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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP Daniela Cristina Ismael Floriano O direito ao crédito e a não-cumulatividade do ICMS MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2011

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP

Daniela Cristina Ismael Floriano

O direito ao crédito e a não-cumulatividade do ICMS

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2011

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP

Daniela Cristina Ismael Floriano

O direito ao crédito e a não-cumulatividade do ICMS

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM DIREITO TRIBUTÁRIO, sob a orientação do Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho.

SÃO PAULO 2011

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BANCA EXAMINADORA: _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________

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Ao meu orientador, meu mestre, minha referência. Professor Paulo de Barros Carvalho: serei eternamente grata seu resgate.

Em um determinado momento da minha vida o Senhor enxergou em mim aquilo que até eu mesmo desconhecia É sua a

responsabilidade de me fazer pensar e pensando fui libertada para conhecer, ou melhor, buscar, buscar, buscar conhecer!

Obrigada por me permitir conviver proximamente com a sua maravilhosa pessoa. Serei eternamente grata pela preciosa

atenção a mim dedicada.

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O estado primordial do espírito é e tem de ser a crença; o estado intelectual do espírito é e tem de ser a dúvida. No princípio o espírito crê: ele tem boa fé. A dúvida desfaz a ingenuidade e, embora possa produzir uma fé nova e melhor, não pode mais vivenciá-la como boa. A dúvida cria uma nova fé, que deve ser reconhecida como fé e não certeza, para se tornar melhor do que a fé primitiva. As certezas originais abaladas pela dúvida são substituídas por quase certezas – mais refinadas e sofisticadas do que as originais, é certo, mas nem originais nem autênticas, se daí em diante exibem “a marca da dúvida que lhes serviu de parteira. Se as nossas certezas já não são autênticas, as dúvidas o serão, ou escondem um teatro intelectual? Gustavo Bernardo Krause – A dúvida de Vilém Flusser

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RESUMO

A norma jurídica que disciplina o processo de compensação

constitucionalmente qualificado e decorrente da aplicação do princípio da não-

cumulatividade relacionado ao imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços

(ICMS) é, por certo, um dos temas sobre os quais mais se dedicou a doutrina tributária

pátria. Convém registrar, contudo, que a temática que orientou praticamente todos os

trabalhos até o momento apresentados pautou-se em identificar a natureza jurídica bem

como a sistemática de operacionalização do citado processo compensatório.

O presente trabalho, por sua vez, encontra-se fundado em uma abordagem

que se alça à pretensão de analisar outra temática sobre o assunto: a apresentação de uma

divisão precisa (e necessária) entre os conceitos de “direito ao crédito” (crédito escritural)

e a fenomenologia do processo de compensação decorrente da incidência da norma

procedimental que disciplina a não-cumulatividade.

Buscaremos assim demonstrar o fato de que, embora intimamente

relacionados, inexiste uma vinculação necessária entre estes conceitos, sendo possível

identificarmos o crédito escritural sem que se faça necessário cogitar da incidência

pressuposta da norma que orienta a compensação destes créditos.

Neste sentido, e para tanto, concluiremos que, inobstante tratar-se de um

elemento necessário para a manutenção do ICMS no formato em que hoje este tributo

encontra-se disciplinado no Texto Constitucional (sob a forma, via de regra, não-

cumulativa), não se pode apontar a não-cumulatividade como um dos critérios que

compõe a regra-matriz de incidência deste tributo. Isto porque, a norma jurídica que

disciplina este mecanismo de busca pela neutralidade fiscal, encerra uma norma

procedimental independente da incidência do imposto por ora tratado.

Desta feita, a separação entre os conceitos de crédito escritural e norma de

procedimento se faz importante na medida em que apresentaremos a formulação lógico-

semântica dos elementos que compõe a regra matriz de incidência da norma jurídica que

disciplina o processo de compensação decorrente da não-cumulatividade. Identificados

tais critérios, acreditamos que estaremos por facilitar o trabalho do aplicador desta norma

jurídica.

Palavras chave: não-cumulatividade; crédito e direito ao crédito; crédito escritural;

norma; norma procedimental e ICMS.

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ABSTRACT

The rule of law that regulates the offsetting credits process constitutionally

qualified, which results from the non-cumulative tax principle related to the tax on goods

and services (ICMS), is certainly one of the topics most analyzed by Brazilian doctrine.

However, the guidance adopted by most researchers and doctrinaires in virtually all the

work presented so far was based on identifying the legal nature of the aforementioned

offsetting process and on its systematic operation.

This paper is based on the approach of another topic on the subject: the

presentation of a precise (and necessary) distinction between the concepts of "right to

credit" (credit book), and the phenomenology of the offsetting credits process due to the

application of procedural rules that govern the non-cumulative system.

This paper evidences that there is no necessary connection between those

concepts, even though they are closely related. This essay demonstrates that it is possible

to identify the credit book without being necessary to assume the supposed standard that

guides the offsetting of these credits.

In this sense, we conclude that, regardless of whether this is a necessary

element for the maintenance of the ICMS in the format in which this tax is governed by the

Constitution nowadays (non-cumulative, as a rule), one cannot include the non-cumulative

principle in the criteria that compose the matrix rule for levying the ICMS tax. The reason

for that is because the legal standard that governs the offsetting engine seeks for fiscal

neutrality, and it contains an independent procedural rule itself separated from the charge

of the ICMS tax.

The distinction between the concepts of credit book and procedural rule is

important as we establish the logical-semantic elements that compose the matrix rule of

the legal standard for offsetting credits that arise from the non-cumulative system.

Identified such criteria, we believe that it will favor the work of the agents that deal with

this legal standard.

Keywords: non-cumulative, credit and right to credit; book credit; standard rule;

procedural rule and ICMS.

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SUMÁRIO

Introdução..............................................................................................................................................................9

CAPÍTULO I – A não-cumulatividade do ICMS e o imposto sobre o valor agregado: a

impossibilidade de confusão entre estas figuras jurídicas

1. Considerações preliminares..............................................................................................................................14

2. Dos tributos plurifásicos cumulativos aos não-cumulativos........................................................16

3. Neutralidade e a Oneração do Consumo...................................................................................................26

4. A experiência com o IVA......................................................................................................................................28

5. Os métodos de apuração da não-cumulatividade...............................................................................33

5.1. O cálculo original do IVA e a técnica de adição..........................................................................33

5.2. Do meio termo entre o método aditivo e a sistemática do ICMS aplicada no

Brasil: da subtração da base contra base................................................................................................35

5.3 Do cálculo da não-cumulatividade no ICMS – Do método imposto contra imposto

adotado no Brasil...................................................................................................................................................37

6. Breve síntese..............................................................................................................................................................42

CAPÍTULO II - O desenho constitucional da não-cumulatividade do ICMS

1. A não-cumulatividade do ICMS na Constituição Federal..........................................................44

2. O conteúdo axiológico da não-cumulatividade.....................................................................................50

3. O princípio jurídico da não-cumulatividade e os fundamentos econômicos que

motivam sua regulamentação pelo direito...................................................................................................54

4. Exceções constitucionais ao princípio da não-cumulatividade.................................................56

4.1. A exceção à regra: o ICMS cumulativo.............................................................................................61

5. Demais exceções à regra da não-cumulatividade................................................................................63

6. Da exceção à aplicação da sistemática da não-cumulatividade e o direito ao crédito

escritural............................................................................................................................................................................65

CAPÍTULO III – O direito ao crédito de ICMS

1. O Direito ao crédito como conseqüência da aplicação da norma da não-

cumulatividade...............................................................................................................................................................67

2. O Direito ao crédito como moeda de pagamento................................................................................69

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3. Da necessária formalização do “direito ao crédito”...........................................................................77

4. A diferença entre formalização e pagamento........................................................................................80

5. Irrelevância da destinação?...............................................................................................................................85

6. Aspectos procedimentais da formalização do direito ao crédito: da apuração por

produto e por período................................................................................................................................................88

7. Da amplitude do direito ao crédito no Brasil: o crédito físico e a autorização para

utilização do credito financeiro...........................................................................................................................91

8. O sistema de créditos presumidos................................................................................................................97

CAPÍTULO IV – A não-cumulatividade como norma de procedimento

1. A Teoria Comunicacional do Direito e a norma de procedimento.......................................99

2. O processo de aplicação e a norma procedimental..................................................................108

3. A não-cumulatividade como norma de procedimento...........................................................110

4. A operacionalização da norma procedimental...........................................................................112

CAPÍTULO V – A estrutura formal da norma jurídica: a regra matriz da compensação

constitucionalmente qualificada

1. Da relação jurídico-tributária........................................................................................................................117

2. A regra matriz de incidência tributária...................................................................................................120

2.1. Da regra matriz de incidência da compensação constitucionalmente

qualificada..................................................................................................................................................................122

2.1.2. O antecedente da norma jurídica da não-cumulatividade...........................................126

2.1.1.1. O critério material.............................................................................................................................126

2.1.1.2. O critério temporal...........................................................................................................................128

2.1.1.3. O critério espacial..............................................................................................................................129

2.1.2. O consequente da norma jurídica da não-cumulatividade..........................................130

2.1.2.1. Critério subjetivo...............................................................................................................................131

2.1.2.2. Critério Prestacional........................................................................................................................132

3. Breve síntese da regra matriz apresentada..........................................................................................134

Considerações Finais.....................................................................................................................................135

Referências Bibliográficas...........................................................................................................................138

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INTRODUÇÃO

O que nos motiva a elaboração das linhas que irão se seguir neste trabalho

decorre da observação, advinda da experiência diária em nossa rotina de “operador do

Direito”, de quão perturbados se encontram os conceitos relacionados à operacionalização

da norma jurídica que disciplina a compensação constitucionalmente qualificada derivada

da aplicação da não-cumulatividade do ICMS.

Diante dos escassos estudos dedicados à análise detida e independente do

conceito de “direito ao crédito” a que faz jus o sujeito inserto na cadeia plurifásica dos

impostos incidentes sobre a circulação de mercadorias e serviços, bem como em razão da

ausência de uma sistematização formal relacionada à operacionalização da “norma de

compensação” decorrente do preceito constitucional da não-cumulatividade, incorrem os

sujeitos aqui envolvidos (Fisco e Contribuintes) em erros grosseiros quando da

manipulação das mencionadas figuras jurídicas. Como exemplo de tais equívocos, assim,

pode indicar o pleito dos contribuintes em buscarem restituírem-se monetariamente de

seus créditos escriturais (decorrentes da aplicação da norma da não-cumulatividade) bem

como a ignorância, por parte do Fisco, ao identificar o critério temporal da norma de

compensação, promovendo assim a glosa de compensações tacitamente homologadas em

razão da aplicação do prazo decadencial.

Assim, em face da necessidade de identificação e sistematização de tais

conceitos (“direito ao crédito” e “compensação não-cumulativa”) bem como diante da

problemática que a ausência de uma visão sistêmica está por resultar, fomos tomados por

aquilo que bem denominou JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES de “audácia intelectual”1.

1 “A audácia teórica é uma virtude intelectual que em nada compromete a modéstia do estudioso.

Por isso mesmo o ideal de erradicar erros deve ser extirpado da ciência como erva daninha. Quem se propuser à formulação de hipóteses científicas ousadas, abertas ao falseamento, deve aprender a conviver com o erro. Quanto mais ousada a teoria, maior a probabilidade de insinuação do erro, mas, em contrapartida, maior será o progresso científico se esse erro for rapidamente identificado. (...) E se não ousarmos atacar problemas tão complexos que o erro da solução seja quase inevitável, radicalmente não haverá progresso do conhecimento científico”. (BORGES, José Souto Maior. Ciência Feliz. 3ª Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 25-26).

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É certo que nas linhas que a seguir serão apresentadas incorreremos em

um vício que desde já se admite: a ausência de uma abordagem pragmática do tema que se

pretende desenvolver. Mencionado vício, reconhecido antes mesmo de adentrarmos a

exposição de nossas idéias, inobstante para muitos implicar em uma questão que macula

como um todo o desenvolvimento deste trabalho, para nós é voluntária e premeditada.

Isto porque, uma vez que objetivamos demonstrar em linhas teóricas a conceituação e

aplicação de termos hoje “bagunçados” pela experiência jurídica, o que se buscou aqui foi

justamente retornarmos ao ponto que entendemos deficiente sobre o assunto, qual seja, a

construção bem definida de bases teóricas sobre o tema, a fim de que se torne possível

operacionalizarmos com clareza a norma jurídica relacionada a não-cumulatividade.

Ora, tem-se certo que o desenvolvimento pragmático deste assunto já há

muito encerra objeto de ponderações empreendidas por grandes nomes da nossa Ciência

Jurídica2. Neste passo, a questão que se coloca com a apresentação deste trabalho reside

justamente na ausência de fixação de algumas idéias estruturantes que fundamentam a

existência e a operacionalização da não-cumulatividade e que, pela ausência de um estudo

mais aprofundado sobre tais bases fundantes implicam na indevida interpretação que

acaba por induzir ao erro daqueles que transitam por este tema de forma mais apressada.

Nesse contexto é que entendemos estar inserta a relevância do trabalho

que por ora será apresentado. Na tentativa de auxiliar os operadores do Direito, em

especial aqueles que se deparam frequentemente com questões relacionadas à apuração e

operacionalização da não-cumulatividade do ICMS, fomos tomados pela pretensiosa idéia

de buscarmos elucidar o conceito de “direito ao crédito” bem como a fenomenologia da

norma jurídica procedimental que disciplina a compensação constitucionalmente

qualificada decorrente da orientação principiológica da não-cumulatividade.

Desta feita, e para tanto, apresentaremos no Capítulo I um histórico da

norma de compensação relacionada à não-cumulatividade do ICMS a fim de registrarmos a

necessária desvinculação desta norma da figura tributária do imposto incidente sobre o

valor agregado. Demonstraremos, passando pela abordagem da finalidade deste instituto

2 Mas, se não é tão simples encetar investigação de acentuado conteúdo metodológico, quando o

setor é novo e pouco estudado, muito difícil haverá de ser o trabalho de depuração dos conceitos e a análise das premissas, toda vez que o objeto constituir-se algo que já mereceu a elaboração dos cultos e foi submetido ao esmeril de escritores ilustres (CARVALHO, Paulo de Barros. Prefácio. In: A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses. 2010. p. VI).

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(não-cumulatividade) que, inobstante fundamento axiológico comum, a norma jurídica

que o disciplina diferencia-se daquela que orienta a instituição do IVA. Isto porque,

incorrem tais figuras legais em classificações totalmente distintas, possuindo em comum

tão somente a mesma finalidade (conteúdo axiológico), motivo pelo qual não se pode

admitir tal confusão.

Neste passo, buscaremos demonstrar os fundamentos pelos quais se

conclui que o ICMS não incide sobre o valor agregado das mercadorias e serviços objeto de

circulação, mas, ao contrário, toma como sua base de cálculo o valor total da operação

praticada, não sendo possível assim, falar-se em tributação incidente sobre um “valor

agregado”. Assim, justamente pelo fato do ICMS restar calculado sobre o valor total da

operação é que a não-cumulatividade que vem cumprir o papel de evitar que se onere de

forma indiscriminada a cadeira de circulação destas mercadorias.

Em sendo assim, e com vistas a barrar a oneração excessiva dos bens e

serviços sujeitos a uma cadeia de tributação plurifásica, desenhou a Constituição Federal a

regra matriz de incidência do ICMS vinculando-a a norma jurídica que disciplina a

sistemática de apuração da não-cumulatividade. Assim, no Capítulo II, pautaremo-nos em

identificar o desenho constitucionalmente traçado para a figura jurídica da não-

cumulatividade do ICMS, ingressando assim em uma abordagem acerca de sua

classificação como espécie de princípio jurídico (limite objetivo). Analisaremos sua carga

axiologia, bem como questões relacionadas às exceções a esta norma jurídica

compensatória constitucionalmente qualificada.

Partindo-se de uma análise relacionada à instituição norma de

compensação chegaremos à conclusão de que sua finalidade principal decorre da busca

em se evitar a oneração excessiva da cadeia produtiva e comercial de mercadorias e

serviços. Haja vista esta conclusão, não negaremos o fato de que a não-cumulatividade

possui ligação intrínseca com o “extrajurídico” (o financeiro, o econômico e até o político)

contudo, uma vez disciplinada por norma de natureza jurídica passou a compor de forma

necessária a estrutura do ICMS no Brasil sendo deste tributo indissociável (com exceção às

hipóteses constitucionalmente previstas).

Nesta sequência, ainda, adentraremos à análise das possíveis (e únicas)

exceções à norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade, concluindo, ao final, pela

possibilidade da existência de um ICMS cumulativo, uma vez que, não bastasse

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enquadrarem-se em vedações constitucionais à possibilidade de compensação, decorrem

mesmo de uma impropriedade lógica intrínseca a esta operacionalização, qual seja, a

ausência do crédito escritural que permite o encontro de contas débito/crédito.

Ora, tendo em vista que a norma compensatória que disciplina a não-

cumulatividade encontra-se diretamente relacionada à figura do crédito escritural do

ICMS, somente será admissível falar em não-cumulatividade na hipótese de identificada a

presença deste (crédito). É nesta toada, pois, que ingressaremos então na análise

especifica acerca do crédito escritural.

Ofertando assim seguimento à proposta de sistematização dos conceitos de

“direito ao crédito” e “norma compensatória”, analisaremos no Capítulo III questão

atinente a necessária escrituração do montante de ICMS destacado em documentos fiscais

próprios quando da entrada de mercadorias em um estabelecimento inserto na cadeia

plurifásica de incidência deste tributo. Abordaremos aqui, pois, a necessidade de registro

deste crédito com requisito indispensável para a operacionalização da norma de

compensação, chegando-se à conclusão, ao final, de que mencionado crédito nada mais

encerra senão moeda escritural utilizada na função de pagamento destes débitos.

Desta feita, por encerrar a não-cumulatividade um processo especial de

pagamento do ICMS com a utilização de créditos apurados em operações mercantis

inseridas em uma cadeia plurifásica de incidência deste tributo, concluir-se-á pela sua

natureza jurídica de norma que prescreve um procedimento por meio do qual se permite a

utilização destes créditos para pagamento do imposto devido nas operações subsequentes.

Assim, no Capítulo IV, a compensação vinculada à operacionalização da norma que

disciplina a não-cumulatividade, será tomada – com fundamento na classificação das

normas proposta pelo catedrático espanhol GREGÓRIO ROBLES MORCHÓN – como

espécie de norma jurídica procedimental. Em sendo assim, pautaremo-nos em identificar

as bases da doutrina que se aplica como fundamento para o desenvolvimento desta

construção de sentido, ingressando-se, na sequência, em apresentarmos as justificativas

para a classificação proposta.

Por fim, identificados os conceitos de “crédito escritural” e “norma

procedimental não-cumulativa”, proporemos no Capítulo V, último capítulo do presente

trabalho, a identificarmos os elementos (critérios) que compõe a regra-matriz da norma

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de compensação responsável pela operacionalização da não-cumulatividade. Para tanto, e

reforçando o quanto já terá sido analisado, inobstante possuir mesma natureza jurídica

(tributária) encerra esta norma jurídica (não-cumulativa) relação jurídica diversa. Assim,

tomados por esta conclusão, identificaremos os elementos que compõe a regra matriz da

referida norma compensatória.

Encerraremos assim nosso trabalho apresentando os cinco critérios

(material, temporal, espacial, subjetivo e prestacional) que compõe a norma jurídica da

compensação tributária constitucionalmente qualificada, buscando assim ter contribuído

de forma eficaz para a sistematização de uma teoria sobre o princípio da não-

cumulatividade.

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CAPÍTULO I – A NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS E O IMPOSTO SOBRE O VALOR

AGREGADO: A IMPOSSIBILIDADE DE CONFUSÃO ENTRE ESTAS FIGURAS JURÍDICAS

1. Considerações preliminares

Inicia-se o presente trabalho com a pretensão de buscar esclarecer o

conteúdo sintático, semântico e pragmático das figuras jurídicas da “não-cumulatividade” e

do “direito ao crédito” vinculados à relação jurídica tributária decorrente da incidência da

regra matriz do ICMS, em especial atenção ao fenômeno da circulação de mercadorias.

Em sendo assim, antes de adentrarmos a análise desses institutos jurídicos,

entendemos prudente chamaremos a atenção para a confusão doutrinária que ganhou

corpo na literatura jurídica brasileira e que vem sendo sistematicamente repetida por

muitos relacionada ao equívoco incorrido ao se comparar a forma de operacionalização da

não-cumulatividade do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) à

figura do Imposto Sobre o Valor Agregado (IVA).

Suposta semelhança, apontada como evidente por alguns juristas, decorre

do fato de que ambas as figuras sustentam-se em uma raiz principiológica comum, qual

seja: a busca pela neutralidade tributária. Em outros termos: para os que militam a tese de

que a não-cumulatividade do ICMS teria por fundamento idêntico conteúdo axiológico ao

do IVA, tais figuras não passariam de mecanismos jurídicos necessários para se evitar a

malfadada “tributação em cascata”, pela qual, invariavelmente, o preço final de um

produto sofre um acréscimo em decorrência dos tributos que sobre ele incidem.

Trataremos mais adiante, e de forma mais demorada, sobre essa questão.

Pois bem. Para os filiados a esta tese, a neutralidade aparente de ambas as

sistemáticas encerraria elemento suficiente para que o artigo 155, §2º, inciso I, da

Constituição Federal fosse alçado à idêntica classificação do tributo adotado em por

inúmeros países e denominado por “Imposto sobre o Valor Agregado”. O mero conteúdo

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axiológico de ambos (a busca por se evitar que a tributação sobre o consumo incida de

maneira indiscriminada e cumulativa sobre toda a cadeia de consumo, influência

significativamente sobre o preço final do produto) implicaria em colocar em uma mesma

classe ambos os institutos.

Fato é, contudo, que conforme se buscará demonstrar neste capítulo, não se

pode admitir, pela simples razão dessas figuras (“não-cumulatividade do ICMS” e “IVA”)

possuírem o mesmo fundamento valorativo (qual seja, o controle da onerosidade da

tributação incidente sobre o consumo) que se estenda tal semelhança a uma suposta

natureza jurídica comum entre estes os tributos.

Assim sendo, empreende-se em demonstrar que esta suposta relação de

semelhança apontada entre a não-cumulatividade do ICMS e os impostos incidentes sobre

o valor agregado não retrata com exatidão uma mesma realidade jurídica vez que as

sistemáticas de apuração e abatimento praticadas em ambos os casos em nada se

assemelham.

Ademais, identificar encontrarem-se estes procedimentos vinculados a

uma origem comum – pautada em impedir a tributação em cascata e garantir a

neutralidade destas exações – não importa concluir que se operacionalizem de forma

semelhante, como equivocadamente muitos defendem.

Com efeito. O que se busca consignar é que, tanto a sistemática de não-

cumulatividade do ICMS quanto a do IVA possuem uma origem comum e pressuposta: a

presença do fenômeno plurifásico de incidência e a busca pela neutralidade fiscal. Todavia

tais semelhanças terminam por aí, razão pela qual importa concluir que estas

características comuns não são suficientes para alçar figuras tributárias tão distintas à

mesma categoria jurídica.

Deste modo, identificados os pontos em comum, necessário se faz

reconhecer que a forma de operacionalização do “abatimento financeiro” instituído com

vistas a se evitar a tributação em cascata em um e em outro tributo perfaz-se totalmente

diversa, motivo pelo qual nos impõe concluir pela impossibilidade em se querer aplicar e

reconhecer qualquer possibilidade de analogia entre ambos as figuras jurídicas.

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Em outros termos: a confusão que por ora se busca apontar neste trabalho

decorre do fato de que esta suposta “origem comum”, de caráter muito mais valorativo do

que efetivamente lógico, não pode ser tomada como elemento suficiente para que,

estudando-se o IVA seja possível compreender a sistemática de não-cumulatividade do

ICMS. É o que se passará a demonstrar.

2. Dos tributos plurifásicos cumulativos aos não-cumulativos

Depreende-se desta introdução que a não-cumulatividade está relacionada

- de forma indissociável – a um elemento intrínseco à natureza jurídica do tributo, qual

seja, ao regime jurídico-tributário de incidência de regras matrizes tributárias de uma

mesma classe, também conhecido por regime jurídico mono ou plurifásico de tributação.

Em outros termos: trata-se da possibilidade, juridicamente qualificada, de

identificar, diante de uma cadeia de fatos jurídicos tributários de uma mesma classe, a

ocorrência de um único fenômeno de incidência de regra matriz tributária ou se, ao

contrário, é possível apontar, observando-se a mesma cadeia, para a ocorrência de

fenômenos sucessivos de incidência de regra-matrizes (de uma mesma classe).

Certo é que, em havendo previsão legal de ocorrência de único fenômeno

de incidência, localizado em apenas uma fase da cadeia de circulação de um determinado

bem, por exemplo, tratar-se à no direito da figura do “regime monofásico de tributação”.

Por sua vez, na hipótese de fenômenos de incidência de regras-matrizes tributárias de

uma mesma classe, em cada uma das fases de uma única cadeia, estar-se-á diante do

“regime plurifásico de tributação”.

Desta forma, conforme restou inicialmente introduzido linhas acima, para

que seja possível apontarmos para a aplicação da norma jurídica que disciplinam a

operacionalização da não-cumulatividade deve ser a constatação de um tributo plurifásico.

Logo, por serem plurifásicos alguns tributos, pressupõe-se a incidência em cadeia e,

consequentemente, efetiva tributação em cada uma de suas etapas de incidência.

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Trata-se, pois, daquilo que se passou a denominar por “tributação em

cascata” e que, conforme consignou ANDRÉ MENDES MOREIRA3, já há muito encerrava

objeto de preocupação e de estudos daqueles que, motivados pela busca da neutralidade

fiscal entendiam necessário obstruir os efeitos devastadores desta sistemática.

Pois bem. Fato é que os tributos passíveis de serem analisados como

cumulativos ou não-cumulativos devem classificar-se – invariavelmente – no gênero dos

tributos plurifásicos, ou seja, aqueles que incidem em mais de uma fase da cadeia

econômica (produtiva ou comercial). Os monofásicos, por certo, jamais poderão compor a

espécie de classificação proposta (cumulativo/não-cumulativo), uma vez que somente irão

incidir em uma única etapa do ciclo econômico e, assim, não gravarão as bases que já

foram oneradas anteriormente. Em suma, sem superposição de um mesmo tributo não há

que se falar em cumulatividade.

Neste passo, conforme registrou com enorme clareza CIRO CARDOSO

BRASILEIRO BORGES4 em sua dissertação de mestrado apresentada a esta respeitável

Instituição, apenas com a plurifasia observará o mesmo fato gerador se repetindo em uma

sequência contínua de incidências. Neste sentido, são suas palavras:

Isto porque, em cadeia plurifásica de fatos jurídicos-tributários de mesma classe e integrantes de um determinado setor de atividade econômica, visualiza-se à toda evidência sucessividade de fatos jurídico-tributários de mesma classe, uma vez que o início e o perfazimento da respectiva cadeia pressupõem o acontecimento de mais de um fato jurídico-tributário em sequência, ou seja, a ocorrência de sucessivos fatos jurídico-tributários, distintos uns dos outros ao menos sob o aspecto das respectivas delimitações temporais.

Exemplificativamente temos: conforme dispõe o artigo 32 do Código

Tributário Nacional, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) incide sobre a

propriedade do um imóvel (lato sensu) localizado nos limites territoriais urbanos. Deste

3 “A problemática da tributação ‘à cascade’ era tão patente que A. SMITH, já no século XVIII,

creditou à Alcaba a culpa pelo declínio econômico do império espanhol”. (A não-cumulatividade dos tributos. Noeses: São Paulo. 2010, p. 62).

4 BORGES, Ciro Cardoso Brasileiro. Fenômeno da cumulatividade e regras de não-cumulatividade em face do sistema tributário nacional. Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2006. p. 42.

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modo, identificada a propriedade de um bem no exercício de 2011, subsume-se este fato

(social) à norma jurídica (regra matriz) do IPTU e assim, devida restará este imposto,

encerrando-se aí a relação jurídica tributária. Ou seja: não se espera que desta relação

decorra uma próxima incidência vinculada ao mesmo fato gerador. O fato social retratado

pela relação de propriedade de um bem imóvel localizado no perímetro urbano de um

município no ano de 2011 faz nascer uma única relação jurídica tributária. Tem-se aí a

retratado o desenho de um tributo monofásico.

Entendemos assim que a classificação dos tributos em cumulativos e não-

cumulativos é restrita à espécie dos tributos tidos como plurifásicos. Isto porque, como

visto, não se pode falar em “cumulação” de incidências em tributos monofásicos motivo

pelo qual não se aplicam tais classificações para esta espécie de tributo (monofásicos).

Apenas os tributos cuja incidência é plurifásica podem ser alçados à classificação de

cumulativos ou não-cumulativos.

Por sua vez, serão tidos como plurifásicos os tributos em que o mesmo fato

gerador se repete de forma seqüencial, onerando (em razão da incidência da mesma regra

matriz) cada uma das etapas de uma única operação a que o fato gerador encontra-se

submetido.

Neste passo, e no intuito de esclarecer acerca da ocorrência destas “cadeias

de produção”, sistemas em que se observa o prolongamento de ciclos produtivos que, em

geral, SAMPAIO DÓRIA5 assim observou:

Dado o prolongamento dos ciclos produtivos, em geral, que se expandem ou retraem em função da natureza do produto final (ciclo longo: algodão, beneficiamento, fiação, tecelagem, confecção, atacadista, retalhista, consumidor final de vestuário; ciclo curto: produtor de cimento, adquirente construtor em larga escala), ou à medida em que se estrutura a unidade produtora (integração vertical, por exemplo), os momentos da produção (e, por conseguinte, as fases suscetíveis de imposição) se podem suceder, dando causa, cada um deles, a imposições fiscais

5 SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. “Imunidades Tributárias e Impostos de Incidência

Plurifásica, não cumulativa”. In Revista de Direito Tributário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 5, p. 71.

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autônomas, originando impostos de incidência multifásica ou plurifásica.

Desta feita, pois, será plurifásico o tributo cuja regra matriz incida por mais

de uma vez em um mesmo contexto fático (por exemplo, uma cadeia de circulação no caso

do ICMS, uma cadeia de produção para a hipótese do IPI) sobre idênticos fatos geradores

ocorridos neste cenário. A imprescindibilidade da ocorrência de pelo menos dois

fenômenos de incidência de regras-matrizes é o que se pretende, por ora, reforçar6.

Neste passo, retomamos à proposição inicial deste título para

confirmarmos a assertiva de que somente estarão aptos a serem classificados como “não-

cumulativos” os tributos cuja incidência seja multifásica. Contudo, isso não importa

concluir que todos os tributos plurifásicos serão não-cumulativos. Muito pelo contrário. A

não-cumulatividade, como será visto adiante, encerra um dever legal ofertado a apenas a

alguns tributos os quais, necessariamente, devem ser plurifásicos.

Surge assim, justamente em decorrência da constatação da sistemática de

incidência plurifásica a possibilidade legal de se evitar a oneração excessiva do preço final

do produto em decorrência da carga tributária a ele aplicada. Na busca pela não incidência

do tributo sobre bases já anteriormente gravadas, passa-se, pois, a aplicar uma técnica

que, inobstante legal, visto que expressamente disciplinada em lei, baseia-se em critérios

econômicos com vistas a desonerar a cadeia produtiva e reforçar o princípio da

neutralidade da tributação.

Neste sentido, pois, cumpre registrar o comentário de TERCIO SAMPAIO

FERRAZ JUNIOR7:

A opção do Constituinte por um imposto não-cumulativo responde obviamente a problemas gerados pela cumulatividade dos impostos multifásicos no que diz respeito aos efeitos econômicos de uma política tributária. O primeiro destes problemas pode ser visto na incidência repetida sobre bases de cálculo que, por superposição em cascata, tornam-se cada vez

6 Ciro Cardoso Brasileiro Borges. Fenômeno da cumulatividade e regras de não-cumulatividade em

face do sistema tributário nacional. p. 43. 7 FERRAZ JUNIOR. Tercio Sampaio. “ICMS: não-cumulatividade e suas exceções constitucionais”. In

Revista da Indústria, São Paulo. n.1. p. 24.

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mais elevadas pela adição de novas margens de lucro, de novas despesas acessórias e do próprio imposto incidente sobre operações posteriores. O inchaço artificial provocado no preço das mercadorias tem um efeito indesejável que levou as nações modernas a optarem pela não-cumulatividade.

Fato é, deste modo, que em razão dos benefícios advindos da sua aplicação,

fiscalização e arrecadação, os tributos plurifásicos passaram a ser adotados pela grande

maioria dos Estados que antes aplicavam apenas os tributos na sistemática monofásica.

Os benefícios relacionados à sua (i) aplicação, tais como a forma

simplificada de apuração (mera aplicação do porcentual previsto em lei ao valor da

operação ou prestação), sem a necessidade de outras adições, a (ii) fiscalização cruzada,

pela qual o próprio contribuinte (o próximo ente da cadeia plurifásica) é incumbido de

confirmar o destaque do tributo em sua etapa anterior, bem como a (iii) possibilidade de

instituição de uma alíquota razoável, que não causaria contestações por parte dos

contribuintes e garantia aos entes tributantes aumento em sua arrecadação foram fatores

que muito influenciaram esta decisão.

Ocorre, contudo, que, aliado aos benefícios advindos desta forma de

aplicação do tributo (plurifásica), começaram a ser registradas, em semelhante

intensidade, desvantagens no que concerne à forma de organização dos meios produtores

e comerciais, passando estes a se reunirem com vistas a evitarem a tributação que, não

obstante plurifásica, permaneciam sendo aplicada de forma cumulativa.

