessíveis e

quotidianos,sendoosseusprincipaiselementosofogoeaágua;oprimeiroporser

associadoàpurezaearenovaçãoeosegundopelaideiadelimpezaepurgaçãodo

espírito.

Importarealçarqueaordáliaetorturaseapresentamcomodiferentesconceitos,já

queaordáliaseentendiacomomeiodeprovaemsimesma,atravésdoresultado

concretoematerialqueproduziaedoqualseretiravaumsignificado,externamente

observávelpelo julgador.Atortura,poroutrolado,pretendefuncionarcomoum

meiodeobtençãodeprovas,nomeadamenteaconfissão.

Deste modo, vários tipos de ordálias eram utilizados, partindo a escolha

normalmentedojulgador,sendoosseguintesosmaiscomuns4:

4TalcomoapresentadonaobraTheTrial:AHistory,fromSocratestoO.J.Simpson,deSadakatKadri,na2ªediçãodaHarperPerennialde2005,naspáginas46a49.

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i. Fogueiras,FerrosQuenteseCarvões

Atravésdestetipodeordálias,oacusadoeraobrigadoacaminharumnúmerode

passospré-definidoouamanterassuasmãossobreumafogueiraativa5,aandar

sobrecarvõesacessosousegurarumapeçadeferroembrasaduranteumperíodo

pré-determinado.

Depois, completada a prova, as lesões produzidas no âmbito desta esta eram

analisadas,sendoque,sepassadosunsdias(geralmentetrês),estastivessemsarado

rapidamenteeemboas condiçõesouse,porventura,nemse tivessemchegadoa

formar,eraoacusadoconsideradocomototalmenteinocentedaacusação.Todavia,

emcasocontrário,eraafirmadaasuaresponsabilidadecriminalpelofactodeque

eraacusado.

ii. ÁguaFerventeeÁguaFria

Afrequenteaplicaçãopráticadotipodeordáliasdeáguadividia-seemdoisgrupos:

asprovasdeáguaquenteeasprovasdeáguafria.

Nasprimeiras,erageralmenteimpostoaoacusadoqueretirasseumobjetocolocado

nofundodeumapanelaoucaldeirãocomáguaaferver(ouaté,nalgunscasos,mais

raros face à escassez desse material, óleo a ferver). Quanto mais grave fosse a

acusação,maioraprofundidadedaáguae,consequentemente,maioranecessidade

desubmersãodobraçoepossíveisferimentos.Depois,talcomonasprovasdefogo,

eraaextensão,grauecapacidadedecuradaslesõesquedeterminavaanecessidade

deatribuiçãodoeventoaoacusadoesuaconsequenteresponsabilidadecriminal.

Nas ordálias do segundo tipo, o acusado era amarrado, de forma a ter todos os

movimentostotalmenteconstrangidos,sendoimobilizadoatravésdautilizaçãodas

cordas,garantindoassimasuaimpossibilidadedesemovimentarlivremente.Nesta

condiçãoerasubmersoemáguasprofundas.Primariamente,colocava-seaquestão

imediatadesuasobrevivência,sendoqueamortedoacusadodurantearealização

da prova equivalia à sua responsabilidade criminal. Depois, caso conseguisse

sobreviveraoriscodamorteporafogamento,consoantefosseaofundoouflutuasse

naáguaeradepoisafirmadaaresponsabilidadepelofactoemrelaçãoaoqualera

acusado.

5Apartirdestaordália,utilizadaemPortugalatéaoséculoXIV,teveorigemaexpressãoaindaatualmenteutilizadadeformacorrentede“poramãonofogo”poralguém.

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Quantoà interpretaçãodoresultadodestaprova, importanotarque,consoantea

localização geográfica e período temporal em causa, inversos significados foram

atribuídosaumeoutrofacto;inicialmente,acreditava-sequeflutuardemonstrava

inocência,poisosculpadoseram“puxadosparabaixo”pelopesodassuasofensas.

Contudo, mais tarde, tal estipulação foi invertida, reconhecendo-se a

responsabilidade criminal do sujeito que flutuasse, julgando-se tal leveza como

sobrenaturalenecessariamenteassociadaaoespíritomaléficodosresponsáveis6.

iii. IngestãodeSubstâncias

Nestetipodeprova,eraoacusadoforçadoaingerirumveneno,normalmenteuma

planta,sendoque,seemconsequênciadaquela ingestão, ficassedoenteouatése

morresse, era considerado responsável pelo crime em causa. Pelo contrário, se

conseguissefazeraexpulsãodovenenoatravésdeumactoreflexivodevómitoera

reconhecidaasuainocência.Maistarde,nestetipodeordáliapassoutambémaestar

incluídaaingestãodeumpedaçodepãoseco,abençoadoporummembrodoclero7,

após o acusado proferir uma declaração solene, reconhecendo-se o facto de o

acusadonãoseengasgarousofrerconvulsõescomosinaldasuainocência.

iv. Cruz

Normalmenteaplicadaa casosemqueo suposto responsávelpoderia serumde

muitos, como, por exemplo, nas situações de verificação de lesões ou morte da

vítima no âmbito de uma rixa, os suspeitos eramdivididos em grupos de sete e

colocadosàvezemfrenteaumaltar.Nesteencontravam-seduasestacasenvoltas

empano,sendoqueumadelasestavapintadacomumacruzquenãoestavaassim

visível para os acusados. Era feita a seleção das estacas pelo juiz ou sacerdote,

entendendo-sequeaescolhadaquelaquecontinhaacruzindicavaapresençado

responsávelpelaofensaemcausanoâmbitodogrupoidentificado.Nessasituação,

repetia-se depois a ordália entre os sete para chegar aos especificamente

responsáveis.

6NaobraSuperstitionandForce,deHenryC.Lea,na9ªreimpressãode1978daHarvardUniversity,napágina58.7Esteritualveioaevoluirparaamodernaconceçãocatólicadatomadahóstia,queé,naverdade,umaordáliaporeucaristia,combasenacrençadequequematomenãoseencontrandoinocentedefactoemrelaçãoaoqualtenhaconhecimentoecujoperdãodivinoaindanãoprocurouobterficaráeternamentecondenadoaosolhosdeDeus.

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v. Duelos

Neste tipo de ordália, utilizada maioritariamente no Ocidente, perante uma

acusação, acusador e acusado debatiam-se pessoalmente, ou através de

representantes,muitasvezesatéàmorte,emdueloregulamentado,reconhecendo-

serazãoàquelequeconseguissedominaralutafisicamentee/ouquesobrevivesse,

entendendo-sequeasforçasdivinasoteriamconsideradodignodeproteçãofaceà

suainocência.

vi. IusCruentationis

A ordália do cadáver era aplicada apenas às acusações de homicídio. Nestas, o

acusadoeraobrigadoatocarnocadáverdavítima,sendodepoisesteanalisadode

formaaverificarsenoslocaisemqueaquelelhetocoualgumamarcaousinaltinha

entretantosurgidoouatésesangravanolocaldotoquedosupostohomicida8.

Destemodo,faceàgeneralizadaconvicçãoreligiosadascomunidadesrelativamente

ao carácter divino e à eficácia das ordálias, e caso não fossem estas, desde logo,

unilateralmenteimpostaspelojulgador,osacusadosqueseacreditavaminocentes

daacusação,namaiorpartedoscasos,desdelogorequeriamvoluntariamenteasua

sujeiçãoàprova,preferindo,poroutrolado,osquesesabiamculpadosconfessardo

8ApeçadeWilliamShakespeare,RicardoIII,referenotoriamenteaiuscruentationisquando,duranteotransportedocadáverdoReiHenriqueIV,noâmbitodasuaprocissãofúnebre,AnaNevilleobservaocorpoasangraraquandodaaproximaçãodoassassinodaquele,Ricardo,DuquedeGloucester,eprofereaseguinteacusação:«O,gentlemen,see,see!deadHenry'swoundsOpentheircongeal'dmouthsandbleedafresh!Blush,Blush,thoulumpoffouldeformity;For'tisthypresencethatexhalesthisbloodFromcoldandemptyveins,wherenoblooddwells;Thydeed,inhumanandunnatural,Provokesthisdelugemostunnatural.OGod,whichthisbloodmadest,revengehisdeath!Oearth,whichthisblooddrink'strevengehisdeath!Eitherheavenwithlightningstrikethemurdererdead,Orearth,gapeopenwideandeathimquick,Asthoudostswallowupthisgoodking'sbloodWhichhishell-govern'darmhathbutchered!».NoAto1,Cena2,Página3.

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quelhesserimpostaarealizaçãodaordáliaeconsequentesujeiçãoàdore,até,a

possívelriscodemorte.NaspalavrasdoeconomistaPeterT.Leeson,“oscrentesque

sesabiamculpadosdaacusaçãotinhamaexpectativarazoávelqueDeusrevelassea

sua responsabilidade, lesando-os durante a prova, antecipando a sua condenação.

Todavia,oscrentesinocentesesperavamaproteçãodivina,acurarápidadelesõesea

suaposteriorexoneraçãocriminal”9.

Adicionalmente, e por esse motivo, para os sacerdotes que administravam as

ordálias,avoluntariedadedoacusadocrenteemsersujeitoàsprovasfuncionava

como uma presunção da sua inocência, pelo que, em vários desses casos, os

administradoresdas provas facilitavam as condições do teste (por exemplo, não

preparandoaáguatãoquente,oudeixandoarrefecerobarrade ferroantesdea

apresentar),deformaaqueoresultadofavoráveldasordáliasreforçasseaprópria

superstiçãonasuabase,contribuindodessaformaparaasuaprópriaefetividade.

ApartirdoséculoXII,comofimdoperíodoaltodaIdadeMédiaeaintroduçãono

sistemajurídicodeummaiordestaqueemrelaçãoadireitosegarantiasindividuais,

as ordálias começaram a ganhar generalizada desaprovação. Em 1215, aMagna

Carta inglesa instituiu os tribunais de júri e durante os séculos XIV e XV, vários

papas,comoAlexandreIII,CelestinoIIIeInocêncioIII,manifestaram-secontraouso

das ordálias, apelando à sua substituição por um sistema penal inquisitório,

complementado pelo uso da tortura como meio de obtenção de confissões ou

testemunhos.

Embora o uso das ordálias tenha ainda sido reintroduzido de forma bastante

expressivanosordenamentosjurídicosdaEuropaCentraledeLesteenascolónias

norte-americanasduranteosséculosXVIeXVII,duranteoperíododasdenominadas

“caças às bruxas” 10 , depois deste, a utilização das provas para aferição da

necessidade de atribuição de um evento a um agente e sua responsabilidade

criminal foi totalmentesuprimidapelamaiorpartedospaíses,atéao finalséculo

XVIII.

9NoseuartigoOrdeals,publicadoem2012noJournalofLawandEconomics,novolume33,número3,napágina702.10Nestas,eramprincipalmenteaplicadas as ordália de água fria, entendendo-seque osacusados queflutuassemeramresponsáveispelasacusações.

Page 20: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

17

Algumas situações relativas à sua invocação ainda se verificaram depois desse

período,principalmenteemrelaçãoàordáliaporduelo,comonoprocessoAshford

vs.Thornton11,em1818,naInglaterra,emqueoalegadohomicidadesafiouoirmão

davítimaparaumdueloparaprovarasuainocência.Tendoesterecusado,avitória

docombate,nostermosdalei,foiatribuídaaoarguido,queotinhadesafiado,tendo

sidoestelibertadofaceàconsequenteimpossibilidadedasuaconsideraçãocomo

criminalmenteresponsável.Realça-sequea“esquecida”leiquepermitiuaoarguido

invocarestaordáliaequepossibilitoua sua libertação, semmais, foide seguida

imediatamenterevogadapeloparlamentoapósaconclusãodoreferidoprocessoem

181912.

Dereferiraindaque,noUruguai,aresoluçãodedisputasatravésdaordáliadeduelo

eradetalformapopularegeralmenteaceitecomopráticacomumpelapopulação

queasuautilizaçãoseencontroulegalmenteprevistaatéaoanode1992.

Atualmente,oempregodeordáliasé jábemmais raro, comaexceçãodealguns

paísesdocontinenteafricano,comdestaqueparaaLibéria,SerraLeoa,NigériaeIlha

de Madagáscar. Nestes, as ordálias por ingestão de venenos, nomeadamente do

feijãodeCalabar eda chamada sassywood13, sãoaindamuito comuns, apesarda

reprovação internacional de grupos de direitos humanos, incluindo a oposição à

práticapelasNaçõesUnidas14.

11Disponívelemhttps://www.birmingham.gov.uk12AmesmasortenãoteveLeonHumphreys,cidadãoinglêsde60anosqueem2002invocouareferidaleicomo meio de contestação de uma coima de trânsito, com a pretensão de combater um qualquerrepresentantedoEstadodeformaaque,sesaíssevitorioso,nãotivessedepagaromontantedevido.Oseupedido,semqualquerfundamentolegaldesdeháquase200anos,foiridicularizadopelaimprensaenaturalmenterecusadopelotribunal,talcomodescreveartigopublicadonaversãoonlinedapublicaçãoTheTelegraph,deDavidSapsted,disponívelemhttp://www.telegraph.co.uk/news/uknews/1416262/Court-refuses-trial-by-combat.html13Substânciaobtidaapartirdacascadaárvoreerythrophleumsuaveolens,comumentedesignadacomoa“ÁrvoredaOrdália”.14TalcomoartigopublicadoporChristopherJ.CoyneePeterT.Leesonem2012,intituladoSassywood,noJournalofComparativeEconomics,Nº12,naspáginas608a620.

Page 21: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

18

Atravésdautilizaçãodasordálias, osprocedimentos criminais funcionavampela

sucessãodetrêsmomentosdistintos:

1.Acusaçãoformal,

2.Inexistênciadeprovassuficientesoudeumaconfissãodoacusado,

3.Realizaçãodaprovaesubsequentedecisãodivinamaterializadanesta,sem

possibilidadedecontraditório.

Nestes termos, o estabelecimento da imputação de um resultado a um

comportamentoanteriordeumagenteeranecessariamentefeitacombasenuma

superstição,superstiçãoessaquepensamostraduzirumjuízofalacioso.Partindode

uma acusação e observando-se a realização de uma ordália, não sendo esta

ultrapassadacomsucessopeloacusado,aacusaçãoinicialeraconfirmadaeoagente

criminalmente responsabilizado, o que, de um posto de vista lógico-formal, se

traduznoseguintesilogismo:

SeA,entãoB,

Bverifica-se,

EntãoAéverdadeiro.

SendoAahipotéticaresponsabilidadecriminaldoacusadoeBaordáliacompletada

sem sucesso (por exemplo, a mão queimada sem rápida recuperação ou a cruz

encontradanaestacaselecionada),éAtidocomonecessariamenteprovadoperante

a constatação da verificação de B, o que traduz a falácia lógica non-sequitur da

afirmação do consequente. Através deste raciocínio falacioso, partindo-se da

afirmação do consequente, retira-se, como resultado desta, a afirmação do

antecedente.Assim,comoosujeito,noâmbitodaordáliarealizada,porexemplo,

flutuounaágua, a sua responsabilidadepelaacusaçãoemcausaeradiretamente

afirmada, ou seja, pelo consequente, o resultado da ordália, um acontecimento

totalmentediversoelógicaematerialmenteseparado,eraobtidooantecedente,a

constataçãodaexistênciaderesponsabilidadecriminaldoagente.

Contudo, a supressão da utilização destas trouxe consigo a introdução nos

ordenamentos jurídicosda inovadoraconceção lógicadacausalidade,obtidacom

basenoscontributosdasciênciasnaturaiseda filosofia.Assimsepermitiuqueo

obscurantismo que, nas referidas épocas, toldava os ordenamentos jurídicos,

Page 22: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

19

iniciasseasuadissipação.Atravésdasuainvocação,novasenecessáriasexigências

passaram a ser impostas pela lei para que um evento se possa afirmar como

diretamente causado por uma conduta humana, isto é, para que, com base no

conceitodacausalidade,possaserfeitaaimputaçãoobjetivadeumresultadoauma

açãodeumagente.

Constituindo a causalidade, «uma relação assente numa ideia de causa-efeito,

existenteentreumaaçãoeumevento,quepermiteafirmarqueaaçãodeuorigemou

causou esse evento»15, a sua aplicação no âmbito da análise da responsabilidade

penal pelos resultados lesivos verificados introduziu um adicional carácter

científicoeracionalnoâmbitodoDireitoPenal,afastandodefinitivamenteosjuízos

supersticiososeafalácialógicainerenteaousodasordálias.

15NoDicionárioJurídico,VolumeII,daProfessoraAnaPrata,na2ªediçãodaAlmedina,de2011,napágina81.

Page 23: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

20

3.ACAUSALIDADE

3.1.ACAUSALIDADE:CONCEITOCIENTÍFICOEFILOSÓFICO

Nos campos científicos, a causalidade define-se como a relação, observável e

suscetíveldecomprovaçãometodológica,entreumeventoinicial,designandopor

causa,eumsegundoevento,suanecessáriaconsequência,ditoseuefeito,sendoque,

segundooprincípiogeraldauniformidade, todooefeitoteráasuacausaprévia,

sendo este um dos corolários essenciais de ciências como a Física, a Biologia, a

EstatísticaeaPsicologia.

Todavia,assimdefinidooconceitodecausalidade,sendoumdosfundamentosda

observação e análise dos fenómenos naturais para as disciplinas científicas, não

deverserconfundido,comoporvezesacontece,comodecorrelação.Acorrelação,

por oposição à causalidade, descreve a circunstância de dois eventos ocorrerem

normalmenteaomesmotempo,não implicandoessasimultaneidade,porém,que

umsejanecessariamentecausadordooutro.Anoçãodecorrelaçãoéumademaior

generalizaçãoeabrangênciadoqueadecausalidadequeimplicaumaligaçãodireta

ou linear entre eventos, sendo que vários tipos de relações, para além da de

causalidadeditapura,sepodemconternoâmbitodaquela,nomeadamenterelações

de causalidade indireta, cíclica ou até inversa, e situações de coincidência ou

aleatoriedadenaocorrênciadosfenómenosemsimultâneo,asaber16:

i.AcausaB—>relaçãodeverdadeiracausalidadepura

ii.AcausaCeCcausaB—>relaçãodecausalidadeindireta

iii.AcausaBeBcausaA—>relaçãodecausalidadedependenteoucíclica

iv.BcausaA—>relaçãodecausalidadeinversa

v.AeBocorrem juntosde formaaleatória—>nãoexistequalquer tipode

relaçãodesentido,existindoapenascoincidênciatemporalnaocorrênciados

fenómenosemsimultâneo

16EmOSignaleoRuído,deNateSilver,na1ªediçãoinglesadaPenguinPress,de2012,naspáginas120a125.

Page 24: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

21

Assim, enquanto a correlação descreve, de forma generalista, uma associação

frequenteentredoisacontecimentos,associaçãoessaquepodeounãosercausal,da

causalidadededuz-seespecíficaenecessariamenteumnexológico,consequenciale

diretoentredoiseventos,encontrando-seoseuentendimentosubjacenteatodoo

pensamentohumano,naturalmentepredispostoparaaidentificaçãodepadrõese

sequênciasnasuacompreensãoeanálisedosfenómenosdomundoexterior,sendo,

porisso,aobservaçãoeverificaçãodasrelaçõescausaisumelementofundacionale

primáriodetodasasCiências.

NaFilosofia,noséculoIVa.C.,Aristótelesfoioprimeiroautorocidentalapensarea

tentar definir o conceito de causalidade. Segundo o filósofo grego, a análise dos

eventosconcretosverificadosnomundosempredeveriaserfeitaatravésdalente

dapergunta“Porquê?”,aqualteriarespostaatravésdeexplicaçõesdequatrotipos

-amaterial,aformal,adeeficiênciaeafinal17.

Nestestermos,aexplicaçãodeeficiênciacorrespondeàidentificaçãodomovimento

inicial que funcionou como fonte originadora de determinado fenómeno ou do

ímpetoquecausouamudançaefetivamenteverificada,istoé,acausaeficientedo

evento,servindoporissoaquestãodacausa-efeitocomoabaseteóricadoterceiro

tipodeexplicaçãodeAristóteles.

Já após o período da Idade Média, o filósofo David Hume, na obra Tratado da

Natureza Humana, de 173818 , defendeu que a mente humana não se encontra

capacitadaparaobservardiretamenteasrelaçõesdecausalidadejáqueapenassão

observáveisosacontecimentosemsienãoarelaçãoqueentreestesseestabelece,

relaçãoque,assim,apenasseconfiguracomoprodutodeumaoperaçãomentalde

inferência com base num hábito humano de associação regular de dois eventos,

entendendo este autor, desta forma, a causalidade como uma consequência do

mundoempíricoedassuasregrasnaturaisenãocomooseu fundamentológico,

presenteabinitio.

17EmAristotle'sTwoSystems,deDanielW.Graham,na2ªediçãodaClarendonPress,de1990,naspáginas267a275.18Na11ªediçãoinglesadaDoverPublications.de2003,ATreatiseofHumanNature,naspáginas102a147.

Page 25: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

22

Paraestefilósofo,afirmarumarelaçãodecausalidadeentredoiseventos,dizendo

queAcausaB,significaqueoseventosAeBestãounidosde formapermanente,

existindoumaconexãonecessáriaentreambos,queapenassepoderáafirmarsese

verificarem,cumulativamente,váriosrequisitos:

i.Existeumaligaçãoespácio-temporalentreoseventosAeB;

ii.OeventoAocorreantesdoeventoB;

iii.OseventosAeBencontram-seuniversalmenteassociados.

Acrescentaaindaqueamesmacausaterásemprededarorigemaomesmoefeito,

nunca se verificando a ocorrência do efeito por causa diferente, requisito a

confirmarpelasregrasdosensocomumedaexperiência,aplicadasàreflexão,sendo

que,nocasoemquedediversascausaspossaresultarfenómenodomesmotipo,tal

significaquetodasessascausaspossuirãoumaqualidadecomumessencial,mesmo

queestaaindanãotenhasidoidentificadapeloobservadorhumano,quepermitea

causaçãodomesmoresultado.

EstavisãovalorativamentemaiscéticacontrastacomadofilósofoImmanuelKant.

Na obra Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura, de 1783 19 , expressa o

entendimentodequeasrelaçõesdecausalidadesão,àpartida,essenciaisparaque

amentehumanapossaobservareentenderalógicatemporalesequencialdeum

conjunto de eventos. Para este autor, uma vez que tudo na natureza acontece

conforme leis fixas e irrevogáveis, um acontecimento terá sempre uma causa

determinada. Assim, defendendo que a objetividade lógica se constitui comoum

princípiouniversal,acausalidadeserásempreumaverdadeapriori,sendodepoisa

experiênciahumanamoldadaporesta,comoresultadoeemconsequênciadasua

abrangênciaeexpansãocategórica.

NoséculoXX,oautorJohnStuartMill,comapublicaçãodasuainfluenteobrade

1843 Sistema de Lógica Dedutiva e Indutiva 20 , defende a insuficiência, para a

afirmaçãodaexistênciadeumarelaçãodecausalidade,docarácterdeassociação

19NapublicaçãobrasileiradaEdições70,de2008,naspáginas31a49.20Na1ªediçãoinglesaASystemofLogic,RatiocinativeandInductive,anotada,daCreateSpaceIndependentPublishingPlatform,de2015,naspáginas288a315.

Page 26: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

23

regularehabitualentrecausaseresultadosdeterminados,argumentadosersempre

necessárioqueestaassociaçãosejaincondicional.

Para que uma associação entre causa e resultado se possa afirmar como

incondicional, será necessário que a verificação do resultado em apreço não se

apresentedependentede fatoresadicionais,de formaaquetaleventonãopossa

ocorrer,damesmaforma,porforçadediferentesfatorescontributivos,paraalém

daqueles observados no caso concreto. Nesta sequência, define assim aquele a

relaçãodecausalidadecomoumasucessãoinvariáveldeleisnaturais,acrescentado,

comomáximasdefuncionamentoeobservaçãodacausalidademetafísicaque:

i. Todososeventostêmcausas,

ii. Cadaeventoterásempreumnúmerolimitadodecausas,

iii. Asmesmascausasdãoorigemaosmesmosefeitoseosmesmosefeitosterão

sempreasmesmascausas.

Étambémseuoméritodacriaçãodosmétodosfilosóficosdeinferênciadecausas,

emparticularométododaconcordânciaeométododadiferença,defuncionamento

pressuposto e ideal em ambiente de experiências controladas. Nos termos do

primeiro,observadoscasosdiversosemqueomesmofenómenoocorreemcadaum

deles,deveráidentificar-secomocausaofatorcomumentretodos.Nostermosdo

segundo,observadosdoiscasossemelhantesemquenumdosdoisoresultadotem

lugarenooutronão,acausaseráofactodediferenciaçãoinicialentreambos.

NoséculoXX,oautorMaxBorn21apresentouummodelodecausalidademetafísico

cujo conceito adaptou, em grande parte, a partir das leis científico-naturais e

partindo da inspiração da corrente determinista, definiu a causalidade como a

ligação entre uma causa e um evento observável segundo os princípios da

probabilidade,cujaverificaçãopoderáserfeitadeformaorientadaparaprevisões

futuraspeloobservadorcasoestereúna,apartirdefonteconfiávelecredível,um

númerodedadosnecessárioesuficienteparatalprevisão.

