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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS IMAGENS DA LÍNGUA MATERNA E DA TRADUÇÃO NO ENSINO DE FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA ANDREIA MATIAS AZEVEDO Rio de Janeiro Dezembro/ 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS

IMAGENS DA LÍNGUA MATERNA E DA TRADUÇÃO

NO ENSINO DE FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA

ANDREIA MATIAS AZEVEDO

Rio de Janeiro Dezembro/ 2010

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Imagens da língua materna e da tradução no ensino

de francês língua estrangeira

ANDREIA MATIAS AZEVEDO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

quesito para a obtenção do Título de Mestre em

Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos

– Opção Língua Francesa)

Orientadora: Profa. Doutora Márcia Atálla

Pietroluongo.

Rio de Janeiro

Dezembro/ 2010

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AZEVEDO, Andréia Matias Azevedo.

Imagens da língua materna e da tradução no ensino de francês língua

estrangeira/Andréia Matias Azevedo – Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras,

2010.

Orientadora: Márcia Atálla Pietroluongo.

Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas,

2010.

1. Francês. 2. Análise do Discurso 3. Estudos Linguísticos I. Pietroluongo,

Márcia Atálla II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Letras

Neolatinas. III. Título.

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Imagens da língua materna e da tradução no ensino de

francês língua estrangeira

Andréia Matias Azevedo

Orientadora: Professora Doutora Márcia Atálla Pietroluongo

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a

obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – opção:

Língua Francesa.

Examinada por:

_______________________________________________________

Presidente: Profa. Dra Márcia Atálla Pietroluongo – Orientadora

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

_____________________________________________________

Prof. Dr. Fernando Afonso de Almeida

Universidade Federal Fluminense – UFF

_______________________________________________________

Prof. Dr. Luis Carlos Balga Rodrigues

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

_______________________________________________________

Prof. Dr. Celso Novaes – PPG Linguística – Suplente

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

_______________________________________________________

Profa. Dra. Mercedes Riveiro Quintans Sebold – Suplente

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Rio de Janeiro

Dezembro/ 2010

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AGRADECIMENTOS

À professora Dra. Márcia Atálla Pietroluongo, minha orientadora, que me acolheu após

alguns anos distante do espaço acadêmico e acreditou no meu projeto, dando-me liberdade de

estudar um assunto pelo qual tenho interesse. Muito obrigada.

À professora Dra. Ângela Correa, que me reanimou ao publicar meu resumo como exemplo

no colóquio de 2010.

Ao professor Helênio de Oliveira, que me incentiva desde a graduação.

A Anne Coynel, que reconheceu meu trabalho como professora e me possibilitou viajar para a

França, onde encontrei os livros de que tanto precisava para minha dissertação.

Aos meus amigos da Aliança Francesa que responderam ao questionário desta pesquisa.

Ao meu amigo Christian Mendes, que me ajudou na elaboração do resumo em inglês.

Aos meus colegas e amigos do Mestrado, que tanto me incentivaram.

Às minhas amigas Débora de Castro Barros e Rosane Mavignier Guedes, que sempre

acreditaram em mim.

A todos os demais que colaboraram neste trabalho.

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Aos meus irmãos, Vagner e Adriana, que me ajudaram a enfrentar o falecimento de nosso pai

e a não abandonar os meus projetos.

Ao meu marido, amigo, companheiro, André Amaral, que me incentivou e compartilhou deste

meu projeto dia a dia.

Aos meus pais e amigos, Maria de Fátima Matias Silva e Geraldo Silva da Silva, que me

estruturaram como pessoa e me fizeram acreditar nos meus sonhos.

À minha mãe, agradeço a sensibilidade, o gosto ingênuo pela leitura. Sem conhecer os

clássicos, me levou a ler Madame Bovary, de Flaubert, Dona Flor e seus dois maridos, entre

tantos outros.

Ao meu pai, agradeço a doçura, a alegria, o gosto pela vida, o comprometimento em tudo que

fazia e a sensibilidade de saber viver, buscando soluções engraçadas mesmo nos nossos

momentos mais difíceis.

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“La présence de la L1 dans un système d’enseignement

en L2 laisse rarement indifférent. Aussi bien au niveau

de l’institution qu’à celui de la personne enseignante, on

ne peut en général se passer de s’intérroger et de

légiférer sur l’usage de la L1. De même, l’individu

apprenant qui recourt à sa L1 sait qu’il utilise un moyen

controversé, non conforme à la situation. C’est un peu

comme s’il essayait de faire de la géographie en classe

d’histoire.”

(LAURENT GAJO, 2001)

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RESUMO :

AZEVEDO, Andreia Matias. Imagens da língua materna e da tradução no ensino de francês

língua estrangeira. Rio de Janeiro, 2010. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas –

Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa) – Faculdade de Letras,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Esta pesquisa tem como objetivo analisar as imagens de língua e de ensino-

aprendizagem que advêm do uso e do não uso da tradução no ensino do francês língua

estrangeira (FLE), tendo como principal teórico Christian Puren. O estudo verificará as

imagens dos professores associadas à tradução como suporte pedagógico, visando a compará-

las com as explicitadas na nova orientação metodológica para línguas estrangeiras,

Perspectiva Acional (PA), e no Quadro Europeu Comum de Referência (CECR). Acredita-se

que a imagem dos professores com relação à tradução e à língua materna (LM) no FLE ainda

esteja atrelada a concepções monolinguísticas, e não às recentes teorias plurilinguísticas.

Além disso, este estudo compreende que o diálogo e o confronto de LM e de língua

estrangeira (LE) permitem tratar de aspectos ideológicos e memórias discursivas,

fundamentais na construção da significação. Para tanto, serão utilizados como corpus de

análise questionários realizados com 20 professores de francês do centro de língua Aliança

Francesa do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: tradução, língua materna, ensino-aprendizagem, imagens de língua

Rio de Janeiro

Dezembro/ 2010

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ABSTRACT

AZEVEDO, Andreia Matias. Images of the mother tongue and translation in the teaching of

French as a foreign language. Rio de Janeiro, 2010. Dissertation (Master in Neo-Latin

languages – Neo-Latin linguistic studies – Option: French) – Faculty of Letters, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 2010.

The aim of this research is to analyze the images of the language as well as the

teaching and learning practices that come upon the use or non use of translation in the

teaching of French as a foreign language (FFL). This work was mainly based on Christian

Puren’s theory. The study will focus on the images that the teachers associate with the

translation as a pedagogical aid, with the intent to compare them to the ones described in the

new methodological approach, in the task-based language teaching and in the Common

European Framework (CEF). It is believed that the teacher’s image of the use of translation

and the mother tongue in the (FFL) is still attached to monolinguistic conceptions, not to

plurilinguistic theories. Furthermore, this study states that the confrontation between the

mother tongue and the foreign language enables us to deal with ideological aspects and

discursive memories, which are essential in the construction of meaning. Therefore, the

corpus of this research consists of the analysis of questionnaires answered by twenty French

teachers from Aliança Francesa Rio de Janeiro.

Keywords: translation, mother tongue, teaching and learning, images of the language

Rio de Janeiro

Dezembro/ 2010

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RÉSUMÉ

AZEVEDO, Andreia Matias. Images de la langue maternelle et de la traduction dans

l’enseignement du français langue étrangère. Rio de Janeiro, 2010. Dissertation (Master en

lettres néolatines – Études linguistiques néolatines – Option langue française) – Faculté de

Lettres, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Cette recherche a pour but d’analyser les images de langue et d’enseignement-

apprentissage qui résultent de l’utilisation et de la non utilisation de la traduction dans

l’enseignement du français langue étrangère (FLE), dont le principal théoricien est Christian

Puren. Cette étude va vérifier les images des professeurs associées à la traduction comme

support pédagogique afin de les comparer avec celles formulées dans la nouvelle orientation

méthodologique pour les langues étrangères, la Perspective actionnelle (PA) et dans le Cadre

européen commun de référence (CECR). On croit que l’image des professeurs concernant la

traduction et la langue maternelle (LM) dans le FLE est encore liée à des conceptions

monolinguistiques, et non pas aux récentes théories pluriliguistiques. En outre, cette étude

considère que le dialogue et la confrontation de la LM et de la langue étrangère (LE)

permettent de traiter des aspects idéologiques et de mémoires discursives, fondamentales dans

la construction de la signification. Pour ce faire, seront utilisés comme corpus d’analyse des

questionnaires réalisés auprès de 20 professeurs de français du centre de langues Alliance

Française de Rio de Janeiro.

Mots-clés: traduction, langue maternelle, enseignement-apprentissage, images de

langue

Rio de Janeiro

Dezembro/ 2010

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 A TRADUÇÃO NA HISTÓRIA DO ENSINO-APRENDIZAGEM

DA LÍNGUA ESTRANGEIRA 15

1.1 Ascensão e declínio da tradução no ensino de FLE 18

1.1.1 Metodologia Tradicional (MT) 18

1.1.2 Metodologia Direta (MD) 22

1.1.3 Metodologia Ativa (MA) 25

1.1.4 Metodologia Áudio-Oral (MAO) 27

1.1.5 Metodologia Audiovisual (MAV) 28

1.2 Retorno sutil da tradução no ensino de FLE 32

1.2.1 Abordagem Comunicativa 32

1.2.2 Abordagem Comunicativa e Perspectiva Acional 34

2 EQUÍVOCOS, REPRESENTAÇÕES E FATOS 38

2.1 Língua materna e língua estrangeira 38

2.2 Representações de língua materna e de língua estrangeira no FLE 43

2.3 Tradução no ensino de FLE 49

2.4 Quadro Europeu Comum de Referência e Mediação 55

2.5 Manuais didáticos 62

3 IMAGENS DA TRADUÇÃO NO ENSINO DO FLE NO SÉCULO XXI 67

3.1 Contexto da pesquisa 67

3.2 Uso da língua materna no ensino de FLE 71

3.3 Uso da prática tradutória no ensino de FLE 86

3.4 Concepções de uso de LM e de tradução 95

CONCLUSÃO 104

BIBLIOGRAFIA 110

ANEXOS 114

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INTRODUÇÃO

Traduzir ou não traduzir no ensino de língua estrangeira (LE)? O uso da língua

materna (LM) no aprendizado de língua estrangeira (LE) sempre pareceu trazer polêmicas

para psicólogos, educadores e estudiosos da linguagem em geral, ao longo da história.

Segundo Claude Germain (1993), especialista em didática das línguas estrangeiras, já no ano

3000 AC, enquanto os sumérios concebiam como maléfico o uso de LM no aprendizado de

outra língua, os romanos – alguns milênios mais tarde – aprenderam o grego apoiado no

latim.

Muitos séculos mais tarde, a questão permanecia instigante. No século XVIII, as

línguas modernas também serão ensinadas baseadas no ensino do latim; porém, nesse

momento, a metodologia gramática-tradução começou a sofrer inúmeras críticas de

especialistas. A partir do século XX, o ensino de LE passou a ser feito, sobretudo, em LE. É

importante citar que um dos principais teóricos e divulgadores do pensamento educacional do

século XX foi John Dewey1 (1859-1952), fortemente influenciado pelo pragmatismo

americano. Segundo Dewey, o aluno, ao invés de armazenar informações, deveria aprender

fazendo.

No ensino de línguas, essa nova acepção propiciou o aparecimento da Metodologia

Direta (MD), no início do século XX, visando a uma formação mais prática e menos

humanística. A partir de 1950, com a Metodologia Áudio-Oral (MAO) e a Metodologia

Audiovisual, o ensino de língua passa a ser concebido, sobretudo, como instrumento de

comunicação.

1 Apud CAMBI, Franco. História da pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 1999. p. 513.

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Nos anos 1970 e 1980, com as novas teorias cognitivas, sociológicas,

sociolinguísticas sobre o ensino/aprendizado de LE, a tradução e a LM passam a ser

concebidas como estratégias importantes no processo de ensino/aprendizado do aluno.

Entretanto, de acordo com as pesquisas de Elisabeth Lavault (1998), o uso da tradução no

ensino de LE continua a ser visto pela maioria dos docentes como uma estratégia didática

proibida, sobretudo, nos centros de língua.

Atualmente, a tradução como suporte pedagógico no ensino de LE ainda parece

despertar questionamento em nossa sociedade, já que se observam muitas instituições

justificarem a qualidade de seu ensino em função de professores nativos e de aulas

contemplando apenas o idioma aprendido. Nos centros de aprendizagem de língua, podem-se

observar professores de inglês, francês, espanhol e outros idiomas desenhando, fazendo

mímicas, utilizando sinônimos para evitar a presença da LM no ensino.

Elaboradores da nova orientação metodológica do ensino de FLE, a perspectiva acional

(PA) e preconizadores do Cadre Européen Commun de Référence pour les Langues (CECR),

defendem o plurilinguismo e legitimam a tradução no ensino de FLE. Em “La perspective

actionnelle et l‟approche par les tâches en classe de langue”,2 Évelyne Rosen explicita que

encorajar o plurilinguismo na Europa e formar pessoas sensíveis à realidade de diferentes

línguas e de diferentes culturas são, atualmente, as prioridades do Conselho Europeu.

No XVII Congresso Brasileiro dos Professores de Francês, realizado em 2009 em

Brasília, cujo tema central foi o plurilinguismo, Xavier North, representante da língua

francesa, propôs a volta dos exercícios de tradução no ensino de língua para a formação de um

sujeito sensível às diversidades linguísticas e culturais.

2 ROSEN, Évelyne (Dir.). La perspective actionnelle et l‟approche par les tâches en classe de langue. Recherches

et Applications, 2009. p. 6.

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Cabe mencionar, igualmente, que a proposta de um ensino plurilíngue se fundamenta,

sobretudo, nas reflexões sobre a educação do século XXI propostas pelo pensador e sociólogo

Edgar Morin. Em Os sete saberes necessários à educação do futuro (2000), ele afirma que a

ineficácia da educação atual está na fragmentação do sujeito, promovida ao longo da era

moderna em prol da especialização e de interesses político-sociais. Como reparação a essa

fragmentação, Morin propõe uma prática educacional que trate do sujeito dentro da sua

complexidade, ensinando aos aprendizes a importância do aprender a ser, do aprender a fazer,

do aprender a viver junto e do aprender a conhecer.

No livro Dimensões comunicativas no ensino de línguas (2008) José Carlos de

Almeida Filho aponta a erosão qualitativa da antiga boa escola brasileira após os anos 1950 e

faz menção às críticas de Alfredo Bosi (2008, p. 7) com relação às técnicas pragmáticas no

ensino de língua estrangeira. No artigo “La dimension sociale dans le CECR”,3 Claude

Springer define que aprender é participar de uma experiência tanto individual como coletiva.

Além disso, cita o “pensamento complexo” de Edgar Morin (2005), que critica a divisão e a

segmentação de uma atividade em diferentes partes, com vistas a torná-la mais fácil para o

aluno.

Dado esse novo pensamento sobre a educação e as novas orientações no aprendizado

de LE que legitimam o uso da LM e da prática tradutória, esta pesquisa analisará a atual

acepção dos professores do ensino de FLE com relação a esse suporte pedagógico. Quanto ao

corpus, serão usados questionários realizados com professores do centro de língua Aliança

Francesa, apresentados no Anexo. É oportuno ressaltar que a escolha dessa instituição se deve

ao seu papel de promotora e de difusora da língua e da cultura francesa no mundo.

3 SPRINGER, Claude. La dimension sociale dans le CECR. In: ROSEN, Évelyne (Dir.). Recherches et

Applications, 2009.

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Fundamentado na obra de Elisabeth Lavault (1998, p. 23) e na dissertação de mestrado

de Irène Zohra Séréno Cervo (2003), as quais serão explicitadas no terceiro capítulo desta

pesquisa, esse questionário se constituirá de duas partes. Inicialmente, o professor preencherá

seus dados pessoais, como idade e local de trabalho. Em seguida, responderá e justificará se faz

uso da língua materna (LM) no ensino de língua estrangeira (LE) para explicações gramaticais,

vocabulares, culturais entre outros casos; se utiliza a tradução como prática de ensino; e se

considera a competência de traduzir como uma prática que deve ser desenvolvida na aula de

LE.

No que se refere à organização da pesquisa, no primeiro capìtulo, cujo tìtulo é “A tradução

na História do ensino-aprendizagem da lìngua estrangeira”, será traçada a história das

metodologias de ensino, partindo da Metodologia Tradicional (MT) e chegando até a atual

orientação, a Perspectiva Acional (PA). O objetivo aqui será mostrar e descrever as imagens

atreladas à tradução ao longo do ensino do FLE. Para tanto, o autor de base será Christian Puren,

com a obra Histoire des metodologies de l‟enseignement des langues (1998) e os inúmeros artigos

que publicou sobre o ensino/aprendizado de LE; e o livro de Claude Germain Évolution de

l‟enseignement des langues: 5000 ans d‟histoire (1993). Nesse capítulo, abordaremos também as

políticas linguísticas realizadas ao longo do ensino de FLE, com base nas obras La formation en

question (PUREN e GALISSON, 1999) e L‟interculturel (DE CARLO, 1998).

No segundo capítulo, com o título “Representações, equìvocos e fatos”, serão

abordados os equívocos entre as línguas materna e estrangeira e as recentes teorias de ensino

de língua, sob o enfoque diversificado das teorias de Luis Paulo da Moita Lopes (1996),

Louise Dabène (1994), Véronique Castellotti (2001) e Silvana Serrani (2005).

Na segunda parte desse capìtulo, denominada “A tradução no ensino de FLE”, esta

pesquisa discorrerá sobre a diferença e as semelhanças entre tradução didática e tradução

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profissional, com base nas obras de Elisabeth Lavault (1998) e Jean René Ladmiral (1979); e

tratará também das novas diretrizes estabelecidas pelo Cadre Européen Comum de Référence

pour les Langues (CECR, 2000) e de uma questão bastante relevante no ensino de FLE: o

mercado de manuais didáticos.

No terceiro capítulo, serão analisadas as atuais concepções dos professores de francês

concernentes à tradução no ensino, com base nos questionários respondidos, confrontando

com as entrevistas realizadas por Elisabeth Lavault (1998). Dessa forma, pretende-se

depreender as recentes imagens de língua e de ensino-aprendizagem entre professores de

francês da Aliança Francesa e confirmar a hipótese inicial de que as imagens dos professores

com relação à tradução e à LM no FLE ainda esteja atrelada a concepções monolinguísticas.

Quanto à terminologia utilizada neste trabalho, convém esclarecer que as nomeações

Metodologia Tradicional e Metodologia Direta estão baseadas na obra de Christian Puren,

Histoire des méthodologies de l‟enseignement des langues (1988, p. 7). Por sua vez, o termo

“método” compreende o material de ensino e as técnicas utilizadas pelo professor a fim de

que os alunos assimilem, aprendam um determinado conteúdo, e “metodologia” leva em conta

os objetivos gerais, os conteúdos linguísticos, as teorias de referência e as situações de ensino

(PUREN, 1998). De acordo com Almeida Filho (2008), a abordagem se estabelece baseada

nas acepções de ensino-aprendizagem do sujeito e/ou nas teorias sobre esse campo,

norteando, assim, a escolha da metodologia e do método adotados pelo professor, pela

instituição de ensino, etc.

No que diz respeito ao ensino–aprendizado de línguas, esta pesquisa nomeará a

primeira lìngua aprendida de “lìngua materna” ou “lìngua primeira” ou “lìngua 1; e as lìnguas

adquiridas, posteriormente, serão designadas de “lìngua estrangeira” ou “lìngua segunda” ou

„lìngua 2”

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1 A TRADUÇÃO NA HISTÓRIA DO ENSINO-APRENDIZAGEM

DA LÍNGUA ESTRANGEIRA

Ensinar línguas estrangeiras sempre suscitou e suscita o interesse de especialistas. Para

defender tal afirmação, basta apenas observar o volume significativo de teses, de dissertações

nesse domínio ao longo da história, além de congressos nacionais e internacionais e de cursos

de aperfeiçoamentos linguísticos e pedagógicos, destinados a professores. Também devemos

mencionar os numerosos artigos publicados constantemente em sites e em revistas

universitárias.

A título de exemplo, é fundamental citar as obras Histoire des méthodologie de

l‟enseignement des langues (1998), de Christian Puren, e Évolution de l‟enseignement des

langues: 5000 ans d‟histoire (1993), de Claude Germain. Nesses clássicos, ambos os autores

tratam das metodologias, dos métodos de ensino de LE, bem como fazem menção a um

número expressivo de estudiosos que foram e são de extrema importância para os estudos

realizados sobre o ensino-aprendizado de LE.

Visando a ilustrar a dinâmica do campo, esta pesquisa se vale igualmente do artigo de

Christian Puren “La didactique des langues-cultures entre la centration sur l‟apprenant et

l‟éducation transculturelle”,4 publicado em 2008, no qual o autor discorre sobre as atuais

diretrizes concernentes ao aspecto cultural no ensino de FLE e traça os diversos movimentos

pelos quais passou e passa a didática de línguas-cultura.

4 Artigo publicado no site da APLV (www.aplv-languesmodernes.org), em junho de 2008.

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Como primeiro movimento, Puren cita nesse artigo as práticas metodológicas do final

do século XIX e início do século XX, quando o ensino de línguas se centrava, sobretudo, no

como ensinar-aprender uma LE e adotava um método universalista, comum para todos,

independentemente dos interesses dos sujeitos.

Nos anos 1970, surge a necessidade de uma reflexão didática. De acordo com os

especialistas do ensino de FLE, não basta mais aos docentes o simples questionamento de

ordem pragmática – como ensinam –, eles precisam também se indagar por que ensinam, para

que ensinam, para quem ensinam.

Nos anos 1980, as diversas pesquisas voltadas para as didáticas de língua com

objetivos específicos – didática da literatura, da escrita, da gramática – geram, por sua vez, a

particularização do ensino de LE. Contra essa hiperespecialização,5 Robert Galisson e outros

teóricos propõem a didatologia, que consiste em uma reflexão sobre a didática de FLE, e o

ensino de língua-cultura, ou seja, um aprendizado de LE que englobe também a reflexão sobre

questões culturais.

No início do século XXI, Puren revela ter sido o empreendedor do movimento que

refletiu sobre as diferenças culturais não apenas no aprendizado de LE, mas também no seu

ensino, na medida em que se deu conta de que as tradições didáticas estão fortemente

ancoradas em suas respectivas culturas. Em 2002, o autor afirma ter sido o responsável, na

Universidade de Saint-Étienne, pelo Centro de Estudo em Didática Comparada das Línguas e

das Culturas (Cediclec).

No que diz respeito ao aspecto cultural no ensino de LE, Puren faz menção a cinco

movimentos:

5 Para Edgar Morin, a hiperespecialização universitária impedia uma visão mais global da área e dos efeitos

sociais.

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No século XIX, o transculturalismo visava a encontrar na diversidade valores

universais comuns entre os sujeitos. Nesse caso, o interesse consistia em

oferecer-lhes uma formação humanística.