Assim, em flagrante violação ao ideal de igualdade tributária, muito bem

conceituada por KLAUS TIPKE e JOACHIM LANG8 como “a regra [que] obriga para o Direito

Tributário, que os sujeitos passivos sejam por uma lei tributária, jurídica e factualmente

onerados da mesma maneira” passou-se a observar que a tributação então aplicada

(plurifásica e cumulativa) contrariava outros fundamentos (econômicos, sociais e

jurídicos) na medida em que estimulava a concorrência econômica desleal e injusta.

Isto porque, vivenciava-se um movimento de verticalização dos agentes

econômicos, os quais imiscuíram-se na empreitada de reunirem suas atividades

8 TIPKE, Klaus. LANG, Joachim. Direito Tributário (Steuerrecht). Vol. I. 18ª Ed. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 2008, p. 192.

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produtivas e comerciais com vistas a diminuírem as etapas externas de produção de suas

mercadorias e, consequentemente, o encargo tributário devido, o qual, reforça-se, até

então operacionalizava-se de forma cumulativa.

Esta situação, por sua vez, ocasionou em um desequilíbrio econômico e a

discriminação entre empresas classificadas em um mesmo ramo de atividade uma vez que,

apenas àquelas que conseguissem reunir o maior número de atividades (etapas de

produção e comercialização) seria conferida a vantagens tributária (indireta) de uma

arrecadação tributária inferior às de suas concorrentes. Estas, por sua vez (concorrente),

inobstante participarem do mesmo ciclo econômico de produção e comercialização da

mercadoria ou do serviço, estariam sujeitas ao dispêndio maior para pagamento de seus

tributos, haja vista a necessidade de maior circulação de seus bens até o consumidor final.

Ato contínuo, se tornou patente a falta de transparência do montante de

tributo incidente sobre uma mercadoria ou um serviço, uma vez que não era possível

mensurar o peso da carga tributária aplicada no preço final, posto que esta informação

variava em conformidade ao número de etapas da circulação.

É, pois, o que ressaltou TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR9:

(...) a falta de uniformidade na carga tributária suportada pelos consumidores acaba por gerar uma espécie de perversão da justiça tributária, fazendo com que seja menor a carga de produtos supérfluos e mais onerosa a de produtos essenciais. Comparece-se, neste sentido, o ciclo de produção de jóias com o da carne, o primeiro, por natureza, mais curto que o segundo.

Tal insegurança, aliada ao incentivo à sonegação decorrente das

dificuldades na fiscalização e cobrança dos tributos plurifásicos e cumulativos (como já

verificado) impulsionaram os estudos de economistas e financistas que buscavam uma

solução com vistas a manter a incidência plurifásica e a arrecadação tributária, todavia de

forma eficaz e justa.

Em sendo assim, intentaram os países europeus pela busca de novas

formas de tributação das operações com bens e serviços, tendo por principal objetivo não

9 Tércio Sampaio Ferraz Junior. ICMS: não-cumulatividade e suas exceções constitucionais. p. 24.

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impactar de sobremodo o consumo e, como conseqüência, permitir o desenvolvimento

acentuado das economias, então fortemente atingidas pelas duas grandes guerras

mundiais. Neste sentido, conforme recordou ANDRÉ MENDES MOREIRA10 que “a solução

adveio com a adoção de uma proposta do economista Carl Friedrich Von Siemens, feita

inicialmente ao governo alemão em 1918, porém somente implementada em 1948 na

França: a tributação sobre o valor acrescido”.

Em conformidade ao quanto constou de seu artigo Veredelte Umsatzteuer11,

CARL FRIEDRICH VON SIEMENS – empresário alemão que assessorava o governo

germânico – sugeriu a criação de uma nova figura impositiva a qual possuía o condão de

onerar cada ciclo da produção e distribuição de mercadorias, todavia combinada com a

possibilidade de dedução em cada uma das etapas de incidência anterior dos impostos a

que foram submetidas (tais mercadorias).

Há que se registrar que, na mesma época, ganhou corpo o regaste do

imposto monofásico incidente sobre as vendas tão somente no final da cadeia de

circulação da mercadoria ou do serviço, onerando assim apenas o consumidor final. Tal

imposto, a exemplo da sistemática monofásica já explicitada neste trabalho, não teria por

incidência o valor agregado, mas sim o valor bruto de toda operação em um único

momento (quando da venda ao consumidor final).

Ocorre, contudo, que a transferência do momento de arrecadação apenas

para o final da cadeia produtiva (retorno às origens da tributação), não bastasse implicar

na diminuição significativa do tributo apurado (uma vez que apenas com a venda ao

consumidor final seria calculado o tributo, e sobre aquilo que não fosse comercializado,

por exemplo, nada seria recolhido), facilitava a sonegação fiscal (via de regra, tendente a

ser maior no consumo a varejo). Estes fatores, aliados à dificuldade de fiscalização, fizeram

com que a retomada da idéia do tributo monofásico incidente na etapa final do consumo

fosse definitivamente afastada.

10 André Mendes Moreira. A não-cumulatividade dos tributos. p. 66. 11 SOUSA CINTRA, Carlos César apud Klaus Tipke. Die Steuerrechtsordnung. t. II, Köln, Dr. Otto

Schimidt, 1993. p. 893. In A não-cumulatividade no direito tributário brasileiro: Teoria e Prática. São Paulo: Dialética, 2009, p. 111.

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Assim, a possibilidade de se evitar o efeito cumulativo por meio da

utilização de um tributo que incidisse apenas sobre o valor agregado ganhou maior

repercussão e aceitação, passando a ser analisada por diversos países do mundo, a

exemplo da Holanda, Canadá, Turquia, Grécia. Indonésia, Estados Unidos12.

Porém, foi na França que efetivamente se pode apontar para a primeira

experiência de cunho nacional relacionada à criação de um imposto baseado no ideal não-

cumulativo, ou seja, incidente sobre as diversas etapas do ciclo de produção e circulação,

contudo limitado ao montante agregado de valor que este produto havia adquirido em

relação à etapa anterior, em um retrato semelhante à figura do pagamento fracionado.

Deste modo, a Taxe sur la Valeur Ajoutée (TVA), assim denominado o

primeiro tributo não-cumulativo de que se tem conhecimento, deveria gravar todas as

operações de industrialização e comercialização, permitindo que o somatório dos valores

decorrentes das incidências sucessivas sobre os valores agregados correspondesse ao

valor total obtido da aplicação da alíquota sobre o valor final da mercadoria.

Por sua vez, no Brasil, registra CARLOS CÉSAR SOUSA CINTRA13, ter sido a

Lei n. 2.974, de 26 de novembro de 1956, nosso primeiro exemplar de regulamentação do

mecanismo de não-cumulatividade. Referida lei garantia que, nas operações com jóias,

obras de ourives e relógios, que o recolhimento do então “Imposto do Consumo” deveria

operar-se sobre as sucessivas diferenças de preço de aquisição e venda praticadas no

transcurso da cadeia de circulação desses produtos.

Somente com a edição da 10ª alteração da Lei n. 3.520 de 30 de dezembro

de 1958, é que foi estendido tal regime a todos os produtos gravados pela incidência do

Imposto de Consumo (na época apurado quinzenalmente). Enunciava tal lei a necessidade

de abatimento do valor do imposto que, no mesmo período, houvesse incidido sobre as

matérias-primas e outros produtos empregados na fabricação e acondicionamento dos

produtos tributados por este imposto (IC).

12 BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Alguns aspectos do Imposto de Circulação de Mercadorias.

Direito Tributário. coord. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1969, p. 297. 13 Carlos César Sousa Cintra. A não-cumulatividade no direito tributário brasileiro: Teoria e Prática.

p. 110.

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Sobre este momento histórico registrou GERALDO ATALIBA e CLEBER

GIARDIANO14:

A proposta que ganhou livre trânsito no Brasil foi a de que o preceito relativo à não-cumulatividade deveria atribuir ao ICM idoneidade para evitar o que se convencionou a chamar de “incidência em cascata”. Essa expressão (“incidência em cascata”), de conteúdo nitidamente não jurídico, significaria, à sua vez, o fenômeno da pluralidade de incidências tributárias sucessivas sobre algo que, economicamente, se considera o mesmo valor de base, trazendo, como conseqüência – em matéria de tributos ditos “indiretos” – o alardeado efeito econômico de sobreoneração dos preços dos produtos (...).

Tem-se assim que a evolução legislativa brasileira no que diz respeito a

não-cumulatividade do antigo Imposto sobre o Consumo culminou, ultrapassados

inúmeros textos de lei, na edição da atual Constitucional Federal, a qual, no tocante ao

ICMS (objeto deste trabalho) alude à possibilidade de compensação daquilo que for devido

com o montante cobrado na etapa anterior do ciclo produtivo.

Neste ponto, cumpre registrar que, diversamente do quanto disciplinava a

redação constitucional anterior, fala-se atualmente na hipótese de “compensação”, em

contrapartida a possibilidade de “abatimento” do ICMS devido com relação ao tributo já

recolhido anteriormente. Tal ressalva se faz, tendo em vista o apontamento de uma

diferenciação interessante indicada por HERON ARZUA15, no sentido de considerar o

abatimento uma modalidade de desconto, enquanto que a compensação denotaria uma

espécie de ressarcimento financeiro concedido aos contribuintes. Neste sentido, asseverou

citado autor:

Abatimento é desconto e, como tal, em princípio, concedido por liberalidade de que detém a propriedade de um bem, de um direito, de quem detém a capacidade ou competência impositiva (no caso do ICMS, os Estados e o Distrito Federal). Como desconto, a sua concessão poderia variar de um ponto zero a um ponto cem. Daí confirmar-se o elevado grau de flexibilidade outorgado ao

14 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. “ICM – Abatimento constitucional e princípio da não-

cumulatividade”. In Revista de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 29-30, p. 113.

15 ARZUA, Heron. “Créditos de ICMS e IPI”. In Revista de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 64, p. 257.

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legislador complementar e ordinário para aplicar o princípio da não-cumulatividade no regime antigo. Compensação, entretanto, é instituto jurídico próprio, cujo conceito é oriundo do Direito Comercial, e conota ressarcimento financeiro. De quê? Diz a Constituição vigente que a compensação ou ressarcimento dá-se do confronto entre o imposto que for devido em cada operação ou prestação com montante cobrado nas operações relativas à circulação de mercadorias ou prestações de serviços anteriores. Assinalam os doutrinadores, com muita acuidade, que ‘compensação é a extinção recíproca de obrigações até a concorrência de seus respectivos valores entre pessoas que são devedoras uma da outra’ (Código Civil Comentado. Clóvis Bevilaqua, Ed. Rio, 3ª ed. 1979. p.132).

Nesta mesma linha registrou ALCIDES JORGE COSTA16:

A não-cumulatividade já é um princípio bem conhecido e não há que se voltar a ele. Está dito aqui e usa-se a palavra “compensando-se”. A Constituição anterior falava em “abatendo-se” em cada operação o imposto pago em relação às anteriores. O “abatendo-se” deu margem a inúmeras dúvidas sobre a verdadeira natureza jurídica desse abatimento. Havia em quem sustentasse tratar-se de compensação. Havia quem sustentasse tratar-se de um abatimento como já em outras leis, e assim por diante.

Os posicionamentos acima transcritos se mostram interessantes na medida

em que retratam que a não-cumulatividade no sistema jurídico brasileiro passou por um

notável aperfeiçoamento, confirmando a preocupação do constituinte em disciplinar tal

instituto com a característica que realmente lhe é peculiar, qual seja, a impossibilidade de

flexibilização na aplicação do mandamento constitucional.

A alteração dos termos “abatimento” para “compensação”, nas perspectivas

acima apontadas demonstra que se buscou retirar a conotação “maleável” do termo

abatimento (entendido como um “desconto”) para aplicar-lhe uma denotação mais rígida,

sujeita a uma menor carga axiológica quando de sua interpretação, ou seja, reduzindo o

espectro de modificações com relação a este instituto jurídico.

16 JORGE COSTA, Alcides. “ICMS na Constituição”. In Revista de Direito Tributário. São Paulo:

Revista dos Tribunais, n. 46, p. 164.

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Acerca deste tema (limitações à aplicação do princípio da não-

cumulatividade) incumbe destacar que será objeto de devida análise no Capítulo II deste

trabalho, sendo certo que retornaremos a abordagem pela qual se defende a rigidez da

norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade do ICMS no regime tributário

brasileiro.

Ademais, e por ora, o que se pretende demonstrar é que a não

cumulatividade ingressou no sistema jurídico brasileiro, em especial no ICMS (tributo

objeto do presente trabalho), com vistas a evitar que o então a época vigente “Imposto

sobre o Consumo”, de natureza plurifásica, incidisse indiscriminadamente sobre toda a

cadeia produtiva, onerando-a de forma excessiva e inviabilizando o crescimento

econômico em razão do desestímulo ao consumo (em contrariedade ao princípio da

neutralidade fiscal).

É neste cenário que se observa o nascimento deste instituto (não-

cumulatividade), arraigado à idéia de desoneração econômica e neutralidade na incidência

dos tributos classificados como plurifásicos.

3. Neutralidade e a Oneração do Consumo

Desta feita, não se pode olvidar em reconhecer que a finalidade da norma

jurídica que disciplina a “não-cumulatividade” reside em justamente afastar o efeito

regressivo da incidência cumulativa dos impostos plurifásicos que gravam bens e serviços

em cada uma de suas etapas de circulação ou fornecimento.

Assim, com vistas a evitar o efeito econômico indesejável da concentração

tributária excessiva sobre a circulação de mercadorias, buscou-se com a não-

cumulatividade (aqui tomado o termo como gênero para designar o instrumento legal de

combate à concentração da carga tributária incidente nos impostos plurifásicos) um

mecanismo eficaz de controle para coibir abusos dos Estados.

Neste passo, como já vimos, é nos países europeus que inicialmente se

observa a efetiva busca pela aplicação da neutralidade dos tributos com vistas a assegurar

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aos produtores de uma mesma mercadoria, condições semelhantes de desenvolvimento e

atuação.

Deste modo, a neutralidade da tributação, qualquer que fosse a duração da

cadeira de produção e distribuição da mercadoria, encerraria, pois, o intuito primeiro para

se instituir um imposto que viesse a incidir tão somente sobre o valor agregado a uma

determinada etapa de sua circulação.

JOÃO DÁCIO ROLIM17, fazendo menção à neutralidade da tributação sobre o

consumo, vale-se da explanação acerca do princípio da não-cumulatividade emitida pelo

Tribunal de Justiça Europeu ao julgar do leading case Elida Gibbs Ltd., em 1996:

O princípio básico do VAT é ter objetivo de tributar somente o consumidor final. Em conseqüência, o montante tributável, que serve como base para o VAT ser recolhido pelas autoridades fiscais não pode exceder o valor realmente pago pelo consumidor final que é a base de cálculo do VAT no final assumido por ele.

Logo, com vistas a garantir a neutralidade da tributação incidente sobre o

preço final do produto oferecido ao contribuinte, a quem deveria se ofertada a mesma

mercadoria gravada com idêntica carga tributária (ou seja, o que seria plausível para

diferenciar o valor de um mesmo produto, por exemplo, é a qualidade de seus insumos

empregados para a sua confecção, e não quantidade de tributos nele incidente) não se

poderia admitir a cobrança diferenciada entre o mesmo gênero de mercadoria, em

qualquer das fases da cadeira de circulação. Uma vez que o imposto seria suportado, ao

final, pelo contribuinte, devia ser oferecido a este escolha entre mercadorias semelhantes

não em razão da incidência do tributo, mas em decorrência da competitividade econômica

e negocial de cada um de seus produtores.

Em sendo assim, a busca pela neutralidade fiscal foi tomada como objetivo

fim para a manutenção da sistemática de incidência plurifásica, operacionalizando-se, via

17 Caso n. 317/94, Elida Gibbs Ltd. V Customs and Excise Commissioners, parágrafo 19: The basic

principle of the VAT system is that it is intended to tax only the final consumer. Consequently the taxable amount serving as a basic for the VAT to be collected by the tax authorities cannot exceed the consideration actually paid by the final consumer which is the basic for calculating the VAT ultimately borne by him’. (ROLIM, João Dácio. “Não-cumulatividade (Valor Agregado?)”. In Não-cumulatividade tributária. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Dialética/ICET, 2009, p. 257-258).

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de regra, em razão da aplicação da norma que disciplina a não-cumulatividade (esta por

sua vez, aplicada aqui em sentido amplo, como instrumento de combate à incidência em

cascata dos tributos plurifásicos) no intuito de impedir que os impostos sobre o consumo

introduzissem distorções nos critérios concorrenciais de mercado.

Isto porque, não se pode negar que a tributação afeta diretamente as

decisões econômicas dos consumidores, uma vez que interfere de modo direto no custo de

produção e na formação dos preços das mercadorias e serviços colocados para mercancia.

Por conta disto, fato é que a tributação sobre o consumo merecia ser estruturada da forma

a retratar a neutralidade de sua incidência e é exatamente isto que fazer a busca pela

neutralidade operacionalizada em decorrência da aplicação da não cumulatividade.

4. A experiência com o IVA

Inicialmente tido como muito mais complexo se comparado ao sistema

cumulativo que se estava acostumado, o Tax sur la Valeur Ajuteé (TVA) caracterizava-se, a

época de seu nascimento, por possuir um método de apuração absolutamente distinto de

tudo o que sabia e havia sido utilizado até então.

Assim, para o cálculo do montante devido sobre a sistemática inicial dos

impostos sobre o valor agregado, lançava-se mão de uma sistemática de débitos e créditos

que, abatidos um dos outros apontava o tributo a ser efetivamente recolhido aos cofres

públicos.

Tal sistemática inicial, por sua vez, permitia que a dedução do valor a pagar

de imposto ocorresse tão somente sobre um mesmo produto. Em outros termos: apenas

seria admitida a dedução do valor pago a titulo do imposto suportado na aquisição de

mercadorias utilizadas no processo produtivo.

Assim, se uma empresa fabricasse mesas e cadeiras, a contabilidade

deveria ser separada, a fim de registrar todas as mercadorias adquiridas para a fabricação

e montagem de um e de outro bem. Com a saída dessas mercadorias para a venda, apenas

era possibilitado deduzir do valor devido a titulo de tributo sobre a mesa, por exemplo, as

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mercadorias efetivamente utilizadas para a industrialização deste bem. Ou seja, não se

poderia utilizar os créditos adquiridos quando da compra da madeira utilizada para a

fabricação da cadeira para compensá-lo com o débito de ICMS decorrente da venda da

mesa.

Contudo, inobstante tratar-se de uma apuração mais complexa (se

comparada à tributação cumulativa), as vantagens da adoção do regime não-cumulativo

superavam seus entraves, tanto para os contribuintes quanto para o próprio Estado, o

qual, dentre outras facilidades, via na fiscalização cruzada (envolvendo registros em

duplicidade de uma mesma operação – de saída e de entrada das mercadorias e serviços),

a possibilidade de um considerável aumento na arrecadação e uma maior eficiência no

combate à sonegação, vez que tal fiscalização poderia ser realizada, em grande parte, pelos

próprios contribuintes.

Neste passo, a tributação mais justa permitiria que o ônus tributário fosse

equivalente à aplicação da alíquota sobre o preço final, independentemente dos estádios

de circulação das mercadorias (por isso o IVA ser considerado neutro independente do

número de operações tributadas) e em razão desta neutralidade ganhariam os agentes

econômicos que não teria de se verticalizar para reduzir os custos tributários podendo

concentrar-se na atividade em realmente possuíssem maior aptidão.

Ocorre, contudo, que não obstante sustentados em fundamentos comuns –

o ideal de se evitar a oneração excessiva, a igualdade e a neutralidade fiscal, a

possibilidade de maior fiscalização, dentre os outros acima já elencados – os

procedimentos para se evitar a tributação em cascata não foram aplicados de forma

idêntica em todos os países. Ao contrário.

Partindo-se desta origem (finalística) comum, cada país buscou

operacionalizar tal sistemática de forma própria, imprimindo em seus tributos

características singulares de sua economia e, por conseqüência, jurisdicionalizando-os de

maneira peculiar.

É exatamente este o ponto que se pretende demonstrar por ora neste

capítulo. Não se opondo a uma fundamentação principiológica comum, o que se busca

registrar é que, ao ser jurisdicizada, tomou a figura da não-cumulatividade diferentes

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contornos em cada país, não sendo possível admitir-se, por exemplo, o estudo da não-

cumulatividade do ICMS com base na sistemática de aplicação e arrecadação do IVA

europeu.

O reconhecimento de diversos métodos (técnicas) para operacionalizar e

impedir a incidência em cascata dos tributos plurifásicos implica em se admitir a

impossibilidade de se tratar de forma análoga o IVA europeu e o ICMS. Isto porque,

conforme veremos, tratam-se de sistemáticas de operacionalização totalmente diversas as

quais se fundamentam, invariavelmente, em premissas e conclusões muito diferentes,

motivo pelo qual insiste-se na ressalva destas diferenças.

Ademais, justifica-se a necessidade do apontamento de tal distinção pelo

simples fato de que, admitindo-se o processo de abatimento incidente no cômputo da base

de cálculo do tributo – casos do IVA – ter-se-á como natureza jurídica deste direito (de

abatimento) a tributária. Ora, não se pode admitir, conforme far-se-á demonstrar, que a

regra matriz de incidência tributária do ICMS contemple em seu desenho hipótese

infraconstitucional que viole a presunção absoluta deste tributo constituir-se,

necessariamente (com exceção feita pela própria Constituição), com características não-

cumulativas.

Aqui cumpre registrar a ressalva de que, não se compartilha neste estudo a

idéia de que a não-cumulatividade integra a regra matriz de incidência do ICMS. Certo é

que uma coisa é a regra jurídica que disciplina a hipótese de incidência deste tributo e

outra, diversa, a norma que determina a disposição acerca de sua não-cumulatividade.

Ocorre que, ressalvadas as hipóteses de exceção constitucionalmente previstas (as quais

serão devidamente abordadas no Capítulo III deste trabalho) não se pode conceber em

dissociar uma norma jurídica da outra, sob pena de invalidarmos a própria figura do ICMS.

A princípio, a tomada de posição acima registrada poderá causar alguma

estranheza àqueles que, assim como nós, compartilham da premissa originalmente

registrada por PAULO DE BARROS CARVALHO18 no sentido de se conceber a idéia de que

18 “[...] as leis não trazem normas jurídicas organicamente agregadas de modo que nos seja lícito

desenhar, com facilidade, a indigitada regra-matriz de incidência, que tido o tributo hospeda, como centro catalisador de seu plexo normativo. [...] Estabelecidas tais proposições, julgo oportuno retrilhar que o resultado dessa tarefa compositiva haverá de ser a obtenção de um juízo hipotético, e que seus componentes se associam pelo vínculo da imputação deôntica.”

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todo o tributo é composto por um conjunto de elementos mínimos que registram a sua

identificação (denominado pelo citado autor de “critérios”), elementos estes que, reunidos,

acabam por compor a denominada “regra matriz de incidência” de um tributo.

Assim, ao registrarmos a assertiva no sentido de que um suposto critério

(no caso, a previsão acerca da não-cumulatividade) não integra a regra matriz de

incidência do ICMS vez que perfaz-se norma jurídica própria e independente (conforme

será retratado com maior riqueza de detalhes no Capítulo V deste trabalho), e em seguida,

afirmarmos não pode ser possível conceber este tributo sem a sua necessária combinação

com esta previsão legal (não-cumulatividade), seria admissível a impressão inicial de

estarmos incorrendo em uma contradição em termos.

Tal impressão, contudo, não se confirma na medida em que se esclarece

que o que se busca demonstrar é, traçadas as linhas principais para a instituição do tributo

por ora analisado, buscou o Texto Constitucional oferta-lhe mais uma característica

específica: seu enquadramento na categoria dos impostos tidos como não-cumulativos.

Questiona-se, então, a razão pela qual não ingressou esta característica na composição da

própria regra-matriz de incidência do ICMS e, na sequência, se esclarece tal

questionamento apontando para a existência de exceções, igualmente constitucionais, a

esta previsão legal (aplicação da não-cumulatividade).

Em outros termos: inobstante entendermos por imprescindível para a

configuração do ICMS a aplicação da norma procedimental que disciplina a não-

cumulatividade, de igual modo entendemos não ser plausível a existência de exceções

(frise-se, constitucionais) a elementos que integral a regra fundamental deste imposto.

Assim, na medida em que se aceita a existência de exceção a um de seus

prováveis critérios (ainda que tais exceções encontrem-se restritas a um texto de lei, mais

especificamente a uma alínea, de um inciso, de um parágrafo, de um artigo constitucional

específico) não se pode admitir que esta característica (critério) ingresse como elemento

necessário para a composição da regra matriz de um tributo.

(CARVALHO, Paulo de. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 530-531).

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Por sua vez, entendemos que isto não inviabiliza a “diferença necessária”19

que se propõe neste trabalho: via de regra (exceção admitida apenas nas hipóteses das

alíneas “a” e “b”, inciso II, § 2º da Constituição Federal) o ICMS necessariamente deverá ser

não-cumulativo sob pena de estarmos diante de outra figura tributária.

Pois bem, registrada a ressalva no sentido de justificar a premissa adotada

neste trabalho e por meio da qual nos fundamos na idéia de ser intrínseco ao ICMS sua

característica não-cumulativa, retornamos a proposta principal Capítulo.

Assim, valemo-nos dos esclarecimentos de ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA20

para reafirmarmos o fato de que, inobstante originarem-se de uma raiz principiológica

comum, o imposto sobre o valor agregado não se assemelha à operacionalização da norma

jurídica que disciplina a não-cumulatividade do ICMS. Neste sentido, registrou renomado

jurista:

Vai daí que, juridicamente, o ICMS não é um imposto sobre o valor agregado. Só para registro, o imposto sobre o valor agregado caracteriza-se, nos patamares do Direito, por incidir sobre a parcela acrescida, ou seja, sobre a diferença positiva de valor que se verifica entre duas operações em sequência, alcançando o novo contribuinte na justa proporção do que ele adicionou ao bem. Não é o caso do ICMS, que grava o valor total da operação.

Logo, não integrando a apuração da base de cálculo do tributo, ainda que

intimamente vinculada à relação jurídica tributária, não se poderá falar em não-

cumulatividade como sinônimo da regra matriz de incidência do ICMS. Isto porque, aqui

(regra matriz do ICMS) teremos direito tributário, e ali (norma jurídica que prescreve a

não-cumulatividade) há que se registrar espécie norma tributária independente, a qual dá

conta de um direito atribuído ao contribuinte.

19 “[...] A alteridade não implica, em si, nenhuma determinação; por exemplo, ‘a é outra coisa que

não b’. A diferença implica uma determinação: a é diferente de b na cor ou na forma etc. Isso significa: as coisas só podem diferir se têm em comum a coisa em que diferem: por exemplo, a cor, a configuração, a forma etc. Segundo Aristóteles, que estabeleceu claramente essas distinções, as coisas diferem em gênero se têm a matéria em comum e não se transformam uma na outra (p. ex., se são coisas que pertencem a diferentes categorias); diferem em espécie se pertencem ao mesmo gênero [...]”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 5ª Ed. Rev. Ampl., São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 325).

20 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 15ª ed. São Paulo: Malheiros: 2011. p. 321.

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Assim, o direito constitucional à não-cumulatividade é o direito, inobstante

de natureza jurídico-tributária, conferido ao contribuinte em que figura no pólo passivo o

Estado, possuindo ainda cunho patrimonial e financeiro. Nesta linha, ponderaram CLEBER

GIARDINO e GERALDO ATALIBA21:

Em outras palavras: como a relação jurídica de ICM é de natureza tributária, ao regime próprio da espécie se submete. Já o abatimento constitucional é mera figura financeira, operante no instante da liquidação do tributo, com a função de cobrir parte do seu pagamento, por compensação. Funciona como “moeda de pagamento.

Por sua vez, com relação à função (finalidade) da regra que disciplina a

não-cumulatividade abordaremos tal aspecto em momento posterior. Neste momento,

cumpre mais uma vez fixarmos tão somente a diferença que aqui pretendemos apontar

entre o IVA e a não-cumulatividade do ICMS e, assim, corroborar a afirmação acerca da

impossibilidade de que se mantenha o quanto muito ainda é repetido de forma indevida: a

analogia entre ambas estas figuras.

5. Os métodos de apuração da não-cumulatividade

5.1. O cálculo original do IVA e a técnica de adição

O IVA foi criado, conforme já foi visto linhas acima, para incidir sobre a

diferença apurada entre o valor da mercadoria recebida em detrimento do valor que a ela

se sucedeu na cadeia de produção. Assim, seu intuito era tributar tão somente esta

“diferença” entre cada uma das operações de entrada e saída de uma mesma mercadoria, o

que então seria denominado por “valor agregado”.

Ocorre que, por diversos motivos essa sistemática de apuração –

complicada e de difícil apuração – foi dando lugar a um modelo de apuração totalmente

21 Cleber Giardino e Geraldo Ataliba. ICM – Abatimento constitucional e princípio da não-

cumulatividade. p. 122.

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diferente, o qual, todavia, manteve a mesma denominação (“tributação sobre o valor

agregado”).

Neste sentido, o IVA foi criado para que seu cálculo ocorresse na

modalidade então conhecida como por adição, a qual operacionalizava a não-

cumulatividade pela seguinte sistemática: o “quantum” devido era obtido da simples soma

dos salários pagos pela empresa e dos lucros por ela percebido em um determinado

período. Era com base neste cálculo que se obtinha o valor acrescido em determinada

etapa do processo produtivo, valor este que então era submetido à tributação.

Deste modo, registrou ANDRÉ MENDES MOREIRA22:

O valor agregado ‘stricto sensu’ é calculado apenas no método de adição. Assim, pode-se dizer que a forma mais adequada para o cálculo do IVA (do ponto de vista puramente teórico) seria a soma dos dispêndios do contribuinte para a produção de mercadorias ou prestação de serviços – que aliados ao seu lucro informarão o montante acrescido à operação ou prestação. Este corresponde ao valor agregado que não será submetido à alíquota prevista em lei. Todavia, as dificuldades práticas na implementação do método de adição o tornaram pouco utilizado. Não há IVA de abrangência nacional calculado pela sistemática aditiva (exceto para setores específicos, como é o caso do IVA devido pelas instituições financeiras em Israel e na Argentina). Em nível estadual, podemos apontar os Estados norte-americanos de Michigam e New Hampshire, que o adotam desde 1976 e 1993, respectivamente.

Em outros termos: o método aditivo era calculado com base no que era

despendido a título de custo da operação somando ao lucro obtido com a venda da

mercadoria ou serviço. Por tratar-se de uma operação de adição em que um dos elementos

é negativo (custos incorridos na operação), em tese teríamos configurada uma hipótese de

subtração indireta do elemento positivo, todavia a operação matemática permaneceria

sendo a de adição direta.

Ocorre, contudo, que a sistemática aditiva – como era de se esperar –

demonstrou-se de dificílima operacionalização. A hipótese de reunião dos “custos de

operacionalização” por si só, demanda a necessária conceituação das espécies passíveis de

22 André Mendes Moreira. A não-cumulatividade dos tributos. p. 72-73.

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inclusão em tal gênero e alça o método de adição para o cálculo do valor agregado à

dificuldades de instransponível operacionalização. Por esta razão, surgiram como

alternativa ao cálculo do valor agregado, outros métodos.

5.2. Do meio termo entre o método aditivo e a sistemática do ICMS

aplicada no Brasil: da subtração da base contra base

Fracassado o método aditivo para a apuração do valor agregado, aponta-se

o nascimento de uma outra modalidade de apuração da sistemática de abatimento – a

técnica então denominada “basis-on-basis” ou base contra base.

Trata-se, de uma das derivações do método de subtração – hoje tido como o

único método efetivamente utilizado para operacionalizar a não-cumulatividade – então

denominado por subtração direta.

Caracteriza-se este método, por deduzir da base de cálculo do IVA (preço

total da operação ou prestação) o valor das mercadorias e serviços adquiridos pelo

contribuinte (cujo abatimento seja autorizado pela lei). Sobre a base apurada mediante a

subtração aplica-se então a alíquota do tributo.

Deste modo, na hipótese por ora analisada, fato é que a não-cumulatividade

alcança a base de cálculo do tributo, motivo pelo qual o tributo devido será obtido com a

incidência da alíquota sobre a base de cálculo então já reduzida.

Ademais, apenas o Japão possui um imposto sobre o valor agregado que se

utiliza do método subtrativo direto (base-contra-base). Conforme registrou ANDRÉ

MENDES MOREIRA23: “no Vietnã esse sistema também é aplicado, mas apenas para cálculo

do imposto pago pelas firmas individuais. As Filipinas chegaram a adotar o método basic on

basis, porém o abandonaram em favor do imposto-contra-imposto”.

23 Idem. Ibidem. p. 74.

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O importante neste ponto é registrar que, da mudança do método

originalmente previsto para a operacionalização do IVA (inclusive para confirmação da

sua denominação) para o método de subtração direta alterou significativamente a

tributação sobre o suposto “valor agregado”.

Enquanto no método de adição efetivamente reconhecia-se a tributação

sobre o valor agregado como um tributo efetivamente característico (próprio e

independente), o qual possui peculiaridades como a apuração do IVA sobre toda a

operação, certo é que na mudança da apuração do quanto devido para a técnica de

subtração direta, alterou-se por completo a natureza jurídica inicial deste imposto, qual

seja, a incidência sobre o valor agregado.