21EmNaturalPhilosophyOfCauseAndChance,na2ªediçãodaAndesitePress,de2017,naspáginas36a58.

Page 27: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

24

Também jánesse século,o filosofoBertrandRussell22, apresentouadefiniçãode

causalidadeatualmenteaceitedeformageneralizadanestasuadisciplina;também

inspiradopelopensamentodefundamentodeterministaereconhecendooconceito

decausalidadecomoumanecessidadecategóricadopensamentohumano,afirmaa

sua verificável presença comoregraa priori segundo a qual a ocorrência de um

evento inicial, de forma teórica, prevê necessária e causalmente um evento

posterior.Assim,defende,acausalidadeéumacategoriadopensamentosemaqual

nenhuma ciência racional seria possível ou praticável, já que a existência e o

reconhecimentodasrelaçõescausa-efeitoentreacontecimentosservedepontode

partida,bemcomodejustificação,atodoopensamentológicoemetódico.

3.2.ACAUSALIDADE:CONCEITOJURÍDICO

A partir do estudo da importante inovação conceptual, assim como das

contribuiçõescientíficasefilosóficas,constituídapelanoçãodecausalidade,estão

reunidas as condições ideais para a apreciação desta como conceito jurídico

estruturanteecentralnaanálisedatipicidadeobjetiva,essencialemrelaçãoauma

dasformasderealizaçãodotipoincriminador.Naverdade,enquantooscrimesde

mera atividade, ou crimes formais, são consumados de forma direta e singular

atravésdaprópriacondutadoagente,semqualqueroutraexigênciaadicionalao

níveldo tipo, já emrelaçãoa todosos crimesmateriais, tambémdesignadospor

crimesderesultado,ésemprenecessárioqueseobserve,apósecomoconsequência

daatividadedoagente,aocorrênciadeumevento lesivo,daquelaautónomo,em

termostemporaiseespaciais,constituindo-seoresultadomaterialcomo“elemento

dotipodeilícito”23.

Destemodo,acondutadoagenteeoeventoefetivamenteverificado,sendoestea

lesãodobemjurídicoemapreçoou,emmenorgrau,aameaçadasualesão,nocaso

dos crimes de perigo concreto, são categorias conceptuais distintas, cuja dual

22EmOurKnowledgeoftheExternalWorldasaFieldforScientificMethodinPhilosophy,na3ªediçãodaCornellUniversityLibrary,de2009,naspáginas179e195. 23 Expressão do Professor Américo Taipa de Carvalho, em Direito Penal, Parte Geral, QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,na2ªediçãodaCoimbraEditora,de2008,napágina301.

Page 28: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

25

existênciaéexigidanaconsumaçãodetodososcrimesmateriaiseparaorespetivo

desvalorjurídicodoresultadoverificado,paraalémdodesvalordaprópriaaçãodo

agente.

Comojáapresentadoejustificado,aformaespecíficaderealizaçãodotipoatravés

de factoomissivonãoéobjetonempertenceaoescopodapresenteDissertação,

opçãoquesetomoucomoobjetivodepermitirqueainvestigaçãodasidentificadas

problemáticas em sede de imputação objetiva seja aprofundada de forma mais

exaustiva e atenta relativamente aos crimes em que há comissão por ação, por

pessoas singulares, ao invés de pretender alargar-se apenas na sua extensão,

abrangendotodasascategoriasdeestudopossíveis.

TendoemcontaoprincípiodasubsidiariedadedoDireitoPenaleoseucoroláriode

queesteapenasdisciplina comportamentoshumanosevoluntários, temosqueo

estudodaimputaçãoobjetivaéessencialparaquepossamserapuradostodosos

requisitosexigíveisparaque sepossaafirmarqueumdeterminadoresultado foi

produzido por uma ação concreta, funcionando juridicamente os critérios da

imputaçãoobjetivadepontedeligaçãojurídicaentreaaçãodoagenteeoresultado,

resultadoessequeapenaseporcausadonexodeimputaçãoobjetivaestabelecido

sepodeatribuirjuridicamenteàcondutainicialdoagente.

Assim,torna-senecessáriaumaoperaçãomentaldeduplaverificação:emprimeiro

lugar, verificando se o resultado efetivamente se chegou a produzir de forma

completanomundoexterior,oquenãoacontece,nomeadamente,noscasosdemera

tentativae,sóapósessaconfirmação,constatandoseoresultadoproduzidodeverá

serjuridicamenteatribuídoàaçãodoagente.

Nesse primeiro nível dogmático, a atribuição é feita através do conceito da

causalidade.

Oconceitocientífico-naturaldecausalidade,emdestaquenoestudodosubcapítulo

anterior, deverá assim funcionar como a categoria base da imputação objetiva e

requisito mínimo desta, em termos iniciais, devendo a conexão da conduta ao

Page 29: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

26

resultadoseranalisadaatravésdamáximadeque“aaçãoháde,pelomenos,tersido

acausadoresultado24”.

Paralelamente, para além de funcionar como sua “fundação teleológica" 25 , a

causalidade naturalística serve também de limite inultrapassável à imputação

objetiva.Talcircunstâncianãoseconstitui,detodo,comoafirmaçãoparadoxaluma

vezquenãoserácontrárioafirmaroseucarácterdepatamarmínimoexigívelde

imputaçãoede,simultaneamente,fundaçãodesentidovalorativomáximodesta,já

que, através do chamamento e aplicação da noção de causalidade à temática da

imputaçãoobjetivaemDireitoPenal,estaoperatantocomosuabasefundacional,

como sua baliza delimitadora, dando corpo e justificação primária à imputação

objetivae,aomesmotempo,edeformacategórica,impedindo-adeavançarpara

alémdoconteúdojurídicodaqueleconceito.

Ultrapassadooperíodohistórico26emqueaimputaçãodeumeventoaumagente

era feita, exclusiva ou quase exclusivamente, com base em superstições e

misticismoseatravésdaaplicaçãodejuízosfalaciosos,autilizaçãodacausalidade

na análise da imputação objetiva apresenta-se como passo essencial e

transformadornoâmbitodaestruturaclassificativadeumaaçãocomocrime,sendo

apenasdepois,sobreos fortesalicercesda confirmaçãoda tipicidadeobjetivada

açãodoagente,queoexamedetodasascategoriasposterioresrelativasaatribuição

subjetiva, ilicitude, culpa e punibilidade poderá, de forma lógica e coerente, ser

efetuado.

24ExpressãodoProfessorJorgedeFigueiredoDias,emDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaCoimbraEditora,de2007,napágina322.25 Tal como determina o autor alemão Richard Honig, em Causalidade e Imputação Objetiva, emHomenagemaReinhardvonFrank,porocasiãodoseu70ºaniversárioem1930,daEditoraMohr,naspáginas173e174. 26DescritoeanalisadonoCapítulo2destaDissertação.

Page 30: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

27

3.2.1.ATEORIADASCONDIÇÕESEQUIVALENTES

a)AFORMULAÇÃODACONDITIOSINEQUANON

Ateoriadascondiçõesequivalentesconstituiaprimeiraformulaçãoteóricadeum

critériogeraldeimputaçãoobjetivabaseadanoconceitodecausalidade.

PropostapelosautoresJuliusAntonGlasereMaximilianVonBuri27,foiintroduzida

nopanoramajurídicoeuropeuemmeadosdoséculoXIX,definindo,nosseustermos,

como causa de um evento todas as condições essenciais à sua ocorrência.

Adicionalmente, sendo o resultado produzido encarado como um todo uno e

singular, não repartível, todas as condições devem ser entendidas em pé de

igualdade,ouseja,nãosósãocausastodasascondiçõesnecessáriascomosãocausas

demesmonível,grauepesojurídico.

De acordo com a sua formulação, de forma a poderem ser determinadas as

condiçõesditascausais,deveráserefetuadoumjuízodeeliminaçãonosseguintes

termos:tomandocomopontodepartidaoresultadoefetivamenteverificado,deve

olhar-seopassadoeobservarquaisascondiçõesabsolutamentenecessáriasparaa

verificação daquele evento lesivo, eliminando cada uma de forma singular e

constatandose,emcadacircunstância,oresultadoteria,aindaassim,ocorrido.Se

nãosepuderafirmarcomcertezaqueaocorrênciaterianamesmatidolugar,tal

significaqueessacondutaéumaconditiosinequanondaqueleresultado,istoé,uma

condição causal relevante para efeitos de imputação objetiva, implicando, assim,

umaconvergênciaquasetotalentreasnoçõesdecausaede“condiçãosemaqual

não pode ser”, para efeitos do estabelecimento donexo de causalidade nos seus

termos.

Areferidaconvergênciaresultantedaaplicaçãodateoriadaconditiosinequanon

nostermosdescritos,comomáximaúnicadaimputaçãoobjetivaemDireitoPenal,

apresenta vários problemas, sendo alvo do que acreditamos serem justificadas

críticas:

27Na obraÜber KausalitätUnd Deren Verantwortung, consultada na 6ª reimpressão da University ofMichiganLibrary,de1987.

Page 31: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

28

i.Aoafirmarcomocausadeumresultadotodaacondiçãoessencialàsuaocorrência,

esta teoria sempre irá trazer à colação todas as condições, mesmo as mais

longínquaseafastadas,verificadasnoprocessocausal,peloque,comoconsequência

lógica desta circunstância, por mais distante, temporal e espacialmente, que se

encontre tal condição, esta será ainda assim relevante em sede de imputação

objetivadesdequenecessáriaparaaproduçãodoresultadoverificado,nãoobstante

as possibilidades concretas de a relação de causalidade se dever considerar

interrompida.Estacríticamantém-semesmoqueexcluídosdoseuâmbitorelativo

àsuaexcessivaextensãoteórica,juízosimprocedenteseincoerentescomoescopo

doDireitoPenalcomoosderegressãoinfinitaquelevam,porexemploàimputação

deumresultadoaosascendentesfamiliaresdoagente.

ii. Ométodo de aplicação desta teoria, através da subtraçãomental de todas as

condições e verificação de quais as que se apresentam como absolutamente

essenciaisparaaproduçãodoresultado,nãoéumsistemadotadodecapacidadede

aplicaçãogeraleabstrataemrelaçãoatodasasdiversasproblemáticasinerentesàs

questões da causalidade, não tendo aplicação satisfatória, nomeadamente, nas

situaçõesemqueseobserveaexistênciadeconcursodecausas,querseapresente

estenosseustermosreais,quercomodeformaaparenteouvirtual.

Naverdade,ométododa supressãomentaldepara-se com fortesdificuldadesna

obtençãoderespostaprecisaecerta,necessáriaàresponsabilizaçãodequalquer

agenteemDireitoPenal,umavezque,baseando-seaaplicaçãodestenacolocação

dapergunta“senãosetivesseverificadoaexistênciadestacondição,oeventoteria

aindaassimocorridodaquelaforma?”edeparando-seojulgador,porexemplo,com

a existência de um resultado e com a verificação de dois ou mais cursos de

causalidade que decorreramparalelamente e com aquelemesmo fim, ou com a

circunstânciadeumprocesso lesivo iniciadoporumagenteterporoutro,ouaté

pelamãodaprópriavítima,sidoperturbadodeformadiretaduranteoseudecurso,

ojuízomentaldesubtraçãológicanãosereputacomosuficienteparaaacomodação

detaiscircunstânciasnoâmbitodasuaanálisedeimputaçãoobjetiva,anteslevando

ajuízosexcessivoseinsatisfatórios28.

28TemasdesenvolvidoseemdestaquenosCapítulos5e7destaDissertação.

Page 32: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

29

iii.Nassociedadesatuais,inseridasnumcontextodeglobalizaçãoediversificaçãode

riscosparaosbensjurídicos,àverificaçãodeacontecimentoslesivosestão,cadavez

mais, associados processos de causalidade difusa e dispersa por vários níveis

contributivos,bemcomoanecessidadede imputaçãoderesultadosproduzidosa

entes coletivos, em particular, em campos como a ciência genética e a ciência

ambiental.Aatribuiçãotípicaoperadaatravésdateoriadaconditiosinequanonnão

oferecesegurançajurídicanoestabelecimentodeumnexodeimputaçãoobjetiva

nasquestõesinerentesaestetipodesituações,demonstrando-seaextensãológica

doseuâmbitoteórico,quandoconfrontadacomosriscosdifusosemultinivelados

que, numa sociedade global, podem contribuir para a ocorrência de um

acontecimentolesivo,inadequadaparaaobtençãodeconclusõesclarasesuficientes

relativamenteà singularizaçãode causaseagentes,paraefeitosdesuaposterior

responsabilização.

iv.Aoafirmarcomocausadeumresultadotodasascondiçõessemasquaisestenão

seteriaverificado,ateoriadaconditiosinequanon,emtermosextremos,acabapor

levaro julgadoraumaaplicaçãodeargumentaçãocircular, incorrendoemjuízos

tendenciososdepetiçãodeprincípio,pressupondologoainícioaquiloqueapenas

no final poderia vir a concluir, através de uma comprovação metodológica da

existênciadeumnexocausal,paraefeitosdeimputaçãoobjetiva.

b)ACONDIÇÃOEMCONFORMIDADECOMASLEISDANATUREZA

Faceaestascríticas,aaplicaçãodateoriadascondiçõesequivalentesfundadano

conceitodaconditiosinequanon,nostermosanteriormenteexpostos,foi,noinício

do século XX, adaptada pelo autor alemão Karl Engisch na sua obra de 1931,A

Causalidade como Característica das Infrações Penais 29 . Subsequentemente, em

finaisdoséculoXX,osautoresalemãesHans-HeinrichJescheckeThomasWeigend,

em obra conjunta 30 , completaram o trabalho iniciado por aquele autor, desta

29Volume1publicadoeditoraalemãMohr,na1ªediçãode1931.30TratadodeDerechoPenal,ParteGeneral,naediçãoespanholadaeditoraCOMARESde2003,naspáginas50a78.

Page 33: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

30

evoluçãoresultandoaproposiçãodeumateoriadascondiçõesequivalentesjánão

exclusivamentesuportadapelométododesubtraçãoteóricadecadacondição,mas

antesregulamentadapornovocritério,odaconformidadedacondiçãoemapreço

comasleisdanatureza.Destemodo,umaaçãodeveserconsideradacomocausade

umresultado,assimseestabelecendoarespetivaimputaçãoobjetiva,se,analisadas

deformaintuitivaasleisnaturaiseoscritériosdaexperiênciahumana,severificar

queaaçãoemapreçonormalmentesurgeassociadaàqueleresultadoespecífico,no

caso,oeventolesivoproduzido.

Não obstante a sua evolução, a teoriadas condições equivalentes, nestes termos

configurada, mantém ainda o carácter excessivamente abrangente das suas

soluções, agravadodesta feitapela introduçãode inadmissívelgraude incerteza,

associado ao referido procedimento de intuição com base nas leis naturais, na

observaçãoda relaçãoentre aaçãoeo resultado, sendoqueosdados científico-

naturaisnecessáriosparaempregardeformasatisfatóriaestametodologianãosão

qualitativa ou quantitativamente suficientes para a análise das relações de

causalidade em panoramas jurídicos como os característicos das sociedades

atuais31.

c)ACONDIÇÃOGLOBALSEGUNDOASREGRASDAESTATÍSTICAE

DAPROBABILÍSTICA

Aindaperanteocaráctermanifestamente insuficientedoconceitodecausalidade

obtidoapartirdeummodelodeimputaçãoobjetivacomoodescritoemb),jáno

século XXI, a jurisprudência alemã, com destaque para o juiz do Tribunal

Constitucional Federal alemão Winfried Hassemer, e alguns autores espanhóis,

particularmenteFranciscoMuñozConde32,têmvindoareconstruiressecritériode

imputaçãoobjetiva,substituindoaaplicaçãodoconceitodecondiçãoconformeàs

31Talcomocríticaiv..apresentadaemrelaçãoàteoriadascondiçõesequivalentes,combasenaformulaçãodaconditiosinequanon.32NaobraTeoríaGeneraldelDelito,na4ªediçãodaEditorialTirantLoBlanch,de2007,naspáginas124a136

Page 34: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

31

leis naturais pelo de uma condição global, conforme às regras estatística e

probabilísticas33.Nostermosdestaformulação,ocaráctercausaldarelaçãoentre

umaaçãoeumresultadodeveráserdeterminadocomapeloàestatísticaeàsregras

deprobabilidade, apenas sedevendoafirmaronexocausal sea açãoem apreço

surgirassociada,emtermosestatisticamenterelevantes,aoresultadoefetivamente

verificado.

Contundo, não se coaduna a transferência direta de meras probabilidades

matemáticas, por mais altas que estas sejam, para um Direito Penal em que o

princípioindubioproreuébasilarnoâmbitodaresponsabilizaçãodosagentes.Isto

é, embora este método permita afirmar que, num determinado caso, com uma

certezamatemáticaquasetotal,oeventolesivofoicausadopelacondutadoagente,

oespaçopercentualdeincertezaque,mesmoassim,permanecenocontextofactual

sempre deveria funcionar a favor do agente, nunca contra este, devendo antes

conduzirànegaçãodaimputaçãoobjetiva.

Deste modo, não podendo “uma comprovação probabilística de causalidade

constituirmais de que umamerahipótese de causalidade”34, e não se bastando o

DireitoPenalcommerashipóteses,ostermosemquesefundamentaestemétodo,

aplicadosemmaisesóporsi,acabamporcolapsarsobresimesmos.

Todavia,mesmo tendo em conta as referidas críticas de que é alvo, a teoria das

condiçõesequivalentes,atravésdassuasváriasiteraçõesapresentadas,mantém-se

comoumadasfigurascentraisnopanoramadaimputaçãoobjetivaemDireitoPenal,

sendo expressamente consagrada, nomeadamente, no Direito Penal brasileiro 35

determinandooartigo13ºdoseuCódigoPenalque“oresultado,dequedependea

existênciadocrime,somenteéimputávelaquemlhedeucausa.Considera-secausaa

açãoouomissãosemaqualoresultadonãoteriaocorrido”.

33TalcomoexpostopeloProfessorJorgedeFigueiredoDias,naobraDireitoPenal,ParteGeral,noTomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina326.34NaobradoreferidojuizWinfriedHassemer,na1ªediçãoespanholadaEditorialTirantloBlanch,de2012,daobraIntroducciónalaCriminologíayalaPolíticaCriminal,napágina123.35 O tema da imputação objectiva neste sistema jurídico, bem como nos sistemas de common law, éexpandidoeanalisadonoCapítulo8destaDissertação.

Page 35: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

32

NoDireitoPenalportuguês, a aplicaçãoda teoriadas condiçõesequivalentesem

sede de imputação objetiva é, de uma forma generalizada, invocada pela

jurisprudênciaepeladoutrinaemdoisplanosessenciaiseparalelos:porumlado,

reconhecendoaimportânciaenecessidadedoconceitodacausalidadepuraemsede

deimputaçãoobjetivae,poroutro,reconhecendotambémqueeste,porsisóesem

quaisquer valorações adicionais, não é suficiente para o estabelecimento da

imputaçãoobjetiva.

Oconceitodecausalidade,emboraindispensávelaoestabelecimentoeconfirmação

darelaçãotípicaentreaaçãoeoresultado,nãosereputacomosuficiente,deforma

singular, como já apreciado, para a afirmação da imputação no nosso sistema

jurídico-penal.Contudo,faceàsuaessencialidade,sempredeveráfuncionarcomoo

primeiroescalãodeexigibilidadeemsededestamatéria,talcomoajurisprudência

portuguesatemvindoaestabelecer.

Naverdade,noAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade15deMarçode2007,no

Processo07B22036,édeterminadoque“arelaçãodecausalidadeficaliminarmente

afastadaseoatonãofoiconditiosinequanon[doresultado]”,acrescentando,nesse

sentido,oAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade14deJaneirode2004,no

Processo8421/2003-337,que“arelaçãodecausalidadeentreocomportamentoeo

evento, quer se parta da teoria da equivalência das condições, quer do critério da

condiçãoconformeàsleisnaturais,basta-secomaafirmaçãodequeaaçãoéumadas

condições do resultado, ou seja, que a ação co-causou o resultado, não sendo

necessárioqueelasejaaprimeira(ouúltima)condiçãodasuaverificação”.

Desta forma, emboraa aplicaçãoda teoriadas condiçõesequivalentes semostre

insuficiente,emtermosabsolutos,paraaresoluçãodetodasasquestõescolocadas

no âmbito da análise e estabelecimento da imputação objetiva, o emprego do

conceitodacausalidadenaturalcomopontodepartidaepedradetoqueemsedede

atribuiçãotípicaobjetiva,mantém-se,assim,comonormativamenteimprescindível.

36Disponívelemhttp://www.dgsi.pt37Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 36: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

33

4.ATEORIADAADEQUAÇÃO

Identificandoanoçãodecausalidadenaturalcomooseupontodepartidainicial,a

teoria da adequação, também designada por teoria da causalidade adequada,

introduz umnovo e necessário nível normativo no entendimento e aplicação da

causalidadeaoDireitoPenal,comofundamentodaimputaçãoobjetiva.

Naverdade,aocontráriodateoriadascondiçõesequivalentes,comfuncionamento

a partir de umabase exclusiva de observação dos acontecimentos naturalísticos

concretos,ateoriadacausalidadeadequadaéformuladacomoumcritériogerale

abstrato de imputação objetiva, não se bastando com a real existência de uma

relação de causalidade natural. A presença de um nexo de causalidade concreta

entre a ação e o resultado é uma exigência inicial e pressuposto efetivamente

necessário,masnãosuficiente,para,semmais,afirmara imputaçãoobjetivacom

base nesta teoria, sendo depois imprescindível que a relação causal possa ser

confirmadaatravésdocritériojurídicodaadequação.

Oconceitonormativodaadequaçãoeasuaaplicaçãoàproblemáticadaimputação

objetivaconstituem-secomoumainovaçãofundamental,representandoestauma

mudançadeextrema importânciaemrelaçãoaoanteriorparadigma.Nos termos

desteconceito, “paraquesepossaestabelecerumnexoentreresultadoeaçãonão

bastaquearealizaçãoconcretadaquelenãosepossaconcebersemesta;énecessário

que,emabstrato,aaçãosejaidóneaparacausaroresultado,ouseja,queesteseja

umaconsequêncianormaletípicadaquela”38.

DeacordocomoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade14deJaneirode2004,

no processo 8421/2003-3, referenciado no anterior Capítulo, “a relação de

causalidadeentreocomportamentoeoevento,quersepartadateoriadaequivalência

dascondições,querdocritériodacondiçãoconformeàsleisnaturais,basta-secoma

afirmaçãodequeaaçãoéumadascondiçõesdoresultado,ouseja,queaaçãoco-

causouoresultado,nãosendonecessárioqueelasejaaprimeira(ouúltima)condição

dasuaverificação”39.

38EmLiçõesDireitoPenal,ParteGeralI,deManuelCavaleiroFerreira,na4ªediçãodaVerbo,de1992,naspáginas201e202.39Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 37: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

34

Todavia,observadaeagorarealçadaacontinuaçãotextualdoreferidodocumento

jurisprudencial, verifica-se continuar este acrescentando, imediatamente de

seguida,que“afirmadaarelaçãodecausalidade,háqueaveriguarseaimputaçãodo

resultadodeveserexcluídapeloscritériosdaadequação”.

Destaforma,enquantoquenostermosdateoriadaconditiosinequanontodasas

condições contributivas têm omesmo valor, afirmando-se como causa qualquer

condiçãonecessáriaparaaproduçãodoresultadoesemoqualestenãoteriatido

lugar, nos termos da teoria da adequação só se constitui como uma causa

juridicamente relevanteparaefeitosde imputaçãoobjetivaàação, aquelaque se

apresentecomoumacontecimentoque,deacordocomaexperiênciacomum,seja

emabstratoadequadoaproduzirtalresultadoespecífico,surgindoassimessecomo

umaconsequêncianormal,típicaeexpectáveldaquelaação.

Não é que a teoria da adequação funcione ou pretenda funcionar, em termos

dogmáticoseevolutivos,comoumcritériodesubstituiçãodateoriadascondições

equivalentes,antesconstituindooquecremosserasuacorretaevoluçãonormativa,

comintençãodecomplementarizaçãoeaprofundamentodoseusignificadojurídico,

tendo em conta os princípios estruturantes do Direito Penal. O conceito de

causalidadeéelevadoevalorizadoatravésdaexigênciaadicionaldeumcarácterde

idoneidadeedeprevisibilidadedoscomportamentosedassuasconsequências,que

vêm assim acrescer à necessidade de verificação da relação de causalidade pura

entreaaçãoeoresultado.

Paraquecombasenestateoriasepossaestabeleceraimputaçãoobjetivaentrea

condutaeoeventoefetivamenteproduzidonãobastaassimaexistênciadeumnexo

causalentreambos,sendonecessárioque,apriori,oresultadoseapresentasse,de

forma abstrata, como objetivamente previsível como consequência da conduta,

apenasseclassificandocomojuridicamenterelevanteacausaque,deacordocoma

experiênciageral,sedemonstreadequadaàproduçãodaqueleresultado.

NaspalavrasdoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbrade16deJulhode2008,

no processo 46/04. 0GTLRA.C1, “torna-se imprescindível apurar se, tomadas em

contatodasascircunstânciasconhecidasdoagenteeasmaisqueumhomemnormal

Page 38: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

35

poderiaconhecer,aaçãosemostrava,àfacedaexperiênciacomum,comoadequada

àproduçãodoreferidoevento,havendofortesprobabilidadesdeooriginar”40.

Tomandocomopontodepartidaanoçãodecausalidadesimples,nosentidodeque

entreaaçãoeoresultadodevaexistirumarelaçãocausalsegundoasleisnaturais,

éposteriormenteintroduzidopelocritériodaadequaçãoaexigênciadapresença,

na relação causal, de um fator de idoneidade expressa, isto é, partindo de uma

perspetiva geral, aquela do chamado homemmédio comum, para que se possa

afirmaraimputaçãoobjetiva,aaçãotemdeseràpartida,edeformainicialmente

previsível, apta a produzir o resultado específico, que depois efetivamente se

verifica, não sendo assim suficiente que a ação tenha sido causa concreta do

resultado; énecessário, em termosobjetivos,queaação seja causaadequadado

resultado,apresentando-seestecomoaconsequênciaprevisíveleprováveldaquela.

Assim,“afirmadaarelaçãodecausalidade,importadepoisaveriguarseaimputação

objetivadeve ser excluídapelo critérionormativodaadequação,mantendo-se seo

resultado verificado surgia ex ante como previsível e não constituindo ocorrência

anómala ou rara”, tal como estabelecidono Acórdão do Tribunal da Relação de

Lisboade14deJaneirode2004,noprocesso8421/2003-3441.

Destaforma,aaplicaçãodateoriadaadequaçãoparaestabelecimentodaimputação

objetivaemDireitoPenalrequersempreaobservaçãoeoestudodedoisplanos

sucessivos: por um lado, a conformidade com as leis naturais da verificação do

resultadofaceàcondutadoagente,numprimeiroplanonaturalístico,relativoaos

factosconcretos,istoé,aconfirmaçãodequeexisteumarelaçãodecausalidadedita

puraentreosdoiseventosverificadose,sódepois,afirmadaestaconformidade,é

que,atravésdocritériodaadequação,jánoplanonormativo,sedeveapreciarseera

objetivamente previsível, em termos gerais, que aquela relação causal se

concretizasse daquela forma, ocorrendo tal resultado como consequência da

condutadoagente.

40Disponívelemhttp://www.dgsi.pt41Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 39: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

36

A teoria da adequação foi criada e pela primeira vez apresentada comomodelo

jurídicode imputação objetiva em finais do séculoXIX, naAlemanha, pelo autor

Johannes Adolf von Kries 42 . Embora a extensa obra deste autor, psicólogo de

formação,secentre,maioritariamente,nocampodaPsicologiaFisiológica,istoé,“a

neurociência comportamental que estuda os mecanismos da perceção e do

comportamento através da manipulação direta da mente de sujeitos por meio de

experiências controladas” 43 , também contribuiu este, através dos trabalhos que

publicou, de forma inegável e bastante valiosa, para o desenvolvimento de

modernos conceitosessenciais aoDireito, atravésdos seusestudosno campoda

probabilidadeedasfundaçõespossibilísticasdacausalidadehumana.

Adefiniçãodecausaadequada,simultaneamentebaseadanacapacidadenaturale

humanadegerirecontrolarosprocessosnaturalisticamentecausaisenoprincípio

dequeaimputaçãodeumresultadoaumaaçãosóseapresentaráobjetivamente

justificadaseaqueletiversurgido,abstratamente,comoumaconsequênciaprovável

e necessariamente esperada desta, foi inovação deste autor. Este conceito, que

rapidamente foi aceitee aproveitadopela jurisprudênciaeuropeia, com iníciona

EuropaCentraleposteriorextensãoaorestantecontinente,ganhourápidatração

aplicativaeapoiodoutrinaltambémfaceànecessidadeevácuosentidosquantoà

imputaçãoobjetivarelativamenteaoscrimesagravadospeloresultado44.Quantoa

estetipodecrimes,emresultadodaaplicaçãodateoriadascondiçõesequivalentes,

qualificandoestacomocausatodaacondiçãosemaqualoresultadonãotivessetido

lugar,eramestabelecidosnexosdeimputaçãoobjetivatotalmentedesproporcionais

emrelaçãoàscondutasemapreço,acrescendoaindaaestefactoacircunstânciade

osgrausdeculpanãoseremaindatidosemconta,nessaaltura,deformaabsoluta,

aquandodapenalizaçãodestescrimes,porcomparaçãocomoatualquadropenal

emqueérequisitonecessárioaverificaçãodocometimentopeloagentedocrime

inicialatítulodolosoedocrimeconsequenteatítulonegligente.

42 Na sua obra Sobre o Conceito de Possibilidade Objetiva e Algumas Aplicações do Mesmo, de 1889. 43EmBiopsicologia,deJohnP.J.Pinel,2004,na9ªediçãodaPearson,de2013,napágina12344TalcomoindicadopelaProfessoraHelenaMoniz,emAgravaçãopeloResultado?-ContributoparaumaAutonomizaçãoDogmáticadoCrimeAgravadopeloResultado,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2009,naspáginas132a135.

Page 40: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

37

A invocação e aplicação da teoria da causalidade adequada permitiu proceder à

necessáriacorreçãodestetipodesituações,sendoque,emPortugal,estateoriaé

adotada de forma expressa, encontrando-se consagrada tanto positiva com

negativamente,istoé,tantoatravésdasuaformulaçãopositiva,maisalargada,como

atravésdaformulaçãonegativa,maisrestrita.

Naverdade,aformulaçãopositivaencontraoseuâmbitodeaplicaçãoeexpoente

máximonoDireitoPenal,nostermosdoprincípiogeraldonúmero1doartigo10º

doCódigoPenal,quedispõeque“quandoumtipo legaldecrimecompreenderum

certoresultado,ofactoabrangenãosóaaçãoadequadaaproduzi--locomoaomissão

daaçãoadequadaaevitá-lo,salvoseoutraforaintençãodalei”.

Estediplomaconsagradiretaepositivamenteateoriadaadequação,combasena

noçãodequedeveráserafirmadaaimputaçãoobjetivaentreoresultadoeaconduta

do agente sempre que se verifique a existência de uma relação causal adequada

entreosdoiseventos.

Numaoutraperspetiva, segundoa formulaçãonegativadesta teoria, “o factoque

atuoucomocondiçãododanodeixadeserconsideradocomocausaadequadaquando

para sua produção tiverem contribuído definitivamente circunstâncias anormais,

excecionais,extraordináriasouanómalasquetenhamintercedidonocasoconcreto”,

talcomodeterminaoAcórdãodoSupremoTribunalde Justiçade01de Julhode

2003,noprocesso03A190245.

Defacto,aleicivil,noartigo563ºdoCódigoCivil,adotouaformulaçãonegativada

teoria, partindo esta da afirmação inicial da existência de uma relação causal e

implicandodepoisa averiguação relativamentea se,no caso concreto, a açãodo

agente“apenassetornoucausadodanoefetivamenteverificadoporcircunstâncias

extraordinárias, sendo na natureza geral dos acontecimentos normalmente

indiferenteparaaproduçãodaqueledano”46,casoemqueaimputaçãonãodeverá

serafirmada,oquesignificaque“namodalidadenegativa,prescindindo-sedanoção

deprevisibilidade,deimediaçãoouexclusividade,umfactoqueatuacomocondiçãosó

45Disponívelemhttp://www.dgsi.pt46DasObrigaçõesemGeralI,doProfessorJoãodeMatosAntunesVarela,na9ªediçãodaAlmedina,de2017,naspáginas743a744.

Page 41: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

38

deixarádesercausadodanodesdequesemostreporsuanaturezadetodoinadequado

e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou

excecionais”,nostermosdoquedeterminaAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiça

de18deDezembrode2013,noprocesso1749/06.0TBSTS.P1.S147.

Aformulaçãopositiva,normativamentemaisamplafaceaoseucarácterobjetivode

procuradeafirmaçãodaimputação,enãodefatoresmotivadoresdasuaexclusão,

é, como se disse, a solução legal consagrada do Direito Penal Português. Assim,

apenasdevendoserestabelecidaessaatribuiçãotípicanoscasosemque,apriori,a

conduta do agente se apresente como adequada a produzir aquele resultado, o

funcionamentoprático-normativodestecritérionecessitaderecorreraummétodo

específico para a aplicação do seu critério normativo aos factos concretos,

verificados no plano naturalístico. Esse método é o juízo de prognose póstuma,

tambémdesignadocomojuízoexante.

ComodispõeoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode28deJunhode2000,no

processo0040170,“aprevisibilidadeemconcretodarealizaçãodofactosósepode

afirmarquandoesteeraconsequênciatípica,normalouadequadadacondutalevada

acabopeloagente”48,peloque,paraquesepossadeterminarseeraprevisível,a

início, que aquela conduta conduzisse à produção do evento lesivo efetivamente

verificado,énecessárioprocederaumaoperaçãomentalderetrocessoàscondições

iniciaiseprimáriasdoagentenomomentoemqueestepraticouaação,deformaa

poderseranalisadoocarácterdeprevisibilidadeeadequaçãodaproduçãodeuma

cadeiadeeventos,iniciadapelareferidacondutadoagente,daqualvemaresultar,

no final,oacontecimento lesivodobemjurídico.Paratal,necessitao julgadorde

realizar a uma “viagem no tempo”, voltando atrás e colocando-se nas mesmas

condiçõesecomosmesmoconhecimentoscomqueoagenteseencontravamunido

noprecisomomentodapráticadaação,paradepoisavaliarse,nessestermosede

uma forma geral, seria razoavelmente de esperar que o resultado assim se

materializasse.

47 Disponívelemhttp://www.dgsi.pt 48Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 42: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

39

Arazoabilidadenecessáriaparataléaquelaquepoderiaserexigidaaodenominado

homemmédiocomum,oquetraduzamedidageraldaexperiênciapráticaedosenso

comum,funcionandocomodenominadormáximodoquenecessariamentepodiaser

exigido a qualquer agente, de forma suficiente, naquela situação. Destemodo, a

referidaviagem temporal teráainda semprede ser feita comesta “bagagem”;de

forma a confirmar se deverá ser feita a imputação objetiva entre o resultado

verificadoeaaçãodoagente,ojulgadorterádeolharparaopassado,pormeiode

umaprognosequeéassimpóstuma,porquerealizadaapósaocorrênciadosfactos,

paratalutilizandoosconhecimentoseascondiçõesintelectuaisedaexperiênciade

umcidadãocomum,casoesteseencontrassenasmesmascircunstânciasconcretas

daqueleagente.

Aidoneidadeabstratadaaçãodoagenteparaproduziroresultadoemapreçonão

deverá por isso ser enquadrada em termos absolutos, sendo que essa

previsibilidade concreta deve ser determinada “pelas regras da experiência dos

homens ou, até, nalguns casos, pelas regras da experiência de um certo tipo de

profissionaldehomem”49.

Acresce-sequenãoéafirmaçãoparadoxalaindicaçãodequeojuízonecessáriopara

aplicação da teoria da adequação é um juízo ex ante ou um juízo de prognose

póstuma;porumladoéexante,ouseja,edeformaliteral,umjuízo“doantes”,uma

vezqueénecessárioaojulgadorobservarapenasascondiçõesconhecidasnaaltura

e naquelas circunstâncias pelo agente, não empregando os conhecimentos já

necessariamente obtidos após a verificação do evento (ex post). Por outro lado,

estando o resultado já verificado, num plano espácio-temporal passado, é

necessário, postumamente à sua ocorrência, voltar atrás, ao contexto

correspondenteaoiníciodoenquadramentocircunstancialdoseventosverificados,

eefetuarumaprognose,istoé,umprognósticosobreseeraounãorazoavelmente

previsívelenormalquedacondutapraticadasobreviesseoeventolesivoemapreço

e que, no momento presente, se tem já conhecimento de que efetivamente se

verificou.

49TalcomooProfessorEduardoCorreiadeterminanasuaobraDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaAlmedina,de1971,napágina426.

Page 43: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

40

Adicionalmente, na avaliação da adequação da ação do agente para a produção

daqueleresultado,pelojuízodeprevisibilidadeexanteouporprognosepóstuma,

atravésdamétricadohomemmédiocomum,temtambémdesertidaemcontaa

possibilidadedeexistênciadeconhecimentosindividuaiseespeciaisporpartedo

agente.Estesserãoconstituídosportodososconhecimentosadicionais,paraalém

daqueles que correspondem ao denominador comum da experiência geral do

homem,queumagenteespecíficoefetivamentepudesseternassuascircunstâncias

concretas, nomeadamente face à sua relação com a vítima ou possíveis

conhecimentos científicos detidos, já fora do plano de senso comum geral,

conferindoaoagenteuma“vantagem”criminosaemtermosdeprocuraeobtenção

doresultado.

Assim, a teoria da adequação, embora partindo do conceito de causalidade

naturalísticaparafundamentarasuaformulação,possuindodessaformaumasólida

fundação factual, aplica no estabelecimento da imputação objetiva, método

valorativonormativamentefundamentado,fortalecendooseuescopoelegitimando

juridicamenteosresultadosdasuaaplicação.

Naverdade,edeformaesquematizada,paraaanálisedanecessidadenormativade

estabelecimento da atribuição típica através desta teoria, deve proceder-se da

seguinteforma:

1. Noprimeiromomento,aconfirmaçãodaexistênciadeumarelaçãocausal

nocasoconcretoentreacondutadoagenteeoresultadoverificado,ainda

semvaloraçãojurídica;

2. Nosegundomomento,apósaconfirmaçãodaexistênciadarelaçãocausal

concreta que liga aaçãodoagente aoevento lesivo, aobservaçãodesse

nexocausalatravésdocritériodaadequaçãoabstrata,averiguandoseera

previsível,típico,normalenãoextraordinárioqueoresultadosurgissepor

efeitodaconduta.

Page 44: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

41

Deste modo, para possibilitar a averiguação relativa à previsibilidade típica do

resultado,temojulgadorderecorreràsregrasdaexperiênciageral,nãopodendo

serexigívelaoagentenemmaisnemmenosdiligênciasdeprevisãodoqueasdo

referidopadrãomédio,derivadodosensocomumhumano.Adicionalmente,jánão

num plano abstrato mas ainda normativo, têm ainda de ser analisadas as

circunstânciasprópriaseindividuaisdoagente,relativasàeventualexistênciade

conhecimentos especiais deste, que lhe possibilitassem efetuar um prognóstico

objetivode concretizaçãodo resultadomaisalargado, sendoque, afirmadaa sua

presença, deverão esses conhecimentos ser adicionados aos que traduzem e

representam o senso comum geral, traduzindo este de forma geral o que seria

razoávelesperarqueacontecenumasituaçãodaqueletipo,faceàcondutapraticada.

Assimexpostaseanalisadasaevoluçãohistórica,aconsagraçãolegaleométodo

de aplicação e funcionamento da teoria da adequação, cumpre proceder à sua

apreciaçãocrítica,nomeadamenteatravésdaobservaçãodasquestõesinvocadas

por parte da doutrina relativamente aos termos da composição teórica do seu

métodoeasrespetivasconsequênciaspráticasdessascríticas.

i. Alguns autores, com destaque para o Professor Jorge de Figueiredo Dias 50 ,

invocam o facto de o âmbito de aplicação da teoria da adequação se mostrar

insatisfatórioparafazerfaceatodasasatividadesessenciaisaofuncionamentode

uma sociedade globalizada, algumas das quais inerentemente perigosas. Na

realidade, a convivênciamoderna resulta na prática de condutas que implicam

verdadeiroseconcretosperigosparaosbens jurídicosprotegidosedotadosde

dignidadepenal,sendoestes,todavia,emgeralaceitespelascomunidadesporse

mostrarem socialmente necessários ao funcionamento prático e contínuo

desenvolvimentodasociedade.

Concretizandoestacrítica,sãoinvocadasatividadescomoacirculaçãorodoviária,

o transporte de substâncias perigosas, as intervenções médicas arriscadas, as

tecnologias genéticas e intervenção humana e consequente modificação dos

50 Na sua obra Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, na 2ª edição da Editora Coimbra, de 2007, na página 331 e seguintes.

Page 45: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

42

ecossistemasnaturais.Afirmamosseuscríticosquearealizaçãodestasatividades

comporta a prática de atos que, segundo um critério de adequação e de

previsibilidade abstrata, são suscetíveis de causar lesões aos bens jurídicos

envolvidos,entrandoassimtaladequaçãoobjetivaemconfrontocomocarácter

permitidoedeaceitaçãogeneralizadadestasatividades.Talsignificaque,embora

asaçõesnecessáriasàpráticadestasatividadessejamlegalmentetoleradas,visto

seremosperigosinerentesàsuaprossecuçãoencaradoscomoessenciaisparao

seudesenvolvimento,constituem-setambémessascondutascomoobjetivamente

adequadas,tendoemcontaoexpostocritérionormativo,paracausaroseventos

lesivosque,comomaioroumenorfrequência,sempreseacabamporverificarno

âmbitodasindicadasatividades.

Nestes termos, a teoria da adequação perderia a abrangência necessária para

funcionarcomomodelonormativoglobaldeimputaçãoobjetivaemDireitoPenal,

conduzindoàafirmaçãoda imputaçãoderesultadosàsaçõescompreendidasno

âmbitodasatividadesdescritas,nãosecoadunandotalpossibilidadedeatribuição

como factode estas serempela lei permitidas, istoé, impondoa afirmaçãoda

tipicidadeobjetivade consequências lesivasdeaçõescujapráticaésocialmente

aceite e permitida pela lei e cujo impedimento por esta traria consequências

desvantajosas e impeditivas do normal funcionamento da vida integrada em

comunidade.

Emborasecompreendaovalorargumentativodestacrítica,nãosepodedeixarde

discordarcomoseualcance,recordandoque,nessescasos,desdequeasaçõesem

apreço sejam praticadas com o cuidado devido e exigível pelos seus próprios

campos práticos, sempre se encontrarão em falta, em princípio, os elementos

necessários à afirmação da imputação subjetiva, não se podendo observar

verificadoodesvalordaação.

TalcomodeterminaoProfessorManuelCavaleirodeFerreira51, “pertencendo o

desvalorderesultadoeodesvalordeaçãoaoilícito,semdesvalordeaçãonãohá

ilícito,emborapossahaverilícitosemhaverdesvalorderesultado”,talsignificando

que “nunca pode haver ilícito sem desvalor de ação, isto é, sem ação dolosa ou

violadoradodeverdecuidado”.

51NasuaobraLiçõesdeDireitoPenal,ParteGeralI,ALeiPenaleaTeoriadoCrimenoCódigoPenalde1982,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2009,napágina299.

Page 46: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

43

Embora a ilicitude constitua categoria qualificativa diversa, será importante,

mesmoassim,trazê-laàcolaçãonaapreciaçãodacríticaemanálise,vistoque,tal

como enunciado no excerto suprarreferido, para que uma ação possa ser

consideradailícitaestaterádeser,àpartida,penalmentedesvaliosa,sendoesse

carácteraferidoatravésdanecessidadedeafirmaçãodeimputaçãosubjetiva,nos

termos gerais do artigo 13º do Código Penal. Pense-se, por exemplo, no caso

clássico utilizado para ilustrar a crítica da suposta insuficiência dogmática da

teoriadaadequação,odeacidenterodoviárioemconsequênciadefenómenode

aquaplanagem, causando este lesões físicas a peão que se encontrava no local.

Desdequeorespetivocondutortenhacumpridoasimposiçõeslegaisdecuidado,

praticandoconduçãodiligenteedefensiva,asuaaçãonãopoderáserconsiderada

comodesvaliosa,nuncasechegandoacolocar,assim,esemmais,aquestãodasua

ilicitudefaceàinexistênciadoseudesvalorintrínseco,tornando-seaquestãoda

eventualafirmaçãodaadequaçãodeaçãoparaaproduçãodoresultadoirrelevante

noquadroglobaleclassificativodofactodoagentecomocrime,nãopodendotal

condutaserentendidacomodotadadedesvalorpenal.

ii.Indicadaétambémacircunstânciade,emboraateoriasepretendaestabelecer

comoumcritérioglobaleobjetivoparaaanálisedaimputação,pecarnoentanto

por necessariamente incluir no seu âmbito a intervenção e funcionamento de

elementos totalmente subjetivos, em particular, os possíveis conhecimentos

especiais do agente, conferindo ao critério uma vertente já fora do âmbito da

própriafiguradaadequaçãonosseustermosgerais,implicandoaintroduçãode

elementospessoaiseindividualizadoresnaaveriguaçãodaimputaçãoobjetiva.

Estaéumacríticaquenospareceválida,acrescendo-lheofactodeainclusãodeste

elementodesubjetividadedificultarasuaprovaemjuízo,vistocorresponderem

estesconhecimentosaelementospessoaisetotalmenteintelectuaisdoseuagente,

podendo, assim,nemsequer chegaraserdo conhecimentodo julgador,sempre

dependendo, todavia, da prova que destes for feita e apresentada, e sempre

considerando o princípio da livre apreciação da prova bem como o essencial

princípiodoindubioproreo.

Page 47: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

44

iii. Acrescenta-se ainda, nos termos desta apreciação, que a velha máxima,

preconizadaporSirArthurConanDoyle,deque“Itiseasytobewiseaftertheevent”

tambémdeverá ser tidaemconta na análise e,principalmente,na aplicaçãoda

presenteteoria.

Na verdade, depois do resultado já se ter efetivamente verificado, sempre

constituirátarefateóricademaiordificuldadeanegaçãodaprevisibilidadeinicial

dasuaconcretização,sendoque,emtermosretrospetivos,circunstânciasque,no

momentopresente,seapresentamcomomaisóbviaseevidentespodiamnãooser,

damesmaforma,ainício,istoé,nomomentodapráticadoato.

Sempre se dirá, todavia, que, sendo a presente teoria constituída a partir da

normatizaçãodoconceitodeadequaçãosocial,aintervençãodamétricaglobalda

experiência,pelabitolaepadrãodohomemmédiocomum,colocadonasituação

em apreço, resolverá, em princípio, a possível tendência para o revisionismo

inerente ao pensamento humano linearmente cronológico, encaminhado o seu

discernimento analítico para os necessários termos objetivos do correto

funcionamentodateoriadaadequação.

Page 48: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

45

5. O CONCURSO REAL DE CAUSAS NA PRODUÇÃO DO RESULTADO: A

CAUSALIDADECUMULATIVAEACAUSALIDADEALTERNATIVA

Osprocessoscausaishumanoscomrelevânciajurídico-penalpodemserdevários

tiposeassumirváriasformas,sendoque“comoonexocausaléelementodofacto

típico, a concorrência de causas é concorrência de ações na produção domesmo

resultado”52.

Umdosmaisimportantesdessescontextosdecausalidadepluraléaqueleemque

estaseestabeleceverificando-seapresençademúltiplascausasreaiseefetivasna

produçãodeumresultado,atuandoestasdeformaefetivamenteconcorrente,quer

seconfigurandoestasnumcircunstancialismodecausalidadecumulativa,querde

causalidadealternativa.

5.1.ACAUSALIDADECUMULATIVA

Verifica-se a existência de causas cumulativas nos casos em que um resultado

apenassetenhaverificadopelaexistênciaconjuntaesimultâneadeváriascausas

que,porseencontraremcombinadas,permitemamaterializaçãodoevento.

Nas palavras da Professora Fernanda Palma, existe causalidade cumulativa

quando“oevento típicoéprodutodemúltiplascausas, sendocadaumaporsi só

insuficienteparaproduziroresultado,oquepodeparalisaraimputação”53.

Destaforma,noscasosdeverdadeiracausalidadecumulativa,seapenasumadas

causas concorrentes se tivesse verificado não teria sido possível, naquelas

condições,obteroresultadoproduzido,sendoqueapenasacumulaçãofácticadas

forças conjugadas de cada ação permite a causação efetiva da ocorrência em

apreço.

52TalcomoensinaoProfessorEduardoCorreia,emDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaAlmedina,de1971,napágina157.53EmDireitoPenal-ParteGeral,na3ªediçãodaAAFDLEditora,de2017,napágina93.

Page 49: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

46

Ilustraasuadefinição,o“exemplodasduasdosesdeveneno,ministradasporduas

pessoas diferentes, que atuam independentemente uma da outra, e que só em

conjunto (e não isoladamente) provocam, a morte”, tal como estabelecido pelo

AcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode11deMarçode2015,noprocesso

10004/09.2TDPRT.P254.Nestestermos,apenasdasomadascondutaspodenascer

aproduçãodo evento lesivo,não tendo aquelas capacidade paraoproduzirde

formaindividualesingular.

De acordo com o enquadramento jurídico de análise da imputação objetiva

providenciado pela teoria das condições equivalentes, uma vez que ambas as

condutaspermitiramelevaramefetivamenteàproduçãodoresultadoverificado,

oresultadodeveránecessariamenteser imputadoacadaumdosagentes, tendo

todasascausasomesmovalor,combasenaformulaçãodaconditiosinequanon.

Nestesentindo,sendoquenãoteriasidopossível,nosexatosmoldesobservados,

obter tal resultado se não fosse a presença conjunta das múltiplas ações

combinadasepraticadaspelosdoisoumaisagentes,asváriascausasterãodeser

consideradas em igualmedida, comocondições essenciaisparaaocorrênciado

resultado,afirmando-seaimputaçãoobjetivadoeventolesivoemrelaçãoemcada

umadelas.