Nos anos 1900, houve dois movimentos: o metaculturalismo, que objetivava

uma abordagem do aspecto cultural no ensino-aprendizado de modo mais

reflexivo, por meio de documentos autênticos; e o multiculturalismo, que

consistia no reconhecimento e no respeito das diferenças em sociedades onde a

mestiçagem cultural é expressiva. Vale dizer que o multiculturalismo coloca

em xeque os discursos homogeneizadores do Estado-nação.

Nos anos 1970, no período das imigrações, nasceu a pedagogia

interculturalista, tendo como propósito mostrar que as diferenças não

constituem um obstáculo; mas, sim, que o confronto de culturas distintas pode

contribuir na formação do sentimento de alteridade nos sujeitos e no

enriquecimento pessoal dos indivíduos. Nas aulas de língua, esse estudo se

estabelece por meio das análises das representações sobre o outro e sobre a sua

própria cultura, procurando gerar uma reflexão sobre os estereótipos, que,

geralmente, criam uma visão generalista e reducionista com relação ao outro.

Em 2000, surgiu o termo cocultural no ensino, que se fundamenta na tese de

que, no atual contexto de globalização, os indivíduos de culturas distintas

precisam não apenas se respeitar, mas também saber trabalhar, estudar, viver

juntos. Enfim, saber agir coletivamente.

Quanto às criticas sobre a sucessão de teorias, de metodologias, de métodos nesse

domínio, Christian Puren demonstra que, dada à complexidade do campo, as reflexões sobre o

ensino-aprendizado de FLE são essenciais. A história, o homem e os desejos mudam e,

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consequentemente, o modo de aprender-ensinar também precisa mudar. Não resta dúvida de

que os alunos podem aprender, independentemente do método, da metodologia e da

abordagem de ensino, ou até mesmo sem uma metodologia específica. Entretanto, a falta de

uma metodologia específica demanda que o professor tenha uma formação complexa, capaz

de dominar não apenas o universo da sala de aula, a sua prática, mas também de conhecer o

universo externo: as teorias que fundamentam tal prática e o contexto histórico em que vive.

No intuito de mostrar o papel de cada metodologia no ensino de LE com relação ao

uso da LM e da tradução no ensino de LE, esta pesquisa trará as grandes linhas da

Metodologia Tradicional (MT), Metodologia Direta (MD), Metodologia Ativa (MA),

Metodologia Áudio-oral (MAO), Metodologia Visual (MV), Abordagem Comunicativa (AC)

e da Perspectiva Acional. Para tanto, descreveremos o contexto histórico, a fundamentação

teórica e as atividades pedagógicas que subjazem cada orientação metodológica supracitada.

1.1 ASCENSÃO E DECLÍNIO DA TRADUÇÃO NO ENSINO DE FLE

1.1.1 METODOLOGIA TRADICIONAL (MT)

Transportar um pensamento, um raciocínio, uma descrição de uma

língua para outra é forçar a inteligência a perceber o valor das

palavras, a concatenação das ideias, é impor à inteligência um trabalho

de transposição, que não pode deixar de lhe dar vigor e flexibilidade.6

O ensino do francês como LE nasceu no século XVIII e foi baseado no modelo de

ensino do latim. O objetivo era desenvolver nos indivíduos conhecimentos linguísticos,

6 No original: “Transporter une pensée, un raisonnement, une description d‟une langue dans l‟autre, c‟est

obliger l‟intelligence à bien se rendre compte de la valeur des mots, de l‟enchaînement des idées, c‟est lui

imposer un travail de transposition qui ne peut manquer de lui donner vigueur et souplesse” (BRÉAL apud

PUREN, 1998, p. 20; tradução nossa).

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estéticos, intelectuais, morais e humanistas. Daí explica-se a denominação dessa primeira

metodologia: Metodologia Tradicional (MT).

A respeito da MT, Puren (1988) afirma que ela era utilizada, inicialmente, no âmbito

escolar para o aprendizado das línguas clássicas (grego e latim). As atividades, nessa

abordagem, consistiam na memorização prévia de lista de palavras; no conhecimento das

regras gramaticais, que, por sua vez, contribuíam para a elaboração de frases; e nos exercícios

de tradução e de versão.

No primeiro momento da MT, durante a Idade Média, o latim, sobretudo na Europa,

gozava de grande prestígio. Era a língua da igreja, das relações internacionais, das

publicações filosóficas, políticas e científicas; e era ensinado como uma língua viva: devia-se

falar; escrever e ler em latim, a partir dos princípios da MT.

No século XVI, com o advento da imprensa e da difusão de autores clássicos, tem-se o

segundo momento da MT, no qual se observa a substituição do latim falado pelo clássico,

nascendo, por conseguinte, a necessidade de uma maior sistematização da língua latina.

Paralelamente a esses acontecimentos, as línguas modernas tornam-se línguas de

comunicação, presentes não apenas entre o povo, mas também na corte. Em 1539, por meio

do Decreto de Villers Cotterêts, a língua francesa passa a ser a língua oficial dos

procedimentos administrativos da França.

Em função do contexto histórico e científico da época e das críticas ao ensino do latim

clássico, lançadas por vários estudiosos, dentre os quais o filósofo Montaigne, surge o

interesse pelo ensino das línguas nacionais (francês, italiano, espanhol, alemão, inglês e

holandês...). Aliás, concomitantemente, no século XVI, havia um esforço político, literário,

gramatical e linguístico para desvincular a língua francesa do latim (PUREN, 1988).

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No domínio literário, vale citar o manifesto de Joachim Du Bellay, Défense et

illustration de la langue française (1549), no qual, junto com mais sete poetas, defende a

substituição do latim pelo francês na literatura e o enriquecimento da língua vernácula por

meio da imitação da melhor literatura antiga e latina. Para Du Bellay, a tradução representava

um perigo tanto para a língua quanto para a literatura de um país. Além disso, acreditava que

a língua francesa era capaz de produzir uma poesia nacional tão gloriosa e imortal quanto a

grega e a latina (DE CARLO, 1988, p. 21).

Contra as “polìticas linguìsticas” da época, que ainda valorizavam o ensino do latim

como modelo de clareza e beleza, Puren (1988, p. 22) cita o filósofo Montaigne, que já

expressava o desejo de um ensino de LE de modo “natural”. Em outros termos, um ensino

baseado nos mesmos princípios da aquisição da LM. Para exemplificar, ele cita o seu

aprendizado da língua latina, que, com a ajuda de um preceptor, ocorreu de forma espontânea,

como “um banho linguístico”.

No século XVII, o latim é substituído definitivamente pelo francês, tornando-se

simplesmente uma disciplina escolar, cujo foco passou a ser a língua escrita. Diante desse

novo objetivo, os aprendizes se espelhavam em literatos famosos, como Virgílio e Cícero,

analisando a gramática e a oratória de seus textos. No final desse século, para amenizar o

descontentamento de muitos com relação ao aprendizado do latim clássico, surgem manuais

que contemplavam as duas línguas, com explicações e traduções em francês, e as gramáticas

se tornam bilíngues.

Concernente ao contexto político desse período, antes, em 1635, com o propósito de

unificar a França, o ministro Richelieu havia fundado a Academia Francesa, cuja principal

função era tornar a língua francesa pura e eloquente, capaz de tratar das artes e das ciências,

como o latim.

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Em 1638, o tcheco Comenius (apud PUREN, 1988, p. 44), insatisfeito com o ensino

de LE, elabora um método de ensino chamado Didática magna. Nessa obra, ele incorpora

princípios de didática das línguas presentes no ensino até hoje, como a seleção, a progressão,

o modo de apresentação do conteúdo, o prazer, o aprendizado por meio de jogos e o fim dos

castigos corporais.

No século XVIII, as línguas “modernas” começam a fazer parte do currículo das

escolas europeias; porém, o método usado consistia praticamente no mesmo do ensino do

latim. Os textos em LE eram utilizados como exercícios de tradução e para o ensino de regras

gramaticais e de listas de vocabulário. Quanto ao contexto histórico, a língua francesa já era

dominante nas cortes, nas diplomacias internacionais, nas artes e nas ciências.

Sobre o status da língua francesa nesse período, cabe mencionar o discurso do filósofo

Diderot, citado por Maddalena de Carlo (1998, p.21): “Nossa língua é, de todas as línguas, a

mais polida, a mais exata e a mais estimável, e a que menos manteve essas negligências que

eu chamaria com prazer de aquele balbuciar da infância.”7

Na segunda metade do século XVIII, a demanda social pelo aprendizado de LE

impulsiona o aparecimento de manuais intitulados Cursos tradicionais com objetivos práticos

(CTOP). Esses cursos se dirigiam a um público heterogêneo, que precisava aprender uma

língua estrangeira em função, sobretudo, do trabalho.

Ainda que esses cursos criticassem o método “gramática-tradução” da MT, o uso da

LM e da tradução com fins explicativos não foi descartado. Outro item que os vinculava à

7 No original: “Notre langue est, de toutes les langues, la plus châtiée, la plus exacte et la plus estimable, celle

qui a retenu moins de ces négligences que j‟appellerais volontiers la balbutie des premiers âges” (tradução

nossa).

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metodologia tradicional era seu aspecto universalista: os manuais do inglês eram adaptados ao

ensino do francês, do espanhol, do italiano, do alemão, etc.

Quanto ao panorama da língua francesa no século XIX, Maddalena de Carlo (1988)

explicita que os dialetos e as línguas regionais passam a ser proibidos nos espaços escolares

da França, por meio, sobretudo, das medidas de ensino de Jules Ferry, que instaurou o ensino

primário gratuito, laico e obrigatório dos seis aos 13 anos de idade. Além disso, a autora

declara que o ensino de uma língua nacional, comum a todos, servia apenas para dar uma

formação moral e patriota aos alunos. E declara que até o final do século XIX apenas 30% dos

franceses eram capazes de se expressarem corretamente em francês.

Com relação às colônias, Maddalena de Carlo faz alusão à Tunísia, que oferecia nos

sistemas escolares o ensino tradicional em árabe e uma formação mais moderna em italiano e

francês; entretanto, ela assinala que, após a dominação francesa, a língua italiana foi banida

do ensino tunisiano. Além disso, a autora cita o aparecimento da associação de ensino Aliança

Francesa, em 1884, na difusão e na promoção da língua francesa nas colônias e no exterior.

1.1.2 METODOLOGIA DIRETA (MD)

A educação é um processo social, é um desenvolvimento. Não é a

preparação para a vida, é a própria vida. (JOHN DEWEY)

No final do século XIX, concomitantemente à MT, surge o método natural de F.

Gouin (apud PUREN, 1988, p. 64), apresentando uma concepção de aprendizagem que se

opunha radicalmente à MT. Partindo de suas próprias experiências e observações, Gouin

defendia um ensino de língua estrangeira que privilegiava a modalidade oral e a língua

cotidiana, seguindo o mesmo princípio de como se dá o aprendizado da LM para a criança.

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Entretanto, a MT só foi substituída realmente pela Metodologia Direta (MD) no início do

século XX.

Um número expressivo de defensores da MD, como Harold Palmer, Otto Jespersen,

Emile de Sauzé, F. Brunot, entre outros, já almejava um ensino de LE sem as interferências da

LM e da tradução. Além disso, a sociedade também reivindicava um ensino que priorizasse a

fala e permitisse a comunicação entre povos diferentes. Pode-se ler nas Instruções Oficiais

francesas de 1901 (apud Puren, 1988, p. 99): “O conhecimento prático das lìnguas vivas

tornou-se uma necessidade tanto para o comerciante e o industrial quanto para o sábio e o

letrado.”

De acordo com tais objetivos, o princípio fundamental da MD será de que a segunda

língua (L2) seja aprendida usando-se a própria L2, por meio de gestos, gravuras, explicações

intralinguísticas, comentários de textos, exercícios repetitivos e perguntas elaboradas pelos

professores, com o propósito de que os alunos tenham uma participação ativa. Com relação à

gramática e aos aspectos culturais, esses eram ensinados de modo implícito.

Enfim, o aprendizado de LE ganha um outro significado na MD: deixa de ser objeto de

conhecimento e torna-se objeto de utilidade também. Assim, a metodologia de ensino se

transforma, exigindo novos comportamentos docente e discente.

É importante lembrar, também, que, no final do século XIX e início do século XX, os

estudos psicológicos trouxeram grande contribuição para a pedagogia. Questionou-se a

concepção de sujeito como um simples receptor de informação e, consequentemente, iniciou-

se uma preocupação em estimular uma atitude ativa e participativa do sujeito no processo de

ensino-aprendizagem.

Todavia, embora as instituições de ensino da época quisessem impor a MD nas

escolas, a utilização da tradução em sala não foi totalmente excluída. Muitos pedagogos

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culpavam o fracasso da MD em virtude da resistência de profissionais e da falta de

professores que dominassem a LE como falantes nativos. Outros, no entanto, alegavam o

pouco tempo de aula consagrado às aulas de língua, a heterogeneidade das turmas, a

quantidade de alunos e até o próprio princípio central da MD, que era a exclusão radical da

LM no ensino de LE.

A título de exemplificação, no trecho a seguir, Luis Marchand faz tais considerações

sobre a LM:

Não podemos ignorar os hábitos mentais que promovem ao longo da ampla prática da língua

materna. Não estamos lidando com novos cérebros, e sim com mentes formadas desde a

infância por um modo de significar próprio, que não é necessariamente aquele da língua

estrangeira.8

A maior parte dos elaboradores da MD era consciente de que tal interdição absoluta

não era nem desejada, nem aplicada na prática. O inspetor geral J. Firmery sugere, em um

artigo de 1905, um tipo de tradução-explicação com objetivo pedagógico, sem a tradução

palavra por palavra, conforme ocorria na MT. Além disso, ele admite que, em caso de dúvida,

professor e aluno traduzam.

No aprendizado avançado de LE, foi concedida ao aluno também a utilização da

tradução como procedimento complementar de um ensino literário. Dessa forma, a MD sofreu

adaptações que proporcionaram o aparecimento da Metodologia Ativa (MA) nos anos 1920.

8 No original: “Nous ne pouvons pas ne pas tenir compte des habitudes d‟esprit qu‟entraîne la longue pratique

de la langue maternelle. Nous n‟avons pas affaire à des cerveaux neufs mais à des intelligences dirigées dès le

plus jeune âge dans un sens particulier, qui n‟est pas nécessairement celui de la langue étrangère” (apud

PUREN 1998, p. 194; tradução nossa).

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A MA vai se constituir no retorno a certos procedimentos e técnicas tradicionais:

exercícios de tradução e ênfase na língua escrita com a reformulação das regras de gramática,

e na conservação de um dos grandes princípios da MD: expor o aluno diretamente à língua.

1.1.3 METODOLOGIA ATIVA (MA)

Um método exclusivo desenvolverá apenas um lado da técnica, e

negligenciará os outros. Na prática, o estudo de uma língua, por si só,

se mostra complexo; além disso, cada língua requer procedimentos

especiais de apresentação e de assimilação – e isso levando-se em

conta o fato de ela ser analítica ou sintética. No que diz respeito aos

alunos, estes apresentam uma grande variedade de habilidades, de

forma que os meios para influenciar sua memória e exercitar sua

inteligência devem ser múltiplos. Sendo assim, quanto mais variado

for um método, mais chance de êxito ele terá.9

Nos anos de 1920, o descontentamento com a MD entre professores e estudiosos

interessados pelo ensino de LE é quase unânime. Em 1928, René Villard, professor de inglês,

escritor e jornalista, propõe que as Instruções oficiais adotem uma nova metodologia de

ensino, afirmando: o “método direto”, como foi praticado de 1902 a 1923, já vivera o seu

tempo. Precisamos do novo em pedagogia, assim como na política, na literatura.10

É essencial lembrar que a MA surge no período de pós-guerra. As condições de

trabalho dos professores são péssimas: turmas superlotadas, longas jornadas de trabalho,

crianças mal educadas, devido à ausência de seus pais, etc. Além disso, o interesse francês

9 No original: “Une méthode exclusive ne développera qu‟un seul côté de la technique, et négligera les autres.

Dans la pratique, l‟étude d‟une langue est, en elle-même, complexe; de plus, chaque langue exige des procédés

spéciaux de présentation et d‟assimilation (et déjà selon qu‟elle est analytique ou synthétique). De leur côté, les

élèves présentent une grande varieté d‟aptitudes, et les moyens d‟influencer leur mémoire et d‟exercer leur

intelligence sont multiples. Plus donc une méthode est variée, et plus elle a de chances de bons résultats”

(CLOSSET, 1950, p. 40, apud PUREN, 1988, p. 227; tradução nossa). 10

No original: “„la méthodologie directe‟, telle qu'elle fut pratiquée de 1902 à 1923, a fait son temps. Il nous

faut du nouveau en pédagogie, comme en politique, comme en littérature” (R. VILLARD, apud PUREN, 1988,

p. 215; tradução nossa).

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pelo exterior não parece ser mais o mesmo do início do século XX. A título de

exemplificação, uma das ações que aponta esse novo olhar francês sobre o mundo e sobre si

mesmo é a volta de uma formação intelectual e cultural nos currículos escolares a partir de

1918 pelas instruções oficiais francesas.

No preâmbulo das instruções oficiais francesas de 1925, duas novas reformas

predominam no ensino de LE:

Manter no ensino secundário seu caráter original, que é ser um método de cultura, centrando-

se menos no acúmulo de noções e mais na formação intelectual. Organizar as aulas de modo

que exista um único regime, uma única juventude, uma única cultura, ao mesmo tempo

científica e literária, com uma opção limitada para o estudo de línguas estrangeiras, que pode

ser ou por meio das línguas antigas, com o complemento de uma língua viva, ou de duas

línguas modernas.11

O surgimento de uma Metodologia Ativa (MA) ocorre nesse cenário e se caracteriza

pelo ecletismo metodológico, indo de encontro à rigidez da MD. Para tanto, a MA propõe a

volta da língua escrita, desde o primeiro ano de ensino; permite o uso da tradução para a

revisão, para o controle do conteúdo aprendido e para a explicação vocabular; bem como

preserva o grande princípio da MD, que é a exposição do aluno diretamente à língua. No que

diz respeito à gramática, a MA considera tanto a abordagem explícita quanto a implícita.

Para F. Closset, os professores ativos são aqueles que exploram a necessidade de

atuação individual e coletiva do aluno, criando nesses sujeitos um espírito de colaboração, de

solidariedade, convidando todos a participar ativamente do trabalho em sala, como atores

responsáveis e capazes de agir.

11 No original: “Maintenir à l‟enseignement secondaire son caractère original qui est d‟être une méthode de

culture et de viser moins à accumuler des notions qu‟à former des esprits. Organiser les cours des études de

façon qu‟il y ait un seul régime, une seule jeunesse, une seule culture, à la fois scientifique et littéraire, avec une

option limitée aux langues étrangères à étudier, qui peuvent soit les anciennes avec l‟appoint d‟une langue

vivante, soit deux langues modernes” (PUREN, 1988, p. 219).

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Convém explicitar que em 1920 foi criada a primeira escola superior para a preparação

de professores no estrangeiro (ESPPFE). De acordo com Robert Galisson (2001:30),12

essa

instituição perdura até hoje; porém, sofreu algumas transformações ao longo do tempo. Após

a Segunda Guerra Mundial, seu objetivo passou a ser não apenas preparar professores, mas

também, aperfeiçoá-los, daí a sigla ESPPFE. Em 1985, essa escola superior tornou-se a UFR

– Didactique du Français Langue Étrangère, atual Universidade de Sorbonne Paris III.

1.1.4 METODOLOGIA ÁUDIO-ORAL (MAO)

Uma língua é um comportamento que pode ser adquirido por meio de

um “condicionamento operante”, semelhante ao utilizado no

adestramento de animais.13

Como as abordagens anteriores, a Metodologia Áudio-Oral (MAO) também advém em

função de interesses político-sociais de sua época. No caso da MAO, ela nasceu da demanda

do exército americano por falantes fluentes em línguas estrangeiras, durante a Segunda Guerra

Mundial, e do sucesso do “Método das Forças Armadas”.

No que diz respeito ao Método das Forças Armadas, deve-se esclarecer que ele se

caracterizou pela ênfase na língua oral de forma intensiva, com base na teoria behaviorista de

Skinner, que concebia a língua como um conjunto de hábitos condicionados e adquiridos

mediante um processo mecânico de estímulo e resposta; e na teoria de Leonard Bloomfield,

fundador da linguística estrutural norte-americana. Como atividades pedagógicas, os

12 GALLISSON, R.; PUREN, C. La formation en question. Paris: CLE International, 2001.

13 No original: “Une langue est un comportement qui peut être acquis au moyen d‟un „conditionnement opérant

semblable au conditionnement employé dans le dressage des animaux” (MULLER TH, 1971, apud PUREN,

1998, p. 307; tradução nossa).

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elaboradores da MAO adotaram os diálogos, os exercícios repetitivos, imitativos e estruturais

(pattern drills).

É importante ressaltar também que o erro, a LM e a tradução no ensino de LE eram

concebidos como fatores que comprometiam a aprendizagem, visto que os alunos poderiam

assimilá-los e, posteriormente, teriam dificuldade de aprender as estruturas corretas e de

pensar na LE. No intuito de evitar possíveis deslizes e interferências linguistas cometidos

pelos alunos, os preconizadores da MAO se serviram dos estudos contrastivos, que permitiam

o planejador de cursos de detectar, previamente, as diferenças e as semelhanças entre a

primeira e a segunda língua.

Na década de 1960, no entanto, a MAO começou a sofrer todos os tipos de críticas.

Com relação ao método, as queixas eram de que os exercícios estruturais cansavam os alunos

ao longo do tempo, tornando-os desmotivados. Além disso, apesar de os professores seguirem

uma progressão passo a passo, os resultados não eram tão satisfatórios. Os alunos não só

cometiam erros, como também tinham dificuldade em elaborar e em compreender enunciados

de forma espontânea (PUREN, p. 307).

No que diz respeito à fundamentação teórica da MAO, Noam Chomsky contestava a

concepção de estímulo-e-resposta para o aprendizado de línguas. Para Chomsky (1979), esse

procedimento negligenciava a capacidade humana de produção e de compreensão de

enunciados novos.

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1.1.5 METODOLOGIA AUDIOVISUAL (MAV)

Estudar as formas linguísticas significa procurar o que elas

exteriorizam, decifrar o que levou um sujeito falante a empregar uma

determinada expressão.14

Após a Segunda Guerra Mundial, o inglês se torna a língua das comunicações

internacionais, relegando o francês ao segundo plano. Assim, diante da necessidade de lutar

contra a hegemonia do inglês, surge, nos anos 1960, a Metodologia Audiovisual (MAV), que

se caracteriza pela utilização simultânea da imagem e do som. Para Petar Guberina (apud

PUREN), a MAV se fundamenta em linguistas da teoria da enunciação, como Ch. Bally, F.

Brunot e E. Benveniste, e critica a exclusão da significação do estruturalismo bloomfieldiano.

Seguindo os estudos realizados pela linguística aplicada nos Estados Unidos, o

governo francês, com o objetivo de recuperar o seu prestígio no estrangeiro, promove a

criação do Centro de Estudo do Francês Fundamental, o qual se encarrega de elaborar a partir

da língua falada um inventário de palavras e de aspectos gramaticais essenciais para o

aprendizado e a difusão da língua francesa. Deve-se ressaltar que essa pesquisa foi dirigida

pelo linguista George Gougenheim, tendo ao seu lado linguistas renomados, como E.