Assim, passou-se de um tributo específico (cujo fato gerador e a sistemática

de apuração encerravam suas particularidades) para uma sequência de tributos diversos e

sucessivos. Isto porque, com a introdução do método “base contra base” tem-se um tributo

especifico qualquer (com um fato gerador bem definido) e, com a intenção de que não se

onere arbitraria e indiscriminadamente a cadeia produtiva deste bem ou serviço, passa-se

a alterar-lhe a base de cálculo.

Deste modo, certo é que a alteração na base de cálculo do tributo implica na

alteração de toda a regra matriz do tributo o qual, na medida em que é alterada faz nascer

surgir um novo tributo visto resultar em uma regra matriz diferente. Isto se justifica na

medida em que alterando um dos critérios da regra-matriz de incidência está diante de um

novo tributo.

O que se pretende demonstrar é tão somente o fato de que, a alteração do

método de apuração de adição para o método de subtração direta, desconfigurou o IVA e,

consequentemente, a suposta tributação incidente sobre o valor agregado.

Uma vez que se passa a admitir um novo tributo tão logo seja alterada a sua

base de cálculo, ainda que o pano de fundo (e extrajurídico) encerre a “intenção” de não

onerar a cadeia produtiva, em termos de conceituação desta figura jurídica bem como de

sua denominação, não se há mais que falar em imposto incidente sobre o valor agregado.

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5.3 Do cálculo da não-cumulatividade no ICMS – Do método imposto

contra imposto adotado no Brasil

Adentrando-se assim ao estudo da sistemática de operacionalização da

não-cumulatividade do ICMS no regime jurídico-tributário brasileiro, há que se que

registrar uma pausa para que se observe com cuidado a figura tributária que iremos

tratar.

Assim, conforme ensinou com mestria PAULO DE BARROS CARVALHO24 em

sua tese de livre-docência apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o

ICMS possui como fato gerador “operações”. Neste sentido, consignou: “Tenhamos presente

que o núcleo do complemento é o termo “operações”, substantivo plural, e que os restantes

são adjuntos adnominais, cujo papel é adjetivar aquela palavra, estabelecendo a qualificação

da gama de operações que interessam à composição do feitio concebido”.

Completando a idéia com a clareza de argumentos que lhe é peculiar:

Por mais simples e vulgar que possa parecer esta explicação, entendêmo-la necessária, sobretudo porque estudiosos de indiscutível prestígio têm deslocado a ênfase para o vocabulário “circulação” modificando completamente a estrutura do pensamento e provocando um substancial desvio no sentido da mensagem do constituinte. Tornou-se a tal ponto trivial este vezo que a própria sigla do tributo passou a ser ICM – imposto sobre circulação de mercadorias, o que denota erro prosaico, capaz de reprovar aluno que se inicie nas primeiras lições sobre o sistema orgânico da língua portuguesa25.

Assim, para uma análise rigorosa da forma como se opera a não-

cumulatividade do ICMS no regime jurídico brasileiro, há que se fixar, de maneira

preliminar, que o fato gerador deste tributo, qual seja, a operações, encontram-se

reduzidas apenas àquelas hipóteses em que ocorra a circulação e cuja esta circulação seja

necessariamente de mercadoria.

24 CARVALHO, Paulo de Barros. A regra matriz do ICM. Tese de Livre Docência em Direito

Tributário apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1981, p. 162. 25 Idem. Ibidem. p. 162.

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Sendo assim, valemo-nos mais uma vez das palavras de PAULO DE BARROS

CARVALHO para registrar o conceito de “operações”:

Temos para nós que o vocábulo “operações”, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios jurídicos hábeis para provocar a circulação de mercadorias. Adquire, neste momento, a acepção de toda e qualquer atividade regulada pelo Direito e que tenha a virtude de realizar aquele evento26.

Desta feita, o termo “operações“ que, acompanhado de seus complementos,

desenha a hipótese de incidência do ICMS nada mais encerra senão as operações jurídicas

que sustentam qualquer ato material que anime a circulação de mercadorias.

Por sua vez, cumpre igualmente destacar o conceito de circulação, o qual

também desenha a estrutura do imposto ora analisado. Para tanto, tem-se certo que por

circulação deve ser entendido a movimentação de mercadorias por pessoas diferentes. A

mudança de titularidade é fundamental para apontar que se configure a “circulação”

prevista no artigo 155, inciso II da Constituição Federal. Isto porque, para o direito de

nada importa as relações “intrasubjetivas” vez que o que se tutela são as relações sociais.

Logo, vê-se claro que uma coisa é a circulação econômica e outra,

totalmente diversa, a circulação jurídica da mercadoria. Neste sentido, inclusive, advertiu

ARNOLD WALD27:

(...) que não se deve confundir nem identificar a circulação econômica com a saída física, o transporte dentro da mesma empresa, mediante a remessa de armazém a filial ou de um para outro estabelecimento de firma com transferência de bens para terceiros, pois somente ocorre circulação quando a mercadoria é transferida, passando de um patrimônio para outro, qualquer que seja a motivação jurídica da operação.

Por seu turno, a natureza jurídica do termo mercadoria não está entre os

requisitos que lhe são intrínsecos, mas ocorre em razão da destinação que se lhe dá.

26 Idem. Ibidem. p. 170. 27 WALD, Arnold. “Base de cálculo para cobrança de ICM nas transferências de mercadorias de

armazéns para filiais da mesma empresa”. In Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 19, p. 326.

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Pois bem. Registrada a hipótese de incidência do ICMS, qual seja: as

operações relativas à circulação de mercadorias, passa-se a análise completa da regra

matriz de incidência deste para ponderar já solidificado entendimento doutrinário no

sentido de que a base de cálculo do tributo deve refletir a sua hipótese de incidência.

Neste passo, confirmamos o quanto já foi visto anteriormente, acerca da

base de cálculo nada mais encerrar senão a dimensão da materialidade do tributo. Neste

sentido, pois ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA28 registrou ser a base de cálculo o critério

necessário responsável por mensurar o “fato imponível” do tributo e, por esta razão,

encerrar a medida da operação mercantil realizada.

Isto porque, conforme muito bem nos ensinou o responsável pelo

surgimento do que convencionou-se denominar por regra-matriz de incidência tributária,

a base de cálculo para a apuração de um tributo tem por função precípua confirmar,

infirmar ou afirmar um tributo, justamente em razão do fato de encontrar-se diretamente

conectada ao fato gerador deste tributo. Neste sentido, PAULO DE BARROS CARVALHO29:

Os fatos não são, enquanto tais, mensuráveis na sua integralidade, no seu todo. Quando se fala em anunciar a grandeza efetiva do acontecimento, significa a captação de aspectos inerentes à conduta ou ao objeto da conduta que se aloja no miolo da conjuntura do mundo físico. E o legislador o faz apanhando as manifestações exteriores que pode observar e que, a seu juízo, servem de índices avaliativos: o valor da operação, o valor venal, o valor de pauta, o valor de mercado, o peso, a altura, a área, o volume, enfim, todo e qualquer padrão dimensível ínsito ao núcleo de incidência.

Ou seja, uma vez que diretamente “ligado” ao fato que dá ensejo ao

nascimento da obrigação tributária, por certo que, alterado este critério o fato jurídico

também não mais poderá ser o mesmo, confirmando assim o fato de que, a cada alteração

realizada no critério quantitativo do tributo estar-se-á diante de um novo fato gerador e,

como conseqüência, diante de um novo tributo.

Sendo assim, e reconhecendo-se como inequívoco que o ICMS possui como

base de cálculo o valor da operação no momento da saída da mercadoria (conforme

28 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 79. 29 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito tributário. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 325.

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expressamente enuncia o artigo 155, inciso II da Constituição Federal) por certo que não

pode admitir a idéia de que a não-cumulatividade operar-se-ia no momento da incidência

deste tributo.

Ademais, com vistas a confirmarmos o quanto se busca apresentar no

presente trabalho, valemo-nos novamente do argumento de autoridade do renomado

jurista ROQUE ANTONIO CARRAZZA30, no sentido de registrarmos que:

(...) realmente, se a base de cálculo (que mede o fato jurídico tributário) do ICMS é o valor da operação (ou da prestação) realizada, resulta claro que este imposto não pode incidir sobre o valor acrescido em relação à anterior (sob pena de ser descumprida a primordial função dimensionadora desta mesma base de cálculo).

Neste passo, certo é que o abatimento constitucional revela-se como uma

espécie de dedução ulterior e independente ao próprio processo de apuração da base de

cálculo do ICMS. Isto porque, em nenhum momento se relaciona com o procedimento de

determinação da base de cálculo deste tributo, uma vez que, logicamente, se encontra

relacionado com o valor da operação tributada.

Assim, a técnica de cálculo “imposto contra imposto” consiste justamente

na extinção de parcela ou da totalidade da relação jurídica tributária referente ao segundo

ou posterior fenômeno de incidência da regra-matriz tributária da mesma classe,

mediante a aplicação da regra de compensação, desconto ou abatimento de crédito, cujo

respectivo montante a ser compensado, descontado ou abatido corresponde exatamente

ao valor devido a título de tributo em decorrência do primeiro ou anterior fenômeno de

incidência de regra-matriz tributária da mesma classe ou subclasse.

Logo, tomando-se em conta que o momento da aplicação desta técnica

corresponde ao da extinção da relação jurídico-tributária mediante a compensação,

desconto ou abatimento do crédito, resta evidenciada a denominação do método

(subtrativo indireto) uma vez que sua manifestação.

30 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 81.

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Igualmente não se confunde com o processo de lançamento tributário

porquanto é absolutamente irrelevante, no momento desta apuração, o montante do

imposto cobrado em eventuais operações anteriores.

O abatimento é externo, alheio à base de cálculo, ao “elemento quantitativo da hipótese de incidência” (...). O montante da obrigação tributária é fixado pela simples aplicação da alíquota sobre a base: o valor da operação submetida ao tributo. Só em momento lógica e cronologicamente posterior – na eventual fixação da “base liquidable” – é que se cogitará da compensação de outros valores (oponíveis ao ICM devido) destarte, quando já constituído, em grandeza determinada, o crédito tributário desse imposto”, afirmaram CLEBER GIARDINO e GERALDO ATALIBA31.

Assim, é justamente o valor da operação o critério de medida adequado

para confirmar a materialidade em que essa hipótese de incidência consiste. Ademais, e

desta feita, tomando-se em conta esta conclusão há que se registrar que, na hipótese de

suprimido o dispositivo constitucional que disciplina de forma necessária à incidência do

ICMS a aplicação da norma procedimental de compensação orientada pela não-

cumulatividade, não seria possível argüimos a consequente supressão da figura jurídica do

deste tributo.

Isto porque, conforme já visto linhas e por agora confirmado, não integra

(ainda que implicitamente, por meio da redução da base de cálculo do tributo – hipótese

esta que se admite apenas teoricamente uma vez que, alterada a base de cálculo de

qualquer tributo estar-se-ia diante de uma nova figura tributária) a regra matriz do ICMS a

norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade. Assim, “’cumulativo’ ou ‘não-

cumulativo’ sempre se teria o mesmo ICM32”.

Sobre este assunto, ainda, registraram indignados CLEBER GIARDIANO e

GERALDO ATALIBA, ainda nos idos de 1983:

É inacreditável que a doutrina tradicional ainda não tenha percebido que a opção entre incluir, ou não, o abatimento constitucional na base de calculo do imposto (vale dizer, reunir ou

31 Cleber Giardiano e Geraldo Ataliba. ICM – Abatimento constitucional e princípio da não-

cumulatividade.. p. 117. 32 Idem. Ibidem. p. 118.

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não, essas duas realidades num mesmo contexto normativo) – mais que um simples requinte ou refinamento jurídico – é o ponto de partida rigorosamente condicionante de toda a inteligência do tributo. Se Becker afirma que a base de calculo é elemento seguro para identificar a materialidade do fato sujeito à tributação, é de meridiana clareza que fatos diferentes serão “revelados” – deduzidos pela interpretação – na medida em que se pretenda existirem diferentes bases de cálculo. E que, nesse compasso, entre prestigiar o fato da simples realização de “operações com mercadorias” ou o fato da realização de “operação lucrativa com mercadoria” (operação com “valor agregado”) não poderá vacilar o intérprete33.

Em outros termos: o que se busca enfaticamente registrar por ora neste

trabalho é o fato de que o sistema de abatimento do ICMS não possui qualquer relação com

a regra matriz deste tributo, não sendo possível, por esta razão, traçar-lhe qualquer

vinculação com a figura do imposto incidente sobre o valor agregado. Assim o fosse

deveria incidir o ICMS apenas sobre o valor efetivamente “agregado” em cada etapa da

circulação, não se podendo assim, falar em incidência sobre o valor total da operação.

6. Breve síntese

É, pois, justamente aqui o ponto que se pretendeu demonstrar neste

Capítulo: a necessidade de se desvincular a idéia de incidência sobre o valor agregado que

ainda hoje ensina de forma equivocada. Isto porque, como foi possível observar, o que se

verifica quando da operacionalização do sistema de abatimento do ICMS (atualmente

decorrente da aplicação de uma norma de compensação constitucionalmente qualificada)

encerra uma sistemática totalmente diversa daquela verificada na operacionalização do

IVA, uma vez que esta (não-cumulatividade) se encontra ligada não ao “quantum debeatur”

mas sim a “base liquidable” do imposto (no caso o ICMS), ou seja, não se localiza no quanto

devido mas no quanto efetivamente deve ser “pago”.

33 Idem. Ibidem. p. 118.

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A conclusão que se chega importa concluir na necessária retomada à

análise da figura do ICMS prevista na Constituição Federal bem como à regra jurídica da

não-cumulatividade, atentando-se por apontar o fato de que para cumprir com a

finalidade de não onerar de forma excessiva os bens sujeitos a uma cadeia de tributação,

no caso específico do ICMS, a Constituição Federal desenhou a regra matriz deste tributo

contendo um elemento básico: a previsão de aplicação da compensação

constitucionalmente qualificada em decorrência da norma jurídica que disciplina a não-

cumulatividade.

Assim, conforme já visto, o princípio da não-cumulatividade foi sim trazido

com vistas a evitar a oneração excessiva da cadeia produtiva. Logo, a sua ligação com o

“extrajurídico” (o financeiro, econômico e até político) é inegável. Contudo, uma vez

incorporado no mundo jurídico passou a compor este sistema de normas integrando, ato

contínuo, a própria estrutura do ICMS no Brasil.

Logo a aplicação da não-cumulatividade perfaz-se orientação imperativa.

Conforme será demonstrado – especificamente no Capítulo V deste trabalho – inobstante

figurar como sujeito ativo da norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade, o

contribuinte deve posicionar-se diante tal norma observando-a e exigindo sua aplicação

de forma irrestrita, não é passível de sofrer qualquer restrição no que diz respeito à sua

extensão e alcance por meio de outras normas infraconstitucionais, justamente por

configurar parte do desenho constitucional do tributo incidente sobre operações de

circulação de mercadorias e serviços.

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CAPÍTULO II - O DESENHO CONSTITUICIONAL DA NÃO-CUMULATIVIDADE DO ICMS

1. A não-cumulatividade do ICMS na Constituição Federal

O Direito brasileiro apresenta como seu sustentáculo fundamental o

princípio constitucional da reserva da lei (art. 153, §2º da citada Carta), por meio do qual

proclama a máxima de que “ninguém pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”. Trata-se da expressão maior do “nullum tributum sine lege”.

Certo é, pois, que a aplicação deste princípio no campo do direito público,

em especial no Direito Tributário, é ainda mais reforçada uma vez que, via de regra, a

legalidade no direito brasileiro aflora com maior robustez na esfera tributária. Nesse

sentido, inclusive, é a conclusão de ALBERTO XAVIER34:

[...] uma análise, ainda que superficial, do Direito Comparado revela que o Direito brasileiro colocou uma vigorosa ênfase na proclamação do princípio da legalidade em matéria tributária, quando confrontado com outros sistemas jurídicos que não raro se bastam com uma simples cláusula geral do constante no §2º do art. 153.

Neste passo a Constituição Federal, especialmente em matéria tributária,

encontra-se marcada pela tipicidade fundamental e por uma peculiar rigidez, por meio da

qual o legislador ordinário não foi contemplado com a liberdade de inovação, uma vez que

o Texto Constitucional buscou esgotar esta matéria abordando-a de maneira exaustiva.

Desta forma, são nítidos os contornos da discriminação da competência

que a Constituição Federal estabeleceu. Trata-se, de uma imposição imperativa enunciada

à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios no sentido de proibir

(tacitamente) estes entes federativos de exigirem tributos diversos daqueles que lhes

foram ofertados constitucionalmente, ressalvadas apenas a hipótese dos impostos

residuais, cuja competência exclusiva foi oferecida à União. Acerca desta proibição

34 XAVIER, Alberto. Direito Tributário e Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 7.

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implícita, a qual condena à “invalidade” as normas jurídicas produzidas discordância com

os preceitos constitucionais de competência, registrou TÁCIO LACERDA GAMA35:

Com suporte nas idéias de Kelsen, estamos autorizados a afirmar que as normas de competência, em última análise, regulam a conduta de criar outras normas e estabelecem efetiva sanção pelo descumprimento de seus preceitos: a invalidade da norma criada.

Não pretendemos neste trabalho ingressar na análise do conceito e das

implicações relacionadas ao instituto legal da “competência jurídica”, em especial da

competência tributária, vez tratar-se de matéria digna de um trabalho com fins de

exclusividade. Contudo, buscando fixarmos algumas premissas aplicadas nesta

dissertação, valemo-nos novamente das elucidativas palavras de TÁCIO LACERDA GAMA

registradas em sua obra “Competência Tributária”, com o intuito único de fixarmos

algumas premissas relacionadas a esta matéria. Desta maneira, entendemos valioso o

registro de citado autor quando da enumeração dos sentidos desta expressão:

i. por competência entendemos a aptidão para criar normas jurídicas que, direta ou indiretamente disponham sobre a instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos; ii. norma de competência no sentido amplo engloba toda e qualquer proposição que concorra para programar essa aptidão; iii. norma de competência em sentido estrito é o juízo hipotético condicional que prescreve, no seu antecedente, os elementos necessários à enunciação válida e, no seu consequente, uma relação jurídica que tem como objeto a validade do texto que verse sobre determinada matéria ou comportamento; iv. a formação da norma de competência em sentido completo pressupõe reunir, além da norma de competência em sentido estrito, uma norma jurídica que prescreva a sanção pelo exercício ilegítimo daquela, ou seja, a reação do sistema pela criação de norma jurídica sem fundamento de validade36.

Pois bem. Cientes da necessária ressalva de que somente as normas

completas podem ser consideradas elementos do sistema do direito positivo, no presente

trabalho, para fins de maior aproximação ao nosso objeto de estudo (qual seja, a análise da

regra matriz da norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade) tomaremos por

35 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São

Paulo: Noeses, 2009, p. 24. 36 Idem. Ibidem. p. 61-62.

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“competência tributária” o seu sentido completo (item iv acima da transcrição acima), por

meio do qual é possível observarmos, além da relação jurídica de enunciação válida a

sanção de invalidade para as normas editadas sem atenção a esta enunciação.

Isto porque, como visto, os enunciados produzidos com o exercício da

competência têm como finalidade, (...), prescrever condutas de forma mais concreta do que

prescreve a norma superior, sem, contudo, ser incompatíveis com ela37.

Neste passo, veio a Constituição Federal, especificamente em seu artigo

155, disciplinar a competência dos Estados federados bem como do Distrito Federal para a

instituição de seus impostos, dentre eles o veiculado pelo inciso II, qual seja, o imposto

sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

Sendo assim, traçou o Texto Maior, as diretrizes básicas do ICMS, entre elas

o atendimento necessário à disposição contida no §2º, inciso I do citado artigo 155, a qual

prescreve o imperativo constitucional de que o ICMS deverá ser não-cumulativo,

compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou

prestação de serviço com o montante cobrado nas anteriores.

Neste sentido, e com propriedade, cumpre destacar o quanto já registrou

CLEBER GIARDIANO e GERALDO ATALIBA38

O ‘abatimento’ é, nitidamente, categoria jurídica de hierarquia constitucional: porque criada pela Constituição. Mais do que isso: é direito constitucional reservado ao contribuinte do ICMS; direito público subjetivo de nível constitucional, oponível ao Estado pelo contribuinte do imposto estadual. O próprio Texto Constitucional que outorgou ao Estado o poder de exigir o ICM deu ao contribuinte o direito de abatimento.

Constata-se, pois, assim, que a não-cumulatividade – mesmo não compondo

a regra matriz de incidência tributária do ICMS, em consonância ao quanto já tratado no

Capítulo I deste trabalho – ainda assim perfaz elemento necessário para a configuração

37 Idem. Ibidem. p. 97. 38 Cleber Giardino e Geraldo Ataliba. ICM – Abatimento constitucional e princípio da não-

cumulatividade. p. 113.

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constitucional da figura do ICMS. De outro modo: sequer é possível cogitar-se da existência

de um ICMS cumulativo (exceto nas hipóteses constitucionalmente qualificadas) vez que

se estaria diante de tributo diverso do imposto em questão.

Ademais, sobre o assunto, destacou CLELIO CHIESA39:

Muitas são as polêmicas existentes em torno dos créditos de ICMS. Acredita-se que boa parte delas decorre da interpretação equivocada de que o crédito é atributo que pode ou não ser conferido ao ICMS pelo legislador infraconstitucional. Como salientado alhures, o crédito é inerente ao referido imposto, não há um ICMS cumulativo e outro não-cumulativo.

Pois bem. Tais considerações preliminares acerca da norma jurídica que

disciplina o mecanismo jurídico da não-cumulatividade como regra constitucional de

aplicação imediata e necessária, decorre da necessidade de se registrar desde logo neste

trabalho a impossibilidade em se admitir qualquer limitação infraconstitucional a esta

norma jurídica de cunho constitucional.

Isto porque, equivocadamente tem-se constatado a interpretação de que o

§ 2º, inciso XII do artigo 155 do Texto Constitucional teria disciplinado a outorga de

competência à Lei Complementar para que esta (Lei Complementar) então se

pronunciasse e, por conseqüência, disciplinasse acerca das hipóteses que geram ou não

crédito ICMS.

Sendo assim, cumpre esclarecer como premissa necessária ao

desenvolvimento deste trabalho, que as hipóteses veiculadas pelo § 2º, inciso XII do artigo

155 nada mais conferem à norma jurídica procedimental de compensação

constitucionalmente qualificada pela não-cumulatividade senão a outorga de dispor sobre

a forma, periodicidade e o modo como se processará o confronto entre débito e crédito, e

em nenhuma hipótese sobre a possibilidade ou não de outorga ou restrição a apuração

destes.

39 CHIESA, Clélio. Créditos de ICMS: Situações Polêmicas. Congresso Nacional de Estudos

Tributários. Direito Tributário e os conceitos de direito privado. São Paulo: Noeses, 2010, p. 240.

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Logo, tem-se aqui por descabida a interpretação de que o citado dispositivo

constitucional teria concedido à Lei Complementar a possibilidade de disciplinar a

aplicação de um regime, como visto, imperativo (de aplicação imediata e necessária). Logo,

o que se busca demonstrar é que inexistem contradições neste trecho da Constituição. Em

outros termos: não pretendeu a Carta Magna, em um momento, disciplinar acerca da

condição “não-cumulativa” do ICMS e, ato seguinte, ofertar à lei infraconstitucional a

possibilidade de conceituar esta sistemática (apontando as hipóteses que geram e não

geram o crédito de ICMS).

Isto porque a construção da premissa de que à lei infraconstitucional foi

ofertada a possibilidade de disciplinar sobre a não-cumulatividade do ICMS a ponto de

interferir na própria existência deste tributo não se coaduna com nenhum pressuposto

plausível atualmente vigente no direito brasileiro. Desta maneira, fato é que tal construção

interpretativa é contraditora e de impossível aplicação. Como já mencionamos, a função do

inciso XII, § 2º do artigo constitucional 155 foi de disciplinar tão somente a

operacionalização do regime não-cumulativo do ICMS e não “embaralhar” a prescrição

constitucional que reservou para si a exclusividade para abordar a matéria sobre a não-

cumulatividade.

Compartilha do mesmo entendimento HERON ARZUA40:

Ora, o conteúdo do princípio da não-cumulatividade está posto, rigidamente, na Constituição. A mesma Lei maior, entrementes, incumbiu à lei complementar tão-só a fixação do mecanismo, do método, da forma pela qual se implementa o regime da compensação (período considerado, soma algébrica de fatos geradores ocorridos em período, v.g.).

Deste modo, no que concerne ao conteúdo do princípio da não-

cumulatividade, imperioso se faz admitir que o legislador constituinte esgotou a

delimitação dos elementos essenciais e indispensáveis à sua implementação, restando ao

legislador complementar e ordinário a tarefa de disciplinar tão somente a forma de

execução da necessária (visto que de ordem constitucional) compensação.

40 Heron Arzua. Créditos de ICMS e IPI. p. 256.

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Assim, não ficou atribuída ao legislador infraconstitucional a faculdade de

vedar a apropriação dos créditos decorrentes da aplicação da sistemática da não

cumulatividade do ICMS, vez que tais vedações foram exaustivamente disciplinadas pelo

próprio legislador constituinte, conforme se observa das hipóteses legais veiculadas pelas

alíneas a e b do inciso II, § 2º do Texto Constitucional. Àqueles (legislador complementar e

ordinário), pois, restou apenas a competência legal para determinar a operacionalização

deste procedimento, conforme bem ponderou JOÃO TRONCOZO Y TRONCOZO41:

Enganam-se, rotundamente, aqueles que acreditam que a lei complementar poderá reger in totum, o princípio da não cumulatividade emergente do texto constitucional. Como bem salienta Sacha Calmon Navarro Coelho, a lei complementar apenas poderá “dispor sobre a forma de aproveitar o crédito”. Não se tem a menor dúvida que ao legislador complementar competente, única e exclusivamente regular a fruição de tal desiderato constitucional, sendo-lhe vedada a alteração da essência do sistema da não cumulatividade. Igualmente, ainda que seja em convênios, os Estados membros não podem contraria esta prerrogativa constitucional.

Assim, diante do que foi exposto, necessária se impõe a conclusão no

sentido de confirmar que o instituto da não-cumulatividade decorre de uma criação

constitucional. Decorresse simplesmente de norma infraconstitucional, admitir-se-ia sua

redução ou supressão, todavia, por tratar-se de norma constitucional, à lei (que não

advinda da constituição) não é dado interferir em seu significado, conteúdo ou alcance.

Por esta razão, em face de cada operação ou prestação é garantida pela

Constituição Federal uma dedução (um abatimento operacionalizado por meio de uma

norma de compensação constitucionalmente qualificada) pela qual é possível reduzir-se o

valor cobrado a título de ICMS nas operações anteriores do valor a ser pago nas operações

subseqüentes.

Logo, o que se observa é o que o Texto Maior atribuiu uma garantia

irrestrita ao contribuinte do ICMS, qual seja: a garantia de fruir do mecanismo da não-

41 TRONCOZO. João Troncozo y. “ICM: Não cumulatividade”. In Revista de Direito Tributário. São

Paulo: Revista dos Tribunais, n. 25-26, p. 272.

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cumulatividade sem outras reservas ou condições além daquelas já expressamente

disciplinada pelos incisos I e II do § 2º, artigo 155.

Em sendo assim, e uma vez admitida a diretriz constitucional que orienta e

regulamenta a regra da não-cumulatividade, passamos, pois, a identificar a natureza

jurídica desta regra no interior do texto normativo constitucional.

2. O conteúdo axiológico da não-cumulatividade

É certo que a doutrina e a jurisprudência empregam a expressão

“princípio” com mais de um significado, o que apenas reforça a idéia de plurivocidade

deste termo. PAULO BONAVIDES42 resumindo o pensamento de RICARDO GUASTINI

descreve seis conceituações para o termo “princípio” apontadas pelo autor italiano, quais

sejam: (i) normas providas de alto grau de generalidade, (ii) normas providas de alto grau

de indeterminação; (iii) normas de caráter programático; (iv) normas cuja posição na

hierarquia das fontes de Direito é muito elevada; (v) normas que desempenham uma

função importante e fundamental no sistema jurídico ou político considerado e (vi)

normas dirigidas aos órgãos de aplicação, cuja função é fazer escolhas dos dispositivos ou

das normas aplicáveis aos diversos casos.

Neste passo observamos que, pelas premissas adotadas para o

desenvolvimento deste trabalho (no qual o direito positivo foi tomado como um conjunto

de normas jurídicas) não é possível concebermos da possibilidade de existência de outras

categorias jurídicas estranhas à classe das normas jurídicas. Desta forma, qualquer

acepção adotada para o termo “princípio jurídico” não deve ser outra senão aquela que o

qualifica como espécie de norma jurídica.

Dotado da mestria que lhe é peculiar, assim registrou PAULO DE BARROS

CARVALHO43:

42 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 230-

231. 43 Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. p. 253.

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O corolário natural de tudo quanto se expôs é que o direito positivo, formado unicamente por normas jurídicas, não comportaria a presença de outras entidades como, por exemplo, os princípios. Estes não existem ao lado de normas, co-participando da integridade do ordenamento. Não estão ao lado das unidades normativas, justapondo-se ou contrapondo-se a ela. Acaso estivessem seriam formações lingüísticas portadoras de uma estrutura sintática. E qual é a configuração lógica? Ninguém certamente saberá responder a tal pergunta porque “princípios” são “normas jurídicas” carregadas de forte conotação axiológica. É o nome que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica.

Logo, confirmado nosso posicionamento sobre a classificação aplicada aos

princípios jurídicos (a qual toma estes como espécie de norma jurídica portadora forte

carga valorativa), cumpre destacar a forma de identificação e diferenciação entre uma

norma jurídica “geral” e uma norma jurídica dotada de “forte carga axiológica”, esta última

também conhecida pelo nome de “princípio jurídico”.

Sendo assim, para identificarmos tratar-se ou não de um princípio, não será

possível empreendermos uma análise restrita apenas aos planos sintático e semântico do

objeto analisado (norma jurídica). A eleição das normas à classe dos “princípios jurídicos”

dependerá de uma análise conjunta e necessária do plano pragmático em que se

encontram inseridas estas normas. Neste sentido, inclusive, advertiu EDVALDO BRITO

que: “o conteúdo semântico do ‘princípio’ é o de um critério elaborado pela ‘pragmática’

(comportamental) da comunicação jurídica e utilizado como base para o discurso

deôntico44”.

Deste modo, no intuito de atribuirmos a uma norma jurídica a qualidade de

“princípio” se faz necessário inserirmos mencionada norma em um contexto fático por

meio do qual seja possível avaliarmos a carga valorativa atribuída pelas partes que se

encontram diretamente relacionadas a uma situação fática específica. Ou seja: a depender

do contexto, de coordenadas temporais e espaciais, em que se encontra inserida

determinada norma jurídica poderá esta ser alçada à categoria de princípio jurídico.

44 BRITO, Edvaldo. “O ICMS: restrições à compensação do ICMS – bens do ativo e bens destinados a

consumo do estabelecimento”. In O ICMS e a LC 102. São Paulo: Dialética, 2000, p. 52.

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Vejamos, exemplificativamente, o quanto se pretende afirmar: até 2005,

quando restou revogado o artigo 240, disciplinava o Código Penal a previsão segunda a

qual incorria-se em crime juridicamente disciplinado a prática do adultério. Isto porque,

havia o sistema jurídico brasileiro elegido à citada época a “honestidade” e a “monogamia”

como elementos relevantes para a manutenção da ordem jurídica brasileira. Assim,

naquele contexto, foi erigido à qualidade de princípio jurídico a manutenção do casamento

e da monogamia.

Trata-se, pois, da eleição, pela pragmática, de uma norma jurídica ao posto

de um princípio jurídico. Tal eleição, como visto, depende necessariamente da carga

valorativa deposita na norma jurídica preexistente. Nesta mesma direção igualmente já

havia registrado PAULO DE BARROS CARVALHO45:

Toda vez que houver acordo, ou que um número expressivo de pessoas reconhecerem que a norma N conduz um vector axiológico forte, cumprindo papel de relevo para a compreensão de segmentos importantes do sistema de proposições prescritivas, estaremos diante de um princípio.

Registra-se, ademais, que não se pretende com a explicação por ora

desenvolvida retirar das demais normas jurídicas (daquelas não alçadas à classe dos

“princípios”) o conteúdo axiológico que todas, indistintamente, possuem. Todas as normas

jurídicas, por decorrerem de um processo necessário de interpretação de um texto bruto

(enunciado prescritivo) possuem, ainda que mínima, uma carga valorativa. Isto porque, de

acordo com o quanto lecionou LOURIVAL VILANOVA46, o ato de valoração é encontrado

tanto na escolha das propriedades que irão compor a hipótese normativa, como também

na prescrição da relação jurídica que está no consequente normativo.

Tal assertiva fica ainda mais clara na medida em que entendemos o direito

como um objeto cultural, produzido para alcançar certas finalidades, ou seja, certos

valores que a sociedade deseja ver implementar e, para isso, o legislador recorta do plano

social as condutas que pretende regular valorando-as com o sinal positivo da licitude e 45 CARVALHO, Paulo de Barros. “Sobre princípios constitucionais tributários”. In Revista de direito

tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 55, p. 149. 46 “O fato se torna fato jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que

é a hipótese. E o que determina quais propriedades que entram, quais não entram, é o ato-de-valoração que preside à feitura da hipótese da norma” (LOURIVAL, Vilanova. As estruturas lógicas e do sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p. 89.)