Estaé,porém,umasoluçãoexagerada,levandoàafirmaçãodaimputaçãoobjetiva

dofactoconsumadoaosagentescombasenumnexocausalassimjuridicamente

estabelecido que vai para além do escopo real da causalidade natural e fáctica

efetivamenteverificada.

Aatribuiçãodoresultadoverificadoatodasascondições,istoé,atodososagentes

decadaumadascausasconcorrentes,mesmoqueseintelectualmenteeliminada

umadas causas cumulativas não se pudesse afirmar que aquele acontecimento

teriatidolugar,naquelesprecisostermos,nãoésoluçãoaadotar.

Narealidade,asdistintasaçõesdosagentesnãoapresentavam,empiricamente,o

poder para, de forma singular, causar o resultado que veio a ocorrer, só se

concretizando este face à cumulação das múltiplas condutas, ou seja, face à

54Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 50: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

47

conjugação cumulativa das ações praticadas, pelo que o entendimento de que,

mesmo assim, o resultado, enquanto ocorrência única e indivisível, deverá ser

imputadoacadaumdosautoresdecadaumadascausascontributivas,sendocerto

queestasnãodetinhamopoderpara,porsisó,separadamenteanalisadas,levarà

suaprodução,nãodeveráserentendidocomoconclusãojustaecorretaemsede

deimputaçãoobjetiva.

Comparativamente, através da teoria da causalidade adequada, verifica-se que,

emboranoplanonaturalístico,queconstitui,comojáanalisado,oprimeironível

de funcionamentoda teoria,possa ser afirmada a existência deumnexo causal

entre a ação de cada um dos agentes e o evento lesivo,mesmo que, de forma

individual, a contribuição dita percentual de cada um não tenha sido total e

absoluta,antesincompletaedependentedeoutraououtrascausasseguintesou

simultâneas para a produção do resultado, já no segundo plano, pelo critério

normativo da adequação e da previsibilidade, não pode a imputação objetiva

daquele resultado deixar de ser negada uma vez que a partir de cada umadas

condutas,individualmenteapreciadas,nãosepoderiarazoavelmenteesperarou

anteciparqueoresultadosurgissecomosuaconsequênciatípicaenormaldesta.

AindanaspalavrasdosuprareferidoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode

11deMarçode2015,noprocesso identificado, tendoemcontao caso-exemplo

apresentado,“aaçãodecadaumadaspessoasqueministracadaumadasdosesserá

condição,masnãocausa(adequada)damortedavítima”55,istoé,embora,pormeio

do critério da supressãomental de fatores, não se possa afirmar que o evento

lesivo seria à mesma produzido se uma das ações fosse eliminada do

enquadramentoprático verificado, constituindo-se estas comoconditio sinequa

nondoevento,nãoé,poroutrolado,normativamenteadequadoimputaroevento

aaçõesque,emboratenhamcontribuídoparaaproduçãodoresultadoatravésda

conjugações das suas forças causais, não poderiam, de forma unitária e

inicialmenteprevisível,terlevadoàocorrênciadoeventoverificado.

55Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 51: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

48

Destarte, para além de questões adicionais, aí já fora do âmbito da imputação

objetiva, emsedede análiseda eventual comparticipaçãocriminosa, relativasà

possível existênciade comparticipação pormeiode co-autoria entreosdoisou

maisagentesnaproduçãodoresultado,nostermosdateoriadaadequação,não

sendo possível a imputação do resultado, de acordo com a sua fundamentação

normativaepelosmotivosexpostos,ressalva-seapenas,casopresentesosdevidos

pressupostos subjetivos, a possibilidade de punição dos agentes pelo facto

tentado,oque,mesmoassim, implicaaultrapassagem,quesecrê, àpartida,de

raraedifícilverificação,doobstáculodispositivoimpostopelonúmero3doartigo

23ºdoCódigoPenal,queimpõeanãopuniçãodatentativaquando“formanifesta

a inaptidão do meio empregado”. Na realidade, as ações praticadas, que aqui

constituemomeioempregadopelosagentes,nãotendocapacidadeindividualpara

a produção do resultado, serão, por esse motivo, em princípio, inaptas para a

causaçãodo evento lesivo, tal como esteveioa ter lugar, acrescendo ainda que

sempreserianecessáriooessencialelementodolosorelativoàproduçãodoevento

lesivoefetivamenteverificado.

Consequentemente,faceàinexistênciadovínculonormativodaadequaçãoentre

asaçõeseoeventoverificado,nos termosdateoriadaadequação, a imputação

objetivadoresultadoproduzidoacadaumadascondutaspraticadasemcontexto

deconcursocumulativodecausasque,deformaconjugada,contribuemparaasua

produção,mas que não têm a capacidade concreta e individual para, de forma

tipicamente previsível, causar a produção do resultado, não deverá ser

estabelecida.

5.2.ACAUSALIDADEALTERNATIVA

Questãodiversaconstituiaproblemáticadacausalidadealternativa,circunstância

em que se observa, no caso concreto, a existência de duas causas reais, isto é,

concretizadasnoeventolesivo,que,emboratambémsimultâneaseconjuntas,tal

comonahipótese causalidadecumulativa,são, todavia, emabstratoeàpartida,

ambaspassíveis,porsisó,deconduziràproduçãodaqueleresultado.

Page 52: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

49

Tomando o exemplo anteriormente apresentando pelo referido documento

jurisprudencial,tem-seagoraqueosdoisagentesministramduasdosesdeveneno

distintas, sem conhecimento da ação do outro, mas cada uma por si com a

capacidadelesivadecausaramortedavítima,vítimaessaquevemefetivamente

afalecer.

Ora,sendopossívelidentificar,deformacertaeespecífica,talcomooprincípioda

investigaçãodetermina,qualdascausasverificadasseconcretizouefetivamente

noresultadoproduzido,aquestãodaimputaçãoobjetivafica,nessestermosepor

essavia,definitivamenteestabelecida,devendoaoautordacausaadequadaque

efetivamente se concretizou no evento lesivo ser atribuída juridicamente a

produção do resultado, enquanto que ao segundo agente apenas resta a

possibilidadedeimputaçãodofactonasuaformatentada,desdequepresentesos

necessáriosrequisitossubjetivos.

Todavia,nãosendopossíveldeterminarcomcertezaaaçãocausadoradoevento,

porexemplo,nocasoreferido,qualdassubstânciasministradasecomcapacidade

natural e autónoma para tal levou à morte da vítima, não havendo assim

possibilidadede identificaçãoda causadeterminantedoresultadoverificadono

contextodeconcursodecausas,importaapreciarasdivergênciaspresentesnas

tentativasderesoluçãodestaquestão.

Nos termos da aplicação da teoria das condições equivalentes, a imputação

objetivaentrecadaumadasaçõeseoresultadodeveráserafirmadaumavezque,

face à dúvida sobre qual efetivamente o causou, aplicado o juízo de supressão

mentaldascondições,deacordocomoqualaimputaçãodeveráserestabelecida

desdeque,mentalmenteretiradadaequaçãofácticaconcretaumadascondições

verificadasnãosepossaafirmarqueoresultadoteriacertamenteedeigualforma

tidolugar,esteconduzàafirmaçãodanecessáriaexistênciadeumarelaçãocausal

entrecadacondutaeoeventolesivo.

Combasenocritériosinequanon,observadacadaação,peranteapergunta“teria

oresultadotidolugarsenãofosseacondutadoagente?”arespostaterádeser

negativaumavezque,estandooresultadoefetivamenteverificado,nãosetorna

possívelafirmar,deformacertaeempírica,talcomoexigidoporestateoria,que

Page 53: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

50

este não teria ocorrido sem o facto em apreço, individualmente observado,

funcionandoassimaprópriadúvidacausalemdesfavordeambososagentes,em

sededadevidaimputaçãoobjetiva.

Assim,nãosendopossívelafirmar,deformaabsoluta,queoresultadoteriaainda

tido lugar com a supressão de cada uma das ações, todas estas deverão ser

consideradas causas, sendo afirmada a imputação objetiva e permitindo a

responsabilizaçãodeambososagentespelocrimenasuaformaconsumada.

Acreditamos que a solução apresentada pela teoria das condições equivalentes

sempre peca pelo seu raciocínio extremado, levando à afirmação da imputação

objetiva,emtermosabsolutos,comumaextensãodogmáticadesentidoque,face

aoseuexcesso,nãosepoderessalvarcomojustaoucoerentecomosprincípios

fundamentaisdeDireitoPenal.

Comparativamente, nos termos da aplicação da teoria da adequação à

problemática inerente num contexto de multiplicidade causal alternativa, a

doutrinaapresentadoistiposdesoluçõesparaaquestãocolocada.

Aindaquede formaminoritárianoquadrodoutrinalportuguês, algunsautores,

comdestaqueparaaProfessoraAnaPrata,defendemasoluçãodeque“seambas

as condições se concretizarem e se for possível concluir que o resultado tanto se

produziriaporforçadeumacomocomoporforçadeoutra,ambososagentessão

punidosporfactoconsumado”56.

Cremosqueestasoluçãoseencontraaindademasiadamenteinspiradanocritério

não normativo da teoria da condito sine qua non, não se podendo deixar de

discordardoentendimentodaexistênciadepossibilidade concretadeambasas

condições terem a possibilidade material de se concretizar no resultado. Na

realidade,emboraarelaçãoexistenteentrecadaumadasaçõeseoeventoocorrido

seja, nos termos da sua própria definição, constituída pela suscetibilidade

abstratamente adequada de cada uma das ações ter a capacidade teórica de

produção do resultado, no âmbito de um enquadramento de causalidade

56EmDicionárioJurídico,VolumeII,na2ªediçãodaAlmedina,de2011,napágina82.

Page 54: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

51

alternativa, em que não se mostra possível determinar qual das condutas se

encontra causal e empiricamente ligada ao evento lesivo de formadefinitiva, a

imputaçãoobjetivadofactoconsumadoaambososagentesnãosepodedeixarde

considerar como um salto lógico excessivo e atentatório dos princípios

estruturantesdeDireitoPenal.

Por outro lado, a corrente doutrinária maioritária, com destaque para os

ProfessoresJorgedeFigueiredoDiaseManuelCavaleiroFerreira57,defendequea

imputação objetiva do resultado às condutas alternativas deverá ser negada,

apenas se ressalvando a possibilidade de os agentes poderem responder

criminalmentepelofactonasuaformatentada,casoestejamreunidososdevidos

requisitoslegais,oqueimplica,necessariamente,queasaçõesdosagentessejam

praticadasatítulodoloso,faceàinexistênciadetentativasnegligentes,nostermos

geraisdaleipenal.

NostermosdoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbradede07deAbrilde

2017,noprocesso424/13.3TTLRA.C1,aafirmaçãodojuízodeadequaçãocausal

depende de o resultado ter i. “decorrido naturalisticamente da ação”, ii. da

previsibilidadedasuaocorrência“nasconcretascircunstânciasemqueomesmo

ocorreuecomasconsequênciasdeledecorrentes”eiii.de“averificaçãonãoseter

ficadoadeveracircunstânciascontemporâneasdaação[asi]alheias”58.

Embora cada uma das ações apresente, por si só, o carácter adequado para

produçãodoresultado, a teoriada causalidadeadequada, eximiamentedefinida

nostermosdocitadoacórdão,nãopermiteafirmardeformasatisfatóriaecoerente

a imputação do resultado aos dois agentes já que em nenhum dos três pontos

apresentados se pode afirmar de forma categórica que i. o resultado tenha

decorrido naturalisticamente de uma ou de outra ação, não se podendo,

consequentemente, confirmar o ponto ii. quanto à previsibilidade da sua

verificação,nemtãopoucosendodepoispossívelestabelecerqueoresultadonão

57NasobrasDireitoPenal,ParteGeral,TomoIna2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,eemLiçõesdeDireitoPenal,ParteGeralI,ALeiPenaleaTeoriadoCrimenoCódigoPenalde1982,na4ªediçãodaEditorialVerbo,de1992,respetivamente,naspáginas325eseguintes,enapágina154.58Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

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52

setenhaficadoadeveriii.aoutracircunstânciasuacontemporânea,istoé,nocaso,

àcondutadooutroagente,faceàdúvidainerenteaosfactosconcretos.

Tendo“aadequaçãodesereferiratodooprocessocausal,enãosóaoresultado,sob

penadesealargaremdemasiaaimputação”,talcomodefendeoProfessorJorge

deFigueiredoDias59,aafirmaçãodaimputaçãoobjetivadoresultadoconcretoem

relação a ambos os agentes pelo mesmo e único resultado, como pretende a

correntedoutrináriaminoritária,constituioque,quantoanós,seenquadracomo

um claro excesso de atribuição objetiva, nos termos do critério da adequação,

desconsiderandotambémoprincípiodoindubioproreu.

Acrescenta-seaindaque,poroposiçãoàscircunstânciaspresentesnoscasosde

causascumulativas,maisdificilmentese colocarão, jánoâmbitodacausalidade

alternativa,questõesadicionais,jánãoemsededeimputaçãoobjetiva,relativasa

possível comparticipação criminosa dos agentes, antes sendo mais comuns

situações de erro e desconhecimento mútuo quanto à prossecução de objetivo

criminal alheio, até tendo em conta, se assim não fosse, o excesso de meios

utilizadospelosagentes.

Assim,emboracadaumadascondutaspossuaocarácterdeidoneidadenecessário

para, à partida, poder ser afirmada a sua imputação ao resultado, esta teoria

semprereservaespaçonoseuâmbito,faceaostermosemqueénormativamente

definida, por comparação com a teoria das condições equivalentes,

determinantementecasuístaepuramente factualnostermosdasuaformulação,

para o funcionamento integral dos princípios constitucionais de Direito Penal.

Assim, a previsibilidade abstrata de cada uma das ações não se reputa como

suficienteparaaafirmaçãodaimputaçãoobjetivanocircunstancialismoinerente

à causalidadealternativa face àdúvida empiricamente causal inerente aos seus

termos,devendoadescritadúvidafuncionarafavordosagentes,ouseja,proreo,

sendonegadaaimputação,ressalvando-se,nosseustermosgerais,apossibilidade

de responsabilização penal dos agentes por tentativa, desde que presente o

elemento necessário para a afirmação da imputação subjetiva, isto é, quanto à

produçãodoresultadoefetivamenteverificado.

59EmDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina330.

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6.ATEORIADACONEXÃODERISCO

NostermosdoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade14deJaneirode2004,

noprocesso8421/2003-360,analisadoporreferênciaàapreciaçãodoconceitoda

causalidade,verificou-sequeesteestabeleceque“arelaçãodecausalidadeentreo

comportamentoeoevento,quersepartadateoriadaequivalênciadascondições,

querdocritériodacondiçãoconformeàsleisnaturais,basta-secomaafirmaçãode

que a ação é uma das condições do resultado, ou seja, que a ação co-causou o

resultado,nãosendonecessárioqueelasejaaprimeira(ouúltima)condiçãodasua

verificação.Afirmadaarelaçãodecausalidade,háqueaveriguarseaimputaçãodo

resultadodeveserexcluídapeloscritériosdaadequação”.Porém,concluiaindao

referido Acórdão, logo de seguida, afirmando que, para além da utilização dos

critérios da adequação para a confirmação da necessidade de imputação do

resultadoàconduta,deveaindaseraplicado,nestasede,ocritério“daconexãode

risco,comtodososseusmomentosespecíficos”.

A teoriada conexão de risco,defendidapelo autor ClausRoxin e formuladana

segundametade do século XX, na sua obra de 1970, com publicação e edição

portuguesas em 1986, com o título Problemas Fundamentais de Direito Penal,

estabeleceque“oresultadosódeveserimputávelàaçãoquandoestatenhacriado,

aumentadoouincrementadoumriscoproibidoparaobemjurídicoprotegidopelo

tipodeilícitoeesseriscosetenhamaterializadonoresultadotípico”61.

Naverdade,presidindoàteoriadaadequaçãoaideiade“limitaraimputaçãodo

resultado àquelas condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do

resultado”62,ateoriadoriscocolocaagoraemdestaqueacategoriaaxiológicado

perigoenquanto“possibilidadesignificativadeproduçãodeumresultadoproibido

60Disponívelemhttp://www.dgsi.pt61Napágina145dareferidaobra,na6ªreimpressãodaEditoraVega,de2004.62TalcomodeterminaoProfessorJorgedeFigueiredoDias,nasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2017,napágina331.

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ouapossibilidadefortede lesãodeumbemjurídico”63paraefeitosde imputação

objetiva.

Destaforma,“haveráimputaçãoobjetivadoresultadoàcondutadoagentequando

este,comasuaação,tenhacriadoumrisconãopermitido,outenhaaumentadoum

risco já existente, e que esse risco tenha conduzido à produção do resultado

concreto”,talcomoestabeleceoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode11de

Marçode2005,noprocesso10004/09.2TDPRT.P264.

Nostermosda formulaçãoapresentadapeloProfessorClausRoxin,paraquese

possa imputar objetivamente o resultado verificado à ação do agente torna-se

assimnecessárioqueestetenhacriadoumperigoparaobemjurídicoprotegido

ou que, alternativamente, tenha aumentado ou incrementado um perigo já

existente,apresentando-seesseperigo,emqualquerdoscasos,comoproibidopela

ordemjurídica,queesseperigosetenhamaterializadonoresultadoverificado,e

queoperigo,proibidoematerializadonoresultado,estejaaindacobertopelofim

epeloâmbitodeproteçãodanormapenalemcausa.

Para que possam ser analisados de forma completa, procederemos ao estudo

individualizadoesucessivodecadaumdosrequisitosnormativos.

6.1.ACRIAÇÃOOUOAUMENTOPELOAGENTEDEUMPERIGOPARAO

BEMJURÍDICO

Iniciandooagente,atravésdasuaconduta,umprocessolesivodobemjurídicoem

apreço,queantesnãoseencontravaverificadooupresentenocontextofácticoe

que,assim,apenaspormeiodasuaaçãopassaaexistir,observa-seacriaçãodeum

perigo, sendo que “a imputação ao tipo objetivo pressupõe que, no resultado, se

63Nos termosdefinidos pela ProfessoraAnaPrataemDicionário Jurídico, Volume II, na 2ª edição daEditoraCoimbra,de2011,naspáginas364e365. 64Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

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55

realizeprecisamenteoperigocriadopeloautor”,talcomodefinidopeloAcórdãodo

Tribunal da Relação de Évora de 29 de Abril de 2014, no processo

2545/07.2TAFAR-E65.

Contudo,“sucedemuitasvezesque,nasituação,jáestácriado,antesdaatuaçãodo

agente,umriscoqueameaçaobem jurídicoprotegido.Nãoobstante, o resultado

seráaindaimputávelaoagenteseeste,comasuaconduta,aumentououpotenciou

o risco já existente, piorando, em consequência, a situação do bem jurídico

ameaçado”,talcomodispõeoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvorade03de

Dezembrode2013,noprocesso157/07.0GTBJA.E166.

De forma inversa, se a conduta do agente, ao invés de incrementar o risco já

presentenocasoconcreto,funcionarantescomoelementoapaziguadordoperigo

verificado, deverá a imputação ser afastada por não se encontrar verificado o

elementodatipicidadeobjetiva.

Quantoaestacircunstância,eemcomparaçãodiretacomateoriadaadequação,

assoluçõesjurídicasapresentadaspelasduasformulaçõesparaoscasosdeefetiva

causação de lesão, lesão essa que, todavia, serve para evitar uma outra,

qualitativamentemaisgrave,equeseapresenta,peranteascircunstâncias,como

inevitávelouextremamenteprovável,sãoestruturalmentediferentes.

Praticandooagente“umfactolesivoqueevitaaproduçãodoresultadomaisgrave

doqueaqueleque foiprovocadoemconsequênciadesse facto”67,defendea larga

maioriadadoutrinaqueocritériodaadequaçãoimplicaráanecessáriaafirmação

daimputaçãoobjetivadoeventoàaçãodoagente,desdequeacondutapraticada

por aquele se apresentasse, à partida, como adequada para a produção de tal

resultado,combasenumjuízodeprevisibilidaderazoável,efetuadopormeiode

prognosepóstuma.

65Disponívelemhttp://www.dgsi.pt 66Disponívelemhttp://www.dgsi.pt67TalcomoestabeleceaProfessoraAnaPrata,emDicionárioJurídico,VolumeII,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2011,napágina178.

Page 59: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

56

Denotar,porém,quemesmonãoexcluída,nestestermos,aimputaçãoobjetivado

eventolesivoàaçãodoagente,talnãoimplicaráasuaresponsabilizaçãocriminal,

desdeque“hajasensívelsuperioridadedointeresseasalvaguardarrelativamente

aointeressesacrificadoesejarazoávelimporaolesadoosacrifíciodoseuinteresse

ameaçado”68,sendoailicitudedaaçãoexcluída,atravésdacausadejustificaçãodo

artigo 34º do Código Penal, o direito de necessidade, ou, dependendo do

entendimentoperfilhado,pelacausajustificativadosartigos38ºe39º,ambosdo

CódigoPenal,oconsentimentopresumido.

Consequentemente, a responsabilidade criminaldo agente sempreacabariapor

não ser estabelecida, realçando-se que, no nosso entendimento, a causa

justificativaainvocarsempredeverádependerdofactodeobemoubenslesados

pertenceremounãoaomesmoindivíduoquesofrealesão,apenaspodendoem

casonegativoserinvocadaafiguradodireitodenecessidade.

Por outro lado, os termos em que é formulada a teoria da conexão de risco

implicam,logoàpartida,anegaçãodaimputaçãoobjetivapelofactodeoriscojá

presentenocasoconcretotersidoefetivamentediminuídopeloagente,afastando

assim, de acordo com esta teoria, a possibilidade de afirmação da imputação

objetivafaceaessadiminuição.

Observe-se ainda que alguns autores, com destaque para o Professor Américo

TaipadeCarvalho69,discordamdanecessidadedeestabelecimentodaimputação

objetivacomoconsequênciado funcionamentopráticodo critérionormativoda

adequação, entendendo que a questão da imputação nem sequer deve, nesses

termos, ser colocada uma vez que a descrita ação do agente não pode ser

consideradacomodesvaliosa,nãopodendo,porisso,serafirmadaasuatipicidade,

peloqueaquestãodeanálisedasuaimputaçãoobjetivanemsechegaacolocar,

conduzindo a solução jurídica estruturalmente semelhante à determinada pela

teoriadaconexãoderisco.

68NostermosdoAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade05deMaiode1993,noprocesso045679,disponívelemhttp://www.dgsi.pt69NasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,na2ªediçãodaCoimbraEditora,de2008,napágina310.

Page 60: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

57

6.2.OCARÁCTERPROIBIDODOPERIGO

O carácter proibidodo risco inerente à conduta levada a cabopelo agente tem

comobaseanoçãofundamentaldequevidaemsociedadecomportaaexistência

deperigosmúltiplosparaosbensjurídicosmasque,simultaneamente,oDireito

Penal,ao ternaturezadeultima ratio, “nãopodesancionarcomportamentosque

tenhamproduzidouma lesãodosbens jurídicospelamaterializaçãode riscosque

são tolerados de forma geral, constando da vida social muitos riscos e perigos

tolerados pela suaassociação adesenvolvimentosque a sociedadenão pode nem

querprescindir”70.

Dessa forma, comportamentosque criemouaumentemo riscode lesãoparaos

bensjurídicospodemaindaseradmissíveis,istoé,toleradospelaordemjurídica

e, consequentemente, não dotados de tipicidade objetiva, se, não obstante a

introduçãodesseperigonaesferadobem, foraquele,noentanto, juridicamente

admissível por ser aceite e encarado pelo Direito como necessário ao

funcionamento e desenvolvimento da vida em comunidade nas sociedades

modernas, dentro do conceito do chamado “risco inerente a toda a atividade

humana”71.Emdestaquedentrodestetipodeatividadesapresenta-seacirculação

rodoviáriaeasatividadesdesportivasintensas,sendoqueaslesõescausadaspor

perigosqueseconcretizamefetivamentecomoresultadoeapartirdascondutas

praticadas no âmbito daquelas, desde que se localizem dentro dos limites do

referidorisconormalepermitido,implicamanegaçãodasuaimputaçãoobjetiva.

Contudo,aformulaçãodaquiloquedeveserentendidocomoconstituindotalrisco

geral e o seu âmbito não é dotada, em termos concretos e globais, de uma

enunciação específica, sendo apreciadade forma individual ede acordocom as

específicascircunstânciaspráticasnocasoemanálise.Nessasequência,edeforma

a colmatar tal problema, é invocado o apoio das legis artis de cada campo de

70TalcomodefendeoProfessorJorgeFigueiredoDias,nasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina333.71ExpressãodoProfessorEduardoCorreia,emDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaAlmedina,de1971,napágina291.

Page 61: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

58

atividade,sendoque,nostermosdestas,a“obediênciaàsregrasdojogoafastará

emprincípiootipo”72.