Benveniste, R. Michéa, entre outros (PUREN, 1988).

O resultado desse estudo foi a publicação de duas listas: um francês elementar,

constituído de 1.475 palavras, e, posteriormente, um francês fundamental com 1.609 palavras.

Convém ressaltar, também, que o Centro de Estudo do Francês Elementar vai dar origem, em

14 No original: “Étudier les formes linguistiques veut dire chercher ce qu‟elles extériorisent, déchiffrer ce qui a

améné le sujet parlant à se servir d‟une telle expression” (GUBERINA, 1939, apud PUREN, 1988, p. 345;

tradução nossa).

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1959, ao CREDIF (Centre de Recherche et d‟Étude pour la Diffusion du Français), formado

na Escola Normal Superior de Saint-Cloud.

Além desse centro, nesse mesmo ano, surge um segundo organismo oficial de pesquisa

aplicada ao ensino de FLE, que promoverá o aparecimento do BELC (Bureau pour

l‟Enseignement de la Langue et de la Civilisation Française à l‟Étranger). Ambos passaram a

privilegiar o objeto, a elaboração de métodos e metodologias, em detrimento da formação de

professores. Robert Galisson (2001) ressalta que durante muitos anos a formação para o uso

das metodologias era vista como uma formação de professores.

No que diz respeito ao uso da tradução e da LM, cabe ressaltar que esses

procedimentos são radicalmente eliminados no ensino de LE durante essa metodologia. Para

os autores da MAV, as imagens, por si só, permitiam que os alunos associassem significantes

e significados, sem o recurso da tradução.

Quanto à gramática, os exercícios se davam por repetições individuais e coletivas.

Segundo os teóricos dessa abordagem, as regras deviam surgir intuitivamente, antes de serem

explicitadas. Para Ladmiral (1979, p.32), o objetivo era que o aprendizado de LE fosse

idêntico ao da LM, a fim de se obterem sujeitos bilíngues.

Entretanto, uma pesquisa realizada na Escócia sobre as práticas de sala de aula em

1977-1978 mostrou que, apesar de oito escolas afirmarem seguir os princípios da MAV, 10%

dos professores se serviam da tradução em sala de aula e 35% adotavam os exercícios

repetitivos e negligenciavam o sentido. Essa pesquisa revelou, também, que as atividades

interativas ocupavam apenas 2% das aulas.

Geralmente, era o professor quem dominava a palavra em sala de aula; as interações

em pequenos grupos ainda eram pouco exploradas. Além disso, os pesquisadores observaram

que a utilização de filmes, fitas e de vídeos contemplava um terço da aula no início dessa

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metodologia e que, posteriormente, os professores se servem ainda menos desses suportes

(GERMAIN, 1993, p. 161).

Em L‟Interculturel (1998), a observação que Maddalena de Carlo faz sobre a MAV é

que o interesse dessa abordagem se centrava na língua oral, no ritmo, na entonação, nos

gestos; enfim, não há uma preocupação com a formação literária, cultural, como na MT, na

MD e na MA. Como ilustração, a autora cita dois manuais: o Voix et images de France15

(p.

30), no qual os autores declaram no prefácio o desejo de apresentar ao aluno uma língua

francesa autêntica – apesar de ainda mostrarem nos diálogos uma língua sem diferenças

culturais e sociais; e o manual C‟est le printemps,16

que retrata uma língua mais próxima da

realidade, com personagens de diferentes idades e oriundos de diversos contextos.

Segundo Puren (1988), os cursos audiovisuais se distribuem em três fases: os de

primeira geração, nos anos 1960, que se fundamentavam na memorização, dramatização dos

diálogos e em exercícios estruturais; os de segunda geração, dos anos 1970, que se

caracterizavam por um esforço de correção e/ou adaptação ao ensino de LE nas escolas; e os

da terceira geração, dos anos 1980, que representavam a ruptura dos procedimentos didáticos

dos dois períodos anteriores. Nesse terceiro momento, há o retorno de uma abordagem mais

eclética do ensino-aprendizado de línguas em função das noções de atos de fala de Austin

(1962), que consistem nas ações executadas pelo indivíduo ao falar, tais como prometer, pedir

permissão, elogiar, etc.

Quanto às críticas à MAV, Puren alega a sua rigidez (1988, p. 97). O ensino da

gramática se dava de forma apenas intuitiva, o que nem sempre conduzia o aluno a um

15 GAUVENET, H. et al. Préface à la première édition. In: Voix et images de France, livre du maître. Paris:

Crédif, 1960. p. 21. 16

MONTREDON, J. et al. C‟est le printemps. Paris: CLE International, 1976.

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aprendizado efetivo. Além disso, a imagem, apesar de bastante útil no ensino de LE, não dava

conta de traduzir os vocábulos abstratos. Convém enfatizar que a tradução também era

proibida nas aulas destinadas a alunos iniciantes.

Além dessas críticas, os novos estudos linguísticos relacionados aos atos de linguagem

estabelecidos pela pragmática passam a ser almejados no domínio de ensino-aprendizado de

línguas. O Conselho da Europa de Estrasburgo, com bases nos atos de fala, elabora o

“niveau–seuil”, um novo documento de orientação de ensino de FLE para professores,

elaboradores de manuais, diretores e formadores de formadores. O objetivo desse documento

era descrever as competências linguísticas e sociolinguísticas essenciais, por meio de atos de

fala, que permitissem ao aprendiz de LE “sobreviver” em um ambiente estrangeiro. É

importante dizer que o interesse maior era facilitar as relações entre as populações da

Comunidade Europeia.

1.2 RETORNO SUTIL DA TRADUÇÃO NO ENSINO DE FLE

1.2.1 ABORDAGEM COMUNICATIVA

Desenvolvida pelo sociolinguista Dell Hymes (1972), a Abordagem Comunicativa

(AC) centraliza o ensino-aprendizado de língua estrangeira na comunicação, exigindo dos

alunos um saber normativo, mas também conhecimentos estratégicos e sociolinguísticos

(domínio de regras sociais e discursivas). Em outras palavras, a grande preocupação da AC

será o uso de linguagem apropriado à situação em que ocorre o ato de fala e ao papel

desempenhado pelos participantes na interação.

Quanto à LM, Bohn e Vandresen (1998, p. 226) e Widdowson (1991, p. 29) declaram

que o uso desse suporte didático deixa de ser condenado no ensino de FLE, sobretudo, no

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início da aprendizagem. Convém explicitar que tal concepção se fundamenta em teorias

construtivistas e cognitivistas que reivindicam um ensino-aprendizado de acordo com as

necessidades e os interesses dos alunos. Para essa abordagem, o aprender depende do sujeito,

ou seja, de suas ações cognitivas ao codificar e ao armazenar as informações.

O aluno torna-se, portanto, o elemento central no processo de ensino-aprendizagem.

Quanto ao papel do professor, este deverá buscar meios, estratégias para apoiar, facilitar,

encorajar, guiar o aluno na aquisição de novos conhecimentos, por meio de atividades

significativas e de uma relação professor-aluno de cooperação e confiança.

Como suporte didático, é relevante dizer que a AC atribui aos documentos autênticos

um papel de destaque. Pois, além de significativos, esses suportes permitem que os

professores tratem de situações comunicativas reais e discutam aspectos culturais presentes no

dia a dia – a AC abandona o ensino de LE com a pretensão de “civilizar” um determinado

povo; porém, compreende que língua e cultura caminham juntas.

Em Dimensões comunicativas no ensino de línguas, Almeida Filho faz tais

considerações:

Os métodos comunicativos têm em comum uma primeira característica – o foco no sentido, no

significado e na interação propositada entre sujeitos na língua estrangeira. O ensino

comunicativo é aquele que organiza as experiências de aprender em termos de atividades

relevantes/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno para que ele se capacite a usar a

língua-alvo para realizar ações de verdade na interação com outros falantes-usuários dessa

língua. Esse ensino não toma as formas da língua descritas nas gramáticas como o modelo

suficiente para organizar as experiências de aprender outra língua embora não descarte a

possibilidade de criar na sala momentos de explicitação de regras e de prática rotinizantes dos

subsistemas gramaticais (como dos pronomes, terminações de verbo, etc.). (2008, p. 36)

Entretanto, no artigo intitulado Des méthodologies constituées et de leur mise en

question (1995), Puren afirma haver, no ensino de FLE, uma crise metodológica, e critica a

abordagem comunicativa. Pois, embora esta se mostrasse contrária à sistematização, a uma

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coerência única, global e universal do ensino, em virtude das suas referências teóricas –

sociolinguística, análise do discurso, linguística da enunciação, semiótica, que negam o

totalitarismo, o dogmatismo e toda pretensão de universalidade etnocêntrica –, ela cometia o

mesmo erro de outras metodologias: determinava como incorreto tudo o que se opunha a sua

proposta.

Em oposição a tal prática, tem-se, posteriormente, uma demanda crescente do

ecletismo metodológico pelos professores e pedagogos, isto é, a utilização de várias

metodologias que são selecionadas de acordo com o interesse do professor e dos alunos, com

o intuito de se ter um sistema complexo e aberto.

Contudo, Véronique Castellotti (1995, p. 51) explicita que esse ecletismo levou muitos

professores a propor atividades em sala sem questionar os objetivos, as teorias subjacentes. A

autora observa, outrossim, que, se antes predominava um ensino bastante prescritivo, após o

ecletismo metodológico, surgiu um sentimento de liberdade alienadora.

1.2.2 ABORDAGEM COMUNICATIVA E PERSPECTIVA ACIONAL

A abordagem comunicativa (AC) foi assim chamada porque o seu

objetivo social de referência era formar alunos capazes de comunicar

em lìngua estrangeira (L2). A escolha do termo “perspectiva acional”

(AC) pelos autores do CECR é também lógica: o objetivo apresentado

nesse documento é de fato a formação de um “ator social”.17

Christian Puren, no artigo intitulado “Variations sur la perspective de l‟agir social en

didactique des langues-cultures étrangères” (2009), versa sobre o “agir social” da perspectiva

17 No original: “L‟approche communicative (AC) avait été ainsi nommée parce que l‟objectif social de référence

de cette méthodologie était de former les apprenants à communiquer en langue étrangère (L2). Le choix de

l‟appellation „perspective actionnelle‟ (PA) par les auteurs du CECR est aussi logique: l‟objectif affiché dans ce

document est en effet la formation d‟un „acteur social” (PUREN, 2009; tradução nossa).

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acional (PA), abordando as ideias centrais dessa nova orientação na didática das línguas-

culturas (DLC). Também esclarece as diferenças entre a PA e AC, explicitando os motivos

que impulsionaram o surgimento de mais uma metodologia de ensino.

Nesse sentido, Puren inicia esse artigo lembrando que o objetivo principal da AC era a

competência comunicativa, formar aprendizes capazes de comunicar em língua estrangeira.

Importa dizer que, na década de 1970 e 1980, houve um maior interesse social pelas viagens

turísticas e/ou profissionais ao exterior. Explicita também que, com base nesses objetivos, os

autores da AC, espelhados em interações presentes no ambiente de L2 e baseados nas teorias

de atos de fala, propuseram como atividades pedagógicas os exercícios de simulação global e

os conhecidos “jeux de rôles”, além de documentos autênticos.

Quanto à PA, Puren explica que o aparecimento de mais uma nova metodologia se

deve ao contexto social. Após a globalização e a unificação dos países europeus, os encontros

de povos diferentes, antes pontuais, tornam-se mais frequentes. É comum, sobretudo, na

Europa, que profissionais e estudantes de diversas nacionalidades e línguas trabalhem,

estudem e vivam com sujeitos de cultura e de língua diferentes.

As atividades de ensino não podem mais ser baseadas nas situações de viagens e nos

atos de fala incoativos e breves da AC. Para Puren, o sujeito, nesse novo cenário social,

precisa, além de saber interagir com o “estrangeiro” (com destaque nosso) e respeitar a

diversidade cultural e linguìstica de cada povo, saber coagir, de fato, com esse “outro”. Puren

define que o princípio da PA será formar atores sociais com base no saber, no saber-ser, no

saber-fazer, e não somente nas competências comunicativas da abordagem anterior (AC).

Vale lembrar que esses saberes estão fundamentados nas reflexões de Edgar Morin, citadas na

introdução desta pesquisa.

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No intuito de estabelecer esse coagir, Puren cria o conceito de “co-culture”, que é

definido como: “O conjunto das concepções compartilhadas que alguns atores criaram ou

aceitaram, tendo em vista o tipo de ação conjunta estabelecida entre os envolvidos em um

determinado ambiente social...”18

Puren chama a atenção, também, para o fato de que esse

acordo não visa ao aculturamento, mas, sim, a um engajamento entre os envolvidos.

Tendo como objeto referencial a formação de atores sociais, os preconizadores da PA

adotam como suporte metodológico as tarefas e os projetos pedagógicos vinculados à

realidade do aluno/do sujeito social. Além disso, Puren considera fundamental que os

envolvidos no aprendizado de uma LE estabeleçam um contrato de cooperação (2009, p. 156).

Sobre o uso da tradução no ensino de FLE, Daniel Coste, no artigo intitulado “Tâche,

progression, curriculum” afirma que a PA e o CECR legitimam a tarefa tradutória no ensino

de LE, bem como qualquer outra que seja significativa para o aprendiz. No caso da tradução,

Coste alega que traduzir é uma atividade presente no espaço social, ou seja, não é uma tarefa

apenas com fins pedagógicos.

Visando a formar atores sociais, a PA considera as novas tecnologias educativas

(NTE), sobretudo as veiculadas à Internet, como uma ferramenta de extrema importância no

ensino de LE. As NTE propiciam que os sujeitos se tornem capazes de interagir e coagir em

prol de um objetivo comum. Como ilustração, Puren cita os wikis e as outras plataformas que

podem ser elaborados coletivamente pelos aprendizes e por outros sujeitos de acordo com

seus projetos de aprendizado Além dessas contribuições das NTE, ele ressalta a quantidade de

18 No original: “L‟ensemble des conceptions partagées que certains acteurs se sont créées ou qu‟ils ont

acceptées en vue de leur type d‟action conjointe dans un environnement social determine” (PUREN, 2009, p.

162; tradução nossa).

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documentos que os alunos podem selecionar e aos quais podem ter acesso, sem os recortes de

métodos e de professores.

A esse respeito, o autor condena o ínfimo espaço concedido aos aprendizes na gestão

das informações, sobretudo no que tange às atividades de simulação da AC. Além disso,

afirma que a PA é a orientação mais adequada no “processamento da informação” (2009,

p.161) uma vez que exige do aluno: selecionar, avaliar, reorganizar, transformar, comunicar e

estocar a informação desejada.

No que concerne às diferenças entre a AC e a PA, Puren chama a atenção para os

conceitos de autonomia, presentes nessas duas orientações. Enquanto para a PA o conceito de

autonomia está associado a um agir coletivo, com base na avaliação do outro, do coagir

social, para a AC, a acepção de autonomia se centra no julgamento do próprio indivíduo, com

relação à sua competência comunicativa.

No que diz respeito à formação do professor, Puren adverte que, assim como o cidadão

europeu precisa possuir uma competência pluricultural, o professor de LE deve ter uma

competência plurimetodológica e ser capaz de escolher e selecionar, de forma autônoma, a(s)

metodologia(s) com vistas aos interesses e aos objetivos de seus alunos e grupos.

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2 EQUÍVOCOS, REPRESENTAÇÕES E FATOS

2.1 LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA ESTRANGEIRA

Aprender uma língua estrangeira solicita dos sujeitos, principalmente, a

dessacralização de certas representações. Pois, como afirma Christine Revuz no artigo “A

língua estrangeira entre o desejo de um outro e o risco do exílio” (1998, p. 213): “Muito antes

de ser objeto de conhecimento, a língua é o material fundador de nosso psiquismo e de nossa

vida relacional”. Diante disso, esta pesquisa propõe traçar nas próximas linhas algumas

imagens e equívocos presentes no ensino-aprendizado de LE com base na obra Repères

sociolinguistiques pour l‟enseignement des langues de Louise Dabène.

Para tanto, a autora se põe a analisar inicialmente as definições de LM correntes entre

os sujeitos, a saber, as acepções de LM como a língua não “estrangeira” (com destaque

nosso), como a língua da “mãe”, como a língua que é familiar ao falante. E contesta tais

definições, tendo em vista que a língua “materna” de um povo é instituída, geralmente, pelo

Estado, por meio das instituições educativas. Por exemplo, na França, o francês ensinado na

escola é aquele de Paris, embora existam outras variantes linguísticas e outras línguas de

imigrantes presentes no país.

Quanto aos termos L1 e L2, Louise Dabène afirma que essa denominação é mais

frequente em países bilíngues, e explicita que, na França, essa classificação vale apenas para

as línguas estrangeiras. No entender da autora, a identificação das línguas em L1 e L2 é

inadequada porque apresenta também a ideia de ordem, de sequência, como se o aprendizado

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da primeira fosse um pré-requisito para a segunda, além de conotar valores de apreciação ou

desprestígio, levando o sujeito a atribuir mais importância a uma língua que as demais.

A autora contesta, também, a definição de LM fundamentada no critério etimológico.

Nesse caso, ela dá três exemplos que divergem desta concepção: cita uma tribo amazonense,

em que as mães ensinam aos seus filhos a língua do pai; o caso das crianças de Gâmbia, que

são educadas por outras famílias; e o dos imigrantes europeus, que falam de maneira diferente

de seus pais.

A outra falácia está em considerar que o aprendizado da LM ocorre sempre de forma

espontânea. De acordo com os estudos psicolinguísticos, a aquisição da linguagem não se

realiza de forma totalmente inconsciente. Como ilustração, Louise Dabène se vale das

correções linguísticas realizadas pelos pais e assevera que estas se assemelham bastante

àquelas exercidas por professores.

O critério de LM como aquela de melhor domínio do falante é também, por vezes,

discutível. Nesse caso, Dabène menciona as sociedades diglóssicas, que desconhecem o

sistema escrito de suas línguas maternas e que são alfabetizadas em uma outra língua. Além

disso, a autora ressalta que a ordem de aquisição de uma língua também não assegura a

fluência e a competência linguística de um falante.

Como ilustração, faz alusão ao depoimento de Charles Aznavour em uma entrevista,

na qual ele revela que, apesar de ser armênio, considera a língua francesa como sua primeira

língua e diz dominá-la melhor que a língua armênia. Contudo, o cantor declara também que

concebe o armênio como “um retorno às raízes”.

Com relação à ideia do falante como “competente”, Louise Dabène chama à atenção

para o fato de que essa acepção é utilizada como referência no ensino de LE, podendo gerar,

muitas vezes, um sentimento de frustração e insatisfação nos sujeitos ao longo do aprendizado

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de uma LE. Contudo, cabe dizer que algumas instituições de ensino também reforçam essa

teoria do falante nativo como ideal ao salientar em suas propagandas que os seus professores

são nativos.

Ainda nesse sentido, Louise Dabène cita o discurso corrente presente no senso comum

de que o aprendizado de uma LE deve se estabelecer precocemente. Segundo a autora, não há

dados empíricos que comprove tal afirmação e chama à atenção para o fato de que a defesa de

tal hipótese demandaria comparar as performances de sujeitos de idades diferentes, mas de

contextos sociais parecidos e oriundos de instituições de ensino com o mesmo embasamento

teórico.

Em suma, a concepção de aquisição da LM de forma natural (“inconsciente”), a teoria

de falante nativo como competente, bem como a tese da LM como a única responsável pela

construção simbólica da linguagem e pela formação da personalidade humana são

questionáveis. Para conceituar LM, Louise Dabène propõe estudá-la centrada em três

domínios. O primeiro modo seria o falar realizado no ambiente familiar e no seio da

comunidade local, classificado como o falar vernacular; o segundo diz respeito à língua

reivindicada pelo falante, aquela com a qual o sujeito se identifica – neste caso, a autora cita

como exemplo, a declaração de um jovem árabe, que se considera argelino, mesmo sem

dominar, conhecer a língua árabe –; o terceiro caso é a língua de referência, que corresponde

àquela ensinada no contexto escolar.

Concernente a esse terceiro domínio, Louise Dabène esclarece que o termo LM se

justifica nesse espaço em função do discurso, das influências ideológicas realizadas pelo Estado

e pela sociedade. A autora chama a atenção para o fato de que, em situação bi ou multilingue –

em que uma criança é, geralmente, escolarizada em uma língua completamente diferente do seu

falar vernacular –, isso pode significar para algumas comunidades uma ameaça identitária.

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Como ilustração, ela descreve a preocupação das mães de Gâmbia em preservar a língua wolof,

como modo de preservar também a cultura, a identidade de um wolof.

A partir desse panorama, Dabène demonstra que o termo “língua materna”,

aparentemente simples, é bastante complexo, devido às várias concepções de língua que cada

povo e indivíduo constroem. Todavia, buscando uma melhor compreensão do que constitui a

LM, a autora tenta sistematizar tal conceito a partir das noções de língua vernácula, língua

reivindicada e língua de referência.

No tocante ao conceito de língua estrangeira (LE) ou L2, Dabène descreve também

certos equívocos. A primeira evidência de ambiguidade pode ser observada ao definir uma

língua como intrinsecamente estrangeira, levando a pensar que existe um francês específico

para os estrangeiros. De acordo com Dabène, a denominação “língua estrangeira” se deve à

representação que as pessoas fazem daquele saber ainda ignorado.

Quanto aos termos L1 e L2, Louise Dabène ressalta que a primeira não

necessariamente constitui um pré-requisito para a segunda e vice-versa. Além disso, tendo em

vista as representações de valor que a sociedade atribui ao ordinal primeiro, como sendo o de

melhor posição que os demais, a autora considera essa denominação inadequada.

Outra concepção predominante no senso comum é a do ensino-aprendizado de LE

contemplando uma abordagem didática específica para falantes não nativos em contexto

exolíngue, em que a língua de mediação seja outra. Porém, Dabène menciona inicialmente

duas situações diferentes. A primeira diz respeito ao aprendizado do espanhol no Estado da

Califórnia, onde um número significativo da população fala espanhol com influências da

língua americana em contexto exolíngue. Como segundo caso, a autora faz referência ao

aprendizado de uma LE por imigrantes em espaço endolíngue.

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Na tentativa de definir as situações de aprendizado de LE, Dabène se questiona

igualmente sobre o status dos dialetos e das variantes – língua materna ou estrangeira? –,

tendo em vista que muitas vezes eles são desprezados pelo Estado em detrimento de um falar

que possui maior prestígio social. Como exemplo, esta pesquisa se serve do francês

canadense, que foi, durante muitos anos, negligenciado em prol do ensino e do aprendizado

do francês parisiense, que ainda é concebido por muitos como o francês “legítimo”.

Em países bilíngues e plurilíngues, estabelecer a língua ensinada na escola como

estrangeira ou materna não parece ser uma tarefa possível. Para tanto, Dabène menciona a

diversidade linguística presente nos Estados Unidos, onde há crianças anglófonas e não

anglófonas, monolingues e bilíngues, que, em função disso, vão atribuir à mesma língua um

valor distinto.