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negativo da ilicitude ao qualificá-las como obrigatórias, permitidas ou proibidas. Nestes

termos, o valor é inerente ao direito.

Contudo, é importante termos em mente a existência de uma diferença

elementar entre o fim pretendido pelo direito e a forma pela qual este (o direito) se utiliza

para atingir mencionado fim. Isto porque, os princípios jurídicos não encerram o fim em si

mesmo mas, como já dito, um instrumento utilizado pelo direito atingir o valor

pretendido. Assim, na qualidade de instrumento por meio do qual se busca atingir um

valor os princípios jurídicos encerram, na verdade, “limites objetivos”. É de PAULO DE

BARROS CARVALHO47 a definição para o termo “limites objetivos”:

Atente-se, porém, para o seguinte: os “limites objetivos” são postos para atingir certas metas, certos fins. Estes, sim, assumem o porte de valores. Aqueles limites não são valores, se os considerarmos em si mesmo, mas voltam-se para realizar valores, de forma indireta, mediata.

Necessária diferenciação se justifica na medida em que não se pode

perceber nem comprovar os valores. A discussão sobre valores encontra-se imersa no

campo das subjetividades intrapessoal de cada indivíduo sendo impossível discorrer sobre

eles. Quando exteriorizamos o valor no direito como fim a ser alcançado e identificamos

quais são os componentes do sistema jurídico (normas jurídicas) que auxiliam de forma

direta a obtenção destes fins, colocamo-nos diante do estudo dos princípios jurídicos.

Desta feita, a não-cumulatividade, inobstante princípio, não pode ser

considerada um valor propriamente dito. Trata-se, isto sim, de um limite objetivo voltado

ao alcance de determinados valores, a exemplo do valor “justiça da tributação”, o valor

“capacidade contributiva do administrado”, ou ainda “uniformidade na distribuição da

carga tributária”, dentre outros. Logo, direcionado a atingir uma determinada finalidade

diferenciadamente valorada pelo direito a não-cumulatividade encerra uma norma

jurídica tida na classe especial dos limites objetivos.

47 Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. p. 163.

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3. O princípio jurídico da não-cumulatividade e os fundamentos

econômicos que motivam sua regulamentação pelo direito

Como visto no item anterior, o princípio jurídico da não-cumulatividade foi

instituído com a finalidade de atingir determinados valores que elegeram como relevantes

a sociedade brasileira. Assim, a fim de que se preservasse, dentre outros, a neutralidade

fiscal, a qual, por sua vez, encontra-se relacionada intimamente com a livre concorrência

econômica, inseriu o direito em sua Constituição Federal a norma que sistematiza e

prescreve a não-cumulatividade do ICMS.

A princípio, em decorrência do fim materialmente econômico que se pôs a

realizar, muitos confundiram (de forma equivocada) classificar-se a não-cumulatividade

uma espécie de mecanismo econômico direcionado a evitar a tributação cumulativa

(também conhecida por “tributação em cascata”). Fato é, contudo, que inobstante o seu

conteúdo direcionado ao alcance de uma finalidade econômica, não se pode admitir seja

ignorada sua natureza precipuamente jurídica, vez que inserta tal técnica no próprio Texto

Constitucional. Neste mesmo sentido registrou GILBERTO DE ULHOA CANTO48:

A não-cumulatividade do ICM não é apenas um fenômeno econômico ou financeiro, embora sejam desta índole alguns de seus fundamentos. É também, e principalmente, fenômeno jurídico a partir de quando a Constituição a enuncia como característica do tributo, que em virtude dela não poderá ser instituído e cobrado ‘em cascata’.

Tem-se certo, pois, que os cortes cognoscitivos realizados para fins de

estudo do direito positivo, por serem de natureza epistemológica e se destinarem

exclusivamente para o fim de aproximação do objeto estudado, não possuem o condão de

interferir na composição do sistema jurídico vez que se localizam fora deste, encontrando-

se na linguagem da ciência do direito e não no direito positivo propriamente dito. Logo,

tais cortes não possuem o condão de inovar no sistema do direito (justamente por sequer

fazerem parte deste sistema).

48 CANTO, Gilberto de Ulhôa. “ICM: não-cumulatividade – estorno de crédito”. In Revista de Direito

Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais. n. 9-10. p. 229.

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Contudo, não se pode esquecer que a sugerida separação didática é sempre

construída artificialmente e em conformidade ao recorte realizado pelo cientista. Tal

ressalva se faz necessária uma vez que todas as normas encontram-se relacionadas entre

si, de forma que tentar isolar regras jurídicas, como se prescindissem da totalidade do

conjunto, seria simplesmente ignorar o direito enquanto sistema.

Sobre este aspecto inclusive, ALFREDO AUGUSTO BECKER destacou que a

separação dos diversos ramos do Direito encerra uma faculdade exclusivamente didática

“pela simples razão de não poder existir regra jurídica independente da totalidade do

sistema jurídico, a autonomia (no sentido da independência) de qualquer ramo do direito

positivo é sempre e unicamente didática49".

Ademais, acerca do tema analisado (acerca da unicidade do sistema

jurídico como referência para qualquer corte epistemológico que se busque empreender)

cumpre destacar as palavras de LOURIVAL VILANOVA50:

As proposições normativas integrantes do sistema jurídico têm o mais variado conteúdo. São formas que se saturam com referências a fatos-do-mundo. A unidade do sistema jurídico é formal. Não provém da homogeneidade de uma região de objetos. (...) O que interliga proposições normativas tão variadas em conteúdo é o fundamento-de-validade que cada um tem no todo.

Tais ponderações se fazem oportunas no presente trabalho uma vez que o

que se pretende esclarecer é o fato de que, inobstante o corte epistemológico realizado

para a análise do artigo 155, §2º, inciso I da Constituição Federal, por meio do qual é

possível fazermos uma digressão analítica com vistas a identificar a finalidade deste

dispositivo constitucional (finalidade esta que, dentre outros, também abrange interesses

econômicos), não se pode tomar este dispositivo legal “apartado” de todo o sistema

jurídico em que se encontra inserido. Esta é, pois, a postura daqueles que buscam

classificar a não-cumulatividade como uma espécie de mecanismo econômico e não

jurídico.

49 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4ª Ed. São Paulo: Noeses, 2007, p.

31. 50 Lourival Vilanova. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. p. 156.

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Ora, justamente por restar disciplina no ordenamento, tem-se por jurídica a

norma que disciplina a compensação constitucionalmente qualificada relacionada à

operacionalização da não-cumulatividade. Tratar esta norma jurídica de forma diversa

(desconsiderando a sua natureza) é simplesmente ignorar o sistema jurídico que a prevê.

Neste sentido, valemo-nos novamente as ponderações apontadas por CLEBER GIARDIANO

e GERALDO ATALIBA51:

Por aí se vê que o chamado “princípio da não-cumulatividade do ICM” acaba resolvendo-se, em termos jurídicos – porque jurídica é a sua vocação – num singelo direito de abater; um simples direito de abatimento. Se esse mecanismo jurídico eventualmente conduz à economicamente chamada “não-incidência-em-cascata” tanto melhor (a obra constituinte, nesse caso, terá coincidido com a suposta vontade do seu autor). O reconhecimento do contrário, todavia, não poderá repugnar ao intérprete e aplicador, que encerra nos lindes do alcance normativo o objeto de sua análise.

Logo, tem-se certo que os fundamentos de ordem econômica que

motivaram a inclusão do princípio da não-cumulatividade no direito brasileiro são

importantes na medida se busca analisar tal princípio sob a óptica da Ciência do Direito.

Contudo, registrar-se novamente a impossibilidade de descaracterização deste princípio

como sendo de natureza jurídica tomando por base simplesmente os motivos que levaram

a edição deste dispositivo legal.

4. Exceções constitucionais ao princípio da não-cumulatividade

Ofertando seguimento à análise do desenho constitucional conferido pelo

Texto Maior à figura tributária do ICMS, passa-se agora a tratar das exceções qualificadas

relacionadas à aplicação da regra da não-cumulatividade.

Neste passo, prescrevem as alíneas a e b, §2º, inc. I, do art. 155, da

Constituição Federal tratarem-se as hipóteses de isenção ou não-incidência limitações

qualificadas à utilização do mecanismo de compensação enunciado pela não-

cumulatividade, motivo pelo qual a ocorrência destas hipóteses não implicar[ão] em 51 Cleber Giardino e Geraldo Ataliba. ICM – Abatimento Constitucional. p. 115.

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crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes

[bem como] acarretar[ão] a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Fato é, contudo, que tais restrições merecem ser analisadas com cuidado

(cuidado este muitas vezes ignorado pelos Fiscos Estaduais) uma vez que a interpretação

equivocada deste dispositivo encontra-se intimamente relacionada ao desvirtuamento da

finalidade da norma que estabelece a sistemática da não-cumulatividade.

Neste sentido, bem alertou TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR52:

Ora, as regras do inciso II, alíneas a e b conflitam com aquele princípio [principio da não-cumulatividade], ao estabelecer que a isenção e a não-incidência não implicam crédito relativamente às operações seguintes e acarretam a anulação no que concerne às anteriores. Em face disto indaga-se se é possível duas normas de uma mesma Constituição conflitarem entre si.

Diante de tal questionamento, e com vistas a justificar a coexistência

pacífica entre a regra geral da não-cumulatividade e suas exceções (que por ora serão

analisadas) há que se entender, preliminarmente, tratar-se o Texto Constitucional uma

unidade sistêmica de normas, unidade esta que se encontra estruturada com vistas à

atingir fins comuns (em uma verdadeira estrutura teleológica das normas jurídicas).

Em outros termos: em face da unidade de sentido que se encontra

estruturada a Constituição Federal, unidade esta que não deriva apenas da simples

organização de suas normas, mas possui uma estruturação teleológica (finalística), se

poderia admitir a coexistência de normas a priori contraditórias a exemplo da norma

jurídica que tem por finalidade afastar a cumulatividade do ICMS e a sua limitação, como

forma de expressão da contrariedade no texto constitucional.

Neste ponto cumpre por bem explicar a diferença entre os conceitos de

contraditoriedade e contrariedade. Tem-se, pois, na primeira hipótese (contraditoriedade)

um conflito entre duas normas com operadores deônticos opostos (exemplo: uma permite

e a outra proíbe). Nesta espécie de embate, uma norma anula a outra e, por esta razão, a

contraditoriedade não pode ser admitida no texto constitucional.

52 Tércio Sampaio Ferraz Junior. ICMS: não-cumulatividade e suas exceções constitucionais. p. 19.

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Por seu turno, a contrariedade igualmente se verifica em razão de uma

oposição entre operadores deônticos ou o próprio conteúdo de norma, opostos, todavia

este confronto é tão somente parcial. Assim, a hipótese de limitação à regra da não-

cumulatividade não invalida, em seu todo esta regra. Em outros termos: A

contraditoriedade implica que as duas normas nunca podem ser aplicadas simultaneamente.

Já a contrariedade implica que, em face de certas condições, a aplicação simultânea é

impossível, sendo possível em face de outras53.

Sobre mencionado conceito lógico registramos os ensinamentos de

ECHAVE, URQUIJO e GUIBOURG54 no clássico livro LÓGICA, PROPOSICIÓN Y NORMA:

As leis da contradição, pois, enunciam que uma ação no pode ser obrigatória quando se permite a sua omissão, e que tão pouco podem estar proibida e permitida (ao mesmo tempo): se é obrigatório pagar as dívidas, não pode estar permitido no pagá-las; e se está proibido fumar não pode estar, por sua, permitido a fazê-lo. A formulação das leis de contradição (...) se parece muito com a lei da contrariedade. Isto pode suscitar alguma perplexidade, já que a contrariedade e a contradição se diferenciam precisamente em um ponto que não aparecem em suas fórmulas (lógicas): duas proposições contrárias podem ser ambas falsas [ou verdadeiras], no entanto, de duas contraditórias uma só há de ser verdadeira.

Deste modo, a hipótese de exceção à norma da não-cumulatividade

configuraria uma situação de antinomia parcial, uma vez que a aplicação da não-

cumulatividade inibiria em sua totalmente as alíneas a e b enunciadas pelo §2º do inciso II

do artigo 155 da Constituição. Em contrapartida, a aplicação das citadas alíneas inibiria

53 Idem. Ibidem. p. 22. 54 “Las leyes de contradicción, pues, enuncian que uma acción no puede ser obligatoria cuando se

permite su omissión, y que tampoco puede estar a la vez prohibida y permitida: si es obligatório pagar y si está prohibido fumar no puede estar permitido no pagarlas; y si está prohibido fumar no puede estar a la vez permitido hacerlo.

La formulación de lãs leyes de contradicción (...) se parece mucho a la de la ley de contrariedad. Esto puede suscitar alguna preplejidad, ya que la contrariedad y la contradicción se diferencian

precisamente em un punto que no aparece em esas fórmulas: dos proposiciones contrarias pueden ser ambas falsas, em tanto de dos contradictorias uma y solo uma há de ser verdadera”. (ECHAVE, Delia Teresa; URQUIJO, María Eugenia e GUIBOURG, Ricardo A. Lógica, proposición y norma. 7ª reimpresión. Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma. 2008. p. 132).

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apenas parcialmente a regra constitucional da não-cumulatividade em uma típica hipótese

de exceção disciplinada pelos critérios da lei especial.

Em sendo assim, e por tratar-se justamente de caso excepcional, o critério

da especialidade não deve ser aplicado mecanicamente, mas exige a presunção de que a

exceção (o caso especial) não crie um privilégio nem crie uma iniqüidade. Está-se pois por

preservar o mecanismo da igualdade, tendo em vista a situação especial em que se

encontra o sujeito ou o objeto excepcionado sendo exatamente por isso que a exceção é

aberta.

Nestes termos, o sentido correto das normas contidas nas referidas alíneas a e b só pode ser o de que elas não estão a derrogar o princípio da não-cumulatividade, mas sim a caracterizar situações em que, da aplicação desse princípio, resultaria uma situação tecnicamente indesejável e normativamente injusta55.

Em sendo assim, é certo que as exceções à incidência da norma jurídica que

disciplina a sistemática da não-cumulatividade implicam no necessário reconhecimento de

que existirá, ainda que excepcionalmente, um ICMS cumulativo.

Cumpre desde já registrar um adendo ao desenvolvimento da idéia

apresentada com a finalidade de chamarmos a atenção para uma questão de denominação

dos conceitos utilizados para referir-se ao conteúdo das alíneas a e b por ora tratadas.

Neste sentido, abre-se um parêntese para identificarmos o significado das palavras

“exceção” e “limitação” com vistas a apontarmos qual dos citados termos melhor poderá

ser empregado para definir o conteúdo do dispositivo normativo veiculado pelo artigo

155, inciso II, §2º, alíneas a e b. Neste ponto, apresentamos a definição para ambos os

conceitos:

EXCEÇÃO. 3. Inspirando-se na valorização existencialista das situações-limites, Schmitt insiste no alcance metodológico e epistemológico do chamado “estado de exceção” (Ausnahmezustand), vendo nele a chave de compreensão da normalidade: “A exceção é mais interessante que a normalidade. Esta última não prova nada, a exceção prova tudo; não só confirma

55 Tércio Sampaio Ferraz Junior. ICMS: não-cumulatividade e suas exceções constitucionais.. p. 23.

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a regra: a própria regra vive só da exceção” (Teologia política, trad. it. em Le categorie del ‘politico’, Il Mulino, Bolonha, 1984, p. 41). Com base nessa teoria, Schmitt afirma que é apenas o estado de exceção que se manifesta a natureza da soberania e a essência dos direitos. De fato, o soberano é precisamente aquele que tem a prerrogativa de decidir sobre o estado de exceção: “a decisão distingue-se da norma jurídica, e [...] a autoridade mostra que não precisa de direito para criar direito” (ibid., p. 40)56. LIMITAÇÃO. Na lógica do século XVII, começou-se a chamar desse modo aquilo que na lógica medieval era chamado de restrição (...): a redução de um enunciado a um significado mais restrito. Segundo Jungius: “Diz-se que um enunciado sofre limitação quando é substituído por outro enunciado que declare que o predicado convém ao sujeito mediante uma de suas partes ou acidente, e não imediatamente. Por exemplo: ‘o etíope é branco’ é limitado por ‘o etíope é branco nos dentes’”(Logica hambruguensis, 1638, II, 8, 8). Woff expressa-se no mesmo sentido, mas faz a distinção entre proposição restritiva e limitada, porquanto a limitação é assumida ab intrínseco, isto é, no próprio sujeito, como no caso do enunciado sobre o etíope, ao passo que a restrição é assumida ab extrínseco, como no enunciado “o ar é leve no que diz respeito aos fluidos” (Log. § 1106)57.

Diante das definições acima expostas, tem-se certa a conclusão de que as

alíneas ‘a’ e ‘b’ veiculadas pelo artigo 155, §2º, inciso II da Constituição Federal

disciplinam espécie de exceções constitucionais à norma jurídica (regra geral) da não-

cumulatividade. Isto porque, nas citadas hipóteses legais, não estamos limitando no

interior de um conjunto a aplicação da não-cumulatividade e constituindo, por esta razão,

um outro conjunto específico (que não se “encaixa” no conjunto das normas não-

cumulativas justamente por se tratarem de normas cumulativas). Ao contrário. Citados

dispositivos legais (alíneas a e b), justamente por excepcionarem a regra geral que orienta

a compensação dos créditos fiscais com a finalidade de se atingir a neutralidade fiscal de

uma cadeia plurifásica de apuração dos tributos, justamente se prestam para confirma a

regra geral da não-cumulatividade.

Pois bem. Retornando-se a conclusão anteriormente observada (qual seja, a

existência de um ICMS cumulativo), reconhece-se aqui tratar tal conclusão ousada uma vez

56 Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia. p. 463. 57 Idem. Ibidem. p. 707-708.

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que a doutrina é quase uníssona ao afirmar ser intrínseca à figura do ICMS a qualidade

não-cumulativa. Ocorre que, diante dos fatos acima expostos e conforme já foi e

novamente ainda será reiterado neste trabalho, não se pode dizer que a não-

cumulatividade encerra elemento necessário para a identificação do imposto aqui tratado.

Não obstante sua relevantíssima importância para a correta identificação e aplicação deste

tributo, justamente por ser tratar de um mandamento constitucional, é também

constitucional encerra a hipótese legal que prevê expressamente a possibilidade de

existência de um ICMS cumulativo.

Desta forma, é certo que a não-cumulatividade busca atender a fins

econômicos, constituindo-se, deste modo, espécie de diretriz constitucional para a política

fiscal do Estado brasileiro. Neste sentido, a opção do Constituinte por um imposto não-

cumulativo responde obviamente a problemas gerados pela cumulatividade dos impostos

multifásicos, no que diz respeito aos efeitos econômicos de uma política tributária.

Por estas razões, impõe-se concluir que a opção do constituinte em adotar

o princípio da não-cumulatividade não resulta de uma inércia repetitiva e conservadora,

mas é uma imposição de uma principiologia constitucional, sendo certo que tal conclusão

implica em admitirmos conseqüências importantes para o correto entendimento das

referidas alíneas a e b, qual seja: o ICMS cumulativo conforme será analisado a seguir.

4.1. A exceção à regra: o ICMS cumulativo

Pois bem. Diante das considerações acima propostas, certo é que as alíneas

a e b do artigo 155, § 2º, inc. II, da Constituição Federal, em decorrência da vedação

(constitucional) à apropriação dos créditos de ICMS dão origem a um ICMS fundado em

raízes cumulativas.

Isto ocorre porque, uma vez vedada (nas hipóteses de operações isentas ou

não tributadas) a possibilidade de compensação dos créditos incorridos em operações

anteriores e inseridos em uma cadeia plurifásica de circulação de mercadorias, fato é que

toda a sistemática da não-cumulativa é interrompida passando a identificar-se nestas

hipóteses a cumulação do tributo recolhido anteriormente. Nestes casos, o que se

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pretende demonstrar é que a restrição total à tomada de créditos pelo adquirente

imediatamente posterior àquele cuja operação era tida por isenta ou não-tributada implica

em classificar como “cumulativo” o tributo aqui tratado. Senão vejamos esquematicamente

o que se pretende destacar:

• Hipótese de uma cadeia plurifásica sem isenção:

A -------------------------- B -------------------------- C -------------------------- D

100 x 17% 120 x 17% 144 x 17%

17 20,4 - 17 24,48 - 20,4 Total de ICMS

3,4 4,08 24,48

• Hipótese de uma cadeia plurifásica com isenção e sem o abatimento do valor

anteriormente já recolhido:

A -------------------------- B -------------------------- C -------------------------- D

100 x 17% 120 144 x 17%

17 isenta 24,48 Total de ICMS

24,08 41,48

Observa-se do esquema acima que, nas hipóteses constitucionalmente

qualificadas de restrição à utilização do crédito de ICMS já recolhido nas etapas anteriores

da cadeia plurifásica está-se diante da cumulação deste tributo, resultando na apuração de

um ICMS muito superior à cadeia em se operou a norma jurídica não-cumulativa.

Desta feita, deparamo-nos, pois, com a seguinte questão: a identificação da

motivação que orientou o constituinte para editar um dispositivo legal que justamente vai

de encontro ao quanto já verificado neste trabalho: a finalidade ínsita ao princípio da não-

cumulatividade. Em outros termos: por qual razão buscou-se, nas hipóteses de isenção e

não incidência restringir a operacionalização da sistemática não-cumulativa se, com tal

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medida, deixa-se de atender à ao conteúdo axiológico da neutralidade fiscal dentre outros

fundamentos efetivamente atingidos quando da operacionalização da não-

cumulatividade?

Fato é que, se pretendeu o contribuinte com esta restrição à norma geral da

não-cumulatividade evitar suposta “cumulação” de “benefícios” fiscais, por certo não

logrou hesito. Isto porque entendemos trata-se ambos os “benefícios” direcionados ao

atendimento de finalidades diversas. De fato, a não-cumulatividade, como visto, busca

evitar a oneração desmedida da cadeia produtiva e garantir que o tributo cobrado em uma

cadeia plurifásica não interfira no preço final da mercadoria que será comercializada

(questão relacionada à neutralidade fiscal tratada já tratada no capítulo anterior).

Por sua vez, as hipóteses de imunidade e isenção possuem finalidade

diversa, intrinsecamente extrafiscal e por meio da qual o ente tributante, buscando

intervir de forma positiva ou negativa na produção de determinado bem ou serviço

retirar-lhe a incidência do tributo de sua competência com vistas a garantir um

incremento no desenvolvido desta atividade.

Desta feita, é certo que os objetivos de ambos os “benefícios” são diversos,

motivo pelo qual não se justificaria tal explicação. Contudo, fato é que a limitação

constitucional ao direito à não-cumulatividade nas hipóteses de verificada a isenção ou

não-incidência do tributo implicam no reconhecimento, como já visto, de um ICMS

cumulativo.

5. Demais exceções à regra da não-cumulatividade

De grande importância, ademais, se faz registrar neste trabalho que apenas

se pode admitir a limitação à não-cumulatividade nas hipóteses de previsão constitucional

(hipóteses estas abordadas no tópico anterior deste trabalho). Em outros termos: o

exercício dos poderes normativos no Brasil é sempre circunscrito pela Constituição

Federal, sendo certo que, no que concerne à regulamentação da não-cumulatividade,

restou esta já exaustivamente disciplinada.

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Ora, o descompasso entre uma norma inferior e a Constituição Federal é,

como já visto, inadmissível na forma pela qual se estrutura o sistema jurídico brasileiro.

Constatada a ocorrência deste descompasso, está-se, pois, diante de uma hipótese de

inconstitucionalidade, a qual deverá ser classificada como formal ou material.

Diz assim tratar-se de uma inconstitucionalidade formal quando há vícios

com a edição da norma infraconstitucional. Tais hipóteses são verificadas quando de

edição por órgão ou pessoa incompetente o sem a observância do procedimento previsto

em lei. Por sua vez, tem-se a situação de uma inconstitucionalidade material nos casos em

que o conteúdo da norma inferior é incompatível com qualquer regra constitucional.

Neste sentido, asseverou ROQUE ANTONIO CARRAZZA58:

Há portanto limites materiais e formais à edição das normas

jurídicas em geral. De fato, seu conteúdo e o modo pelo qual são

produzidas não podem atropelar a Constituição, sob pena de,

como ensina Norberto Bobbio, serem declaradas ilegítimas e

expulsas do sistema.

Por seu turno, independentemente se material ou formal a

inconstitucionalidade, justamente por contestar a supremacia da Constituição Federal

produz a mesma conseqüência jurídica: a expulsão da norma inconstitucional do sistema

jurídico.

Enfim, certo é que, a exceção das limitações à não-cumulatividade

constitucionalmente elencadas, o princípio da não-cumulatividade do ICMS, plasmado pela

Constituição, não pode ter seu alcance diminuído ou anulado por normas

infraconstitucionais nem, muito menos, pelo labor exegético.

Tal posição encontra-se avalizada, de longa data, pelo STF. A título exemplificativo podemos citar o julgamento do Plenário desta corte proferido no RE 70.336-SC (DJU 12.05.1971). Do voto do então relator, Min. Aliomar Baleeiro, extraímos a seguinte passagem, que bem esclarece o alcance do princípio da não-cumulatividade no ICMS: “Se, por motivo constitucional, há de ser

58 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 323-324.

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abatido, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores, lei estadual que limita o abatimento a ser feito é, data vênia, às declaradas, inconstitucional, inexistindo para convalescê-la qualquer justificativa. De forma alguma a lei autoriza o Estado a reter o crédito do contribuinte para, quando lhe aprouver, em outra operação, vir a fazer a compensação. Ao contrário: a Lei Maior determina, peremptoriamente, categoricamente, que em cada operação abata-se o montante nas anteriores59.

Logo, diante do que até aqui expusemos, é fácil percebemos que quaisquer

restrições em relação ao princípio da não-cumulatividade do ICMS só podem advir do

Estatuto Supremo. Assim, apenas é possível admitirmos o ICMS no modelo cumulativo nas

hipóteses já elencadas neste trabalho (justamente por se tratarem tais hipóteses previstas

constitucionalmente no mesmo texto legal em que a regra – não-cumulatividade – também

o é). Qualquer outra tentativa de restrição ao aproveitamento crédito decorrente desta

técnica de operacionalização resultará na limitação inconstitucional da norma jurídica que

disciplina a não-cumulatividade.

6. Da exceção à aplicação da sistemática da não-cumulatividade e o

direito ao crédito escritural

Assim, conforme verificado nos tópicos acima, inobstante o necessário

reconhecimento da existência de limitações constitucionais a aplicação do princípio da

não-cumulatividade não se poderá estender essa conclusão à questão relacionada ao

crédito escritural.

Em outros termos: inobstante a impossibilidade da compensação

constitucionalmente plasmada como regra geral para a apuração e aplicação do ICMS, tem-

se certo que tal postura em nada “abala” a existência e o registro dos créditos tributários.

Estes, por se tratarem de formalidade escritural em nada não se estendem à limitação da

compensação tratada linhas acima.

59 Idem. Ibidem. p. 329.

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Inobstante a impossibilidade de utilização destes créditos escriturais senão

para a compensação prevista na norma geral da não-cumulatividade (conforme será

abordado no próximo capítulo) uma das questões que se pretendemos registrar neste

trabalho reside justamente na diferenciação existente entre “crédito-escritural” (aqui

também chamado de “direito ao crédito”) e o procedimento em si para a operacionalização

da não-cumulatividade. É o que se passa a demonstrar no capítulo a seguir.

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CAPÍTULO III – O DIREITO AO CRÉDITO DE ICMS

1. O Direito ao crédito como conseqüência da aplicação da norma da

não-cumulatividade

Ofertando seguimento a um dos intentos deste trabalho, passa-se agora a

empreender a necessária elucidação acerca dos conceitos de “direito (do sujeito passivo

da regra matriz de incidência tributária) ao crédito” e “não-cumulatividade”, expressões

estas objeto de grandes confusões conceituais, e por vezes (e como conseqüência),

tratadas como sinônimos.

Neste sentido, o que se pretende por ora demonstrar é que não se pode

admitir tal confusão: uma coisa é o crédito tributário a que tem direito aquele que “recebe”

bens ou serviços tributados pelo ICMS, o que não se confunde com o procedimento de

compensação decorrente da aplicação da hipótese constitucional da não-cumulatividade.

Isto porque, a importância em se diferenciar ambos os termos implicará em

conclusões importantes e fecundas para a análise da correta sistemática de aplicação da

norma jurídica que prevê a operacionalização da não-cumulatividade do ICMS.

Desta feita, chamar-se-á por “direito ao crédito”, doravante, o direito a que

faz jus o contribuinte do ICMS de subsumir-se à classificação de detentor de créditos em

razão da escrituração em seus livros fiscais quando da entrada de mercadorias em seu

estabelecimento.

A ressalva se faz necessária com vistas a reafirmarmos a impossibilidade

de confusão entre os conceitos de direito ao crédito (do qual se pretende falar neste

trabalho) com o crédito decorrente da obrigação tributária, ou seja, o próprio tributo. Isto

porque, conforme já visto em capítulos anteriores, referido crédito (da Administração

Pública) é pressuposto de tudo o quanto se está por abordar (direito ao crédito).

Em outros termos: apenas será possível falarmos em crédito do

contribuinte (objeto do presente estudo) na medida em que se admite a existência

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anterior (pressuposta), de uma relação jurídica de incidência tributária na qual já foi

apurado o crédito tributário a que o Estado tem direito.

Pois bem, Ao receber as mercadorias comercializadas, registra o

contribuinte do ICMS em seus livros fiscais o regular ingresso destas mercadorias (Livro

de Registro de Entrada – Modelo 1 ou 1A) e, nos livros fiscais próprios de apuração de ICMS

(Livro de Apuração do ICMS – Modelo 9), o quanto foi destacado nas notas fiscais (de

entrada destas mercadorias) como pagamento deste imposto. Cumprido o dever

instrumental de registro (escrituração) está-se diante daquilo que nomearemos por

“direito ao crédito”. Neste mesmo sentido:

Do mesmo modo que o crédito tributário líquido e certo é aquele formalizado pelo ato do lançamento ou do contribuinte, débito do Fisco líquido e certo é o que foi objeto de decisão administrativa ou decisão judicial, ou, ainda, reconhecido pelo contribuinte como fundamento em expressa autorização legal. (...) Tanto o crédito tributário como o débito do Fisco são líquidos e certos quando estão identificados (i) credor e devedor; o montante do objeto da prestação e (iii) o motivo do surgimento do vínculo relacional60.

Em sendo assim, pois, resta-nos evidente a primeira conclusão que por ora

se afigura: o fato de que o direito ao crédito encontra-se necessariamente relacionado à

necessidade de seu registro e formalização (a exemplo de qualquer outro fato jurídico) em

instrumento fiscal próprio – nota fiscal, combinado com a sua ulterior escrituração nos

livros de registro de entrada do adquirente destes bens ou serviços.

Assim, não bastasse o destaque na nota fiscal do montante de ICMS já

recolhido em operações anteriores, é importante que o contribuinte, buscando ter

reconhecido o direito de usufruir destes créditos o escriture (vertendo na única linguagem

competente para tanto) tais créditos em livro registro próprio (conforme acima indicado),

tornando de conhecimento do Fisco (outra parte da relação jurídica por ora tratada, qual

seja, relação jurídica de compensação) a notícia de que é seu credor e que poderá valer-se

destes créditos, por meio de um dispositivo constitucionalmente enunciado, para pagar-

lhe débitos que poderá incorrer.

60 Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. p. 478.

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Com efeito. As considerações acima registradas se fazem necessárias na

medida em que o buscam demonstrar encerra o fato de que o “direito ao crédito”

adquirido pelo contribuinte decorre justamente da possibilidade de aplicação destes

créditos para pagamento de seus débitos em operações tributadas pelo mesmo imposto.

Não fosse a previsão legal que regulamentasse a compensação vinculada à norma

constitucional da não-cumulatividade inexistiria justificativa em se registrar créditos

obtidos através de operações anteriormente tributadas.

Logo, identificada a relação necessária existente entre o “direito ao crédito”

e a norma jurídica que disciplina a sistemática da não-cumulatividade, passemos agora a

observar questões atinentes exclusivamente ao “crédito” de ICMS de direito do

contribuinte.

2. O Direito ao crédito como moeda de pagamento

Assim prescreve o artigo 155, inciso II, parágrafo 2º, I: O imposto previsto

no inciso II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido

em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o

montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Desta feita, a orientação constitucional que prescreve a não-cumulatividade

do ICMS introduz um processo de abatimento que deve ser considerado um verdadeiro

mecanismo de dedução do imposto, o que CLEBER GIARDIANO e GERALDO ATALIBA

chamaram de “diretriz constitucional imperativa”61. Para estes autores, o mecanismo de

abatimento (denominação então aplicada ao regime não-cumulativo previsto pela

Constituição vigente há época) do tributo a ser pago encerra uma forma inexorável de se

chegar a um ICMS não-cumulativo.

Neste ponto identifica-se uma questão de grande relevância: o ICMS

encontra-se diretamente relacionado à sua especificidade não-cumulativa? Em outros

termos: são indissociáveis a regra matriz do ICMS da sua condição constitucional de

tributo não-cumulativo? Impedindo o processo de abatimento dos créditos (não

61 Cleber Giardino e Geraldo Ataliba. ICM – Abatimento constitucional e princípio da não-

cumulatividade. p. 115.

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operacionalização da não-cumulatividade) é possível dizer que se está diante de outra

figura tributária, que não o ICMS?

