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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MÔNICA PIMENTA JÚDICE O PROCESSO MARÍTIMO À LUZ DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MÔNICA PIMENTA JÚDICE

O PROCESSO MARÍTIMO À LUZ DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MÔNICA PIMENTA JÚDICE

O PROCESSO MARÍTIMO À LUZ DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Dissertação apresentada à banca examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do grau de

Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, sob a orientação do

Professor Titular Dr. Donaldo Armelin.

São Paulo

2014

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BANCA EXAMINADORA

________________________________

Orientador: Prof. Dr. DonaldoArmelin

_____________________________

_____________________________

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Dedico este trabalho ao meu orientador, Donaldo

Armelin, que, sem se dar conta, possui uma escola

paralela aos muros da PUC/SP por ser um grande

humanista nas suas relações e no seu modo de

pensar o processo como uma técnica importante

para o homem e para a justiça do país.

A minha família, a quem devo a possibilidade de

simplesmente poder Ser.

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AGRADECIMENTOS

Lembro-me de meu primeiro dia de aula como ouvinte da Professora Teresa Arruda

Alvim Wambier, no mestrado da PUC/SP, após meus primeiros seis meses na cidade.

Havia uma amálgama de sensações inusitadas pela concomitância em que se

estabeleciam dentro de mim uma imensa alegria de estar ali ao lado de pessoas que

considerava tão qualificadas, e com as quais tenho hoje orgulho de conviver e ter como

amigas, ao mesmo tempo em que sentia uma insegurança que me tomava conta, ainda

mais quando tive o despautério de ser a primeira na exposição com o tema “Poderes do

Relator”, com o Marcus Vinicius Abreu Sampaio, que tem um denso trabalho de

mestrado sobre o assunto, e ainda, também na mesa, a Cláudia Schwerz Cahali e “de

brinde” a Professora Paula Costa e Silva, de Portugal. O tormento foi grande, confesso.

Mas o carinho com que lembro desses momentos em sala de aula é imensamente maior.

É comum no âmbito de meu convívio a sabedoria de que “há gestos na vida que não

podem passar ao largo da gratidão”. Aqui, cabe a mim agradecer:

Ao Professor Donaldo Armelin, meu estimado orientador, agradeço, com toda minha

profunda admiração, pelo acolhimento no mestrado da PUC/SP, bem como pelas mais

sensíveis lições que tive em sala de aula e no desenvolvimento desta obra.

Aos Professores do Mestrado da PUC/SP, Antônio Carlos Mendes, Arlete Aurelli

Inês, Cássio Scarpinella Bueno, Eduardo Arruda Alvim e Teresa Arruda Alvim

Wambier, pelo fraterno convívio, transmitindo ensinamentos que me estimularam a

aprender e que, certamente, enriqueceram firmemente esta pesquisa.

Ao Professor Marcus Vinicius Abreu Sampaio, por todo o estímulo acadêmico,

confiando que o assistisse semanalmente nas aulas da graduação da PUC/SP, ao lado

dos expoentes do processo civil, Cristiane Druve Tavares Fagundes, Henrique Àvila,

Mônica Monteiro Porto, Stella Economides Maciel e Thais Matallo Cordeiro.

Aos membros da minha banca de mestrado da PUC/SP, Luiz Eduardo Mourão e

William Santos Ferreira, sob a guarida do meu estimado orientador, Donaldo

Armelin, registro meu agradecimento por todas as observações realizadas para o

máximo aproveitamento do trabalho acadêmico.

Aos “mentores acadêmicos”, Fabiano Carvalho, Georges Abboude, Rodrigo Barioni,

que se dispuseram a debater o inusitado tema em seus peculiares detalhes.

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Ao Nelson Cavalcante e Silva, profissional que muito admiro, por todo o apoio de

pesquisa científica sobre o direito marítimo brasileiro e comparado, por sua

generosidade acadêmica, o que inegavelmente contribuiu para a qualidade do

progresso da matéria.

Aos amigos da PUC/SP, apelidados carinhosamente de equipe, o que manifesta o

verdadeiro espírito de dedicação ao conhecimento, pelo respeito e incentivo que

recebi no decorrer de toda minha vida acadêmica, Há aqueles que não poderia deixar

de mencionar no meu caminho acadêmico: Glauco Gumerato Ramos, Evie Nogueira e

Malafaia, Izabel Cristina Pinheiro Cardoso Pantaleão, José Eduardo da Costa

Fonseca, Letícia Arenal Silva, Lúcio Delfino, Marina Stella de Barros Monteiro,

Mirna Cianci, Rita Quartieri e Sérgio Luiz de Almeida Ribeiro.

Aos amigos do grupo de estudo do Professor Paulo de Barros Carvalho, em especial

Arthur Paiva Monteiro Rêgo, Carlos Augusto Daniel Neto e Milena Abdalla

Chicarelli, pela solidificação de uma amizade.

Ao amigo Wilson Levy, que me inseriu na experiência do realismo fantástico em um

momento primoroso conduzido pelo Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior.

Aos meus amigos capixabas, em especial Alessandra França Lana, Clara Bonna

Pignaton, Elisa Marques Fonseca, Fernanda Guimarães Abreu, Liana Macedo Haje

Silva, Mariana Carminati Bettarello, Mariela Celestino de Oliveira, Raquel Fabris

Moscon, Raquel Carvalho Sella, Sylvia Louzada Bumachar e Thais Forzza Silva,

registro meu profundo agradecimento por, às vezes, mesmo sem se darem conta, me

possibilitarem enxergar uma saída onde não parecia existir nenhuma. Incluo ainda

meus parceiros Aline Perim de Sousa e Werner Braun Rizk, pelo apoio de sempre.

Ao Murilo Sodré de Abreu, meu amor, que me ensina e me guia, obrigada por

acreditar que era possível atravessar esse momento ainda mais fortalecidos.

À minha querida família, pelo apoio incondicional, meu muito obrigada, sem vocês

esta caminhada seria definitivamente ainda mais árdua.

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“Para mim, o importante é o processo de pensar (...). Eu quero é compreender. E se os outros compreenderem – no mesmo sentido que compreendi – isso me dá uma sensação de satisfação, é como se sentir em casa”. – HANNAH ARENDT – O QUE RESTA. RESTA A LÍNGUA.

“No mundo há três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que navegam. Só aos homens do mar deve ser dada a capacidade de julgar as decisões tomadas no cenário marítimo”. – VICTOR HUGO. TRABALHADORES DO MAR.

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RESUMO

Ainda que por intermédio de poucas palavras, julga-se conveniente delimitar e aclarar

o objeto deste trabalho. Em época de intensa atividade legislativa, acirrou-se o debate

acerca da natureza da decisão proferida pelo Tribunal Marítimo Brasileiro quando o

art. 529, inciso X do NCPC (versão aprovada pela Câmara dos Deputados) atribuiu

força de título executivo judicial ao acórdão marítimo. Neste trabalho, e nos limites de

uma dissertação de mestrado, o propósito é estudar a possibilidade de exercício de

atividade jurisdicional fora do âmbito exercido pelo Poder Judiciário – em uma

espécie do que aqui se denominou “jurisdição compartilhada” – do enfoque da

atividade judicante desempenhada pelo Tribunal Marítimo, na Lei n. 2.180/54 (Lei

Orgânica do Tribunal Marítimo – LOTM). Fixada, em linhas essenciais, a delimitação

do tema, convém enunciar resumidamente o programa de nossa investigação. De

inicio, discorreu-se sobre o direito marítimo como ciência autônoma, com destaque

para sua codificação, seu conceito, suas fontes e seus limites espaciais. Em seguida,

abordaram-se os procedimentos marítimos especiais que constam expressamente nos

CPC/39, CPC/73 e NCPC. Para uma análise do processo marítimo, pareceu-nos

absolutamente necessário, ainda que de forma concisa, acompanhar a evolução do

conceito de jurisdição, adentrando-se, enfim, na segunda parte do trabalho, no tocante

à revisão judicial das decisões do Tribunal Marítimo – revolvendo a hipótese do

exercício da atividade jurisdicional fora da estrutura judiciária.

Palavras-chave: Direito Marítimo. Processo Marítimo. Direito Processual Civil.

Novo Código de Processo Civil (NCPC). Jurisdição Compartilhada. Tribunal

Marítimo. Poder Judiciário. Procedimentos Especiais Marítimos.

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ABSTRACT

Despite the length limitation of an abstract, it is considered appropriate to define and

clarify the object of this work. In times of intense legislative activity, the debate

concerning to the nature of the decision given by the Maritime

Court strengthened when the art. 529, item X of the Brazilian New Procedural Code

(enacted on House of Representatives version) gave force to the maritime court as an

enforceable judgment. In this study, within the limits of a master thesis, our purpose is

to research the possibility of exercising judicial activity outside the boundaries of the

Judiciary Power - here called "shared jurisdiction”, where we will be able to highlight

a focus on the activity performed by the Maritime Court. On the ground of this

delimitation of the subject, we shall briefly input our research outline. Initially, it was

analyzed the maritime law as an autonomous science with emphasis in its

codification, its concept, its sources and its spatial boundaries. Then, it was examined

the special maritime procedures listed in the Codes CPC/39, CPC/73 and NCPC. For

a deep investigation of the maritime special due process, it was consider absolutely

necessary, yet concisely, to track the historical evolution of the concept of jurisdiction

in order to be able to enter the second part of the work with regards to judicial review

of decisions of the Maritime Court - linking, thus, to the so-called

shared jurisdiction by having the Maritime Court performing judicial activity.

Key-words: Maritime Law. Maritime Process. Shipping Law. Civil Procedure

Litigation. Brazilian New Code of Civil Procedure (NCPC). Shared Jurisdiction.

Maritime Court. Judiciary. Special Maritime Procedure.

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................. 1 1. Direito marítimo e processo civil – um diálogo necessário ......................................... 3 2. Direito marítimo: generalidades ................................................................................... 6 2.1 A Codificação do Direito Marítimo ........................................................................... 9 2.2 Fontes do Direito Marítimo ...................................................................................... 14 2.3 Limites Espaciais do Direito Marítimo .................................................................... 17 2.3.1 Mar Territorial Brasileiro ...................................................................................... 18 2.3.2 Zona Contígua ....................................................................................................... 19 2.3.3 Zona Econômica Exclusiva ................................................................................... 19 2.3.4 Plataforma Continental .......................................................................................... 21 2.3.5 Alto-Mar ................................................................................................................ 22

PARTE I: Dos Procedimentos Jurisdicionais Marítimos ................................................... 23 3. Análise dos Procedimentos Marítimos Especiais – CPC/39, CPC/73 e NCPC ......... 23 3.1. Dinheiro A Risco ..................................................................................................... 25 3.2 Apreensão de Embarcações ...................................................................................... 29 3.3 Avaria a Cargo do Segurador ................................................................................... 31 3.4 Arribada Forçada ...................................................................................................... 33 3.5 Protesto Formadoa Bordo ......................................................................................... 34 3.6 Vistoria das Fazendas ............................................................................................... 38 3.7 Avaria ....................................................................................................................... 40

PARTE II: Revisão Judicial das Decisões do Tribunal Marítimo ..................................... 44 4. A Jurisdição Brasileira: Conceito e Acepções do Termo Jurisdição ......................... 44 4.1 Revisão Atualizada de Jurisdição e Acesso à Justiça ............................................... 49 4.2 Características da Atividade Jurisdicional ............................................................... 54 4.3 Os Poderes no Estado Democrático de Direito ........................................................ 65 4.4 Mudança de Paradigma da Função Judicial ............................................................. 69 4.5 A Resposta Judiciária de Qualidade ......................................................................... 72 4.6 O Pluralismo Participativo ....................................................................................... 73 5. O Processo de Julgamento do Tribunal Marítimo ...................................................... 77 5.1 Composição do Tribunal Marítimo .......................................................................... 80 5.2 A Natureza Jurídica do Tribunal Marítimo .............................................................. 83 5.3 A Competência do Tribunal Marítimo ................................................................... 100 5.4 As Fases do Processo Marítimo ............................................................................. 117 5.5 Os Efeitos da Decisão do Tribunal Marítimo ......................................................... 123 5.5.1 Título Executivo Judicial (NCPC) ...................................................................... 127 5.6 Limites da Revisão Judicial .................................................................................... 136 5.6.1 Notícia do Direito Estrangeiro ............................................................................ 144 6. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 149 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 151 ANEXO  .................................................................................................................................................  160  

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INTRODUÇÃO

A escolha do tema foi motivada partindo da polêmica acerca da natureza do

Tribunal Marítimo Brasileiro – se autônoma ou administrativa –, bem como da

discussão no tocante à própria natureza de suas decisões. O debate tornou-se ainda

mais contemporâneo diante da aprovação, pela Câmara dos Deputados, da versão do

Novo Código de Processo Civil (NCPC), que em seu art. 529, inciso X, atribui força

de título executivo judicial aos acórdãos do Tribunal Marítimo.

Considerando que questionamentos exsurgirão, optou-se por estruturar de

forma didática os capítulos iniciais, a fim de possibilitar a compreensão do Direito

Marítimo. Dessa perspectiva, iniciou-se o trabalho discorrendo sobre esse direito

material, com destaques para sua forma de codificação, seu conceito, suas fontes e

seus limites espaciais dentro do território brasileiro. Em seguida, procedeu-se à

análise da jurisdição no direito brasileiro, inclusive com a abordagem dos

procedimentos marítimos especiais que constam expressamente nos CPC/39, CPC/73

e NCPC.

Traçados esses conceitos preliminares necessários ao percuciente exame da

matéria central do presente trabalho, adentrou-se, enfim, na segunda parte do trabalho,

no tocante à revisão judicial das decisões do Tribunal Marítimo – revolvendo a

hipótese da possibilidade de exercício da atividade jurisdicional fora do âmbito

exercido pelo Poder Judiciário – denominada de jurisdição compartilhada –, em que

se indaga se seria atividade jurisdicional também aquela desempenhada pelo Tribunal

Marítimo na Lei n. 2.180/54 (Lei Orgânica do Tribunal Marítimo – LOTM).

Isso porque o Tribunal Marítimo Brasileiro está, por força da Lei n. 2.180/54,

também vinculado (quiçá, principalmente) ao Poder Executivo. Porém, se, por um

lado, não tem ligação direta com a estrutura do Poder Judiciário (CF/88, art. 92), por

outro, tem características que beiram muitíssimo sua estrutura organizacional, ao

possuir atribuições como julgar (os responsáveis por acidente ou fato da navegação) e

aplicar sanções, bem como por possuir garantias equivalentes às garantias e

prerrogativas de juízes para seus membros e jurisdição em todo o território nacional, o

que acaba por gerar a pertinente dúvida quanto a sua natureza.

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Esclareça-se que os capítulos que precedem a análise da revisão judicial das

decisões do Tribunal Marítimo foram elaborados para que o leitor possa se situar no

tema, de modo a visualizar esse direito material especial em cotejo com o sistema de

direito contemporâneo. Não se olvidou, pois, de se tecerem algumas breves

considerações acerca da estrutura autônoma do direito marítimo e do próprio conceito

de atividade jurisdicional no Estado Democrático do Direito (EDD). Nada obstante

tenha sido necessário percorrer um caminho para a construção do raciocínio que será

útil, passa longe da pretensão do trabalho o esgotamento dos assuntos reflexos.

Oportuno registrar que – ainda que haja referências à legislação estrangeira e a

doutrinadores de outras nacionalidades que não a brasileira – tampouco, buscou-se

traçar um estudo comparativo do direito marítimo nos diversos países.

Um tanto distante do que se tem verificado, pretende-se contextualizar o

processo marítimo à luz do direito processual civil contemporâneo. Isso porque –

imbuído aqui da premissa de que o conceito de jurisdição refletirá a própria essência

da atividade judicante – qual seja: toda autoridade conferida por lei a um agente,

órgão ou instância, em virtude da qual se atribuirá sentido à norma diante da

problematização do caso concreto –, será possível compreender que o acórdão do

Tribunal Marítimo possui natureza jurisdicional substancial.

Daí porque os capítulos seguintes tratarão de analisar toda a estrutura

organizacional do Tribunal Marítimo, bem como o processo marítimo lá apurado e as

hipóteses de sua competência para julgamento da responsabilidade por fato ou

acidente da navegação, conferida a ele, por lei federal, quando, então, chega-se à

necessidade de recomendar, ainda que lege ferenda, uma proposta que inclua – por

meio de Emenda Constitucional – esse tribunal como órgão formalmente integrante

do Poder Judiciário, uma vez verificado que a maioria dos requisitos intrínsecos do

conceito de jurisdição encontra-se aproximada em suas decisões.

Dessa forma, ingressa-se na provocação a que conscientemente o trabalho se

dedica: verificar as hipóteses de exercício de atividade jurisdicional substancial que

envolvam o direito marítimo, incluindo aquelas desempenhadas pelo Tribunal

Marítimo, sendo elas ponderadas à luz do direito processual civil contemporâneo e

sob a visão do Estado Democrático de Direito (EDD), ciente sempre da riqueza desse

direito material e de sua constante necessidade de fortalecer sua identidade.

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1. Direito marítimo e processo civil – um diálogo necessário

É clássica a afirmação de que o Estado, no exercício do seu poder soberano,

exerce três funções: legislativa, administrativa e jurisdicional1. O presente estudo

recairá sobre essa última – a atividade jurisdicional –, revisitada e contextualizada no

Estado Constitucional de Direito, a partir de uma análise pós-positivista, de que o

elemento interpretativo seria indissociável do conceito de jurisdição, tendo sido

necessária a opção por um paradigma hermenêutico adequado – de modo a não

corroborar com parte da doutrina processualista brasileira devotada a um modelo

meramente silogístico de aplicação do direito e conceitos históricos dos institutos

fundamentais do direito processual civil (ex. vi. jurisdição e ação).

Dessa forma, aquela ideia inicial de que haveria atividade jurisdicional

somente quando o Estado-Juiz declara direitos, não mais subsiste. No acesso

hermenêutico, conforme se verá adiante, o exercício da função jurisdicional refletirá a

própria essência da atividade judicante, qual seja: um poder ou uma autoridade

conferida por lei, em sentido estrito, a agente, órgão ou instância, em virtude dos

quais se atribuirá sentido à norma diante da problematização do caso concreto,

prevenindo-o ou solucionando-o, superando-se, assim, a metodologia positivista de

que a decisão é um ato de mero silogismo (em que texto e norma se confundem),

como pretende parte da doutrina processual, que ainda insiste em separar o fenômeno

da compreensão, da interpretação e da aplicação do direito.

A doutrina vem há muito tempo preocupando-se em distinguir a jurisdição das

outras funções estatais 2 , principalmente no tocante à atividade do Estado

Administrador. É certo que tal distinção é importante para a adequada compreensão

do instituto, mas muito mais importante é reconhecer que há pontos em comum em

destaque: em todas as três funções do Estado, há manifesta atividade interpretativa

que evidencia o próprio poder soberano (uno e indivisível).

Tal assertiva leva a crer que, em todas as manifestações de tal poder, há de se

atentar também para os princípios norteadores da organização do Estado 3

Democrático de Direito (EDD), bem como para as características estruturais dessa

organização (CF/88, art. 125). De modo que, além de ser absolutamente necessário                                                                                                                1CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 75.  2CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 75.  3 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 75.  

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que o juiz respeite a equidade dos procedimentos previstos, ele também respeite a

coerência de princípios que compõem a integridade da comunidade. Isso nos leva a

crer que, em um Estado Democrático de Direito (EDD), legalidade e legitimidade,

cada uma com sua qualidade, são características peculiares do poder4.

Dessa perspectiva um tanto renovada, impõe-se, tanto mais quanto se

considere, que assim como a atividade administrativa não está mais isoladamente

centrada exclusivamente no Poder Executivo, também a atividade jurisdicional vem

sendo praticada por outros agentes, órgãos e instâncias, inclusive do terceiro setor

(v.g. Conselho Tutelar, na área da criança e adolescente).

Igualmente, os Tribunais de Arbitragem, aos quais se vem reconhecendo

também natureza jurisdicional, para dirimir conflitos que envolvem o Poder Público;

os órgãos de regulamentação e fiscalização de atividade profissional – de forma que a

função judicante, em sentido largo, vem sendo consentida – por meio de lei (em

sentido estrito) – a agentes, órgãos ou instâncias não integrantes da estrutura judiciária

estatal (CF/88, art. 92), na tendência à desjudicialização dos conflitos, a exemplo dos

Tribunais Desportivos (CF/88, art. 217), os Tabelionatos (CPC, art. 982, 1124-A e Lei

n. 11.441/07), as Comissões de Conciliação Prévia na Justiça do Trabalho (CLT, art.

625-D e Lei n. 9.958/00)5, a Arbitragem (art. 1º da Lei n. 9.307/96) e o Tribunal

Marítimo (art. 1º da Lei n. 2.180/54), sendo este último matéria de estudo.

É nesse cenário que a análise no tocante ao processo marítimo brasileiro será

realizada, à luz do direito processual civil contemporâneo.

O presente trabalho encontra-se dividido em duas partes: a primeira aborda os

procedimentos jurisdicionais marítimos (CPC/73, art. 1.218), e a segunda, a revisão

judicial das decisões do Tribunal Marítimo, passando pela análise do Novo CPC

(NCPC), aprovado pela Câmara dos Deputados, que atribui força de título executivo

judicial aos acórdãos do Tribunal Marítimo.

Nessa linha de raciocínio, uma abordagem da Lei n. 2.180/54 – conhecida

como Lei Orgânica do Tribunal Marítimo (LOTM), será realizada à luz do direito

processual civil contemporâneo, em especial, sob a égide do princípio da efetividade

(CF/88, art. 5º, LXXIV), corolário de um Estado Constitucional, que permitirá uma                                                                                                                4 “A legitimidade é a qualidade do título do poder e a legalidade a qualidade do seu exercício”. In: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 426.  5 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 357.  

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mudança de paradigma legitimador da função judicial do Estado (rectius: composição

justa dos conflitos) e, via de consequência, o resgate institucional da Corte Marítima.