Contudo, geralmente é o Estado que legitima uma língua como materna e, por sua vez,

adota uma didática que desconsidera a diversidade linguística dos envolvidos. Sendo assim, a

escola trabalha com base no pressuposto de que todos já possuem um conhecimento prévio da

língua em questão. Nessa situação, Dabène cita a Nigéria, ex-colônia da Inglaterra, que tem a

língua inglesa como exclusiva no seu sistema de ensino, apesar de as línguas endógenas serem

utilizadas em contextos familiar e social.

Segundo Dabène, o sentimento de estrangeirismo é reflexo de três tipos de

distanciamento: o primeiro se instaura quando o indivíduo se encontra afastado de seu país de

origem; o segundo se dá por incompreensões e mal-entendidos em função de diferenças

culturais; e o terceiro diz respeito a questões de ordem linguística, revelando-se, sobretudo, no

uso inadequado da língua “estrangeira”, em função de interferências linguísticas.

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2.2 REPRESENTAÇÕES DE LÍNGUA MATERNA E DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

NO FLE

Em Oficina de lingüística aplicada, Luiz Paulo da Moita Lopes define a linguística

aplicada (LA) como uma área de investigação aplicada, mediadora, interdisciplinar, centrada

na resolução de problemas de uso da linguagem. Quanto ao tipo de investigação, o autor diz

que essa disciplina está vinculada, geralmente, à produção oral e à escrita, embora já existam

alguns trabalhos de base interpretativa.

Nesse livro, Moita chama a atenção para uma tradição de estudos em LA que

reconhece somente como objeto de análise os processos que caracterizam a relação

interacional entre o aluno e o professor. De acordo com ele, esses dados apreendidos nas aulas

permitem ao pesquisador compreender como a construção do conhecimento ocorre em aulas

de línguas.

Sobre a aquisição da LE pelo aluno, Moita aborda dois conceitos teóricos

fundamentais: o primeiro, classificado como Análise do Erro (AE), oriundo da metodologia

tradicional, que visava à eliminação dos erros cometidos pelos alunos; e o segundo,

denominado Interlíngua (IL), baseado em estudos da LA e da psicolinguística, que levou

educadores a tratar o “erro” de forma mais parcimoniosa, concebendo-o como a língua de

transição do aluno entre a língua nativa (LN) e a língua-alvo (LAL) no processo de

aprendizagem.

Elaborada pelos linguistas Fries e Lado (BESSE e PORQUIER, 1984, p. 200, apud

CASTELLOTTI, 2001, p. 68), no final dos anos 1940, a teoria contrastiva foi a primeira

voltada realmente para as relações entre L1/L2 no aprendizado de uma segunda língua. Para

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Fries, o material pedagógico deveria se constituir, sobretudo, em uma descrição científico-

comparativa da língua-alvo e da LM.

Fries e Lado pretendiam, com essa análise contrastiva, desvendar os pontos de

semelhança e de divergência entre os dois sistemas e, por conseguinte, estabelecer os fatores

que apresentavam maior ou menor dificuldade ao longo do aprendizado da L2, bem como

prever os possíveis erros que os alunos pudessem cometer. Portanto, as orientações didáticas

consistiam em eliminar a L1 do aprendizado de L2 como meio de evitar possíveis

interferências.

Contra a teoria contrastiva surgem, posteriormente, estudos que concebem o erro

como um fenômeno positivo no processo da aprendizagem. O teórico Corder (CORDER,

1980, p. 11, apud CASTELLOTTI, 2001, p. 71) postula que o erro deve ser visto como uma

estratégia de aprendizado tanto na aquisição da LM quanto da LE.

Nos anos 1970, o interesse pela relação de L1 e de L2 dá origem ao conceito de

interlíngua. Vogel define interlíngua como “a língua que é formada em um aprendiz de língua

estrangeira à medida que ele é confrontado com elementos da língua-alvo, sem que,

entretanto, coincida plenamente com essa língua-alvo”.19

No entanto, apesar das novas orientações associadas ao uso da LM no ensino de LE,

Moita Lopes (1996) mostra que as práticas docentes ainda estavam ancoradas, sobretudo, em

concepções monolinguísticas. Como exemplo disso, o autor cita enunciações proferidas por

professores de LE, dentre as quais estão:

19 No original: “la langue qui se forme chez un apprenant d‟une langue étrangère à mesure qu‟il est confronté à

des éléments de la langue cible, sans pour autant qu‟elle coïncide totalement avec cette langue-cible” (VOGEL,

1995, p. 19, apud CASTELLOTTI, 2001, p. 71; tradução nossa).

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“A tradução como solução pedagógica é prejudicial à aprendizagem de LE”;

“O apelo à língua nativa (LN) como um artifício para ensinar a LE é nocivo por causa dos

fenômenos de interferência”;

“O aluno tem que aprender a pensar na LE”;

“Quem não „sabe‟ a LN não pode aprender uma LE”.

No livro La langue maternelle en classe de langue étrangère, Véronique Castellotti

(2001) considera que as representações mentais e sociais de alunos e professores associadas à

LM, sobretudo, podem ajudar a inibir o aprendizado de uma LE. Portanto, Castellotti julga

relevante que os centros de ensino tratem do ensino de língua propriamente dito, mas também

das imagens subjacentes ao seu aprendizado.

A título de exemplo de imagens estereotipadas presentes nas aulas de língua, Castelloti

cita o guia Connaître et accueillir les touristes étrangers, publicado em 1997 pelo Ministério

da Habitação, do Transporte e do Turismo, elaborado para os profissionais do turismo francês.

Nesse guia, a autora conta que os italianos são descritos como exuberantes, imprevisíveis e

excessivos, ao passo que os japoneses são tidos como supersticiosos, organizados e diretos.

Em entrevistas realizadas com crianças sobre o aprendizado de uma LE, Castellotti

observou que os discursos dos alunos estavam impregnados de conceitos transmitidos pela

escola e pelos professores. Segundo a autora, grande parte dos discentes também concebia o

uso da LM como prejudicial ao aprendizado da LE.

No segundo momento de sua pesquisa, Castellotti (2001) pediu às crianças que

desenhassem o que se passa na cabeça de alguém que fala várias línguas e constatou que a

imagem recorrente era de línguas organizadas separadamente, como armários independentes,

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divididos em escaninhos, nos quais são estocadas as palavras em função de sua classificação

gramatical.

Para a autora, o aprendizado da LE se fundamenta em experiências anteriores;

portanto, alega que não há como desconsiderar as representações da língua primeira no

ensino-aprendizado de LE. Diante disso, Castellotti propôs analisar como o uso da LM se

manifesta no ensino de LE para professores e instituições que legitimam sua presença nesse

espaço, e como essa prática pode contribuir nas representações de língua e de aprendizado e

constatou que a utilização de LM é mais frequente no início do aprendizado, para verificação

e controle da compreensão do aluno. Contudo, a autora esclarece que o uso da LM no ensino

de LE depende, sobretudo, da instituição, da metodologia de ensino, do perfil do professor, do

contexto sociocultural.

Quanto ao motivo de se usar LM no ensino de LE, ela afirma que está longe de

representar comodidade e facilidade. Ao contrário, considera que esse tipo de suporte nas

interações em sala exige que o sujeito acione competências cognitivas para desenvolver,

enriquecer e concluir o seu discurso em LE. Mas, sobretudo, concebe como fundamental a

interação de dois sistemas linguísticos/culturais distintos na construção do sentimento de

alteridade nos sujeitos.

Deve-se explicitar que atualmente existe um número expressivo de estudiosos que

aborda essa mesma temática e compartilha do mesmo desejo de Castellotti. Como ilustração,

importa citar o projeto francês Galatea, dirigido por Dabène, cujo principal objetivo é analisar

as estratégias de construção do sentido realizadas pelos sujeitos ao confrontarem línguas

romanas desconhecidas.

A professora e pesquisadora Silvana Serrani, por sua vez, e numa outra perspectiva

teórica, propõe na obra Discurso e cultura na aula de língua/currículo-leitura-escrita, que o

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professor de língua seja um mediador cultural, um interculturalista, e critica o papel

secundário atribuído ao componente sociocultural nesse espaço.

Para justificar a importância da abordagem cultural em aula de línguas, Serrani afirma

que em qualquer sociedade existem regras discursivas, como, por exemplo, para cortar ou

tomar a palavra; para abordar assuntos considerados mais ou menos tolerados, etc. A autora

ressalta ainda a importância de se levar em conta também a linguagem não-verbal no ensino

de LE, elucidando que enquanto para algumas culturas não se pode olhar de frente quando se

fala com uma pessoa, para outros essa mesma atitude pode ser interpretada como ocultar

alguma coisa ou não ser confiável. Isso demonstra que a significação não depende apenas da

língua, da situação enunciativa em si mesma; mas sim, de outros discursos, de já-ditos, que

podem ser distintos em cada língua, e provocar mal-entendidos.

Diante disso, Serrani defende uma formação para o docente de língua como

interculturalista transdisciplinar: um sujeito capaz de convocar todos os campos que lhe

permitam compreender melhor a complexidade da linguagem, bem como os conceitos

teóricos que subjazem às propostas de ensino da linguagem, os planos de aula, as opções

política, científico-linguista, socioeducacional e cultural possíveis e as atividades linguístico-

discursivas de professores e alunos.

Serrani enfatiza que a opção político-educacional de um projeto pedagógico deveria

partir da cultura de origem do aluno, tanto no ensino de LM quanto no ensino de LE, com

vista a privilegiar o conhecimento prévio do aluno. Segundo a autora, o objetivo desse tipo de

abordagem é estimular os alunos a estabelecer pontes culturais com outras sociedades e levá-

los ao questionamento do etnocentrismo e do exotismo cultural.

Quanto às práticas linguístico-discursivas de professores e alunos, propriamente,

Serrani menciona o uso da leitura, da escuta, da escrita, da tradução; enfim, de diversos tipos

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de discursos que trabalham a linguagem dentro da sua complexidade. Importa dizer que essa

proposta interculturalista-discursiva de Serrani visa a um currículo multidimencional e,

consequentemente, critica os currículos unidimencionais, que seguem uma única progressão e

reduzem o ensino-aprendizado de língua a uma descrição linguística.

Como exemplo de atividades interculturalista e discursiva, Silvana Serrani cita duas

propostas. A primeira é destinada para um curso de espanhol, para alunos universitários,

tendo como materiais didáticos textos orais e escritos, abordando a produção de vinho na

região Saltam, na Argentina; e a produção de algodão em três estados do nordeste brasileiro:

Ceará, Pernambuco e Bahia. Além do contexto, a autora também propõe que seja discutida a

situação de trabalho de camponeses e produtores de algodão e vinho nesses dois países, bem

como professor e alunos tratem dos legados culturais presentes em canções populares, tanto

no contexto de partida quanto no contexto alvo.

Para a formação de futuros professores de Letras, Silvana Serrani sugere como

proposta intercultural e discursiva o estudo da vida dos centros urbanos no Brasil e na

Argentina, tendo como suporte pedagógico: dois poemas – “Até Segunda Ordem” de Paulo

Britto e “Argentino até a Morte” de César Fernández Moreno, com a tradução para o

português de Sérgio Alcides –, a crônica “Recado ao Senhor 903” de Rubem Braga, textos

biográficos dos autores dos poemas selecionados, textos sobre a vida urbana na Argentina, em

Chamús e no Rio de Janeiro, etc. Como atividade, a autora declara que foram realizadas

práticas de leitura, de escuta, de escrita, de produção oral e de tradução, bem como o estudo

de componente língua-discurso, a análise de expressões coloquiais e de formas de tratamento

e de adjetivos, presentes nas poesias e nas crônicas.

Vale explicitar que, nessas duas atividades descritas, a literatura no ensino de LE se

mostrou tão importante quanto os outros discursos. Além disso, de acordo com Silvana

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Serrani, essa proposta interculturalista no ensino de LE coloca em questão a tendência do

enfoque nacional-funcionais ou comunicativos a partir dos anos 1970, que propõe o uso de

textos extraídos da mídia, como o melhor recurso para tratar de aspectos linguísticos e

enunciativos da vida diária, e, por sua vez, desconsideram o fato de que a língua funciona em

discursos referenciais e não-referenciais como os textos literários.

Por último, ela explica que a proposta de um ensino interculturalista não visa ao

aspecto cultural apenas, mas, sim, à diversidade cultural, social, linguística. Como

procedimento metodológico, propõe aos professores que ensinem a partir do contexto

socioespacial, ou seja, dos espaços, territórios e momentos abordados; dos sujeitos envolvidos

no processo de ensino-aprendizado, considerando os aspectos sociais, culturais e étnicos; e

dos legados socioculturais que estão ligados aos domínios identitário, social e emocional do

sujeito.

2.3 TRADUÇÃO NO ENSINO DE FLE

A tradução é a fórmula ideal do exercício intelectual. Cada vez que

traduzimos somos obrigados a abandonar os moldes mentais a que

estamos habituados e a pegar o jeito de outros moldes completamente

alheios à nossa maneira de pensar. Não há nada melhor para adquirir

flexibilidade mental – o que [...] é praticamente o ingrediente principal

do pensamento claro. Se as línguas estrangeiras não existissem,

deveríamos inventá-las como mecanismo de treinamento intelectual.

(Rudolf Flesh, The art of clear thinking)20

Em A tradução vivida (1975, p. 16), Paulo Rónai inicia sua obra dizendo que a

tradução é um ato inerente ao homem, e fundamenta tal afirmação definindo quatro tipos de

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tradução: a interlingual, que consiste na formulação de uma mensagem em um idioma

diferente daquele em que foi concebida; a intralinguística, que ocorre ao traduzimos, em

nossa própria língua, um conteúdo que estava confuso em nosso pensamento; a

sociolinguística, que se manifesta no momento em que versarmos sobre as fórmulas sociais

utilizadas por nosso interlocutor; e a intersemiótica, que se estabelece quando procuramos

interpretar o significado de uma expressão fisionômica, um gesto ou um ato simbólico.

Para Walter Carlos Costa, a reabilitação da tradução em sala de aula é essencial, pois

“[...] uma concepção mais ampla, mais cultural e crítica pode colocar a tradução como um dos

meios mais eficientes de se estar permanentemente atento às diferenças em relação à língua e

à cultura estrangeiras” (1988, p. 283).

H. G. Widdowson (1978) é a favor do uso da tradução no ensino de uma língua

estrangeira para fins específicos (instrumentais) e com aqueles alunos que já possuam um

bom conhecimento da língua. Além disso, orienta que os professores proponham atividades

tradutórias que tratem tantos dos aspectos linguísticos quanto dos semânticos. Quanto à

importância desse suporte, o autor menciona que o exercício de tradução permite aos alunos

confrontar culturas diferentes e, por sua vez, ter uma concepção mais ampla da LE.

Em Tradução uma fonte para o ensino (2007), Lillian DePaula relata o estudo

realizado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) pelo Núcleo de Pesquisas em

Tradução e Estudos Interculturais (TEI), nos anos 2004, 2005 e 2006, composto por

estudantes e educadores, cujo interesse foi discutir a tradução como quinta habilidade. Em

suma, o Núcleo propõe a inclusão da prática tradutória entre as habilidades de compreensão,

fala, leitura e escrita, defendendo o pressuposto teórico de que essa atividade também é

inerente ao ser humano.

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Devemos esclarecer, no entanto, que o desejo de incluir a competência de traduzir

como quinto objetivo no ensino, após entender, falar, ler e escrever, é antigo. Na última fase

do Método Direto, Louis Marchand (MARCHAND, 1950, apud CHAGAS, 1979, p. 383) já

manifestava tal desejo e era criticado por estudiosos como Viëtor21

(VIËTOR apud

CHAGAS, 1979, p. 385), com base no argumento de que a tradução é uma arte totalmente

alheia aos objetivos da escola.

Em Fonctions de la traduction en didactiques des langues: aprendre une langue en

apprenant à traduire. Lavault chama a atenção para o fato de que, mesmo no momento mais

radical da Metodologia Direta (MD), a tradução, como forma de controle gramatical e

literária, está destinada a alunos de níveis mais avançados e sempre esteve presente no ensino

de LE.

Em 1909, as instruções oficiais francesas (IPN) se pronunciaram sobre a tradução com

estas palavras:

Qualquer que seja a língua de que se trata, a tradução é um meio de ensiná-la... Ela é cada vez

mais um modo de fazer passar na mente do aluno, conjuntamente ao conteúdo do texto,

algumas das virtudes da língua estrangeira e, assim sendo, o gênio estrangeiro. É um modo de

cultura verbal, bem como geral, e um exercício auxiliar do francês.22

Lavault afirma ainda que a decisão de traduzir ou não traduzir independe das

metodologias de ensino. Segundo a autora, tanto no ensino da LM quanto no da LE, o aluno,

sobretudo, o adulto, busca conceituar e compreender determinados fenômenos linguísticos

21 W. Viëtor publicou, em 1882, um manifesto, intitulado “O ensino das lìnguas deve retroceder!”, no qual ele

menciona a necessidade de um ensino natural, ou seja, como da língua materna, mediante imitação, repetição e

contato direto com as pessoas, sem sistematização linguística. 22

No original: “Quelque que soit la langue dont il s‟agit, la version est un moyen de l‟enseigner... Elle est de

plus en plus un moyen de faire passer dans l‟esprit de l‟élève, en même temps que le contenu du texte, quelques-

unes des vertus de la langue étrangère, et par elle du génie étranger. Elle est un moyen de culture verbale en

même temps que générale et elle est un exercice auxiliaire du français” (LAVAULT, 1998, p. 18).

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com base em explicações mentais lógicas, por meio da tradução intralinguística e

interlinguística. Também ressalta que nem mesmo o aluno tem o controle total desse processo

de tradução mental.

Nos anos 1970 e 1980, a Abordagem Comunicativa, baseada na sociologia da

comunicação e na psicologia, reinsere a LM e a tradução no ensino. Contudo, Lavault critica

o espaço concedido à tradução no ensino de língua, atentando para o fato de que essa prática

continuava muito aquém da real prática tradutória do tradutor. Segundo a autora, o papel do

tradutor não se limita a traduzir palavras ou frases, mas, compreende também a tradução de

textos reais, destinados a um público definido (DELILE, 1980, p. 42, apud LAVAULT,1988

p.20). Já a tradução pedagógica se caracteriza pelos exercícios de tradução/versão e por seu

objetivo, essencialmente, didático.

Nessa mesma linha de pensamento de Lavault devemos citar o livro Traduire:

théorèmes pour la traduction, de Jean René Ladmiral (1979), no qual o autor questiona a

abordagem mecanicista e descontextualizada atribuída à tradução no ensino de LE. De acordo

com Ladmiral, a tradução profissional visa à publicação e à leitura de um texto, dispensando o

leitor de ler o original.

Além disso, o autor afirma que a tradução no ensino de línguas modernas se dá,

normalmente, a partir de normas pedagógicas rígidas, restritivas e artificiais, muito diferente

da real prática tradutória. Como exemplo disso, menciona os enunciados dos exercícios

construídos por verbos no imperativo, limitando a criatividade dos alunos e exigindo deles

respostas exatas. Ladmiral cita também os cortes pedagógicos, com o intuito de ocultar certos

problemas.

No que concerne à versão, os exercícios aplicados são utilizados apenas para fixar os

conhecimentos gramaticais já ensinados na LE. No caso da tradução, os erros cometidos nessa

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atividade são reconhecidos apenas como erros de decodificação, não havendo uma

preocupação em interpretar, em recuperar na LM o sentido do texto da língua fonte (LE)

(LADMIRAL, 1979, p. 47-56).

Por último, Ladmiral critica as interferências da norma linguística e da norma

pedagógica veiculadas à atividade tradutória. No que diz respeito aos exercícios de tradução,

o autor contesta o modo simplificado e, por sua vez, irreal com que a LM é apresentada ao

aluno. Quanto à versão, alega que a LE é reduzida a exercícios gramaticais, repletos de

armadilhas, elaborados com um elevado grau de dificuldade, levando o aluno a conceber essa

atividade como impraticável.

Para abordar a tradução no ensino de língua, Elizabeth Lavault (1998, p. 53) propõe,

inicialmente, aos professores que eles conheçam a teoria do sentido ou a teoria interpretativa

dos tradutores e dos intérpretes da Escola Superior de Intérpretes e de Tradutores de Paris

(ESIT), visto a experiência desses profissionais no que diz respeito à prática tradutória no

ensino. Nessa teoria, o pré-requisito é que os tradutores não traduzam línguas, mas, sim,

textos.

Retomando a tradução no ensino de língua, Lavault aponta que a primeira contribuição

dessa teoria interpretativa no ensino de língua estaria em desconstruir a ideia, muito comum

entre os alunos, de sinônimos perfeitos. Além disso, ela assevera que, apesar de o aluno-

tradutor não possuir os mesmos conhecimentos linguístico e intelectual de um tradutor

profissional, os sujeitos, em geral, têm conhecimentos cognitivos e extralinguísticos que lhes

permitem compreender o sentido de um texto.23

23 Idem, p. 40.

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Quanto à reformulação de um texto em outra língua, Lavault propõe que se promova

antes um ensino voltado para o sentido, objetivando desenvolver nos alunos as competências

de compreensão e de reexpressão, como é proposto pela escola ESIT de Paris. Nesse sentido,

ela lança uma crítica aos cursos de língua, alegando que estão baseados, em geral, na

descrição da língua. Lavault (1998) compreende que seja possível reportar para esses cursos

algumas orientações da teoria interpretativa da escola ESIT, e cita quatro motivos para

integrar a tradução no ensino de língua.

Com o primeiro motivo, denominado savoir-faire, Lavault (p.74) alega o aprendizado

da tradução no ensino de línguas com vistas à vida profissional. Segundo a autora, muitos

profissionais, ainda que não sejam nem tradutores e nem intérpretes, precisam executar essa

tarefa em suas atividades; porém, em geral, encontram dificuldades em realizá-la, na medida

em que desconhecem os princípios básicos da prática tradutória.

Sendo a tradução frequente por quem fala outra língua, no âmbito profissional, social e

pessoal, Lavault diz ainda que os centros de língua deveriam não apenas atribuir um espaço

para a prática tradutória em sala de aula, como também considerar a tradução como quinta

competência de comunicação. A saber, conferir à tradução o mesmo valor dado a outras

atividades de comunicação, a fim de que alunos/sujeitos desenvolvam, além da competência

de ler, escrever, entender e falar, a competência de traduzir.

Como segundo motivo, Lavault aduz a demanda dos alunos. De acordo com a autora,

é bastante recorrente que alunos solicitem a tradução de uma palavra, de uma expressão, de

uma frase aos seus professores. Quanto às diretrizes didáticas, lembra que, a partir dos anos

1970 e 1980, o uso da LM deixa de ser nocivo no ensino de LE e passa a atuar como mais um

recurso em prol da aprendizagem do aluno.