Nossa opinião é de que não. Por não se tratar de um direito do Fisco, mas

sim do contribuinte, tem-se certo que, na hipótese deste (contribuinte) não se valer do

direito que possui (de indicar os créditos para pagamento – por meio de um processo de

compensação – do imposto devido em suas saídas) por certo não estaria desconfigurado o

tributo regularmente aplicado. Conforme será reforçado ainda neste trabalho, por se

tratarem de normas jurídicas diversas não há que como se vislumbrar uma relação de

prejudicialidade entre a aplicação de uma e de outra norma, não concomitantemente.

Pois bem. Retomando a idéia do crédito como moeda de pagamento,

buscará ser demonstrado neste trabalho que o esquema constitucional da não-

cumulatividade pode ser tomado como um verdadeiro processo matemático de dedução

por meio do qual, por imposição constitucional o montante do ICMS devido é elemento

que será reduzido pelo montante de ICMS anteriormente cobrado (direito ao crédito) que

é o “subtraendo”.

Ademais, há que se registrar a própria observação de GERALDO ATALIBA e

CLEBER GIARDIANO62 ao afirmarem: “não é de surpreender, assim, que tenham prosperado

as expressões “débito”, “crédito”, “conta corrente”, etc. para indicar esse fenômeno, todas elas

tradutoras, numa linguagem leiga, do procedimento jurídico da compensação”.

Assim, é certo que este mecanismo de abatimento constitucional traduz um

processo de dedução posterior e totalmente independente do processo incidência e

aplicação da regra matriz do ICMS. Isto porque, como já visto anteriormente, este

procedimento não atinge a determinação da base imponível, não se confundindo com o

processo de lançamento tributário (procedimento de apuração do quanto devido) porque

é absolutamente irrelevante no momento da apuração a ciência do quanto foi cobrado em

eventuais operações anteriores.

62 Idem. Ibidem. p 117.

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O abatimento é externo, é alheio à base de cálculo, ao ‘elemento quantitativo

da hipótese de incidência’, ponderaram CLEBER GIARDINO e GERALDO ATALIBA63.

Neste mesmo sentido, ROQUE ANTONIO CARRAZZA64 também registrou:

O montante de ICMS a pagar é fixado pela simples aplicação da alíquota sobre a base: o valor da operação ou prestação submetida ao tributo. Isto se dá por ocasião da prática do ato administrativo do lançamento, que, no mais das vezes, é realizado pelo próprio contribuinte (autolançamento). Apenas, por força do princípio da não-cumulatividade, este montante, ao invés de ser pago somente em moeda, é pago também, em créditos (representados pelo montante do ICMS recolhido nas operações ou prestações anteriores). Aliás, é o próprio contribuinte que, de regra, leva a efeito os cálculos que o levarão a fruir deste direito constitucional.

Desta feita, o crédito por ora estudado neste capítulo é lógico e

cronologicamente posterior a apuração do valor do ICMS devido. Ademais, apenas

efetivamente ingressa na relação jurídica que envolve este imposto em um momento

posterior à sua incidência, já em sua fase de sua liquidação. Em outros termos: o direito ao

crédito a que tem direito o sujeito passivo da relação jurídica tributária é apenas passível

de utilização no momento da liquidação do crédito tributário, quando da fixação da “base

liquidável”.

Ora, tal raciocínio tão somente confirma o que já foi visto anteriormente:

uma vez que a base de cálculo deve confirmar a materialidade do tributo, não se pode falar

de uma base de cálculo que, constantemente, venha sofrer alterações na forma de

apuração. Se assim o fosse estaríamos a falar de uma base de cálculo para cada uma das

operações em cadeia do ICMS.

Assim, sustentar que a base tributável encerra o ‘valor acrescido’ é o

mesmo que afirmar que o imposto incide, juridicamente, sobre o valor agregado, não

podendo sustentar, concomitantemente, que a materialidade da hipótese de incidência

seja a simples operação, mas tendo de admitir – o inadmissível – que a materialidade da

63 Idem. Ibidem. p. 117. 64 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 311-312.

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hipótese de incidência encerre ‘operação com lucro’, vislumbrando figura tributária

distinta da constitucionalmente posta.

Por óbvio que este imposto (sobre o valor agregado) não é o ICMS

disciplinado pela Constituição Federal em seu artigo 155, inciso II (conforme já vimos no

Capítulo I deste trabalho). Sendo certo que somente naquele texto (Constituição)

encontra-se delimitada a figura do ICMS, não se pode admitir qualquer construção

diferente daquela ali prevista para a identificação da base de cálculo deste tributo. Neste

sentido:

De resto, o perfil jurídico dessa incidência absolutamente não se alteraria caso, por eventual reforma constitucional, esses abatimentos deixassem de existir. ‘Cumulativo’ ou ‘não-cumulativo’, sempre se teria o mesmo ICMS, vale dizer, tributo idêntico ao que hoje incide sobre ‘operações tendo por objeto coisas qualificadas como mercadorias’, e que se apura e quantifica pelo valor da operação realizada65.

A importância que se confere a este tema reside justamente no fato de se

separar com segurança o que interfere na regra matriz de incidência tributária do ICMS e o

que diz respeito à afronta constitucional a uma outra norma jurídica destinada a

disciplinar a sistemática da não-cumulatividade. É o que será demonstrado no Capítulo V

deste trabalho.

Ocorre, contudo, que esta não é posição unânime na doutrina. Isto porque,

renomados juristas, fundados em um modelo estrutural de norma tributária diverso

daquele elaborado por PAULO DE BARROS CARVALHO (qual seja, a estrutura lógico-

sintática da regra matriz de incidência tributária), a exemplo de SACHA CALMON

NAVARRO COELHO, posicionam-se com vista a identificar a não-cumulatividade como um

dos elementos que compõe a regra matriz do ICMS. Sobre esta classificação (apontamento

da não-cumulatividade como critério que compõe a regra matriz do imposto) trataremos

neste trabalho mais detalhadamente no Capítulo V.

65 Cleber Giardino e Geraldo Ataliba. ICM – Abatimento constitucional e princípio da não-

cumulatividade. p. 118.

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Por ora o que a idéia que aqui se reforça reside na constatação de que a

sistemática constitucional da não-cumulatividade nada mais encerra senão uma forma

juridicamente qualificada de pagamento do ICMS. Neste sentido, e com propriedade,

manifestou-se PAULO DE BARROS CARVALHO, acompanhado de notas também

registradas por ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA:

O direito ao crédito é moeda escritural. E se, de um lado, é inexigível enquanto crédito pecuniário na via judicial, por outro é imprescindível perante o lídimo exercício do direito à não-cumulatividade, que se consuma com o exercício da compensação desse crédito com o ‘crédito tributário’ (obrigação tributária) do Fisco66. Registramos que o pagamento do ICMS é habitualmente feito parte em créditos, parte em moeda. Nada impede, porém, seja feito só em créditos (quando estes equivalem ou excedem os débitos nascidos no mesmo período de apuração) ou só em moeda (quando não há créditos de ICMS provenientes de operações ou prestações anteriores)67.

Fato é, pois, que na configuração de moeda escritural o crédito de ICMS em

nada se relacionada, de forma vinculada, ao montante que foi efetivamente pago na

operação anterior. Por ser escritural, como visto, ou seja, aquilo que restou registrado,

apenas deverá ser observado na operação anterior o que, efetivamente, foi registrado.

Isto para consignar que o pagamento do ICMS na operação anterior não

condiciona o efetivo aproveitamento do crédito decorrente da operação plurifásica na

operação subseqüente.

Assim, diversamente do quanto quer fazer crer aqueles que interpretam

como sinônimo do vocábulo “cobrado” (disciplinado no artigo 155, § 2º, inciso I do Texto

Constitucional) a palavra “pago”, são esclarecedores os ensinamentos de SACHA CALMON

NAVARRO COELHO68:

66 CARVALHO, Paulo de Barros. “Isenções tributárias do IPI em face do princípio da não-

cumulatividade”. In Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 33, p. 157. 67 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 312. 68 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. ICM: Competência Exonerativa. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1982. p. 86-87.

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Por certo que é sabida a diferença existente entre as palavras “cobrado” e “pago”, as quais não apresentam uma sinonímia perfeita. São diferentes, cobrado é anterior ao pagamento e este, quando realizado, deixou de existir a cobrança, mas nem todo que é cobrado resulta em pago. Hugo de Brito Machado, a respeito, afirma que “a palavra pago deve ser entendida como incidente ou devido relativamente às operações anteriores”.

E prossegue festejado jurista esclarecendo:

Efetivamente, quem esteja um pouco familiarizado com a vigência da aplicação prática do ICM, logo se dá conta de que não prevalece a interpretação literal da dicção “cobrado” no Texto Constitucional; vem com a expressão “pago” usada pelo legislador infraconstitucional. É amplamente aceito que se reconheça o crédito do ICM em inúmeros casos nos quais não houve (ainda) cobrança, nem pagamento. (...) Já se vê, assim, que não é exigência constitucional que o montante dedutível tenha sido efetivamente cobrado pelo Estado. Vale para este efeito o simples direito à cobrança ou a mera possibilidade de cobrança.

Neste sentido, com propriedade também já havia registrado PAULO DE

BARROS CARVALHO, seguido por FERNANDO L. LOBO D´EÇA:

A expressão “pago” não pode ser tomada em sua literalidade, esquecendo-se propositadamente que todo o preceito jurídico deve ser interpretado de forma sistêmica com as demais normas jurídicas, não sendo possível tratá-lo isoladamente69.

[...] pouco importa que na operação anterior o tributo tenha sido, ou não, efetivamente recolhido por quem a efetuou, pois é evidente que o direito do contribuinte de pagar o imposto apenas sobre o valor acrescido na operação subseqüente por ele próprio não poder ser afetado pela omissão (legal ou ilegal) do responsável pelo recolhimento do imposto devido na operação anterior, da mesma forma como a aplicação do método concebido

69 Paulo de Barros Carvalho. A regra matriz do ICM. p. 23.

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para dar cumprimento ao princípio da não cumulatividade não pode resultar a negação ou subversão do referido princípio70.

Diante das opiniões acima colacionadas, implica imperiosa a conclusão de

que o direito ao registro dos créditos de ICMS não pode estar vinculado a nenhuma outra

“condição de existência” senão tão somente ao efetivo destaque deste (crédito) na nota

fiscal de entrada das mercadorias.

Isto porque perfaz relação jurídica diversa daquela pela qual se confirma o

direito à escrituração do crédito quando da entrada de mercadorias, a confirmação do

pagamento do imposto que foi destacado na nota fiscal que documentou esta operação.

Mencionado “pagamento” decorre, pois, de relação jurídica totalmente diversa, pela qual

encontram-se identificados o Estado e o contribuinte que promoveu a saída das

mercadorias recepcionadas por aquele outro (contribuinte) que escriturou os créditos

destacados. Assim, verificada qualquer irregularidade no destaque destes créditos no

documento fiscal emitido, há o Fisco que insurgir-se contra o contribuinte que,

promovendo a saída tributada incorreu em tal erro.

Não poderia, ademais, cogitar-se de forma diferente. Isto porque, apuradas

irregularidades quer seja na indicação pelo contribuinte que promover saídas sujeitas à

incidência do ICMS, quer seja no que concerne à apuração efetiva deste tributo, quer seja

com relação ao seu pagamento, promoverá o Fisco a competente atividade de cobrança

contra o contribuinte “fraudador”. Por sua vez, a hipótese de, não obstante promover a

exigência do montante do imposto que entende devido, ainda assim vedar a apropriação

dos créditos destacados em nota fiscal pelo contribuinte que adquiriu estas mercadorias

implicará em admitirmos a cumulação de uma mesma cobrança.

Em termos exemplificativos: o contribuinte A promove a saída de

mercadorias que, inobstante tributadas pelo ICMS (devidamente destacado em documento

fiscal próprio) não foi recolhido aos cofres públicos. O contribuinte B, por sua vez, de

posse de uma nota fiscal contendo o destaque do imposto, registra o valor recolhido em

seu livro de entrada tomando o crédito escritural a que faz jus em decorrência (i) do

recebimento de uma nota fiscal contendo o montante de ICMS apurado naquela operação e 70 D’EÇA. Fernando L. Lobo. “Compensação: questões procedimentais”. In: Compensação

Tributária. DIAS, Karem Jureidini; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.) São Paulo: MP Editora, 2008, p. 324.

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(ii) inserto em uma cadeia plurifásica de incidência do tributo. O Fisco então, sujeito ativo

da regra matriz de incidência do tributo, toma ciência da ausência do pagamento do ICMS

devido pelo contribuinte A e, diante disto, promove, além da cobrança do imposto em face

de A, a anulação dos créditos tomados pelo contribuinte B. Ou seja, estamos diante de uma

nítida cobrança em duplicidade deste ICMS, quer seja pela exigência do montante

efetivamente devido pelo contribuinte A, quer seja pela invalidação dos créditos tomados

pelo contribuinte B o que, nesta segunda situação, implicará na impossibilidade de

aproveitamento destes créditos para pagamento do ICMS devido (pelo contribuinte B).

Outra hipótese, ainda, diz respeito ao seguinte cenário hipotético: o

contribuinte A quando da saída de suas mercadorias, apuro o ICMS de forma indevida (por

exemplo, com alíquota inferior àquela que deveria ser aplicada). O contribuinte B, por sua

vez, recebe o documento fiscal em que já se encontra destacado o ICMS então apurado na

operação anterior e o registra em seus livros fiscais de entrada. Neste passo, detectado o

ocorrido, promove o Fisco a ação competente para exigir do contribuinte A que lhe pague

a diferença relacionada â alíquota indevidamente aplicada. Contudo, haja vista a discussão

acerca do montante corretamente apurado, não poderá intentar qualquer medida com

relação ao contribuinte B. Mais ainda o correto seria que o contribuinte A (ou mesmo o

próprio Fisco), confirmada devida a diferença do tributo, oferecesse à B

(documentalmente) a possibilidade deste apropriar-se do montante efetivamente apurado

na operação que se sucedeu.

Desta feita, conclui-se inadmissível qualquer conduta promovida pelo Fisco

com vistas a impedir ou dificultar a apropriação do crédito escritural tratado neste

trabalho. Não estando tal crédito vinculado ao pagamento do tributo, mas diretamente

relacionado à operação anterior da cadeia plurifásica que o sucedeu, fato é que o

contribuinte subseqüente tem garantido o direito ao registro deste crédito, direito este,

como já visto, enunciado pelo próprio texto constitucional e decorrente dos efeitos da

aplicação da norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade do ICMS.

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3. Da necessária formalização do “direito ao crédito”

Ingressamos, pois, neste momento, à demonstração da necessidade de

registro (formalização) das operações que implicam na apuração de créditos escriturais

para que, posteriormente, possam estes produzir estes efeitos jurídicos. Isto porque, não

admite o direito a simples ocorrência do fato social. Para que o sistema do Direito oferte

algum efeito jurídico aos fatos sociais é necessário que tais fatos sejam elevados à

categoria de fato jurídicos.

Neste sentido, inclusive, já registrou EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI71:

“sem a construção dos fatos jurídicos o direito rompe sua dinâmica funcional, torna-se

estático, não se reproduz e não é aplicável”.

Logo, por ser o direito um sistema sintaticamente fechado, apenas se pode

admitir o ingresso neste sistema quando relatado o fato em linguagem que lhe é própria

(seu código). Neste passo, é o próprio sistema do direito que determina como seus fatos

são produzidos, estabelecendo para tanto um procedimento específico a ser realizado por

agente competente e indicando os instrumentos capazes de vincular juridicamente

informações sobre os fatos sociais suficientes para construção dos fatos jurídicos.

Em outros termos: é o próprio sistema que aponta os instrumentos

credenciados para constituir os fatos jurídicos, conforme bem registrou PAULO DE

BARROS CARVALHO72: “os acontecimentos do mundo social que não puderem ser relatados

em linguagem não ingressam nos domínios do jurídico, por mais evidentes que sejam”.

Nesta mesma toada, FABIANA DEL PADRE TOMÉ73, em refinadíssimo

estudo sobre as provas no direito brasileiro, em especial no direito tributário, esclareceu

que, na dinâmica da aplicação do direito, se um fato alegado é afirmado pela prova então

deve ser a sua constituição na classe dos fatos jurídicos.

71 DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e Prescrição no direito tributário. São Paulo: Max

Limonad, 2004, p. 41. 72 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 5ª Ed., São

Paulo: Saraiva, 2007, p. 98. 73 TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário. 1ª Ed., São Paulo: Noeses, 2005, p. 183.

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São de PAULO DE BARROS CARVALHO74 as elucidativas palavras:

A existência de livros próprios em cada estabelecimento, com lançamentos individualizados de suas operações, presta para o objetivo de organizar o conhecimento da entidade que promoveu a realização do fato típico, como providências adjutórias da operatividade sistêmica que o imposto deve manter. O sujeito passivo, entretanto, continua sendo a empresa, considerada como ente dotado de personalidade jurídica, centro de imputação de direitos e obrigações.

Pois bem. Dada a importância do registro das operações para a

concretização, no mundo jurídico, do fato jurídico tributário que se subsumirá à hipótese

de incidência da regra matriz que disciplina a incidência do ICMS, a este registro

denominar-se-á por “dever instrumental”.

Tratam-se os deveres instrumentais, nas palavras de PAULO DE BARROS

CARVALHO75, de liames concebidos para produzirem o aparecimento de deveres jurídicos

e que imprimirão efeitos práticos na percepção dos tributos.

Neste sentido, ademais, registrou ROQUE ANTONIO CARRAZA76 tratarem-

se os deveres instrumentais uma forma de cooperação solicitada pelo Estado aos

contribuintes e terceiros que com quem este (Estado) se relaciona. Neste passo, tal

cooperação será traduzida pelo que chamou de comportamentos positivos (a exemplo da

emissão de notas fiscais e faturas, entrega de declarações, elaboração de registros) e

negativos (manutenção e conservação dos documentos fiscais no estabelecimento). Sobre

esta questão, pois, assim registrou:

O dever instrumental não se confunde com o tributo. É o cumprimento do dever instrumental que torna possível o exato pagamento do tributo. Por isso deve haver uma perfeita harmonia entre tributos e os deveres instrumentais a eles relacionados. È dentro deste contexto que há de ser entendida a contabilidade77.

74 Paulo de Barros Carvalho. A regra matriz do ICM. p. 197-198. 75 Paulo de Barros Carvalho. Direto Tributário linguagem e método. p. 320-321. 76 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 516. 77 Idem. Ibidem. p. 516.

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Ainda. Para ilustre jurista, são as Ciências Contábeis a responsável por

registrar documentalmente os fatos econômicos que ocorrem no cotidiano das empresas

(compras, vendas, lucros, prejuízos, etc.) e, assim, no seu entender, colaborar com Estado

na arrecadação dos tributos, terminando por concluir: “uma coisa, porém, é certa: não é

dado aos deveres instrumentais tributários atropelar direitos subjetivos dos contribuintes,

como o de serem tributados de acordo com os ditames constitucionais ou de fruírem das

isenções que a ordem jurídica lhes oferece”78.

Assim, por se tratar o ICMS um tributo sujeito ao lançamento por

homologação, é fato que toda a operação realizada pelo contribuinte deve ser formalmente

documentada (registrada) a fim de que seja posteriormente “homologada” pelo Fisco.

Deste modo, independentemente da incidência do tributo, certo é que toda a operação de

circulação de mercadoria implica necessariamente em ser formalmente documentada.

Por esta razão, imputa-se ao contribuinte do imposto incidente sobre a

circulação de mercadorias e de serviços a necessidade de registrar toda a operação por ele

(contribuinte) realizada, encerrando esta a única maneira do Fisco ter ciência daquilo que

restou realizado.

Neste sentido, novamente valemo-nos das palavras de ROQUE ANTONIO

CARRAZZA79:

(...) o contribuinte tem o direito incontornável de lançar em sua escrita fiscal o “crédito financeiro” decorrente das aquisições de mercadorias, bens ou serviços tributados (ou tributáveis) pelo ICMS para, no momento oportuno (em geral a cada trinta dias), utilizá-lo como “moeda de pagamento” deste tributo.

Em sendo assim, é certo que os deveres instrumentais possuem como

função precípua viabilizar a tributação do ICMS. É somente pelos registros realizados pelo

contribuinte que se apurará o quanto é devido a título deste tributo quando da saída das

mercadorias bem como o quanto de “crédito” deverá contabilizar o contribuinte que

receberá as mercadorias com o valor do ICMS destacado.

78 Idem. Ibidem. p. 516. 79 Idem. Ibidem. p. 313.

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Deste modo, impõe-se a conclusão de que o direito ao crédito tratado neste

trabalho (o crédito decorrente da entrada das mercadorias no estabelecimento

adquirente) encerra tudo aquilo que foi destacado a título de ICMS nas notas fiscais de

saída que acompanharam as mercadorias. Assim, fato é que não se pode falar em “crédito”

quando este não constar expressamente destacado na redação da nota fiscal de saída e,

mais ainda, devidamente escriturado nos livros de registro de entrada do receptor destas

mercadorias.

Tal assertiva, inclusive, foi ponderada por PAULO DE BARROS

CARVALHO80:

Quando “A” adquire os insumos B, pagando-lhe o preço avençado, junto com ele virá o valor do imposto sobre produtos industrializados, que B houvera destacado na nota fiscal de venda. Nesse exato momento instala-se a relação jurídica de direito ao crédito (rjdc) ligando “A” a “F” (ArdcF).

Ora, justamente por restar diretamente ligado à operacionalização da

norma jurídica que disciplina a necessários para a apuração do crédito (já mencionados no

tópico acima), certo é que não será possível admitirmos qualquer restrição oferecida à

tomada destes créditos. Ademais é de CLELIO CHIESA81 a conclusão no sentido de que

“não há que se falar em hipóteses que geram direito ao crédito e outras não. Todas geram

direito ao crédito desde que seja uma hipótese que tenha sofrido a incidência do ICMS”

4. A diferença entre formalização e pagamento

Ocorre, contudo, que nem todas as operações praticadas pelo contribuinte

implicam na efetiva incidência da regra matriz que disciplina a exigência do ICMS. É fato

que, em determinadas operações estar-se-á diante da hipótese de não-incidência ou

isenção deste tributo. Nestes casos, não há o destaque do imposto na nota fiscal e, por esta

razão, não há que se falar em crédito quando da aquisição desta mercadoria.

80 Paulo de Barros Carvalho. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade.

p. 152. 81 Clélio Chiesa. Créditos de ICMS: Situações Polêmicas. p. 238.

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Neste ponto, contudo, reforça-se uma questão já abordada neste trabalho:

uma coisa encerra o valor do ICMS apurado, outra o valor do ICMS efetivamente pago na

operação anterior. Apuração e pagamento não se confundem.

Desta feita, são relevantes as palavras de ROQUE ANTONIO CARRAZZA82:

Estamos convencidos de que, na medida em que ocorre um episódico suscetível de ser tributado por meio do ICMS, é inafastável o direito ao crédito, na operação ou prestação subseqüente. Ademais, não raro, a efetiva cobrança do tributo escapa ao conhecimento do adquirente da mercadoria ou do tomador do serviço. Assim, até para que não se instale a insegurança jurídica, basta que tenha havido uma anterior operação ou prestação para que o princípio da não-cumulatividade no ICMS prevaleça.

Como já visto neste capítulo, o ICMS é calculado sobre o valor da operação.

Assim, o ICMS apurado decorrerá de uma porcentagem calculada sobre o valor total da

operação de venda realizada (saída da mercadoria). Logo, quando se opera a saída de uma

mercadoria do estabelecimento comercial é justamente sobre o valor desta operação que

deve ser apurado o montante do tributo a ser recolhido aos cofres públicos.

A princípio, o valor a ser pago a titulo de ICMS será o montante resultante

desta porcentagem aplicada. Somente quando do pagamento deste montante apurado é

que deverá ser subtraído o crédito registrado pelo contribuinte, caso este tenha sido este

regularmente registrado em seus livros fiscais, em consonância ao que já foi visto linhas

acima.

Neste sentido, registrou ROQUE ANTONIO CARRAZA83 encerra a base de

cálculo do ICMS o valor mercantil da operação praticada, diferenciando-se assim este

tributo do chamado imposto incidente sobre o valor agregado, conforme já foi visto no

Capítulo I deste trabalho.

82 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 306. 83 “A base de cálculo do ICMS não é o valor acrescido ou agregado. Chega-se ao valor acrescido, só

depois de aplicar-se, à base de cálculo (valor da operação mercantil realizada), o esquema de deduções exigido pelo princípio da não cumulatividade (montante de ICMS devido nas operações mercantis anteriores)”. (Idem. Ibidem. p. 76.)

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Tal ressalva se faz importante na medida em que se discute a glosa

irregular dos créditos de ICMS pelos Estados sob a justificativa da concessão de benefícios

fiscais por outros Estados da federação.

Nestas hipóteses (benefícios fiscais, ainda que sem a concordância do

CONFAZ) certo é que o que se “atinge” é o montante a ser pago de tributo, e não a sua base

de cálculo. Em outros termos: quando há a concessão de benefícios fiscais que concedam

aos contribuintes a possibilidade de desconto no pagamento do quantum de ICMS

efetivamente apurado, não há que se falar em glosar dos créditos tomados pelo receptor

destas mercadorias sob a justificativa do pagamento.

Como já visto neste trabalho o crédito de ICMS é apurado com base no

quanto restou registrado na nota fiscal de saída destes bens, e não no quanto efetivamente

foi pago a este montante.

É importante desde já esclarecer, nesta toada, que não se faz pretende aqui

uma apologia aos Estados que concedem indiscriminadamente benefícios fiscais sem a

aprovação de órgão legitimamente destacado para tanto, o Conselho Administrativo de

Política Fazendária (CONFAZ).

Por certo que este comportamento (não observância pelos Estados aos

trâmites necessários para a aprovação de incentivos fiscais em matéria de ICMS) afronta a

lei vigente e, por isto merece ser combatido. Todavia, sugerido combate não deve (e não

pode, conforme visto) punir o contribuinte que realiza estas operações interestaduais. Aos

Estados que sentirem prejudicados caberá o ingresso com medida judicial apta para

atacar, diretamente, o Estado que vem conferindo tais benefícios.

Novamente, valemos dos ensinamentos registrados por ROQUE ANTONIO

CARRAZZA84:

É certo que benefícios fiscais (...) e financeiros (...) só podem advir de convênios, celebrados e ratificados por todos os Estados-membros e pelo Distrito Federal (...). Todavia, é igualmente certo que, tendo amparo em documentos formalmente em ordem, quem adquire mercadorias ou toma serviços em outras unidades

84 Idem. Ibidem. p. 306.

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federadas não pode ter negado o direito ao crédito de ICMS, pela pessoa política que se julgue prejudicada. Esta, ao invés de transformar o contribuinte em controlador da regularidade do crédito do ICMS relativo a qualquer entrada de mercadoria ou recebimento de serviço com origem de outra unidade federada, deve recorrer, nos termos do art. 102, I, “f” da Lei Maior ao STF para anular tais benefícios, que estimulam a indesejável ‘guerra fiscal’.

Assim, da separação sugerida neste trabalho acerca dos conceitos de

“crédito” e “não-cumulatividade” tem-se evidente o primeiro benefício: a possibilidade de

se justificar com clareza de argumentos a impossibilidade de glosa dos créditos de ICMS

decorrentes de benefícios fiscais não concedidos pelo CONFAZ.

Isto porque, independentemente do benefício fiscal, o valor do ICMS

apurado não encerra aquele que deverá ser efetivamente pago. Tem-se, assim, por óbvia a

conclusão já anteriormente apresentada neste trabalho no sentido de que uma coisa é a

apuração e outra, totalmente distinta, o pagamento do tributo.

Por sua vez, tal raciocínio não pode ser aplicado para os casos de não-

incidência ou de isenção do imposto aqui referido. Isto porque, nestas hipóteses, o ICMS

não foi destacado na nota fiscal, não havendo que se falar em crédito na entrada.

Pois bem. Retomando-se os conceitos de isenção e não-incidência cumpre

registrar, já de plano, quanto brilhantemente concluiu o jurista JOSÉ SOUTO MAIOR

BORGES, o qual, aprofundando-se nas premissas traçadas por ALFREDO AUGUSTO

BECKER na tentativa de combater a equivocada construção científica então dominante

acerca da isenção tributária (pela qual encerraria esta um favor legal consubstanciado na

dispensa do pagamento tributo, ou seja, nascido o vínculo obrigacional, por força de

norma isentante operar-se-ia a dispensa do pagamento do débito) conduziu seu raciocínio

para classificar a isenção uma hipótese de não-incidência qualificada.

Contudo, inobstante a evolução dos estudos sobre a isenção tributária

promovidos pelos autores acima citados, certo é que apenas com PAULO DE BARROS

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CARVALHO85 é possível compreender com precisão o instituto da isenção. Isto porque, ao

contrário do quanto ainda se defendia, vem citado jurista registrar ser “insustentável a

teoria da isenção como dispensa do pagamento de tributo devido”. Registrando ainda:

Essa desqualificação factual seria obtida mediante a exclusão do crédito tributário, outra providência logicamente impossível. Traduz, na verdade, uma cadeia de expedientes imaginativos para amparar uma inferência absurda e contraditória ao mecanismo da dinâmica normativa86.

Ironiza esta construção, com a elegância que lhe é peculiar, fazendo constar

que tal conclusão implicaria em concluir possuir a regra matriz de incidência maior

velocidade que a norma isentiva, razão pela qual chegaria sempre antes, fazendo nascer a

obrigação tributária e somente mais tarde incidiria a hipótese de isenção.

Sendo assim, vem registrar BARROS CARVALHO trata-se a norma isentiva

norma de estrutura (e não de comportamento) Por esta razão os comandos expedidos por

esta norma atingem outras normas (e não o comportamento das pessoas).

Assim, não se pode admitir que a norma isentiva atinja uma norma de

comportamento já “nascida”, uma vez que, em razão da sua natureza, possui o condão de

produzir efeitos apenas sobre as normas de estrutura (de sua natureza).

Deste modo, a isenção tributária age antes da incidência da regra matriz do

tributo e, com efeito, na própria norma geral e abstrata. Assim, subtrai desta norma (geral

e abstrata) parte de abrangência, quer seja no antecedente da norma, quer seja no

conseqüente, quer seja em ambos.

Trata-se de uma norma que mutila a regra matriz de incidência e, por

conseguinte, não estando presentes todos os critérios necessários para incidência (não

sendo possível a subsunção) não há que se falar em um tributo que existiu e foi

“perdoado”, “descontado”, “abatido” por “benesses” do Fisco.

85 Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. p. 519. 86 Idem. Ibidem. p. 519.

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86

Ora, como já visto neste trabalho, o crédito tributário encontra-se

intimamente vinculado com a apuração do ICMS na etapa anterior da cadeia de circulação

da mercadoria, ou seja, com a saída desta (mercadoria). Assim, nas hipóteses de isenção

(hipótese qualificada da não-incidência) é certo que sequer ocorreu o nascimento do

imposto e, por esta razão, em decorrência lógica este não foi destacado em nota fiscal e,

por conseguinte, não pode ser registrado como crédito tributário do adquirente.

Ademais, tanto é assim que o próprio texto constitucional,

desnecessariamente (pois decorre do raciocínio lógico já apresentado), vedou a

possibilidade de tomada de créditos nestas hipóteses. Ora, não poderia ser diferente vez

que sequer deve ser destacado o ICMS nas notas fiscais que acompanham a circulação de

mercadorias isentas.

Pois bem, uma vez entendido que o ICMS destacado em nota e registrado

nos livros fiscais dá origem ao direito do contribuinte receptor destas mercadorias de

tomar os créditos do tributo já recolhido, uma vez destacado o valor do ICMS na nota de

entrada, este será registrado no livro de registro do ICMS. Nesta mesma linha, inclusive, já

registrou o STF o entendimento de que a concretização do princípio da não-

cumulatividade é viabilizada pela “existência de uma conta de créditos e de débitos a ensejar

acerto em épocas próprias”87.

Ora, o que se pretende retomar com esta idéia é que O ICMS encerra um

imposto que incide sobre toda a operação de circulação de mercadorias. A apuração do

crédito tributário pelo sujeito passivo, neste sentido, encontra-se diretamente relacionada

à escrituração da operação de mercadorias em sua entrada.

5. Irrelevância da destinação?

Neste passo, tomando-se em conta o que acima já foi registrado, ingressa-

se na analise da questão relacionada à destinação das mercadorias para se apurar a

87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 161.257/SP. 2ª Turma. Relator:

Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, Diário Oficial da União (DOU) de 16/04/1998.

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possibilidade de restrição à fruição do direito aos créditos de ICMS apurados nas cadeias

de circulação plurifásicas.

Assim, preliminarmente, cumpre desde já ressaltar nossa opinião no

sentido de que não poderá ser a destinação de uma mercadoria que ingressam com

créditos de ICMS destacados em nossas notas (créditos escriturais) um empecilho ao

contribuinte para fruição ao direito à não-cumulatividade do ICMS.

Ora, é fato que a norma jurídica constitucional que prevê a sistemática de

compensação como forma de operacionalização da não-cumulatividade encontra-se

vinculada a dois momentos específicos da cadeia plurifásica observada, quais sejam: a

entrada das mercadorias com ICMS destacado em nota fiscal (crédito escritural) e

operações de saída tributadas pelo mesmo imposto.