Nada mais atual que a despeito da natureza do provimento estatal, este

encontre estabilidade processual. Urge o enfrentamento desse estado de coisas,

mediante o implemento de uma política judiciária em mais de uma frente: mudança de

mentalidade do jurisdicionado brasileiro; efetiva informação à população quanto aos

outros modos de resolução de conflitos; valorização destes últimos mesmo no âmbito

dos processos judiciais em curso; prévio encaminhamento dos contraditores aos

agentes, órgãos e instâncias capacitados à composição justa do conflito; concepção

residual do acesso à Justiça estatal, por modo a valorizá-la e preservá-la para a

recepção das lides relevantes para a comunidade, efetivamente complexas, ou ainda

aquelas que, em razão de peculiaridades da matéria ou das pessoas envolvidas, não

comportam resolução por outros meios, inclusive as ações ditas necessárias6.

Nesse cenário acima representado é que o presente trabalho se desenvolve, de

modo que se evidencie, a cada passo aqui discutido, a necessidade de um diálogo

renovado sobre o direito marítimo brasileiro (LOTM, Lei n. 2.180/54), inserido em

um Estado Constitucional, à luz do direito processual civil contemporâneo, a fim de

possibilitar que as decisões do Tribunal Marítimo, altamente qualificado para matérias

relacionadas a questões marítimas, não fiquem à margem do sistema jurídico do país,

mas que, ao invés, acompanhe a tendência internacional, de conferir estabilidade

institucional àquele a quem compete verificar a autoria de um acidente da navegação.

                                                                                                               6 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Resolução dos Conflitos e a Função Judicial no Contemporâneo Estado de Direito. Revista de Processo, vol. 888, out-2009, p. 9.  

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2. Direito marítimo: generalidades

O DIREITO é um sistema complexo de normas jurídicas7. Dessa perspectiva,

tem-se como conceito de DIREITO MARÍTIMO: o conjunto de regras relativas a

navegação que se faz sobre o mar8. Mais além, Ahamada9 assevera que:

o direito marítimo é um conjunto coordenado de construções, idéias ou instituições jurídicas emanadas de um Poder Público efetivo e destinados a realizar-se ou a atualizar-se na vida humana de relação social, no teatro do mar ou em relação aos espaços marítimos.

Já Grael10 sustenta que “é o direito que tem por objeto a ordem jurídica que

rege o meio marinho e as diversas utilizações de que é suscetível”. George Ripert

assevera que:

o direito marítimo é considerado muitas vezes como ramo do direito comercial, porque as regras que disciplinam o comércio por mar se ligam ao estudo das relações jurídicas nascidas do comércio por terra e comentário das fontes legislativas autoriza tal processo de exposição doutrinal. Todavia, uma razoável corrente de doutrina envereda pelo caminho da autonomia do direito marítimo e esse esforço já deu seus frutos, pois foi publicado, na Itália, o moderno Código de Navegação e, em Portugal, completou-se o Código de Navegação Marítima. O certo é que tal direito tem uma ficção própria e a maior parte das suas regras é especial. Não pode deixar de ser tratado em toda a sua originalidade, não como disciplina dependente, mas com o seu verdadeiro caráter: direito relativo a todas as relações jurídicas de que o mar é teatro, ou o comércio marítimo o objeto11.

No ponto acima retratado, o direito marítimo é um conjunto de normas que

visa a regular o comércio marítimo. Trata-se de uma definição parcial do direito

                                                                                                               7 Este recorte encontra-se bem definido por Paulo de Barros de Carvalho (Apostila do Curso de Teoria Geral do Direito, p. 141): “Trato o direito positivo adotando um sistema de referência, e esse sistema de referência é o seguinte: Primeiro, um corte metodológico, eu diria de inspiração kelseniana – onde houver direito haverá normas jurídicas, necessariamente. Segundo, corte – se onde houver direito, há necessariamente normas jurídicas, nós poderíamos dizer: onde houver normas jurídicas há necessariamente uma linguagem em que estas normas se manifestam. Terceiro corte – o direito é produzido pelo ser humano para disciplinar os comportamentos sociais; vamos torná-lo como um produto cultural como todo aquele produzido pelo homem para obter determinado fim”.In CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito, São Paulo: Noeses, 2010, p. 83.  8RODIERE, apud Strenger, Irineu. Direito Moderno em Foco: Responsabilidade Civil, Direito Marítimo e Outros, São Paulo, RT, 1986, p 75.  9AHAMADA, apud Strenger, Irineu. Direito Moderno em Foco: Responsabilidade Civil, Direito Marítimo e Outros, São Paulo, RT, 1986, p 74.  10GRAEL, Gilbert. Traite de DroitInternationalPublic de laMer, apud Strenger, Irineu. Direito Moderno em Foco: Responsabilidade Civil, Direito Marítimo e Outros, São Paulo, RT, 1986, p 75.  11RIPERT, Georges. Droit Maritime. 2aed. vol. 1, n. 1, n. 85, 1913. In MARTINS, p. 5.  

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marítimo, uma vez que o restringe às relações comerciais e suprime perspectivas da

navegação marítima – razão pela qual a melhor definição seria aquela que explica o

direito marítimo como um conjunto de regras que tenha conexão com o mar em geral.

Nesse passo, resta clara a afirmativa de que as normas do direito marítimo

abrangem as relações atinentes ao tráfego marítimo e ao tráfico marítimo. Eliane M.

Octaviano Martins bem elucida que:

o primeiro trata do comércio marítimo efetivamente, a atividade empresarial do transporte e consequente exploração do navio como meio de transporte (normas de direito privado) e o segundo, a contrario sensu, trata de normas atinentes ao tráfego marítimo – navegação marítima – com preponderância do fator político e do poder estatal (normas de direito público)12.

Nota-se, desde logo, a ausência de preponderância de interesse público ou

privado nesse ramo do direito, considerado direito misto. Sem haver predominância,

há confusão de interesse público ou social com o direito privado 13 . Oswaldo

Sammarco leciona que:

A distinção entre a esfera pública e privada, confusa e sem nitidez, observou Ferraz Júnior, faz da separação entre direito público e privado uma tarefa difícil de se realizar. E não obstante entender que a dicotomia entre direito público e privado ainda persevera – pelo menos por sua operacionalidade pragmática – reconheceu o surgimento de campos jurídicos intermediários, nem públicos nem privados como o direito do trabalho de modo que os tradicionais conceitos dogmáticos sentem dificuldade de se impor. (...) Pelo seu caráter peculiar e sua formação histórica, nós podemos dizer que o direito marítimo é exemplo clássico dessa concepção. Sob este prisma, o insigne mestre concluiu que alguns ramos do direito positivo são caracterizados basicamente por serem híbridos ou mistos (direito misto), ao contrário das outras duas espécies que se distinguem basicamente por estarem relacionadas ao interesse público ou privado. Como ramos do direito misto considerou o direito do trabalho, o direito previdenciário, direito econômico, direito do consumidor e o direito ambiental, (...) o direito marítimo14.

No âmbito do DIREITO MARÍTIMO PÚBLICO, enquadram-se as normas do

tráfego dentro dos limites geográficos espaciais da jurisdição, sendo certo que

compreende outros ramos: direito marítimo administrativo, direito marítimo penal,

direito marítimo processual, direito marítimo constitucional, direito do trabalho

marítimo, direito tributário marítimo e direito processual marítimo. Já no âmbito do                                                                                                                12 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a Ed. Barueri: Manole, 2005, p. 12.  13 GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 241.  14 SAMMARCO, Oswaldo. Fenomenologia do Direito Marítimo. Santos: Unimes, 2000, p. 6.  

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DIREITO MARÍTIMO PRIVADO ou direito comercial marítimo encontram-se os

contratos marítimos e instituições que a eles se prendem15.

Em todos os aspectos do direito marítimo, Pardessus registrou como

elementos específicos do direito marítimo: a universalidade ou uniformidade, a

imutabilidade e a origem costumeira 16 . Berlingieri motiva essa autonomia

especialmente na internacionalidade e na segurança da navegação 17 – caráter

intrínseco próprio do direito marítimo.

Nessa linha de raciocínio, têm-se as seguintes características inerentes ao

direito marítimo, sendo interessante tê-las em mente no desenvolvimento do trabalho:

a) É uma das mais antigas, se não a mais antiga, dos ramos especializados do direito; b) É insensível às formas de governo, mas sensível às modificações técnicas a exemplo do avanço da comunicação; c) É um direito vivo, quando as normas escritas se tornam obsoletas, os comerciantes marítimos criam novas normas com base no costume, que tem no campo do direito marítimo grande relevância – inclusive na unificação de normas internacionais através de compilações de costumes realizados por organismos não oficiais como no caso das avarias grossas ou vendas marítimas; d) A maioria das normas aplicáveis às relações comerciais interpessoais são supletivas; e) É tradicional a tendência da unificação internacional das instituições de direito marítimo, uma vez que uma grande porção do tráfico é internacional; e f) É, na historia do direito, pioneiro na criação de instituições jurídicas – inclusive tão importantes na vida moderna como a sociedade mercantil, o seguro, risco de trabalho que nasceram no direito marítimo e passaram para outros ramos do direito: mercantil e civil18.

No presente trabalho, o escopo da análise girará em torno do processo de

julgamento que envolva matéria referente ao direito marítimo – que em algumas das

vezes tramitam no Tribunal Marítimo (rectius: responsabilidade do acidente e fatos da

navegação) e em outras no Poder Judiciário (rectius: procedimentos especiais de

ratificação de protesto ou avaria grossa). Faz-se necessário trazer o enfoque de todo o

estudo do Direito Marítimo Brasileiro à luz do Direito Constitucional e Processual

                                                                                                               15COSTA, José da Silva. Direito Comercial Marítimo. Rio de Janeiro. Tipografia do Jornal do Comércio, 1899, Tomo I, p. 26.  16P ARDESSUS, J. M. Collection des Lois Maritimes. Paris: L’imprimirie Royale, 1828. In MARTINS, p. 34.  17 BERLINGIERI, Francesco. Verso L’unificazione Del Diritto Del Maré. 2a Série. Padova: Casa Editora Dott. Antonio Milani, 1948. In MARTINS, p. 34.  18 AHUMADA, Raúl C. Derecho Marítimo. Mexico: Porrúa, 2012, p. 8.  

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Civil Contemporâneo, permitindo um “acesso a uma ordem jurídica justa”, em

observância à Resolução n. 125, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

2.1 A Codificação do Direito Marítimo

O comércio é uma das manifestações mais expressivas da atividade humana19.

O entendimento que se detinha era o de que o mar separava os homens; todavia,

verificou-se a capacidade que permitia aos povos comunicar-se, de modo que “longe

de separar os homens” – como pensou Horácio, “o mar, este caminho que se move

por si mesmo se separa, é a mais límpida afirmação da vida coletiva”20.

O surgimento dos primeiros preceitos do comércio marítimo remonta há 2.200

anos a.C., no Código Hamurabi. As disposições e os princípios de direito marítimo

encontravam-se nos art. 234 a 237, que se utilizava dos termos “bateleiro”,

“proprietário de barco”, “frete”, “a pique”, “carregamento”, e “indenização”, ainda

hoje utilizados pela legislação marítima21:

Art. 234– Si um bateleiro constroe para alguém um barco de sessenta gur, se lhe deverá dar em paga doussiclos. Art. 235– Si um bateleiro constroe para alguém um barco e não o faz solidamente, si no mesmo ano o barco é expedido e sofre avaria, o bateleiro é obrigado a desfazer o barco e refaze-lo solidamente à sua custa o barco sólido ele deverá dá-lo ao proprietário. Art. 236– Si alguém freta o seu barco a um bateleiro e este é negligente, mete a pique ou faz que se perca o barco, o bateleiro deverá ao proprietário barco por barco. Art. 237– Si alguém freta um bateleiro e o barco o provê de trigo, lã, azeite, tâmaras e qualquer outra cousa que forma a sua carga, se o bateleiro é negligente, mete a pique o barco e faz que se perca o carregamento, deverá indenizar o barco que fez ir a pique e tudo de que ele causou a perda; Art. 238– Si um bateleiro mete a pique o barco de alguém, mas o salva, deverá pagar metade do seu preço; Art. 239– Si alguém freta um bateleiro, deverá dar-lhe seis gur de trigo por ano; Art. 240– Si um barco a remos investe contra um barco a vela e põe a pique, o patrão do barco que foi posto a pique deverá pedir justiça diante de deus, o patrão do barco a remos, que meteu a fundo o barco a vela, deverá indenizar o sei parco e tudo quanto se perdeu22.

                                                                                                               19 VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 22.  20 VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 22.  21 VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 25.  22 Os dispositivos foram retirados do livro do Prof. Hercílio de Souza – “Novos Direitos e Velhos Códigos”, in: VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 25.  

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As primeiras investidas do comércio marítimo são realizadas pelos fenícios,

via Mar Mediterrâneo, recebendo aclamações de primazia Tyro, a apelidada rainha

dos mares, sem esquecer, Cartago, Sidon, Rhodes, Corinto e Atenas23. Os outros

povoados situados próximos ao mar também passaram a se dedicar à atividade da

navegação marítima, e com a intensificação da navegação e do comércio pelo mar

surgiu a necessidade de serem criadas normas destinadas a regulamentar o comércio

marítimo e a normatizar os direitos do mar24 e de jurisdição25.

No direito grego, por meio das referências de Demóstenes e por outras vias,

encontram-se indícios de não ter sido escassa a legislação e os usos atenienses, quer

quanto à responsabilidade do armador, do alijamento, à imperícia dos comandantes,

ou ainda quanto a avarias e divisão dos prejuízos26. Há controvérsia se os gregos

tiveram leis escritas. As primeiras regras escritas a respeito da navegação marítima de

existência irrefutável são os Códigos de Hamurabi, na Babilônia, do século XII A.C.;

de Manu, dos Hindus, do século 13 A.C. sobre direito marítimo, além das Lei de

Rodes e do Corpus Juri Civilis, em Roma27.

Com a decadência do Império Romano e a dominação bárbara no

Mediterrâneo, o Corpus Juris Romano perde sua vigência e é substituído por um

direito local, consuetudinário. As cruzadas expandiram o tráfico até o Oriente e –

diante da necessidade de dirimir questões que surgiam entre os comerciantes

marítimos – foram aparecendo magistrados a quem se deu o nome de cônsules28. A

partir daí, exsurgem as mais diversas compilações dos usos e costumes marítimos,

denominadas de assises de Jerusalém, tabelas de Amalfi, papéis de Olerón, leis de

                                                                                                               23 COSTA, José da Silva. Direito Comercial Marítimo. Rio de Janeiro. Tipografia do Jornal do Comércio, 1899, Tomo I, p. 141-142.  24 O direito do mar é parte importante do direito internacional público, e suas normas, durante muito tempo, foram unicamente costumeiras. A codificação dessas normas ganhou alento já sob o patrocínio das Nações Unidas, havendo-se concluído em Genebra, em 1958, (a) uma convenção sobre o mar territorial e zona contígua (b) uma convenção sobre alto-mar (c) uma convenção sobre pesca e conservação dos recursos vivos do alto-mar e (d) uma convenção sobre a plataforma continental. In: REZEK, J.F. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 7a Ed. São Paulo, 1998, p. 303.  25 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a Ed. Barueri: Manole, 2005, p. 4.  26 RIPERT, Georges. Droit Maritime. 2aed. Vol. 1, n. 1, n. 85, 1913. SAMPAIO LACERDA, J. C. Curso de Direito Privado da Navegação. 2a ed. Rio de Janeiro: Freitas de Bastos, 1974, p. 17. In MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a ed. Barueri: Manole, 2005, p. 5.  27 RIPERT, Georges. Droit Maritime. 2aed. Vol. 1, n. 1, n. 85, 1913. SAMPAIO LACERDA, J. C. Curso de Direito Privado da Navegação. 2a ed. Rio de Janeiro: Freitas de Bastos, 1974, p. 17. In MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a ed. Barueri: Manole, 2005, p. 5.  28 AHUMADA, Raúl C. Derecho Marítimo. Mexico: Porrúa, 2012, p. 11.  

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Wisby, Código Hanseático, livro negro do Almirantazgo, Consulado do Mar, Guia do

Mar, por fim, a legislação espanhola ou portuguesa, até chegar à época moderna:

a) Los “assises” de Jerusalém – Um dos primeiros monumentos do direito consuetudinário marítimo, foram os chamados assises de Jerusalém, que compilaram os usos marítimos de cuja a aplicação estivera a cargo dos cônsules;

b) Las Tablas de Amalfi– Amalfi foi uma pequena República Italiana que dominou o comércio com o Oriente por algum tempo, a partir do século X. Nesta cidade se estabeleceu um famoso Tribunal Marítimo e em 1.135 se compilaram suas sentenças em uma coleção que se chamou Tabela Amalfitana cujo conteúdo foi aplicado em toda a bacia mediterrânea;

c) Los Roles de Olerón – Em Olerón, ilha francesa da costa atlântica, próxima a Burdeos, apareceu no século XIII uma compilação de sentenças que continham, em quarenta e sete artigos, uma ampla compilação dos costumes marítimos que se observavam nos portos franceses da costa do atlântico. Tiveram um prestigio semelhante ao que na antiguidade alcançaram as leis rodias, tendo sido aceitos na Espanha, Inglaterra, Mar do Norte e no Mar Báltico;

d) Las Leys de Wisby – As leis marítimas da cidade sueca Wisby contiveram uma transcrição dos papéis de Olerón com extratos da leis de Amsterdam e Lubeck, sendo notável a regulação que estas leis fazem do trabalho desenvolvido no mar;

e) El Código Hanseático – No século XII as cidades teutônicas de Lubeck, Brunswick, Danzig e Colônia formaram a famosa Liga Hanseática com o principal objetivo de promover e proteger seu comércio marítimo. A Liga fundou bancos em Londres, Berghen, Novgorod e Bruges. Aplicou as Leis de Wisby e promulgou o Código Hanseático que compilou os costumes marítimos, incluindo o conteúdo dos papéis de Orleón e as leis de Wisby;

f) El Libro Negro del Almirantazgo – É a mais notável compilação de leis marítimas inglesas. Data do final do século XIV (1375) e tem uma influencia dos papéis de Olerón;

g) El Consulado del Mar– É uma notável compilação doutrinal dos costumes marítimos mediterrâneos. No seu primeiro parágrafo lemos: “assim começam os bons costumes do mar”. Data o século XIV e foi publicado em Barcelona;

h) El Guidon de la Mer (Gallardete del Mar) – Apareceu em Ruan, no século XVII. É também como o consulado uma coleção dos princípios de direito marítimos aceitos pelo costume e possui a primeira regra sobre o seguro marítimo. Foi a base da ordenança francesa de Luiz XIV, promulgada em 1681; e

i) La Legislación Española – Entre as leis marítimas espanholas, deve-se assinalar em primeiro lugar as Partidas do Rei Afonso o Sábio, as Ordenanças de Sevilha contendo notável regra sobre seguro29.

                                                                                                               29 AHUMADA, Raúl C. Derecho Marítimo. Mexico: Porrúa, 2012, p. 12.  

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O período moderno do direito marítimo tem início na França, na Ordenança

de Agosto de 1681, com a codificação e unificação legislativa das compilações.

A ordenança compreende quatro livros e serviu de modelo para o Código

Comercial Francês, promulgado em 1808, com vários artigos dedicados ao comércio

marítimo. Depois, o interesse na codificação propagou-se na Grécia em 1835, Turquia

em 1864, Principado de Mônaco em 1877, Países Baixos em 1878, na América e Haiti

em 1826, e Equador em 188230.

Destaca-se também o Código Alemão Allgemeine Deutsche

Handelsgesetzbuch, de 1861, que configurou a base da legislação japonesa e dos

países escandinavos, bem como o Merchant Shipping Act, da Inglaterra, de 1897,

além da lei sobre transportes marítimos (1924) e outra sobre seguros marítimos

(1926)31.

No Brasil, na época da independência, a legislação marítima provinha de

Portugal; posteriormente, veio o Código Comercial – Lei n. 556, de 25 de junho de

1850, que tratou do direito marítimo na segunda parte – art. 457 a 796, com legislação

paralela, tendo recebido influência direta do Código Comercial Francês32.

O Código Comercial Brasileiro regula as embarcações, proprietários

compartes e caixas de navio, capitães ou mestres de navio, piloto e contramestre e os

ajustes e soldadas dos oficiais e gente da tripulação, seus direitos e obrigações (art.

457 a 565); os contratos de afretamento, os conhecimentos marítimos, fretador e

afretador, seus direitos e obrigações, e os passageiros (art. 566 a 632); os contratos de

dinheiro a risco ou câmbio marítimo (art. 633 a 665), os seguros marítimos (art. 666 a

730), o naufrágio e os salvados (art. 731 a 739 – revogados pela Lei n. 7.542/86), as

arribadas forçadas (art. 740 a 748), o dano causado por abalroação (art. 749 a 752), o

abandono sub-rogatório (art. 753 a 760) e as avarias (art. 761 a 796).

Houve ainda a necessidade de criação de novas leis e de organismos públicos

de administração e fiscalização da atividade naval: a Diretoria de Portos e Costas, as

Capitanias dos Portos, o Tribunal Marítimo e o Departamento de Marinha Marcante33.

                                                                                                               30 VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 33.  31 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a ed. Barueri: Manole, 2005, p. 10.  32 VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 33.  33 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a ed. Barueri: Manole, 2005, p. 16.  

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No Brasil, a Lei n. 8.617/93 dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a

zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileira e dá outras

providências. A Lei n. 9.537/97 (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário – Lesta),

regulamentada pelo Decreto n. 2.596/98 – Relesta, estabelece as regras sobre a

segurança no transporte ou no tráfego aquaviário em águas de jurisdição nacional. A

Lei n. 9.966/00 (Lei do Óleo) dispõe sobre prevenção, controle e fiscalização da

poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas

em águas sob jurisdição nacional.

No âmbito da legislação nacional aplicável, elencam-se: CF/88 (art. 2134,

17735, 17836), Código Penal, CLT e CPC/73. Este último manteve em vigor alguns

procedimentos especiais marítimos do CPC/39. O CC/00 normatiza assuntos como

domicílio, nacionalidade e contratos do direito marítimo37. Segundo Eliane M.