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Na defesa da tradução no ensino de línguas, Lavault explicita como terceiro motivo o

aperfeiçoamento da LE mediante a tradução, embasando-se, sobretudo, nas teorias

contrastivas de J.P. Vinay e J. Darbelnet em Stylistique comparée du français et de l‟anglais.

Nessa obra, eles alegam que a análise contrastiva, a partir da aproximação e da confrontação

de duas línguas, ajuda os alunos a verificar as semelhanças e as diferenças entre as duas

línguas em jogo e, por conseguinte, a evitar certo tipo de interferências no ensino de línguas.

Por último, Lavault menciona o aperfeiçoamento da LM. Nesse caso, afirma que os

exercícios de tradução obrigam os alunos a pensar na língua materna; a observar o vocábulo

utilizado, o estilo empregado; a perceber as estruturas idiomáticas da própria língua.

Na conclusão, Lavault reforça que a tradução, baseada no sentido, é efetivamente

possível no ensino de línguas porque demanda dos alunos uma compreensão e interpretação

do texto como um todo. Além disso, acrescenta que a tradução nesse espaço poderá ser útil

para o aperfeiçoamento linguístico, bem como permitirá que os alunos desenvolvam

competências relacionadas à prática tradutória, solicitada muitas vezes tanto nos espaços

informais – viagens de férias entre amigos ou familiares – quanto no trabalho e na vida

acadêmica por quem domina outro idioma.

2.3 QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA E MEDIAÇÃO

Em 2001, o Conselho da Europa cria o Cadre Européen Commun de Référence pour

les langues (CECR) – Aprender, ensinar, avaliar. Nesse documento, os seus elaboradores

estabelecem uma base comum na elaboração de programas, provas, manuais, certificados no

ensino de línguas estrangeiras; descrevem as competências que os aprendizes e sujeitos

precisam dominar para poder se comunicar em outra língua; buscam auxiliar administradores,

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criadores de programas, professores, dentre outros usuários, a repensar suas práticas; bem

como abordam a questão da diversidade cultural.

Com relação ao aspecto cultural, os elaboradores do CECR esclarecem que o ensino

de línguas, no atual contexto, preconiza um aprendizado de línguas voltado para o

plurilinguismo. E, na tentativa de demonstrar essa postura de tolerância e de respeito com

outro, os elaboradores do CECR defendem o uso de gestos, de palavras estrangeiras e da

mediação (tradução oral e/ou escrita), já desprestigiados por algumas metodologias de ensino,

alegando ser estes, muitas vezes, os únicos recursos que indivíduos de línguas e de culturas

diferentes têm para interagir.

Ancorado no pressuposto teórico de um ensino de língua plurilíngue, o CECR adota,

sobretudo, como orientação metodológica, a Perspectiva Acional (PA). Nessa orientação,

convém dizer que os aprendizes de uma língua e os sujeitos são considerados como atores

sociais que devem realizar “ações comunicativas e não comunicativas” (p. 15).

O CECR define como não comunicativas as competências que compreendem: o saber,

o saber-fazer, o saber-ser e o saber-aprender. No que diz respeito à competência

comunicativa, o CECR diz que esta é constituída pelas competências linguística, pragmática e

sociolinguística.

A competência linguística se refere ao léxico, à fonética, à fonologia, à sintaxe e à

gramática. A pragmática se ocupa do uso funcional dos recursos linguísticos, de acordo com o

contexto e a situação interativa, e da competência discursiva. Já a sociolinguística

compreende as normas e os rituais sociais, as expressões populares, os diferentes tipos de

registros, os dialetos e as pronúncias.

Quanto à realização dessa competência comunicativa pelo aprendiz/sujeito, o CECR

diz que ela depende das atividades de comunicação (recepção, produção, interação e

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mediação), dos domínios (público, profissional, educacional e pessoal) e da inscrição dessas

atividades no interior desses domínios.

A respeito dos domínios, devemos salientar que, embora os espaços interativos sejam

diversos, o CECR os restringe apenas aos citados no parágrafo acima. Sobre a atividade de

comunicação, o Quadro inclui a interação e a mediação entre as atividades de comunicação e

define a mediação desta forma:

Participando ao mesmo tempo da recepção e da produção, as atividades escritas e/ou orais de

mediação permitem, pela tradução ou interpretação, pelo resumo ou relatório, produzir para

um terceiro uma reformulação acessível de um texto primeiro ao qual esse terceiro não tem, a

princípio, acesso direto. As atividades linguageiras de mediação, retratando um texto prévio,

têm lugar considerável no funcionamento linguageiro usual de nossas sociedades.24

Ainda sobre a competência comunicativa, o CECR diz que, além das atividades de

comunicação e dos domínios, a atividade comunicativa exige também a realização de tarefas,

isto é, de ações praticadas pelos atores sociais e/ou aprendizes. Como ilustração, o CECR cita

a tradução, cuja realização demanda dos sujeitos envolvidos inúmeras tarefas, tais como:

saber utilizar dicionários, livros; pesquisar traduções realizadas sobre o texto estudado; buscar

ajuda de amigos, etc. (p. 19).

No entanto, apesar desse discurso a favor da tradução no ensino de FLE, os termos

tradução e mediação não são citados no quadro dos Níveis comuns de referência, no qual

estão descritos os seis níveis de usuários – usuário básico (A1 e A2); usuário independente

24 No original: “Participant à la fois de la reception et de la production, les activités écrites et/ou orales de

médiation, permettent, par la traduction ou l‟interprétariat, le résumé ou le compte rendu, de produire à

l‟intention d‟un tiers une reformulation accessible d'un texte premier auquel ce tiers n‟a pas d‟abord accès

direct. Les activités langagières de médiation, retraitant un texte déjà là, tiennent une place considérable dans le

fonctionnement langagier ordinaire de nos sociétés” (CECR, 2001, p. 18).

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(B1 e B2); usuário experiente (C1 e C2) – e as respectivas competências que alunos e falantes

devem dominar para poder se comunicar em tal língua.

No segundo quadro, denominado autoavaliação (p. 27), é abordado o que o sujeito

pode fazer com relação às atividades de comunicação em cada nível; e, no terceiro quadro,

intitulado Níveis comuns de competências – aspectos qualitativos da utilização da língua

falada (p. 28), são apresentados, como o próprio título já afirma, os aspectos qualitativos do

uso da língua falada, sendo mencionadas também as expressões mediação e tradução. Logo,

como saber o que se pode em relação à mediação? Como se deve mediar? Como os usuários

do CECR vão considerar e explicitar a mediação?

Cabe dizer que esses quadros descritivos constituem, geralmente, a principal

orientação para professores, formadores de ensino de LE e instituições. Para exemplificar

isso, a Aliança Francesa de Paris elaborou um livro, em 2008, intitulado Référentiel de

programmes, com base no CECR. No entanto, são abordados apenas os seis níveis de

referência, com suas respectivas competências, e as atividades de comunicação escutar, ler,

escrever, falar. A mediação foi excluída.

No quarto capítulo, em conformidade com as orientações da Perspectiva Acional, esse

documento sustenta que o aprendizado de línguas e culturas estrangeiras não compromete a

língua e nem a cultura maternas. E ressalta que a aquisição de uma LE depende dos

conhecimentos já adquiridos na LM. Além disso, entende que o uso da LM e da mediação são

primordiais para a concepção plurilíngue e interculturalista de alunos e sujeitos. Nesse trecho,

podemos observar que os elaboradores do CECR se atêm a mostrar que o ensino de uma LE

não representa nenhuma ameaça para a língua e cultura de outro povo.

Dessa forma, verificamos mais uma vez a presença de um discurso paralelo implícito,

ou seja, o discurso da língua estrangeira como ameaça à identidade, à cultura e à língua

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nacional. Segundo Ducrot (apud SERRANI, 2005, p.25), o uso da forma negativa, pelo

ensinamento da semântica argumentativa tem implícita a afirmação da proposição que se

nega. Nessa linha de pensamento, Serrani25

lembra, também, que tudo o que é “dito” resulta

de um “não dito” que passa a ser formulado pelo mesmo movimento enunciativo (ORLANDI,

1988).

Nesse mesmo capítulo, os elaboradores do CECR esclarecem que esse documento não

tem nenhuma pretensão de responder a todas as questões de autores de manuais, professores,

examinadores, dentre outros. Também explicitam que o objetivo da elaboração do documento

não é prescrever normas, mas, sim, propor aos seus usuários orientações que os ajudem em

suas atividades.

A respeito das orientações, devemos reconhecer que os preconizadores do CECR, ao

longo do documento, tocam em inúmeras questões que os professores, os elaboradores de

métodos, os formadores de professores e outros usuários procuram compreender. Entretanto,

no que concerne à prática tradutória no ensino, o CECR desconsidera a mediação e menciona

apenas o que os usuários precisam considerar e explicitar para alunos e sujeitos sobre essa

atividade.

Como ilustração disso, sobre as atividades de comunicação (falar, escrever, escutar,

ler, interagir e mediar), os elaboradores do CECR (p. 49-72) pedem que os usuários deste

documento considerem e explicitem as diversas atividades de produção e recepção oral e

escrita; tratem das estratégias de produção textual oral e escrita; e apresentem as competências

que os sujeitos podem realizar nessas atividades de produção oral e escrita, a partir de quadros

25 Ibidem, p. 24.

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descritivos, No entanto, com relação à mediação e à tradução, nada é explicitado nesse

primeiro momento.

Ao abordar a atividade de interação, o CECR pede para os seus usuários que mostrem

aos aprendizes/sujeitos a importância da colaboração e da cooperação dos envolvidos na

atividade interativa, mas não faz nenhuma alusão à mediação nesse espaço.

Quanto à interação, outro fator observado nesta pesquisa foi o elevado domínio de

língua descrito no quadro, pelo CECR, sobre a atividade interativa (p.68-78) para o usuário

experiente, exigindo que este possua a mesma competência de um locutor nativo. O que

significa dizer que o desejo de locutor nativo ideal, negado no primeiro capítulo do

documento, parece estar presente na imagem de língua desses elaboradores.

A respeito da atividade de mediação, em específico, o CECR não apresenta nenhum

quadro explicitando o que os aprendizes, em função dos seus níveis, deverão saber fazer sobre

a atividade de mediação, como esboçou para as outras atividades de comunicação. Entretanto,

os elaboradores desse documento pedem que os usuários considerem e explicitem aos alunos

e sujeitos o papel de mediador que estes podem exercer entre interlocutores incapazes de se

compreender de modo direto.

Também reivindicam que os usuários explanem sobre as tarefas que essa atividade

demanda e citem os possíveis tipos de mediação oral (congressos, visitas guiadas, cartazes,

etc.) e escrita (contratos, textos científicos, poesias, artigos de jornais e revistas, etc.) com que

falantes de uma língua estrangeira podem se deparar.

Devemos ressaltar que apenas no quadro de correção sociolinguística, no nível C2

(p.95), o CECR cita o termo mediação, esclarecendo que o aprendiz/usuário pode, nesse

estágio, não apenas desempenhar o papel de mediador entre locutores de língua materna e

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estrangeira, bem como considerar as diferenças socioculturais e sociolinguísticas das culturas

em jogo.

Em suma, após essas observações sobre o CECR, podemos concluir que o seu

interesse pela tradução parece se limitar apenas à mediação como meio de se promover o

sentimento plurilinguista. As orientações do CECR para alunos e usuários parecem apenas

reconhecer a tradução no ensino. O desejo de Louis Marchand e de Elizabeth Lavault de

desenvolver a competência de traduzir como quinta competência comunicativa no ensino de

língua, discutido neste trabalho, parece se mostrar ainda muito longe do que propõe o CECR.

No estágio realizado por Christian Puren na Aliança Francesa do Rio de Janeiro,

denominado Formação de formadores, em março de 2010, ele foi questionado por mim sobre

a abordagem superficial atribuída à mediação no CECR, confirmando-me que esse item

precisa ser ainda mais aprofundado no ensino de LE. Segundo o autor, os elaboradores do

CECR não tiveram tempo necessário para abordar a mediação de forma mais detalhada nesse

documento; porém, considera que a menção da mediação seja um passo importante para se

repensar a tradução no ensino.

Em As políticas linguísticas (2007), Louis-Jean Calvet diz que, depois da

descolonização e da supremacia da língua inglesa sobre a francesa, o ensino do francês como

língua estrangeira passou a se fundamentar baseado em uma perspectiva plurilinguística,

defendendo a diversidade das línguas e o diálogo cultural, a diretriz atual da francofonia.

Porém, Calvet (2007, p. 135) associa esse discurso plurilinguista francês ao desejo dos

franceses de manter o espaço da língua francesa no continente, e fundamenta essa opinião

citando este trecho, declarado pelo Ministério dos Negócios estrangeiros: “Não nos

enganemos, é na União Europeia que estará em jogo o futuro do francês. Se amanhã, em razão

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de concessões sucessivas, o inglês se impuser como a única língua de trabalho, como

poderemos defender o status internacional do francês?”

Calvet não nega que a língua francesa seja uma realidade sociolinguística. De fato, o

francês está presente nos cinco continentes, possuindo em média 120 milhões de falantes.

Contudo, ele mostra que, paralelamente a essa realidade linguística, há também uma política

francófona da França de defender e de manter a presença da língua francesa em algumas

regiões, opondo-se de forma discreta à promoção da língua nacional.

Entretanto, para os autores das Histoires de diplomatie culturelle (apud CALVET,

2007),26

a difusão do francês no exterior foi mais um mercado do que uma política de língua.

Segundo eles, os editores e os autores de métodos de ensino obtiveram lucros significativos

com a venda de novos métodos a partir de novas “teorias” que, por sua vez, demandava o

surgimento das abordagens áudio-oral, audiovisual e comunicativa.

2.5 MANUAIS DIDÁTICOS

No artigo intitulado “Marché des langues: caractéristiques et tendances”,27

Jacques

Pécheur (1995) mostra que os manuais vão ao encontro da demanda social e do contexto

histórico-social. Segundo o autor, com os novos recursos tecnológicos – televisão,

computador, telefone –, o modo de aprender ganhou mobilidade. O aprendizado pode ocorrer

em qualquer espaço, em qualquer momento, em função dos interesses pessoais e profissionais

de cada indivíduo, e não apenas em instituições de ensino. Diante desse novo cenário, o

mercado passou a produzir métodos, suportes de ensino que propõem diversos recursos

26 Ibidem, p. 142.

27 Le français dans le monde: recherches et applications. Méthodes et méthodologies. Paris: Hachette, jan. 1995.

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(cadernos de exercício, vídeos, fitas), buscando atingir alunos de faixa etária e nacionalidades

diferentes, além de elaborar manuais com objetivos específicos.

Pierre Berringer,28

editor de Didier, acrescenta também que o mercado metodológico

teve de se adequar à concorrência de editores nacionais e internacionais. Além disso, lembra

que, após a descolonização, o ensino da língua francesa deixou de ser obrigatório em muitos

países, passando o francês a ser ensinado como segunda e terceira língua estrangeira (p. 14).

Contudo, o editor salienta que os melhores mercados da Didier estão na Europa e na América

Latina. Segundo Berringer, uma parcela considerável de professores brasileiros, argentinos e

italianos procura enriquecer suas práticas por meio de novos manuais, de cursos de

aperfeiçoamento e de estágios no exterior.

Já Michèle Grandmangin, editora da CLE International, assevera nesse artigo que a

curta duração de vida de um manual se dá em função do grande número de editores, mas

também porque o livro se tornou um bem de consumo. Nesse sentindo, importa dizer que, de

2000 a 2010, a Aliança Francesa do Rio de Janeiro já adotou Tempo,29

Forum,30

Tout va

bien.31

No artigo “Faut-il contextualiser les manuels?”,32

Évelyne Bérard chama a atenção

para o fato de que o mercado metodológico precisou elaborar igualmente métodos adaptados a

um determinado contexto e situação. Como ilustração, a autora cita o manual Bienvenue 1,que

foi adaptado à cultura egípcia, e Visa pour le français, criado para os países do Golfo, com o

objetivo de tratar da questão da alteridade, partindo do conhecimento prévio do aluno. Quanto

28 Idem, p. 13.

29 BERARD, É. et al. Tempo. Paris: Didier/Hatier, 1997.

30 CAMPA, À. et al. Forum. Paris: Hachette, 2001.

31 AUGE, H. et al. Tout va bien. Paris: CLE International, 2005.

32 Le français dans le monde: recherches et applications. Méthodes et Méthodologies, Paris: Hachette, p. 22, jan.

1995.

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ao custo de um método contextualizado, Évelyne Bérard aconselha uma parceria entre

especialistas franceses e locais.

Além desses fatores, vale lembrar que, a partir dos anos 1970, o ensino de línguas

passou a privilegiar a formação de professores, e os cursos de aperfeiçoamentos, a formação

metodológica, suscitando o aparecimento de um novo mercado. Atualmente, muitas

universidades francesas oferecem cursos e estágios de aperfeiçoamentos para professores de

francês no período de verão, bem como é recorrente no Brasil a presença de formadores de

professores. Contudo, importa dizer que a grande maioria dessas formações se centra,

principalmente, no como ensinar, afirmando como correta algumas práticas em sala de aula e

condenando outras, sem explicações.

Mas, apesar desse novo cenário, a venda de manuais franceses parece possuir ainda

um mercado bastante significativo. No ano da França no Brasil, em uma homenagem da

Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas à Aliança Francesa pelos seus 37 anos em

Manaus, o delegado-geral da Aliança Francesa no Brasil, Yann Lorvo, afirmou que só em

nosso país a instituição possui 35 mil estudantes e 550 professores. Além disso, no congresso

realizado em Brasília, em 2009, os organizadores afirmaram contar com a inscrição de 1,2 mil

estudantes.

O ensino da língua francesa movimenta indubitavelmente diversos setores da

economia francesa – editoras, instituições, viagens, produtos franceses, etc. Além disso, é

evidente que existe uma preocupação político-linguística da França em manter a presença da

língua francesa nos eventos internacionais. Porém, o interesse em preservar a língua francesa

parece estar também disseminado em toda a sociedade francesa por meio do mito de uma

língua bela, clara e precisa, tendo em vista que as ações a favor desse idioma não se

restringem ao Estado.

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No artigo intitulado “O lugar das lìnguas: A América do Sul e os mercados

linguìsticos na Nova Economia”,33

Gilvan Müller de Oliveira versa sobre o atual peso das

línguas na América Latina. O autor acredita que esse estudo possa corroborar para que sejam

analisadas e traçadas novas políticas linguísticas, com base no espaço que essas línguas

ocupam no mercado linguístico. Nesse sentido, como primeira observação, ressalta que a

concepção de um país, um povo, uma língua não é mais viável na conjuntura política, social e

econômica em que vivemos, e acrescenta: “Não se postula mais, como polìtica de Estado, que

a população de um país permaneça ou se torne monolíngue” (2010, p. 22).

Segundo o autor, as políticas linguísticas atuais estão diretamente associadas às

mudanças que o capitalismo sofreu ao longo dos anos. No inicio do século XX, a sociedade

vivenciou a economia fordista, na qual os funcionários deveriam executar atividades

rotineiras e trabalhar em silêncio com o propósito de garantir uma produção em grandes

escalas e com um custo menor. A partir dos anos de 1970, momento em que se inicia a era da

sociedade de informação, a demanda de mercado passa a buscar profissionais que sejam não

apenas capazes de produzir, mas também que analisem, interajam e encontrem novas soluções

de acordo com as situações política, econômica e social, tanto na esfera da empresa como em

contexto nacional e internacional.

Na tentativa de ilustrar a relação direta entre a nova economia e as políticas

linguísticas, o autor cita o acordo comercial entre os países do Mercosul e a implementação

do ensino da língua portuguesa na Argentina e o do espanhol no Brasil. Além disso, menciona

que essa relação linguística entre esses dois países levou também o Uruguai, que negava

33 Synergies Brésil, número especial, p. 21-30, 1-2010.

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durante muito tempo o bilinguismo no norte do país, a promover uma licenciatura em língua

portuguesa nos anos de 1990.

Dessa forma, Gilvan Muller chama a atenção para o fato de que, no atual contexto, a

reciprocidade entre países não se estabelece apenas no âmbito comercial, mas também

linguìstico. De acordo com o autor, “para que sua língua possa estar aqui é preciso que a

minha língua possa estar aí” (2010, p.23). No caso da relação entre França e Brasil, uma

presença mais significativa da língua portuguesa no hexágono não apenas demonstraria uma

postura “anticolonialista” do Estado francês, bem como favoreceria a uma maior parceria

econômica e linguística entre essas duas nações.

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3 IMAGENS DA TRADUÇÃO NO ENSINO DO FLE NO SÉCULO XXI

3.1 CONTEXTO DA PESQUISA

Na tentativa de compreender a atual imagem da tradução no ensino de língua

francesa, foram analisados 20 questionários, respondidos por 20 professores da Aliança

Francesa do Rio de Janeiro das filiais Tijuca, Botafogo e Centro, nos meses de maio e junho

de 2010. Essa instituição possui, atualmente, mais seis filiais, sediadas nos bairros de

Copacabana, Ipanema, Méier, Barra, Recreio e Campo Grande, cujo quadro docente total é

de 115 professores.

Preferimos o questionário à entrevista, pois acreditamos que as respostas seriam mais

imparciais. No que diz respeito às perguntas, elas foram elaboradas baseadas na obra de

Elizabeth Lavault (1998) e na dissertação de Irène Zohra Séréno Cervo (2003). Esta analisou

a prática tradutória entre os professores do Instituto de Letras da Universidade de Brasília. Já

Lavault se deteve a estudar o uso da tradução e da LM pelos professores nos ensinos

fundamental e médio na França.

Como organização da análise dos questionários, decidimos agrupá-los em três temas:

os dados pessoais, que vão do número 1 ao 3, constituídos por nome, idade e

instituição de trabalho;

o uso da LM no ensino do FLE, contemplando as questões de números 4, 4.1 e

4.2; e

o uso da tradução no ensino de FLE, apresentado nas questões 5 e 6.

No que diz respeito ao nome, deve-se explicitar que ele serviu apenas para saber quais

professores foram convidados a participar desta pesquisa. No anexo, esse primeiro item foi

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apagado do questionário, visando a preservar a identidade dos professores. Como forma de

identificar as falas dos sujeitos, enumeramos as fichas de 1 a 20.

No que se refere à faixa etária dos 20 professores que participaram da pesquisa,

constatou-se que seis tinham entre 20 e 35 anos; sete, entre 36 e 50; seis, entre 51 e 65 anos; e

um professor com mais de 66 anos.

Quanto ao terceiro item, referente às instituições de trabalho, 14 professores disseram

trabalhar apenas na AF, cinco declararam lecionar também em escolas públicas e particulares

e um professor afirmou lecionar em uma Universidade. Vale salientar que, de acordo com os

estudos estatísticos realizados pela empresa no primeiro semestre de 2010, 49% desses

profissionais disseram ter menos de 40 anos, e 51% declararam trabalhar apenas na Aliança

Francesa (AF).

É importante esclarecer que os objetivos das escolas, das universidades e dos centros

de língua divergem com relação ao ensino de LE no Brasil.