Porém,sempresedeveacrescentarque“ainversanãoéverdadeira:aviolaçãodas

regrasdojogonãotemnecessariamente-nemsequernormalmente-derealizaro

risco proibido capazde suportar a imputação objetiva do resultado típico.Tal só

sucederáquandoaviolaçãodasregras,pelasuaviolênciaedesproporcionalidadee

pelagravidadedaslesõesproduzidas,perdeaconexãodesentidocomojogo”73.

6.3.AMATERIALIZAÇÃODORISCONORESULTADO

NostermosdoAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade21deJunhode2012,

noprocessode525/11.2PBFAR.S1,“nadoutrinadaconexãodorisco,nãobastaa

comprovaçãodequeoagente,comasuaação,produziuumriscoproibidoparao

bemjurídico,sendoprecisoaindadeterminarsefoiesseriscoquesematerializouou

concretizounoresultadotípico,peloqueaimputaçãoobjetivadoresultadoàação

pressupõearealizaçãodeumperigocriadopeloautorenãocobertoporumrisco

permitido”74.

Desta forma,nãoserásuficiente,paraaafirmaçãoda imputaçãoobjetiva,queo

agentetenhacriadoouaumentadoumrisconocasoconcreto,sendonecessário,

nomomentoposterior, espácio-temporalmente separadoda condutado agente,

face à natureza e às exigências objetivamente típicas do crimematerial ou de

resultado,queoevento lesivoproduzidoconstituaa concretizaçãodiretamente

consequencialdaquelaesferadeperigo,antescriadaouaumentadapeloagente,

devendoa“condutadoagenteconterumrisco implícito,umperigoem simesma

paraobemjurídico,perigoestequedeveráconsiderar-seconcretizadonoresultado

aimputaràcondutadoagente”,comoestabeleceoAcórdãodoTribunaldaRelação

doPortode06deJunhode2012,noprocesso409/05.3GCETR.C1.P75.

72TalcomoestabeleceoProfessorManueldaCostaAndrade,nasuaobraAslesõescorporais(eamorte)nodesporto,deManueldaCostaAndrade,emLiberDiscipulorumpara JorgedeFigueiredoDias,na1ªediçãodaEditoraCoimbra,de2003,napágina719. 73Idem,napágina720.74Disponívelemhttp://www.dgsi.pt75Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 62: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

59

Várias dificuldades apresenta o cumprimento da verificação deste requisito de

imputação objetiva, principalmente, tal como destacado pelo autor Günter

Stratenwerth76,devidoàcircunstânciadeaobservaçãorelativaàrealexistência

de um perigo, a início, criado ou aumentado pelo agente, ser necessariamente

efetuadapormeiodeumjuízoexante(emtermossemelhantesaoaplicadopela

teoriadaadequação)masaanálisedasuamaterializaçãonumresultadoespecífico

apenasserteleologicamentepassívelderealizaçãoatravésdeumaapreciaçãoex

post.

Sendo que “a imputação ao tipo objetivo pressupõe que, no resultado, se realize

precisamenteoperigocriadopeloautor,sóéexcluídaaimputaçãoquandooautor

tenhacriadoumperigoparaumbemjurídicoprotegido,masoresultadoseproduz,

não como efeito desse perigo,mas apenas em conexão causal com ele”, tal como

dispõeoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbrade10deFevereirode2010,

noprocesso3/08.7GDFND.C177.Desta forma,reputa-secomoessencial,embora

constituído tarefa dogmática em que é necessária extrema precisão analítica, a

observaçãoespecíficasobrequalamaterializaçãoconcretadoperigopresentee

trazidopormeiodacondutadoagente,paraquesepossaafirmarnormativamente

queapenasapartirdaconcretizaçãodaqueleperigosurgiuoeventolesivo.

6.4. A PRODUÇÃO DE UM RESULTADO COBERTO PELO FIM DE

PROTECÇÃOEÂMBITODANORMA

Aindanoâmbitodosseusrequisitosnecessáriosparaaafirmaçãoda imputação

objetiva entreuma ação eumresultado,demonstra-se necessárioqueo evento

lesivoemanáliseseencontredentrodofimdeproteçãoeincluídonoâmbitoda

norma jurídicaemapreço,ouseja,queoresultadoproduzidosejaprecisamente

aquele que a norma invocada pretendia, face à política criminal existente e

implantada,evitar.

76NasuaobraDerechoPenal.ParteGeneralI,na4ªediçãodaHammurabi,de2016,naspáginas144eseguintes.77Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 63: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

60

DeterminandooAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode06deJunhode2012,

noprocesso409/05.3GCETR.C1.P1,que,podendo“porvezesnãosersuficienteo

recurso à teoria da causalidade adequada para proceder à imputação de um

determinado resultado ao comportamentodo agente,muitas vezes, adoutrina se

socorre de critérios de imputação objetiva do resultado à conduta, baseados em

juízosdeadequação,deincrementodoriscopermitidoedecompreensãodoâmbito

deproteçãodanorma,comocorretoresdeculpabilidade”78,peloque,paraalémda

existênciadeumperigo,perigoesseque,comotemvindoaserexposto,deveser

juridicamenteproibidoequesedeveconcretizarde formaefetivanoresultado

verificado, este resultado necessita ainda de se encontrar normativamente

compreendido dentro do espaço valorativo da norma jurídica em apreço, quer

quanto ao seu fimdeproteção, isto é, relativamente aomotivo que levou à sua

introduçãonaordemjurídica-penal,queremrelaçãoaoseuâmbitonormativo,ou

seja,aolequedeocorrênciasjuridicamenteprevistasecompreendidasnoalcance

dispositivodaaplicaçãodanorma.

Emboraesterequisitopossaparecer,àpartida,umaconstruçãotendencialmente

teóricae comreduzidasconsequênciaspráticasemsedede imputaçãoobjetiva,

tem, na verdade, aplicaçãobastante concreta, tal comoespecificaoAcórdãodo

Tribunal da Relação do Porto de 09 de Julho de 2003, no processo

RP200307090340290. No âmbito deste, tendo o arguido sido condenado em

primeirainstânciapelocrimedehomicídionegligenteemresultadodamortede

outrocondutor,apósumembaterodoviário,tendosidoverificadoqueoarguido

circulava em excesso de velocidade, recorreu este da referida decisão de

condenação.Jánoâmbitodorecurso,oTribunaldaRelaçãodecidiuque,umavez

queo limitedevelocidadetemporário impostono localdoacidente tinha como

fundamentoofactodedecorremobrasdeconstruçãocivilnolocal,enãoofimde

acautelarapassagemeotrânsitonolocaldocruzamentoondesedeuochoque

dasviaturas,amortedavítimanãodeveriaserobjetivamenteimputadaaofacto

do agente circular a velocidade superior à legalmente imposta pela norma

invocada.

78Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 64: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

61

Naspalavrasdoidentificadotribunal,“aproibiçãodecircularamaisde30Km/h,

tinha em vista uma concreta finalidade: as obras que decorriam na via em que

circulavaoarguido,enãoa existênciadequalquercruzamento,aaproximaçãoe

intersecçãodaestradadondevinhaavítima.

Logo,noâmbitodeproteçãodanorma,quetransitoriamentelimitavaavelocidade,

nãoestavaaproteçãodacirculaçãoquesefazianasestradasquecruzavamaquela

emqueoarguidocirculava.Seécertoqueoperigoqueseconcretizounoresultado

nãoéumdaquelesemvistadosquaisaaçãofoiproibida,nãoéassimumdaqueles

quecabenoâmbitodeproteçãodanorma”79.

Desta forma,esterequisitodemonstra-seaindaessencialemsedede imputação

objetiva, reforçando o carácter normativo que enforma e estrutura a teoria da

conexãoderiscoedotando-adeumfatordeadicionalespecificidadejurídica.

Expostas e analisadas a evolução histórica, a consagração doutrinária e

jurisprudencialeofuncionamentopráticodateoriadaconexãoderisco,quantoà

sua apreciação crítica sempre cumpre afirmar, em primeiro lugar, que, no

ordenamento jurídico português, esta teoria não se encontra consagrada

legalmente.

Naverdade,estaapresenta-se,essencialmente,comoumaconstruçãodadoutrina

alemã, com alguma aceitação e aplicação pelos tribunais portugueses, em

particular em contextos prático-normativos cuja complexidade, na opinião do

julgador,requerumaaferiçãoobjetivaadicional,sendoaconexãodoriscotrazida

àcolaçãonatentativaderesoluçãodequestõeslimiteemapreço.

79Acórdãodisponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 65: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

62

Para além desta circunstância e, quanto a nós, ainda na sua sequência e

possivelmenteporsuacausa,adelimitaçãodostermosteóricoseenunciativosda

teoria, embora bem esquematizada, não se encontra ainda definida em termos

totalmente satisfatórios e que permitam a sua cristalização normativa,

nomeadamente para a problemática da definição do elenco dos perigos

permitidos.

Como analisado supra, o perigo criado ou aumentado pela ação do agente e

concretizadonoeventolesivoocorrido,paraalémdeterdeseencontrardentro

do âmbito de proteção da norma jurídica invocada e corresponder à

materializaçãodeumresultadodotipodaquelesqueofimdessanormapretendia

evitar,temtambémdeseconstituircomoimperativamenteproibidopelaordem

jurídica, sendo que, a contrario sensu, se o perigo criado ou incrementado for

permitido,aimputaçãoobjetivanãopoderáserafirmadaumavezquea“valoração

objetivanãopodeabstrairdoseufime,portanto,nãopodevalorarnegativamente

atividadesquandoelassemantêmdentrodoriscodelesãoeperigodelesãoquesão

inerentes a toda a atividade humana” tal como determina o Professor Eduardo

Correia80.

Todavia,adefiniçãoespecíficadaquiloquepodeserentendidocomofazendoparte

desse risco geral, inerente à vida em sociedademoderna e globalizada, não se

encontrandoainda,nostermosdasuapróprianoção,definidodeformataxativa.

Talcircunstânciaimplicaumcarácterdeindefiniçãodestateoria,denotandoclara

necessidadedesedimentação futuradosseusconceitos.Semumelenco fixoou,

pelomenos,semdiretivasdesentidomais concretasparaalémda indicaçãoda

necessidadedetaisperigosseencontrarem,normalmente,associadosàvidaem

sociedade, mesmo com o apoio das normas constantes das legis artis de cada

campodeatividade,torna-sedifícilnegaroespaçodeambiguidadejurídicaainda

inerenteàenunciaçãodateoriadaconexãoderisconestestermos.

80EmDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaEditoraCoimbra,de1971,napágina291.

Page 66: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

63

Emúltimo lugar, a apreciação da possível verificação de uma conexão de risco

entreaçãodoagenteeoeventolesivoproduzido,paraefeitosdeanálisedasua

imputação objetiva, impõe um carácter de duplicidade analítica que, no seu

extremo,conduzaumaperdacategóricadeunidadejurídicanaanálisenormativa

dasrelaçõescausais,essencialemsededeimputação.Defacto,sendonecessário,

nos termos da formulação desta teoria, que o julgador aprecie se, a partir do

momento inicial, ocorreu realmente a criação ou o aumento efetivos do perigo

concretoparaobemoubens jurídicos lesados, fá-lo-ánecessariamentedeuma

perspetiva ex ante, em termos semelhantes ao método da prognose póstuma

estudadoaquandodaapreciaçãodateoriadaadequação,deformaapoderavaliar

se a condutado agente se traduziu em introduçãoou incrementodeperigo,no

contexto fáctico dos acontecimentos passados. Contudo, a verificação da

confirmaçãodamaterializaçãodesseperigonoeventolesivoocorridoapenasse

demonstrapossívelde acordocomos conhecimentosobtidosposteriormenteà

suaverificação,istoé,atravésdeumaperspetivaexpost,obrigandoassimàadoção

deummétodobipartidoe,porisso,commaiorpossibilidadedefalibilidadequanto

à sua desconexão funcional com a normatividade de um critério que se deve

constituircomomaisdoqueummétodocasuísticoenaturalísticodeaferiçãoda

imputaçãoobjetiva.

Page 67: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

64

7.OCONCURSOVIRTUALDECAUSAS,AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSALEO

COMPORTAMENTOLÍCITOALTERNATIVO

Fora do âmbito da múltipla causalidade nos seus reais termos, face à sua

materializaçãoefetivanoresultado,cujaanálisemereceudestaquenoCapítulo5

destaDissertação,diferentetipodequestõesseencontrapresentenaapreciação

da necessidade e fundamentos da imputação objetiva nos contextos em que a

multiplicidade causal se apresenta nos seus termos virtuais, ou seja, quando,

embora se observem presentes e iniciados diversos processos lesivos, a sua

concorrência é todavia aparente, face ao domínio factual de um deles sobre os

restantes.

7.1.ACAUSALIDADEVIRTUAL

Verifica-se a existência de uma causa virtual ou hipotética em relação a um

resultado“quandoexisteumprocessolesivoqueproduziriaoresultado,senãofosse

ainterposiçãodeumoutroprocessolesivoqueefetivamenteaproduziu”,talcomo

enunciadopelaProfessoraAnaPrata81.

Destemodo,acausavirtualnuncasechegaaconcretizarcomooefetivoevento

causadordo resultadoverificado, tendo,no entanto,de acordo com análisedos

factos ocorridos, a hipotética capacidade para tal, observando-se assim um

concursodefatorescausaisqueé,naverdade,apenasvirtual,ejánãoreal,como

nospreviamenteanalisadoscasosdecausalidadealternativaecumulativa,uma

vezqueasváriascausasnãoseconcretizamdeformaconjuntaoucombinadana

produçãomaterialdoresultadoverificado.

Talnãosignificaqueasuaocorrênciarealnoplanofácticonãosejaefetiva,jáque

aaçãodoagente,porsisó,foipraticadaporeste.Todavia,ecomosetemvindoa

realçar ao longo da presente Dissertação, os crimes de resultado apenas se

materializampelarealizaçãoseparadae consequencialdedoiseventosespácio-

81NoseuDicionárioJurídico,VolumeII,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2011,napágina82.

Page 68: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

65

temporalmente distintos, sendo estes, de forma posterior, juridicamente

interligadosatravésdafiguradaimputaçãoobjetiva.

Ora, nesses termos, a ação do agente autor de uma causa hipotética existiu no

mundo real, tendo sido por este praticada e sendo dotada de suscetibilidade

abstrata de produção de um evento lesivo do mesmo tipo daquele que veio a

acontecer;contudo,acausavirtualdeumdeterminadoresultadonuncasechegaa

materializarnesseevento,apenastendoacapacidadeparatal,capacidadeessaque

éafirmadadeformanecessariamentehipotética.

Na sequência do exemplo apresentado pelo referido Acórdão do Tribunal da

RelaçãodoPortode11deMarçode2015,noprocessoreferido82,ter-se-iaagora,

noâmbitodestecontextocausal,que,emboraoprimeiroagenteenveneneavítima,

apósessaaçãoeduranteoperíododeatuaçãodasubstância,ouseja,antesdeesta

ter já produzido o efeito pretendido, provocando a morte daquela por

envenenamento,umterceiro,outroagente,disparasobreavítima, ferindo-ade

morte, vindo esta a falecer por efeito dos ferimentos causados pelo tiro e não

devidoaovenenoanteriormenteministrado,ou,aindaemsededesseexemplo,ao

invésdeumasegundaaçãohumana,avítimacaideumlancedeescadaspormeio

detropeçãofortuitoquesevemarevelarfatalporcausarafraturadoseupescoço.

Neste contexto prático, a ação inicial do agente que, a princípio, envenenou a

vítima,constitui-secomoacausavirtualdasuamorte,ouseja,emboratenhaeste

iniciadoumprocessocausaltendencialmentelesivodosbensjurídicosemcausae

dotadosdedignidadepenal,asuaaçãonãosepodeafirmarcomoobjetivamente

imputávelaoresultadoconcretoverificadoumavezque,emboracontendoemsi

própria a capacidade para tal, não se chegou a materializar no resultado

efetivamenteverificado.

Destarte, em sede de imputação objetiva do resultado à concreta ação, a causa

virtual não apresenta carácter prático-normativo em termos suficientes para a

afirmação daquela, obrigando tanto a teoria da adequação como a teoria da

conexãoderiscoàchegadaaestaconclusão,nosseguintestermos:

82Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 69: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

66

Atravésdaaplicaçãodocritérionormativodaadequação,mesmofaceàocorrência

dacausavirtualnoplanoconcreto,eemboraestasejadotadadeprevisibilidade

abstrata para se constituir como elemento causador do resultado, na prévia e

necessáriaetapadeanáliseda causalidade factual,noplanonaturalístico,nãoé

possível a afirmação de que esta se tenha constituído como condição daquele

resultado,nãoseestabelecendoassimoprimeiroplanodecausalidadepráticae

naturalnocasoconcreto,obrigandoànegaçãodaimputaçãoobjetiva.

Naverdade,aindaque,deacordocomoexemplosupraapresentado,apartirda

açãointencionaldeenvenenamento,possaoseuautoresperar,deformarazoável,

queavítimavenhaafalecer,tendoestavindorealmenteafalecer,acontecequea

suamorteseconcretizapormeioemododiferentes, interpostopor terceiroou

constituídoumcaso fortuitoenatural, eque, emboracausandoummesmo tipo

qualitativo de resultado, não constitui efeito típico e adequado da ingestão de

substânciavenenosa.

Comparativamente,exigindoateoriadaconexãoderiscoapresençadosquatros

requisitosparaaafirmaçãodaimputaçãoobjetivadoresultadoàação,verifica-se

que, embora dois destes estejam presentes no circunstancialismo associado à

causalidadevirtualouhipotética,umterceironãosepodeafirmar.Concretizando,

embora o agente, autor da causa virtual, crie, através da sua ação, um perigo

previamente não existente para o bem jurídico protegido, sendo esse perigo

proibidopelaordemjurídicaesendoprecisamenteaquelequeoâmbitodanorma

jurídica abrange e que o seu fim de proteção pretende evitar, não se poderá

afirmar, nos termos desta teoria, que esse perigo se tenha concretizado ou

materializadonoresultadoqueefetivamenteocorreu.

Faceestaapreciação,respeitosamentesediscordadoentendimentoexpressado

poralgunsautores,comdestaqueparaoProfessor JorgedeFigueiredoDias,ao

determinaremque,noâmbitodacausalidadevirtualouhipotética,oagente“cria

umperigonãopermitidoeestematerializa-senoresultadotípico”83.Pelospróprios

termos em que é definida, a circunstância da sua falta de concretização no

resultado efetivamente verificado é elemento essencial e caracterizador da sua

existência, concretização essa que é substituída pela hipotética capacidade e

83TalcomoindicaoProfessorJorgedeFigueiredoDias,nasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina342.

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67

virtualidade teórica para tal materialização, face à interposição de diferente

processolesivodosbensjurídicosqueaoprocessoinicialsesobrepõeequeapenas

semantémpresentenosseustermosaparentes.

Destaforma,consideraçãoàpartedesta,cujoâmbitonãodeveráserconfundido

com o da imputação objetiva, é o da possível e debatida necessidade de

responsabilização criminal e punição do agente que iniciou o processo causal

hipotético,quenuncasechegaassimamaterializarnoresultado,mesmotendoem

conta,comoanalisado,queestenãopoderáserobjetivamenteatribuídoàsuaação,

mormentesepresentesereunidososelementossubjetivosdeumaaçãodolosa.

Emborapossaserentendidoquenãofarásentido“atribuiraoDireitoPenalasua

persistêncianatuteladeumbemjurídicoquejáestádefinitivamentecondenadoa

perder-se”84 , acreditamos que, desde que reunidos os respetivos pressupostos

legais,mormenteemrelaçãoàimputaçãosubjetivadoresultado,oagentesempre

deveráserresponsabilizadopelocrimenasuaformatentada.

Naverdade,emboraoDireitoPenaldevatercaráctersubsidiário,oabandonototal

e forçado do âmbito da sua proteção face à interposição de segundo processo

causal lesivo, que se sobrepõe a um que,mesmo assim, chegou a ser iniciado,

conduzindo, àpartida, ànãopuniçãodoautordeste,parece-nosconstituiruma

excessivareduçãodosseusprincípios,oquejánãoseencontrapatenteatravésda

responsabilizaçãodoagenteatítulodetentativa,casoseverifiqueaexistênciado

elemento subjetivodedolodo agente e seja admissível a punição do crime em

causapelasuaformatentada,nostermosgeraisdaleipenal.

Embora liminarmente afastada a imputação objetiva do resultado efetivamente

verificadoàação,pornãotraduziraqueleaconsequênciatípicaefactualdestenem

seapresentadocomoamaterializaçãodoperigointroduzidonaesferaderiscoda

vítimapeloagente,sempresediráque,casoestejapresenteoreferidoelemento

subjetivo doloso, tendo em conta que não se encontram legalmente previstas

tentativasnegligentesemDireitoPenal,estenãodeveráserdesconsiderado,sendo

oseuescopoaindaaproveitadoeutilizadoparaefeitosdeclassificaçãodetalfacto

comocrime,nasuaformatentada.

84ComodefendeoProfessorJorgedeFigueiredoDias,nasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina343.

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68

Realçamos,deumaperspetivainversa,ecomfrequenteinvocaçãopráticaemjuízo,

que parao autorda causa efetiva, isto é, aquela quenaprática acaboupor ser

objetivamente causadora do resultado, a existência, no plano concreto, de uma

adicionalcausa,estavirtual,que,emprincípioedeformaabstrata,teriaporefeito

aocorrênciadoresultadoemtermossemelhantesaosverificados,seestabelece

em Direito Penal 85 como irrelevante para efeitos da imputação objetiva do

resultado àquele e consequente possibilidade de exclusão da sua

responsabilização criminal já que “a causa real considera-se efetivamente causa

mesmoquesejacertoqueelesempreseproduziriaemresultadodacausavirtual,

umavezqueacausavirtualnãopossuiarelevâncianegativadeexcluí-la,poisem

nada afeta o nexo causal”, tal comodispõe o Acórdão do SupremoTribunal de

Justiçade15deMarçode2012,noprocesso3976/06.0TBCSC.L1.S186.

7.2.AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSAL

Analisadosostermospuramentehipotéticosemqueacausavirtualcontribuipara

a produção de um determinado resultado verificado, configurando-se como

irrelevantequeremtermosdasuaimputaçãoobjetivaaoautordacausahipotética

quer para o autor da causa real efetivamente materializada no resultado,

constatou-sequea causavirtualnunca chega,noplanoprático,aomomentoda

cristalizaçãodasuaconcretizaçãofactualnaquele,sendoaprópriacircunstância

deestanãosematerializarnoeventolesivo,emboratendoaabstrata

capacidadetípicapara tal,oseu fatordefinidor.

Ora,acircunstânciadeestapoderseracausadeumresultadodomesmotipodo

ocorrido (não querendo isto significar que as lesões efetivamente verificadas

tenhamdeteramesmaqualidade,apenascumprindoobjetivotípicosemelhante),

embora essa capacidade nunca chegue a tomar contornos factuais de

concretização objetiva, tem origem na interposição nesse processo lesivo dito

inicialdeumoutroqueoafetadetal formaqueimpedeasuacontinuação.Esta

85Poroposição,emparticular,comoDireitoCivil,nocampodaResponsabilidadeCivil,emqueacausavirtualpoderáterrelevânciapositivaparaefeitosdeafirmaçãodaimputaçãoobjetiva.86Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

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69

interposição,desdequereunidososrespetivosrequisitosnormativos,temcomo

efeitoqueonexocausal,istoé,aligaçãodesentidoquepermiteafirmarqueum

eventolesivoapenastemlugarfaceàocorrênciapréviadacondutadeumagente,

seconsidereinterrompido.

Àconexãodesentidocausalàpartidapresente,éadicionadoumoutroprocesso

causal, que se lhe sobrepõe, esvaziando-o de sentido objetivo e afastando, se

reunidososrespetivosrequisitos,asuaimputaçãoemrelaçãoaoresultado.

Destemodo,ainterrupçãoconstitui-seassimcomoa“situaçãoemqueaoprocesso

lesivo desencadeado pelo agente se sobrepõe outro, autónomo, que produz

antecipadamenteoresultadoqueoprocessoinicialiriadesencadear”87,peloque“os

casosdeinterrupçãodacausalidadesãoaquelesemqueàcausapostapeloagente

sesobrepõeoutracausa,igualmenteadequadaparaproduziroresultado,masque

nãoprovémdomesmoagente,querdiretamente,quercomoconsequênciadacausa

inicial,sendocasosdeescola,porexemplo:oincêndionohospital,morrendoavítima

emconsequênciadesseincêndioenãodaslesõessofridas,eoacidentenotransporte

paraohospital,queprovocaoutraslesõesàvítima,sendoestasacausadamorte”,

comodeterminaoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode04deOutubrode

2006,noprocessoJTRP0003953388.

Verificada a interrupção do nexo causal, a imputação objetiva não poderá ser

afirmada já que, como se tem vindo a expor, a inicial ligação existente entre a

condutaeoprevisívelresultadoperdeapossibilidadefácticadasuacontinuação

ematerializaçãofinalnoeventolesivo.

Todavia, quando e em que termos normativos se deve afirmar a existência da

interrupçãodonexocausal,excluindoaimputaçãoobjetiva?