Octaviano Martins:

Ao longo de século e meio de vigência houve a necessidade de ajustamento com a permanente evolução do comércio e da navegação marítima internacional que resultou na edição de novas leis as quais foram se incorporando a legislação marítima existente, como ainda foram criados organismos públicos de administração e fiscalização da atividade naval. A regulamentação da hipoteca naval, a organização dos portos e o regulamento para o tráfego marítimo estão entre as leis mais significativas enquanto que os órgãos públicos são dignos de destaque a diretoria de portos e costas, as capitanias dos portos, o tribunal marítimo e o departamento de marinha mercante. Vários tratados internacionais foram promulgados como tráfego marítimo, assistência e salvamento, responsabilidade dos proprietários de navios, privilégios e hipotecas, imunidades de navios de estado, salvaguarda da vida humana no mar, condição social dos tripulantes e organização do trabalho a bordo e meio ambiente marinho38.

Insta destacar as legislações marítimas de relevância vigentes no Brasil39:

                                                                                                               34 Art. 21. Compete à União: XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: (f) os portos marítimos, fluviais e lacustres.  35 Art. 177. Constituem monopólio da União: IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;  36 Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.  37 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a ed. Barueri: Manole, 2005, p. 16.  38 SAMMARCO, Oswaldo. Fenomenologia do Direito Marítimo. Santos: Unimes, 2000, p. 3.  39 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a Ed. Barueri: Manole, 2005, p. 17.  

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LEIS 556/54 – Código Comercial Brasileiro 2.180/54 –Tribunal Marítimo 6.421/77 – Sinais Visuais de Auxilio à Navegação na Costa Brasileira 7.203/84 – Assistência e Salvamento da Embarcação 7.273/84 – Salvamento de Vida Humana 7.542/86 – Pesquisa, Exploração, Remoção e Demolição de Bens Afundados 7.652/88 (alterada pela Lei n. 9.774/98) – Registro da Propriedade Marítima 7.661/88 – Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro 8.617/93 – Mar Territorial, Zona Contígua, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental Brasileira 12.815/13 – Lei dos Portos: Regime Jurídico da Exploração dos Portos 9.309/96 – Revoga a Lei n. 7.700/88 - Cria o Adicional de Tarifa Portuária – ATP 9.432/97 – Ordenação do Transporte Aquaviário 9.537/97 – Lesta Segurança do Tráfego Aquaviário 9.605/98 – Sanções Penais e Administrativas de Condutas Lesivas ao Meio Ambiente 9.636/98 – Regularização, Administração, Aforamento e Alienação de Bens Imóveis de Domínio da União 9.966/00 – Lei do Óleo Prevenção, Controle e Fiscalização da Poluição

Além das leis mencionadas, cumpre mencionar ainda a existência de diversos

outros textos normativos que incluem decretos, decretos-lei, portarias, normas da

autoridade marítima (Normam) e convenções internacionais ratificadas no âmbito dos

transportes marítimos, poluição marinha, direito do mar, organização marítima

internacional e organização internacional do trabalho. No tocante a convenções

internacionais não ratificadas, têm-se: Regras de Haia (Hague Rules), Regras de Haia-

Visby (Hague-Visby Rules), Convenção de Bruxelas (Brussels Convention)40.

2.2 Fontes do Direito Marítimo

Para analisar as fontes do direito marítimo, é necessário ainda delimitar o

próprio alcance da expressão fontes do direito e seu conteúdo.

É a lição de Pontes de Miranda41:

                                                                                                               40 https://sites.google.com/site/iidmbrasil/  41 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1954, p. 3-4.  

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No trato do direito positivo é de crucial importância discernir o mundo jurídico e o que, no mundo, não é jurídico. Por falta de atenção aos dois mundos muitos erros se comentem e, o que é mais grave, se priva a inteligência humana de entender, intuir e dominar o direito.

Assim, a expressão fontes do direito, além de se referir às fontes do direito

positivo, será averiguada pelo ângulo dogmático, pois não cabe ao jurista dogmático

o que se passa antes, depois ou fora, do ordenamento jurídico42. Desse modo, o

conceito de fontes do direito marítimo encontra-se intrinsecamente ligado ao conceito

de direito marítimo como conjunto de normas válidas em um dado tempo e espaço.

Ocorre que o problema das fontes do direito tem sido colocado e resolvido

normalmente recorrendo-se à lei, ao costume, à doutrina e à jurisprudência – o que

acaba por tolher a visão maior do fenômeno da produção normativa e da aplicação

do direito, a ponto de tornar supérflua a própria gênese normativa43. Martins leciona

que:

As fontes do direito marítimo englobam as normas jurídicas do direito positivo que são Constituição Federal, Lei Complementar, Lei Ordinária, Decreto-Lei, Medida Provisória, Regulamentos, Tratados e Convenções Internacionais. Ainda podem ser citados os usos e costumes locais, doutrina, jurisprudência e os princípios gerais do direito44.

Partindo-se da premissa que o estudo das fontes está voltado primordialmente

para o exame dos fatos que fazem nascer regras jurídicas45, toma-se aqui caminho

diverso daqueles que tomam o próprio produto da atividade legislativa como fonte do

direito. O mesmo sucede com o termo jurisprudência, empregado em vários sentidos.

Perceba-se que a jurisprudência, como: i) decisão judicial ou ii) conjunto de decisões

judiciais ou iii) conjunto de decisões uniformes, acaba sendo o resultado da própria

atividade jurisdicional, ou seja, do processo judicial, sendo este último impulsionado

pelo magistrado, que é, aí sim, a fonte produtora. Ou seja, trata-se de atividade de

enunciação exercida pelo juiz a fonte do direito e não a decisão judicial46 a verdadeira

fonte do direito.

                                                                                                               42 MOUSSALEM, Tarek. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2012, p. 106.  43 MOUSSALEM, Tarek. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2012, p. 107.  44 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a ed. Barueri: Manole, 2005, p. 59.  45 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 62.  46 CUETA. In: MOUSSALEM, Tarek. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2012, p. 150.  

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No âmbito do direito marítimo, costuma-se atribuir também aos usos e

costumes locais conteúdo de fontes do direito. O costume é imperativo e cria regras

jurídicas, chegando, em direito marítimo, a abrogar a lei 47 . Não obstante, é

inteiramente pertinente a advertência de que a verificação quanto ao costume ser ou

não fonte do direito encontra-se dificultada pela vaguidade do conceito, a

ambiguidade da palavra e a falta de objetivação de sua definição.

Em outras palavras, pode-se afirmar que o costume de natureza iminentemente

factual só ingressaria no ordenamento quando este, por meio do antecedente de uma

norma, efetivamente admiti-la48. Dessa forma, segundo Tarek Moussalen, o costume

somente será inserido no sistema do direito positivo nos casos especificamente

previstos pelo próprio sistema:

Nesse passo só é possível admitir duas espécies de costume: o secundum legis e o praeter legis. O secundo se dá quando a lei faz expressa remissão ao costume (artigo 1192, inciso 2 e 1210 do CC). Já o praeter legis é o costume supletivo das lacunas da lei (artigo 4 da LICC). Não entendemos possível a existência de costume contra legis já que a lei é hierarquicamente superior ao costume. Esta asserção é confirmada da premissa que ser não altera o dever ser e vice e versa. Vale ressaltar que nossa constituição não faz qualquer menção ao costume, deixando a cargo da legislação infraconstitucional. Portanto, não há que se falar em costume jurídico constitucional, parecendo-nos também correto concluir que o costume é hierarquicamente inferior a constituição49.

Diante disso, pode-se afirmar que somente a atividade de uso reiterada no

tempo relativa a certa prática em uma comunidade jurídica cria um veículo introdutor

de costume, sendo considerado o costume enunciação a fonte do direito. Nesse

sentido, Tarek Moussalem, citando Lourival Vilanova:

Se há fonte de normas (veículo introdutor), é no interior do ordenamento, não antes dele. Bobbio observa com acerto que inexiste norma jurídica isolada e acrescentemos fonte normativa (veículo introdutor) sem vinculação interna: tudo está dentro do ordenamento e só é explicável em função do todo que é o ordenamento (...)50.

                                                                                                               47 RIPERT, Georges. Droit Maritime. 2aed. Vol. 1, n. 1, n. 85, 1913, p. 100.  48 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 37.  49 MOUSSALEM, Tarek. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2012, p. 159.  50 MOUSSALEM, Tarek. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2012, p. 162.  

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No tocante à fonte do direito denominada doutrina51 , Paulo de Barros

Carvalho a define como domínio de lições, ensinamentos e descrições explicativas do

direito posto, elaborados pelos mestres e pelos juristas especializados52. Miguel Reale,

por seu turno, afirma que a doutrina, ao contrário do que sustentam alguns, não é

fonte do direito, uma vez que as posições teóricas, por maior que seja a força cultural

de seus expositores, não dispõe per si do poder de obrigar53. Nesse passo, pode-se

concluir que a doutrina – apesar de apontada como fonte – pertence ao mundo do ser,

enquanto o sistema do direito positivo relaciona-se ao mundo do dever ser54.

Diante do exposto, pode-se concluir que, no tocante às denominadas fontes do

direito, cada jogo de linguagem é dotado de regras próprias e – por isso mesmo – são

inalteráveis reciprocamente, o que significa dizer que a doutrina, a jurisprudência, a

lei e os costumes não tratam de fonte criadora de enunciados pertencentes ao sistema

do direito positivo, mas do processo de enunciação deles.

2.3 Limites Espaciais do Direito Marítimo

A soberania estatal costeira estende-se além do seu território e de suas águas

interiores. Essa soberania recai sobre o espaço aéreo dessa área prolongada designada

de mar territorial, assim como sobre o leito e o subsolo desse mar. A soberania sobre

o mar territorial se exerce em observância à Convenção das Nações Unidas sobre o

Direito do Mar (CNUDM III), ratificada pelo Brasil, em 22 de dezembro de 1988, e

regulamentada pela Lei n. 8.617/93.

Nos termos da CNUDM III, todo Estado tem direito a estabelecer a largura de

seu mar territorial até o limite que não ultrapasse 12 milhas marítimas medidas a

partir de linhas de base na extensão de margem costeira do país. Em detalhes, tratar-

                                                                                                               51 Destacam-se na doutrina brasileira marítima: Sampaio de Lacerda, Hugo Simas, Silva Costa, Anjos e Caminha Gomes, Azeredo Santos, Vicente Campos, dentre outros.  52 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 37.  53 MOUSSALEM, Tarek. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2012, p. 165.  54 Nesse sentido, o AgReg em EResp 279.889-AL: "Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. (...)”.  

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se-á da Lei n. 8.617/93, que dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona

econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros.

2.3.1 Mar Territorial Brasileiro

De acordo com a legislação mencionada, o mar territorial brasileiro

compreende uma faixa de 12 milhas marítimas de largura55 – medidas a partir da linha

de baixa-mar do litoral continental e insular – como indicadas nas cartas náuticas de

grande escala reconhecidas oficialmente pelo Brasil (art. 1º). Nos locais em que a

costa apresente recortes profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas

ao longo da costa na sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de

base retas, ligando pontos apropriados, para o traçado da linha de base.

Também sujeitos a ambas as legislações mencionadas, os navios de todos os

Estados gozam do direito de passagem inocente no mar territorial. No caso brasileiro,

a passagem é tratada no art. 3º da lei, que dispõe:

a passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear, mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.

Considerar-se-á que a passagem de um navio estrangeiro é prejudicial para a

paz, a boa ordem ou a segurança nacional se este navio realiza, no mar territorial,

alguma das atividades indicadas a seguir: a) qualquer ameaça ou uso da força contra a

soberania, a integridade territorial ou a independência política do Estado ou que de

qualquer outra forma viole os princípios de direito internacional incorporados na

Carta das Nações Unidas; b) qualquer exercício ou prática com armas de qualquer

tipo; c) qualquer ato destinado a obter informações em prejuízo da defesa ou

segurança do Estado Nacional; d) qualquer ato de propaganda destinado a atentar

contra a defesa ou segurança do Estado Nacional; e) lançamento, recepção ou

embarque de aeronaves; f) lançamento, recepção ou embarque de dispositivos

militares; g) embarque ou desembarque de qualquer produto, moeda ou pessoa em

                                                                                                               55O mar territorial brasileiro de 200 milhas marítimas – instituído pelo Decreto-Lei n. 1.098/70 – passou a ser de 12 milhas marítimas com a vigência da Lei n. 8.617/93.  

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contrariedade a lei e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários do

Estado Nacional; h) qualquer ato de contaminação internacional e grave falta; i)

qualquer atividade de pesca; j) realização de atividades de investigação ou

levantamentos hidrográficos; k) qualquer ato dirigido a perturbar os sistemas de

comunicação ou quaisquer outros serviços; e l) quaisquer atividades que não estejam

diretamente relacionadas com a passagem56.

No tocante ao mar territorial, cumpre trazer o conteúdo do parágrafo terceiro

do art. 3º da Lei n. 8.617/9357 que – diferentemente da recomendação internacional –

determina a sujeição dos navios estrangeiros aos regulamentos do país.

2.3.2 Zona Contígua

De acordo com a CNUDM III, em uma zona contígua de seu mar territorial, o

Estado poderá tomar as medidas de fiscalização necessária para: a) prevenir as

infrações a leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários que

possam a vir a ser cometidas em seu território ou seu mar territorial; b) sancionar as

infrações dessas leis e regulamentos cometidos em seus territórios ou mar territorial58.

Nesse mesmo sentido, a legislação pátria dispõe que, na zona contígua, o

Brasil poderá tomar as medidas de fiscalização necessárias para: I – evitar as

infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, no

seu território, ou no seu mar territorial; II – reprimir as infrações às leis e aos

regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial.

A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende de 12 a 24

milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base.

2.3.3 Zona Econômica Exclusiva

A zona econômica exclusiva é uma área situada além do mar territorial sujeita

ao regime jurídico especifico. A zona econômica exclusiva brasileira compreende

uma faixa que se estende de 12 à 200 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de

base que servem para medir a largura do mar territorial.

                                                                                                               56 AHUMADA, Raúl Cervantes. Derecho Marítimo. Mexico: Porrúa, 2012, p. 103.  57 Art. 3º - É reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro.  58 AHUMADA, Raúl Cervantes. Derecho Marítimo. Mexico: Porrúa, 2012, p. 109.  

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Na esteira da CNUDM III, definiu-se a legislação pátria:

i) direito de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos; ii) direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, bem como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas, sendo que a investigação científica marinha na zona econômica exclusiva só poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria.

Ressalte-se que o Estado Costeiro terá jurisdição exclusiva sobre essas ilhas

artificiais, instalações e estruturas, incluída a jurisdição em matéria de leis59.

Na costa brasileira, a zona econômica exclusiva ficou dividida em quatro

áreas, diante da sua extensão pelo Programa Avaliação do Potencial Sustentável de

Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva (Revizee) 60 , implementado em

atendimento à CNUDM III:

Art. 61, parágrafo segundo, da CNUDM III: “O Estado Costeiro, tendo em conta os melhores dados científicos de que dispunha, assegurará, por meio de medidas apropriadas de conservação e gestão, que a preservação dos recursos vivos de sua zona econômica exclusiva não seja ameaçada por um excesso de captura”.

O programa de avaliação do potencial sustentável de recursos vivos na zona

econômica exclusiva do governo brasileiro, denominado Revizee, é coordenado pela

Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm) e visa ao levantamento dos

potenciais sustentáveis de captura de recursos vivos da ZEE, à identificação dos

recursos vivos e ao estabelecimento do potencial de sua captura na ZEE brasileira61.

O Revizee é constituído pelos seguintes membros: Marinha do Brasil (MB);

Ministério do Meio Ambiente (MMA); Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT);

Ministério da Educação (MEC); Ministério das Minas e Energias (MME) e o

Ministério das Relações Exteriores (MRE)62.

                                                                                                               59 Essas ilhas artificiais, instalações e estruturas não possuem natureza jurídica de ilhas. Não possuem mar territorial próprio e sua presença não afeta a delimitação do mar territorial, da zona econômica exclusiva e da plataforma continental. In: AHUMADA, Raúl Cervantes. Derecho Marítimo. Mexico: Porrúa, 2012, p. 123.  60 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a Ed. Barueri: Manole, 2005, p. 138.  61 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a Ed. Barueri: Manole, 2005, p. 139.  62 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a Ed. Barueri: Manole, 2005, p. 139.  

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2.3.4 Plataforma Continental

A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas

submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do

prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem

continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base, a partir

das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da

margem continental não atinja essa distância.

O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental, para

efeitos de exploração dos recursos naturais63.

Na plataforma continental, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o

direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e a

preservação do meio marinho, bem como a construção, a operação e o uso de todos os

tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas. A investigação científica marinha, na

plataforma continental, só poderá ser conduzida por outros Estados com o

consentimento prévio do governo brasileiro, nos termos da legislação.

De acordo com o art. 14 da Lei n. 8.617/93 é reconhecido a todos os Estados o

direito de colocar cabos e dutos na plataforma continental, com o consentimento do

governo brasileiro, que poderá determinar as condições especificas para tanto.

O Brasil instituiu o Plano de Levantamento da Plataforma Continental

Brasileira (Leplac), programa de governo instituído pelo Decreto n. 95.787/88,

posteriormente modificado pelo Decreto n. 98.145/89, que tem por objetivo

determinar o limite da plataforma continental além das 200 m. m., nos termos em que

esta é definida no art. 76 da CNUDM III64:

O Estado costeiro deve traçar o limite exterior da sua plataforma continental, quando esta se estender além de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, unindo, mediante linhas rectas que não excedam 60 milhas marítimas, pontos fixos definidos por coordenadas de latitude e longitude. 8 - Informações sobre os limites da plataforma continental, além das 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, devem ser

                                                                                                               63 Define ainda a legislação que os recursos naturais a que se refere são os recursos minerais e outros não vivos do leito do mar e subsolo, bem como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, àquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar ou em seu subsolo, ou que só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo.  64 MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a Ed. Barueri: Manole, 2005, p. 140.  

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submetidas pelo Estado costeiro à Comissão de Limites da Plataforma Continental, estabelecida de conformidade com o anexo II, com base numa representação geográfica equitativa. A Comissão fará recomendações aos Estados costeiros sobre questões relacionadas com o estabelecimento dos limites exteriores da sua plataforma continental. Os limites da plataforma continental estabelecidos pelo Estado costeiro com base nessas recomendações serão definitivos e obrigatórios. 9 - O Estado costeiro deve depositar junto do Secretário-Geral das Nações Unidas mapas e informações pertinentes, incluindo dados geodésicos, que descrevam permanentemente os limites exteriores da sua plataforma continental. O Secretário-Geral deve dar a esses documentos publicidade.

Ao término do trabalho do Leplac, o Brasil demonstrou um novo limite

exterior de sua plataforma continental, que corresponde a um acréscimo de cerca de

700 mil km2 ao espaço econômico brasileiro, além dos 3,5 milhões km2 referentes às

200 milhas marítimas, totalizando uma área de cerca de 4,2 milhões km2, o que

corresponde, aproximadamente, à metade da parte terrestre de nosso território65.

2.3.5 Alto-Mar

O alto-mar é aquela parte do mar não incluída na zona econômica exclusiva,

no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado Nacional. O alto-mar está

aberto a todos os Estados, sendo eles costeiros ou sem litoral. A liberdade do alto-mar

se exercerá segundo as condições fixadas na CNUDM III e outras normas de direito

internacional. Compreenderá: a) a liberdade de navegação; b) a liberdade de

sobrevoo; c) a liberdade de instalar cabos e tubos submarinos; d) a liberdade de

construir ilhas artificiais e outras instalações permitidas pelo direito internacional; e) a

liberdade de pesca; f) a liberdade de investigação cientifica66.

É utilizado exclusivamente para fins pacíficos, bem como dispõe

expressamente a convenção internacional – ratificada pelo país – que nenhum Estado

Nacional poderá pretender esse espaço à sua própria soberania.

                                                                                                               65MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 2a Ed. Barueri: Manole, 2005, p. 141.  66AHUMADA, Raúl Cervantes. Derecho Marítimo. Mexico: Porrúa, 2012, p. 158.  

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PARTE I: Dos Procedimentos Jurisdicionais Marítimos

3. Análise dos Procedimentos Marítimos Especiais – CPC/39, CPC/73 e NCPC

Esta primeira parte tem por escopo analisar os procedimentos especiais

marítimos abordados na versão aprovada do Novo Código de Processo Civil –

PROPOSTA DE REDAÇÃO FINAL – na Câmara dos Deputados. Para tanto, a

análise recairá sobre o art. 1.059, PARÁGRAFO TERCEIRO, que substitui o art.

1.218 do CPC/73, e que, dentre as modificações realizadas, extingue alguns dos

procedimentos marítimos, bem como converte aqueles procedimentos não

incorporados em lei ao procedimento comum.

O Código de Processo Civil de 1939 – CPC/39 no Livro V (Dos Processos

Acessórios) – Título X (Dos Protestos, Notificações e Interpelações e dos Protestos

Formados a Bordo) disciplinava procedimentos marítimos que foram recepcionados

pelo art. 1.218 do Código de Processo Civil de 1973 – CPC/73, sendo eles: o protesto

formado a bordo (inciso VIII), dinheiro a risco (inciso X), vistoria de fazendas

avariadas (inciso XI), apreensão de embarcações (inciso XII), avaria a cargo do

segurador (inciso XIII), avaria (inciso XIV) e arribada forçada (inciso XVI).

No Projeto de Lei do Senado – PLS n. 166/2010 –, o então art. 1.000,

parágrafo terceiro, da mesma forma previa que os procedimentos especiais

mencionados no art. 1.218, ainda não incorporados por lei especial – como no caso

dos incisos – deveriam se submeter ao procedimento comum, senão vejamos:

Art. 1000. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogado o Código de Processo Civil instituído pela Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. §1o As regras do Código de Processo Civil revogado relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais não mantidos por este Código serão aplicadas aos processos ajuizados até o início da vigência deste Código, desde que não tenham, ainda, sido sentenciados. §2o Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código. §3o Os procedimentos mencionados no art. 1.218 do Código revogado e ainda não incorporados por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código.