Tais saídas, por sua vez, diferentemente do que muitos tentam fazer crer,

não está diretamente vinculada aos produtos que entraram e, via de regra, nem poderiam

estar. Em outros termos: a aplicação da norma compensatória aqui estudada não restringe

as compensações (conforme será abordado ainda mais detalhadamente no Capitulo IV

deste trabalho) apenas ao mesmo produto, ou seja, não poderei compensar os créditos

decorrentes da aquisição de uma cadeira somente com a saída desta mesma cadeira do

meu estabelecimento. E nem poderia ser assim, sob pena de violação a norma geral da

não-cumulatividade.

Isto porque, deixando de lado as cadeias plurifásicas que envolvem a

industrialização de bens (hipóteses em que o produto ingressado nunca será igual ao

produto remetido) imaginemos a dificuldade de se contabilizar esta operação (controle

por produto) a fim de que se torne possível a compensação constitucionalmente

defendida. Ora, é fato que o exercício mental desta atividade já é, deveras, difícil, que dirá o

trabalho de realização e, mais ainda, de fiscalização do cumprimento desta esdrúxula

hipótese.

Sendo assim, é certo que a compensação decorrente da não-cumulatividade

deve decorrer de um encontro de contas (conforme será detalhadamente abordado no

capítulo subseqüente deste trabalho – Capítulo V) em que, de um lado, será colocada em

uma conta gráfica fiscal todos os créditos de ICMS devidamente escriturados e, ao lado,

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todas as saídas tributadas por este imposto. Deste encontro de contas (créditos / débitos)

é que se dará a operacionalização desta compensação.

Isto tudo para se confirmar o posicionamento inicialmente declarado no

sentido de que não exerce qualquer influência na operacionalização da compensação aqui

tratada a destinação oferecida à mercadoria que ingressa com o devido destaque do ICMS

em sua nota. Isto porque, se a pessoa jurídica que recebeu esta mercadoria realizar

operações futuras em que irá incorrer em débitos deste mesmo tributo estará autorizada a

compensar tais débitos com os créditos que escriturou.

Desta feita, qualquer restrição a esta sistemática será tida, em

conformidade ao que já foi visto no capítulo anterior, restrição indevida (e,

consequentemente, inconstitucional) à norma que disciplina a não-cumulatividade. Neste

sentido, inclusive, registrou ROQUE ANTÕNIO CARRAZZA88:

Não é a destinação que se vai dar às mercadorias ou bens que adquire (revenda, uso, consumo, integração no ativo fixo etc.) que impede o contribuinte de fruir, por inteiro, do direito à não-cumulatividade do ICMS. Posição contrária é insustentável, porque entra em contradição com toda a sistemática constitucional deste tributo. Daí porque – tornamos a acentuar – são inconstitucionais as restrições ao direito de abatimento do ICMS contidas em leis ou atos normativos infralegais. Nem mesmo a lei complementar – fora do limitado campo adjetivo e procedimental que lhe reservou a Constituição (Art. 155, §2º, XII, c) – pode criar obstáculos ou de alguma maneira inovar na regulação deste direito à não-cumulatividade, que foi exaustivamente disciplinado pelo próprio Texto Magno. Com maior razão, devem também os aplicadores do Direito integral e absoluto respeito ao regime da “não-cumulatividade do ICMS”, constitucionalmente plasmado. Nem se diga que, com isso, estamos impondo restrições ao legislador ordinário ou ao intérprete. Na verdade, estamos procurando revelar o “espírito” que permeia as palavras da Lei Maior.

Com efeito. A discussão aqui não se pauta (como pretendem fazer crer os

defensores desta tese) no fato se enquadrarem as pessoas jurídicas adquirentes 88 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 314-315.

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consumidoras finais do produto, motivo pelo qual justificar-se-ia a restrição na tomada

dos créditos. Isto porque, conforme já foi visto e será novamente abordado no capítulo

seguinte, a operacionalização da sistemática da compensação em nenhum momento se

presta a identificar a saída das mercadorias.

Conforme já mencionado, estamos aqui tratando de dois, e apenas dois

momentos, com a finalidade de confirmar a possibilidade de operacionalização da norma

compensatória, quais sejam: o ingresso de mercadorias no estabelecimento de uma pessoa

jurídica acompanhadas (tais mercadorias) de notas cujo destaque de ICMS ocorreu bem

como o débito fiscal incorrido pela mesma pessoa jurídica quando da saída de

mercadorias (sem qualquer vinculação necessárias com as mercadorias de entrada).

Assim, registrado um crédito escritural na entrada e apurados débitos com saídas de

mercadorias está-se diante da necessária aplicação da compensação prescrita pelo

dispositivo constitucional da não-cumulatividade.

Logo, totalmente irrelevante a destinação das mercadorias adquiridas e,

como conseqüência, se encerra ou não o sujeito adquirente contribuinte final daquele

produto. Observado os requisitos acima indicados, qualquer restrição imposta

indevidamente para a operacionalização da compensação defendida estar-se-á diante de

violação indevida a constituição, invalidando assim os efeitos desta norma restritiva.

6. Aspectos procedimentais da formalização do direito ao crédito: da

apuração por produto e por período

Assim, abre-se mais um parênteses nesta sequência de raciocínio para

registrar a forma de apuração destes créditos no direito tributário brasileiro, ou seja, a

discussão acerca do reconhecimento de créditos físicos e não-materiais no pelo direito

tributário brasileiro.

Isto porque admite a norma geral da não-cumulatividade duas formas de

abatimento do imposto pago nas operações anteriores, quais sejam: (i) a dedução produto

a produto (em que se vincula o crédito à mercadoria adquirida) e (ii) a compensação por

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período (na qual os débitos oriundos das saídas em um determinado período de tempo

são cotejados com os créditos das entradas ocorridas neste mesmo período).

Neste passo, na hipótese de uma exação apurada na forma “produto por

produto”, o crédito relacionado à aquisição da mercadoria para revenda somente será

dedutível do débito gerado no momento de sua saída do estabelecimento comprador.

Logo, inexistirá crédito a ser aproveitado se o bem não for alienado. Outrossim, ocorrendo

a venda, caso o débito se perfaça inferior ao valor de ingresso da mercadoria, não haverá

que se falar em crédito remanescente, uma vez que não haverá com o que se compensar o

crédito. Tratam-se, pois, de conseqüências lógicas advindas do sistema de apuração

“produto por produto”.

Por sua vez, no que concerne ao cálculo no modelo “período a período”

pressupõe-se a contabilização, de um lado, de todos os créditos oriundos das entradas de

bens em uma determinada competência, e de outro, de todos os débitos gerados pelas

saídas tributadas neste mesmo período. É, pois, do resultado desta subtração (débitos –

créditos) que se chega ao montante efetivamente devido ao Estado.

Sobre esta modalidade de apuração, por sua vez, registrou ANDRÉ MENDES

MOREIRA89:

(...) quando adotado essa sistemática, torna-se desnecessário perquirir se o tributo pago pela saída do bem foi maior ou menor que o crédito lançado quando da entrada da mercadoria, no estabelecimento. Por essa razão, o método mais consentâneo com a neutralidade fiscal e a translação do ônus perseguidos pela não-cumulatividade é a apuração por período de tempo.

Decorre tal conclusão (opção pelo método “período a período”) levando-se

em conta o fato de que, na modalidade de apuração “produto a produto” observa-se quase

sempre uma cumulatividade residual, relacionada à sensível redução do espectro de

aplicação (utilização) do crédito (direito ao crédito) apurado na etapa anterior. Não

bastasse, o método “produto a produto” é sensivelmente mais complicado em razão das

dificuldades operacionais geradas, por necessitar de um controle muito mais complexo.

89 André Mendes Moreira. A não-cumulatividade do ICMS. São Paulo: Noeses, 2010, p. 89.

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Desta feita, tem-se certo que no Brasil, a exemplo do que se observa como

regra na grande maioria dos países, restou-se adotada a sistemática de apuração por

período. Contudo, cabe registrar que nem sempre foi isto que ocorreu.

Conforme nos relata ROQUE ANTONIO CARRAZZA90:

Esta [apuração período a período] é uma novidade da Constituição de 1988. A anterior (1967/1969), quando cuidava do ICM, vinculava o aproveitamento dos créditos à mesma mercadoria. A Constituição atual, de revés, confere ao contribuinte o direito de abater, do montante de ICMS a pagar, tudo o que foi devido por outros contribuintes que lhe prestaram serviços ou lhe forneceram mercadorias, e outros bens tributados (...). Estabelece, portanto, uma relação de “créditos/débitos” (as entradas fazem nascer “créditos”; as saídas, “débitos”).

Desta feita, o mecanismo das deduções no ICMS pauta-se em operações ou

prestações realizadas num dado período de tempo, via de regra, de 30 dias.

Cumpre ressaltar, contudo, que a aplicação desta sistemática de apuração

não decorre de regra expressa, mas sim uma praxe quase que consensual, uma vez que o

artigo 26 da Lei Complementar n. 87/96 faculta a apuração por qualquer dos métodos

acima explicitados. Trata-se de uma faculdade conferida aos Estados brasileiros para

adotar a apuração da não-cumulatividade pelo modelo “período” ou “produto”. A

depender desta escolha se pode apontar, como visto e sem sombra de dúvidas,

importantes perdas aos contribuintes brasileiros.

Este não é, contudo, o entendimento de ROQUE ANTONIO CARRAZZA91, o

qual entende trata-se a apuração “período a período” um imperativo constitucional,

registrando que é o caso de deixarmos desde já evidenciado que a legislação (complementar

ou ordinária) não pode modificar este sistema de apuração. E complementa:

“Inconstitucionais, pois, as normas que restringem o direito ao crédito “a uma mercadoria ou

serviço”, ou à vista de “cada operação”.

90 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 308. 91 Idem. Ibidem. p. 308.

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Seus argumentos decorrem do fato de entender renomado jurista que o

direito à compensação deve se fazer presente independente da origem do crédito. Assim,

não existiria vinculação entre os créditos relativos às etapas anteriores e os débitos

gerados por operações ou serviços de mesma natureza, razão pela qual não se poderia

admitir a apuração na modalidade “produto a produto”. Em suma, para que haja a

compensação de créditos e débitos de ICMS não é necessário que ambos sejam da mesma

natureza92.

Neste ponto, e pelos fundamentos acima já explicitados, registramos nossa

divergência com o posicionamento registrado vez que entendemos inexistir disposição

expressa no texto constitucional que assim vincule a Administração Pública.

7. Da amplitude do direito ao crédito no Brasil: o crédito físico e a

autorização para utilização do credito financeiro

Uma vez apresentada as formas de operacionalização do direito ao crédito,

passa-se agora, pois, a enfrentar questão relacionada à própria natureza deste (direito ao

crédito).

Assim, certo é que na doutrina pátria convencionou-se distinguir o direito a

compensação dos créditos nos impostos plurifásicos não-cumulativos em duas

modalidades: o (direito) ao crédito físico e o (direito) ao crédito financeiro. Assim,

tratando sobre a origem dessa classificação registro ALCIDES JORGE COSTA93:

É muito comum ouvir-se falar em dedução física e dedução financeira. Trata-se de terminologia oriunda da doutrina francesa que tinha em vista a legislação daquele país: a dedução física diz respeito ao imposto incidente sobre os ingredientes físicos do produto e a dedução financeira, ao tributo que recai sobre os bens instrumentais. Em face da legislação francesa esta terminologia tem valor apenas histórico. A partir de 1968, a distinção se faz entre bens do ativo imobilizado (parte da antiga dedução financeira) e bens não imobilizados e serviços (antiga dedução física mais o restante da antiga dedução financeira); no entanto,

92 Idem. Ibidem. p. 309. 93 Alcides Jorge Costa. ICM na Constituição e na lei complementar. p. 123.

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mencionar deduções físicas e deduções financeiras ainda tem utilidade pois permite, com grande economia de palavras, referir as deduções concernentes às matérias primas e produtos intermediários e embalagens e as respeitantes a bens instrumentais.

Deste modo, iniciemos, pois, reforçando o conceito acerca do direito ao

crédito físico, já muito consagrado em nossa literatura e praxe jurídica. Sendo assim, é fato

que o crédito físico somente reconhece como crédito o direito decorrente da aquisição de

matérias primas e dos intitulados bens intermediários, sendo estes, por sua vez,

entendidos como os insumos que se consomem no processo produtivo, mesmo não se

agregando fisicamente ao produto final. Neste sentido, explicou CIRO CARDOSO BORGES

BRASILEIRO94:

Levando-se em consideração a diversidade de cadeias plurifásicas de fatos jurídico-tributários de mesma classe e integrantes de um determinado setor de atividade econômica, tem-se a noção de que o crédito físico está relacionado com a aquisição de bens utilizados como insumo no exercício da atividade econômica pela pessoa jurídica, titular do respectivo direito de compensação, desconto ou abatimento, ou a contratação dessa mesma atividade econômica perante outra pessoa jurídica, desde que tributadas por essa ocasião.

No Brasil, tradicionalmente, a legislação de regência do ICMS sempre se

pautou em aceitar tão somente a modalidade de (direito ao) crédito físico, autorizando o

abatimento do imposto cuja incidência do imposto houvesse recaído tão somente sobre as

mercadorias aplicadas no próprio processo industrial.

Isto porque, percebe-se que a regra de compensação vinculada ao crédito

físico tem efetivamente o condão de afastar os efeitos do fenômeno da cumulatividade,

uma vez que a sua aplicação encontra-se condicionada ao prosseguimento da respectiva

cadeia plurifásica, visualizando-se sempre a ocorrência de fatos jurídicos tributários

anteriores e posteriores de mesma classe e integrantes de um determinado setor de

94 Ciro Cardoso Borges Brasileiro. Fenômeno da cumulatividade e regras de não-cumulatividade em

face do sistema tributário nacional. p. 125.

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atividade econômica. Sobre este aspecto registro SACHA CALMON NAVARRO COELHO e

EDUARDO MANEIRA95:

Como se sabe, para a realização do princípio da não-cumulatividade, é possível a adoção de dois sistemas diferentes: (...) - a concessão de créditos físicos, o qual restringe o direito à compensação do imposto pago na aquisição de bens que fisicamente se incorporam ao produto final ou que se consomem no curso do processo de produção, dele se excluindo as máquinas, ferramentas e outros integrantes do ativo fixo.

Por outro plano, há de se destacar o que se convencionou a denominar por

(direito ao) crédito financeiro. Nesta modalidade de reconhecimento de direito ao crédito,

tem-ser certa a permissão da ampla dedução dos investimentos em ativo imobilizado,

insumos e ainda bens de uso e consumo, os quais são empregados de forma indireta no

processo produtivo da empresa, sendo consumidos em suas atividades diárias.

Salienta-se, assim, que o crédito financeiro decorre da aquisição de todo e

qualquer tipo de bens, independentemente de serem utilizados como insumos no exercício

da atividade econômica pela pessoa jurídica, sob o contexto da cadeia de industrialização,

conforme bem registrou FERNANDO A. BROCKSTEDT96:

Com crédito financeiro (ou valor acrescido líquido), admitir-se-ia (e, como vimos no item 7/10, supra, já se admitiu parcialmente, em relação a certos equipamentos industriais, o que depois foi revogado) o crédito fiscal de todos os bens entrados no estabelecimento, inclusive de ativo fixo e de consumo que, embora não sejam fisicamente incorporados ao produto obtido, são considerados como despesas financeiras incorporadas.

Certo é que a ação do modelo de crédito financeiro é verificada

especialmente nos países europeus, onde se pode constatar que toda a aquisição tributada

gera direito ao abastecimento, exceto se os bens forem alheios à atividade empresarial.

95 CÔELHO, Sacha Calmon Navarro; MANEIRA, Os retrocessos da Lei Complementar n. 102, de

11.07.2000, In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.) O ICMS e a LC 102. São Paulo: Dialética, 2000, p. 245-246.

96 BROCKSTEDT, Fernando. O ICM (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias): legislação federal unificada: comentários interpretativos e críticos. Porto Alegre: Rotermund, 1972, p. 246.

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Com a edição da Lei Complementar n. 87 de 1996, incorporou-se à

legislação do ICMS a proposta de reconhecimento do crédito financeiro, admitindo-se a

dedução do ICMS suportada na compra de bens do ativo imobilizado, todavia com uma

série de restrições e entraves a este aproveitamento.

Neste mesmo dispositivo legal, por sua vez, outorgou-se o reconhecimento

do direito ao crédito na aquisição de mercadorias para uso e consumo, em que pese tê-lo

diferido no tempo (e até o momento não ter sido implementado, em decorrência de

sucessivas postergações de sua data inicial).

Desta feita, em razão dos inúmeros entraves registrados pela legislação

brasileira, assim acabou por registrar ANDRÉ MENDES MOREIRA97: “Desde os primórdios

da implementação da não-cumulatividade, o STF tem assegurado tão-somente o direito ao

crédito físico. O crédito financeiro é tido como uma opção conferida ao legislador – sem

consistir, todavia, em direito subjetivo do contribuinte”.

Contudo, inobstante o histórico do reinado do crédito físico no Brasil – o

qual somente reconhece o crédito das matérias-primas e dos intitulados bens

intermediários (insumos que se consomem no processo de produção) – certo é que com a

edição da Lei Complementar n. 87 de 1996, passou-se a reconhecer a legislação brasileira

a compensação de créditos apurados sobre os bens do ativo imobilizado e crédito para

mercadorias e bens de uso e consumo (em que pese este ultimo crédito encontrar-se

sendo diferido por tempo indeterminado) estes reconhecidos por ‘créditos financeiros”.

Trata-se, pois, de uma evolução nas normas de não-cumulatividade ICMS,

as quais impediam o creditamento destas operações em decorrência da aplicação do

Convênio ICM 66/88, que havia optado apenas para o crédito físico denominado por físico

– ou seja, que integraria fisicamente a mercadoria que iria circular.

Neste mesmo sentido cumpre novamente registrar respeitável opinião

emanada por ANDRÉ MENDES MOREIRA98:

97 André Mendes Moreira. A não-cumulatividade dos tributos. p. 181. 98 Idem. Ibidem. p. 177-178.

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Assim, sob a égide da Lei Complementar n. 87/96, que substituiu o Convênio ICM 66/88, o direito ao crédito foi ampliado, autorizando-se o aproveitamento do ICMS incidente sobre a energia elétrica consumida, sobre os bens de uso e consumo, do ativo permanente e sobre os serviços de comunicação e transporte. Na primeira (energia elétrica) e nas duas últimas hipóteses (serviços de comunicação e transporte) o crédito era irrestrito e incondicionado; no segundo caso (bens de uso e consumo), seria autorizado a partir de uma data futura (que vem sendo sucessivamente prorrogada por diversas outras leis complementares desde então). Na terceira situação (bens do ativo permanente), caso o contribuinte alienasse o bem antes de decorridos sessenta meses de sua aquisição, deveria estornar proporcionalmente os créditos do ICMS aproveitados (estorno de 20% por ano não completado antes de transcorrido o quinquênio)”.

Ocorre, contudo, que inobstante a ampliação da apuração dos créditos para

a sistemática do creditamento financeiro, os questionamentos judiciais acerca da

regulação da não-cumulatividade vieram, realmente, apenas com as modificações trazidas

pela Lei Complementar n. 102/00.

Mencionado dispositivo legal, editado sob o fundamento de finalidade

nitidamente extrajurídica (conforme reconhecido pela própria União, com o fito de

recompor os caixas dos Estados-membros) alterou consideravelmente a sistemática de

creditamentos sobre os bens do ativo imobilizado, retirando a possibilidade de

creditamento integral quando do ingresso dessas mercadorias, (com a ressalva de estorno

proporcional no caso de alienação antes de decorridos cinco anos de sua entrada) para a

apuração do crédito de forma fracionada, à razão de 1/48 avos por mês e sem qualquer

direito à correção monetária.

Ademais, citado dispositivo legal (LC 102/00) igualmente restringiu o

crédito sobre energia elétrica e serviços de comunicação, autorizando-o apenas nas

hipóteses em que o consumo destes dirigisse à produção de mercadorias ou bens para a

exportação, na proporção do volume exportado ou, no caso específico de energia elétrica,

quando consumida no próprio processo industrial.

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Ato contínuo, em razão das restrições apontadas e, por conseqüência, a

evidente restrição à aplicação irrestrita do direito constitucional à não-cumulatividade, foi

ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 2325/DF) a qual, julgada em 2004

acertadamente reconheceu que as medidas restritivas veiculadas pela Lei Complementar

102 de 2000 implicavam na majoração do ICMS devido.

Por sua vez, defendia-se a União sob o argumento de que se esta diante da

simples alteração na forma de apuração do ICMS, sem o efetivo aumento da carga

tributária.

Com relação a este julgamento, registrou ANDRÉ MENDES MOREIRA99:

Nesta discussão, assentou o ministro VELLOSO que a garantia mínima da não-cumulatividade para o ICMS é a do crédito físico. Sendo assim, somente a aquisição de mercadorias para revenda, assim como de bens que se integrem ao produto final no processo de industrialização, têm, pela letra da Constituição, direito ao abatimento assegurado. Qualquer outro crédito eventualmente concedido pelo legislador, e a Carta magna não veda tal ampliação, será válido, mas poderá ser retirado pela lei a qualquer tempo.

Tal manifestação, exarada por um dos integrantes da mais alta corte da

justiça brasileira, vem corroborar a conclusão já acima registrada no sentido de que é o

crédito físico que pauta todo o regime de não-cumulatividade no direito brasileiro,

encerrando, pois, o crédito financeiro, mera liberalidade. Assim, por não ser inserir no

escopo da não-cumulatividade, digamos “brasileira”, não poderia ser considerado como

um “benefício fiscal”, sendo possível, por esta razão, ser veiculado pelo legislador

complementar do ICMS.

Ademais, faz-se importante atentar para a ressalva de CIRO RODRIGUES

BORGES BRASILEIRO100 registrada sobre o tema:

Percebe-se, então, que a regra de compensação, desconto ou abatimento de credito financeiro nem sempre se presta ao afastamento dos efeitos da cumulatividade, uma vez que a sua

99 Idem. Ibidem. p. 182. 100 Ciro Cardoso Borges Brasileiro. Fenômeno da cumulatividade e regras de não-cumulatividade em

face do sistema tributário nacional. p. 128.

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aplicação nem sempre está condicionada ao prosseguimento da respectiva cadeia plurifásica, restando prejudicada, em alguns casos, a visualização da ocorrência de fatos jurídico-tributários posteriores de mesma classe e integrantes de um determinado setor da atividade econômica.

Pois bem. Em consonância ao todo acima exposto, resta evidente que o

direito ao crédito que por ora se trata no presente trabalho está intimamente relacionado

ao registro deste crédito primeiramente nas notas fiscais de saída e, por ser certo, na

correta escrituração deste ICMS destacado nos livros de registros de entrada e apuração

do ICMS.

Por conseguinte ao raciocínio aqui empreendido chega-se ao seguinte

ponto: de um lado, resta amplamente demonstrado que a não-cumulatividade encerra um

mecanismo de abatimento que não interfere na apuração do tributo (quantum debeatur),

não alterando em nenhum momento a base de cálculo do ICMS, todavia, por outro lado,

não se pode negar que esta sistemática altera o montante a ser recolhido na operação

seguinte. Isto ocorre, pois o crédito tributário (do contribuinte) possui a função de, nas

palavras de GERALDO ATALIBA e CLEBER GIARDINO, “moeda pagamento”101.

Logo, tem por função o crédito tributário atender à dedução constitucional

prevista, qual seja, possibilitar o abatimento do imposto devido, quando de seu

pagamento, por meio da compensação.

8. O sistema de créditos presumidos

Diante da realidade jurídica atual não se pode ignorar a existência dos

então chamados “créditos presumidos”. Encerram estes, pois, nada mais do que uma

outorga fiscal materializada no oferecimento, pelo Estado tributante, de créditos fiscais os

quais não possuem relação com qualquer operação de entrada tributada. Mencionados

créditos, por força da legislação vigente, são utilizados como moeda de pagamento do

ICMS.

101 Cleber Giardino e Geraldo Ataliba. ICM – Abatimento constitucional e princípio da não-

cumulatividade. p. 122.

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Trata-se um incentivo fiscal conferido por meio do qual, no final das contas,

oferece-se um desconto (operacionalizado por meio da disponibilização de créditos) para

o pagamento do ICMS apurado nas saídas de determinadas mercadorias.

Normalmente são destinados à certos setores da sociedade de atividades

produtivas, buscando desonerar ainda mais a carga tributária ou em hipóteses em que o

método normal de apuração do ICMS se revela insatisfatório. Neste sentido, ainda,

ponderou ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA102:

Tal sistema [de créditos presumidos] vem sendo utilizado, também, para neutralizar os efeitos da guerra fiscal que – conquanto proibida pela Constituição – tem sido reiteradamente desencadeada pelas unidades federativas, ávidas em expandir seus parques comerciais, produtores ou industriais, ainda que em detrimento do princípio federativo.

Desta feita, resta claro que a figura do “crédito presumido” em nada se

confunde com a dos “créditos escriturais”. Somente esta representa com exatidão a figura

do “direito ao crédito” decorrente da aplicação da norma jurídica da não-cumulatividade.

Aquele (crédito presumido), inobstante também receber o nome de “crédito” encerra

modalidade, como visto, de benefício fiscal outorgado pelo Estado em ações orientadas e

dirigidas a uma finalidade específica.

102 Roque Antônio Carrazza. ICMS. p. 315.

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CAPÍTULO IV – A NÃO-CUMULATIVIDADE COMO NORMA DE PROCEDIMENTO

1. A Teoria Comunicacional do Direito e a norma de procedimento

Partindo-se de uma concepção comunicacional do direito, propõe-se neste

trabalho, o estudo analítico da norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade do

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS.

Cumpre assim ressalvar, antes de prosseguirmos com a análise que por ora

se pretende desenvolver, que toda a teoria com pretensões a juridicidade envolve

necessariamente uma proposta de definição acerca de um modelo de organização das

normas. Desde já ressalta-se que não se busca com esta postura (tomada de posição sobre

um determinado modelo cognoscitivo de aproximação do Direito) atacar qualquer outra

proposta de organização deste. Trata-se apenas de uma premissa fundamental para fundar

em bases sólidas a idéia que se buscará neste trabalho desenvolver. Neste sentido,

inclusive, já havia registrado o catedrático espanhol GREGORIO ROBLES MORCHÓN103:

Não se pode determinar aprioristicamente qual deles é o modelo mais conveniente. Não existe uma regra fixa para decidir a idoneidade de um modelo e a falta de idoneidade de outro ou outros. Além disso, todo modelo é operacional quando permite ordenar a matéria jurídica. Qual o modelo o modelo vai fazê-lo melhor é uma questão pragmática que deverá ser formulada em relação a cada um deles.

Da mesma forma também já havia registrado NORBERTO BOBBIO104:

Toda teoria pode ser considerada do ponto de vista do seu significado ideológico e do ponto de vista do seu valor científico. Como ideologia, uma teoria tende a afirmar certos valores, ideais, e a promover certas ações. Como doutrina científica, seu objetivo não é outro senão compreender uma certa realidade e dar-lhe uma explicação.

103 MORCHÓN, Gregório Robles. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do

direito. Trad. Roberto Barbosa Alves. São Paulo: Manole, 2005, p. 14. 104 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Trad. Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes,

2007, p. 13.

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Neste passo, é importante destacar que o método escolhido neste trabalho

para explicar a norma jurídica da não-cumulatividade decorre, pois, de uma escolha

axiológica, um juízo de valor sustentado, principalmente, no fato de entendermos ser esta

a melhor forma para se explicar o mecanismo constitucional de compensação conhecido

por “não-cumulatividade”.

Desta feita, parte-se da premissa de que o que caracteriza uma norma como

jurídica é sua pertinência ao sistema do direito. Assim, a juridicidade de uma norma vem

determinada pela sua pertinência ao sistema de Direito em que esta encontra-se inserida.

Tal conclusão implica, por sua vez, em aceitar o fato de que uma norma não

é jurídica em razão do conteúdo da mensagem que veicula, mas sim por pertencer ou não a

um sistema jurídico, conforme bem registrou GREGORIO ROBLES MORCHÓN105: “a chave

da juridicidade de uma norma não está nela mesma, mas sim em sua inserção no sistema. A

pertinência ao sistema é o critério da juridicidade”.

Pois bem. Seguindo na esteira dos ensinamentos do citado catedrático

espanhol, abrimos um parêntese no estudo convencionalmente aplicado ao Direito (a

análise do Direito a partir das normas individualmente postas, passando-se pelas relações

firmadas entre tais normas até a análise final do sistema jurídico em sua completude) para

analisarmos por ora tal sistema na seguinte direção: partindo-se do sistema jurídico até

alcançarmos o estudo específico de cada uma das normas que o compõe.

Trata-se, assim, de uma proposta sugerida pelo próprio ROBLES em seus

estudos, o qual pretende com tal postura redirecionar o foco de seu trabalho do estudo das

normas jurídicas para o estudo (consequencialista) do sistema do direito. Diferentemente

de KELSEN dentre outros, critica ROBLES a postura de se estudar em primeiro plano as

normas jurídicas e, tão somente como conseqüência, o sistema em que estas se encontram

inseridas.

105 “La ‘clave de la juridicidad’ de uma norma no está em Ella misma, sino em su inserción em el

sistema. La pertenencia al sistema es el criterio de la juridicidad”. (MORCHÓN, Gregorio Robles. Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho. Vol. 1. 2ª Ed., Reimp. Navarra: Editoral Arazandi, 2008, p. 171).

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Assim, por entender equivocado tal modelo de estudo do direito – que julga

perder de vista a sua verdadeira realidade – e acreditando ser o seu modelo o que melhor

reflete uma abordagem mais profunda deste (Direito), defende um giro nestes estudos,

propondo que as reflexões se desenvolvam desde el ordenamiento y el sistema a la

norma106.

A proposta justifica-se em razão do seguinte argumento: se se parte do

conceito de norma para chegar ao conceito de ordenamento e de sistema (para este autor,

conceitos distintos, para nós, neste trabalho, tomados como sinônimos), está-se aceitando,

ainda que implicitamente, que todas as normas jurídicas possuem a mesma configuração

lingüística.

Por conseqüência, o único trabalho da Teoria Geral do Direito encerraria

investigar a natureza e a estrutura destas normas. O ordenamento e o sistema, neste

passo, não seriam outra coisa, senão o resultado da soma das normas, unidades

homogêneas. Logo, a postura normativa conduz a uma concepção homogênea destas

normas.

Do contrário, se se parte do estudo do sistema e se aceita a

heterogeneidade das normas, chega-se a conclusão de que as normas que compõe o

sistema possuem uma configuração lingüística que refletem suas diferentes funções no

sistema em que se encontram inseridas. Assim, o estudo sistêmico corroboraria a tese da

heterogeneidade lingüística das normas jurídicas, estudo este que será fará de grande

relevância para demonstrarmos neste trabalho tratar-se a norma jurídica que disciplina a

não-cumulatividade uma espécie de norma procedimental.

Deste modo, o estudo do direito como um conjunto de normas

estruturalmente idênticas tem como representação máxima a primeira edição de Teoria

Pura do Direito, de HANS KELSEN. Registrou Kelsen nesta primeira edição, que a norma

encerraria um juízo hipotético já que parte de uma hipótese e pressupõe uma

conseqüência. Por sua vez, esta estrutura estaria ligada a uma sanção por meio de um nexo

de dever (deve-se impor uma sanção estabelecida).

106 Idem. Ibidem. p. 119.

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Assim, o Direito não seria outra coisa senão um conjunto de normas de

mesma estrutura, formado por normas que conectam situações fáticas consideradas

ilícitas as sanções correspondentes. Logo, toda a norma seria coercitiva por estar ligada a

uma sanção, esta por sua vez, uma resposta à realização do ilícito.

Contudo, defende ROBLES em seus trabalhos a possibilidade de ocorrer um

ilícito sem seja necessária ou prevista a imposição de uma sanção, logo, não se poderia

definir o direito por esta qualidade. Para ilustrar estas hipóteses poderiam ser citados os

casos de decadência ou ausência de provas suficientes, por exemplo. Assim, a

característica da norma não estaria na sanção que necessariamente se produz quando da

realização do ilícito, mas sim da sanção que se ‘deve’ produzir. Logo, o dever de impor uma

sanção afeta, efetivamente, os órgãos de aplicação da norma.

Necessária se faz tal introdução, haja vista compartilharmos da premissa

de que equivocada é a concepção homogênea de normas jurídicas por meio da qual, como

conseqüência, impõe-se tomar todo o sistema do direito como algo único, igualmente

homogêneo.

Fato é que, para nós, a concepção homogênea se caracterizou por reduzir a

teoria do sistema jurídico a uma teoria da norma. “Uma vez encontrada a configuração

desta, o sistema era entendido como um agregado plural de normas, todas elas com

características similares”, bem definiu GREGORIO ROBLES MÓRCHON107.

Ademais, a conclusão sobre a inconsistência desta análise não data de

agora. A insustentabilidade da concepção homogênea do sistema do Direito (como

conseqüência da homogeneidade das normas jurídicas proclamadas) vai dando lugar a

concepção heterogênea a partir da segunda metade do século XX, já na segunda edição de

Teoria Pura do próprio KELSEN, todavia ganha contornos especiais com a edição da obra

“O conceito de Direito” de HEBERT HART, e “A Lógica das Normas” de ALF ROSS.

Neste passo, necessário se faz admitir que a concepção de uma teoria

homogênea das normas jurídicas não encontra mais amparo na realidade do Direito de

qualquer país. O momento atual exige uma concepção da teoria das normas que esteja de

107 Idem. Ibidem. p. 13.

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acordo com a sua heterogeneidade, tanto funcional quanto lingüística, o que implicará,

necessariamente, no reconhecimento de um sistema jurídico igualmente heterogêneo.