87TalcomoestabeleceaProfessoraAnaPrata,noseuDicionárioJurídico,VolumeII,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2011,naspáginas279e280.88Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 73: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

70

Nos termos da teoria das condições equivalentes, com base na operação de

retrocesso mental que o julgador deverá fazer para avaliar, com base nas

circunstâncias em apreço, a existência de um nexo causal entre o resultado

verificadoeaaçãoinicialdoagente,aimputaçãoobjetivadeverá,mesmoassim,

serafirmadaemtodosos casosemqueseverifiquequesenão fosseaconduta

inicial do agente a vítima nunca teria sido colocada no enquadramento prático

necessário que veio a permitir que esta sofresse a lesão efetiva dos seus bens

jurídicos, pelo que é ainda considerada condição factual e, por isso, segundo o

entendimentodaconditiosinequanon,causa jurídicaparaefeitosde imputação

objetiva,acondutadoagentesemaqualoeventonãoteriaefetivamenteocorrido.

Na realidade, nos termos em que a teoria é formulada, tornam-se bastante

infrequentes, senão quase impossíveis, os casosemque a interrupçãodonexo

causalpodesertidoemcontaparaefeitosdoafastamentodaimputaçãoobjetiva

doresultado.Sendoutilizadoumjuízomentaldesupressão,realizadoaposteriori

pelo julgador, e devendo ser afirmada como causa para efeitos de imputação

qualquer ação sem a qualo eventonão tivesseocorrido, a regressão subtrativa

posterior ao facto imposta por tal critério sempre tenderá a não perspetivar

quaisquerdesviosocorridos,pormaisrelevantesoudísparesemrelaçãoàação

inicialdoagente,comointerferindonoprocessolesivoinicial,estabelecendoasua

necessidadepráticaparaaproduçãodoresultado.

Consubstanciandoesteentendimentonostermosdosexemplosapresentadospelo

documento jurisprudencial suprarreferido, vindo a vítima a falecer em

consequênciadoindicadoincêndioouacidentedeviaçãoocorrido,ofacto,porsi

só,deavítimaseencontrarpresentenaambulânciaoujánohospital,tendosido

colocadanessacircunstânciaemconsequênciadaanteriorlesãoprovocadapelo

agente,queaobrigouadeslocar-seouaserlevadaparaohospital,vale,deforma

singular e em termos puramente causais, para afirmar a imputação objetiva,

desconsiderandodogmaticamentequalquerinterrupçãoverificada.

Assim, procedendo-se à subtração mental de cada uma das condições

contributivasparaoresultado,umavezquesemainicialcondutalesivadoagente

avítimanãoteriadeterestadopresente,naquelascircunstâncias,nolocalonde,

em ocorrência posterior, veio a deflagrar incêndio, ou dentro da viatura de

emergênciamédica que acaboupor se envolver em acidente rodoviário,não se

Page 74: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

71

observa interrompida a relação causal uma vez que a ação do agente foi ainda

condiçãodaproduçãodoresultado,afirmando-seasuaimputaçãoobjetiva.

Consequentemente, nos termos desta teoria, “basta que o agente tenha posto

qualquerdascondições, semaqualoresultadoconcretonãosepoderia verificar,

para que este se lhe possa objetivamente imputar; o nexo de causalidade não se

haveráexcluídoquandoconcorramquaisquercircunstânciasestranhasaoagente,

dadoquebastaaexistênciadeumaúnicacondiçãopostapeloagenteparaqueo

resultadoselhepossaimputar”89.

Peranteaquestão“senãofosseapráticadestacondutapeloagente,teriaavítima

sofrido tal lesão?”, nuclear na aplicação da teoria das condições equivalentes,

apresenta-seassim,quantoanós,difícilaconfiguraçãodecontextofactualemque

uma ocorrência de interposição causal posterior à conduta obrigue à sua

descaracterizaçãoenquantocondiçãoparaaverificaçãodoresultado,sendoque,

desde que sepossa afirmar que a açãodo agente tenhacontribuído,de alguma

forma,paraaproduçãodoeventolesivo,sedeverámanterafirmadaaverificação

darelaçãodecausalidade,obrigandoàimputaçãoobjetivanessestermos.

As consequências práticas da aplicação desta teoria no contexto da análise da

interrupção do nexo causal constituem-se assim como claramente excessivas,

sofrendodebastantes insuficiências lógicas,principalmentenoquesecrêsera

faltadejustificaçãoteleológicadasuaafirmaçãodeimputação,desdelogoporque

noscasosemqueoprocessocausalinicialéintersectadoporoutro,distintodeste,

o resultado apenas a nível histórico e eventualmente subjetivo terá ainda uma

ligaçãocausalcomaaçãoinicialdoagente,autordaprocessolesivointerrompido,

implicandoaafirmaçãodaimputação,mesmoassimesemlevaressainterrupção

emconsideração,umaextensãoincomportáveldatuteladoDireitoPenal.

89TalcomodeterminaoProfessorEduardoCorreia,nasuaobraDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaAlmeida,de1971,napágina254.

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72

Por outro lado, os termos da teoria da adequação, erigida e fundamentada em

termos normativos, e não puramente naturalísticos, implicam a invocação, tal

comoensinaoProfessorAméricoTaipadeCarvalho,doessencialcritériojurídico

da“adequaçãosocial”90,segundooqualarelaçãocausalapenasserárelevantepara

efeitosdeafirmaçãodeimputaçãoobjetivase,deacordocomumjuízodeprognose

póstuma,sepudesserazoavelmentepreverqueoresultadosurgiria,nostermos

em que veio efetivamente a ocorrer, como consequência normal, expectável e

típicada condutadoagente.Assim,a interrupçãodonexocausalserárelevante

desdequeainterposiçãodeoutroprocessolesivoemrelaçãoàquelequetinhasido

já iniciado pelo agente não fosse para este, ou para alguém com os seus

conhecimentoscolocadonasmesmascircunstâncias,edeacordocomasregrasda

experiênciacomonormaleexpectável.

Destaforma,asobreposiçãodeeventolesivo,diversoeposterior,apenaslevaráà

afirmaçãodaexclusãodaimputaçãoobjetivaseaoagentenãofosseinicialmente

possívelprevereesperarqueainterrupçãoviesseaocorrernostermosconcretos

em que depois efetivamente se verifica, de acordo com um critério de

previsibilidadetípicaerazoável,comoconsequênciadasuaacção.

Uma vez que critério da adequação se deve referir a todo o processo causal, a

atuaçãode terceiroouacircunstância fortuitanaturalquevenhama integraro

processocausaldesencadeadopeloagente,“excluemaimputaçãoobjetiva,anão

serquesemostremcomoprevisíveisouprováveis”91,faceàaçãodoagente.

Naverdade,deacordocomadeterminaçãodoAcórdãodoSupremoTribunalde

Justiça de 07 de Dezembro de 1988, no processo 039628, verificando-se que o

agente “despoletou todo o processo, e que ele previu [o resultado] como

consequência da sua atuação e afinal aceitou, sendo-lhe, assim, perfeitamente

previsíveisasconsequências”dessaatuação,mesmoqueporinterposiçãoposterior

a esta de outro processo causal, “não há, quanto a este, a interrupção do nexo

causal”92.

90ComodeterminaoProfessorAméricoTaipadeCarvalho,naobraDireitoPenal,ParteGeral,QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2008,napágina305.91TalcomodeterminaoProfessorJorgedeFigueiredoDias,emDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina330.92Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 76: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

73

Talsignificaqueseosurgimentodaintervençãoouatuaçãodeumterceiroouaté

circunstâncias naturais provenientes de caso fortuito, embora empiricamente

distintasdacondutadoagente,pudessemsertidasporestecomorazoavelmente

expectáveis como consequência adequada da sua conduta, não deverá assim

considerar-se juridicamente interrompido o nexo causal, afirmando-se, dessa

forma,aimputaçãoobjetivadoresultadoàsuaação.

Já nos termos da teoria da conexão de risco, a análise da possível interrupção

deveráserfeitacombasenaapreciaçãodaafetaçãoconcretadasesferasderisco

presenteseemanálise,devendooperigoproibidocriadopeloagenteserainda

aquelequeseconcretizanaesferaderiscoafetadapelalesãosofrida.

Nessesentido,paraapuraranecessidadedeafirmaçãoouexclusãodaimputação

objetivadoresultadoverificadoàaçãoemapreço,ter-se-ádepartirdaafirmação

daassunçãodaesferaderiscodavítimaimpostaaoagenteprimáriodoprocesso

lesivoemanálise,comparandotalesferacomassubsequentementeafetadaspor

atuação de terceiro ou por circunstâncias naturais e fortuitas, para apurar a

necessidade de afirmação ou de exclusão da imputação objetiva do resultado

verificadoàaçãoemapreço,sendoque “seoagenteultrapassao limitedo risco

permitido, e faz subir as probabilidades de certo evento, pode-se tomar

juridicamenteresponsávelpelaproduçãodesseevento”93.Destemodo,oprocesso

causal apenas se pode considerar interrompido se a ultrapassagem do risco

realizadapeloagenteseconcretizaemeventojásemligaçãodesentidoprático-

normativoàsuaconduta,eporissoforadessaesferaderiscoporsiinicialmente

afetada.

Afirmadaainterrupçãodonexocausaleexcluídaaimputaçãoobjetivaentreaação

e o resultado por a ligação de sentido axiológico e normativo inicialmente

estabelecidaentreambostersidoquebradafaceàinterposiçãodeprocessolesivo

posteriornocontextofactual,apossibilidadederesponsabilizaçãodoagentepelo

crimenasuaformaconsumadafica,desdelogo,afastada.

93Tal como determina o autor Claus Roxin, na obraProblemas Fundamentais do Direito Penal, na 6ªreimpressãodaEditoraVeja,de2004,naspáginas157e158.

Page 77: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

74

Todavia,talcomojáapreciadorelativamenteàquestãodacausalidadehipotética

na perspetiva do agente que vê o processo por si iniciado não sematerializar

naqueleresultado,semprepoderáoagentecujoprocessolesivoéintersectadopor

açãodeoutremouporcasofortuitodecorrentedecircunstancialismonaturalque

se lhe sobrepõe, ser penalmente responsabilizadopelo crimeem apreçona sua

forma tentada, desde que reunidos os respetivos elementos subjetivos

necessários,ouseja,odolo,nostermosdoartigo14ºdoCódigoPenal,admitindo

tambémotipolegalemcausaapuniçãodatentativa.

7.2.1.AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSALEOCOMPORTAMENTODA

VÍTIMA

Merecedestaque,deformaisolada,oestudodainfluênciadacontribuiçãocausal

davítimaparaaproduçãodoresultadolesivo,queéaprópriaquevemasofrer,

paraefeitosdoestabelecimentodaimputaçãoobjetivadesseresultadoàaçãodo

agente.Váriassãoasquestõeslevantadasporestetema,principalmentenoscasos

associadosaoaumentodagravidadeoudoâmbitodaslesões jásofridas,ouaté

faceacondiçãopré-existentedaprópriavítimaquepotenciaamaterializaçãodo

resultado naqueles exatos termos, funcionado tais circunstâncias de forma

associadaouemcumulaçãoparaaproduçãodoresultado.

Partindo do entendimento doutrinário de que, “em princípio, o resultado não é

imputável em virtude da interposição da autorresponsabilidade da vítima” 94 ,

importaapreciarqualajustificaçãonormativaquepermitedistinguiroscasosde

relevânciadaatuaçãodavítimaparaefeitosdaimputaçãoobjetivadoresultado,

nomeadamenteparaoseuafastamento,eaquelesemqueacondutadestanãose

constituicomoentraveàafirmaçãodetalatribuição.

94TalcomoestabeleceoProfessorJorgedeFigueiredoDias,naobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina335.

Page 78: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

75

Deacordocomocritérionormativodaadequação,desdequeaposteriorconduta

davítimaseapresentecomoanormaleatípica,nãopodendooagente,deacordo

comumjuízoexante,preverobjetivamentetalocorrênciaemconsequênciadasua

ação,talintervençãopessoaldoofendidoterácomoefeitoaexclusãodaimputação

objetiva,faceàinterrupçãodonexocausalditoinicialdesteprocessocomaação

doagente.

Segundoestateoria,acontribuiçãocausaldaprópriavítimaparaaproduçãodo

eventolesivo,terácomoefeitoanegaçãodaimputaçãoobjetivaaoagentedesde

queaquelanãopudessetersidoobjetivamenteprevistaeesperadapeloautorda

conduta,comoconsequêncianormaldosacontecimentos,apreciaçãoquedeveser

feitanostermosdeumjuízodeprognosepóstuma,talcomoanalisado95,esempre

se ressalvando, caso seja negada a imputação objetiva do resultado, a

possibilidadederesponsabilizaçãodoagentepelocrimenasuaformatentada,se

reunidososrespetivospressupostonecessários.

Porém, o escopo mais generalizado da formulação do critério normativo da

adequação, quando aplicado à problemática inerente à intervenção de

comportamentodaprópriavítimanaproduçãodeumresultadoqueéparaaquela

lesivodosseusbens jurídicos,apresenta-se,nonossoentendimento,demasiado

vago, principalmente tendo em conta os diversos graus de contribuição causal

concretosepossíveiseaquestãodanecessidadedasuacumulaçãocomconduta

ofensivadoagente.

Nesse sentido, podendo configurar-se a participação causal da própria vítima

como uma “colaboração dolosa na sua autocolocação em risco”, bem como

uma“heterocolocação em risco por esta consentida” 96 , o âmbito aplicativo do

critériodaadequaçãoparece-nos ficarnormativamenteaquémda consideração

absolutadestascircunstâncias,nãopermitindoojuízodaprevisibilidadefazerjus

àtotalidadedesentidovalorativodestascircunstâncias.

95NoCapítulo4destaDissertação.96TalcomodeterminaoProfessorPauloPintodeAlbuquerque,nasuaobraComentárioaoCódigoPenalàLuzdaConstituiçãodaRepúblicaedaConvençãodaUniãoEuropeia,na3ªediçãodaAlmedina,de2015,napágina79.Refereaindaterceirocasodentrodestecampodeestudo,quedesignacomoode“imputaçãoaumâmbitoderesponsabilidadealheio”,quenãojulgamos,porém,mereceraconsideradoautonomizadanoâmbitodaanálisedeparticipaçãodiretadavítimanaproduçãodoresultado,antespertencendoaoquadrogeraldeapreciaçãodaimputaçãoobjetivafaceàcausaçãodoeventolesivojánaesferadeterceiro.

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76

Ocritériodo riscopermitido, juntamente coma importânciadaprovamaterial

apresentada relativa ao peso efetivo das contribuições concorrentes, deverá

erigir-secomoatravemestranaapreciaçãodovalordacondutadoofendidoeda

possívelnegaçãodaimputaçãoobjetivadoresultadoverificadofaceàafirmação,

poressemotivo,dainterrupçãodonexocausal.

Embora a imputação objetiva não deva, em termos gerais, ser afastada face “à

circunstância de a conduta do arguido ser apenas uma de várias causas desse

resultado”97,aprovaproduzidarelativamenteaopesodacontribuiçãodaatuação

davítimaparaaocorrênciaconcretadoeventolesivoseráfundamental,ilustrando

talentendimento,acontrario,oAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeGuimarãesde

21 de Janeiro de 2016, no processo 1238/11.0TBBCL.G1, ao dispor que “a

circunstânciadeafalecidanãolevarcolocadoocintodecirculaçãosóporsinãoa

torna responsável ou corresponsável pela produção da sua morte, não se tendo

provadoqueanãocolocaçãodocintoconcorreuparaaproduçãodoresultado”98.

Acresceque,jáforadoâmbitodatipicidadeobjetiva,oartigo38ºdoCódigoPenal

excluiailicitudedacondutadoagenteseestaforpraticadacomoconsentimento

davítima,desdequeestejamemcausa“interessesjurídicoslivrementedisponíveis”.

Todavia, ainda em sede da imputação objetiva, o facto de a vítima contribuir

causalmenteparaoaumentoouparaacriaçãodoperigoquedepoisseconcretiza

noeventolesivoverificado,podeservir,desdelogo,ecomosedisse,paranegara

imputaçãovistopoderteraparticipaçãodoofendidocomoefeitoainterrupçãodo

nexocausalestabelecido,nãosendosequernecessáriooposteriordebaterelativo

à presença depossível causade justificação no caso concreto.Nestes termos, a

contribuição da vítimapara a produçãodo resultado lesivo,que a própriavem

depoisasofrer,deverásersuperioràaçãoquecriaouaumentaoperigoemapreço

equeoagente introduznaesferaprivadaeprotegidadaquela,peloqueamera

contribuiçãodopróprioofendidoparaaproduçãodoresultado,apenascomoum

fatorderiscoadicionalno contextoprático,nãose constituirá,porsisó,paraa

afirmaçãodainterrupçãodonexocausaledeperigo;asuacontribuição,istoé,a

suaheterocolocaçãoconsentidaouaautocolocaçãodolosaemperigo,temdeser

97 Assim o estabelece o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Março de 2015, noprocesso10004/09.2TDPRT.P2,disponívelemhttp://www.dgsi.pt98Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

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77

determinanteparaacriaçãoouincrementaçãodoriscoque,narealidade,seacaba

porconcretizar,deformanegativa,nasuaesferajuridicamenteprotegida.

Estaéumaanálisedeterminantementecasuísta,peloque,comosereferiu,aprova

produzida em juízo será decisiva para a diferenciação e individualização dos

diversosriscosedasuaconcretamaterialização,sendoestes,nostermosdateoria

da conexão de risco, os fatores determinantes para a apreciação da eventual

interrupção do nexo causal nestes termos e consequente afastamento da

imputaçãoobjetiva.

7.2.2.AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSALEACAUSALIDADE

INDIRECTA

Ainda no âmbito do estudo da interrupção do nexo causal, questão bastante

debatidaedecontornosefronteiraspoucodefinidoséadeatéquepontoéque

umresultado se pode ainda atribuirobjetivamente aumaconduta quando este

surgeligadoàquelademodonãolineareimediatomasdeformaindiretaequando

sedeveantesafirmarainterrupçãoefetivadarelaçãodesentidocausalentreos

eventosejánãooseucarácterindireto.

ComoensinaoProfessorManuelCavaleiroFerreira,“Acausaaquesesegueoutra

causaqueédaquelanecessárioefeitoéaindacausaadequada”99.

Desta forma, acausa indireta,posteriormente interpostanoprocesso lesivoem

apreço,éaindarelevanteparaaimputaçãoobjetivadoresultadoàaçãodoagente,

sempre que esta apenas tenha tido lugar face à existência da conduta prévia

daqueleepormotivodesta, istoé,nãosurgindocomouma “causaacidental”100

interpostanodecorrerdoprocessolesivo.

Deformaesquematizada,tem-seque,aoinvésdeaaçãodoagentesematerializar

diretamentenoresultado,asuacondutalevaantesàocorrênciadeoutraououtras

99NaobraLiçõesdeDireitoPenal,ParteGeralI,ALeiPenaleaTeoriadoCrimenoCódigoPenalde1982,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2008,napágina156.100Naobrasuprarreferia,napágina154.

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78

causas,sendodepoisessasqueconduzemàproduçãodiretadoeventolesivo,mas

apenasocorrendoestasfaceàquelaaçãoinicial,aafirmaçãodestaligaçãodeveser

feitacombasenocritériodaadequação.

Nestes termos,desdequepresenteorequisitodaadequaçãoeprevisibilidade,é

ainda possível afirmar a imputação objetiva nos casos em que se verifique um

intervalodetempo,mesmoquesignificativo,entreaaçãoeoresultado,ouseja,

mesmoqueentreaproduçãodoeventolesivoeaaçãosuacausadoraseverifique

interposto um período temporal, não se observando a produção da ocorrência

lesiva de forma imediata.Este períodonão interromperá,mesmoassim,o nexo

causaldesdequesemantenhaainda,pelocritériodaadequação,umarelaçãode

sentidonormativoquepermitaaindaafirmaraprevisibilidadedaquelaocorrência,

comoderivadadacondutaemapreço.

Na realidade, o confronto das figuras da interrupção do nexo causal e da

causalidadeindireta,queimpõeaindaanecessidadedaafirmaçãoda imputação

objetiva nos termos expostos, é divergência bastante presente no contexto

jurisprudencialdosistema jurídico-penalportuguês,principalmenteaonívelda

apresentação em juízo de argumentações de defesa da exclusão da imputação

objetiva por motivo de decurso de tempo ou face à evolução da lesão inicial

produzidaparaumadeoutrotipo,merecendoporissoumaanáliseemdetalhe.

DeterminaoAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade15deMarçode2007,no

processo07B220,que,noâmbitodestaproblemática,devesertidoemconta,de

formadeterminanteo"evoluirlógicodascoisas,atémesmocompreensívelàluzda

experiência comum, da realidade da vida; a morte não surgiu de imediato, mas

posteriormente por ato daquela agressão, em nenhum caso se afirmando que as

intercorrências infeciosas não sejam no imediatismo temporal derivadas da

encefalopatia, conducente, depois, àmorte, pese embora o lapso de tempo de 11

mesese20diasquedecorreuentreaagressãoeamorte,quenãodestruiuaquele

nexo”101.

101Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

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Concretizandoesteentendimento,oAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode

30deOutubrode2013,noprocesso10004/09.2TDPRT.P1,expressaque“nãose

pode afirmar a quebra no nexo de causalidade entre as lesões causadas e a sua

subsequente morte porque aquelas foram ainda a causa necessária desta; o

resultado produzido mostra-se causalmente ligado à conduta do arguido, não

consubstanciando aquelamorte uma consequência imprevisível ou de verificação

rara, nem para a mesma tendo contribuído qualquer fator imprevisível ou raro.

Entre o comportamento do arguido e a morte da vítima existe uma relação de

causalidade necessária, englobando o requisito da previsibilidade - o agente da

condutapoderiapreverquedamesmaresultariaaofensanavidadeumapessoa,

nenhumfatorestranho,imprevisívelourarosetendointrometidonodecursodonexo

causalqueseinicioucomacondutailícitaeculminounareferidamorte”102.

DerealçaraindaoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvorade03deNovembro

de2015,noprocesso9558/12.0TDLSB.E1,aoestabelecer,nestesentidoque“éde

afirmaraimputaçãoobjetiva,emcasodemorteporbroncopneumoniaeemcasode

infeçãopulmonarporbactériacontraídasemmeiohospitalarcercademêsemeio

apósoacidente”103,bemcomooAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbrade25

deMarçode2010,noprocesso1828/06.3TALRA.C1,aodisporque“seconcluique

a causaúltima damorte foiapneumonia que contraiu, como se conclui que esta

pneumonia foi determinada, maioritariamente, pelas lesões sofridas como

consequênciadoembate (…)apneumonia,na sequênciadas lesõessofridascomo

consequência do embate (…) ocorreria com alta probabilidade. Assim, não pode

afirmar-se,nocaso,averificaçãodequalquerquebranonexodecausalidadeentre

as lesõescausadaseasuasubsequentemorte–aquelasforamacausanecessária

desta;oresultadoproduzido(morte)mostra-se,pois,causalmenteligadoàconduta

doarguido,nãoconsubstanciandoaquelamorteumaconsequênciaimprevisívelou

deverificaçãoraranemparaamesmatendocontribuídoqualquerfatorimprevisível

ouraro.Emsuma,entreocomportamentodoarguidoeamortedavítimaexisteuma

relação de causalidade, nos termos constantes da matéria de facto considerada

provada,englobandoorequisitodaprevisibilidade–oagentedacondutapoderia

prever que da mesma resultaria a ofensa na vida de uma pessoa, nenhum fator

102Disponívelemhttp://www.dgsi.pt103Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

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80

estranho, imprevisível ou raro (designadamente a aludida pneumonia) se tendo

intrometido no decurso do nexo causal que se iniciou com a conduta ilícita e

culminounareferidamorte”104.

Deste modo, o critério da adequação, traduzido num juízo de previsibilidade

razoável, aplicado pelo julgador através de uma prognose póstuma, sempre se

deverá constituircomoamáximaregentedaanáliseedeterminação legaldesta

questão,deformaaestabeleceraessencialdistinçãoentreumnexodecausalidade

presentemasnãoimediatamenteverificávelnaconcretizaçãodocrimemateriale

umainterrupçãoconcretaenormativadonexocausalinicialmenteestabelecido.

7.3.OCOMPORTAMENTOLÍCITOALTERNATIVO

Sendoapresentados factossuficientes, em juízo,quepermitam“demonstrarque

um comportamento alternativo lícito em nada teria servido para evitar o

resultado”105, a imputação objetiva deverá, em princípio, ser excluída.De facto,

“nassituaçõesemquesevemaverificar,posteriormente,quemesmoqueoagente

tivesseatuadolicitamente,oresultadoseverificarianamesma,(…)ter-se-ádenegar

aimputaçãodoresultadoàconduta”106.

Importarealçarqueocritériodocomportamento lícitoalternativonãopartilha

significado prático-normativo com os casos de causalidade virtual. Nestes, o

processo lesivodito virtualnunca chega a terapossibilidade, real e efetiva,de

produziroresultado,resultadoessequeacaba,noentanto,porserealizar,faceà

interposiçãodeumoutroprocessodomesmotipo.

Comofoianalisado,enãosendopossívelimputarobjetivamenteoresultadoaessa

causa,queapenasfuncionaassimemtermoshipotéticosenãoconcretizadospara

aproduçãodoeventolesivo,paraoautordesseprocessovirtual,reserva-se,no

104Disponívelemhttp://www.dgsi.pt 105TalcomodeterminaoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode22deAbrilde2015,noprocesso46/11.3TAMCD.P1,disponívelemhttp://www.dgsi.pt106 Como determina o Professor Américo Taipa de Carvalho, na sua obra Direito Penal, Parte Geral,QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2008,napágina311.