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No tocante à evolução da discussão da matéria, interessante trazer à baila que,

na Câmara dos Deputados, o então Projeto de Lei – PLC n. 8.046/2010, oriundo do

Senado Federal (PLS n. 166/10), indicou, em um primeiro momento, que adotaria

posição diversa daquela prevista no artigo acima descrito, em razão do Relatório do

Deputado Barradas Carneiro, no sentido de que:

na tentativa de eliminação de procedimentos especiais que não eram utilizados, o Senado Federal eliminou todos os procedimentos que cuidavam de questões envolvendo direito marítimo (...) se é certo que alguns deles realmente mereciam extinção pela absoluta obsolescência, outros, porém, são bastante utilizados (...) não há razão para serem eliminados (é o caso da regulação de avaria grossa e da ratificação de protesto marítimo)67.

Não obstante, o teor do pretérito art. 1.000 – integralmente mantido na versão

aprovada do Projeto de Lei n. 8.046/2010 pela Comissão Especial da Câmara dos

Deputados – teve seu texto também aprovado pelo Plenário da Casa e encontra-se

hoje em trâmite novamente no Senado Federal68.

Dessa perspectiva, tem-se assim redigido o novel art. 1.059 do NCPC:

Art. 1.059. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. §1o As disposições da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais, que forem revogadas, aplicar-se-ão às ações propostas até o início da vigência deste Código, desde que ainda não tenham sido sentenciadas. §2o Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código. §3º Os procedimentos mencionados no art. 1.218 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e ainda não incorporados por lei submetem- se ao procedimento comum previsto neste Código. §4o As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código. §5o A primeira lista de processos para julgamento em ordem cronológica observará a antiguidade da distribuição entre os já conclusos na data da entrada em vigor deste Código.

Passa-se, então, à análise dos procedimentos marítimos contidos no art. 1.218

do CPC/73, a fim de verificar a possibilidade de convertê-los em rito comum.

                                                                                                               67 Registre-se aqui o empenho de Nelson Cavalcante Junior e Leonardo Carneiro da Cunha.  68 A última versão pode ser consultada no http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1238414&filename=Tramitacao-PL+6025%2F2005.  

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Art. 1.218. Continuam em vigor até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados pelo Decreto-lei no 1.608, de 18 de setembro de 1939, concernentes: (...) VII - à dissolução e liquidação das sociedades (arts. 655 a 674); VIII - aos protestos formados a bordo (arts. 725 a 729); (Inciso acrescido pela Lei no 6.780, de 12/5/1980) IX - à habilitação para casamento (arts. 742 a 745); (Primitivo inciso VIII renumerado pela Lei no 6.780, de 12/5/1980) X - ao dinheiro a risco (arts. 754 e 755); (Primitivo inciso IX renumerado pela Lei no 6.780, de 12/5/1980) XI - à vistoria de fazendas avariadas (art. 756); (Primitivo inciso X renumerado pela Lei no 6.780, de 12/5/1980) XII - à apreensão de embarcações (arts. 757 a 761); (Primitivo inciso XI renumerado pela Lei no 6.780, de 12/5/1980) XIII - à avaria a cargo do segurador (arts. 762 a 764); (Primitivo inciso XII renumerado pela Lei no 6.780, de 12/5/1980) XIV - às avarias (arts. 765 a 768); (Primitivo inciso XIII renumerado pela Lei no 6.780, de 12/5/1980) XV - (Revogado pela Lei no 7.542, de 26/9/1986) XVI - às arribadas forçadas (arts. 772 a 775). (Primitivo inciso XV renumerado pela Lei no 6.780, de 12/5/1980)

Veja-se que são sete os procedimentos especiais marítimos originariamente

previstos no CPC/73, na esteira do CPC/39 e não mais no NCPC. É inegável que

hipóteses de procedimentos especiais marítimos não mais necessitam de regramento

na novel legislação processual – e, em razão disso, não haveria motivo pelo qual

incida o preceito de que deveriam ser convertidos em rito comum. É o caso do

procedimento especial denominado DINHEIRO A RISCO. Outros, por seu turno,

possuem legislação específica, a exemplo da APREENSÃO DE EMBARCAÇÃO. Há

ainda aqueles procedimentos previstos na legislação processual que merecem

tratamento específico em razão da matéria, não se submetendo ao rito comum.

3.1. Dinheiro A Risco

O procedimento especial marítimo DINHEIRO A RISCO constitui-se em

empréstimos de câmbio marítimo69 tomados pelo capitão durante a viagem marítima

quando, na ausência de fundos imediatos, não localizasse o proprietário da

embarcação. De acordo com De Plácido e Silva, o contrato de empréstimo de câmbio                                                                                                                69O câmbio marítimo tem sua origem em época recuada, sendo conhecido na Indica, nas Leis de Manu, entre os gregos e ródios. Desenvolveu-se entre os romanos, onde o instituto era denominado “Foenus Nauticum”. Teve ampla aplicação na Idade Média pelos países marítimos. Foi regulado pela Ordenação de 1681 e daí introduzido nas legislações, inclusive no Código Comercial do Brasil. In: VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 257.  

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marítimo, ou empréstimo a risco, realizado pelo capitão do navio, é operação de

emergência a que ele se vê obrigado, em face de determinadas circunstâncias, para

prover urgentes necessidades do próprio navio, esteja, ou não, autorizado pelo

proprietário da embarcação, mandatário ou consignatário, ou qualquer interessado70.

A remota regra encontra-se no Código Comercial (CCom) de 1850:

Art. 515 – CCom. É permitido ao capitão em falta de fundos, durante a viagem, não se achando presente algum dos proprietários da embarcação, seus mandatários ou consignatários, e na falta deles algum interessado na carga, ou mesmo se, achando-se presentes, não providenciarem, contrair dívidas, tomar dinheiro a risco sobre o casco e pertences do navio e remanescentes dos fretes depois de pagas as soldadas, e até mesmo, na falta absoluta de outro recurso, vender mercadorias da carga, para o reparo ou provisão da embarcação; declarando nos títulos das obrigações que assinar a causa de que estas procedem (artigo nº. 517). As mercadorias da carga que em tais casos se venderem serão pagas aos carregadores pelo preço que outras de igual qualidade obtiverem no porto da descarga, ou pelo que por arbitradores se estimar no caso da venda ter compreendido todas as da mesma qualidade (artigo nº. 621).

De acordo com o Código Comercial (CCom), por contrato de câmbio ou

dinheiro a risco se entende aquele em que alguém (doador) faz um empréstimo a

outro (tomador), sob o prêmio de certa importância em dinheiro ou coisa estimável,

ficando com privilégio especial (hipoteca ou penhor) sobre o objeto em que ele recai,

ou que é dado em garantia, sujeitando-se a perder o capital e o prêmio, se o dito

objeto vier a perecer por efeitos dos riscos tomados, no tempo e lugar conveniados71.

Tem-se o empréstimo a risco sobre o casco, frete e acessórios do navio, bem como

sobre sua carga ou a totalidade dos acessórios (venda de mercadoria da carga).

Contudo, o capitão precisaria realizar a justificação prévia, a fim de que fosse

possível o empréstimo. Daí a remissão ao CPC/39, art. 754 e 755:

Art. 754 - CPC/39. Para que o capitão, à falta de outros meios, possa tomar dinheiro a risco sobre o casco e pertenças do navio e remanescentes dos fretes, ou vender mercadorias da carga, é indispensável: I – que prove o pagamento das soldadas; II – que prove absoluta falta de fundos em seu poder, pertencentes

                                                                                                               70DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 352.  71DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 352.  

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à embarcação; III – que não se ache presente o proprietário da embarcação, ou mandatário ou consignatário, nem qualquer interessado na carga, ou que, presente qualquer deles, prove o capitão haver-lhe, sem resultado, pedido providências; IV – que seja a deliberação tomada de acordo com os oficiais, lavrando-se, no diário de navegação, termo de que conste a necessidade da medida. Art. 755. A justificação desses requisitos far-se-á perante o juiz de direito do porto onde se tomar o dinheiro a risco ou se venderem as mercadorias, e será julgada procedente para produzir os efeitos de direito.

Antes que realizasse o empréstimo ou a venda da mercadoria, deveria o

capitão promover a justificação judicial – no juízo cível competente do porto onde se

pretende o empréstimo ou venda – que evidenciasse a necessidade da medida. Porém,

via de regra, ainda que prévia a justificação, o capitão em determinada situação de

urgência, poderia agir sob sua responsabilidade, optando por realizar o empréstimo e

deixando para justificá-lo logo em seguida.

Não obstante, a permissão dada ao capitão para fazer semelhantes

empréstimos – em falta de fundos e na ausência do proprietário do navio, de seus

mandatários ou consignatários e de algum dos interessados na carga – decorre da justa

necessidade que se comprovem os requisitos do art. 516 sujeitos à prova72:

PROVA DAS SOLDADAS PAGAS – Tem-se de fazer prova das soldadas pagas. Essa é a inteligência da lei. Não de estar quite o navio. Atende-se, com essa exigência, à pretensão da tripulação à preferência (Código Comercial, art. 470, V e VI), em relação aos prestamistas e a outras dívidas do navio. PROVA DA FALTA DE FUNDOS – A prova do segundo pressuposto é feita pela apresentação das vias de conhecimento (prova do recebimento da carga), ou pela prova de não ter recebido a carga, ou pela prova de não ter o agente ou consignatário fornecido fundos, ou não ter sido atendido o pedido telegráfico ou postal, ou pela justificação da falta de fundos (e.g. furto ou roubo dos dinheiros de bordo)73. PROVA DO PRESSUPOSTO DO ART. 754, III – A ausência ou recusa das pessoas mencionadas no at. 754, III, ou se prova pelos meios de prova em geral, ou pela justificação.

A sentença dada servirá de instrumento de outorga legal para realizar o

empréstimo, sem que se possa atribuir ao capitão uma responsabilidade pessoal. Os

                                                                                                               72 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 352.  73 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 295.  

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efeitos do procedimento são os do privilegio marítimo74 que se atribui a esses créditos

(Ccom, art. 470, VI e VIII), salvo se não forem cumpridas as exigências da lei.

Segundo Pontes de Miranda:

O poder de disposição sai dos donos para o capitão, mas subordina-se à exigência da resolução judicial constitutiva integrativa do negocio jurídico de empréstimo ou de venda. A preferenciam, em todo caso, à diferença da constituição do negocio jurídico, que só depende da resolução integrativa do art. 755, somente se estabelece depois das formalidades de autenticação e registro, de que fala o art. 472 do CCOM. Para a preferência, resolução judicial e averbação (e autenticação consular, se a divida for contraída no estrangeiro) são condiciones iuris, elementos integrativos necessários: não há preferência se não houve justificação; ou se não houve avaliação; ou se, devendo haver, não houve autenticação consular75.

Perceba-se que a formalidade desse procedimento marítimo servia para

salvaguardar a responsabilidade do capitão para com o armador do navio76.

O fato é que há algum tempo não mais se justifica esse procedimento

marítimo, em razão dos avanços tecnológicos no setor da comunicação naval. Pontes

de Miranda assevera que: É de supor-se, hoje em dia, que não lhe faltem os recursos

para isso, ou porque possa, nos portos, sacar contra a companhia, ou porque lhe seja

fácil comunicar-se com ela, ou porque ao agente local caiba atender às suas

necessidades de dinheiro77.

Nessa linha de raciocínio, não há razão em manter esse procedimento especial

– ainda que transmudado ao rito comum. Dos males, o menor.

                                                                                                               74 Em todos os tempos, foi necessário recorrer-se ao crédito para uma expedição marítima, muito embora em épocas mais recuadas as exigências fossem bem menores do que as atuais. Atualmente, em virtude do desenvolvimento crescente da navegação, o armador cada vez mais necessita de crédito. Com a finalidade de fornecer meios aos armadores, as legislações criaram os privilégios marítimos. O CCOM, art. 470 e 474, indica os créditos privilegiados e estabelece a ordem de preferência, no art. 473. VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 265.  75 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 296.  76 BENTO DE FARIA. Código Comercial. Vol. I, nota 477. In: DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 353.  77 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 296.  

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3.2 Apreensão de Embarcações

Fato semelhante ocorre com o procedimento da apreensão de embarcações,

disciplinado pelo art. 757 a 761 do CPC/39. O Título XVIII trata do processo de

apreensão de embarcações que se digam brasileiras sem que o sejam ou que tenham

perdido essa condição, na forma do Decreto n. 20.303/193178 – mais recente – Lei n.

2.180/54 (LOTM), seguida da Convenção do Alto-Mar (Conferência das Nações

Unidas 1958), confirmada pela Convenção Direito do Mar de 1982, sendo a mais

recente a Convenção das Condições de Registro dos Navios de 1986.

Art. 757. Provando-se que navio registrado como nacional obteve o registro subrepticiamente, ou que perdeu, há mais de seis (6) meses, as condições para continuar considerado nacional, a autoridade fiscal competente do lugar em que se houver realizado o registro, ou do lugar onde se verificar a infração dos preceitos legais, apreenderá o navio, pondo-o imediatamente à disposição do juiz de direito da comarca.

Veja-se, segundo De Plácido e Silva, que a perda da nacionalidade sobrevém

da sua transferência a proprietário estrangeiro ou a sociedade que não satisfaça os

requisitos legais:

São causas para a perda de nacionalidade: a) a venda do navio a estrangeiros, ou a pessoas vedadas de serem proprietárias de navios; b) a entrega de seu comando a capitão, ou mestres não brasileiros; c) não ser o maquinista brasileiro, ou quando pelo menos, dois terços da equipagem não sejam formados por brasileiros79.

O art. 457 do Ccom – em complemento – previa que somente as embarcações

pertencentes aos brasileiros poderiam gozar da prerrogativa concedida em lei80. Caso

restasse comprovada fraude à legislação e matrícula falsa brasileira, a embarcação

                                                                                                               78 Na época do decreto supramencionado, era brasileira a embarcação: a) de propriedade de cidadão brasileiro nato (pessoa física) ou de sociedade nacional, com sede no país, constituída e gerida exclusivamente por pessoas físicas brasileiras, cidadãos brasileiros natos; b) o capitão ou mestre e dois terços, pelo menos, da tripulação, e c) brasileiros naturalizados o restante, em cada uma das respectivas classes, categorias ou especialidades. Hoje, o art. 83 da Lei Orgânica do Tribunal Marítimo (LOTM) prevê que o registro do navio será deferido quando – além de não ter sido registrado em outro país – consistir propriedade de: i) um brasileiro; ii) parceria de navegação de maioria brasileira (60%) – paralelo empresa brasileira; e iii) brasileiro naturalizado que se compreenda no art. 20 do ADCT votado, na época, com a CF/46.  79 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 367.  80 A navegação de cabotagem para o transporte de mercadorias é privativa dos navios nacionais.  

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seria apreendida e dada como perdida. Se a embarcação não obteve registro, nem

perdeu a qualidade de brasileira, o assunto pertence ao processo penal81.

Para um registro válido, deve-se observar a regra do art. 461 e 462 do Ccom:

Art. 461 – CCOM. O registro deve conter: 1 - a declaração do lugar onde a embarcação foi construída, o nome do construtor, e a qualidade das madeiras principais; 2 - as dimensões da embarcação em palmos e polegadas; e a sua capacidade em toneladas, comprovadas por certidão de arqueação com referência à sua data; 3 - a armação de que usa, e quantas cobertas tem; 4 - o dia em que foi lançada ao mar; 5 - o nome de cada um dos donos ou compartes, e os seus respectivos domicílios; 6 - menção especificada do quinhão de cada comparte, se for de mais de um proprietário, e a época da sua respectiva aquisição, com referência à natureza e data do título, que deverá acompanhar a petição para o registro. O nome da embarcação registrada e do seu proprietário ostensivo ou armador serão publicados por anúncios nos periódicos do lugar. Art. 462 – CCOM.Se a embarcação for de construção estrangeira, além das especificações sobreditas, deverá declarar-se no registro a nação a que pertencia, o nome que tinha e o que tomou, e o título por que passou a ser de propriedade brasileira; podendo omitir-se, quando não conste dos documentos, o nome do construtor.

Não obstante, passada a análise do procedimento de apreensão de mercadoria

estabelecida na legislação processual, percebe-se, de pronto, que está desatualizada:

Art. 758. Enquanto o juiz não nomear depositário, exercerá tal função a autoridade a quem competia o registro, a qual procederá ao arrolamento e inventário do que existir a bordo, mediante termo assinado pelo capitão, ou pelo mestre, se o quiser assinar. Art. 759. As mercadorias encontradas a bordo serão, para todos os efeitos, havidas como contrabando. Parágrafo único. Serão da competência das autoridades fiscais a apreensão do contrabando e o processo administrativo, inclusive a aplicação de multas. Art. 760. O juiz julgará por sentença a apreensão e mandará proceder, à venda, em hasta pública, da coisa apreendida. Art. 761. Efetuada a venda e deduzidas as despesas, inclusive a percentagem do depositário, arbitrada pelo juiz, depositar-se-á o saldo para ser levantado por quem de direito.

Da análise dos dispositivos acima, facilmente se percebe que o navio, quando

apreendido, não mais fica à disposição do juiz – nem mesmo cabe ao depositário o                                                                                                                81 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 309.  

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encargo de sua administração e conservação. Hoje, um navio que tenha perdido seu

registro não mais será confiscado, na forma das leis publicadas em momento

posterior, em especial o art. 15 da Lei n. 9.432/97 e art. 28 a 31 da Lei n. 7.652/88.

Lei nº. 9.432/97 – Dispõe sobre transporte aquaviário. Art. 15. A inobservância do disposto nesta Lei sujeita o infrator às seguintes sanções: I - multa, no valor de até R$ 10,00 (dez reais) por tonelada de arqueação bruta da embarcação; II - suspensão da autorização para operar, por prazo de até seis meses. Lei nº. 7.652/88 – Dispõe sobre registro propriedade marítima. Art. 28. Pela inobservância das obrigações nos prazos previstos nesta Lei, será aplicada ao infrator, pelo Tribunal Marítimo, a multa de cinco UFIR ou outro índice de atualização monetária que vier a ser legalmente instituído, por mês ou fração decorrido após o prazo fixado, até o limite máximo de duzentas UFIR.

As sanções restringir-se-ão, portanto, a multa, suspensão do tráfego e

revogação de autorização de operações e não a pena de confisco à disposição do juiz.

3.3 Avaria a Cargo do Segurador

Seguindo a linha dos procedimentos especiais em desuso (ao menos no tocante

ao procedimento realizado na estrutura judiciária), tem-se a avaria a cargo do

segurador, disciplinada nos art. 762 a 764 do CPC/39, que prevê:

Art. 762. Para que o dano sofrido pelo navio ou por sua carga se considere avaria, a cargo do segurador, dois (2) peritos arbitradores declararão, após os exames necessários: I – a causa do dano; II – a parte da carga avariada, com indicação de marcas, números ou volumes; III – o valor dos objetos avariados e o custo provável do concerto ou restauração, se se tratar do navio ou de suas pertenças. § 1º As diligências, vistorias e exames se processarão com a presença dos interessados, por ordem do juiz de direito da comarca, que, na ausência das partes, nomeará, ex-officio, pessoa idônea que as represente. § 2º As diligências, vistorias e exames relativos ao casco do navio e suas pertenças serão realizados antes de iniciado o concerto. Art. 763. Os efeitos avariados serão vendidos em leilão público a quem mais dér, e pagos no ato da arrematação. Quando o navio tiver de ser vendido, o juiz determinará a venda, em separado, do casco e de cada pertença, si lhe parecer conveniente. Art. 764. A estimação do preço para o cálculo da avaria será feita em conformidade com o disposto na lei comercial.

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As regras para se evidenciar a avaria têm fundamento no art. 772 do Ccom

direcionadas apenas para o contexto das avarias comuns – dando o CPC o regime a

qualquer espécie de avaria 82 . E pelo processo que nele se institui é que os

proprietários, ou interessados na carga, ou no navio que se acidentou, ou que se

sinistrou, em prejuízo deles, devem apurar as responsabilidades do segurador, por

conta de quem corriam os riscos de seu transporte ou de sua viagem83. Pontes de

Miranda assevera que:

Processualmente trata-se de ação declarativa da obrigação do segurador, ou de ação para constituição de prova? Certo, tal como ficou no Código, é ação para constituição de prova, e não lhe altera a espécie o elemento segurativo, de consequência só sub-rogatórias, previsto no art. 764. Os efeitos são limitados ao segurador. A petição é dirigida ao juiz, para que nomeie os dois arbitradores (art. 762), que procedam ao exame, e para que venda os efeitos avariados (art. 763)84.

Assim, tem-se que a sentença é constitutiva de prova – desde há muito assim

identificada –, inclusive com a formação da coisa julgada formal. Ainda nas palavras

do autor: A passagem em coisa julgada formal torna a constituição da prova

incólume a qualquer apreciação posterior ao mesmo processo, e na ação, que se

proponha, o juiz tem de atender a que está constituída85.

Ocorre que, no mundo global, as seguradoras possuem seus próprios

correspondentes ou vistoriadores, sem necessidade da intervenção judicial. E ainda

que se considere – embora muitíssimo incomum –, o procedimento comum é

recomendável com a possibilidade de amplo contraditório e dilação probatória para

apurar a medida da eventual responsabilidade de indenizar, inclusive atentando-se às

hipóteses excludentes de responsabilidade do art. 711 do Código Comercial86.

                                                                                                               82As avarias, a que se refere, são de regra a avaria grossa (CCom, art. 764 e 765); e não a avaria simples (art. 766). Nos casos em que a lei permite a obrigação pelas avarias simples, os art. 762 e 763 são aplicáveis. In: MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 316.  83DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 375.  84MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 315.  85MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 317.  86 SILVA FILHO, Nelson Cavalcante. O Projeto do Novo Código de Processo Civil e o Direito Marítimo. São Paulo: Revista de Processo, vol. 203, Janeiro/2012, p. 181.  

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3.4 Arribada Forçada

Tem-se ainda a arribada forçada, disciplinada no art. 772 e 775 do CPC/39.