Decorre de tal constatação, pois, a proposta de GREGORIO ROBLES

MORCHÓN de entender o direito como um texto. Neste sentido, registrou citado autor:

“Isso é conseqüência de entender o direito como texto, como uma unidade complexa de

sentidos, cujos componentes só podem ser investigados em conexão recíproca dentro do

sistema”108.

Ademais, a necessária diferenciação funcional entre as normas jurídicas

justifica-se, conforme será demonstrado, em razão do fato de que as normas jurídicas

cumprem funções diferenciadas dentro do sistema do Direito em que encontram-se

inseridas. Não se trata, por certo, de uma função extrínseca a este sistema (de cunho

sociológico), mas sim de uma função intrínseca, inerente ao próprio sistema.

Fundado nestas bases, atribuí-se à teoria comunicacional de análise do

Direito a tarefa de “desvendar” e entender o direito como uma espécie de texto elaborado,

composto por estruturas gramaticais diversas, as quais, todavia, reunidas, dão lugar a um

conjunto coeso e dotado de sentido.

Neste sentido, aliás, bem resumiu uma das maiores expressões sobre o

assunto (tido como um dos precursores da análise do Direito sobre a óptica

comunicacional):

A teoria comunicacional concebe o direito como um texto elaborado ou um sistema que se desdobra em unidades simples, que são as normas jurídicas. Estas não são dadas pelo legislador (ou, em geral, pelo gerador do texto bruto), mas são resultado de um trabalho de reconstrução hermenêutica. Combina-se, assim, os dois fatores de diferenciação apontados: funcional e lingüístico. A teoria do direito cumpre aqui seu papel propondo um modelo de normas cuja idoneidade deverá ser medida por sua potencialidade analítica”109.

108 Idem. Ibidem. p. 54. 109 Idem. Ibidem. p. 22.

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105

Pois bem. Ingressando-se na análise dos fundamentos aplicados à teoria

comunicacional do direito, tem-se em primeiro plano a proposta desta teoria em tomar

como método preliminar de classificação das normas jurídicas uma distinção entre

normas indiretas e normas diretas da ação.

Por indiretas identificamos as normas jurídicas que não se dirigem de

forma direta a uma ação, limitando-se tão somente a estabelecer critérios (fundamentos)

que servirão de sustentação às normas que efetivamente destinar-se-ão à regulamentação

das condutas. Desta feita, as normas indiretas são responsáveis por (re)construírem o

cenário em que deverá ocorrer a ação que será regulada pelo direito. Em outros termos:

são responsáveis as normas indiretas por criarem os elementos espaciais e temporais do

sistema, assim como a competência e a capacidade dos sujeitos que irão compor (fazer

parte) a ação.

Também reconhecidas como “normas ônticas”, vez que veiculam o modal –

deôntico – “obrigatório” e expressam-se pelo verbo “ser” (com caráter prescritivo), são

exemplos desta modalidade de norma a contida no artigo 18, § 1º da Constituição Federal,

o qual estabelece Brasília como a capital do Brasil. Certo é, pois, que nenhuma norma

ôntica regula diretamente a ação, limitando-se, pois, a estabelecerem pressupostos para a

aplicação das normas deônticas.

Por sua vez, as normas deônticas, ou normas diretas de ação, estas sim são

direcionadas à regulação das ações e por esta razão mantêm uma relação direta com as

condutas intersubjetivas. Neste passo, certo é que a grande maioria das normas jurídicas

são normas deônticas vez que o direito tem como fim precípuo a regulação das condutas

humanas.

Cumpre neste ponto o registro de uma importante observação à teoria que

se expõe: a necessária diferença entre os termos “ação” e “conduta”. Para ROBLES, por

“ação” deve-ser ter em mente um conceito mais amplo, ou seja, todos os atos

intersubjetivos praticados pelo homem.

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“Conduta”, por sua vez, registra tratar-se de uma “ação, contemplada a

partir do ângulo da existência de um dever”110. Em outros termos: a conduta nada mais

encerra que não uma ação qualificada pelo direito. Se não há norma jurídica que “recorte”

a ação dos fatos sociais e alce-a à qualidade de fato jurídico, não há como se falar em

conduta.

Neste passo, pois, as normas deônticas acima definidas, normas que tratam

diretamente da ação, igualmente podem ser classificadas em três modalidades distintas,

classificação esta conferida tomando em conta o papel (função) exercida por cada uma

dessas normas, quais sejam: (i) as normas potestativas, (ii) as normas deônticas

propriamente ditas e (iii) as normas procedimentais.

As normas deônticas potestativas expressam-se mediante o verbo “poder”

e caracterizam-se por indicar a possibilidade de realização de uma ação em razão da

autorização legal concedida para tanto. Ou seja, as normas potestativas expressam as

ações lícitas que um sujeito pode realizar.

É importante que se registre a impossibilidade de se confundir as normas

deônticas potestativas com as normas indiretas de ação. Inobstante semelhantes, por

aparentemente disciplinarem ambas sobre competência, nas normas potestativas têm-se

regulado as ações lícitas que um sujeito pode realizar.

Exprimem, assim, o poder em um sentido forte, não equivalente ao poder

das normas que indicam as capacidades ou competências. Neste sentido, ademais,

esclareceu GREGORIO ROBLES MORCHÓN111:

Para evitar mal-entendido com verbo ‘poder’, situei a norma que estabelece o conjunto das ações possíveis de um sujeito entre as normas ônticas que estabelecem competência ou capacidades. Outra coisa é o poder em sentido forte da norma potestativa expressa, referente exclusivamente à ação lícita”.

Um exemplo de norma deôntica potestativa são as normas que disciplinam

as competências tributárias.

110 Idem. Ibidem. – p. 16. 111 Idem. Ibidem. p. 16.

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Por sua vez, devem ser entendidas como “normas deônticas propriamente

ditas” as normas que estabelecem o próprio dever. Tratam-se, pois, da modalidade de

normas diretas de ação, as quais possuem por função disciplinar “ordens” aos sujeitos a

elas submetidos, expressando-se assim mediante a aplicação do verbo “dever”. Tal espécie

de norma, por cumprir efetivamente com a finalidade do direito encerra (disciplinar de

forma direta as condutas sociais) acaba por caracterizar-se como o modelo de norma que

maior atenção é dedica pela filosofia e pela dogmática jurídica.

Em mencionado modelo normativo se faz necessário, ainda, distinguir três

subtipos de normas: as normas de conduta propriamente ditas, as normas de decisão e as

normas de execução. São classificadas como normas de conduta propriamente dita aquelas

que impõem, de maneira direta, um dever ao destinatário (por exemplo, proíbe o

homicídio).

As normas de decisão, neste passo, referem-se àquelas que impõem a um

órgão um dever de decidir a imposição de uma sanção ao infrator de uma norma de

conduta propriamente dita. Por exemplo, a norma que, dirigida ao juiz, lhe impõe o dever

de ordenar ao órgão de execução que imponha uma determinada sanção ao infrator da

norma proibitiva do homicídio.

Por último, todavia não menos importante, as normas de execução

possuem por finalidade retratar o dever do órgão de execução de realizar a ação

consistente em impor efetivamente a sanção. Logo, a coercitividade do Direito exige que o

sistema jurídico possua normas de execução, não sendo possível dizer que a coerção é um

elemento essencial do direito.

Por fim, como terceira possibilidade de classificação das normas deônticas

(ou normas diretas de condutas) têm-se as normas tidas como procedimentais, as quais

são retratadas mediante a aplicação do verbo “ter que” e que estabelecem os

procedimentos necessários para que seja possível a aplicação das normas deônticas.

Tratam-se as normas procedimentais de modalidades de normas que

estabelecem um procedimento que deve ser necessariamente seguido pelo sujeito para se

“enquadrar” na hipótese contida pelas normas que efetivamente disciplinam a conduta.

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Expressam, assim, o que ROBLES definiu como uma “necessidade

convencional”, não uma necessidade natural ou lógica. Assim, fato é que as normas

procedimentais não se caracterizam por proibir ou autorizar qualquer tipo de conduta,

mas tão somente em apontar, demonstrar, explicitar como devem as ações ser realizadas

para que possam ser consideras como condutas.

Neste sentido, são as considerações de citado doutrinador:

A norma que estabelece aquilo que tem que fazer um sujeito para cometer homicídio é tão procedimental quanto aquela que indica ao juiz os passos que deve seguir para que sua sentença seja válida, ou a que informa ao estudante que quer estudar direito quais são os passos que necessariamente deve dar para matricular-se na faculdade. A norma procedimental estabelece o procedimento. Mas o procedimento é, pura e simplesmente, a própria ação, não a ação devida, permitida, proibida ou autorizada112.

Neste sentido, certo é que quando realizamos uma ação concreta agimos de

acordo com um procedimento genérico que vem disposto numa regra, que não é outra

coisa senão a expressão lingüística do procedimento.

Ainda nesta toada ROBLES113 enfatiza: “toda ação é expressa em termos

lingüísticos, mediante uma regra que diz qual é o procedimento em que consiste a ação”.

Assim, a norma de procedimento expressa verbalmente a ação genérica,

sem a obrigação de concretizar tal ação, delimitando apenas os seus contornos (contornos

da ação). Fato é que, todos os homens são livres para eleger as ações que desejam ou não

realizar, mas, ao decidirem executar alguma, não possuem estes a liberdade quanto ao

procedimento, uma vez que os procedimentos a serem realizados são determinantes para

a configuração da ação.

O que se pretende esclarecer é: qualquer um poderá, pretendendo, matar

outra pessoa. Inobstante vedada por lei esta conduta, caso venha a concretizar-se esta

112 Idem. Ibidem. p. 16. 113 Gregório Robles Morchón. Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del

derecho. p. 233.

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conduta estará o sujeito infrator submetido às sanções previstas em lei (normas de

execução, como já verificado neste trabalho). Contudo, se pretendendo matar alguém um

sujeito atira-lhe uma bolinha de gude, por certo que não cumpriu com a norma

procedimental que disciplina que apenas a homicídio, ou a sua tentativa, é que

configurarão hipótese para a aplicação de uma sanção. Por certo que, utilizando-se de um

procedimento que não resultará na conduta vedada por lei (no caso o homicídio)

igualmente não poderá ser este sujeito apenado, visto que não atendeu a norma

procedimental que disciplina expressamente a morte ou a tentativa de morte de um outro

sujeito.

As regras de procedimento estabelecem assim os requisitos a serem

realizados para se concretizar a ação. Sem o procedimento não há ação (juridicamente

qualificada) e sem norma jurídica devidamente posta no sistema do direito não há que se

falar em procedimento. Nestes termos, conclui o ROBLES:

Realizar uma ação é seguir a norma de procedimento correspondente. Onde há ação, há procedimento e também há norma. São três conceitos que se co-implicam, que se seguem acompanhados sempre. Não é possível pensar em um sem relacioná-lo, de imediato, com outro114.

Tal introdução, inobstante longa, se faz necessária uma vez que o se fará

demonstrar a diante reside justamente em classificar a norma jurídica veiculada pelo

artigo 155, § 2º, inciso II da Constituição Federal como espécie de norma tida como

procedimental. É o que se passará a demonstrar.

2. O processo de aplicação e a norma procedimental

Por “aplicação” costuma-se identificar três acepções distintas, quais sejam:

(i) o conjunto de dispositivos (jurídicos) que regulam o desdobramento procedimental

para a criação de nova linguagem jurídica (aplicação como normas); (ii) o procedimento

entendido como sucessão de atos praticados pela autoridade competente, na forma da lei,

com vistas à produção de novos enunciados jurídicos (aplicação como procedimento);

114 Idem. Ibidem. p. 238.

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110

bem como (iii) o resultado da atividade desenvolvida no curso daquele procedimento

(aplicação como ato).

Diante destas diferentes conceituações, a prevalência de uma sobre as

demais dependerá tão somente do interesse e da finalidade daquele que se encontra por

examinar o tema. Uma coisa, contudo, é certa: não pode haver o ato de aplicação, sem que

o procedimento de aplicação tenha sido implementado e não haverá procedimento (e por

conseqüência um ato), sem que uma regra de aplicação, pertencente ao direito

positivo,prescreva os termos de sua realização.

Desta feita, as normas de aplicação encerram proposições jurídicas que

qualificam os sujeitos capazes de produzir atos jurídicos bem como determinam toda a

atividade necessária para a produção destes atos. São denominadas regras de estrutura, as

quais podem ainda ser classificadas em (i) normas de competência, as quais capacitam

sujeitos; ou (ii) normas de procedimento (em sentido estrito), as quais prescrevem a série

de movimentos necessários para se produzir um determinado ato.

PAULO DE BARROS CARVALHO115, dissertando sobre este assunto, chama a

atenção para a importância do elemento tempo para a compreensão dos atos

procedimentais. Segundo o autor:

[...] a cronologia faz parte integrante da noção de procedimento, a tal ponto que, se não detectarmos a presença do fator temporal intrometido entre os atos, estaremos diante de ações simultâneas destituídas de sentido enquanto categoria definida de atuosidade.

Assim, cada ato é realizado em condições precisas de espaço e de tempo,

entretanto o fluxo temporal se interpõe na sucessão das ações praticadas. Sendo o

procedimento uma sequência organizada de atos, há um tempo interno, inerente a cada

ato isolado, e um tempo externo, referente à duração da sequência de atos, que marcam o

início e término de um determinado procedimento, o qual se esgota com o aparecimento

do resultado previsto.

115 Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. p. 401.

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111

Ademais, no ato de aplicação, invariavelmente, encontramos a positivação

de pelo menos duas normas, quais sejam: (i) a norma de estrutura, que dispõe sobre o

procedimento e a autoridade competente para realizá-lo; e (ii) a norma objeto da própria

aplicação.

No que diz respeito à primeira norma (norma de estrutura), do tipo geral e

concreta, denominamos regra introdutora, uma vez que possui esta por função descrever

em seu antecedente a ocorrência do procedimento próprio, realizado pela autoridade

competente e prescrever em seu conseqüente a obrigatoriedade de todos observarem os

preceitos produzidos por aquele procedimento.

Trata-se da norma jurídica derivada da positivação da regra de aplicação,

ou seja, das proposições gerais que disciplinam o procedimento e a autoridade

competente para a realização do ato. Ela nos permite dizer qual é o ato, uma vez que

aponta o procedimento realizado para sua criação, o que nos possibilita confrontá-lo com

as regras gerais de aplicação, para controle de sua legitimidade.

Em suma, é pelo ato, mais especificamente pela positivação da regra

introdutora nele contida, que identificamos o procedimento realizado e as normas que o

fundamentam juridicamente. O ato concretiza o procedimento e o procedimento resulta

no ato, de modo que sem aquele, este não existe e sem este aquele não é produzido, por

isso a necessária coexistência entre ambos.

3. A não-cumulatividade como norma de procedimento

Neste passo, como visto linhas acima, às unidades normativas destinadas a

criar (constituir) normas de procedimento tem atribuído a Teoria Geral do Direito o nome

de “regras procedimentais”. Tratam-se, pois, como já visto, de normas jurídicas destinadas

ao preenchimento de requisitos e a satisfação de expedientes sem os quais não seria

possível alcançar a qualidade de “jurídico” os fatos observados. Neste ponto, tais normas

se prestam a enumerar os requisitos necessários para a satisfação de expedientes sem os

quais não seria possível relatar tais acontecimentos no mundo do direito.

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112

Neste ponto, consignou PAULO DE BARROS CARVALHO116:

Assim, o direito ao crédito não basta. Para tornar efetivo o princípio da não-cumulatividade exige-se, em cada ciclo, a compensação entre a relação do direito ao crédito (nascida com a entrada do bem) e a relação jurídica tributária (que nasce com a saída do bem). É por esse motivo que o direito ao crédito daquele que participa das fases do ciclo da não-cumulatividade, é tão necessário na consecução dessa técnica impositiva. O contribuinte exercita seu direito ao crédito mediante a forma juridicamente qualificada da compensação, tão somente se for, em outro momento, integrante da relação jurídica do gravame. O direito à compensação é direito de cunho patrimonial em face do Estado, Entretanto, o “crédito” como que ele se exerce é mera moeda escritural que tem a única vocação legal de servir como moeda de pagamento parcial de impostos como o ICMS e o IPI.

Deste modo, e em semelhante entendimento já havia registrado PAULO DE

BARROS CARVALHO117:

Ninguém realiza ato administrativo sem que satisfaça as condições mínimas para sua expedição. Da mesma forma, é inconcebível pensar no reconhecimento de conduta juridicamente qualificada sem que o agente tenha percorrido o chamado inter procedimental, feixe das condições básicas para o surgimento da figura.

De se concluir assim, por tudo o quanto até aqui exposto, que a norma

jurídica que disciplina a não-cumulatividade necessariamente se enquadra na categoria

das normas classificadas como procedimentais. Isto porque, ao disciplinar um

procedimento de compensação por meio do qual se autoriza o registro do ICMS já

recolhido na etapa da cadeia plurifásica imediatamente anterior (crédito escritural) para a

compensação deste com os débitos decorrentes da saída deste imposto, há que se concluir

que encontra este dispositivo legal descrevendo a forma (procedimento) por meio da qual

irá se operacionalizar a sistemática não-cumulativa deste imposto.

116 Paulo de Barros Carvalho. Isenções Tributárias do IPI , em face do principio da não-

cumulatividade. p. 146. 117 André Mendes Moreira. A não-cumulatividade dos tributos.

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Indo mais a fundo na conclusão apontada, registrou PAULO DE BARROS

CARVALHO118 tratar-se a norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade uma espécie

de norma metaprocedimental, justamente por encontrar-se disciplinada pela Constituição

Federal. Neste sentido registrou:

E, se quisermos aproximar a lente para aumentar o rigor da análise, podemos referi-las como metaprocedimentais, uma vez que instituem medidas para constituir um procedimento. Se a não-cumulatividade for considerada como sequencia procedimental, claro está que as normas que orientam a formação do procedimento serão regras de sobrenível procedimental, quer dizer, normas sobre normas de procedimento ou ainda normas procedimentais de segundo grau.”

Assim, por se tratar de norma jurídica que se presta justamente a

disciplinar esta sequência procedimental destinada a operacionalizar um princípio maior,

impõe-se a conclusão necessária pretendida neste trabalho, qual seja: a de tratar-se a não-

cumulatividade uma norma do tipo procedimental.

4. A operacionalização da norma procedimental

Neste passo, uma vez identificada a categoria a qual pertence as normas

jurídicas (categoria das normas jurídicas procedimentais) passa-se agora a analisar o

modelo por meio do qual se operacionaliza o dispositivo legal que por ora é tratado neste

trabalho, a norma jurídica que disciplina a não-cumulatividade. Para tanto, valemos das

palavras de GILBERTO ULHOA CANTO119:

Até aqui podemos identificar dois momentos bem distintos: (i) o da ocorrência da obrigação tributária, que resulta da conjugação, quanto ao contribuinte, de todos os requisitos que a lei define como necessários e suficientes a que ele seja devedor de certo tributo, e (ii) lançamento, operação que consiste em quantificar o montante de tributo que o contribuinte de que se trate deverá pagar, conforme resulte das dimensões do fato gerador e das

118 Paulo de Barros Carvalho. Isenções Tributárias do IPI em face do principio da não-

cumulatividade. p. 146. 119 Gilberto de Ulhôa Canto. ICM: não cumulatividade e abatimento constitucional. p. 203.

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condições pessoais ou materiais influentes sobre a sua expressão pecuniária.

Tem-se certo, pois, que ao praticarem a saída de mercadorias ou a

prestação de serviços, ambos os fatos geradores do ICMS, assumirão as pessoas jurídicas

que deram ensejo a estas operações, débitos fiscais decorrentes do fenômeno da

incidência da regra matriz deste imposto. Ato contínuo, e diante deste débito, será

facultado a estas pessoas duas formas de quitação deste débito: (i) o pagamento ou (ii) a

aplicação da regra de compensação do crédito, ambas as modalidades de extinção da

respectiva relação jurídico-tributária.

Pois bem. Na hipótese de aplicação da regra de compensação dos créditos

fiscais já escriturados, há que se observar o quanto expressamente determina o artigo 155,

§ 2º, alínea c da Constituição Federal, o qual assim enuncia:

Art. 155 (...)

§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XII – cabe à lei complementar: (...) c) disciplinar o regime de compensação do imposto (...)

Com efeito. Citado dispositivo constitucional vem atribuir à lei

complementar a competência para disciplinar dispor a forma por meio da qual deverá ser

aplicada a regra de compensação de créditos, por meio da qual busca-se ver implementado

o direito do contribuinte de que sejam afastados os efeitos do fenômeno da

cumulatividade.

Neste sentido, pois, posicionaram-se HERON ARZUA e MAURÍLIO

SCHMITT120:

E o texto constitucional segue dizendo, competir à lei complementar disciplinar o regime de compensação do imposto (Art. 155, §2º, XII, “c”). Ora, o conteúdo do princípio da não-cumulatividade está posto, rigidamente, na Constituição. A mesma Lei Maior, entrementes, incumbiu à lei complementar tão-só a fixação do mecanismo, do

120 ARZUA, Heron; SCHMITT, Maurílio. “ICMS: direito de crédito”. In Revista de Direito Tributário.

São Paulo: Revista dos Tribunais. n. 52. p. 222.

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método, da forma pela qual se implementa o regime da compensação (período considerado, soma algébrica de fatos geradores ocorridos em um período, v.g.)

E referindo-se ao texto constitucional, complementou ARZUA121: “Este

delegou à lei complementar a disciplina tão-só do regime de compensação do imposto (art.

155, § 2º, XII, “c”) não o poder ou a faculdade de cogitar de seu conteúdo propriamente dito”.

Ainda sob este mesmo enfoque, inobstante se referindo a Constituição

Federal de 1967 (a qual, contudo, conforme será visto no item subseqüente, disciplina de

forma muito menos enfática sobre a possibilidade/necessidade de abatimento dos

créditos de ICMS na sistemática da não-cumulatividade), também registrou GERALDO

ATALIBA122:

Se tal princípio constitucional – que impede a cumulação do tributo – é peremptório, incontornável, inderrogável e insuprimível, é de se perguntar qual a razão da remissão à lei complementar, para regulá-lo, já que sua consistência inicial é uma só: aquela supra mencionada. (...) É que a essência do instituto consiste, efetivamente, em impedir que se pague o tributo sobre base de cálculo incluindo o tributo, mas este desideratum pode ser alcançado de diversas formas. Como se trata de tributo estadual, cuja repercussão pode ser interestadual, há a necessidade de se uniformizar a sistemática de não-cumulatividade, para harmonioso funcionamento do sistema. (...) Daí o inteiro cabimento da outorga à lei complementar do critério para a eleição do método a ser uniformemente observado pelos Estados. (...) Efetivamente pode-se adotar o sistema de, em cada operação, abater-se o montante pago na anterior, o sistema consiste em somar-se periodicamente as operações realizadas e, dessa soma deduzir-se o total dos créditos contabilizados no período e assim por diante. (...) A necessidade de comum observância, por todos os Estados, de um único método, é o que veio a inspirar o legislador constituinte. (...)

121 Heron Arzua. Créditos de ICMS e IPI. p. 259. 122 ATALIBA, Geraldo. “Lei Complementar na Constituição”. In Revista de Direito Tributário. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. p. 78-80.

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O importante é assinalar que esta lei complementar pode adotar qualquer sistemática, qualquer mecânica, qualquer método, desde que preserve a essencial exigência constitucional da não-cumulatividade do ICM, consistente no abatimento do imposto pago nas operações anteriores, quando do pagamento do imposto incidente sobre cada nova operação.

Neste passo, pois, conferida à Lei Complementar a competência para

disciplinar a operacionalização da norma procedimental que destina a ver implementada a

sistemática da não-cumulatividade, foram então editados os artigos 24 e 26, incisos I, II e

III pela Lei Complementar n. 87/1996, os quais vieram, por sua vez, disciplinar a

operacionalização desta norma jurídica sob a forma de cálculo da base financeira.

Ademais, de forma semelhante já havia registrado GILBERTO DE ULHOA

CANTO123:

Como foi muito claramente demonstrado por Cleber Giardino (artigo em LTR Suplemento Tributário 1978, n. 177-78, PP. 701 e SS.) o ICM não foi introduzido no sistema tributário como um imposto de incidência sobre o valor agregado, como é comum afirmar-se. O seu fato gerador genérico é a saída de mercadoria de estabelecimento produtor, industrial ou comercial, e a sua base de cálculo é o valor da operação de que decorre a saída; portanto, ele grava o valor integral da operação, não apenas a parcela que no estabelecimento que promove a saída foi agregada ao valor que a mercadoria tinha quando nele entrou.

Deste modo, certo é que o processo compensatório disciplinado pela norma

da não-cumulatividade operacionaliza-se por meio da sistemática conhecida

contabilmente pelo nome de “encontro de contas”. Trata-se de um procedimento realizado

pelo próprio contribuinte, o qual, por intermédio da chamada “conta gráfica fiscal”

transfere seus créditos (apurados na forma já tratada no capítulo anterior) para

pagamento dos débitos de ICMS apurado quando da saída das mercadorias de seu

estabelecimento.

Neste sentido, inclusive, foi relevante julgamento ocorrido no Plenário do

Supremo Tribunal Federal em novembro de 1997, no qual o Ministro MARCO AURÉLIO

123 Cleber Giardino e Geraldo Ataliba. ICM – não cumulatividade abatimento constitucional. p. 202.

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MELLO, no qual firmaram-se as premissas confirmando a apuração da norma

compensatória aqui tratada, operacionalizada por meio de contas gráficas:

(...) Sob o ângulo da não-cumulatividade, é sabido que a compensação constitucional de que cuida o inciso I do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, faz-se sem especificidade. Equivale isso a dizer que o sistema de crédito e débito concerne na movimentação de mercadorias como um todo, tanto assim que existe a chamada escrituração em conta gráfica, lançando-se os créditos e os débitos e apurando-se, ao final do período, o valor devido. Na fixação dos parâmetros indispensáveis a homenagear-se o princípio da não-cumulatividade, despreza-se cada operação de per si, partindo-se para o cotejo entre entradas e saídas de mercadorias em certo período. O cálculo, portanto, na feliz dicção do professor Paulo Bonilha, mostra-se global. Isso importa na convicção de somente estar o contribuinte compelido, no final do período, ao recolhimento do valor caso o resultado do que podemos rotular como conta corrente entre si e o Estado se mostre negativo. Este é o sistema que restou consagrado com o correr dos anos, evitando, portanto, que mesmo exsurgindo o contribuinte como credor do Estado, devendo tal quantitativo ser considerado na fase subseqüente, venha, assim mesmo a ser compelido a certo recolhimento no período pesquisado.”124

Diante de toda a exposição contida neste item, cumpre por fim a

importante ressalva no que concerne a impossibilidade de se confundir a regra de não-

cumulatividade, integrante da sistemática de não-cumulatividade do ICMS, com o disposto

no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “c” da Constituição Federal, que não tem por objeto

definir as hipóteses do afastamento de efeitos do fenômeno da não-cumulatividade.

124 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 195.663/SP. Tribunal Pleno.

Relator: Min. Ilmar Galvão. Brasília, DF, Diário Oficial da União (DOU) de 21/11/1997.

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CAPÍTULO V – A ESTRUTURA FORMAL DA NORMA JURÍDICA: A REGRA MATRIZ DA

COMPENSAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE QUALIFICADA

1. Da relação jurídico-tributária

Há de se registrar, preliminarmente, que inobstante o título deste tópico

apontar para um dos temas de maior complexidade de nossa doutrina jurídica, em especial

do direito tributário, pretende-se com o esta breve introdução tão somente a promover a

revisão de algumas premissas com vistas a orientarmos o quanto se busca abordar neste

trabalho: a regra matriz que orienta o nascimento da relação jurídica de direito ao crédito

no ICMS.

Sendo assim, pautaremo-nos em selecionar o que de melhor já foi escrito

sobre este tema a fim de traçarmos com precisão, ainda neste capítulo, o desenho sintático

e semântico da relação por meio da qual é possível observarmos o nascimento, para o

contribuinte (sujeito ativo desta relação), do direito à compensação constitucionalmente

qualificada de seus débitos decorrentes da incidência da regra matriz do ICMS.

Neste passo, iniciamos tomando por ponto de partida o esclarecimento

valioso de LOURIVAL VILANOVA ao consignar encerrarem as relações, inobstante

juridicamente qualificadas, parte do “domínio do concreto” ou seja, decorrentes dos fatos

sociais. Assim, ademais, complementa: “Provêm de fatos, que são no tempo-espaço

localizados. Sem a interposição do fato, que a norma incidente qualifica como fato jurídico,

não ocorre o processo eficacial da efetivação da relação jurídica125.”

Com efeito, A definição de relação jurídica que se busca esclarecer neste

trabalho (tendo em vista as inúmeras definições possíveis de serem aplicadas para este

termo) reside justamente na possibilidade de identificação de um fato social (o que, por si

só, já pressupõe uma relação), fato social este devidamente demarcado no tempo e no

espaço. Logo, identificáveis estas coordenadas pressupostas e, encontrando-se

125 Lourival Vilanova. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. p. 85.

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disciplinado o fato social observado por uma norma inserida no sistema jurídico, deverá

ser uma relação jurídica.

Pois bem. Restando condição necessária e pressuposta à relação (quer seja

social ou quer seja jurídica) a identificação de um fato passível de localizável no tempo e

no espaço, certo é que, para que se irrompa a relação - agora jurídica – se faz necessário,

ainda, a identificação de dois outros elementos: os subjetivos (ao menos um sujeito da

relação) bem como o objeto prestacional.

Com efeito. O elemento prestacional fala diretamente sobre a conduta

relacionada a uma determinada ação, modalizando-a em obrigatória, proibida ou

permitida. A identificação da conduta, por sua vez, é que irá apontar para a satisfação do

direito subjetivo de que está investido o sujeito ativo, outorgando-lhe o caráter de certeza

e segurança para interações sociais. Assim, é por meio do elemento prestacional que os

interessados irão orientar suas condutas, evitando assim a ilicitude e promovendo os

valores que a ordem jurídica institui.

Neste sentido, como já bem alertou PAULO DE BARROS CARVALHO126, os

elementos que integram a relação jurídica deverão ser, por deveras, bem identificados. A

incerteza, admissível nas relações jurídicas tão somente se momentâneas, poderá

condenar estas relações à inexistência caso sobrexistam:

Na relação jurídica, entretanto, o “dever-ser” realiza a síntese deôntica, atrelando dois ou mais sujeitos: um, na condição de sujeito ativo, credor, pretensor, titular do direito subjetivo de exigir; outro, como sujeito passivo, devedor, posto na contingência de cumprir específica prestação. Chama a atenção o caráter de elevado grau de determinação que a relação jurídica oferece, tendo em vista seus elementos integrantes. E esse aspecto definitório só não é absoluto porque remanesce a possibilidade de provisória incerteza, envolvendo o lado subjetivo e também o prestacional. (...) A incerteza, porém, é momentânea, persistindo somente até que o outro sujeito se apresente a relação para integrá-la. Caso tal presença se torne impossível, por alguma razão, o vínculo extingue-se, dissolvendo-se a relação jurídica.

126 Paulo de Barros Carvalho. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 165.

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Assim, confirmados os elementos essenciais necessários à identificação de

uma relação juridicamente qualificada, importante ainda se faz atentar para o fato de que,

muito embora a locução “relação jurídica” encontre-se eivada de ambiguidade, certo é que,

conceitualmente, poderemos isolá-la nos moldes de uma relação formal, ou seja, como

espelhando uma estrutura lógica. Desta feita, pois, como estrutura, uma relação é sempre

entre termos, ainda que o segundo termo seja iteração do primeiro. Em sendo assim, no

domínio do direito positivo as relações são irreflexivas e assimétricas. Isto porque a

relação jurídica pede dois termos assimetricamente correlatos: um requer o outro.

Em suma, o conceito de relação jurídica que se busca adotar neste trabalho

decorre do vínculo abstrato por meio do qual é possível observarmos dois sujeitos

diferentes (um ativo e um passivo) unidos em razão da incidência de uma norma jurídica.

Assim, de um lado teremos o sujeito ativo, imbuído em sua pretensão de exigir o

cumprimento de uma prestação devida pelo sujeito passivo, este por sua vez localizado no

lado oposto desta relação jurídica e devedor da prestação exigida pelo sujeito ativo.

Trata-se, pois, de uma construção proposicional, identificada com a

formalização (abstração lógica) da linguagem veiculada quando da aplicação da norma

jurídica e, como mencionado, produzido mediante a incidência de uma norma jurídica de

caráter geral, como efeito de um fato jurídico, propagado em razão da existência da

causalidade do direito (vínculo que liga a proposição-hipótese à proposição-consequente).

Desta feita, sendo certo encerrar o objetivo primordial do Direito a

ordenação da convivência social mediante a regulação de comportamentos sociais, fato é

que o único meio para alcançar seu objetivo reside em estabelecer a fixação de relações

jurídicas, no contexto da qual emergem direitos e deveres correlatos. Os efeitos jurídicos,

instaurados com a incidência normativa, constituem-se em relações jurídicas. Como

acentuou LOURIVAL VILANOVA127: “proibir, ou obrigar, ou permitir ações e omissões

importa necessariamente estabelecer relações normativas entre os portadores – sujeitos de

direito – da conduta”.

Neste passo, a norma jurídica é uma relação de implicação entre

proposições (antecedente e consequente, conforme se verá adiante). O fator deôntico atua

127 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 115.