Page 84: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

81

máximodosseustermoslegais,apuniçãodocrimeemcausaatítulodetentativa,

sendoque,paraoautordacausareal,emconcursoapenashipotéticocomaquela,

aexistênciadeprocessoadicionalcomacapacidadeabstrata,masnãorealizada,

deproduçãodeumresultadosemelhanteaoquecausou,éparasiirrelevantepara

efeitosdeimputaçãoobjetiva.

Porém,aproblemáticaoraemanáliseimplica,pelocontrário,queoagentetenha

atuadoequeasuacondutasetenhaconcretizadoemresultadoefetivoelesivodos

bensjurídicosemcausa.Narealidade,doqueagorasetrataédapossibilidadede

exclusãodaimputaçãoobjetivafaceàverificação,posterioraoseventosocorridos,

dequeseoagentetivessetidoumaatuaçãoconformeaoDireito,oresultadoteria

aindatidolugar,nasmesmascondições.

Importa quanto à referida verificaçãodenotarque,noâmbitoda apreciaçãodo

comportamento lícito alternativo enquanto critério de exclusão da imputação

objetiva,seexigeque,aposteriori,sejapossívelafirmarqueoresultadoemcausa

teriaocorridomesmoqueacondutadoagentetivessesidolícita,comumgraude

segurança,nomínimo,bastanterazoável.

Assim,questãoàpartedestaéa levantadapeloscasosemqueseverificaquea

ocorrênciadoeventolesivo,mesmoqueaaçãodoagentetivessesidoconformeà

lei,teriaaindaassimtidolugar,verificaçãoessaapenaspassívelderealizaçãode

deummodoprováveloupossível.

Não cremosque estesproblemas sedevam entender enquanto pertencentes ao

verdadeiro âmbito dos comportamentos lícitos alternativos face à inerente

distorção do conceito destes a que a sua inclusão obrigaria; poder afirmar, de

formaefetivaecomsegurançajurídica,quealgoteriaocorridomesmoseoagente

tivessecumpridoasimposiçõesjurídicas,importaumgraudecertezaque,quanto

anós,deveráserbastanteparagarantirarazoávelprobabilidadedessaafirmação,

nãosendosuficienteasuamerapossibilidade.

Page 85: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

82

Este entendimento não é partilhado pela totalidade da doutrina, comdestaque

para a alemã, emparticularparao autorRolfDietrichHerzberg107,defendendo

que, nos casosemque a afirmaçãodaocorrênciado evento lesivo, face aoutra

condutadoagente,estaconformeàleiapenaspossaserfeitaemtermosdasua

possibilidade abstrata, mesmo assim deve a imputação objetiva ser afastada,

justificandotalposiçãoatravésdainvocaçãodoprincípiodoindubioporreo.

Sendo verificado, de forma puramente provável, que o resultado, ainda assim,

poderiatertidolugar,aafirmaçãoouoafastamentodaimputaçãoobjetiva,jánão

pormeiodaaplicaçãodiretadocritériodocomportamentolícitoalternativo,não

estandopresentes,comoindicámos,elementossuficientesparaasuainvocação,

depende antes da prova concreta apresentada em juízo, tanto quanto à

contribuição efetiva da conduta para a produção do resultado bem como em

relação às circunstâncias alternativas que teriam tido lugar se o agente tivesse

agido licitamente. O princípio do in dubio por reonão será assim ferido, nesta

circunstância,desdequerespeitadooprincípiodalivreapreciaçãodaprova,sendo

afastadaaimputaçãoemcasodedúvidafundada,masapenasapósaapresentação

eanálisedetodaaprovadisponível,partilhandotalentendimentooTribunalda

Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 21 de Setembro de 2011, no processo

794/04.4GBILH.C1,aoestabelecerque“Roxinsóadmiteaabsolviçãosesepuder

afirmarqueocomportamentolícitoalternativoteria,comsegurança,conduzidoao

mesmoresultado”108.

Acreditamostambémqueoescopodoscomportamentoslícitosalternativosganha

reais contornos práticos aquando da sua aplicação ao estudo das condutas

negligentes, istoporqueocarácteressencialdestecritérionormativoéodanão

responsabilizaçãopenaldoagenteporaçãoindevidaquandoumcomportamento

seuconformeaodireitoteriatido,seguramente,omesmoresultado.Ora,sendo,

deacordocomessabitola, afastadaa imputaçãoobjetiva,permanece, todavia, a

necessidadedeanálisedacomponentesubjetivadenotadanaaçãodoagente,no

momentodapráticadofacto.Seesteagiudeformanegligente,ouseja,violando

107NoartigoDieKausalitätbeimunechtenUnterlassungsdelikt,publicadonarevistadedireitoMDR,número64,naediçãode1971,disponívelemhttps://www.mdr-recht.de.108Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 86: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

83

objetivamenteumdever de cuidado que,no caso concreto, lhe era exigível que

tivesserespeitado,enãosendopossívelaimputaçãoobjetivanostermosdescritos,

asuaresponsabilizaçãotorna-se,afinal,nessestermosimpossível,conduzindoà

suaimpunidadepenal109.

Contudo, a sua atuação com dolo permite ainda, por outro lado, a

responsabilização pelo crime na sua forma tentada, sendo tal legalmente

admissível. Destarte, não é que o critério não se possa, de acordo com esta

apreciação, ser invocado em relação às condutas dolosas sendo que, lá está, o

poderáser;todavia,aaplicação,combasenoseusignificadojurídico,nostermos

emquesefundamentaenoseuresultadoprático-normativo,apresenta-secomo

bastantemaisfrequenteemrelaçãoàscondutasnegligentes.

Assim, apreciados as circunstâncias em que a verificação de uma realidade

alternativa de comportamento lícito com os mesmos efeitos práticos leva à

negaçãodaimputaçãoobjetivadoresultadoàação,importa,noentanto,perceber

ajustificaçãonormativaparatalexclusão.Defacto,trata-seaqui,aposteriori,de

negarumvínculocausaledeperigoexistenteentreacondutaeumalesão,existido

demarcadadivergênciadoutrinalquantoàfundamentaçãodesseafastamentode

imputação.

Deacordocomosapologistasdateoriadaconexãoderisco,averificaçãodeum

enquadramentodecomportamentolícitoalternativo,nostermossupraexpostos,

implicará a negação da imputação objetiva com base numa dupla vertente

justificativa.

Por um lado, exigindo esta teoria a presença dos seus essenciais requisitos

normativos110paraoestabelecimentodaimputaçãoobjetiva,aafirmaçãodeque

mesmoqueseacondutadoagentetivessesidolícitaoresultadoaindaassimteria

ocorrido,levaàimpossibilidadedaafirmaçãodeque,narealidade,oagentetenha

chegadoaaumentaroucriarumrisconãopermitidoparaobemjurídico,nãose

109 Não se pretende, porém, indicar excluídos todos os tipos de responsabilidade legal, mormente, acontraordenacional,sepresentesosdevidospressupostosparaasuainvocação.110AnalisadosnoCapítulo6destaDissertação.

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84

podendoassimverificar,posteriormente,qualquermaterializaçãodestenoevento

lesivoobservado.

Poroutrolado,umavezquetantoacondutadesconformeaoDireitocomoasua

alternativalícitateriamproduzidoigualefeitolesivo,afirmamosapologistasdesta

teoria que se imputação objetiva não fosse negada, tal seria atentatório do

princípioda igualdade,poisconstituiriaa“puniçãodaviolaçãodeumdevercujo

cumprimento teria sido inútil”, tal com enuncia o Professor Jorge de Figueiredo

Dias111,aosubscreveroentendimentodoautoralemãoClausRoxinnestamatéria.

NessesentidodispõetambémoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvorade10de

Dezembrode2012,noprocesso30/03.0TASTR.E2, a estabelecer que, quanto à

“ausência de conexão de risco entre a conduta e o resultado, (…) tal ausência

verificar-se-ianoscasosemqueoresultadoseapresentassecomoinevitávelmesmo

queoagentetivessecumpridoodever”112.

Esta teoria justifica assim o afastamento da imputação objetiva partindo da

aplicaçãodoprincípiogeraldaigualdadeedesteretirandoosentidodainutilidade

jurídicadocumprimentododeverimpostoaoagente,negandoainexistênciada

criaçãooudeincrementoefetivodoumrisco,nocontextodasuaação,desdeque

oresultadotivesseocorridomesmoseoagentetivesseagidolicitamente.

No seguimento dessa lógica, indicam ainda os seus defensores que a teoria da

adequaçãoémanifestamenteinsuficienteparaaapreciaçãodaimputaçãoobjetiva

uma vez que, de acordo com esta, sendo o resultado em abstrato adequado à

produção do resultado em apreço a imputação sempre teria de ser, semmais,

afirmada.

Discorda-se da fundamentação exposta, entendendo-se, aliás, que a justificação

normativa oferecida pela teoria da adequação, para além de permitir a efetiva

consideraçãodoscomportamentoslícitosalternativosparaefeitosdoafastamento

daimputaçãoobjetiva,édotadademaiorjuridicidadeesuperiormétodológicona

suaanálise.

Ateoriadaconexãoderiscoempregaummétodoqueseconfiguracomoatitude

teóricaexcessivamenterevisionistadosacontecimentospassados,procedendoa

111NasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina338.112Disponívelemhttp://www.dgsi.pt

Page 88: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

85

um afastamento da ilicitude da ação do agente, de ummodo necessariamente

retroativo.Naverdade,aoestabelecerainutilidadedocumprimentododeverpelo

agente,fá-lojácomcompletoconhecimentodosacontecimentosfuturos,nãopor

meiodejuízoexante,sendocertoquenomomentodapráticadoatonãoexistiam

condiçõesquepermitiamaoagente,semmais,afirmartalinutilidade.

Adicionalmente,nãoseconcorda comaafirmaçãoda inexistênciadecriaçãoou

incrementodoriscoconcretopeloagente, constituindoesta,quantoanós,uma

negaçãodorealdesvalordaaçãopraticada.Sendoafastadoodesvalordoresultado

faceaoenquadramentolegaldocomportamentolícitoalternativo,talnãoimplica

arecusadequeacondutadaqueleagentefoi,emsimesmaeporquecontráriaao

Direito,penalmentedesvaliosa.

Pormeiodateoriadaadequação,aimputaçãoobjetivadoresultadoàação,sempre

queseverifique,deformarazoável,quemesmoqueacondutadoagentetivesse

sido lícita o evento lesivo teria sido produzido, terá de ser negada face à não

verificaçãodaexistênciadeumarelaçãodecausalidadesinequanonentreação

realeresultadoocorrido,sendoque“nãoexistenexocausalefetivoentreaconduta

ilícitaeo resultado (…),pois,mesmoque,emvezdela, fossepraticadaaconduta

lícita,oresultadoter-se-iaproduzidoigualmente”113.

Aanálisedocarácterabstratamenteadequadodaaçãoparaproduzirumresultado

determinado114, enquanto critérionormativo queé, apenasé trazidoà colação

após aprévia enecessáriaafirmaçãodeumnexode causalidade real e efetivo,

existentenoplanonaturalístico.Em facedo comportamento lícitoalternativo, a

conduta ilícita do agente não se pode afirmar como condição estritamente

necessáriadaocorrênciadoacontecimentolesivo,antesconduzindoàafirmação

dequeesteteriaocorridomesmosemaquela,peranteaçãoconformeaoDireito,

nãoseconfigurandoestacomocondiçãofactualsemaqualoresultadonãoteria

tidolugar,acrescentando-seaindaque,emgrandepartedoscontextosdescritos,

os resultados concretamenteobtidos no plano empírico se configuram ainda já

foradoespaçodeprevisibilidadetípicaemfacedosconhecimentoseexperiência

113 Afirmação do Professora Américo Taipa de Carvalho, em Direito Penal, Parte Geral, QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,de,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2008,napágina314.114 NostermosapreciadosnoCapítulo4destaDissertação.

Page 89: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

86

comuns, aplicados à situação, tal como defendo o Professo Paulo Pinto de

Albuquerque115.

Estafundamentaçãonãorepresentaumaregressãoteóricaaostermosdateoria

das condições equivalentes pois, como apreciado a esse propósito, a teoria da

adequação, embora não se limitando a esta, sempre terá de partir da noção

fundamental da ação enquanto indispensável elemento causador do resultado,

sempre funcionando a causalidade como garantia inultrapassável e essencial

pedra-de-toquedatodaaimputaçãoobjetivaemDireitoPenal.

115 Na sua obra ComentárioaoCódigoPenalàLuzdaConstituiçãodaRepúblicaedaConvençãodaUniãoEuropeia,na3ªediçãodaAlmedina,de2015,napágina80.

Page 90: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

87

8.DIREITOCOMPARADO

8.1.AIMPUTAÇÃOOBJECTIVANOSSISTEMADECOMMONLAW

Nos ordenamentos jurídicos de common law, em que o Direito se estabelece e

desenvolve, fundamentalmente, atravésdasdecisões judiciasdos tribunais, por

comparaçãocomosordenamentosdecivil law,deinfluênciaromano-germânica,

erigidosefundamentadosatravésdaprimaziadosatoslegislativos,aimputação

objetivaemDireitoPenalfuncionaatravésdeumsistemadeduplaverificaçãode

causalidade.

Pormeio do sistema em vigor, a verificação da imputação objetiva é realizada

através de dois níveis sucessivos de confirmação: no primeiro, é analisada a

causalidadefactualentreumacondutaeoresultadoproduzido,sendoque,sendo

estaconfirmada,seavançaparaosegundoplano,emqueéanalisadaapossível

existênciadacausalidadenostermosdoscritériosjurisprudenciaisfixados,para

quepossaseraferidaachamadacausalidadelegal(legalcause)116.

A existência de uma relação de causalidade factual entre o comportamento do

agente eo evento lesivo queefetivamenteocorreu é analisadapormeio deum

testedesignadoporTestedoSeNãoFosse.Nostermosdeste,éimpostoaojulgador

que,peranteosresultadosproduzidos,coloqueaperguntarelativaa“senãofosse

aquelaaçãodoagenteoresultadoter-se-iaverificado?”

De acordo com esta enunciação, a verificação da causalidade factual, nesse

primeiroplano,éefetuadaatravésdeumtestedenecessidadecausal,devendoser

questionado pelo julgador se a conduta do agente se apresentou como

estritamentenecessáriaparaaocorrênciadoevento,funcionandoesteteste,em

termosteóricosecomparativos,porcontornoseditamessemelhantesàquelesque

regemateoriadaconditiosinequanon.

116 ExpressãoemCausationintheLaw,dosautoresH.L.A.HarteTonyHonoré,na2ªediçãodaOxfordUniversityPress,de1985,napágina126.

Page 91: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

88

Para a realização da análise da necessidade causal de determinado

comportamento do agente para a específica ocorrência lesiva verificada,

estabelecem os tribunais que a causalidade deve ser compreendida através do

critério base do entendimento de um homem comum mediano, devendo este

depois ser suplementado e reforçado pela métrica do senso comum, tal como

estabeleceadecisãoproferidapeloSupremoTribunaldaAustrália,noprocesso

MarchvStramare,de1991117.

Numsegundograu,esendopreviamente,nostermosdescritos,pormeiodeuma

resposta positiva no âmbito do teste de necessidade, afirmada a relação de

causalidadefactual,estabelecendo-seassimqueaaçãodoagentefoiestritamente

necessária para a produção daquele resultado, impõe-se a análise da sua

causalidadelegal.Talrelaçãodeveráseravaliadapormeiodeumjuízojánãode

necessidademasdesuficiência,sendoestabelecidacomocausaemsentidolegal,

demododefinitivoemtermosdeimputação,aaçãoquesetenhaconstituídocomo

um elemento necessário de um conjunto de condições, condições essas

conjuntamentesuficientesparaamaterializaçãodoresultadoemapreço.

Ostermosdestaavaliaçãoforamformulados,pelaprimeiravez,pelosautoresH.L.

A.HarteTonyHonoré,nasuaobraCausalidadenaLei,sendoestarealizadaatravés

do teste NESS, sigla designativa da expressão necessary element of a set of

conditionssufficientfortheresult118.

Segundoeste,considerar-se-ácausalegalparaefeitodeimputaçãoobjetivaacausa

maispróximaaoeventolesivo.Estejuízodeproximidadeempregadopelotestede

suficiência, proximidade essa necessária quer em termos temporais quer em

relação à sua localização e espaço físico, serve para limitar as anteriores

possibilidadesdaobtençãodeumlequedesoluçõesdemasiadoextenso,inerente

àanálisedacausalidadefactualafirmadapormeiodotestedenecessidade,não

sendoassimrequisitoqueacondutadoagenteseconfigure,porsisó,comoacausa

únicadoresultado,exigindo-se,noentanto,queasuacontribuiçãocausal tenha

sidosignificativa.

117Disponívelemhttp://www.austlii.edu.au118Naspáginas182eseguintesdareferidaobra,supraidentificada.

Page 92: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

89

Destemodo,osordenamentosdecommon law encontrama legitimação jurídica

paraassoluçõesobtidasemsededeimputaçãoobjetivaatravésdeumaaferição

duplamentereforçada,sendoemcadacasoexigidoque,numnívelmínimoinicial,

a conduta do agente tenha sido necessária para a concretização do resultado e

depois,jáafirmadoessecarácternecessáriodaaçãodoagente,quesetenhaesta

demonstrado,emsimesma,comosuficienteparaaocorrência.Comosedisse,a

afirmaçãoda suficiência não implicará a exclusividade causalou a exigência de

inexistência de quaisquer processos causais adicionais a contribuir para o

resultado. Todavia, e mesmo assim, a conduta do agente deverá ter sido

determinanteparaaocorrênciadoprocessolesivo.

Nessa sequência, observada a existência de causas concorrentes, ambas se

concretizado no processo lesivo, mas não sendo possível determinar o seu

específicoautor,numenquadramentodesignadoporsobredeterminaçãocausal,

em correspondência de sentido à figura da causalidade alternativa, nos termos

apreciados no Capítulo 5 desta Dissertação, a diretiva fixada pelo processo

Summers v. Tice 119 , de 1948, determina que o resultado seja objetivamente

imputadoatodososagentes.

Adicionalmente, verificadas causas concorrentes no concreto contexto prático,

verificando-se,noentanto,queapenasdasuacombinaçãofactualfoipossívelobter

tal resultado lesivo, numa situação de causalidade cumulativa, o entendimento

jurisprudencial generalizado é o de que, mesmo assim, deverá ser afirmada a

imputação objetiva aos vários autores das condutas em apreço, nos termos do

decididonoprocessoHillv.Edmonds120,de1966.

Nestestermos,paraquepossaserdadarespostapositivaaotestedesuficiência,a

relação causal em apreço não se poderá observar interrompida, pelo que, de

acordocomajurisprudênciafixada,averificaçãodeumasituaçãodenovusactus

interveniens, que constitui uma intervening cause 121 na relação de causalidade

119Disponívelemhttps://scocal.stanford.edu/opinion/summers-v-tice-26161120Disponívelemhttps://h2o.law.harvard.edu/cases/120121ConformeoartigodoautorMichaelS.Moore,intituladoMetaphysicsofCausalIntervention,publicadopelaCaliforniaLawReview,disponívelemhttp://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol88/iss3/10

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90

factualprimária,implicaráanegaçãodaexistênciadelegalcauseeaconsequente

impossibilidadedeimputaçãoobjetiva.

Onovus actus interveniens, que constitui assim a quebra da ligação de sentido

jurídicosentreoseventos,podeserconstituídopordiferentescircunstâncias,com

requisitosdeterminados,asaber:

i.AParticipaçãodaVítima

Averificaçãodainterposiçãodeumcomportamentodavítimanoprocessocausal,

emprincípio,não interromperáo nexode imputação. Contudo, se a atuaçãodo

ofendido se tiver demonstrado, no caso concreto, como uma reação

desproporcionaloudesrazoávelemrelaçãoàlesãoporsisofrida,constituiráum

novus actus interveniens, excluindo assim a imputação objetiva.De notar que o

tribunalapenasconsiderarárelevante,faceaoseucaráternegligente,aatuaçãoda

vítima que, após as lesõespor esta sofridas, demonstreumgraudedescuido e

incúria de tal forma grosseiro que tenha este vindo, de formapredominante, a

determinaropróprioresultadoporsisofrido.Nabastaqueoseudesleixopessoal

tenhafuncionadocomomeroacréscimocausalaoprocessoiniciadopeloagente,

talcomodeterminaadecisãonoprocessode1996RvDear122.Noâmbitodeste,

tendo a vítima vindo a falecer por efeito das facadas desferidas pelo agente,

invocouo arguido aexistênciadenovusactus interveniensdevido ao factode a

vítima,aosofreraslesões, terexpressadoqueasmerecia,nãotendoprocurado,

porisso,estancarassuashemorragias,comaintençãodeseesvairemsangue.O

tribunalcriminalinglêsconsiderouqueofactodeavítimanãoter,porqualquer

forma, tentado parar o sangramento ou aplicado pressão sobre os cortes, por

acreditar que “merecia morrer”, não deveria afastar a imputação da morte ao

agente,mantendo-se a condutadeste como a causaoperativa e significativado

resultadomorte,sendocausasuficientedoresultado.

122Disponívelemhttp://www.bailii.org

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91

Nomesmosentido,noprocessoRvRoberts123,de1971,damesmajurisdição,não

foi afastada a imputação objetiva das lesões graves sofridas pela vítima,

produzidasaquandodoseuprocessodefugaaoagente,tendoestasaltadodeum

carroemandamentoemrespostaàameaçadelesãofísicaporsisentidadentroda

viatura. Esta decisão jurisprudencial firmou o entendimento de que não releva

para efeitos de atribuição jurídica o facto de o agente não ter previsto a

possibilidadedeumareaçãodaqueletipoporpartedavítima,bemcomoassuas

consequênciaspráticas.Narealidade,nostermosdestadecisão,foifixadoqueum

comportamentodavítimaapenaspoderáserinvocadoenquantofactointerruptivo

darelaçãodecausalidadeemcasosextremosdeatitudestotalmenteinesperadas

ouestranhasdoofendido, face à lesãoou ameaçade lesãopor aquele sentidas.

Assim,aoagenteforamaindaimputadasaslesõesqueavítimasofreuporseatirar

da viatura, que seguia a alta velocidade, entendendo-se que a ameaça de lesão

efetuada pelo agente foi suficiente, segundo o tribunal, para causar tal reação,

devendoesterespondercriminalmentepelasconsequênciasdesta.

Aestaregrateórico-jurisprudencialdecaráctergeral,acresceaindaumadiretiva

de imputação objetiva, aplicável na análise de qualquer processo causal lesivo,

designadaporregradocrâniofinoetambémconhecidaporteoriadacascadeovo.

Segundoesta,ainesperadafragilidadedavítimanãopodeserinvocadacomofator

justificativo da negação da imputação objetiva, principalmente como meio de

defesa de lesões cuja gravidade apenas se torna possível ou é exacerbada por

condiçãopré-existentedavítima,mesmoquenãoconhecidadoautor.

Poroutraspalavras,“thedefendantmusttaketheplaintiffwithallhisweaknesses,

beliefs and reactions aswell as his capacities and attributes, physical, social and

economic”,talcomoafirmadopelojuizMichaelMcHughdoSupremoTribunalda

Austrália,noprocessoNadervUrbanTransitAuthorityofNewSouthWales124.

Também em cumprimento desta regra de imputação, o Supremo Tribunal do

Estado do Iowa, nos Estados Unidos, no processoBenn v. Thomas125, de 1994,

determinouqueaimputaçãodoresultadomorteàcondutadoagentenãodeveria

123Disponívelemhttp://www.bailii.org 124Disponívelemhttp://www.austlii.edu.au125Disponívelemhttps://law.justia.com/cases/iowa/supreme-court/

Page 95: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

92

serafastadaquandoavítima,apósumacidentedeviação,causadopelaconduta

doagente,venhaafalecerporacidentecardiovascularfataldavítima,mesmoque

apenas alguns dias depois. A vítima, previamente ao acidente, já sofria de

problemas cardíacos, tendo o agente invocado que a condição cardíaca pré-

existentedavítima,encontrando-seestamedicamentemaissuscetívelasofrertais

episódios,interrompiaonexocausal,nãopodendoporissooresultadomorteser-

lheimputado.

Todavia,oSupremoTribunaldeterminounãoexistirqualquerinterrupção,antes

afirmando a causalidade factual e legal, e por isso a devida imputação,mesmo

sabendo, face à prova produzida, que o acidente, naquelas circunstâncias

concretas, em relação a uma outra pessoa sem problemas cardíacos, não teria

seguramentecausadoamorte.

Destemodo,osresultadosproduzidospormotivodasespeciaisvulnerabilidades

da vítima, mesmo que estas não constituam condições normais, expectáveis e

comuns numa “vítima média”, deverão ainda ser tidas em conta em sede de

imputaçãoobjetiva,quersejamconhecidasounãopeloagente,nãoafastandoo

nexodeimputação.