Arribada forçada é a entrada do navio, em caso de necessidade, em porto ou lugar

distinto dos que estavam marcados para a escala da viagem (Ccom, art. 740):

Art. 772. Nos portos não alfandegados ou não habilitados, competirá ao juiz autorizar a descarga do navio arribado que necessitar de conserto. O juiz que autorizar a descarga comunicará logo o ocorrido à alfândega ou mesa de rendas mais próxima, afim de que providencie de acôrdo com as leis alfandegárias. Art. 773. As providências do artigo precedente serão também autorizadas nos seguintes casos: I – quando, abandonado o navio arribado, ou havido por inavegável, o capitão requererá depósito da carga ou baldeação desta para outro navio; II – quando a descarga fôr necessária para aliviar navio encalhado em baixio ou banco, em águas jurisdicionais. Art. 774. Nas hipóteses dos artigos anteriores, se necessária a venda de mercadorias da carga do navio arribado, para pagamento de despesas com seu concerto, ou com a descarga, ou com o depósito e reembarque das mercadorias, ou seu aparelhamento para navegação, ou outras despesas semelhantes, o capitão, ou o consignatário, requererá ao juiz, nos casos em que este fôr competente, autorização para a venda. §1º A venda não será autorizada sem caução para garantia do pagamento dos impostos devidos. §2º O juiz que autorizar a venda comunicará logo o fato à alfândega ou mesa de rendas mais próxima e ao Ministério da Fazenda. §3º Igualmente se procederá no caso de ser requerida venda de mercadorias avariadas não suscetíveis de beneficência. Art. 775. A decisão das dúvidas e contestações sobre a entrega das mercadorias, ou do seu produto, competirá privativamente ao juiz de direito, ainda que se trate de embarcações estrangeiras, quando não houver, na localidade, agente consular do país com o qual que Brasil tenha celebrado tratado ou convenção. Parágrafo único. Ouvido no prazo de cinco (5) dias o órgão do Ministério Público, ou o Procurador da República, se o houver na comarca, o juiz decidirá no mesmo prazo, à vista da promoção e das alegações e provas produzidas pelos interessados.

Nenhuma desculpa, diz o Ccom, art. 509, poderá desonerar o capitão que

alterar a derrota que era obrigado a seguir. Desse modo, infringe gravemente seu

dever todo capitão que entra em porto estranho ao do seu destino (Ccom, art. 510).

Quando, porém, houver razão maior, tem o capitão de proceder à reunião da junta de

deliberação (Ccom, art. 504), protestar (CPC, art. 725) e ratificar o protesto (CPC, art.

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727) 87 , e essas hipóteses não englobam os casos de avaria comum. Essas se

restringem apenas às arribadas forçadas para conserto (art. 765), por abandono88 ou

inavegabilidade do navio (art. 773, I) ou para alívio de navio encalhado (art. 773, II).

Na presente hipótese – não mais autorizada pela estrutura judiciária –, não

significa que a arribada forçada em porto diverso daquele predestinado não mais

suceda ou que esteja em “desuso” na atualidade brasileira, mas é evidente que hoje

não é o juiz de direito a autoridade competente para proceder à ordem do que ingressa

ou desponta no país. Esta autoridade ainda era outorgada ao juiz de direito da

localidade quando em porto não alfandegado ou habilitado89.

A matéria alfandegária encontra-se devidamente disciplinada no regulamento

aduaneiro – o Decreto n. 6.759/2009 –, alterado pelo de n. 8.187/2014, que

regulamenta a administração das atividades aduaneiras, bem como a fiscalização, o

controle e a tributação das operações de comércio exterior, inclusive abarcando os

mais diversos tipos de categorias alfandegárias (ex.vi. admissão temporária), não

havendo razão para a permanência do procedimento especial.

3.5 Protesto Formado a Bordo

A legislação comercial conhece protestos formados a bordo, na forma do art.

505 do Ccom, que conceitua o protesto formado a bordo ou processo testemunhável a

bordo como o ato, que ali registra, no próprio diário da navegação, o relatório

circunstanciado do sinistro, avarias, ou quaisquer perdas, ocorridas durante a

viagem da embarcação ou navio, e tendente a comprová-los. Na lição de Pontes de

Miranda, o protesto não é, então, outra coisa que medida preventiva de constituição

da prova90:

DISTINÇÕES NECESSÁRIAS Tais protestos se distinguem das muitas medidas preventivas de asseguração da prova (art. 676, V e VI), em que há dois momentos: o da produção da prova (art. 725e 726) e o da ratificação (art. 727-729); pois, ao tempo da produção, não já juiz presente. Essa

                                                                                                               87 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 341.  88O abandono do navio pode ser ao segurador (sub-rogatório), aos credores (liberatório), ou por perecimento ou vontade do capitão (fático).  89 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 406.  90 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 181.  

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distanciação temporal do juiz faz o protesto a bordo ser tido como protesto, semelhante aos dos art. 720-723, em vez de ser classificado, como seria possível, no art. 676. O que está em causa é a pretensão à constituição da prova91.

Representa, assim, o registro de qualquer acidente ocorrido na viagem, seja

em relação à carga, aos passageiros ou ao próprio navio. Trata-se de declaração ou

relato feito pelo capitão, relativo às circunstâncias da viagem, às tempestades ou maus

tempos suportados pelo navio, aos acidentes supervenientes que o obrigaram a

procurar outro porto e ai se refugiar, à própria conduta do capitão a respeito de

qualquer medida que julgou ser de seu dever tomar92. Ou seja, o protesto é um mero

registro que somente terá força probatória após ratificação.

De modo contrário, esse é um procedimento especial marítimo ainda utilizado

no direito hodierno por meio da estrutura judiciária. O protesto formado a bordo (ou

processo testemunhável formado a bordo) é disciplinado pelos art. 725 a 729 do

CPC/39 e atualmente é possível encontrá-lo nos arts. 782 a 786 do NCPC – Seção XII

– Capítulo XV – Dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária93:

Art. 782. Todos os protestos e os processos testemunháveis formados a bordo lançados no livro Diário da Navegação deverão ser apresentados pelo Comandante ao juiz de direito do primeiro porto, nas primeiras vinte e quatro horas de chegada da embarcação, para sua ratificação judicial. Art. 783. A petição inicial conterá a transcrição dos termos lançados no livro Diário da Navegação e deverá ser instruída com cópias das páginas que contenham os termos que serão ratificados, dos documentos de identificação do Comandante e das testemunhas arroladas, do rol de tripulantes, do documento de registro da embarcação e, quando for o caso, com cópia do manifesto das cargas sinistradas e a qualificação de seus consignatários, traduzidos, quando for Obrigado(a), caso, de forma livre para o português. Art. 784. A petição inicial deverá ser distribuída com urgência e encaminhada ao juiz, que ouvirá, sob compromisso a ser prestado no mesmo dia, o Comandante e as testemunhas em número mínimo de duas e máximo de quatro, que deverão comparecer ao ato independentemente de intimação. § 1o Tratando-se de estrangeiros que não dominem o idioma português, o autor deverá fazer-se acompanhar por tradutor, que prestará compromisso em audiência. § 2o Caso o autor não se faça acompanhar por tradutor, o juiz

                                                                                                               91 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 181.  92 LYON-CAEN ET RENAULT, Traté de Droit Commercial, vol. 5, p. 523.  93 Art. 734. Quando este Código não estabelecer procedimento especial, regem os procedimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes desta Seção.

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deverá nomear outro que preste compromisso em audiência. Art. 785. Aberta a audiência, o juiz mandará apregoar os consignatários das cargas indicados na petição inicial e outros eventuais interessados, nomeando para os ausentes um curador para o ato. Art. 786. Inquiridos o Comandante e as testemunhas, o juiz, convencido da veracidade dos termos lançados no Diário da Navegação, em audiência ratificará por sentença o protesto ou o processo testemunhável lavrado a bordo, dispensado o relatório. Independentemente do trânsito em julgado, determinará a entrega dos autos ao autor ou ao seu advogado, mediante a apresentação de traslado.

Conforme se verifica acima, o procedimento de ratificação de protesto

formado a bordo consiste em o capitão apresentar-se pessoalmente, no prazo de 24

horas, ao juiz de direito da comarca do primeiro porto em que chegar, após a

ocorrência do acidente ou fato da navegação descrito em seu protesto, portando

consigo o diário de navegação, bem como as testemunhas que confirmem o

acontecimento ocorrido, de modo que a decisão judicial substitua o livro de bordo.

A lei não prescreve forma, mas impõe condições para sua validade. Dentre

elas, na esteira do art. 505 do Ccom, o protesto deverá conter: i) um relatório

circunstanciado do sinistro (rectius: acidente ou fato da navegação), devendo referir-

se, em resumo, à derrota do navio até o ponto do sinistro, declarando a altura em que

ocorreu; ii) a exposição das justificativas que motivaram a medida, ou sua

determinação pelo capitão, declarando-se se a ela precedeu a deliberação das pessoas

competentes, que a aprovaram ou se insurgiram contra ela, devendo inclusive ser

formulada no próprio diário da navegação.

Para registro, os acidentes da navegação são aqueles descritos no art. 14 da Lei

Orgânica do Tribunal Marítimo (LOTM): naufrágio, encalhe, colisão, abalroamento,

água aberta94, explosão, incêndio, varação95, arribada, alijamento96 e/ou qualquer

avaria/defeito no navio ou em suas instalações que ponha em risco a embarcação, as

vidas ou as fazendas/mercadorias de bordo. E são fatos da navegação: o mau

aparelhamento ou a impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada e

a deficiência da equipagem, alteração de rota, má estivação da carga, que sujeite a

                                                                                                               94 É a abertura ou fratura nas obras vivas, ou seja, no casco abaixo da linha de flutuação, que permita o ingresso descontrolado de água nos espaços internos do navio. In: GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 37.  95 É o ato intencional de pôr o navio em seco para se evitar evento mais danoso (encalhe intencional).  96 É o ato deliberado de se lançar na água a carga a bordo.  

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risco a segurança da expedição, recusa injustificada de socorro à embarcação em

perigo, todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e a

segurança da embarcação, as vidas e as fazendas de bordo e o emprego da

embarcação, no todo ou em parte, na prática de atos ilícitos, previstos em lei como

crime ou contravenção penal, na forma do art. 15 da LOTM. De Plácido e Silva assim

adverte:

A ratificação no caso concreto é de ato feito em determinado livro, nas duas fases exigidas por lei. Se o livro não existe, para provar a materialidade do ato, ou se esse se apresenta defeituoso, bem ponderada a determinação legal, não admitindo a ratificação, que tal não deve caber a documento falho e visceralmente ineficaz. No livro estão os termos do protesto; na ata as razões morais e jurídicas que motivaram o protesto de alijamento de mercadorias ou de abandono de navio. Sem ele nada há a ratificar, pois que de sua inexistência também decorre a impossibilidade da ratificação por falta de objeto97.

Veja-se que o procedimento de ratificação de protesto é uma medida

preparatória que visa a uma garantia do resultado útil do processo. A principal

finalidade é tão somente documentar a prova. O protesto não é, então, outra coisa que

medida preventiva de constituição da prova98. Por essa razão – possuidora de caráter

puramente voluntário e administrativo, inclusive a competência para esse

procedimento poderia ser deslocado para o âmbito de atuação do Tribunal Marítimo99.

Segundo De Plácido e Silva:

Ele vem nada mais que atestar a evidência do fato, que ocorreu anteriormente, e o seu processo deve ser tendente a comprovar a veracidade do registro feito nos livros de bordo, para aquilatar de sua procedência ou improcedência. (...) A admissibilidade de contestação ou impugnação à ratificação do processo testemunhável, como também o código designa o protesto, para melhor ressaltar a sua natureza, viria a desvirtuar a própria

                                                                                                               97DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 304.  98 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 181.  99 O Decreto n. 20.829, de 21 de dezembro de 1931, criou a Diretoria de Marinha Mercante – em substituição à Diretoria de Portos e Costas – e determinou em seu art. 5º a criação dos Tribunais Marítimos Administrativos, que ficariam subordinados àquela Diretoria. Em 1934 instalava-se então o primeiro Tribunal Marítimo (RJ). Destacam-se aqui os 80 anos do Tribunal Marítimo comemorados neste ano. A Lei Orgânica do Tribunal Marítimo (LOTM) é a Lei n. 2.180/54.  

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finalidade da ratificação, que se indica ato de autenticidade do protesto feito a bordo100.

A própria ratificação não constitui, portanto, matéria julgada, ou seja, não

eleva os fatos arguidos no protesto ou no processo testemunhável até a altura da coisa

julgada material, podendo ser atacada por outra prova que venha a mostrar

improcedência quanto ao que ,está registrado no protesto de bordo e cuja ratificação

veio solenemente formalizar101. A decisão reputa como autênticas as declarações.

Veja-se que a matéria encontra-se também disciplinada no art. 505 do Código

Comercial102, em referência a esse procedimento que continua tendo sua importância

para averiguar eventuais responsabilidades dos agentes marítimos103.

3.6 Vistoria das Fazendas

A vistoria das fazendas avariadas prevista no art. 756 do CPC/39 se refere, na

verdade, a uma presunção em favor do transportador quando silente o destinatário da

carga logo após a entrega da mercadoria transportada. Fazendas aqui – em um

conceito todo jurídico – significa a mercadoria ou os objetos entregues para transporte

na embarcação, sejam de que espécie for: manufatura, animal ou agrícola104.

Art. 756. Salvo prova em contrário, o recebimento de bagagem ou mercadoria, sem protesto do destinatário, constituirá presunção de que foram entregues em bom estado e em conformidade com o documento de transporte. §1º Em caso de avaria, o destinatário deverá protestar junto ao transportador dentro em três (3) dias do recebimento da bagagem, e em cinco (5) da data do recebimento da mercadoria. §2º A reclamação por motivo de atraso far-se-á dentro de quinze (15) dias, contados daquele em que a bagagem ou mercadoria tiver sido posta à disposição do destinatário. §3º O protesto, nos casos acima, far-se-á mediante ressalva no próprio documento de transporte, ou em separado.

                                                                                                               100 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 307.  101 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 307.  102 Art. 505 do Código Comercial – Todos os processos testemunháveis e protestos formados a bordo, tendentes a comprovar sinistros, avarias, ou quaisquer perdas, devem ser ratificados com juramento do capitão perante a autoridade competente do primeiro lugar onde chegar, a qual deverá interrogar o mesmo capitão, oficiais, gente da equipagem e passageiros sobre a veracidade dos fatos e suas circunstancias, tendo presente o diário da navegação, se houver sido salvo.  103 SILVA FILHO, Nelson Cavalcante. O Projeto do Novo Código de Processo Civil e o Direito 7. Marítimo. São Paulo: Revista de Processo, vol. 203, Janeiro/2012, p. 181.  104 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 357.  

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§4º Salvo o caso de fraude do transportador, contra êle não se admitirá ação, se não houver protesto nos prazos dêste artigo.

Trata-se aqui de uma presunção de bom estado das mercadorias quando não

houver qualquer reclamação por parte do consignatário – enquanto não provado o

contrário no prazo previsto, a presunção de bom estado se firma. Fora desse prazo,

somente se for comprovada fraude do transportador (Ccom, art. 756).

O momento do recebimento é relevante para a contagem do art. 756, parágrafo

primeiro, do CPC/39. Na época, o STF entendeu que o art. 756 do CPC não derrogara

o art. 618 do Ccom: ter-se-iam o exame judicial (Ccom, art. 618105) e o protesto

(CPC, art.756)106. Explica Pontes de Miranda:

a alteração maior que o art. 756, parágrafo primeiro do CPC fez ao art. 618 foi a que diz respeito ao fato desde o qual se conta o prazo: no CCOM conta-se o prazo desde a descarga, não compreendido aí o dies a quo (“antes da descarga ou dentro de vinte e quatro horas depois”); no CPC, desde o recebimento da bagagem (não compreendido o dia do recebimento, devido, em direito processual, ao art. 27)107.

Nesse ponto, tem-se que o prazo de 24 horas foi substituído pelo de três ou

cinco dias para o protesto. Sendo este realizado, o interessado tem de requerer a

vistoria. Para firmar o direito do destinatário e autorizá-lo a reclamar do transportador

as indenizações sobre as avarias das fazendas transportadoras ou atraso em sua

recepção, é necessário protestar na forma dos artigos acima analisados. Segundo De

Plácido e Silva:

Assim se entende porque o protesto é o ato pelo qual alguém “para prevenir responsabilidades e prover a conservação e ressalva de

                                                                                                               105 Art. 618 - Havendo presunção de que as fazendas foram danificadas, roubadas ou diminuídas, o capitão é obrigado, e o consignatário e quaisquer outros interessados têm direito a requerer que sejam judicialmente visitadas e examinadas, e os danos estimados a bordo antes da descarga, ou dentro em 24 (vinte e quatro) horas depois; e ainda que este procedimento seja requerido pelo capitão não prejudicará os seus meios de defesa. Se as fazendas forem entregues sem o referido exame, os consignatários têm direito de fazer proceder a exame judicial no preciso termo de 48 (quarenta e oito) horas depois da descarga; e passado este prazo não haverá mais lugar a reclamação alguma. Todavia, não sendo a avaria ou diminuição visível por fora, o exame judicial poderá validamente fazer-se dentro de 10 (dez) dias depois que as fazendas passarem às mãos dos consignatários, nos termos do art nº. 211.  106 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 300.  107 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 301.  

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direitos, manifesta, de modo formal, qualquer intenção, por escrito”, fazendo dele ciente à pessoa, a quem se dirige108.

Ou seja: sem o protesto não haverá ação. E protesto, dentro do prazo. A

despeito da divergência que havia a respeito do prazo previsto no Ccom,

a nosso ver, pois, se o Código Processual estabeleceu a forma por que se firma esse direito, e embora possa, para maior validade do protesto, ser pedida a vistoria das mercadorias avariadas ou diminuídas, não se pode deixar de admitir que os prazos vigorantes para ela sejam os que se consignam no Código Processual para formação do protesto.

E continua De Plácido e Silva:

O Código de Processo, implantando novas diretrizes no Direito Processual Brasileiro, essa é a verdade, arrogou-se no direito de revogar regras que o pudessem contradizer ou não estavam mais em harmonia com a evolução jurídica, que ele próprio implantou. No caso do protesto em espécie, o instituto é dele. E por isso atendeu as necessidades para promoção109

Interessante o raciocínio por ele desenvolvido, porque novamente os

operadores do direito se deparam com eventual modificação do prazo de protesto de

avaria. O Código Civil de 2002 – CC/02 unificou o prazo de protesto de avaria em 10

dias, e mantido o artigo 1.059, parágrafo terceiro, do NCPC, novamente a dúvida

inicial reaparece: o prazo para as reclamações no transporte marítimo é afinal de 10

dias do CC/02 ou de 15, regra geral do NCPC110?

3.7 Avaria

Finalmente, têm-se as avarias, procedimento especial, disciplinado pelos arts.

765 a 768 do CPC/39, que, no direito marítimo, significam os danos, as perdas e as

despesas extraordinárias que recaiam sobre o navio ou sua carga durante a aventura

marítima111. Conforme o art. 761 do Ccom:

                                                                                                               108 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 358.  109 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 363.  110 SILVA FILHO, Nelson Cavalcante. O Projeto do Novo Código de Processo Civil e o Direito Marítimo. São Paulo: Revista de Processo, vol. 203, Janeiro/2012, p. 181.  111 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. Barueri: Manole, 2013, p. 46. O Código Comercial estabelece que “todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente, ou todos os danos acontecidos àquele ou a esta, desde o embarque até a sua volta e desembarque, são considerados avarias”.  

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Avaria, em terminologia de direito marítimo, é a) toda despesa extraordinária, feita a bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente (avaria-despesa); ou b) todo dano acontecido ao navio, ou à carga (avaria-dano). Entenda-se, desde o embarque e partida até sua volta e desembarque.

Classificam-se em avarias particulares ou simples e avarias grossas ou

comuns. As primeiras resultam de caso fortuito ou fortuna do mar (Ccom, art. 766).

As últimas supõem ato volitivo. Em geral são os danos causados deliberadamente, em

caso de perigo ou desastre imprevisto, bem como as despesas em iguais circunstâncias

– caso em que o capitão faz protesto por avaria comum, valendo este como forma de

comunicação de conhecimento do “ocorrido”112. Ensina De Plácido e Silva que:

As avarias simples, em principio, resultam de uma deterioração ou danificação trazida ao navio ou à carga por caso fortuito ou por culpa de outrem, importando num prejuízo ao dono da carga ou do navio, indenizável, quando segurado ou por que tenha culpa do fato que os danificou. As avarias comuns, mesmo quando resultantes de ato voluntário do capitão, tanto podem derivar-se de dano acontecido à carga, ou ao navio, como da despesa extraordinária feita em bem de ambos. Desse modo, tem como causa não a extensão ou natureza do prejuízo ou dano, mas o beneficio da despesa ou do dano em interesse comum. O Código Comercial, nos art. 764 e 765 registra inúmeros casos de avarias comuns113.

O procedimento em comento tem por escopo a regulação de avaria grossa. Via

de regra, esse procedimento especial é realizado extrajudicialmente, razão pela qual o

próprio art. 783 do Código Comercial estabelece que, caso as partes não nomeiem

perito para proceder à regulação, esta seguirá pela via judicial – observado o seguinte:

Art. 765. O capitão, antes de abrir as escotilhas do navio, poderá exigir dos consignatários da carga que caucionem o pagamento da avaria, a que suas respectivas mercadorias foram obrigadas no rateio da contribuição comum. Recusando-se os consignatários a prestar a caução, o capitão poderá requerer depósito judicial dos efeitos obrigados à contribuição, ficando o preço da venda subrogado para com êle efetuar-se o pagamento da avaria comum, logo que se proceda ao rateio. Art. 766. Nos prazos de sessenta (60) dias, si se tratar de embarcadores residentes no Brasil, e de cento e vinte (120), si de residentes no estrangeiro, contados do dia em que tiver sido requerida a caução de que trata o artigo antecedente, o armador

                                                                                                               112 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 323.  113 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 383.  