Nos ensinos fundamental e médio, os autores dos Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN, 2002) propõem aos professores, diretores, orientadores, etc. que o ensino-aprendizado

das línguas modernas vise a desenvolver competências linguísticas, sociolinguísticas,

discursivas e estratégicas. Importa dizer também que o documento sugere uma abordagem

interculturalista e interdisciplinar das questões culturais no ensino de LE. Como ilustração, é

proposto que o professor aborde o léxico referente à alimentação com base na LM e na cultura

brasileira em conjunto com o professor de geografia. Contudo, vale dizer que o ensino de LE

nas escolas brasileiras públicas e particulares ainda está muito aquém do que é apresentado no

PCN. Geralmente, as aulas de língua, em função das turmas numerosas e de se dispor apenas

de dois tempos semanais, se limitam a exercícios gramaticais e à compreensão de textos

escritos com enfoque, sobretudo, linguístico.

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Nos diversos cursos do ensino superior, o ensino de LE é geralmente instrumental,

permitindo que os alunos tenham acesso às obras que julgam fundamentais para a sua

formação. Para cursar uma pós-graduação stricto sensu, o candidato precisa ser capaz de ler,

interpretar e compreender pelo menos uma língua estrangeira no mestrado e duas no

doutorado. Na UERJ, o Instituto de Letras oferece como disciplina eletiva, na graduação,

Tradução 1 e Tradução 2 para os alunos de ciências humanas.

Nos cursos de Letras, em específico, os estudos tradutórios vêm ganhando cada vez

mais espaço. Importa dizer que, nas universidades brasileiras, a tradução foi incluída como

disciplina optativa de alguns cursos de graduação. Esse movimento no tocante aos estudos

tradutórios nos cursos stricto senso, lato senso e na graduação aponta também para uma outra

formação de futuros professores de LM e de LE.

Na AF, o objetivo é trabalhar as quatro competências comunicativas: expressão oral

(EO), expressão escrita (EE), compreensão oral (CO) e compreensão escrita (CE), além das

questões de ordem cultural e sociolinguística. Atualmente, a instituição segue as orientações

inscritas no CECR. No momento de inscrição, os alunos recebem um livreto, intitulado

“Acompanhamento de aprendizagem”, no qual são especificados o conteúdo e o que os alunos

devem saber fazer ao término de cada nível. Valer dizer que esse contrato não faz nenhuma

referência à mediação (tradução), presente no CECR.

Quanto ao público dessa instituição, deve-se dizer que ele é bastante diversificado.

Para muitos, o aprendizado da língua francesa representa um diferencial no curriculum, além

do inglês, considerado como língua universal, e do espanhol, adotado como língua do

Mercosul, esses sujeitos visam também a falar uma terceira língua. Outros buscam a

instituição porque pretendem estudar no exterior, bem como há aqueles que simplesmente

gostam da língua e da cultura francesa e têm como projeto as viagens turísticas. Para tanto,

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esse público objetiva não apenas poder ler, compreender textos escritos, mas também interagir

com falantes de língua francesa. É importante dizer que alguns indivíduos no momento da

inscrição ainda procuram ter aulas com professores franceses, como forma de imersão

linguística.

Quanto ao uso da LM e da prática tradutória, no início do segundo semestre de 2010, a

instituição enviou um comunicado aos professores, intitulado Rappels bonnes pratiques, no

qual pedia que se evitasse o uso da língua portuguesa, advertindo sobre a existência de outros

recursos, como imagens, mímicas, paráfrases, etc. Além disso, solicitou dos professores que

instaurem entre os estudantes o uso exclusivo do francês durante as aulas. Convém explicitar,

também, que nosso questionário ocorreu durante os meses de maio e junho, antes do

comunicado da instituição.

Atualmente, a AF oferece dois cursos específicos de tradução para alunos que

possuam um conhecimento de língua francesa correspondente aos níveis B2 e C1 descritos no

CECR. Um objetiva o aperfeiçoamento das competências gramaticais e textuais dos alunos,

por meio da tradução e da versão de textos consagrados das literaturas brasileira e francesa, e

o outro é destinado àqueles que visam ao aprendizado de técnicas de tradução e de versão,

com o auxílio de tradutores on-line e de todos os outros recursos que a Internet pode oferecer.

Importa dizer que esses dois cursos apresentam poucos inscritos, apontando, assim, certo

desinteresse pela tradução nesse espaço.

Não resta dúvida de que o desprestígio da prática tradutória se iniciou nos anos

1900, quando a formação prática se sobrepôs à humanística. No Brasil, deve-se dizer

que os exercícios de tradução e versão só perderam espaço realmente no ensino de LE

após os anos 1960, com o surgimento da MAV. Contudo, convém lembrar que o ensino

de LE com objetivos específicos dos anos 1980 parece ter contribuído para a

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particularização do ensino de LE, restringindo o ensino-aprendizado da prática

tradutória a poucos alunos e professores. Como já dito no primeiro capítulo, a formação

de especialistas em literatura, fonética, etc. promoveu a fragmentação e o

desconhecimento do campo como um todo. Na AF, os dois cursos destinados à tradução

são ministrados por dois professores apenas.

Antes de tratarmos da análise do questionário, convém explicitar que alguns

professores se mostraram receosos em responder à pesquisa; outros revelaram concebê-la sem

relevância em um centro de língua. Porém, muitos acharam o estudo importante, pois

confessaram não saber realmente se devem traduzir ou não quando os alunos não entendem

determinado termo, expressão, etc.

3.2 USO DA LÍNGUA MATERNA NO ENSINO DE FLE

Esta parte da pesquisa limitou-se a traçar as imagens dos professores da AF com

relação ao uso da LM no ensino de FLE, com base nas análises dos questionários, como já

dito, mas também confrontando-os com as acepções dos professores presentes no livro de

Elisabeth Lavault (1988), na dissertação de Irène Cervo (2003), assim como nas teorias

citadas ao longo da pesquisa. Como metodologia, citaremos as três questões deste bloco 4,

4.1 e 4.2; os objetivos traçados e os resultados obtidos. Importa explicitar que na questão

4.1, as falas dos professores foram numeradas e estão em itálico, com o propósito de

destacá-las.

Na pergunta número 4, Como professor de francês, você faz uso da língua materna no

ensino de língua estrangeira?, 15 professores afirmaram usar a LM em suas aulas e cinco

responderam que não se serviam desse recurso. Convém dizer que o objetivo dessa questão

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foi verificar se o uso da LM ainda era excluído do ensino de LE, apesar de as novas diretrizes

de ensino como a Abordagem Comunicativa, o ecletismo metodológico, a Perspectiva

Acional e o CECR legitimarem esse recurso nesse espaço.

Na pergunta 4.1, Qual é a sua concepção com relação ao uso da língua materna no

ensino de língua estrangeira? Justifique, o interesse foi depreender a concepção de língua e de

ensino-aprendizagem nesse contexto da pesquisa. Quanto às respostas obtidas seis professores

mostraram conceber a LM como um recurso importante no ensino de LE, e disseram que:

A língua materna pode ser vista como uma maneira de comparar e, assim, auxiliar a

compreensão de um objetivo gramatical ou de comunicação. [1]

A língua materna é uma referência natural no ensino de língua estrangeira. Não se

pode ignorar isso; deve-se, portanto, encontrar um meio de transformar essa referência

natural em uma ferramenta a favor do aprendiz. [2]

Não vejo por que não usá-la. No princípio, acreditava e me fizeram acreditar que a

LM deveria ser ignorada. Com o tempo, vi que não era bem assim. Aliás, a LM é usada todo

o tempo por eles internamente para a compreensão. Eles comparam as línguas o tempo todo;

estranham a estrutura no princípio. Depois, nos níveis intermediários e avançados, o uso da

LM tende a desaparecer. Há alunos que acham que a LE é um simples “calque” [...]. [3]

“Securiza” e faz ganhar tempo. [4]

Os alunos podem compreender melhor com a tradução e também podem associar a

língua estrangeira à língua materna deles. [5]

A língua materna pode ajudar em alguns momentos a compreensão de uma língua

estrangeira quando comparamos a estrutura de ambas, mas acho que o aluno deve aprender

a raciocinar na língua estrangeira. [6]

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Já nove professores, que marcaram “sim” na primeira questão, fizeram algumas

ressalvas:

Somente nas turmas de nível 1. [7]

Ela é o último recurso. Quando eu noto que algum aluno não entendeu após várias

explicações em francês, eu recorro à tradução. [8]

Deve-se evitar ao máximo o uso da língua materna no ensino de língua estrangeira.

No entanto, às vezes recorro à língua materna para “dar andamento” à aula, pois alguns

aprendizes possuem muita dificuldade com a língua estrangeira. [9]

Na AF evito sempre o uso da língua portuguesa em sala. O aluno deve compreender

diretamente na língua objeto de estudo. Isso facilita a aprendizagem. Contudo, não podemos nos

furtar ao direito de traduzir algum vocabulário (mínimo, sobretudo de sentimento, amor, ódio...)

impossível de se explicar e de verificar se foi compreendido ou não. No setor público, toda a

explicação é dada em português. As crianças não desenvolveram, ainda, as competências. [10]

Acredito que o uso da língua materna no ensino de língua estrangeira deverá ser

usado quando se esgotarem as tentativas de se fazer compreender no uso da língua

estrangeira. [11]

O uso da língua materna é relativamente raro; porém, possibilitando a compreensão

de certos aspectos comparando a língua materna e a estrangeira (estruturas gramaticais,

léxico...). [12]

Não deve fazer parte da rotina de uma aula; só é usado em último caso, quando os

outros recursos (gestos, desenhos sinônimos) já foram usados. [13]

Ela deve ser usada somente para explicar alguma coisa que os alunos não tenham

entendido após várias explicações em francês. [14]

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Apenas em caso de dúvida, de algum vocábulo difícil de entender com o dicionário

francês-francês ou com a explicação dos colegas ou do professor [...]. [15]

Quanto aos professores que marcaram “não” na pergunta número 4, entendeu-se que

eles quiseram apenas enfatizar que o uso da LM se faz em casos excepcionais, tendo em vista

que revelaram de alguma forma se servir desse recurso ao longo do questionário. Na 4.1,

responderam:

Acho que pode ser usada em situações particulares (principalmente para

“tranquilizar” o aluno). [16]

A utilização da língua materna só se justifica num primeiro contato. Depois o francês

deve ser sempre usado. [17]

Acho que acostuma mal o aluno. É o caminho da facilidade que a médio e longo prazo

vai dificultar o aprendizado real. [18]

A língua materna só deve ser usada em casos excepcionais, pontuais, pois acredito no

princípio saussuriano segundo o qual o sentido é produzido no espaço existente entre as

palavras. Além disso, o professor deve dar o exemplo, apossando-se da palavra e incitando

seus alunos a fazer o mesmo. Muito raramente, só quando percebo que o aluno não entende.

[19]

Neste último grupo, um professor, que classificamos como [20], não justificou sua

resposta.

Não há dúvida de que, em centros de línguas, a LE deva ser praticada o máximo entre

alunos e professores. Geralmente, esse é o único espaço onde os alunos têm a oportunidade

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para exercitar e utilizar a língua aprendida. Contudo, 100% dos professores disseram usar, de

alguma forma, a LM no ensino de LE.

Nas pesquisas de Irène Cervo, realizada no Centro de Letras da Universidade de

Brasília, e de Elisabeth Lavault, no espaço escolar francês, o uso da LM no ensino de LE foi

também de 100%. Além disso, Elizabeth Lavault constatou que a LE contempla, em média,

80% das aulas. No último ano do ensino médio, a autora diz que o uso da LE pode chegar até

100% e, nas classes iniciantes, essa porcentagem cai para 60%.

Em “La dynamique discursive des interactions en classe de langue”, Francine Cicurel

(1996) demonstra que os discursos no ensino de línguas são constituídos de fragmentos

heterogêneos: língua estrangeira, língua materna, longos comentários metalinguísticos,

construções ficcionais, instruções pedagógicas. Em suma, a LM faz parte do ensino de LE.

Assim, os centros de língua, seus diretores, professores, etc. precisam discutir sobre o

papel da LM de forma mais complexa no ensino e aprendizado de LE, pois, como menciona o

professor [3], “não há como ignorá-la”. Além disso, com as recentes diretrizes educacionais,

voltadas para o ensino plurilíngue, negligenciar e, ou proibir o uso da LM parece um tanto

quanto incoerente.

A favor do uso da língua materna, os professores [4] e [18] afirmaram concebê-la

como um instrumento que pode tranquilizar o aluno no processo de ensino/aprendizado.

Nesse sentido, Louise Dabène (1994), Silvana Serrani (2005) e vários outros especialistas,

conforme já explicitamos nesta pesquisa, afirmam conceber esse recurso como fundamental

na quebra do sentimento de estrangeirismo, tendo em vista que o aprendizado de uma LE não

apenas envolve questões de ordem comunicativa e física, mas também mexe com aspectos

identitários. Não será esse choque identitário um dos motivos pelos quais muitos aprendizes

iniciantes desistem do projeto de aprender uma língua estrangeira?

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Em La langue maternelle en classe de langue étrangère, Véronique Castellotti (2001)

aponta como primeira hipótese do uso da língua materna no ensino de LE a falta de

competência do aluno na língua aprendida, que é confirmada pelas respostas de um número

expressivo de professores interrogados, dentre as quais a autora cita esta enunciação:

Eles não têm a língua de 16 ou 17 anos. Têm a inteligência e a curiosidade de espírito de

jovens de 16 ou 17 anos, mas não possuem a língua de 16 ou 17, e isso também é difícil para

eles. Não somente devem falar; mas, além disso, devem falar em um idioma que não

corresponde à sua idade mental; tendem a tentar formular o melhor possível; tentam traduzir,

e, então, erram lamentavelmente.34

(CASTELLOTTI, 2001, p. 50)

Com relação aos alunos iniciantes, as falas [3], [7] e [17], explicitadas abaixo,

mostram que o uso da LM é fundamental nesse estágio de aprendizagem de uma LE.

Não vejo por que não usá-la. No princípio, acreditava e me fizeram acreditar que a

LM deveria ser ignorada. Com o tempo, vi que não era bem assim. Aliás, a LM é usada

todo o tempo por eles internamente para a compreensão. Eles comparam as línguas o

tempo todo; estranham a estrutura no princípio. Depois, nos níveis intermediários e

avançados, o uso da LM tende a desaparecer. Há alunos que acham que a LE é um simples

“calque” [...]. [3]

Somente nas turmas de nível 1. [7]

A utilização da língua materna só se justifica num primeiro contato. Depois o francês

deve ser sempre usado. [17]

34 No original: “Ils n‟ont pas la langue de 16 ou 17 ans. Ils ont l‟intelligence et la curiosité d‟esprit de jeunes de

16 ou 17 ans, mais ils n‟ont pas la langue de 16 ou 17, et ça aussi c‟est difficile pour eux. Non seulement ils

doivent parler, mais ils doivent parler dans un idiome qui ne correspond pas à leur âge mental; ils ont tendance

à essayer de formuler le mieux possible et ils essaient de traduire, alors là ils se „plantent‟ lamentablement.”

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Além disso, na fala [3], o professor explicita que nos níveis intermediários e

avançados o uso da LM vai se tornando cada vez menos frequente. Os alunos parecem apenas

precisar, inicialmente, de certa intimidade e familiarização com essa língua ainda

“estrangeira”. Como menciona o professor, “Eles comparam as lìnguas o tempo todo;

estranham a estrutura no princípio.”

Segundo Christine Revuz (1998), o sujeito de uma LE é geralmente alguém que já foi

alfabetizado em outra língua e muitas vezes precisa dominar outro idioma em função de seus

estudos e de seu trabalho, ou seja, não tem os mesmos comportamentos mentais de quando

era uma criança. Infantilizá-lo pode comprometer a sua imagem social. Aprender a LE voltada

para os mesmos procedimentos realizados na LM se mostra bastante equivocado. Como

menciona o professor [3], “[...] a LM é usada o tempo todo por eles internamente para a

compreensão [...]”.

No que diz respeito ao uso da LM como “facilidade” no ensino de LE, a pesquisa

contrapõe a acepção da fala [18] – “Acho que acostuma mal o aluno. É o caminho da

facilidade que a médio e longo prazo vai dificultar o aprendizado real” –, com base nos

argumentos de Véronique Castellotti, que olha essa prática de outro ângulo e a concebe como

um grande exercício cognitivo. Se refletirmos um pouco sobre as nossas experiências pessoais

de estudante e de professor de LE, verificaremos que nosso processo de aprendizado ocorreu

com o intercâmbio de no mínimo dois sistemas, de forma explícita ou implícita.

Nas aulas de língua, é comum que o aluno busque dizer e defender na língua aprendida

o que pensa recorrendo a palavras de sua própria língua ou de outra língua que, muitas vezes,

são traduzidas pelos colegas e professores, levando-o a retomar o já dito e a reutilizar o termo

desconhecido. Geralmente, quando o aluno conclui a sua fala, ele se mostra cansado de tal

“ginástica mental”, porém, muitas vezes satisfeito de ter conseguido expor sua opinião.

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Importa dizer que essa atitude do aluno (de tentar verbalizar a sua linha de pensamento

em outra língua) ocorre, geralmente, em espaços onde ele sente e percebe que tem a

cooperação de todos os envolvidos. As confusões em espanhol, inglês e em sua língua

materna são vistas como um processo normal do aprendizado. De acordo com as teorias de

Vygotsky (1988), esse aluno estaria na zona de desenvolvimento proximal (ZDP), um campo

intermediário entre os conhecimentos já consolidados e aqueles que o sujeito poderá construir

em função das suas ações, das situações de aprendizado promovidas pelo professor, pela

instituição, etc. Para a AC, aprender depende, sobretudo, das ações cognitivas que o sujeito

realiza ao codificar e ao estocar as informações novas com os conhecimentos prévios.

Na pesquisa realizada por Elizabeth Lavault sobre o uso da LM e da tradução no

ensino de LE no espaço escolar, os professores disseram recorrer à LM com o objetivo de

“ganhar tempo”, mas também para não perder o ritmo da aula com explicações exaustivas.

Na nossa pesquisa, as falas [4] e [9] também afirmam se servir desse recurso no uso da LM,

pois acreditam “fazer ganhar tempo” e “dar andamento” à aula. Gestos, imagens, desenhos e

outros recursos, visando a utilizar a LE nesse tipo de contexto, são indubitavelmente úteis.

Entretanto, não somente as falas dos professores [10], [15], [8], [13], [14] e [15] revelam

que esses suportes deixam a desejar em algumas situações de ensino e aprendizado, bem

como muitos outros estudiosos da Metodologia Ativa, da Abordagem Comunicativa e da

própria Metodologia Direta já haviam reconhecido que a exclusão total da LM é

impraticável.

Quanto à atitude dos professores de influenciar os alunos, citada na fala [19], convém

salientar que ignorar a existência da LM em sala de LE pode promover preconceitos

linguíticos nos alunos e, além disso, levá-los a ter uma concepção monolinguística, impedindo

uma relação mais parcimoniosa com as diferenças. Nesse caso, vale enfatizar que apenas os

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discursos diplomáticos a favor do plurilinguismo não parecem ser suficientes para se ter

alunos plurilíngues.

Aliás, nessa mesma linha de pensamento, vale citar também a professora, pesquisadora e

autora Véronique Castellotti, que tece este comentário: “Assim como Celestin Freinet acreditava

que se aprende a ler lendo e a escrever escrevendo, do mesmo modo, sou tentada a dizer que se

torna plurilíngue comunicando e aprendendo de maneira plurilíngue.”35

Segundo Christian Puren (2009), o uso da LE deve ser visto como um contrato de ensino-

aprendizagem entre os envolvidos com base em seus interesses, e não como um faz de conta.

Importa dizer que, de acordo com as pesquisas de Véronique Castellotti (2001), o segundo motivo

apontado pelos professores na utilização da LM no ensino de LE pelos alunos se deve à

artificialidade do ensino de LE. Alunos e professores, em espaço exolingual, falam, geralmente, a

mesma língua, mas interagem em outro idioma. Para crianças e jovens, e até mesmo para adultos,

essa atitude pode ser vista como incoerente e absurda se a instituição, o professor, etc. não

esclarecerem o objetivo de os sujeitos interagirem na língua tida como estrangeira.

No que diz respeito aos motivos do uso da LM no ensino de LE, Véronique Castellotti

menciona também a natureza das atividades. Porém, com base em suas próprias observações

de aulas, Castellotti salienta que o uso da LM varia de uma turma para outra, de acordo,

sobretudo, com as acepções de língua, de ensino-aprendizado do professor, da instituição de

ensino, etc.

Na questão 4.2, Faz uso da tradução explicativa durante as aulas?, foram feitas

quatro perguntas (a, b, c, d), constituídas de cinco opções: nunca, raramente, com frequência,

35 No original: “De même que Celestin Freinet considérait qu‟on apprend à lire en lisant et à écrire en écrivant,

de même, je serais tentée de dire qu‟on devient plurilingue en communiquant et en apprenant de manière

plurilingue” (2001, p. 106).

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algumas vezes, sempre. Importa dizer que a “tradução explicativa” é o uso da LM no ensino

de LE para explicar fatos linguísticos e culturais. Contudo, de acordo com as respostas

atribuídas, sobretudo, na questão 4.1, observamos que os professores não fizeram menção

explícita a esse tipo de recurso, levando-nos a inferir que exista um desconhecimento teórico

sobre a “tradução explicativa”.

Na pergunta a, Para certificar-se da compreensão de palavras ou expressões

desconhecidas, 13 professores marcaram a opção raramente, dois disseram nunca e cinco

responderam algumas vezes.

Na pergunta b, Para explicar regras morfossintáticas ou estruturas da língua

estrangeira, três disseram nunca, nove responderam raramente, sete afirmaram algumas vezes e

um disse com frequência.

Na pergunta c, Para comentar fatos ou realidades da cultura estrangeira, sete

responderam nunca, oito disseram raramente e cinco afirmaram algumas vezes.

Na pergunta d, Faz uso da tradução explicativa em outros casos? Nesse item, quatro

professores não responderam, cinco disseram não, dois responderam algumas vezes e nove

afirmaram raramente.

De acordo com as respostas supracitadas, observou-se que 90% dos professores, na

questão (a), mostraram se servir de alguma forma da “tradução explicativa”, ainda que 65%

tenham dito utilizar desse recurso “raramente”. Vale dizer que mesmo o professor [18], que

marcou “não” para todas as outras opções revelou fazer uso da tradução nesse caso. Ao

entregar o questionário, esse professor buscou explicitar que, para certos termos, ele prefere

traduzir. Como ilustração, citou a palavra “clou”, visto que considera irrelevante defini-la em

tal contexto.

No intuito de uma melhor visualização desses dados, esta pesquisa buscou interpretá-

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los com base nos gráficos abaixo:

QUESTÃO A

Raramente; 65%

Algumas Vezes;

25%

Nunca; 10%

Raramente

Algumas Vezes

Nunca

Na questão (b), a porcentagem foi de 85%, tendo em vista que 15% assinalaram a

opção “nunca”. Deve-se destacar que a opção “raramente” aqui teve uma porcentagem menor

que a da letra (a).