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como operador nas duas relações normativas: (i) interligando as proposições antecedente

e consequente das normas jurídicas e (ii) conectando dois ou mais sujeitos de direito em

tono de um objeto. No primeiro caso o operador deôntico é neutro e a relação é

interproposicional. No segundo caso, o operador é intraproposicional e encontra-se

modalizado nas formas: obrigatório, proibido e permitido.

As relações jurídicas, assim, dirigem-se à região das condutas

intersubjetivas, entretanto, com tais condutas não se confundem. Isto porque, a linguagem

do direito, como já vimos, não se mistura com a linguagem da realidade social, não tendo o

condão de alterá-la. O vínculo que se estabelece juridicamente independe da efetiva

formação dos laços sociológicos aos quais faz referência semântica. Ainda que a relação

jurídica não guarde identidade com qualquer relação de ordem social subjacente, o vínculo

abstrato, que enseja direito e deveres, permanece. Isto porque ele existe para o direito e as

modificações verificadas no plano social são irrelevantes para a existência da linguagem

jurídica.

Assim, a condições de existência da relação jurídica é a linguagem

competente. Por sua vez, os vínculos instituidores de direitos e deveres jurídicos

correlatos só são constituídos intranormativamente, ou seja, com a produção de uma

norma individual e concreta, quando produzidos no código próprio do sistema do direito

positivo.

2. A regra matriz de incidência tributária

É selecionado pelo legislador, ao escolher os acontecimentos que lhe

interessam, como causa para o desencadeamento de efeitos jurídicos e as relações que se

estabelecerão juridicamente como tais efeitos, as propriedades do fato e da relação,

constituindo conceitos, denominados de “hipótese” e “consequente”. Nenhum enunciado

capta o objeto referente na infinita riqueza de seus predicados, como refere o conceito de

que se trata de um seletor de propriedades. Isto quer dizer que captura apenas algumas de

suas propriedades, aquelas eleitas pelo observador como relevantes para identificá-lo.

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A construção de proposições descritivas generalizadoras através do exame

de várias normas em busca da construção de, constata que o legislador, na sua atividade

de selecionar propriedades dos fatos e das relações jurídicas, utiliza sempre dos mesmos

critérios, percebidos quando, por meio da abstração lógica128, separamos as expressões

genéricas designativas do fato e da relação presentes em todas e quaisquer normas

jurídicas.

Considerando que toda classe delineada pela hipótese normativa aponta

para um acontecimento que se caracteriza por ser um ponto no espaço e no tempo o

conceito identificativo, deve, necessariamente, fazer referencia a (i) propriedades da ação

nuclear deste acontecimento; (ii) do local e (iii) do momento em que ele ocorre; caso

contrário é impossível identificá-lo precisamente.

Toda classe delineada pelo consequente normativo, da mesma forma,

indica uma relação onde um sujeito fica obrigado, proibido ou permitido a fazer ou deixar

de fazer algo em detrimento de outro sujeito, necessariamente nele vamos encontrar

propriedade identificativas de (i) dois sujeitos, um ativo e um passivo e (ii) do objeto da

relação, isto é, daquilo que um dos sujeitos está obrigado, proibido ou permitido de fazer

ou deixar de fazer ao outro.

Para um conteúdo mínimo, elementos significativos são elaborados a partir

da conjugação desses dados indicativos oferecendo-nos a possibilidade de exibir um

esquema padrão, já que trata-se de toda construção normativa.

Desta forma, designamos de “regra-matriz de incidência” as normas

padrões de incidência129 aquelas produzidas para serem aplicadas em casos concretos, que

se inscrevem entre as regras gerais e abstratas, podendo ser de qualquer ordem do

Direito.

128 “Recordemo-nos mais uma vez que a norma geral e abstrata estatui, no antecedente, critérios

para a identificação e enunciação de um eventual fato que, porventura, venha a constituir-se e, no consequente, critérios para a identificação e enunciação de um futuro fato relacional. Visto como foi, não temos ainda, no plano da regra geral e abstrata os fatos devidamente configurados, tão somente previstos como classes (ou conjuntos). É com a edição da norma individual e concreta que os enunciados factuais vão surgir para os domínios do direito, compondo aquele território que dissemos ser da ‘facticidade jurídica’”. (Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 159-160).

129 Idem. Ibidem. p. 81.

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Nota-se, portanto que se estendendo os estudos sobre a regra matriz de

incidência tributária, de PAULO DE BARROS CARVALHO, para todas as normas padrões de

incidência dos diversos “ramos” do direito, elas apresentam a mesma composição

sintática, sendo os conteúdos mínimos de significação da hipótese e dos conseqüentes

compostos, invariavelmente, pelos mesmos critérios, o que num esforço mental de

suspensão de seus vetores semânticos objetivos, permite-nos construir um esquema

padrão: a regra matriz de incidência tributária, composta por uma hipótese (critério

material, espacial e temporal) e uma conseqüência (critério pessoal e critério prestacional,

conforme denominou AURORA TOMAZINI DE CARVALHO).

2.1. Da regra matriz de incidência da compensação

constitucionalmente qualificada

Pois bem. Firmados nas premissas acima, ofertamos seguimento a esta

exposição e passamos então a identificar os elementos que compõem a regra matriz que

orienta o nascimento da norma jurídica que disciplina a operacionalização da aplicação da

não-cumulatividade nas operações em que se identifica a incidência do ICMS. Neste passo,

e para tanto, com vistas a facilitarmos a exposição pretendida, passaremos a analisar

separadamente cada um dos cinco critérios que estruturam a mencionada norma jurídica.

Contudo, antes de adentrarmos a análise pretendida, cumpre reforçarmos

nosso destaque ao quanto já estamos por tratar desde o início deste trabalho referente à

necessária atenção para que não se opere a confusão entre a composição da regra matriz

de incidência do ICMS e a regra matriz que disciplina a não-cumulatividade deste tributo.

Desta feita, e tomados pela pretensão registrada neste capítulo (qual seja, acerca da

delimitação da definição de relação jurídica e da regra matriz de incidência) valemo-nos

mais uma vez dos ensinamentos de PAULO DE BARROS CARVALHO130 para registrar:

Da regra-matriz de incidência tributária advém o laço do ICMS, instaurado entre o comerciante “A”, mal designado de “contribuinte de direito” e o fisco estadual “F” (ArjtF); da regra-

130 Paulo de Barros Carvalho. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade.

p. 151-152.

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matriz de direito ao crédito, a relação entre “B”, também mal denominado “contribuinte de fato” e o Fisco “F” (BrjtF). Para diferençar as duas relações jurídicas, estabelecidas aparentemente em decorrência do mesmo fato, mas com termos diversos, em conformidade com a legislação tributária que trata da não-cumulatividade, chamemos a primeira de relação jurídica tributária (ArjtF) e a segunda de relação de direito ao crédito (BrjtF). Esta ultima vincula o comerciante (B) e o Fisco (F) ao passo que a primeira atrela o comerciante (A) e o Fisco (F). Se nos aproximamos dessa situação jurídica sem os cuidados necessários, o exame superficial possivelmente não nos permite ver, com nitidez, a distinção entre aqueles dois laços de conteúdo patrimonial que apontamos acima. E, mais ainda, ficará difícil entrever os dois fatos jurídicos, absolutamente distintos, que propagaram aqueles efeitos. Verdadeiramente a primeira impressão é a de que houve apenas um acontecimento, tomado o legislador como base de incidência para irradiar duas diferentes relações jurídicas. [...] Posso resumir, dizendo que duas são as normas jurídicas – a regra-matriz de incidência do IPI e a regra-matriz de direito ao crédito – e, portanto, haverá duas hipóteses – a da venda realizada pelo comerciante “A” e a da compra efetuada pelo comerciante “B” – com duas conseqüências – a relação jurídica tributária entre A e F (ArjtF) e a relação de direito ao crédito entre B e F (BrjtF).

Depreende-se das explicações acima enunciadas a conclusão necessária de

que, em observância à legislação vigente observa-se a existência de duas relações jurídicas

distintas decorrentes do mesmo suporte fático. Trata-se, de um lado, da uma relação

destinada aplicar e recolher valores pecuniários aos cofres do sujeito passivo desta

relação, a outra vinculada ao direito subjetivo do crédito em relação a Fazenda Publica,

que aparece aqui no tópico de sujeito passivo.

Neste sentido, ainda, PAULO DE BARROS CARVALHO131 com propriedade

esclareceu:

Na fenomenologia do nascimento do débito tributário temos: (i) regra-matriz de incidência tributaria; (ii) acontecimento do evento previsto na hipótese da norma geral e abstrata; (iii) produção da linguagem competente por parte do administrado

131 Idem. Ibidem. p. 154.

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(em princípio) ou por parte do Fiscal, em atividade corretiva ou substitutiva, e extração da norma individual e concreta, em que figura o fato jurídico e a correspondente obrigação tributária, (iv) comunicação da norma individual e concreta ao Fisco, quando construída pelo contribuinte ou a este, na circunstância de ser editada pelo Poder Público; e (v) aparecimento formal do débito do imposto. [...] De modo símile, no processo de formação do direito ao credito temos: (i) regra-matriz de direito ao crédito; (ii) ocorrência do evento previsto no antecedente da norma geral e abstrata; (iii) relato dos acontecimentos pela via prescrita no direito positivo (linguagem competente), com a emissão da norma individual e concreta, seja pela autoridade fazendária, surgindo o fato jurídico e a respectiva relação que veicula o direito ao crédito do imposto; (iv) comunicação da norma individual e concreta ao órgão próprio da Fazenda ou, no caso de expedição pelo Fisco, a intimação do administrado; (v) aparecimento formal do direito ao crédito do imposto.

Pois bem. O que se busca reformar com a transcrição do festejadíssimo

jurista encerra o fato de que a compensação constitucionalmente qualificada (vinculada à

aplicação da não-cumulatividade), tomada como uma hipótese (dentre outras) para a

extinção do débito tributário advindo da incidência da regra-matriz do ICMS não é passível

de confusão com a esta (norma que disciplina a relação jurídica do próprio tributo). Isto

porque, conforme será visto adiante, possui norma jurídica própria sendo certo que os

critérios mínimos que compõe esta norma (elementos de sua regra matriz) sequer se

assemelham aos critérios enunciados pela regra matriz de incidência tributária do ICMS.

Com efeito. Todos estes esclarecimentos iniciais por ora prestados se fazem

necessários na medida em que se busca demonstrar que a operacionalização da

compensação qualificada encerra uma modalidade de norma jurídica instituída com vista

a disciplinar o pagamento do tributo. Em outros termos: temos na compensação tributária

a dissolução simultaneamente das relações de crédito tributário e de débito do Fisco:

Direitos e deveres funcionam como vetores de mesma intensidade e direção, mas de sentidos opostos que se anulam. No quadro da fenomenologia das extinções, a compensação ocupa o tópico de modalidade extintiva tanto do direito subjetivo como do dever jurídico, uma vez que o crédito do sujeito pretensor, num dos

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vínculos, é anulado pelo débito, no outro, o mesmo se passando com o sujeito devedor. Contudo, é importante registrar que a compensação apenas extingue as relações jurídicas caso o valor coincida. Caso exista essa parificação dos montantes prestacionais, algo remanescerá para qualquer dos sujeitos, permanecendo vivo, juridicamente, o laço obrigacional. A compensação aparecerá, nesses casos, como elemento redutor do objeto da prestação devida, não podendo, portanto, ser considerada extintiva.132

Por outro lado, situações existem nas quais o Fisco figura no pólo passivo

da relação jurídica. Fala-se, nesse caso, em “débito do Fisco”, conseqüência do fato do

pagamento indevido, e constituído, também, no consequente de outra norma individual e

concreta.

A compensação constitucionalmente qualificada e por ora tratada,

portanto, encerra uma forma extintiva das obrigações em geral, encontrando fundamento

de validade no artigo 368 do Código Civil, o qual disciplina que: “Se duas pessoas forem ao

mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações se extinguem, até onde se

compensarem”.

Em sendo assim, além de duas relações contrapostas (crédito tributário e

débito do Fisco), decorrentes da aplicação de normas jurídicas tributárias, para que a

compensação se aperfeiçoe, exige o artigo 170 do Código Tributário Nacional que as

relações tenham objetivos líquidos e certos. São requisitos a “certeza da existência” e a

“determinação da quantia” dos créditos e dos débitos que se pretendam compensar. Logo,

para o implemento da compensação é imprescindível a emissão de norma individual e

concreta pelo sujeito competente, pois é esse o veículo apto a constituir fatos e relações

jurídicas, objetivando, dentre outros, o objeto da prestação (quantum devido).

Desta feita, a norma da compensação constitucionalmente qualificada por

ora tratada no presente trabalho pressupõe a obrigação tributária e a relação de débito do

Fisco, devidamente introduzida no ordenamento jurídico por meio de normas individuais

e concretas. Exige a presença dessas duas normas para que, combinadas, ensejem a

produção de uma terceira.

132 Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário: linguagem e método. p. 477-478.

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127

2.1.1. O antecedente da norma jurídica da não-cumulatividade

Encontramos na proposição antecedente da norma jurídica da não-

cumulatividade a descrição de um determinado fato, juridicamente eleito pelo legislador

para ser disciplinado. Por sua vez, todo o fato, por encerrar um acontecimento

determinado, encontra-se identificado por coordenadas de tempo e espaço. Assim, fato,

tempo e espaço compõem o antecedente de toda a norma jurídica.

Tais critérios servem exatamente para a identificação dos fatos jurídicos

que, sendo devidamente constituídos como fatos jurídico-tributários descritos na

proposição-antecedente da regra-matriz de incidência tributária, têm o condão de

instaurar as respectivas relações jurídicas-tributárias.

Neste sentido, verifica-se o registro de PAULO DE BARROS CARVALHO133:

Temos de considerar assim a hipótese das normas tributárias. Ao conceituar o fato que dará ensejo ao nascimento da relação jurídica do tributo, o legislador também seleciona as propriedades que julgou importantes para caracterizá-lo. E, desse conceito, podemos extrair critérios de identificação que nos permitam reconhecê-lo toda a vez que, efetivamente, aconteça. No enunciado hipotético vamos encontrar três critérios identificadores do fato: a) critério material; b) critério especial e o c) critério temporal.

Diante destes esclarecimentos iniciais, passemos então a nos dedicar a cada

um dos critérios acima identificados.

2.1.1.1. O critério material

O critério material do antecedente da regra matriz de incidência tributária

contribui para a identificação dos fatos jurídicos, delimitando o núcleo do acontecimento a

ser promovido à categoria de fato jurídico. Trata-se de uma conduta realizada no universo

133 Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. p. 17.

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social e necessariamente passível de identificação no tempo e no espaço, tomada pelo

legislador para a produção de efeitos no universo do Direito.

Sobre este critério, registrou AURORA TOMAZINI DE CARVALHO134:

Para delimitar tal procedimento humano, encontramos expressões genéricas designativas de ações ou estados que envolvem pessoas (ex. causar dano; subtrair coisa alheia móvel; demitir empregado; ser proprietário de bem imóvel, etc.). O instrumento gramatical utilizado para distinguir uma ação ou estado é o verbo. Assim, esse núcleo por nós denominado critério material, será, invariavelmente, composto por: (i) um verbo, que representa a ação a ser realizada; (ii) seguido de seu complemento, indicativo de peculiaridades desta ação.

Desta feita, tomando-se como fundamento os valiosos ensinamentos acima

registrado, concluímos que encerrar o critério material da norma jurídica que disciplina a

não-cumulativa “a saída de mercadorias do estabelecimento, devidamente tributada pelo

ICMS e cuja operação esteja inserta em uma cadeia plurifásica de incidência deste tributo”.

Em outros termos: compõe o critério material da norma jurídica da

compensação constitucionalmente qualificada tratada neste trabalho o verbo “saída”

acompanhado dos complementos necessários: “tributada pelo ICMS” e “inserta em cadeia

plurifásica de incidência”.

Tal assertiva se justifica uma vez que, tomássemos em conta tão somente o

saída das mercadorias estaríamos diante do fato gerador da obrigação tributária do ICMS.

Assim, não é apenas a saída das mercadorias que fará surgir a incidência da norma jurídica

que disciplina a operacionalização da não-cumulatividade. Neste caso, tal incidência

encontra-se condicionada à confirmação de que tal saída tenha, efetivamente, sido

tributada pelo ICMS (o que faz gerar um débito para que o sujeito passivo possa

compensá-lo por esta norma de compensação), bem como toda esta operação encontre-se

inserta numa cadeia plurifásica de incidências, o que pressupõe o crédito escritural que

será compensado.

134 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-

semântico. 2ª Ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 383.

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Assim, não bastasse a saída das mercadorias, esta deverá ser acompanhada

do necessário nascimento do débito do imposto (saída tributada) bem como espelhar a

condição do contribuinte como detentor de créditos escriturais (conforme foi tratado no

Capitulo III deste trabalho). Apenas a composição destes elementos fará nascer a norma

jurídica que disciplina a não-cumulatividade. Por sua vez, na falta de um destes critérios,

não será possível reivindicar a sua aplicação.

2.1.1.2. O critério temporal

A contribuição do critério temporal, por sua vez, para a identificação dos

fatos recortados do mundo social para integrarem a classe dos fatos jurídico-tributários,

reside justamente em identificar, de forma precisa, o exato momento da ocorrência do

fenômeno jurídico da incidência tributária.

De fato. Em decorrência da informação oferecida quando do registro do

critério temporal que se pode identificar com exatidão o momento da ocorrência do

evento que, em razão da existência de uma norma jurídica que o regulamenta, será

promovido à categoria de fato jurídico.

Desta feita, importante se faz registrar que o critério temporal fixa o

instante em que o direito considera realizado o fato a ser promovido à categoria de

jurídico. Ademais, citado momento muitas vezes não coincide, por exemplo, com o próprio

momento de ocorrência do fato social, sendo plenamente aceitável tal premissa, uma vez

que compartilhamos da premissa de que o Direito pode criar suas próprias realidades.

Nesta linha, pois, esclareceu AURORA TOMAZINI DE CARVALHO135:

Até pouco tempo, acreditava-se que o critério temporal demarcava o instante de nascimento do vínculo jurídico. Tal entendimento, no entanto, não se enquadra no sistema de referência com o qual trabalhamos. O critério temporal, assim como toda delimitação da hipótese, aponta para a realidade social, com a função de identificar o exato momento em que o sistema jurídico considera ocorrido o fato a ser promovido à categoria de

135 Idem. Ibidem. p. 386.

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jurídico, mas enquanto este fato não for vertido na linguagem própria do sistema, nenhum efeito de ordem jurídica é gerado, apenas social. Neste sentido, o critério temporal não aponta para o momento em que se instaura o liame jurídico, mas para o instante em que se considera consumado o acontecimento a ser promovido à categoria de fato jurídico, a fim de que se possa identificar a norma a ser aplicada.

Em sendo assim, e buscando apontar o critério temporal que compõe a

regra-matriz que por ora se pretende traçar (regra-matriz da compensação decorrente da

aplicação da não-cumulatividade) impõe-se necessária a conclusão de que este momento

reside justamente quando da operacionalização, pelo contribuinte, da referida norma.

Ou seja: encerra o critério temporal da norma decorrente da aplicação da

não-cumulatividade o momento em que o contribuinte (sujeito ativo desta relação

jurídica) promover escrituralmente o encontro de suas contas contábeis para que, de um

lado indicando seus débitos e de outro listando seus créditos possa promover a

compensação que irá liquidar (ainda que parcialmente) o quanto por ele devido.

Assim, é este o momento (quando deste encontro de contas) que podemos

identificar a incidência na norma de compensação que está sendo tratada neste trabalho. É

partir daqui, inclusive, que, na posição de sujeito passivo em que é colocado o Fisco poderá

contestar a validade daquela operação, confirmando ou não o montante indicado como

crédito e como débito do ICMS pelo sujeito passivo. É este, pois, o termo inicial para o

prazo decadência do Fisco em constituir, caso neste sentido apure, a diferença do tributo

não pago por meio da compensação realizada.

2.1.1.3. O critério espacial

Por seu turno, e encerrando os elementos que compõem o antecedente da

norma jurídica que se está por traçar neste trabalho, o critério espacial da regra-matriz de

incidência tributária contribui para a identificação dos fatos jurídicos na medida em que

restringe os locais em que devem ser constatadas as respectivas ocorrências. Trata-se da

delimitação do local em que o evento (a ser promovido à fato jurídico) deva ocorrer.

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Não ingressaremos neste trabalho em orientações mais profundas sobre as

possibilidades de demarcação espacial para a identificação do critério espacial, ficando

restritos apenas à hipótese do critério espacial disciplinada pela norma jurídica de

compensação qualificada que se pauta a não-cumulatividade do ICMS.

Em sendo assim, identificamos como sendo o critério que aponta para a

mesma demarcação territorial do campo de vigência da norma jurídica da compensação

aqui tratada todo o território brasileiro, vez se tratar de norma jurídica

constitucionalmente prevista.

Desta feita, a exemplo do critério espacial da própria regra matriz de

incidência do ICMS, a delimitação traçada pelas diretrizes do critério espacial se confunde

com o campo territorial de vigência das normas.

2.1.2. O consequente da norma jurídica da não-cumulatividade

Ofertando seguimento, assim, a identificação dos critério que compõe a

regra-matriz de incidência do crédito tributário, passamos neste momento a analisar a

consequente desta norma.

Pois bem. Certo é que, na proposição consequente encontra-se a prescrição

da instauração de uma relação jurídica que, assim como qualquer outra relação jurídica é

composta por sujeito ativo, sujeito passivo, direito, dever e objeto, desde que devidamente

constituído o fato jurídico tributário descrito na proposição antecedente.

A propósito é o registro do renomado jurista PAULO DE BARROS

CARVALHO136:

Se a hipótese, funcionando como descritor, anuncia os critérios conceptuais para o reconhecimento de um fato, o consequente, como prescritor, nos dá, também, critérios para a identificação do vínculo jurídico que nasce, facultando-nos saber quem é sujeito

136 Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. p. 19.

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portador do direito subjetivo; a quem foi cometido o dever jurídico de cumprir certa prestação; e seu objeto, vale dizer, o comportamento que a ordem jurídica espera do sujeito passivo e que satisfaz, a um só tempo, o dever que lhe fora atribuído e o direito subjetivo de que era titular o sujeito pretensor.

Com efeito. Em se tratando da relação jurídica tributária, o objeto sobre o

qual se funda o direito e o dever de titularidade respectivamente do sujeito ativo e do

sujeito passivo, corresponde ao montante devido a título de tributo, daí decorrendo os

critérios pessoal e quantitativo da proposição-consequente da regra matriz de incidência

tributária.

Tais critérios servem para a identificação da relação jurídica tributária

instaurada em decorrência do fato jurídico tributário constituído, individualizando os

respectivos sujeitos ativo e sujeito passivo, bem como mensurando o referido objeto,

consistente no montante devido a titulo de tributo, a que se vinculam os respectivos

direito e dever.

Feitas tais considerações, voltamos nossa atenção para os dois critérios do

consequente de forma mais detalhada.

2.1.2.1. Critério subjetivo

A instauração da contribuição do critério pessoal para a identificação da

relação jurídica tributária, a partir da constituição do respectivo fato jurídico consiste na

individualização do sujeito ativo, correspondente a alguma entidade tributante, e do

sujeito passivo, que se trata propriamente do contribuinte.

No sistema o único meio que se dispõe para prescrever condutas é

estabelecendo relações entre sujeitos em torno de um objeto, as informações pessoais

contidas no consequente são imprescindíveis.

A composição da posição sintática de sujeito ativo do consequente

normativo é sustentada nas informações, presentes no texto legislado, que identificam o

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indivíduo a quem é conferido o direito de exigir o cumprimento da conduta prescrita

(titular do direito subjetivo), aquele em favor de quem se deve realizar a conduta. Já as

notas, que nos remetem ao individuo a quem é conferido o dever de realizá-la (portador

do dever jurídico), são utilizadas na composição do sujeito passivo.

Ressalta-se que o conceito pessoal do consequente é conotativo, ou seja,

nele encontramos um feixe de informações que delimita uma classe na qual se enquadra

inúmeros indivíduos, a serem identificados somente com a ocorrência do fato descrito na

hipótese. Contudo, em algumas ocasiões podemos encontrar uma parte do critério pessoal

já denotado na própria regra-matriz, como é o caso, por exemplo, do sujeito ativo

tributário que a própria lei, em caráter abstrato, prevê um dos entes federativos.

Pois bem. Em face das breves explicações incorre-se na constatação de que

encerram os sujeitos da relação disciplinada pela norma jurídica constitucionalmente

qualificada da compensação, de um lado, o contribuinte que dá ensejo à materialidade da

regra-matriz do ICMS e, de outro, os Estados, estes tomados aqui como entes federativos

propriamente dito.

Ou seja: observa-se figurando como sujeito passivo os Estados Federativos

cuja Constituição Federal atribuiu a competência constitucional para a fixação do ICMS e,

do lado oposto, como sujeito ativo dessa relação, o contribuinte, com a ressalva de

enquadrar-se este como aquele que deu ensejo à saída de mercadorias tributadas pelo

ICMS e, em contrapartida, ainda, possuía créditos escriturais deste tributo.

2.1.2.2. Critério Prestacional

Ingressando assim na análise do último critério que integra a regra-matriz

que por ora se apresenta neste trabalho, passamos a identificar, neste momento, o

elemento prestacional desta norma jurídica. Para tanto, apenas a título de esclarecimento,

temos aqui, diversamente dos elementos que compõe a regra matriz de incidência de um

tributo, o que AURORA TOMAZINI DE CARVALHO denominou de “critério prestacional”.

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Isto porque, a este elemento, quando indicado na regra-matriz de

incidência de um tributo é costumeiramente denominado por “critério quantitativo”, o

qual, por sua vez, divide-se em base de cálculo e alíquota.

Ocorre, contudo, que na busca em estender a aplicação da estrutura lógica

desta regra assim consignou a autora em referência:

Assim como o critério material define o núcleo da hipótese de incidência, o critério prestacional demarca o núcleo do consequente, apontando qual a conduta deve ser cumprida pelo sujeito passivo em favor do sujeito ativo. Considerando-se a forma relacional mediante a qual o direito prescreve as condutas que deseja regular, o critério prestacional é um feixe de informações que nos diz qual o dever jurídico do sujeito passivo em relação ao sujeito ativo e qual é o direito subjetivo que este tem em relação àquele137.

Especificamente neste ponto, e por abordar a regra matriz de uma forma

geral, altera a Autora em referência o critério quantitativo então ensinado por PAULO DE

BARROS CARVALHO138, justificando-se:

Em termos gerais, no entanto, não podemos adotar como regra a presença de um critério quantitativo no consequente das regras matrizes de incidência, pois nem sempre o objetivo da prestação é quantificado pelo legislador. Assim, na generalização (peculiar à teoria geral do direito), adotamos a presença de um critério prestacional, responsável pela indicação do objeto da relação jurídica a ser instituída com a ocorrência do acontecimento descrito na hipótese.139

Desta feita, chamamos as informações que identificam o objeto dos

vínculos entre sujeitos a serem estabelecidos juridicamente de “prestacional” no sentido

137 Aurora Tomazini de Carvalho. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico

semântico. p. 408. 138 “O centro de convergência do direito subjetivo, de que é titular o sujeito ativo, e do dever

jurídico cometido ao sujeito passivo, é um valor patrimonial, expresso em dinheiro, no caso das obrigações tributárias. Este, o sainete próprio da categoria obrigacional, em confronto com as demais relações jurídicas, cujo objeto não é dimensível em proporções econômicas”. (Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. p. 321).

139 Aurora Tomazini de Carvalho. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico semântico. p. 409.

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de que tal objeto configura-se numa conduta (prestação) a ser cumprida por alguém

(sujeito passivo) em favor de outrem (sujeito ativo).

Em sendo assim, e justificado a denominação de “critério prestacional”

certo é que, para a regra matriz em análise identifica-se como critério prestacional o

crédito escritural decorrente da entrada de mercadorias em que tenha havido o destaque

deste tributo na entrada do estabelecimento.

3. Breve síntese da regra matriz apresentada

Pois bem. Diante de todos os elementos que foram apresentados como

integrantes da regra matriz relacionada a norma jurídica constitucionalmente qualificada

que prescreve a operacionalização da compensação tributária decorrente da aplicação da

norma jurídica da não-cumulatividade podemos concluir encerrarem os critérios

fundamentais desta norma:

ESTRUTURA DA REGRA MATRIZ DA COMPENSAÇÃO DECORRENTE DA NÃO-

CUMULATIVIDADE DO ICMS

Antecedente Consequente

Logo, conforme buscou-se construir no presente capítulo, observa-se acima

a estrutura lógico-sintática que compõe a regra matriz norma jurídica que dispõe acerca

da não-cumulatividade do ICMS, encerrando-se assim a exposição que se pretendeu com a

confecção do presente trabalho.

Critério Material

saídas tributadas

e inserta em uma

cadeia plurifásica

de incidência do

ICMS

Critério Temporal

momento da

compensação

(encontro de

contas contábeis)

Critério Espacial

todo território

brasileiro

Critério Subjetivo

sujeito ativo:

Contribuinte que

pratica o fato

gerador

sujeito passivo:

Estados da

Federação

Critério Prestacional

crédito escritural

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Temos certo que, qualquer que seja o trabalho que se alce à pretensão de

científico não será passível uma conclusão definitiva sobre o assunto explorado.

Entendemos que, em ciência, os resultados de qualquer pesquisa devem permanecer

sempre abertos a novas considerações, ponderações e até mesmo reformas. Em sendo

assim, neste momento de fechamento do trabalho que por ora se apresenta tomamos o

cuidado de chamarmos estas últimas palavras por “considerações finais”.

Pois bem, Na introdução a este estudo buscamos compartilhar nossa

motivação para a elaboração das linhas que se seguiram. Ficou claro que, mais do que

qualquer outro fator externo, nossa “inquietude” em ver esclarecidas algumas questões

sobre o tema apresentado decorria ela mesmo da dificuldade que enfrentávamos ao

depararmo-nos com estas questões controvertidas em nossa vida pratica. Neste passo, a

medida que as indagações inicialmente formuladas iam sendo solucionadas, sugiram

novas e novas dúvidas, as quais buscamos tentar respondê-las.

Contudo, por se tratar o conhecimento fonte inesgotável de novos

questionamentos, esclarecemos que o que se buscou com este trabalho foi tão somente,

como já mencionado na introdução, traçar uma sistematização da aplicação da norma

jurídica que disciplina a sistemática de operacionalização da não-cumulatividade. Assim,

em face dos nossos objetivos inicialmente traçados acreditarmos ter atingido os objetivos

traçados com a elaboração deste trabalho.

Desta forma, apresentamos no Capítulo I um histórico acerca da norma de

compensação relacionada à não-cumulatividade do ICMS e demonstramos existir

diferenças essenciais entre esta norma e a figura tributária do imposto incidente sobre o

valor agregado. Analisando a estrutura de ambas estas figuras pudemos concluir que,

inobstante fundamentadas em raiz axiológica comum, qual seja, a busca pela neutralidade

fiscal, tomadas as formas pelas quais se busca atingir esta finalidade incorrem tais figuras

legais em classificações totalmente distintas.

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Assim, pudemos observar ainda que o ICMS não incide sobre o valor

agregado das mercadorias e serviços objeto de circulação, mas, ao contrário, toma como

sua base de cálculo o valor total da operação praticada, não sendo possível deste modo,

falar-se em tributação incidente sobre um “valor agregado”, confusão esta muito comum

na doutrina jurídica brasileira.

Demonstramos no Capítulo II, por conseguinte, o desenho

constitucionalmente traçado para a figura jurídica da não-cumulatividade do ICMS bem

como empreendermos à análise da carga axiologia vinculada a tal norma, a qual

verificamos encontra-se diretamente relacionada à busca em se evitar a oneração

excessiva da cadeia produtiva e comercial de mercadorias e serviços, analisando ainda as

exceções a esta norma jurídica compensatória constitucionalmente qualificada e

concluindo pela existência de duas hipóteses da figura de um ICMS cumulativo.

Na sequência, observamos no Capítulo III questão atinente a necessária

escrituração do montante de ICMS destacado em documentos fiscais próprios quando da

entrada de mercadorias em um estabelecimento inserto na cadeia plurifásica de incidência

deste tributo. Deste modo, restou demonstrado encerrar o crédito fiscal (escriturado)

requisito indispensável para a operacionalização da norma de compensação, chegando-se

à conclusão, ao final, de que mencionado crédito nada mais encerra senão moeda

escritural utilizada na função de pagamento destes débitos.

Por sua vez, no Capítulo IV posicionamo-nos no sentido de identificar a

norma jurídica da não-cumulatividade um processo especial de pagamento do débito de

ICMS apurado nas saídas de mercadorias tributadas por este imposto, classificando-a –

com fundamento na teoria das normas jurídicas proposta pelo catedrático espanhol

GREGÓRIO ROBLES MORCHÓN – espécie de norma procedimental.

Por fim, no Capítulo V apresentamos a construção estrutural de uma norma

jurídica que disciplina esta norma compensatória, identificando os elementos (critérios)

que compõe a regra-matriz da norma de compensação responsável pela operacionalização

da não-cumulatividade. Tal conclusão tornou-se viável na medida em que, reforçando o

quanto já havia sido analisado, inobstante possuir mesma natureza jurídica (tributária)

encerra esta norma jurídica (não-cumulativa) relação jurídica diversa tornando possível o

desenho da regra matriz de incidência própria. Encerraremos assim nosso trabalho

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apresentando os cinco critérios (material, temporal, espacial, subjetivo e prestacional) que

compõe a norma jurídica da compensação tributária constitucionalmente qualificada.

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