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fornecerá os documentos necessários ao ajustador para regular a avaria, sob pena de ficar sujeito aos juros da mora. O ajustador terá o prazo de um ano, contado da data da entrega dos documentos, para apresentar o regulamento da avaria, sob pena de desconto de dez por cento (10%) dos honorários, por mês de retardamento, aplicada pelo juiz, ex-officio, e cobrável em sêlos, quando conclusos os autos para o despacho de homologação. Art. 767. Oferecido o regulamento da avaria, dele terão vista os interessados em cartório, por vinte (20) dias. Não havendo impugnação, o regulamento será homologado; em caso contrário, terá o ajustador o prazo de dez (10) dias para contrariá-la, subindo o processo, em seguida, ao juiz. Art. 768. A sentença que homologar a repartição das avarias comuns mandará indenizar cada um dos contribuintes, tendo força de definitiva e sendo exequível desde logo, ainda que dela se recorra.

Verifica-se que antes de o capitão promover a descarga (“abrir as escotilhas”)

é oportuna a exigência de caução. É direito que assiste ao capitão para promover o

pagamento da avaria. Não sendo atendido, requererá depósito judicial dos efeitos

obrigados à contribuição (rectius: mercadorias do navio) – na esteira do arts. 784 e

785 do Ccom.

A exigência da caução somente é cabível quando ocorre esse tipo de avaria –

porque a todos onera, obrigando-os à contribuição geral que atingir. O processo é

preventivo, porque corresponde à pretensão a ser assegurado o pagamento. Se houve

recusa judicial da caução, o procedimento é o dos art. 684 e 685; se houve, é

consequente ao julgamento da recusa e não admite discussão114.

O ato pelo qual se promove a verificação da contribuição de cada interessado,

destinada a realizar a indenização do prejuízo que da avaria se gerou, é o chamado de

regulação ou regulamento de avaria grossa. É o processo pelo qual – evidenciada a

avaria comum – se promoverão todas as operações necessárias no sentido de fixar o

valor das perdas, determinando-se a parte de cada coobrigado pela avaria115.

Por essa razão, acertou o NCPC, na versão aprovada, tratar a regulação de

avaria grossa no Título III – Procedimentos Especiais, do Capítulo XIII:

                                                                                                               114 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IX. 2a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1959, p. 325.  115 DE PLACIDO E SILVA. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IV. 4a Edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, p. 387.  

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DA REGULAC ÃO DE AVARIA GROSSA Art. 722. Quando inexistir consenso acerca da nomeação de um regulador de avarias, o juiz de direito da comarca do primeiro porto onde o navio houver chegado, provocado por qualquer parte interessada, nomeará um de notório conhecimento. Art. 723. O regulador declarará justificadamente se os danos são passiveis de rateio na forma de avaria grossa e exigirá das partes envolvidas a apresentação de garantias idôneas para que possam ser liberadas as cargas aos consignatários. §1o A parte que não concordar com o regulador quanto à declaração de abertura da avaria grossa deverá justificar suas razões ao juiz, que decidirá no prazo de dez dias, sendo a decisão impugnável por agravo de instrumento, salvo quando implicar extinção do processo, hipótese em que caberá apelação. §2o Se o consignatário não apresentar garantia idônea a critério do regulador, este fixará o valor da contribuição provisória com base nos fatos narrados e nos documentos que instruírem a petição inicial, que deverá ser caucionado sob a forma de depósito judicial ou de garantia bancária. §3o Recusando-se o consignatário a prestar caução, o regulador requererá ao juiz a alienação judicial de sua carga na forma dos art. 895 a 919. §4o É permitido o levantamento, por alvará, das quantias necessárias ao pagamento das despesas da alienação a serem arcadas pelo consignatário, mantendo-se o saldo remanescente em depósito judicial até o encerramento da regulação. Art. 724. As partes deverão apresentar nos autos os documentos necessários à regulação da avaria grossa em prazo razoável a ser fixado pelo regulador. Art. 725. O regulador apresentará o regulamento da avaria grossa no prazo de até doze meses, contado da data da entrega dos documentos nos autos pelas partes, podendo o prazo ser estendido a critério do juiz. §1o Oferecido o regulamento da avaria grossa, dele terão vista as partes pelo prazo comum de quinze dias; não havendo impugnação, será homologado por sentença. §2o Havendo impugnação ao regulamento, o juiz decidirá no prazo de dez dias, após a oitiva do regulador. Art. 726. Aplicam-se ao regulador de avarias os art. 157 a 159, no que couber.

Nesse panorama apresentado, tem-se que o procedimento de regulação de

avaria é ainda utilizado na estrutura judiciária – a par da homologação do laudo de

regulação – tão somente quando não firmado o acordo extrajudicial no tocante ao

consenso do regulador da avaria grossa, restando à parte então a via judicial acima, de

modo que não seria possível realizá-la mediante procedimento comum116.

                                                                                                               116 SILVA FILHO, Nelson Cavalcante. O Projeto do Novo Código de Processo Civil e o Direito Marítimo. São Paulo: Revista de Processo, vol. 203, Janeiro/2012, p. 181.  

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PARTE II: Revisão Judicial das Decisões do Tribunal Marítimo

4. A Jurisdição Brasileira: Conceito e Acepções do Termo Jurisdição

De acordo com a etimologia, a palavra JURISDIÇÃO deriva do latim

“jurisdiction” (ação de administrar a justiça), formada, como se vê, pelas expressões

“jus dicere”, “juris dictio”. É usada precisamente para designar as atribuições

especiais conferidas aos magistrados, encarregados de administrar a justiça.

Assim, em sentido jurídico ou propriamente forense, exprime a extensão e o

limite do poder de julgar de um juiz. E isso porque, em sentido lato, jurisdição quer

significar todo poder ou autoridade conferida à pessoa, em virtude da qual pode

conhecer certos negócios públicos e os resolver. E nesse poder, em que se estabelece

a medida das atividades funcionais da pessoa, entendem-se incluídas não somente as

atribuições relativas à matéria, que deve ser trazida ao seu conhecimento, como

também a extensão territorial, em que o mesmo poder se exercita117.

A atividade jurisdicional encontrou durante muito tempo sua justificativa na

evolução social e política da comunidade humana, que, ao exigir um incremento da

segurança de seus membros, conduziu à substituição da justiça privada, por uma

atuação exclusiva do próprio Estado como ente imparcial a quem se atribui a função

de pacificação dos conflitos sociais, por meio da recomposição ou imposição do

comportamento preceituado por normas legais de conduta por ele próprio ditadas118.

Tornou-se, portanto, um mecanismo de garantia de cumprimento da legislação119.

Em outras palavras, pode-se afirmar que a jurisdição seria a forma pela qual o

poder estatal atuaria para corrigir a não observância espontânea do comando legal.

Ou, indo além, é como o Estado substitui a vontade dos “súditos” para determinar a

                                                                                                               117 DE PLACIDO E SILVA. Vocábulo Jurídico. 1a Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1962, p. 897.  118 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 6a Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 15.  119 Importante fazer a ressalva da diferença do conceito de jurisdição no direito norte-americano, em que o termo assume dupla conotação, ao abranger tanto a atividade legiferante do Estado – jurisdiction to prescribe– quanto sua capacidade de tornar concretamente efetivo o mandamento legal – jurisdiction to enforce (Xavier, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5aed. Forense: Rio de Janeiro, 1998, p. 7).In: SARMENTO MARQUES, Sérgio André Laclau. A Jurisdição Internacional dos Tribunais Brasileiros. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 12.  

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devida e concreta atuação do ditame legal no âmbito de conflitos interindividuais ou

supraindividuais surgidos no meio social por meio de uma sentença de mérito120.

É visível que não há ainda na doutrina pátria um consenso no tocante ao

conceito de jurisdição, o que torna impossível apresentar aqui todas as teorias sobre o

tema. Não obstante, apresentar-se-ão aquelas mais relevantes no cenário nacional – a

exemplo da teoria de Chiovenda e de Carnelutti –, sendo essas as mais aceitas pelos

doutrinadores brasileiros, embora alguns as considerem antagônicas. Porém, de

acordo com a maioria deles, são complementares as duas posições, de modo que se

define jurisdição como “função do Estado de atuar a vontade concreta da lei com o

fim de obter a justa composição da lide”121 – o que não parece de todo adequado.

Para Giuseppe Chiovenda, pode-se definir jurisdição como a função do Estado

que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição,

pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos

públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente,

efetiva122. A teoria chiovendiana tem por escopo que a lei regularia todas as situações

de um caso concreto, devendo o Estado limitar-se à atuação da vontade concreta da lei

– de modo que bastavam a declaração do direito e a atuação prática da lei.

A outra concepção é a de Francesco Carnelutti, que relaciona o conceito de

jurisdição com a “justa composição da lide”123. Por meio da manifestação do

magistrado, de caráter imperativo, o processo equivaleria ao instrumento público para

                                                                                                               120 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 9a Ed. São Paulo: Malheiros, p. 113.  121 Para Moacyr Amaral dos Santos, o objetivo do Estado no exercício da função jurisdicional é justamente assegurar a paz jurídica pela atuação da lei disciplinadora da relação jurídica em que se controvertem as partes. É verdade que, com esse objetivo, atuando a lei no caso concreto, impondo assim a autoridade desta, o Estado reconhece deliberação quanto ao direito subjetivo, como consequência daquela atuação. Em conclusão, a finalidade da jurisdição é resguardar a ordem jurídica, o império da lei e, como consequência, proteger aquele dos interesses em conflito que é tutelado pela lei, ou seja, aparar o direito objetivo. In: SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 18a Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, vol. 1, p. 68. Também nesse sentido: GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, 11a Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 167; AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 13aed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 67. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 6aed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 37.  122CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 3a ed. Trad. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969, p. 3.  123 CARNELUTTI, Francesco. Estudios de Derecho Procesal. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 5.  

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a justa composição da lide124. Assim é que o conceito carnelutiano de lide – ampliado

para possibilitar a abrangência de interesses coletivos e interesses de ordem pública125

– apresenta-se como ideia inseparável da jurisdição, na medida em que jurisdição

assumiria uma função exclusiva de composição de lide.

Perceba-se que enquanto na primeira teoria, também conhecida como teoria

declaratória ou dualista, a atividade jurisdicional limita-se ao reconhecimento de

direito preexistente, nesta última, denominada teoria constitutiva ou unitária, tem-se

que a função jurisdicional criaria o direito substancial, tendo por consequência a

composição do litígio.

Aponta Alexandre Freitas Câmara que a teoria dominante na doutrina seria a

declaratória ou dualista126. Seguidor dessa teoria, Cândido Rangel Dinamarco assim

se posiciona: “por esta razão parece correto o entendimento segundo o qual as

concepções de Chiovenda e Carnelutti acerca da jurisdição são antagônicas e, por

tal motivo, entendo que deve o jurista optar por uma delas”127.

Cumpre registrar, nessa toada, o conceito de jurisdição de Enrico Tulio

Liebman, que se baseou exatamente na junção de ambas as teorias italianas. Para ele –

que influenciou diretamente o Código de Processo Civil – CPC/73, é atividade estatal

destinada a atuar na regra jurídica concreta que disciplina a situação jurídica128.

Assim, ainda hodiernamente, em muitas vezes, a doutrina e a práxis – sem se

atentarem para a evolução semântica por que foram passando ao longo do tempo –

ainda se deixam influenciar por esse conceito clássico e de raízes antagônicas, mesmo

diante das profundas modificações sociopolítico-econômicas que o direito

contemporâneo ultrapassou com o Estado Democrático de Direito (EDD).

                                                                                                               124 Daí, exsurge o conflito dos intereses quando la situacion favorable a la satisfaccion de una necesidad distinta, configurando-se a lide quando ocorre o confronto entre intereses de dos personas distintas. E adiante explicita “lhamo litigio al conflicto de intereses calificados por la pretension de uno de los interesados y por la resistência del otro”. In: CARNELUTTI, Francesco. Derecho y Proceso. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 62.  125 Galeno Lacerda, Comentários ao CPC, 7a ed. Forense, 1998, v. VIII, t. 1, n, 6, p. 15.  126 Para Frederico Marques, por exemplo, a jurisdição é a função estatal de aplicar as normas de ordem pública em relação a uma pretensão – nisso reside a essência e substância do poder jurisdicional. In: MARQUES, J. Frederico. Jurisdição voluntária, 2a ed. Saraiva, 1959, p. 53.  127 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 80.  128 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Vol.1. 3aed. Tradução de Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 23.  

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Não obstante, é possível extrair-se aqui a premissa metodológica de cada

teoria, como bem realizou Ovídio Baptista da Silva129, na obra “Direito Subjetivo,

Pretensão de Direito Material e Processo”, em que evidencia o caráter puramente

semântico da construção dicotômica entre o direito material e do direito processual:

Para a teoria dualista, duas ações podem ser identificadas: a ação de direito material e a ação de direito processual. Para esta corrente, sob o aspecto processual, o direito subjetivo é uma categoria, comumente, estática, ao contrário da ação, pois esta “não é um direito subjetivo público que lhe é anterior e que a funda. A ação, no plano processual, em verdade, é a manifestação do direito público subjetivo que o Estado reconhece aos jurisdicionados de invocação da jurisdição”. Baptista da Silva continua sua exposição, demonstrando a distinção entre ação de direito material, que seria o exercício do próprio direito por ato de seu próprio titular, Ocorre que esse agir para a realização do próprio direito em regra não é disponibilizado ao respectivo titular sem que se lhe imponha a necessidade de veiculá-lo por meio da ação processual, sob invocação de tutela jurídica estatal. Tal fato advém “da circunstância do monopólio da jurisdição pelo Estado, fenômeno esse de que deriva o surgimento de uma nova pretensão ao titular do direito subjetivo, agora dirigida contra o próprio Estado, para que este, verificando antes a existência do direito invocado, aja em lugar de seu titular, realizando-o. A teoria monista, por sua vez, baseada nas características de autonomia e abstração do direito de ação, defende a impossibilidade de existência do direito e da norma fora do processo. É com o processo e com a sentença que nasce o direito subjetivo, antes dos quais não há senão interesses relevantes para o direito, interesses em conflito, mas não direito subjetivo”.

É possível vislumbrar que as teorias acima retratadas partem de uma

proeminência – ou do direito material ou do direito processual – que não condiz mais

com o paradigma pós-positivista do Estado Democrático de Direito130, uma vez que o

direito e a norma são um produto de linguagem, isto é, são o produto da

interpretação do operador do direito na solução do caso concreto.

É alvo de grande polêmica na seara processual a discussão acerca do monismo

e dualismo no direito processual civil:

A dicotomia existente entre monismo e dualismo não resiste a um enfrentamento hermenêutico da polêmica. No plano hermenêutico, é

                                                                                                               129 A. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Direito Subjetivo, Pretensão de Direito Material e Processo. Ajuris, nº. 29, p. 101.  130 Desse modo, para uma teoria jurídica desenvolver-se sob as bases de um paradigma pós-positivista, faz-se necessário elaborar juntamente uma concepção pós-positivista de norma que a distinga do texto normativo, o que, por sua vez, implica a necessidade de uma estruturação pós-positivista de sentença não mais vista como um processo de subsunção. In:ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 49.  

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impossível absolutizar a distinção entre plano material e processual porque, ontologicamente, tanto o direito material quanto o processual estão no mesmo plano: ambos constituem textos normativos a serem interpretados, circularmente, uma vez que não possui proeminência sobre o outro. Perante um acesso hermenêutico, não se pode distinguir entre normas substanciais (materiais) e normas processuais, na medida em que a norma surge somente quando caso jurídico, real ou fictício, é trazido à linguagem e interpretado, sem dizer que esta distinção seria meramente semântica. Todavia, essa crítica também não permite que a obra seja associada ao monismo, porque a teoria monista, em regra, entende que o direito surgiria como a sentença judicial, consistindo esta em um ato de positivação de vontade (ora lei ora legislador), algo criticado (...).A polêmica entre dualismo e monismo é anterior ao giro linguístico, na aplicação do direito o processo e direito material integram uma relação circular no plano da linguagem. A linguagem é o mundo interpretado pelo homem, é um acontecimento imperativo da realidade, a distinção entre normas processuais e materiais somente é possível no plano semântico, no qual a norma é considerada abstratamente e sem relação com a problematização de um caso concreto131.

Como se vê, o acesso hermenêutico ao processo implica a superação da

polêmica dicotomia entre monismo e dualismo, a uma, porque i)não existe separação

entre direito processual e direito material, constituindo, ambos, enunciados

normativos; a duas, porque ii) não há mais como conceber atualmente a sentença

como um mero ato de silogismo; e a três, porque iii) a decisão judicial não é fonte

única criadora de direito (a despeito de ser a mais relevante), razão pela qual não se

adotarão aquelas construções históricas de atividade jurisdicional.

Diante do exposto, tem-se que o conceito de jurisdição refletirá a própria

essência da atividade judicante – qual seja: todo poder ou autoridade conferidos por

lei em sentido estrito a um agente, órgão ou instância, em virtude dos quais se

atribuirá sentido à norma diante da problematização do caso concreto, prevenindo-o

ou solucionando-o, superando-se, assim, a metodologia positivista de que a decisão é

um ato de mero silogismo (onde, texto e norma se confundem), como pretende parte

da doutrina processual, que ainda insiste em separar o fenômeno da compreensão, da

interpretação e da aplicação do direito.

                                                                                                               131 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 87.  

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4.1 Revisão Atualizada de Jurisdição e Acesso à Justiça

Passando-se à análise do conceito de jurisdição de uma perspectiva

contemporânea, deve-se ter em mente que a função jurisdicional tem por escopo o

Estado Democrático de Direito (EDD) – pelo estudo dos fins da jurisdição, que,

consequentemente, são também do processo, que visa-se delimitar quais os fins para

os quais a função jurisdicional irá atuar 132 . Daí porque se torna importante

vislumbrar não só o próprio conceito de jurisdição, como também do princípio que o

abraça, haja vista que as expressões “jurisdição” e “acesso à justiça”acabaram

perdendo boa parte de sua identidade conceitual.

Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso:

Assim se passa porque o Direito, sobre não ser uma ciência exata, é antes de mais nada, um produto cultural, como tal atrelado a um dado espaço-tempo, e isso explica por que uma dada conduta (v.g. o adultério) numa região do planeta é tolerada ou ao menos não tipificada como ilícito, ao passo que em outros quadrantes é punida severamente; ai também está a razão pela qual durante um interstício temporal uma certa ocorrência – v.g. esbulho possessório – é severamente rechaçado pelo ordenamento, como ilícito civil e até penal, mas, em sobrevindo outro contexto, pode merecer outro tratamento, à vista da função social da propriedade133.

O autor completa o trecho colacionado relembrando que o DIREITO é uma

CIÊNCIA NOMOTÉTICA134 – que se expressa por meio de enunciados –, operando

como signos que não apresentam conteúdo fixo e inalterável: ao contrário, vão

sofrendo alterações principalmente de ordem semântica.

Desse modo, não é recomendado utilizar a noção de jurisdição criada para um

modelo de Estado que não mais existe, em razão de diversos fatores, tais como os

enunciados por Didier:

i) a redistribuição das funções do Estado, com criação de agencias reguladoras (entes administrativos, com funções executiva, legislativa e judicante) e executivas; ii) a valorização e o reconhecimento da força normativa da

Constituição, principalmente das normas-principio, que exigem do órgão jurisdicional uma postura mais ativa e criativa para a solução dos problemas;

                                                                                                               132 MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à Justiça e o Princípio da Igualdade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabres, 2006, p. 45.  133 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 333.  134 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 334.  

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iii) o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais, que impõe a aplicação direta das normas que os consagram, independentemente de intermediação legislativa; iv) a criação de instrumentos processuais como o mandado de

injunção, que atribui ao Poder Judiciário a função de suprir, para o caso concreto, a omissão legislativa; v) a alteração da técnica legislativa: o legislador contemporâneo

tem-se valido da técnica das clausulas gerais, deixando o sistema normativo mais aberto e transferindo expressamente ao órgão jurisdicional a tarefa de completar a criação da norma jurídica no caso concreto; vi) a evolução do controle de constitucionalidade difuso que

produziu entre nos a possibilidade de enunciado vinculante da súmula do STF em matéria constitucional, texto normativo de caráter geral, a despeito de produzido pelo Poder Judiciário135.

Em termos de direito processual, é possível ainda identificar objetivamente:

i) a expansão desmesurada das fronteiras do Direito, em direção a campos extra ou parajurídicos (antropologia, biologia, cibernética, ecologia); ii) a crise numérica de feitos pendentes na Justiça estatal (em 2009, computaram-se 82,9 milhões de processos, registrando o boletim Justiça em Números, do CNJ, divulgado em agosto de 2011, “o pequeno aumento dos casos em tramitação no Poder Judiciário, entre 2009 e 2010, no percentual de 0,6%”); iii) a crise de efetividade prática dos comandos judiciais, evidenciada naquele documento do CNJ: “um olhar mais detido sobre o indicador revela que o maior gargalo encontra-se na fase de execução do 1) grau da Justiça Estadual, onde a taxa de congestionamento chega a 89,8%” (...)136.

Referida análise não passou despercebida da crítica de Ada Pellegrini

Grinover, para quem o elevado grau de litigiosidade, próprio da sociedade moderna, e

os esforços rumo à universalidade da jurisdição (um número cada vez maior de

pessoas e uma tipologia cada vez mais ampla de causas que acedem ao Judiciário),

constituem elementos que acarretam a excessiva sobrecarga de juízes e tribunais137.

Na lição de Mancuso:

À vista das profundas alterações sociopolítico-cultural-econômicas deflagradas a partir do ultimo quartel do século passado (às quais o Direito deve guardar aderência, como condição para sua própria legitimidade), hoje se coloca a inafastável opção entre duas alternativas no tocante aos sentidos de “jurisdição” e de “acesso à justiça”: ou bem se continua a prestigiar concepções antigas, que prosperaram em contextos já desaparecidos, hoje de interesse

                                                                                                               135 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a Ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 105.  136 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 334.  137 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Fundamentos da Justiça Conciliativa. Revista de Arbitragem e Conciliação, n. 14, jul-set., 2007, p. 17.  