QUESTÃO B

Algumas

vezes

35%

Raramente

45%

Nunca

15%

Com

frequência

5%

Algumas vezes

Raramente

Nunca

Com frequência

Na questão (c), Fatos e realidades da cultura estrangeira, o gráfico mostra que há

somente 25% contemplam de fato a tradução explicativa para tratar de aspectos culturais,

visto que 35% afirmaram “nunca” e 40% responderam “raramente”.

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QUESTÃO C

Raramente; 40%

Algumas Vezes;

25%

Nunca; 35%

Raramente

Algumas Vezes

Nunca

Na questão (d), Entre outros casos, os ìndices das opções “raramente”, “nunca” e “não

responderam” serviram apenas para confirmar que o uso da LM ainda ocupa um espaço

bastante restrito no ensino de FLE. Nenhum professor fez menção à competência de

mediação, descrita no CECR.

QUESTÃO D

Raramente; 45%

Algumas Vezes;

10%

Nunca; 25%

Não Responderam;

20%

Raramente

Algumas Vezes

Nunca

Não Responderam

A respeito do uso da LM para se certificar da compreensão de palavras ou expressões

desconhecidas, Elisabeth Lavault (1998, p. 30) afirma que esse recurso é utilizado normalmente

quando o professor está diante de falsos cognatos, de termos abstratos e de palavras

polissêmicas. O professor [13], na questão 5 – embora o objetivo desta pergunta fosse saber o

uso da prática tradutória no ensino de FLE, e não da tradução explicativa –, diz fazer uso da

tradução quando está diante de falsos cognatos e exemplifica com o termo “hasard”.

De acordo com Elizabeth Levault (1988), o uso da tradução intralinguística deve ser

feito também de forma reflexiva, evitando que os alunos saiam das aulas de línguas com

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definições equivocadas, errôneas e superficiais. Na fala [10], o professor revela se servir da

tradução como forma de verificar se realmente o aluno compreendeu a explicação dada.

No que diz respeito às regras morfossintáticas ou estruturas da LE, como ilustração, os

professores [6] e [17] declararam que utilizam a LM para comparar com as estruturas

gramaticais da LE e obter uma melhor compreensão do conteúdo abordado. Nesse caso, o

motivo do uso da língua materna visa a facilitar o ensino/aprendizado de pontos gramaticais,

ressaltando as semelhanças e as diferenças entre os dois sistemas.

Como se trata de duas línguas neolatinas (português e francês), é comum que os

alunos busquem “decalques perfeitos”, como pronunciou o professor [3]. No XVII Congresso

de Professores de Francês em Brasília, Jean Claude Beacco defendeu o estudo contrastivo no

ensino da gramática e fez esta declaração: “Assim como não há isolamento humano, torna-se

impraticável o isolamento linguístico.”

Sobre o uso da LM no ensino de FLE, vale citar que os manuais Tout va bien 1 e 2,

pertencentes à PA, pedem para que os alunos façam comparações de determinado ponto

gramatical da língua francesa com sua LM nos quadros reservados à gramática e às questões

culturais. Como ilustração, na página 52 do livro Tout va bien 1, o aluno é questionado sobre

o uso do pronome de tratamento “vous” na língua francesa, referindo-se a uma pessoa, e sobre

os modos de tratamento empregados na sua LM.

Segundo Elisabeth Lavault (1998), a tradução explicativa no ensino da gramática leva

o aluno a se conscientizar das diferenças entre as duas línguas e o ajuda a conhecer e dominar

melhor tanto o sistema linguístico da LM quanto o da LE. Além disso, para reforçar a função

metalinguística da tradução explicativa, a autora cita J. Vinay e J. Darbelnet, fundadores da

estilística comparada, que asseveram:

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A comparação do francês e do inglês [...] permitiu-nos extrair do francês, e, por contraste, do

inglês, aspectos que permaneceriam invisíveis ao linguista que trabalha com apenas uma

língua. Portanto, parece que a tradução, não para compreender nem para fazer compreender,

mas para observar o funcionamento de uma língua em relação a outra, seja um método de

investigação. Ela permite esclarecer certos fenômenos que sem ela permaneceriam

ignorados.36

Com relação à pergunta (c), referente ao uso da LM para comentar fatos e

realidades da cultura estrangeira, ao responder à quinta questão, o professor [15]

demonstra considerar a habilidade de traduzir importante para se compreender, como ele

mesmo diz, “as nuances culturais”. Em sua dissertação, Irène Cervo comenta que um

professor asseverou utilizar concomitantemente a LM e a LE para garantir a

compreensão correta de fatos e significados importantes da cultura francesa e declarou

considerar a análise contrastiva como meio de os alunos dissociarem as línguas e as

culturas em jogo.

Na pergunta (d), Entre outros casos, o objetivo dessa questão foi apenas verificar se os

professores possuem uma concepção mais parcimoniosa com relação ao uso da LM ou se esta

ainda é estigmatizada, impedindo-os de se servirem desse suporte antes mesmo de saber a

situação de ensino-aprendizado.

Embora os dados mostrem que a LM é utilizada no ensino de LE para alunos

aloglotas, observa-se que esse recurso no ensino de LE é concebido ainda, para a maioria dos

professores, como uma estratégia que não pertence a esse espaço, sendo uma concessão. Essa

afirmação se justifica uma vez que a LM ainda não faz parte do conjunto de estratégias

cognitivas preparadas pelo professor para que o aluno assimile determinado conteúdo.

36 No original: “La comparaison du français et de l‟anglais [...] nous a permis de dégager du français, et par

voie de contraste, de l‟anglais, des caractères qui resteraient invisibles au linguiste travaillant sur une seule

langue. Il semble donc que la traduction, non pour comprendre ni pour faire comprendre, mais pour observer le

fonctionnement d‟une langue par rapport à une autre, soit un procédé d‟investigation. Elle permet d‟éclaircir

certains phénomènes qui sans elle resteraient ignorés” (LAVAULT, 1988, p. 35).

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Essa asserção também se fundamenta nas enunciações [8], [11], [13], [17] e [19], que

apresentam inúmeros termos restritivos: “só em último caso”; “quando se esgotarem todos os

outros recursos”; “em casos excepcionais”; “só se justifica em um primeiro contato”; “apenas em

caso de dúvida”. Outro fator que reforça tal afirmação é de a opção “raramente” obter uma maior

porcentagem que as alternativas “algumas vezes”, “com frequência”, “sempre” nas questões (a),

(b), (c) e (d), mostrando que os professores são ainda bastante reticentes ao uso dessa ferramenta

no FLE. Além disso, o uso da LM como estratégia cognitiva e como forma de promover no

sujeito um sentimento de alteridade, defendido pela Abordagem Comunicativa, pelo ecletismo

metodológico e pela Perspectiva Acional, não é mencionado em nenhum questionário.

Em uma breve análise de alguns métodos, observamos que o manual Archipel 1,37

representante da primeira geração dos manuais comunicativos, e o manual Reflets,38

elaborado

a partir de uma versão mais eclética da AC, não contemplam um espaço ao uso da LM. Vale

dizer que os programas e as instruções oficiais francesas desse período se mostram evasivos

no que diz respeito ao uso da LM no ensino de LE, tolerando-a, sobretudo, para as reflexões

metalinguísticas (CASTELLOTTI, 2001).

Já no método Tout va bien,39

fundamentado nos princípios da PA, o uso da LM, ainda

que esporadicamente, se mostra como um recurso para tratar de questões morfossintáticas e

culturais, de forma a fazer com que o aluno, por meio da comparação, reflita sobre as

diferenças e as semelhanças entre LM e LE e assimile melhor o conteúdo que lhe é

apresentado. É importante dizer que esse recurso é explorado apenas no primeiro e no

segundo livros, para alunos iniciantes e intermediários.

37 COURTILLON, J.; RAILLARD, S. Archipel 1, FLE. Paris: Didier, 1982.

38 CAPELLE, G.; GIDON, N. Réflets, méthode de français 1. Paris: Hachette-SGEl, 1999.

39 AUGE, H. et al. Tout va bien. Paris: CLE International, 2005.

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Nessa primeira análise, a presente pesquisa constatou que alguns professores já

reconhecem a inviabilidade de ignorar a LM no ensino de LE, bem como verificou que muitos

concebem como um recurso que pode tranquilizar e ajudar o aluno no processo de ensino-

aprendizado. Contudo, foi possível confirmar a hipótese inicial desta pesquisa de que a

imagem dos professores concernente ao uso dessa ferramenta no aprendizado de LE ainda está

atrelada a ideias monolinguísticas, e não às teorias plurilinguistas defendidas pelo CECR, pela

Perspectiva Acional. Nas falas dos professores, o uso da LM é visto, geralmente, como último

recurso e como um elemento que possa comprometer o aprendizado do aluno nesse espaço.

3.3 USO DA PRÁTICA TRADUTÓRIA NO ENSINO DE FLE

Neste tópico, o nosso objetivo é verificar se existem professores que propõem aos

alunos exercícios de tradução, uma vez que o CECR e a nova orientação metodológica, a PA,

a legitimaram no ensino de LE. Além disso, visando a analisar a atual imagem dos professores

com relação ao uso da LM e da tradução no ensino de FLE, esta pesquisa busca compreender

se o uso da tradução está vinculado à fundamentação teórica da orientação metodológica

vivida pelo professor com base na sua faixa etária.

Com relação ao uso da tradução, foram feitas duas perguntas: na questão 5, Faz uso da

tradução de textos escritos ou orais? Composta por cinco alternativas: nunca, raramente, com

frequência, algumas vezes, sempre, os resultados obtidos foram: 13 professores responderam

“não”, cinco escolheram a alternativa raramente, um disse algumas vezes e um não marcou

nenhuma opção.

No espaço reservado para comentários e exemplos, 12 professores não disseram nada

e oito disseram que:

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Quando a palavra é muito semelhante a alguma da língua materna e o significado é

totalmente diferente (hasard) por exemplo. [13]

Só para comparar e mostrar estruturas diferentes entre as línguas. [6]

Depende do tipo de aula e de seus objetivos. [10]

...Se em aula, uma palavra mais propriamente do que um texto: j‟habite é eu habito?

Do lado pessoal faço. [3]

Nesses quatro casos acima, professores [13] e [6] pareceram ter confundido a prática

tradutória com o uso da tradução explicativa, já abordada no item 4.2. Já a fala do sujeito [6],

que disse depender do tipo de aula, e da fala do sujeito [3], que declarou traduzir textos

apenas no âmbito pessoal, considerou a questão abrangente.

[...] É “proibido” na Aliança, mas sei que alguns professores “antigos” usavam “la

traduction” e “la version”. “Me” parecia interessante. [15]

Vale dizer que o professor da fala supracitada justificou que marcou a opção “não” na

questão 5 em função da instituição onde ensina; contudo, mostrou ter interesse pelos

exercícios de versão e de tradução.

Acredito que a tradução é útil em casos específicos, como exercício a ser proposto ao

aluno, para que ele entenda a diferença entre os sistemas linguísticos. O professor não deve

traduzir; ele pode orientar os alunos quando estes fazem exercícios de tradução. É bom

refletir sobre o uso de exercícios de tradução no ensino da língua estrangeira! [19]

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O sujeito da fala [19] declara fazer uso de exercícios de tradução em sala, considera

importante, para que os alunos visualizem melhor as diferenças entre LM e LE. Quanto ao

papel do professor nesse tipo de atividade, ele o concebe como um orientador, que não deve

traduzir. Talvez essa concepção de professor esteja associada à sua ideia explicitada na

questão 4: a imagem de professor como aquele que deve dar o exemplo para o aluno.

Depende muito do nível da turma. Para uma turma iniciante às vezes a tradução de

determinadas partes acontece. [14]

Quando percebo que os alunos “entenderam, mas não compreenderam”! É

perceptível pelo olhar! Pergunto: “como se diria isto em português?” e é fatal – sai uma

radução... ! [4]

Já nas falas [14] e [4], os professores mostram que não fazem apenas uma tradução de

um termo, mas, sim, de um trecho. Além disso, o sujeito da fala [4] revela não ter nenhum

receio de pedir isso para os alunos. Para ele, o exercício tradutório e o uso da LM se mostram

como ferramentas que ajudam no ensino de LE.

Na questão 6, Aprender a traduzir é uma habilidade que deve ser desenvolvida na

aula de língua estrangeira?, seis professores disseram “sim” e 14 responderam “não”.

No grupo de professores que responderam “não” a essa questão, nove disseram

simplesmente que essa habilidade deve ser desenvolvida em um curso específico. Alguns

procuraram justificar suas respostas com base no nível de conhecimento de LE dos alunos,

nos objetivos dos cursos de LE, na complexidade da prática tradutória, na distinção dos

sistemas linguísticos, na importância de fazer o aluno pensar na LE e no vício de tudo

traduzir. Como se pode observar nas enunciações a seguir:

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Tradução deve ser desenvolvida em uma aula específica de tradução (de preferência

somente com alunos de níveis mais avançados). [14]

Aprender a traduzir é uma habilidade que tem como pré-requisito o conhecimento das

línguas envolvidas. [16]

Tradução é um conceito muito complexo, aprender (ou ensinar) a traduzir é mais

ainda. Não acho que um curso de língua esteja habilitado a isso. Além disso, acho que o

objetivo do aprendiz de LE é o uso da LE, não a comparação com outra língua. [2]

No início há a tradução, mas depois o mais indicado é a compreensão na língua

estrangeira em si mesma. Cada língua tem uma particularidade. [5]

[...] O aluno deve aprender a “pensar” na “língua estrangeira”, e não ficar

traduzindo literalmente as frases [...] [6]

No que diz respeito ao argumento do ensino da tradução com fins específicos, essa

concepção parece estar baseada na acepção de um ensino visando à formação de futuros

tradutores, que devem conhecer muito bem a LE para poderem praticar a tradução, como foi

expresso nas falas [2], [14] e [16]. Contudo, o ensino da tradução com objetivos pedagógicos,

visando ao sentido, à interpretação de um texto, não é mencionado pelos professores.

Todos parecem desconhecer a teoria interpretativa, proposta pela escola ESIT de Paris

e rediscutida por alguns estudiosos, como Elizabeth Lavault. De acordo com Lavault (1998),

o objetivo da tradução pedagógica, baseada na teoria interpretativa, é estabelecer um ensino

de língua que foque o sentido, a compreensão e a reexpressão, e não a decodificação de

palavras isoladas. Na fala do professor [13], que marcou a opção “não” na questão 6, pois

considera que “...a compreensão global muitas vezes faz mais sentido do que a tradução de

palavras isoladas”, o desconhecimento de tal teoria se confirma.

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No que diz respeito à competência tradutória, no II Encontro Nacional e Internacional

de Tradução e Ensino de 2010, na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a

professora, pesquisadora e autora Lillian DePaula e participantes desse evento defenderam a

importância de desenvolver essa habilidade em diversas áreas. Para tanto, ressaltaram que a

tradução ocorre de forma intralingual, interlingual, semiótica e semiolinguística, bem como

destacaram a importância desse recurso para tratar das questões de alteridade no atual

contexto de globalização.

Além disso, tendo em vista que o tradutor não traduz língua, mas discurso, o uso da

prática tradutória foi concebido como uma ferramenta que corrobora o tratamento da leitura

de forma mais complexa. Não se trata apenas de reproduzir e repetir, recuperar o já dito pelo

autor, mas, sim, de interagir, de dialogar com o texto, levando em conta tantos os fatores

internos quando os elementos externos que contribuíram para a sua significação.

Concernente à leitura, vale dizer que em O inteligível, o interpretável e o

compreensível, Eni Pulcinelli Orlandi (2003) chama a atenção de leitores e de professores

para o fato de a significação poder se dar: a) de forma inteligível, associada simplesmente ao

reconhecimento das palavras, à sua decodificação; b) de forma interpretável, construída pela

presença de elementos que promovam a coesão e a coerência interna do texto; e c) de forma

compreensível, que se reporta à exterioridade (à coerência externa), ao contexto da situação.

No âmbito da AF, o professor [3] admite conceber a tradução como uma habilidade

que ajuda na competência de leitura na escola; porém, considera que esse recurso seja

inadequado nos centros de língua. É importante dizer que a compreensão escrita (CE) faz

parte das atividades comunicativas citadas pelo CECR e pelas atuais orientações

metodológicas.

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Contudo, essa fala do professor remete para outra concepção presente nos centros de

língua: a crença de alunos, professores, diretores e outros sujeitos que consideram a expressão

oral (EO) e a compreensão oral (CO) mais importantes que a compreensão escrita (CE) e a

expressão escrita (EE). É comum nas aulas de LE a leitura de textos literários ou não

literários, orais ou escritos, como estratégia didática para trabalhar a EO dos alunos. Além

disso, os anúncios publicitários de cursos de língua também reforçam tal hipótese.

Quanto ao espaço atribuído à CE, esta pesquisa se deteve também em estudar a

primeira unidade dos manuais Libre Échange 1, de J. Courtillon e G. D. de Salins, pertencente

à abordagem comunicativa, e Tout va bien 140

, da atual orientação metodológica, PA. No

primeiro livro, verificamos que a compreensão escrita pode ser explorada pelos professores

nas seções consagradas a aspectos culturais; porém, essa competência só é proposta realmente

na página 58, no término da terceira unidade, no texto “Apprendre une langue étrangère”.

Aliás, vale explicitar que, nesse texto, dentre os vários conselhos apresentados para o

aprendizado de uma LE, a CO é apontada como a primeira atividade que deve ser trabalhada

em contexto exolingual. Em contrapartida, a tradução é concebida como uma péssima prática.

Primeiro, o autor do texto diz: “É necessário tentar compreender. Quando você não

compreender, não peça a tradução. É péssimo...”41

Em seguida, o enunciador faz mais este

comentário contra a prática tradutória: “Não procure traduzir. Leia como você lê na sua lìngua

materna...”42

No livro didático Tout va bien 1,43

na unidade 1, a primeira atividade de leitura

aparece somente nas páginas 25 e 36, no final da primeira e segunda lição, dividindo o mesmo

espaço com a EO.

40 AUGE, H.; MARTIN, L.; PUJOLS, M. D.; MARLHENS, C. Tout va bien 1. Paris: CLE International, 2004.

41 No original: “Il faut essayer de comprendre. Quand vous ne comprenez pas, ne demandez pas la traduction.

C‟est mauvais...” 42

No original: “Ne cherche pas à traduire. Lisez comme vous lisez dans votre langue maternelle...” (p. 58). 43

AUGE, H.; MARTIN, L.; PUJOLS, M. D.; MARLHENS, C. Tout va bien 1. Paris: CLE International, 2004.

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Não resta dúvida de que a EO e a CO sejam importantes; no entanto, a interpretação, a

compreensão, a reescritura de textos devem ser vistas também como atividades de extrema

importância no aprendizado de uma LE. Pois, como, já dito nesta pesquisa com base na

proposta interculturalista de Silvana Serrani (2005), uma língua não se constrói apenas de

elementos linguísticos, mas, sobretudo, de discursos orais e escritos, referenciais e não

referenciais.

A enunciação [5] revela que o professor faz uso da tradução em turmas de alunos

iniciantes. Ou seja, não há um objetivo de ensinar a habilidade tradutória, mas, sim, de utilizá-

la visando a uma melhor compreensão do aluno. Posteriormente, diz: “o mais indicado é a

compreensão na língua estrangeira em si mesma. Cada língua tem sua particularidade”.

Nesse caso, a sua argumentação elucida uma imagem negativa da prática tradutória, como se

não fosse possível traduzir para a LM o sentido impresso na LE.

No texto intitulado Literatura y literalidad, Octávio Paz (1991) nos retrata que,

inicialmente, o oficio da tradução dissipava a dúvida porque se acreditava que, apesar das

diferentes línguas, os homens sempre diziam as mesmas coisas. Na Era Moderna, a busca de

uma identidade nacional ressaltou as diferenças sociais e culturais entre os países, levando-se

a questionar a prática tradutória. Vale dizer que, nesse mesmo período, as atividades de

tradução e versão no ensino de LE passaram a ser condenadas pelas instruções oficiais de

ensino do francês, propiciando o surgimento da MD.

No âmbito da tradução como oficio, tais discussões sobre a prática tradutória só

contribuíram para reafirmá-la cada vez mais. Para linguistas contemporâneos, como Mounin,

o contra-argumento da intraduzibilidade se apoia nessa linha de pensamento:

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93

Mesmo que cada ser possua uma visão pessoal da realidade, ele também tem uma visão

coletiva que permite a comunicação entre os indivíduos, não podendo ser negada em

detrimento apenas dos sentimentos individuais de cada um, que não são expressados.

(MOUNIN, p. 165)

No texto intitulado, “Limites da Traduzibilidade” (1996), Boris Schnaiderman defende

que mesmo a poesia, com a polissemia de palavras, os aspectos sonoros, etc., não impede o

ato tradutório. De acordo com o autor, o sucesso da tradução depende, sobretudo, do tradutor,

da sua habilidade linguística, dos seus conhecimentos, da sua sensibilidade em perceber as

nuanças contidas do texto de origem e de sua capacidade de produzir os mesmos efeitos no

texto de chegada.

O professor [9], que responde “não” na sexta questão, enfatizando a importância de

habituar o aprendiz a pensar na LE, admite que, “algumas vezes, a tradução torna-se um

recurso a mais em sala de aula”.

No grupo dos professores que disseram “sim” a essa questão, dois professores

enfatizaram a importância de os alunos terem um bom domínio da LE. O professor [15]

declara: “Em cursos mais avançados, sobretudo, porque a tradução não pode ser literal, mas é

um código social, entre outros [...].”

Contudo, no II Encontro Nacional e Internacional de Tradução e Ensino, os relatos

de pesquisadores e professores de ensinos fundamental e médio confirmam a proposta de

Elisabeth Lavault (1988), já citada no segundo capítulo desta pesquisa, de que, com base

no sentido, os alunos são capazes de produzir traduções bastante interessantes. Além

disso, a Internet e os tradutores on-line, ainda que necessitem da intervenção humana,

foram mencionados como um grande aliado tanto para tradutores quanto para todos

aqueles que precisam, por motivos profissionais ou pessoais, traduzir artigos, manuais,

trechos de livros, etc.

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94

O sujeito da fala [4], ao dizer que “cada língua tem suas particularidades, seu odor, seu

sabor, sua cor [...]”, tenta mostrar que, além de significados, as línguas estão repletas de

representações, e que para traduzir é fundamental que o sujeito as identifique. Para esse

professor, a prática tradutória não só é possível, bem como ele considera que essa atividade no

ensino de LE ajuda o aluno a entender melhor as nuanças da língua estudada, conscientiza-o

de que a língua não é apenas um sistema linguístico. Por último, o professor [4] declara ter

vivenciado um período no qual a AF oferecia, nos cursos avançados, aulas de tradução e de

versão, e expressa certo saudosismo, ao dizer: J‟y suis depuis 39 ans. Bons „tempos‟.