Étambémpormotivodestaregraqueostribunaistêmvindoaestabelecerquea

imputaçãodeveráserafirmadamesmonoscasosemqueaprópriavítimatenha

recusado,devidoacrençasououtrosmotivospessoais,tratamentosmédicosque

podiamtersalvoasuavidaouevitadolesõespermanentes.

Nessesentido,noprocessoRv.Blaue126,de1975, tendooarguidoesfaqueadoa

vítima,verificou-se,jánohospital,queestairianecessitardeumatransfusãode

sangue. Contudo, sendo esta Testemunha de Jeová, recusou perentoriamente

qualquertipodetransfusãosanguínea,vindoa falecer.Mesmoassim,otribunal

inglêsafirmouanecessidadedeimputaçãoobjetivadamorteàcondutadoagente,

apesardaquelarecusa,recusaessaque,comaltaprobabilidade,teriasalvoasua

vida,tendoconsideradoquesenão fossepelaatuaçãodoagenteavítimanunca

teria sido colocada na situação de ter de aprovar ou recusar o seu curso de

126Disponívelemhttp://www.bailii.org

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93

tratamento, devendo quem causa lesões a outrem “aceitar a vítima tal como a

encontra”.

TambémnoprocessoRvHolland,127maisantigo,de1841,otribunaldomesmo

modo decidiu pela afirmação da imputação do resultado verificado, no caso a

mortedavítima,mesmofaceàrecusadestaemaceitaro tratamentonecessário

(nocaso,umaamputação)parasalvarasuavida,umavezquealesãopraticada

peloagenteinicioutodooprocessocausal,nãodevendoestatalrelaçãotípicaser

assimafastadanostermosdateoriadacascadeovo.

ii.AIntervençãodeTerceiro

Emtermossemelhantesaoestabelecidosemcivillawpelateoriadaadequação,a

atuação de um terceiro que interfira no processo causal iniciado pelo agente

interromperáarelaçãodecausalidade,anãoserqueestaseapresentassecomo

inicialmente previsível e esperada em consequência da conduta do agente, tal

comoestabelecidopeladecisãodotribunaldeapelaçãocriminaldeInglaterra,em

1981,noprocessoRvPagett128.

No âmbito desteprocesso, tendoo agente sequestrado a vítima e, cercadopela

polícia, tendo-autilizadocomoseuescudohumanonasua tentativade fuga,de

forma a evitar a sua captura, acabou aquela por ser baleada pela polícia, que

respondiaatirosdisparadospeloagente.

Em julgamento, o arguido defendeu-se invocando a exclusão da imputação do

resultadomorteàsuaação,faceàinterposiçãodaatuaçãopolicial,afirmaçãoque

nãoteveprovimento,faceàefetivaprevisibilidadedaqueletipoderespostapor

partedasautoridadesemsuapróprialegítimadefesa,emrelaçãoaosdisparosdo

arguido.

DenotartambémoinfluenteprocessoinglêsRvMalcherek129,de1971.Noâmbito

deste,tendooagentecausadoassériaslesõesfísicasqueimplicaramqueavítima

fosse colocada em máquina de suporte à vida, e sendo depois medicamente

determinado que aquela se encontrava em morte cerebral sem qualquer

127Disponívelemhttp://www.bailii.org128Disponívelemhttp://www.bailii.org129Disponívelemhttp://www.bailii.org

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94

possibilidadedereversão,foidecididopelaequipamédicadesligarasmáquinas,

tendoavítimafalecidoesendodepois,nessasequência,oagenteacusadodocrime

dehomicídio.

Emjulgamento,esteinvocouqueoresultadomortenãolhedeveriaserimputável

face à ação dosmédicos de desligar asmáquinas, ação essa que, quanto a ele,

deveriaserencaradacomointerrompendoonexocausal.Esteargumento,todavia,

nãoprocedeu,sendodeterminadoqueaslesõesfísicasporaqueleproduzidas,no

caso,asváriasfacadasquedesferiunoabdómendavítima,foramaverdadeirae

operativacausadamorte,sendosuficientesparatal,apenastendofuncionadoas

referidasmáquinas comoummétododesuspensãotemporaldosefeitosdessas

lesões,estassimasdeterminantesdamortedavítima,nãodevendoporissonegar-

seaimputaçãoobjetivadoresultadoàsuaação.

iii.IntervençãoMédica

Embora a análise da imputação objetiva, nos casos em que se verifica a

interposiçãodeatomédicoinadequadooudeficientenãodisponha,nossistemas

decommonlaw,ecomonoscasosanteriormenteapresentados,deentendimento

totalmentepacíficoegeneralizadoemsededeimputaçãoobjetiva,ocritériobase

presente nas respostas jurisprudenciais centra-se, maioritariamente, no

entendimentodequeumaintervençãomédicaapenaspoderáexcluirarelaçãode

causalidadelegaljáafirmadapelotestedenecessidadenascircunstânciasemque

seja observado um contexto de negligência médica tão grave que o resultado

verificadotenhajáperdidoasualigaçãodesentidocausalcomaatuaçãodoagente,

talcomoestabelecemosprocessosRvCheshire,de1991,eRvJordan,de1956130.

Desta forma, constituindo a causalidade o essencial conceito que determina a

organizaçãodosistemadeimputaçãoobjetivadescrito,eprocedendoesteauma

dupla análise e confirmação do nexo causal, tanto quanto ao seu carácter de

necessidade bem como ao da sua suficiência para a produção do resultado, as

regrasjurisprudênciasfixadasnosordenamentosdecommonlawconfiguramum

130Ambosdisponíveisemhttp://www.bailii.org

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95

sistemadeimputaçãoobjetivaemqueaatribuição jurídicados factoslesivosàs

condutas dos agentes se apresenta tendencialmente mais extensiva, tendo em

contaamenortónicavalorativaatribuídaqueraoconcursorealdecausasqueràs

causasconsideráveisparaefeitosdeafirmaçãodainterrupçãodonexocausal.

Face às distintas políticas criminais implementadas, a imputação demonstra-se

maisabrangentedoqueaimpostapelasnormaspenaisnossistemasdecivillaw,

desconsiderando diversas circunstâncias que estes tomam como entrave à

imputação epermitindo, nummaior conjuntode circunstâncias, a afirmação da

verificaçãodelegalcause,nostermosdasdecisõesjurisprudenciaisapresentadas.

8.2.AIMPUTAÇÃOOBJECTIVANODIREITOPENALBRASILEIRO

TalcomoindicadonoCapítulo3,oartigo13ºdoCódigoPenalbrasileiro,emsede

deimputaçãoobjetiva,consagralegalmentea teoriadascondiçõesequivalentes.

Comoapreciado,segundoestateoria,pelasuaformulaçãodaconditiosinequanon,

paraefeitosdaatribuiçãoobjetivadoeventolesivoaoagente,considera-secausa

todaacondiçãoquetenhacontribuídoparaaproduçãodoresultado,desdeque

semaquela,deacordocomumposteriorjuízodesubtraçãomental,nãosepudesse

afirmarqueeleteriatidolugar.

Desta forma, face aos termos em que esta teoria é configurada, desde que

concretamentenecessáriasparaoeventolesivo,todasascausastêmigualvalore

pesojurídicoindistinto,afirmaçãocomváriasconsequênciaspráticasderelevo.

Narealidade,talcomoestabeleceoProfessorE.MagalhãesNoronha131,“dentrodas

teoriasquemaiorprestígiodesfrutam,salienta-seaabraçadapornossoestatuto:a

daequivalênciadosantecedentes,oudaconditiosinequanon.Consoanteela,tudo

quanto concorre para o resultado é causa. Todas as forças concorrentes para o

evento,nocasoconcreto,apreciadas,querisolada,querconjuntamente,equivalem-

senacausalidade.Nemumasódelaspodeserabstraída,pois,decertomodo,seteria

de concluir que o resultado, na sua fenomenalidade concreta, não teria ocorrido.

131NoseulivroDireitoPenal,VolumeI,na38ºediçãodaEditoraRideel,de2009,napágina227.

Page 99: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

96

Formam uma unidade infragmentável. Relacionadas ao evento, tal como este

ocorreu,foramtodasigualmentenecessárias,aindaquequalqueruma,semoauxílio

dasoutras,nãotivessesidosuficiente.

Emconsequência,aindaqueapenasdacombinaçãodasdiversascondutasresulte

a produção do evento lesivo verificado, num contexto de causas concorrentes

cumulativas,desdequeemrelaçãoatodaspossaserafirmadaasuacontribuição

concretaparaaocorrênciadoresultado,dever-se-áprocederàimputaçãoobjetiva

doresultadoacadauma,conduzindoàresponsabilizaçãodosagentespelofacto

consumado.

Adicionalmente, a interrupçãodonexocausal,particularmentepor interposição

decomportamentodaprópriavítimaoupelaverificaçãodeexistênciaderelações

causaisindiretas,combastantemenorfrequênciaseencontraconfiguradocomo

elementoquepermitaaexclusãodonexocausal.

De facto, ainda segundoaquele autor brasileiro, “o nexo causal entrea açãoe o

eventonãoéinterrompidopelainterferênciacooperantedeoutrascausas.Assim,no

homicídio,onexocausalentreacondutadodelinquenteeoresultado,morte,não

deixadesubsistir,aindaquandoparatalresultadohajacontribuído,porexemplo,a

particularcondiçãofisiológicadavítimaouafaltadetratamentoadequado.Diante

donossoCódigo,ohomicídionãodeixadesertal,aindaqueparaoexícioconcorram

outrascausas,comoseogolpeédadoemumhemofílicoouemumdiabético,ouseo

ofendido não tiver seguido, ainda que voluntariamente, as observações médicas

impostasporseuestado.Todassãocausasconcorrentesparaoresultadoenãosehá

deexcluiradevidaaoagente”132.

Todavia,importasalientaraprevisãodomesmodiploma,nostermosdoseuartigo

14º, em como “a superveniência de causa relativamente independente exclui a

imputaçãoquando,porsisó,produziuoresultado”,relevandoassimparaefeitosde

interrupção da relação e consequente exclusão da imputação, apenas o facto

posterior, interposto ao processo lesivo iniciado pelo agente, que tiver a

capacidadede,porsisó,conduziràproduçãodaqueleresultado.

132Nosupraidentificadolivrodoreferidoautor,napágina228.

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97

Acresceque,talcomodeterminaadecisãodoSuperiorTribunaldeJustiçade18

deNovembrode2002,noprocessoRHC11685RS2001/0094041-8, “o Código

Penal,aoadotaraconditiosinequanonparaaaferiçãoentreocomportamentodo

agenteeoresultado,ofezlimitandosuaamplitudepeloexamedoelementosubjetivo

- somente assume relevoa causalidade dirigida pelamanifestação davontadedo

agente,culposaoudolosamente.

Dentrodaação,a relação causalestabeleceo vínculoentreocomportamentoem

sentidoestritoeoresultado.Elapermiteconcluirseofazerdoagentefoiounãoo

queocasionouaocorrênciatípica,eesteéoproblemainicialdetodainvestigação

quetenhaporfimincluiroagentenoacontecerpunívelefixarasuaresponsabilidade

penal”133.

Assim, e quanto a essa faceta em termos semelhantes aos do sistema penal

português,mesmoconfirmadaanecessidadedeatribuiçãoobjetivadoresultado

típicoàaçãodoagente,sempresedemonstranecessárioqueestelhesejaainda

imputáveldeformasubjetiva,correspondendoasuacondutaafactodolosoou,nos

casosespecialmenteprevistospeloCódigoPenalbrasileiro,factoculposodaquele,

correspondendoestafiguradaculpa,essencialmente,àdanegligêncianodireito

penal português, dotando, dessa forma, o carácter de subjetividade essencial à

atribuição, dita completa, do resultado lesivo à ação do agente, na apreciação

global da sua conduta, de uma necessária e maior exatidão jurídico-penal,

limitando, em parte, a expansividade objetiva da teoria das condições

equivalentes.

133Disponívelemhttps://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea

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98

9.CONCLUSÕES

EstaDissertaçãodeMestradotevecomoobjetivodasuademanda investigativa,

quepartiudeumaopçãodecentralizaçãotemáticaemsededeimputaçãoobjetiva

emDireitoPenal,aprocuraderespostasdevidamentefundamentadasemrelação

àsprincipaisquestõespresentesnaanálisedaconcorrênciadeprocessoscausais

naproduçãodeumresultadoeproblemáticasasiassociadas,masdestadistintas,

naóticadosfactospraticadosporação,pelaspessoassingulares.

Reconhecendo o conceito de causalidade como a essencial trave mestra da

tipicidade objetiva nos crimes materiais, observou-se, a título de contraste, o

diferente panorama histórico existente antes da sua invocação jurídica,

nomeadamente através da utilização de ordálias. Estas, religiosamente

fundamentadas pela crença de um juízo divino que se acreditava presente e

diretamenteobservávelnessasprovassolenes,substituíamaobservaçãodeuma

relação causal por um judicium dei obtido através de conclusões falaciosas e

místicas.

Assim, a causalidade, enquanto relação de causa-efeito entre dois eventos,

permitindoaafirmaçãofácticaecomprováveldequeumresultadolesivoapenas

teve lugar como consequência de uma prévia conduta, erigindo-se com apelo

axiológicoedesignificadoemrelaçãoàsciênciasnaturaiseàfilosofia,constituiu-

se como a baseda primeira teoriade imputaçãoobjetiva,propostana segunda

metadedoséculoXIX.

Equiparando as noções de causa e de condição, na sua original formulação da

conditiosinequanon,comométododaoperaçãomentaldesubtraçãoindividual

decadacondiçãoobservada,àteoriadascondiçõesequivalentesnãopodedeixar

desernegadooméritorevolucionárionaconsolidaçãodarelaçãocausalenquanto

escalãomínimoexigívelàafirmaçãodaimputaçãoobjetiva.Contudo,nãosereputa

este conceito, no seu enquadramento exclusivamente naturalístico, enquanto

suficientebitolamáximaeúnicadeatribuiçãoobjetiva.

Page 102: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

99

Assim,aevoluçãojurídicadaformulaçãoempíricadestaenunciaçãotomouforma

atravésdateoriadaadequação,propostanofinaldoséculoXIX.Emborapartindo

aindadoconceitopráticodacausalidade,nãoselimitaaeste,antesoutilizando

comoprimeiroescalãodeapreciaçãodosfactosconcretos.

Subsequentemente,sendoarelaçãocausalassimafirmada,deformasemelhanteà

análiseimpostapelaformulaçãodaconditiosinequanon,ateoriaintroduzdepois,

num segundoplano, através da imposição de um crivo de adequação social na

avaliaçãoda relação entre a açãoeo resultado, por intermédiodeum juízode

prognosepóstuma,umcaráterdenormatividadeque legitimaasuaapreciação,

apenasdevendoaimputaçãoserafirmadacasooresultadoverificadopudesseser,

no momento da ação e por qualquer agente nas mesmas circunstâncias,

identificado e previsto como consequência típica, expectável e normal da sua

conduta.

JánoséculoXX,ateoriadaconexãoderiscosurgiucomomodelodetentativade

resoluçãodeinvocadosproblemaspráticosqueoâmbitodateoriadaadequação

não permitia acomodar. De formulação essencialmente doutrinária e

jurisprudencial,esemconsagraçãolegislativageneralizada,trouxeàcolação,na

apreciaçãodonexode imputação,para alémda relação causal, que semantém

como a base dessa análise, o conceito de perigo e das esferas de risco

intervenientesnoprocessolesivo.

Destemodo,aimputaçãoobjetivaapenaspoderáserafirmadaquandoseverifique

queaaçãodoagentecriououincrementouumperigoproibidoparaobemjurídico

em apreço,perigo esse que sematerializouno resultado e cuja concretizaçãoo

âmbitoeofimdanormajurídico-penalemcausapretendiamevitar.

Consagrandoo regimepenalportuguêsa teoriadaadequação, comadicionaise

importantescontributosjurisprudenciaisrelativamenteàaplicaçãodocritérioda

conexão de risco como método da aferição das respostas obtidas pela teoria

legalmente prevista, principalmente em relação a casos limite de maiores

dificuldades dogmáticas, verificámos também, a título comparativo, o

enquadramentogeralde imputaçãoobjetivaemalgunsdosprincipaispaísesde

commonlawenoBrasil,tendodestapesquisaresultadooentendimentoexpresso

Page 103: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

100

dequeaproblemáticadosconcursosdecausasencontraumquadronormativo

bastantemaiscompletoedesenvolvidononossosistemapenal.

Na realidade, no âmbito da verificação da multiplicidade de causas reais na

produção de um evento lesivo, concorram essas causas cumulativa ou

alternativamente entre si, a teoria das condições equivalentes demonstra-se

tipicamenteexcessivatendoemcontaaafirmaçãodaimputaçãoobjetivapelofacto

consumadoaqueosseustermospuramentecasuísticosobrigam,estabelecendo

assim um nexo de imputação que ultrapassa a causalidade factual e que se

demonstraatentatóriadoprincípiodoindubioproreo.

Já a teoriadaadequaçãonospareceresolveruniformee fundamentadamentea

questão da imputação no concurso real de causas, tanto se verificando que a

condutadoagentecontribuiuadequadamenteparaaproduçãodoresultadomas

semostrou,singularmente,comoinsuficienteparatalprodução,bemcomoquea

sua ação, abstratamente adequada à condução ao evento lesivo, constituiu, no

entanto,umadeumconjuntodeoutrasdequalidadesemelhanteederealização

temporalsimultânea,sempossibilidadedeposteriorindividualizaçãodarelação

causal concreta, levando a sua formulação à negação da imputação objetiva,

ressalvando, nos termos da lei penal aplicável, a possibilidade de

responsabilizaçãodosagentespelofactotentado.

Questões diversas se debateram em sede de concurso aparente de causas,

expressão que abrange as divergências relativas à causalidade virtual e à sua

estreita relação com a interrupção do nexo causal, bem como a figura do

comportamentolícitoalternativo.

Estabelecidaarelevâncianegativadacausavirtualparaefeitosdasuaimputação

objetiva,queremrelaçãoàqueleque intervémcomoagenteefetivodoprocesso

concretizado, quer emrelação aoautordopróprio processohipotético, face ao

carácternãomaterializadono processo lesivoda sua ação,observámoscomoo

resultadonãodeveserimputadofaceàinexistênciadeumarelaçãodecausalidade

factual,quenãoseconcretizoudevidoàinterposiçãodeumaoutranoseudecurso,

afastandoestaquebracausalonexodeimputaçãopormotivodasuainterrupção.

Todavia, os fundamentos normativos que permitam afirmar tal interposição e

Page 104: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

101

consequentenecessidadedenegaçãodaimputaçãoobjetivaapresentamdiversas

particularidades.

Enquantoqueateoriadascondiçõesequivalentesimpõeoentendimentodeque,

desde que o autor tenha contribuído para a colocação da vítima no preciso

contexto fático que permitiu a lesão dos seus bens jurídicos, não deverão tais

circunstâncias ser consideradas como fator de quebra da relação causal e de

interrupçãodaquelenexo,devendoaimputaçãoserestabelecida,jáasteoriasdo

riscoedaadequaçãoobtêmdiferentetipoderesposta,aoempregaremmétricas

normativasnoestabelecimentoobjetivodaimputação.

Deacordocomaprimeira,serádecisivaaavaliaçãoconcretadasesferasderisco

afetadas,particularmenteseoresultadosedemonstraaindacomoaconcretização

doperigoinicialmentecriadoouaumentadopeloagentee,nostermosdasegunda,

só se apresentará como relevante para o afastamento da imputação face à

interrupção causal a circunstância que, de forma ex ante, não se pudesse

apresentarcomoadequadamenteprevisívelparaoagente,comoconsequênciada

suaação.

Adicionalmente,faceàsuaimportânciapráticaeàfrequênciadasdivergênciasnas

soluçõesjurisprudenciaisassociadas,aparticipaçãodecomportamentodavítima

e os processos causais indiretos foram também colocados em destaque dentro

desteâmbitodeestudo.

Quantoàprimeiraquestão,emboraacontribuiçãocausaledeperigodaprópria

vítimaexclua,emprincípio,aimputaçãodoresultadoaoagentedacondutalesiva

primária,afundamentaçãodetalexclusãonãoéunânime.

Ocritériodaadequaçãoapresenta-se,comosedefendeu,demasiadovagoeinexato

nosseustermosnormativosparaaavaliaçãodanecessidadedenegaçãotípicada

imputação, principalmente não tomando em consideração, através do critério

geral da adequação, a possibilidade de existência de diversos graus de

contribuiçãocausaldavítimaeaposteriornecessidadedecumulaçãodestacom

conduta ofensiva do agente, ainda para efeitos de responsabilização daquele.

Destarte,ocritériodaconexãoderisco,atravésdamétricaessencialdoprincípio

da autocolocação em risco dolosa da vítima, sempre levará à exclusão da

imputaçãoseacondutadoagentesetivermantidodentrodocontextonormativo

Page 105: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

102

doriscopermitido,riscoesse cujaesferasevêaumentar,paralelamente, coma

criaçãovoluntáriadeperigopelavítima.

Poroutrolado,relativamenteàsegunda,edevendoasrelaçõescausaisindiretas,

nomeadamenteemfacedainterposiçãodeperíodotemporalverificadoentreação

eresultado,seraindatidasemcontaparaefeitosdeimputaçãoobjetivaaoagente,

acreditamos que o critério da adequação se apresenta, neste âmbito, como a

métricanormativaquemelhorfundamentaaavaliaçãotípicanecessária,aoimpor

aafirmaçãodaimputaçãodesdequeoeventolesivoverificadocorrespondaainda

amaterializaçãoconsequencial,normale expectável,daconduta inicialdaquele

agente.

Aindanoâmbitodatemáticadosprocessoscausaisconcorrentes,nosseustermos

aparentes,finalizámosaapreciaçãocríticacomodestaqueeadiferenciaçãoem

relaçãoàsproblemáticasanteriormenteestudadasda figurado comportamento

lícitoalternativo.Nestecontexto,emboraaaçãodoagentesetenhaefetivamente

materializado em resultado lesivo e essa conduta se apresente contrária à lei

aplicável, verifica-se, todavia, que mesmo que se aquele tivesse agido em

conformidadeaoDireito,cumprindoalei,oeventolesivoteriaocorridonamesma,

emcontornossemelhantes.

Sendoreconhecidaanecessidadedeexclusãodaimputaçãoobjetiva,ajustificação

doutrinalejurisprudencialdaimposiçãodetalexclusãoé,porém,divergente.

Embora para os defensores da aplicação da teoria da conexão de risco o

fundamentodetalexclusãosedevaobterapartirda inexistênciade criaçãoou

incremento efetivo de um risco e na inutilidade prática do dever jurídico em

apreço,cremosqueestaargumentaçãonãodeveráproceder.Sendoqueaconduta

do agente se concretizou num resultado, negar, depois de verificado tal evento

lesivo,asuamaterializaçãofaceaposterioresverificaçõesteóricasnãonosparece

correto e consonante com a lógica do nosso sistema de imputação objetiva.

Adicionalmente,ocarácterdeinutilidadedodeveremcausanãopodefuncionar

retroativamente,sendoquenãoeraesteconhecidopeloagentenomomentoda

práticadoato,deacordocomumjuízoexante.

Assim,acredita-sequeateoriadaadequaçãoserevestedemaiorméritoevalor

lógiconaapreciaçãodestaproblemática,aoconduziràexclusãodaimputaçãopela

Page 106: Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses

103

verificaçãode inexistência,noseuprimeiroplanodeapreciaçãoda causalidade

naturalística, de ligação entre a ação e o resultado, aferida nos termos da

formulaçãodaconditiosinequanon,umavezquesetornapossívelafirmarqueo

mesmo acontecimento teria ocorridomesmo sem aquela ação ilícita do agente,

casotivesseesteagidoconformeaoDireito.

Desta forma, a multiplicidade de contribuições, reais ou aparentes, para a

produçãoderesultadoscomrelevânciajurídico-penal,semprenecessitatambém

de uma multiplicidade de soluções normativas que permitam, através da

verdadeira combinação dos seus termos e fundamentos, oferecer, tal como

exposto, respostas coesas e valorativamente justas em face dos princípios

estruturantesdeDireitoPenal.

Terminamos expressando o imenso gosto intelectual e pessoal tido, através da

oportunidade académica de realização de Dissertação de Mestrado, na sua

pesquisa,investigaçãoedesenvolvimentoescrito.

Comosecomeçouporindicar,ostemasdacausalidade,risco,imputaçãoobjetiva

e possibilidade de quebra de sentido nas ligações entre as ações e seus efeitos

práticos são, para nós, campos de extremo interesse. O estudo das relações de

causa-efeitoofereceumportaldepassagemparaumplanodeestudodotadode

considerávelassertividadeeclarezaintelectuais,circunstânciasquenemsempre

seachampresentesnoâmbitodasnecessáriasreflexõesrelativasaosmotivose

consequências dos comportamentos humanos, onde a aleatoriedade e

imprevisibilidaderegemgrandepartedasuarealidade.

Concluímoscomosincerodesejodequeestegostotemáticotenhatransparecido

noenquadramentoinvestigativodasquestõesapresentadasenaescritaqueselhe

apôs, na senda de apresentação de respostas e opiniões informadas e

fundamentadas, fazendo jus a tema de primordial importância em sede

classificativadeumfactocomocrimeedetantaconsideraçãoeinteressedaaluna

eautora.

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