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meramente histórico, ou se admite a imperiosidade de submeter aquelas expressões a um processo de atualização e contextualização, trazendo-as para a realidade contemporânea, tanto a social como a judiciária138.

É de se notar que aqueles processualistas mais ortodoxos tendem a se apegar

aos antigos conceitos, mantendo a jurisdição ainda atrelada a uma atividade

jurisdicional – exclusiva do Estado – de mera subsunção dos fatos a disposições

normativas, ao passo que levam ao extremo as qualidades identificadoras do princípio

do acesso à justiça (hoje utópico), representadas por vocábulos grandiloquentes,

verdadeiras palavras de ordem, como “universalidade”, “indeclinabilidade”,

“ubiquidade”, ignorando que o direito tem custo e leva ao gigantismo judiciário.

Demais disso – hoje configurada a notória crise numérica de processos –, é

visível o crescimento de instâncias, órgãos e agentes parajurisdicionais, voltados à

prevenção e/ou à resolução consensual dos conflitos, levando ao gradual

reconhecimento de que a jurisdição não é atividade exclusiva do Estado, mas, ao

contrário, caberia a todo agente, órgão e instância, autorizado por lei (em sentido

estrito), que atribua sentido à norma diante da problematização do caso concreto, em

tempo hábil, resolvendo uma crise de direito – é o que se denomina pela doutrina a

chamada JURISDIÇÃO COMPARTILHADA. Na lição de Sidnei Agostinho Beneti:

Dizer o direito não exaure o dizer à Justiça. A solução justa da controvérsia tanto pode provir da jurisdição legal, monopólio do Estado, como pode realizar-se por outros instrumentos de composição de conflitos, embora todos busquem a realização da Justiça. Só a idolatria estatal, alimentada pela nociva ingenuidade científica ou pelo preconceito ideológico impermeável à razão, pode sustentar a crença de que o julgamento jurisdicional realizado pelo Estado seja sempre justo e de que somente esse julgamento seja apto à realização da Justiça no caso concreto139.

Dessa perspectiva contemporânea do direito processual civil, a jurisdição

funcionaria como legítimo mecanismo de acesso à justiça. E não há aqui afronta ao

princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional do art. 5º, XXXV, da CF/88 (ou

ainda, princípio do acesso à justiça), sendo necessário contextualizá-lo no modelo

constitucional atual. Na verdade, sobre esse ponto, cumpre uma análise um pouco

                                                                                                               138 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 335.  139BENETI, Sidnei Agostinho. Resolução Alternativa de Conflitos (ADR) e constitucionalidade. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n. 9, jan.-jun., 2002, p. 104.  

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mais delineada. Trata-se de expressão por vezes associada a um direito, outras a um

princípio, ou, ainda,a uma garantia, portanto, longe de uma acepção de consenso.

Flávio Galdino detectou entre doutrina e jurisprudência nada menos que 14

sentidos140: Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional; Princípio da

Universalidade da Jurisdição; Princípio da Indeclinabilidade da Jurisdição; Princípio

da Ubiquidade da Jurisdição; Princípio do Acesso à Justiça; Princípio da

Acessibilidade Ampla (ou do Amplo Acesso à Justiça); Princípio do Livre Acesso à

Jurisdição Estatal; Regra da Plenitude do Acesso à Jurisdição; Direito Constitucional

à Jurisdição; Princípio da Proteção Judiciária; Princípio da Irrecusabilidade da

Jurisdição; Princípio da Irrecusabilidade da Função Jurisdicional; Princípio da

Plenitude da Função Judicante do Estado; e Princípio da Utilidade da Jurisdição.

Explica Rodolfo de Camargo Mancuso que a desejável densificação

conceitual a esse respeito parece delinear-se a partir de dois documentos:

1 - Exposição de Motivos do PL 8.046/10 sobre o NCPC, reconhece no art. 2º “pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado”. (..) - Por aí esvanece-se a antiga acepção da jurisdição monopolizada pelo Estado, e por outro lado, a efetividade da resposta passa a ser o critério legitimante da intervenção jurisdicional;

2 - A Resolução do CNJ nº. 125/2010, inclui: “o direito de acesso à justiça, prevista no art. 5º, XXXV além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa”141 .

Com efeito, a atividade jurisdicional não estaria assim mais umbilicalmente

ligada a uma atividade exclusiva do Estado. Em prosperando essa diretriz

programática, ficará restaurada a própria verdade histórica, a saber, que a jurisdição

nunca foi monopolizada pelo Estado, tantos e diversos foram, ao longo do tempo,

os meios e os agentes credenciados a prevenir ou resolver os conflitos deflagrados ao

interno da coletividade142. Também os Poderes Executivo e Legislativo desempenham

atividades jurisdicionais em determinados casos, conforme descreve Bueno:

A atividade desempenhada pela Administração Pública em uma “sindicância” ou em um “processo administrativo”, por exemplo, é substancialmente jurisdicional. Da mesma forma, e a título

                                                                                                               140 GALDINO, Flávio. A Evolução das Ideias de Acesso à Justiça. Revista Autônoma de Processo, nº. 3, abr.-jun., 2007, Curitiba, p. 65.  141 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 338.  142 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 336.  

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meramente exemplificativo, a atuação do Legislativo ao julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e no processo de impeachment de determinadas autoridades públicas143.

Não obstante, e considerando parte da doutrina aqui meramente constatada, a

atribuição de sentido à norma, diante da problematização do caso concreto por um

agente, órgão ou instância com poder autorizado por lei, dessa forma, por si só –

mesmo criando condições efetivas para sua realização concreta – não seria

característica suficiente da atividade jurisdicional aqui estudada, e o que a

caracterizaria como suficiente seria sua definitividade.

TODAVIA, não é esse o entendimento reconhecido neste trabalho, uma vez

que a coisa julgada material – ainda que exclusiva de alguns provimentos

jurisdicionais – não está presente em todas as decisões de natureza jurisdicionais, a

ponto de se considerar a definitividade um requisito intrínseco ao conceito de

jurisdição, conforme se verá no tópico subsequente.

Diante do exposto, os conceitos fundamentais do processo civil revisados

devem ainda ser contextualizados de acordo com os valores na linguagem

constitucional144. Assim, ter-se-á que: i) é atividade exclusiva do Estado-Juiz, haja

vista que pode ser exercida por terceiro não integrante da estrutura judiciária (CF/88,

art. 92), sendo capaz de resolver o conflito com uma resposta de qualidade; ii) não

deve acarretar expectativa exagerada quanto à solução do conflito (CF/88, art. 5º,

XXXV), do qual o Estado somente conseguiria proferir uma resposta de baixa

qualidade, revelando-se excessivamente demorada, onerosa e imprevisível, ao

contrário daquela da jurisdição compartilhada; iii) o intérprete passa a pertencer à

própria compreensão e o interpretandum passa somente a existir na história factual da

compreensão que gera145, de modo que os conceitos acima estariam umbilicalmente

                                                                                                               143 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 1. 6aed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 291.  144 Note-se que a decisão judicial estará legitimada não apenas quando respeita a equidade dos procedimentos, senão quando respeita a coerência de princípios que compõem a integridade moral da comunidade, o que nos leva a crer que – em um Estado Democrático de Direito – legalidade e legitimidade, cada uma com sua qualidade, são características do poder. A legitimidade é a qualidade do título do poder e a legalidade a qualidade do seu exercício. In: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 1998, p. 426.  145 FERNANDEZ-LARGO, Antonio Osuna. La Hermenêutica Juridica de Hans-Georg Gadamer. Valladolid: Secretariado de Publicaciones Universidad de Valladolid, 1992, p. 110, para quem “em toda leitura tem lugar uma aplicação e, aquele que lê um texto se encontra, também ele, dentro do sentido que percebe. Ele mesmo pertence ao texto que entende”. In: GADAMER, Hans-Georg.

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relacionados com interpretação do direito desempenhada por agente, órgão ou

instância autorizados por lei, que atribuirão sentido à norma diante da

problematização do caso concreto, tendo por escopo o Estado Democrático de Direito.

4.2 Características da Atividade Jurisdicional

Dentre os conceitos de jurisdição destacados no presente trabalho, se

desmembrados, caracterizam-se essencialmente alguns requisitos reconhecidos por

boa parte da doutrina: inércia146, substitutividade147e natureza declaratória148 – para

aqueles que adotam a teoria dualista ou declaratória –, de modo que seriam essas as

características essenciais que compõem a função jurisdicional.

Não obstante, e considerando que não existe até hoje um consenso

doutrinário acerca do conceito de jurisdição, há quem identifique como

características da atividade jurisdicional também a lide149, a definitividade150 e a

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             Verdade e Método Traços Fundamentais de uma Hermenêutica Filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer. 3a Ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 503.  146 O Estado-Juiz só atua se for provocado. Ne procedatiudex ex officio, ou seja, o juiz não procede de ofício (de ofício = por conta própria). Essa regra geral, conhecida pelo nome de princípio da demanda ou princípio da inércia, está consagrada no art. 2º do Código de Processo Civil, segundo o qual ‘nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais’. Tal princípio proíbe, portanto, os juízes de exercerem a função jurisdicional sem que haja a manifestação de uma pretensão por parte do titular de um interesse, ou seja, não pode haver exercício da jurisdição sem que haja uma demanda. Assim, a atividade jurisdicional, ou seja, a ação do Estado por meio da função jurisdicional, se dá se, e somente se, for provocada, quando e na medida em que o for. In: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 83.  147 No início do desenvolvimento do direito, a regra era a autotutela. Em determinado momento da evolução da consciência jurídica, porém, viu-se que a justiça não podia ser feita se tivesse o perfil de vingança que adquiria por ser feita de mão própria pelo titular do interesse lesado. Dessa forma, proibiu-se a autotutela, a qual é possível hoje apenas em hipóteses excepcionais e expressamente em lei, como no caso do desforço imediato para a tutela da posse, previsto no art. 1.210, §1º, do novel Código Civil (antigo art. 502 do CC de 1916). Tendo sido proibida a autotutela, passou o Estado a prestar jurisdição, substituindo as atividades das partes e realizando em concreto a vontade do direito objetivo. Em outros termos: o Estado, ao exercer a função jurisdicional, está praticando uma atividade que anteriormente não lhe cabia, a defesa de interesses juridicamente relevantes. Ao agir assim, o Estado substitui a atividade das partes, impedindo a justiça privada. In: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 83.  148 O Estado, ao exercer a função jurisdicional, não cria direitos subjetivos, mas tão somente reconhece direitos preexistentes. Bons exemplos dessa afirmação são o usucapião e o inventário e partilha. In: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 84.  149 Para Alexandre Freitas Câmara, a lide é elemento acidental da jurisdição, o que o distancia da proposição de Carnelutti, para quem a jurisdição é sempre exercida diante de uma lide.In: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 82.  150Há, porém, uma série de atos jurisdicionais que não adquirem jamais essa qualidade como as medidas cautelares.In: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo:

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secundariedade 151 . Ou ainda, mais contemporaneamente, aponta-se como

característica um terceiro imparcial que (a) realiza o direito de modo imperativo (b) e

criativo, (c) reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas (d)

concretamente deduzidas, (e) em decisão insuscetível de controle externo (f) e com

aptidão para tornar-se indiscutível (g)152.

Desse modo, ainda que o conceito de jurisdição aqui tido como premissa não

enquadre como requisitos intrínsecos outras características senão a própria essência

da atividade jurisdicional outorgada, optou-se por utilizar essas características de (a) a

(g) acima apontada, a fim de analisá-las uma a uma e posteriormente confrontá-las

com o conceito de jurisdição contextualizado.

(a) Terceiro Imparcial

A atividade jurisdicional é técnica de solução de conflito por

heterocomposição: um terceiro substituiu a vontade das partes e determina a solução

do problema153. Há aqui aquilo que Chiovenda denominou de substitutividade154,

decorrente da proibição da autotutela. Em determinado momento da evolução da

consciência jurídica, porém, viu-se que a justiça não podia ser feita se tivesse o perfil

de vingança que adquirira por ser feita de mão própria pelo titular do interesse

lesado155. Assim, passou o Estado a exercer a atividade jurisdicional – substituindo a

vontade das partes e realizando em concreto a vontade da lei.  

No tocante a essa característica da substitutividade, registra-se interessante

trecho da lição de Rogério Lauria Tucci, in verbis:

Foi essa característica intuída pela genialidade de Chiovenda, afiançando-a peculiaridade marcante da função jurisdicional, tanto no processo de conhecimento, como no de execução, verbis: "A noi sembra che cio che è caratteristico nella funzione giuridizionale sia la sostituzione di un'attività pubblica ad una attività altrui. Questa

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             Atlas, 2013, p. 82.  151 Alguns autores veem na jurisdição função secundária, a qual só é exercida quando não ocorre a atuação voluntária do direito. Essa ideia, porém, é falsa, como se pode ver pelos exemplos da demanda de divórcio (e todas as demais demandas constitutivas necessárias) e do processo penal (onde vigora a regra nulla poena sine iudicio).In: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 82.  152 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 105.  153 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 106.  154 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1942, p. 140. Nesse sentido: DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 106.  155CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 84.  

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sostituzione avviene in due modi, corrispondenti ai due stadii del processo, cognizione e desecuzione". Calamandrei, por sua vez, conferiu-lhe, segundo entendemos, precisão conceptual, ao determinar os dois principais caracteres da função jurisdicional, a saber: a) o de apresentar-se ela como atividade secundária; e b) o correspondente à natureza declaratória da sentença.Referentemente ao primeiro, sob letra "a", complementa o enunciado com a asserção de que, na realidade, "em todo ato jurisdicional se encontra, constantemente, a substituição, pela atividade de um órgão do Estado, de uma atividade que deveria ser realizada pelos sujeitos da relação jurídica submetida a julgamento".E, cultivando o mesmo entendimento, outros acatados processualistas peninsulares, como Ugo Rocco, Alfredo Rocco e Zanzucchi, posicionam-se assemelhadamente, enfatizando o caráter substitutivo da atividade jurisdicional.Há, todavia, também renomados jurisperitos que, colocando-se em antagônico senso, o negam. Entre eles, Michelli, para quem carece de exatidão o estabelecimento da distinção entre jurisdição e administração com base no caráter substitutivo daquela, sem que se esclareça que o elemento preponderante se encontra na imparcialidade do órgão jurisdicional, referentemente ao efeito jurídico obtido: "Non mi sembra, pertanto, esatto individuare nella "sostituzione" il carattere discreti votra giurisdizione e damministrazione, quando poi non si chiarisca, como qui si èfatto, chel'elemento saliente stanell' imparzialità dell'organorispetto all'effetto giuridico conseguito". Carnelutti, igualmente, utiliza a imparcialidade do órgão jurisdicional como determinante do critério diferenciador entre o exercício da função judiciária e o da administrativa. E aduz que a contraposição da Administração Pública, como parte no processo, ao órgão a que conferido o reexame, como juiz, se constitui no "critério fundamental da distinção", a saber: "Questo della contrapposizione nel processo della pubblica amministrazione, come parte, all'organo a cui è deferito il riesame, come giudice, constituice il critério fondamentale di distinzione". E esse é, também, o pensamento, entre nós, de Luís Eulálio de Bueno Vidigal, que, admitindo,expressamente, o critério distintivo orgânico, lhe acrescenta, apenas, restrição consistente na verificação de que "os juízes e tribunais também exercem atividade não jurisdicional". E isso, após asseverar, criticando a opinião de Calamandrei, que, nas ações em que o Estado é parte, não se "encontra substituição alguma nas sentenças proferidas" pelos agentes do Poder Judiciário. Do mesmo modo, e mais enfático, ainda, o de Galeno Lacerda, ao ter como precário o conceito de jurisdição, estabelecido na esteira das proposições de Chiovenda e de Alfredo Rocco, no sentido de que "a essência da atividade jurisdicional consistiria em seu caráter substitutivo e secundário, já que as partes, direta e primariamente, deveriam saber cumprir por si mesmas as regras norteadoras de sua conduta".Além do que - complementa - essa "tese absolutamente insatisfatória não só não explica a natureza jurisdicional dos processos mais relevantes, que tiverem por objeto conflitos sobre valores indisponíveis, cuja solução não se pode alcançar pela atividade direta das partes (processo penal, processo civil inquisitório - ex.: nulidade de casamento), senão que deixa, in albis também o porquê da natureza jurisdicional das decisões sobre questão de processo, especialmente daquelas que dizem respeito à

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própria atividade do juiz, como as relativas à competência e suspeição, onde jamais se poderá vislumbrar qualquer traço de "substitutividade" a uma atuação originária, direta e própria das partes156.

Não obstante, verifica-se que as teorias acima partem de uma proeminência ou

do direito material ou do direito processual que não condiz mais com o paradigma

pós-positivista do Estado Democrático de Direito157 (EDD), uma vez que o direito e a

norma são um produto de linguagem, isto é: são o produto da interpretação do

operador do direito na solução do caso concreto. Nessa seara, passou a exercer a

atividade jurisdicional realizando a própria atividade interpretativa com a construção

do sentido da norma, ao aplicá-la ao caso concreto.

De uma perspectiva contemporânea da atividade jurisdicional, esta funcionaria

como verdadeiro mecanismo de acesso à justiça. Com efeito, por meio da visão do

direito fundamental desse mecanismo de acesso à jurisdição, passou-se a defender

todas as finalidades dessa jurisdição, abandonando a visão clássica de

instrumentalidade negativa que se resumiria a dizer o direito158.

A moderna ciência processual conscientizou-se de que a atuação da função

jurisdicional visa não apenas a aplicar o direito aos conflitos de interesse, mas

também a atingir outros objetivos até então considerados externos a essa função, ou

seja, a consagração dos valores defendidos pelo Estado Democrático de Direito

(EDD) – pelo estudo dos escopos da jurisdição, que, consequentemente, são também

do processo, visa-se delimitar quais os fins para os quais a função jurisdicional irá

atuar159. É evidente que, a cada dia, o conceito se consolida principalmente quando se

está diante de formas alternativas de solução de lides (ex.vi. arbitragem).

Nelson Nery Júnior leciona:

Qual a diferença efetiva que existe entre a sentença judicial e a sentença arbitral? Ambas, a nosso ver, constituem exteriorização do poder jurisdicional. Apenas se distanciam quanto ao aspecto

                                                                                                               156 TUCCI, Rogério Lauria. Jurisdição, Ação e Processo Civil. Revista de Processo Vol. 52, p. 07.  157 Desse modo, para uma teoria jurídica desenvolver-se sob as bases de um paradigma pós-positivista, faz-se necessário elaborar juntamente uma concepção pós-positivista de norma que a distinga do texto normativo, o que, por sua vez, implica a necessidade de uma estruturação pós-positivista de sentença não mais vista como um processo de subsunção. In: ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 49.  158 CAMPOS, Ingrid Zanella. Direito Constitucional Marítimo. Curitiba: Juruá, 2011, p. 74.  159 MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à justiça e o princípio da igualdade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabres, 2006, p. 45.  

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confiança, que preside o negócio jurídico de compromisso arbitral, estando ausente na jurisdição estatal, cujo órgão não poder ser escolhido pelas partes e cuja sentença é imposta coativamente aos litigantes. Enquanto no compromisso arbitral as partes convencionam acatar a decisão do árbitro, na jurisdição estatal o réu é compelido a responder ao processo, ainda que contra sua vontade, sendo as partes obrigadas a obedecer ao comando emergente da sentença (...). Pela sentença arbitral o juiz não togado escolhido pelas partes decide toda a controvérsia formada entre elas, cuja decisão tem força de coisa julgada. esta sentença arbitral é acobertada pela coisa julgada material e tem, portanto, plena executividade, não mais necessitando de homologação pelo órgão jurisdicional estatal, como o exigia o sistema revogado pela atual Lei de Arbitragem (LArb 18). O CPC 475-N, IV dá a sentença arbitral a natureza de título executivo judicial, não deixando mais nenhuma dúvida sobre o caráter jurisdicional de arbitral. A sentença arbitral, como é aplicação do direito ao caso concreto por juiz não estatal, é manifestação da atividade jurisdicional. A consequência disso é que se reveste da autoridade da coisa julgada160.

Repita-se: a jurisdição não é mais atividade exclusiva do Poder Judiciário.

Não é contemporaneamente adequado utilizar a noção de jurisdição criada

para um modelo de Estado que não mais existe, notadamente em razão de diversos

fatores que se modificaram diante do Estado Constitucional, conforme Didier: i) a redistribuição das funções do Estado, com criação de agencias reguladoras (entes administrativos, com funções executiva, legislativa e judicante) e executivas; ii) a valorização e o reconhecimento da força normativa da Constituição, principalmente das normas-principio, que exigem do órgão jurisdicional uma postura mais ativa e criativa para a solução dos problemas; iii) o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais, que impõe a aplicação direta das normas que os consagram, independentemente de intermediação legislativa; iv) a criação de instrumentos processuais como o mandado de injunção, que atribui ao Poder Judiciário a função de suprir, para o caso concreto, a omissão legislativa; v) a alteração da técnica legislativa: o legislador contemporâneo tem-se valido da técnica das clausulas gerais, deixando o sistema normativo mais aberto e transferindo expressamente ao órgão jurisdicional a tarefa de completar a criação da norma jurídica no caso concreto; vi) a evolução do controle de constitucionalidade difuso que produziu entre nos a possibilidade de enunciado vinculante da súmula do STF em matéria constitucional, texto normativo de caráter geral, a despeito de produzido pelo Poder Judiciário161.

                                                                                                               160 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 10a Ed. São Paulo: RT, 2010, p. 157-159.  161 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 105.  

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Nessa linha de raciocínio, pode-se concluir que aquele conceito clássico de

jurisdição como um poder jurisdicional exclusivo e monopolizado pelo Estado (ou

Poder Judiciário), que se apresentaria de forma unitária, indivisível e indelegável, não

subsiste no Estado Democrático de Direito (EDD) e pós giro linguístico – haja vista

que não se considera mais aceitável identificar o conceito de jurisdição com a mera

atuação concreta da lei, mas que esse processo de subsunção, na verdade, deve ser um

produto da interpretação realizada pelo intérprete, a fim de solucionar ou prevenir o

caso concreto, e que essa decisão seja, de modo, minimamente justa, jurídica,

econômica, tempestiva e razoavelmente previsível.