O professor [19] considera relevante a habilidade de traduzir no FLE, ao final de uma

lição, como meio de “assinalar a discordância entre as línguas [...]” (grifo do professor);

porém, ressalta que essa atividade deve ser feita com “parcimônia”. Já o professor [10]

responde “sim” à questão 6, mas pontua a importância de se compreender a realidade da

língua estudada a partir dela. Sendo assim, a exigência é de que o aluno possua

conhecimentos culturais da LE. Além disso, revela condenar os exercícios de versão, ao

proferir que: “Uma tradução feita a partir da língua materna pode levar a incompreensões

culturais e/ morfológicas (falsos cognatos).”.

O professor [15] faz uma observação bastante favorável ao uso da tradução no ensino

de LE, ao dizer: “aprendo alemão com um professor suìço que usa a tradução, e é muito

eficaz”. Talvez essa concepção sobre o uso desse recurso tenha se alterado no momento em

que ele mudou de papel: do lugar de professor, que ensina e domina uma língua, ele passou a

aluno, aquele que aprende e muitas vezes se depara com as mesmas dificuldades de seus

alunos, ao tentar compreender, por exemplo, as longas traduções intralinguísticas de seu

mestre.

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95

Nesse grupo, um professor revelou, ao entregar o questionário, que usava esse recurso

para alunos intermediários e avançados como meio de eles compreenderem as músicas

francesas, as diferenças culturais e linguísticas entre as duas línguas e, também, entender

melhor a língua e o povo francês.

3.4 CONCEPÇÕES DE USO DE LM E DE TRADUÇÃO

Todas essas enunciações estão carregadas de representações sobre a língua, sobre o

seu ensino fora e dentro dos centros de língua, sobre a atividade tradutória e sobre a prática da

tradução pedagógica. Na tentativa de verificar se existe uma relação entre o contexto

metodológico que o professor vivenciou e a concepção de uso de LM e de tradução, esta

pesquisa, além de uma análise geral, buscou estudar os questionários a partir de três grupos.

Porém, como todos mostraram fazer uso da LM de alguma forma, a questão 4 foi retirada

desta análise. Cabe esclarecer que, por termos apenas um professor acima de 66 anos, faremos

um estudo organizado em três grupos:

i. professores entre 20 e 35 anos, que foram marcados, sobretudo, pelo ecletismo

metodológico da AC de meados da década de 1990, com os métodos Libre

échange (1995), Panorama44

(1996), Tempo45

(1997), entre outros, mas também

pelos princípios do CECR (2000), com os métodos Forum (2000)46

e Tout va bien

(2004);

44 GIRARDET, J.; CRIDLIC, J.-M. Panorama. Paris: CLE International, 1996.

45 BÉRARD, É.; CANIER, Y.; LAVENNE, C. Tempo. Paris: Didier, 1997.

46 BAYLON, C.; CAMPA, À. et al. Forum. Paris: Hachette, 2000.

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ii. professores entre 36 e 50 anos, que vivenciaram, além do ecletismo metodológico

e do surgimento da PA, descrita no CECR, a era da AC do início da década de

1980, com o método Archipel;47

iii. professores acima de 50 anos, que, além de terem presenciado todas essas

orientações metodológicas, assistiram ao advento da MAV, com o método La

France en direct48

(1973), reivindicando o ensino de LE na própria LE por meio

do uso de imagens e da exclusão dos exercícios tradutórios e da LM.

No primeiro grupo, na questão 4.2, com relação ao uso da LM com fins explicativos,

no item (a) Para certificar-se da compreensão de palavras ou expressões desconhecidas, os 6

professores, que responderam ao questionário, apresentando cinco alternativas: nunca,

raramente, com frequência, algumas vezes, sempre, apenas 1 professor marcou a opção

“nunca”; 3 disseram “raramente” e 2 assinalaram a opção “algumas vezes”.

Grupo I - Questão (a)

Nunca

17%

Raramente

50%

Algumas

vezes

33% Nunca

Raramente

Algumas vezes

No segundo grupo, partindo da mesma análise, na questão 4.2, os 7 professores, que

responderam ao questionário, na pergunta (a), apenas 1 professor marcou a opção “nunca” e 6

assinalaram a alternativa “raramente”.

47 RAILLARD, S.; COURTILLON, J. Archipel 1. Paris: Didier, 1982.

48 CAPELLE, J.; CAPELLE, G.; COMPANYS, E. La France en direct. Paris: Hachette.

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97

GRUPO II - Questão (a)

Raramente; 86%

Nunca; 14%

Raramente

Nunca

No terceiro grupo, na questão 4.2, o uso da LM foi de 100% na pergunta (a), uma vez

que 3 assinalaram a opção “algumas vezes”; 4 escolheram a alternativa “raramente”, mas

nenhum professor marcou a opção “ nunca”.

Grupo III- Questão (a)

Algumas

vezes

43%Raramente

57%

Raramente

Algumas vezes

O grupo 1, na questão (b) Para explicar regras morfossintáticas ou estruturas da

língua estrangeira, 2 professores marcaram a opção “raramente”; três assinalaram a

alternativa “algumas vezes” e 1 marcou a opção “nunca”.

Grupo I -Questão (b)

Nunca; 17

Raramente;

33

Algumas

vezes ; 50

Nunca

Raramente

Algumas vezes

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O grupo 2, na questão (b), 5 professores marcaram a opção “raramente”; 1 marcou a

alternativa “nunca” e 1 escolheu a opção “com frequência”.

GRUPO II - Questão (b)

Raramente; 72%

Algumas Vezes;

14%

Nunca; 14%

Raramente

Algumas Vezes

Nunca

O terceiro grupo, na questão (b), 4 marcaram a opção “algumas vezes”; 2

selecionaram a alternativa “ raramente” e 1 professor escolheu a opção “nunca”.

GRUPO III - Questão (b)

Raramente

29%

Algumas Vezes

57%

Nunca

14%

Raramente

Algumas Vezes

Nunca

Nessa questão, verificamos que o grupo 2 foi o que se mostrou mais reticente com

relação ao uso da LM para explicar regras morfossintáticas ou estruturas da LE.

O grupo 1, na questão (c) Para comentar fatos ou realidades da cultura estrangeira, 2

professores marcaram a opção “nunca”; 3 escolheram a alternativa “raramente”; 1 assinalou a

alternativa “algumas vezes”.

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GRUPO I - Questão (c)

Raramente; 50%

Algumas Vezes;

17%

Nunca; 33%

Raramente

Algumas Vezes

Nunca

O grupo 2, na questão (c), 4 professores marcaram a opção “nunca”; 2 responderam

“raramente” e um declarou “algumas vezes”.

GRUPO II - Questão (c)

Algumas

vezes

14%

Raramente

29%

Nunca

57%

Algumas vezes

Raramente

Nunca

O terceiro grupo, na questão (c), 3 marcaram a opção “raramente” e 3 escolheram a

alternativa “algumas vezes” e 1 marcou a opção “nunca.

GRUPO III - Questão (c)

Raramente; 43%

Algumas Vezes;

43%

Nunca; 14%

Raramente

Algumas Vezes

Nunca

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Sendo assim, nessa questão, observamos que a opção “nunca” para o grupo 2 teve uma

porcentagem bastante expressiva. Em contrapartida, no grupo 3, apenas 14% afirmaram não

se servir desse recurso.

O grupo 1, na questão (d) Em outros casos, 3 marcaram a opção “raramente”; 2

responderam “nunca” e 1 professor marcou a alternativa “algumas vezes”. Nessas duas

questões, a porcentagem de professores que se servem de alguma forma da LM foi de 67%.

GRUPO I - Questão (d)

Algumas

vezes

17%

Raramente

50%

Nunca

33% Algumas vezes

Raramente

Nunca

O segundo grupo, na questão (d), 4 professores marcaram a opção “raramente”; 2

professores não marcaram nenhuma das opções e um respondeu “nunca”.

GRUPO II - Questão (d)

Raramente; 57%

Nunca; 14%

Não Responderam;

29%

Raramente

Nunca

Não Responderam

O terceiro grupo, na questão (d), 2 professores marcaram a opção “raramente”; 1 disse

“algumas vezes”; 2 marcaram a opção “nunca” e 2 não responderam.

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Grupo III - Quetão (d)

Raramente

28%

Algumas vezes

14%Nunca

29%

Não responderam

29% Raramente

Algumas vezes

Nunca

Não responderam

Nesses três gráficos acima, na questão (d), observamos que as respostas dos três

grupos foram bastante próximas.

De acordo com os dados obtidos e os gráficos apresentados, a pesquisa verificou que,

no grupo de professores entre 20 e 35 anos, pertencente, sobretudo, ao ecletismo

metodológico e à Perspectiva Acional, a alternativa “raramente” obteve uma porcentagem

menor que no segundo grupo, de professores entre 36 e 50 anos, cuja fundamentação teórica

está centrada, principalmente, nos princípios da AC. Já o terceiro grupo, formado por

professores acima de 51 anos, provenientes da MAV, mas que aprenderam ou ensinaram a

língua francesa por meio dos exercícios tradutórios, sendo alunos e/ou professores, mostrou-

se mais receptivo ao uso da LM que o segundo grupo.

Na questão 5, abordando a atividade tradutória no FLE, a porcentagem do grupo 1 foi

de 17 %; do grupo 2, foi de 57%; e, do grupo 3, foi de 43%.

Na questão 6, os professores foram indagados sobre a habilidade tradutória no FLE.

No grupo 1, os seis marcaram a opção “não” (logo, 100% mostraram considerar essa prática

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irrelevante nesse espaço); no grupo 2, o índice foi de 43%; e, no grupo 3, o resultado obtido

foi de 57%.

De acordo com as leituras já mencionadas nesta pesquisa, convém explicitar que essa

porcentagem do grupo 2, na questão 5 e 6, se justifica em função da tradução com fins

específicos, com base nos pressupostos teóricos da Abordagem Comunicativa que passa a

considerar o uso da LM e da tradução em algumas situações de ensino/aprendizado de LE,

fazendo concessões ao uso desse recurso; porém, como já dito, de modo bastante evasivo, não

estabelecendo para professores, diretores e outros usuários nenhum critério de uso dessa

ferramenta no ensino de FLE.

Nas análises desses questionários, o grupo 3 foi quem se mostrou, de fato, menos

reticente com relação ao uso do exercício tradutório do ensino de LE. Importa destacar que,

na questão 5, no espaço reservado aos comentários, um professor desse grupo justificou ter

marcado a opção “nunca”, em função das diretrizes da AF. Porém, salientou considerar

interessante esse recurso.

Além disso, na questão 6, referente à habilidade tradutória no ensino de FLE, as

imagens do grupo 3 foram da tradução como um recurso para alunos com conhecimento de

LE avançado e específico, mas também como uma ferramenta que permite depreender o génie

da língua francesa e as nuanças culturais. Em suma, os resultados obtidos e as declarações dos

professores do terceiro grupo demonstraram que eles não somente escutaram falar sobre essa

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atividade, mas aprenderem e/ou ensinaram com os exercícios de versão e de tradução,

enxergando essa prática além das imagens construídas no período da MAO, MAV e AC.

Comparando esses três grupos, podemos dizer que, para o primeiro grupo, desenvolver

a habilidade de traduzir parece irreal, uma vez que 100% responderam “não” na questão 6.

Esse resultado foi bastante surpreendente, uma vez que os professores do grupo 1 pertencem

ao ecletismo metodológico, além disso, têm uma formação acadêmica voltada para as

questões sociolinguísticas.

Contudo, vale lembrar que embora a atual orientação metodológica legitime o uso da

LM e da prática tradutória, o ensino de LE está fundamentado, sobretudo, nas orientações do

CECR, que mescla os princípios da AC e da PA. Desta última, esse documento parece se

apropriar, principalmente, da fundamentação teórica dessa abordagem, que é a de

sujeito/aluno como um ator social capaz de agir e de interagir com os sujeitos de culturas e de

línguas diferentes. Com relação à AC, o CECR se serve das competências comunicativas: CO

e CE, EO e EE. Devemos reconhecer que esse documento faz menção à mediação (tradução

oral e escrita), mas também não abordar de maneira explicita como o professor e outros

usuários poderão trabalhar com a tradução no ensino de FLE.

As atividades propostas pela PA, como a elaboração de projetos, a mediação, a

interpretação, a tradução ainda são pouco exploradas e pouco discutidas nos estágios e nas

formações de professores. Além disso, a especificidade dos anos 80 contribuiu para que a

atividade tradutória tornasse um recurso desconhecido dos professores. Como, já dito nesta

pesquisa, atualmente, na AF do município do Rio de Janeiro, dos 115 professores que

trabalham na instituição apenas dois professores ministram aulas de tradução.

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CONCLUSÃO

Traduzir ou não traduzir no ensino de LE? Segundo as novas orientações no ensino de

LE, que visam à promoção do sentimento de alteridade nos sujeitos, e o contexto político-

econômico-social em que vivemos, marcado pela globalização e pelas novas tecnologias, a

prática tradutória e o uso da LM passariam a fazer parte dos suportes metodológicos no ensino

de LE. Contudo, baseada em estudos teóricos e nas análises dos questionários respondidos por

20 professores da AF do município do Rio de Janeiro, esta pesquisa confirma a hipótese

inicial de que a atual imagem dos professores concernente à LM e à tradução está ainda presa

a concepções monolinguísticas.

Apesar de 100% dos professores terem dito nos questionários que usam de alguma

forma a LM no ensino de FLE, a maioria mostrou se servir desse recurso como última

estratégia, como uma concessão. Com base nos dados estudados esta pesquisa verificou que a

tradução explicativa se faz menos reticente para explicar regras morfossintáticas ou estruturas

da LE. No que diz respeito à tradução para se certificar da compreensão de palavras ou

expressões desconhecidas, embora 90% tenham dito se servir dessa ferramenta, é importante

ressaltar que 65% marcaram a opção “raramente”, mostrando que esse suporte ainda é pouco

explorado nesse espaço. Quanto à abordagem de fatos ou realidade da cultura estrangeira e

outros casos, não especificados pela pesquisa, o uso da LM se revelou ainda menos corrente.

No intuito de verificar a atual concepção do uso da LM no ensino de FLE, esta

pesquisa fez também um estudo do questionário com base na faixa etária e na orientação

metodológica vivida pelo professor. Como vimos, no grupo de professores entre 20 e 35 anos,

provenientes, principalmente, do ecletismo metodológico da AC, dos princípios do CECR e

da PA, a opção “raramente” teve uma porcentagem menor que o segundo grupo, cuja faixa

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etária está entre 36 e 50 anos, pertencentes, sobretudo, à AC. Contudo, o terceiro grupo,

contemplando professores acima de 51 anos, que vivenciou a MAV e os exercícios

tradutórios, sendo alunos e/ou professores, mostraram-se menos reticente que o segundo

grupo.

No que diz respeito ao uso da atividade tradutória, foram feitas duas perguntas. Na

questão 5, Faz uso da tradução de textos escritos ou orais?65% dos professores, no universo

de 20, responderam “nunca”, e na sexta questão 6, Aprender a traduzir é uma habilidade que

deve ser desenvolvida na aula de LE? 70% marcaram a opção “não”. No primeiro grupo,

100% consideraram irrelevante desenvolver a competência de traduzir no ensino de LE. Já no

grupo 2, essa porcentagem subiu para 43%, e no grupo 3, esse índice atingiu 57% na sexta

questão.

Convém admitir que os dados referentes ao uso da prática tradutória nos três grupos

representaram uma grande surpresa. Nesse estudo, a expectativa era de obter um gráfico que

apontasse ao longo das metodologias e das orientações pedagógicas um acepção mais

favorável com relação ao uso da tradução, tendo em vistas às novas orientações

metodológicas que legitimam a LM e a tradução no ensino de LE. No entanto, os resultados

foram exatamente opostos: o primeiro grupo se expressou não apenas contrário a essa

atividade nesse contexto de ensino, bem como revelou desconhecer as teorias associadas ao

conceito de interlíngua, desenvolvido nos anos 70; à teoria interpretativa e aos atuais

discursos que defendem o plurilinguismo.

Já o terceiro grupo, que vivenciou de alguma forma a MAV, foi não apenas mais

tolerante com relação ao uso da tradução no ensino de LE no espaço da AF, mas também

mostrou-se mais despojado de “pré-conceitos”, de discursos deterministas, que estabelecem o

“errado” e o “certo” de acordo com os princìpios adotados pelas metodologias,

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106

desconsiderando os sujeitos envolvidos, a sua cultura e as múltiplas variáveis presentes no

contexto de ensino-aprendizagem.

Quanto aos fatores que contribuíram ou contribuem para essa concepção, verificamos

o contexto político-econômico-social do século XX, que visou a uma formação mais

pragmática, colocando em questão a Metodologia Tradicional (MT), e promovendo, por sua

vez, o surgimento da Metodologia Direta (MD), que tinha como princípio central o ensino de

LE em LE. Nessa mesma linha, em meados do século XX, nascem a Metodologia Áudio-oral

(MAO), fundamentada nos estudos da linguística estrutural bloomfieldiana e na teoria

behaviorista, e a Metodologia Audiovisual (MAV), que também defendiam o aprendizado de

uma segunda língua sem a interferência da primeira.

Além disso, esta pesquisa observou também um discurso evasivo da AC, do ecletismo

metodológico, do CECR, das formações de professores concernente ao uso da LM e da

prática tradutória no ensino de LE. No que diz respeito à AC, essa nova orientação surge entre

a década de 1970 e de 1980, no inìcio da “sociedade da informação” ou da “sociedade do

conhecimento”, quando o capitalismo será marcado pelo aparecimento das novas tecnologias,

exigindo dos sujeitos cada vez mais a capacidade de se comunicar. De acordo com a

enunciação de Gilvan Muller de Oliveira (2010), os Estados deixam de postular que a

população de um país permaneça ou se torne monolíngue e passam a incentivar o

plurilinguismo entre as nações.

No ensino, essa nova linha de pensamento se reflete na fundamentação teórica da AC,

que não apenas passa a ter como objeto de ensino-aprendizagem a comunicação, bem como

concebe o uso da LM e da tradução no ensino de LE de forma mais parcimoniosa, tendo por

base os estudos linguísticos e cognitivos. Contudo, as pesquisas realizadas por Elisabeth

Lavault (1988) e os depoimentos de professores citados por Luis Paulo da Moita Lopes

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107

(1996), no período da AC, revelaram que as imagens e práticas de professores com relação à

tradução estavam ainda atreladas às concepções monolinguísticas das metodologias

anteriores.

Além disso, nos anos 1980, verificamos que as didáticas de língua com objetivos

específicos favoreceram a particularização do ensino de LE, restringindo o ensino-

aprendizado da prática tradutória a poucos alunos e professores. Atualmente, a acepção da

tradução no ensino de LE não se mostra muito diferente. Apesar de os elaboradores do CECR

citarem e explicitarem a mediação (tradução) entre as atividades de comunicação, o interesse

pela tradução parece ser ainda diplomático.

Essa afirmação se fundamenta, sobretudo, no pouco espaço atribuído à

mediação/tradução nesse documento, mostrando apenas considerar a tradução no ensino de

LE. Os quadros descritivos, em geral, não fazem menção à tradução e nem à mediação. O

CECR cita apenas o que os usuários deverão explicitar para os alunos; porém, despreza o

modo em que se dá a mediação.

Nas atuais formações de professores, a mediação, a prática tradutória, também é

negligenciada. Normalmente, os formadores tratam da Perspectiva Acional (PA),

mencionando a importância de os alunos serem proativos, realizando projetos pedagógicos e

tarefas associadas à sua realidade social. No entanto, embora as práticas de tradução e de

mediação sejam atividades bastante recorrentes na atual sociedade globalizada, tendo em vista

o uso das novas tecnologias e da facilidade de os sujeitos viajarem e, até, de morarem no

exterior, elas não são mencionadas.

Nos centros de Letras de Universidades Federais brasileiras, o ensino da prática

tradutória vem ganhando mais espaço nos cursos stricto sensu e lato sensu, mas também na

graduação, como disciplina eletiva. Essa nova formação de futuros professores de LE não

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108

apenas contribuirá para desenvolver a competência tradutória, linguística, sociolinguística,

discursiva na LE e LM desses estudantes, mas também poderá promover uma nova concepção

dessa atividade no ensino de LE.

Além disso, surgem novas pesquisas sobre o uso da LM e da tradução no ensino de

LE. Nesta pesquisa, fizemos menção ao trabalho de Louise Dabène com o projeto Galatea, em

que sujeitos de culturas e línguas romanas conseguem interagir em um ambiente virtual de

aprendizado na própria LM. Também abordamos a pesquisa de Véronique Castellotti (2001),

mostrando que, embora haja uma tentativa no ensino de LE de se evitar a LM, esta se faz

sempre presente. A autora propõe que professores, instituições, diretores, etc. procurem se

servir dessa ferramenta em prol de um melhor ensino-aprendizado, salientando que o uso da

LM deve ser visto de forma mais delicada no ensino, visto que toca em questões identitárias,

podendo comprometer o processo de ensino-aprendizado dos alunos.

Nesse cenário de globalização e de informatização, o saber plurilíngue e o sentimento

de alteridade parecem apontar a nova demanda da sociedade atual, que visa a estabelecer o

respeito linguístico e cultural entre os povos, permitindo que os sujeitos sejam capazes de

coagir com esse “estrangeiro”. Em suma, saber trabalhar, estudar, agir coletivamente parece

ser, nos anos 2000, a demanda dessa nova era. Quando aos suportes metodológicos para se

obter tais objetivos, seguindo a homologia finalidade e meio, presente na formação da MT,

MD, MAO, MAV, AC, a prática tradutória, a valorização e o respeito à língua do outro

podem representar importantes ferramentas para a PA.

No que diz respeito às expectativas da pesquisa, importa dizer que os resultados dos

questionários confirmam a hipótese inicial de que a imagem recorrente entre professores é de

que as línguas devem ser ensinadas e aprendidas separadamente, objetivando, assim, evitar

possíveis interferências linguísticas entre LM e LE. Nos questionários, os professores

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109

revelaram recorrer ao uso da LM em última instância, reforçando a concepção segundo a qual

esse recurso não faz parte das estratégias pedagógicas e cognitivas estabelecidas previamente

nas aulas de LE.

Com relação ao uso da atividade tradutória, a pesquisa pôde perceber que ainda há

entre os professores muitos equívocos concernentes à língua e ao ensino-aprendizagem de

uma LE. Como por exemplo, a imagem de intraduzibilidade; de prática tradutória apenas para

alunos com conhecimento avançado de LE e com fins específicos; de tradução nesse espaço

ainda de acordo com os princípios da MT, palavra por palavra, e não da tradução voltada para

o sentido, capaz de abordar elementos linguísticos, mas também questões de ordem

discursivas, culturais, interculturais, identitárias, etc.

Diante desses resultados, esta pesquisa verificou também a importância de os cursos

de formação de professores das universidades abordarem mais os conceitos teóricos que

subjazem às propostas de ensino da linguagem. As orientações metodológicas, as diretrizes

pedagógicas que ditam o “certo” e o “errado” na situação de ensino-aprendizagem, sem levar

em conta a complexidade do campo, devem ser refletidas de forma que futuros professores

tenham uma visão de sua prática tanto no âmbito da sala de aula quanto dos fatores políticos-

econômicos- sociais atrelados ao ensino de uma língua.

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