Veja-se que, na verdade, o exercício da atividade jurisdicional por um agente,

órgão ou instância constitui nada mais que um fato histórico, tendo sido exercida,

inclusive, em inúmeras situações, por lideres religiosos162 ou mesmo um particular

designado para aplicar a lei, como no caso da arbitragem, que é a prestação

jurisdicional arbitral mais antiga do que a prestação tutelar processual do Estado163.

Desse modo, – diante da crescente complexidade da sociedade e da

insuficiência do poder estatal–, torna-se imperiosa uma renovação da própria

atividade jurisdicional164, que não tem como requisito intrínseco do conceito de

jurisdição o exercício por um órgão formalmente contido na estrutura judiciária

estatal (CF/88, art. 92), bastando que a atividade interpretativa seja exercida por

terceiro imparcial autorizado por lei, a exemplo da arbitragem.

(b) Decisão Imperativa

A atividade jurisdicional – assim como de todas outras funções do Estado – é

manifestação de um poder, conforme mencionado anteriormente. Ela impõe-se

imperativamente realizando a atividade interpretativa do direito. Ao lado da função

legislativa e da função administrativa, a função jurisdicional não precisa

necessariamente ser exercida por ela mesma. O Estado mesmo pode autorizar o

exercício da função jurisdicional por agentes privados (ex.vi. arbitragem) ou públicos.

                                                                                                               162 MOURAO, Luiz Eduardo. Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 443.  163 SALLES, Marcos Paulo de Almeida. Da Coisa Julgada na Arbitragem. Revista do Advogado, n. 51, p. 60, out, 1997.  164 CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. 2aed. São Paulo: LTR, 1999, p. 170.  

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(c) Decisão Criativa

Diz-se que a atividade jurisdicional é função criativa: cria-se a norma jurídica

do caso concreto, bem como se cria, muita vez, a própria regra abstrata que deve

regular o caso concreto165. Na verdade, a norma é produto da interpretação diante da

problematização de um caso concreto. A norma é produto da concretização do

intérprete na qual são fundidos os elementos linguísticos (programa da norma) e os

elementos não linguísticos (âmbito normativo) – de modo que a norma surge no

momento do aplicativo, produzindo-se para a solução de cada caso concreto166.

Os textos normativos não determinam completamente as decisões dos

tribunais e somente aos tribunais cabe interpretar, testar e confirmar ou não sua

consistência167. Os problemas jurídicos não podem ser resolvidos apenas com uma

operação dedutiva (geral-particular). Há uma tarefa na produção jurídica que pertence

exclusivamente aos tribunais: a eles cabe interpretar, construir e, ainda, distinguir os

casos, para que possam formular suas decisões, confrontando-as com o direito

vigente168. Exercem os tribunais papel singular e único na produção normativa.

Ao decidir, o tribunal cria. É criado algo novo. Se não fosse assim, não

haveria decisão, mas apenas o reconhecimento de uma anterior decisão, a exemplo

dos hard cases.A ideia de que a sentença judicial surge claramente e sem vacilação da

norma codificada leva a afirmar que hoje esteja absolutamente superada169.

É como lembra Pontes de Miranda, para quem:

                                                                                                               165 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 106.  166 ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 78.  167 CAMPILONGO, Celso. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 165.  168 LUHMANN, Niklas. A Posição dos Tribunais no Sistema Jurídico. Porto Alegre: Ajuris, 1990, p. 162.  169 HASSEMER, Winfried. O Sistema do Direito e a Codificação: a vinculação do juiz à lei. Direito e Justiça – Revista da Faculdade de Direito PUC/RS, v. 9, ano VII, Porto Alegre, 1985, p. 28. Observa Castanheira Neves: “se intencional e normativamente, o direito deixou de identificar-se com a lei, também metodologicamente a realização do direito deixou de ser a mera aplicação de normas legais. (...) nestes termos, o pensamento jurídico recuperou o concreto, que vai na essencial vocação do direito, depois que o positivismo legalista, com o seu normativismo analítico dedutivo, o levara a refugiar-se no aliente abstrato (NEVES, Castanheira, O actual problema metodológico da interpretação jurídica – I, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 11). In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória, São Paulo: RT, 2008, p. 100.  

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o princípio de que o juiz está sujeito à lei é algo de guia de viajantes, de itinerário, que muito serve, porém não sempre. Equivale a inserir-se, nos regulamentos de fábrica, lei de física, a que se devem subordinar as máquinas: a alteração há de ser nas máquinas. Se entendermos que a palavra lei substitui a que lá deverá estar – direito – já muda de figura. Porque direito é conceito sociológico, a que o juiz se subordina, pelo fato de ser instrumento da realização dele. Esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz, quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de importar a letra legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderia aquilo para que foi criada: realizar o direito objetivo, apaziguar. Seria a perfeição em matéria de braço mecânico do legislador, braço sem cabeça, sem inteligência, sem discernimento; mais; antissocial e – como a lei e a jurisdição servem à sociedade – absurda. Além disso, violaria, eventualmente, todos os processos de adaptação da própria vida social, porque só a eles, fosse a Ética, fosse a Ciência, fosse a Religião, fosse a Arte, respeitaria, se coincidissem com o papel escrito170.

É de se registrar, nesse cenário, que a criatividade jurisdicional operar-se-á

com limites impostos pelos próprios enunciados normativos do direito objetivo e

ainda pelo caso concreto que lhe foi submetido em análise.

(d) Decisão Técnica de Tutela de Direitos

A atividade jurisdicional é uma das mais importantes técnicas de tutela de

direitos171. Todas as situações jurídicas merecem alguma proteção jurisdicional. A

jurisdição civil tem função especifica de proteger direitos subjetivos (art. 5o, XXXV,

CF/88)172. O que aqui se quer dizer é que a tutela dos direitos dá-se ou pelo seu

reconhecimento judicial (tutela de conhecimento) ou pela sua efetivação (tutela

executiva) ou pela sua proteção (tutela de segurança, cautelar ou inibitória) ou

mesmo pela integração da vontade para obtenção de certos efeitos jurídicos173.

O exercício da jurisdição, portanto, pressupõe o processo prévio, em que se

garantam o devido processo legal e seus corolários. Todo poder exerce-se

processualmente174, em especial em um Estado Democrático de Direito (EDD).

                                                                                                               170 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da Ação Rescisória. Camoinas: Bookseller, 1998, p. 274.  171 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 108.  172 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos Fundamentais e a Proteção do Credor na Execução Civil. São Paulo: RT, 2003, p. 32.  173DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 113.  174 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 113.  

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(e) Decisão Concreta

É preciso perceber que a jurisdição sempre atua em uma situação concreta, um

determinado problema que é levado à apreciação do órgão jurisdicional. A atuação

jurisdicional é sempre tópica. O raciocínio do órgão jurisdicional é sempre

problemático: ele é chamado a resolver problema concreto175, Para Carnelutti:

A legislação é uma produção do direito sub specie normativa, isto é, uma produção de normas jurídicas; poderíamos dizer, uma produção do preceito em serie, para casos típicos, não para casos concretos. A jurisdição, pelo contrario, produz preceitos, ministra direito para cada caso singular; ousarei dizer, não trabalha para armazenar, mas por encomenda, sob medida176.

A atividade jurisdicional sempre atuará em uma situação concreta, que pode

ser um conflito de interesses (lide), uma situação de ameaça de lesão a direitos (em

que se requer uma tutela inibitória), ou situações jurídicas relacionadas

exclusivamente a um individuo (pedidos de alteração de nome, por exemplo)177.

(f) Impossibilidade de Controle Externo

Há ainda quem alegue a necessidade de que a atividade jurisdicional produza a

última decisão sobre a situação concreta: aplica-se o direito a essa situação, sem que

se possa submeter essa decisão a nenhum controle de nenhum outro poder178. Na

verdade, está na essência da própria atividade jurisdicional que ela termine sendo

controlada por ela mesma, de modo a por um ponto final ao problema deduzido em

juízo. Veja bem, até mesmo a arbitragem tem por ponto final de seu trâmite

processual (rectius: a execução do título executivo judicial) o Poder Judiciário, e isso

não a desqualifica como uma decisão de natureza substancialmente jurisdicional,

ainda que também seja suscetível de revisão em alguma medida.

(g) Coisa Julgada Material

De modo análogo ao conceito de jurisdição, a coisa julgada não possui um

conceito unânime entre os estudiosos do direito. Segundo Luiz Eduardo Mourão:

                                                                                                               175 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 113.  176 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. Trad. Antonio Carlos Ferreira. São Paulo: Lejus, 1999, p. 147.  177 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15aed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 114.  178 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15aed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 114.  

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Impossível pretender, na problemática da coisa julgada, uma convergência de orientações, se não há sequer unanimidade de vistas quanto à delimitação conceptual do objeto pesquisado. Como esperar que se harmonizem as vozes, antes de ter-se certeza de que todas se referem a uma única e definida realidade?179

Sabe-se que a origem do conceito da coisa julgada está na regra latina bis de

eademre ne sitactio– traduzida por Cogliolo: sobre uma mesma relação jurídica não

se pode exercer duas vezes a ação da lei, isto é, o processo –, tendo sido mantida essa

tendência até os dias atuais por meio de teorias que identificam a coisa julgada com:

a) a própria sentença; b) os efeitos da sentença; c) uma qualidade dos efeitos da

sentença; d) uma qualidade do conteúdo da sentença180. Aqui se partirá da idéia de

imutabilidade da decisão limitada ao conteúdo da sentença:

A eficácia da sentença e a sua imutabilidade suscitam duas ordens de questões inconfundíveis e, em linha de principio, autônomas. Do ponto de vista conceptual, nada nos força a admitir correlação necessária entre os dois fenômenos. O mais superficial exame do que se passa no mundo do direito mostra que é perfeitamente normal a produção de efeitos por ato jurídico suscetível de modificação ou desfazimento (...) Fácil compreender, pois, que, embora a sentença se destine a produzir efeitos jurídicos, nem por isso se destina necessariamente a tornar-se imutável. A imutabilidade não é co-natural à sentença – e isso continuaria a ser verdade mesmo que porventura não existissem, nem jamais tivessem existido, sentenças indefinidamente passíveis de modificação. Se as leis em regra excluem tal possibilidade e fazem imutável a sentença a partir de certo momento, o fato explica-se por uma opção de política legislativa, baseada em obvias razoes de conveniência prática181.

Nessa linha de raciocínio, Luiz Eduardo Mourão destaca as duas principais

correntes doutrinárias que se firmaram no tocante ao conceito de coisa julgada:

a) A posição de José Carlos Barbosa Moreira. Em artigo denominado “Coisa Julgada e Declaração”, propõe-se o referido autor a investigar a concepção, oriunda da doutrina de Hellwig, segundo o qual a autoridade da coisa julgada limitar-se-ia ao elemento declaratório da sentença. Para ele, a indiscutabilidade da decisão não é um efeito da sentença, mas um plus que a lei imprime ao conteúdo decisório da sentença. Fica claro ao analisar o pensamento do processualista que a imutabilidade decorrente do trânsito em julgado não é um efeito da sentença e tampouco uma qualidade de seus efeitos, pois não se estende à situação jurídica concreta sobre o qual versou o pronunciamento judicial. Refere-se ao conteúdo da norma jurídica concreta.

                                                                                                               179 MOURAO, Luiz Eduardo. Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 27.  180 MOURAO, Luiz Eduardo. Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 28.  181 MOREIRA, J.C. Barbosa. Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada. Ajuris, v. 28, p. 19.  

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b) Posição de José Ignácio Botelho de Mesquita. A consequência da imutabilidade é a “proibição de propor uma ação idêntica a outra já decidida por sentença revestida da autoridade da coisa julgada”. A indiscutabilidade “opera em relação a quaisquer processos, em que a decisão do pedido do autor dependa do julgamento de questão previa que tenha sido decidia via principal em processo anterior”. A coisa julgada, portanto, consiste na aplicação dos efeitos do trânsito em julgado – imutabilidade e indiscutibilidade – ao conteúdo da sentença, a saber: ao elemento declaratório de todas as sentenças, ao elemento declaratório e à manifestação de vontade nas sentenças de procedência e ao juízo de rejeição do pedido nas sentenças de improcedência182.

É inegável a relação com a proibição de repetição da demanda – e repita-se –,

o que não quer dizer que só haverá atividade jurisdicional quando houver coisa

julgada, sendo inúmeras as exceções no sistema. Assim sendo, tem-se que o que

determinará se uma decisão possui natureza jurisdicional será a atividade de

interpretação realizada por agente, órgão ou instância, autorizados por lei, que atribui

sentido à norma diante da problematização e que tenha por escopo o Estado

Democrático de Direito (EDD), de forma que produza uma resposta de qualidade.

Nesse sentido, de Eduardo Talamini:

Não se trata de qualidade inerente a todo ato jurisdicional; nem de escopo essencial ao processo. São perfeitamente concebíveis manifestações da função jurisdicional que não se tornem imutáveis. Mas ainda, é em tese imaginável sistema processual cujos pronunciamentos sejam sempre passíveis de revisão – sem que por isso se afaste a natureza jurisdicional. A atribuição da autoridade da coisa julgada decorre de opção política entre dois valores: a segurança, representada pela imutabilidade do pronunciamento, e o ideal de justiça, sempre passível de ser buscado enquanto se permita o reexame do ato. E é unicamente nos limites dessa escolha operada pelo legislador que haverá coisa julgada. Daí a idéia da coisa julgada como um dado político183.

Assim, se por um lado, a coisa julgada não é essencial para o conceito de

jurisdição, por outro, somente o ato jurisdicional não é suscetível de reversibilidade –

é o que se denomina de “reserva de sentença”: apenas um pronunciamento

jurisdicional modificar outro pronunciamento jurisdicional184. É evidente que somente

a decisão judicial é irreversível – o que não quer dizer que só haverá atividade de

natureza jurisdicional quando houver coisa julgada.                                                                                                                182 MOURAO, Luiz Eduardo. Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 103-104.  183 TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e a sua Revisão. São Paulo: RT, 2005, p. 46.  184 TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e a sua Revisão. São Paulo: RT, 2005, p. 48.  

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4.3 Os Poderes no Estado Democrático de Direito

Nesse panorama urge de uma vez por todas absorver que, no Estado

Democrático de Direito (EDD), o Estado Administrador é órgão atuante de

justiça, e vai além, realizando atividade interpretativa. Daí evidencia-se a

necessidade de se realizar – da mesma forma que se deu com o conceito de

JURISDIÇÃO e ACESSO À JUSTIÇA – a revisão e contextualização de dois

princípios na ordem constitucional atual, quais sejam: o PRINCÍPIO DA

SEPARAÇÃO DOS PODERES e o PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

No tocante ao princípio da separação dos poderes, sabe-se que foi inicialmente

concebido pelo cientista político John Locke, tendo o Poder Legislativo a

competência para fixar as leis, o Poder Executivo para executá-las e o Poder

Federativo para firmar acordos e promover alianças. Utilizando-se dessas premissas,

porém de modo um pouco diverso, desenvolveu o conceito Montesquieu, em sua obra

intitulada “Espírito das Leis” – do Século XVII, segundo o qual o Poder Legislativo,

o Poder Executivo e o Poder Judicial seriam harmônicos entre si. Mancuso descreve:

A tripartição dos Poderes do Estado, na original concepção do Barão de Montesquieu, não tinha por pressuposto, nem por finalidade, uma divisão equânime de tarefas, mas aquela concepção reconhecia primazia ao Legislativo, como receptor, catalizador, e, enfim, representante da vontade geral, vindo na sequência a Administração Pública, a qual se reconhecia o poder de atuar de oficio em prol do bem estar e da segurança da população – já quanto ao Judiciário, não vinha concebido como um Poder, mas, numa perspectiva mais modesta, era visto como uma instância preordenada a operar como um porta voz do Direito Positivo, devendo aplicá-lo em sua literalidade, dado lhe ser negada a tarefa interpretativa, tida como prerrogativa do parlamento; numa palavra, devia o Judiciário limitar-se a operar como “la bouche qui prononce les paroles de la loi”185.

A teoria clássica da divisão dos poderes permitiu uma progressiva separação

entre política e direito, regulando a legitimidade da influência política na

administração, que se torna totalmente aceitável no Legislativo, parcialmente aceita

no Executivo e fortemente neutralizada no Judiciário, dentro dos quadros ideológicos

do Estado de Direito. Desse modo, a neutralização do Judiciário torna-se a pedra

angular dos sistemas políticos mais desenvolvidos, na medida em que permite a

substituição da unidade hierárquica concreta simbolizada pelo rex por uma estrutura

                                                                                                               185 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 347.  

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complexa de comunicação e controle de comunicação entre forças mutuamente

interligadas186.

Assim, no Estado Constitucional, o conceito assume uma dinamicidade ao

permitir certa comunicação entre as funções desempenhada por cada um.

O princípio da separação dos poderes não foi, histórica e originariamente, um modelo binário a compreender que cada poder tem um escopo teórico fechado, delimitado e incomunicável de acordo com o seguinte axioma: ou é função executiva ou é função judiciária ou é função legislativa. Além das constituições contemporâneas atribuírem funções típicas e atípicas aos poderes constituídos, os Poderes Executivo e Judiciário tem agregado às suas competências de origem outros atributos cada vez mais crescentes. Por conseguinte, o Poder Executivo tem incorporado, cada vez mais, a competência legislativa. Não somente a competência para editar medidas provisórias, mas, também, tem sido constante o aumento da função legislativa por meio de atos normativos infra legais originados de autarquias que tem função regulatória, a exemplo das agências reguladoras de serviços públicos concedidos e de agência de regulação da ordem financeira. Nesse sentido, a crescente intervenção dos órgãos do Poder Executivo no processo legislativo poder-se-ia denominar de ativismo dos órgãos do Poder Executivo. Há muito tempo que no direito brasileiro os atos administrativos vem se incorporando à ordem jurídica com nova configuração187.

É de se notar que a dinamicidade do princípio da separação dos poderes,

contextualizada no Estado Constitucional, acaba refletindo diretamente no princípio

da legalidade – de modo que a Administração Pública vincula-se ao texto

constitucional, em que se substitui a lei pela Constituição Federal – como fundamento

normativo direto e imediato – da atuação estatal sobre determinadas matérias. Manoel

Messias Peixinho esclarece:

Portanto, no Estado Constitucional, configurou-se uma substituição da reserva vertical da lei por uma reserva vertical da própria Constituição. Essa substituição permitiu que a Constituição passasse a ser o fundamento direto do agir administrativo, tendo reflexo imediato em duas áreas de incidência: a) a constituição torna-se norma direta e imediatamente habilitadora da competência administrativa; b) a constituição passa a ser critério imediato da decisão administrativa188.

                                                                                                               186 SAMPAIO JR, Tércio. Função Social da Dogmática Jurídica, Max Limonad, 1998, p. 67.  187 PEIXINHO, Manoel Messias. O Princípio da Separac ão dos Poderes, a Judicializac ão da Política e Direitos Fundamentais. Disponível em: <<www.scribd.com>> Acesso: 15 de marc o de 2014. http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/07_252.pdf.  188 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública. O sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003, p. 735.  

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Diante disso, tem-se admitido que atos normativos administrativos regulem

situações jurídicas inclusive não contempladas em lei – a exemplo da ADC n. 12, bem

como em hipóteses que há um vácuo legislativo. Note-se que o STF, em acórdão

paradigmático, decidiu que a administração pública poderia realizar sua atuação com

fundamento direto na Constituição Federal, considerando constitucional o

regulamento autônomo – Resolução n. 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça

(CNJ) –, por meio do qual se proibiu o nepotismo na estrutura judiciária189.

No que tange à competência normativa do Poder Judiciário, ou, na expressão

utilizada por Francois Rigaux, “a invasão do legislativo no judiciário”190, há muito se

reconhece que a doutrina da separação dos poderes se apresenta de uma “nova”

maneira, com a existência de uma jurisdição constitucional, à qual se atribuem

funções de controle abstrato de normas e competência para dirimir conflitos entre

órgãos e resolver impugnações contra leis ou decisões judiciais191.

De acordo com Lenio Luiz Streck, a força normativa substancial do texto

constitucional deve ser garantida pelo Estado Democrático de Direito (EDD), de

modo que o Poder Judiciário assuma que o que deve prevalecer são os valores

constitucionais, embora isso implique uma reformulação dos poderes estatais192, a

exemplo de o Poder Legislativo não ter a agilidade necessária para editar novas leis e

modificar antigas na mesma velocidade com que se alteram as perspectivas sociais

atuais193. Não há necessariamente uma sobreposição entre os poderes – em destaque

                                                                                                               189 O ato normativo emanado do Conselho Nacional de Justiça proibiu a prática do nepotismo em todas as instâncias do Poder Judiciário, sem que houvesse lei em sentido formal que proibisse a contratação de parentes. Ainda que se argumente que a proibição do nepotismo já existia em decorrência da vedação implícita dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, é indiscutível que o ato administrativo normativo foi capaz de criar uma situação jurídica nova e, consequentemente, afetar direitos subjetivos, sem que, repita-se, existisse lei em sentido formal que vedasse a prática da contratação de parentes nos cargos de livre nomeação e exoneração em que há, inclusive, permissivo constitucional. In: PEIXINHO, Manoel Messias. O Princípio da Separac ão dos Poderes, a Judicializac ão da Política e Direitos Fundamentais. Disponível em: www.scribd.com. Acesso: 15 de marc o de 2014.http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/07_252.pdf. 190 RIGAUX, Franc ois. A Lei dos Juízes. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 29.  191 PEIXINHO, Manoel Messias. O Princípio da Separac ão dos Poderes, a Judicializac ão da Política e Direitos Fundamentais. Disponível em: www.scribd.com Acesso: 15 de marc o de 2014. http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/07_252.pdf.  192 STRECK, Lênio Luiz. Quinze anos da Constituic ão – análise crítica da jurisdic ão constitucional e das possibilidades hermene uticas de concretizac ão dos direitos fundamentais- sociais. In: SCAFF, Fernando Facury (org.). Constitucionalizando direitos: 15 anos da constituic ão brasileira de 1988. Rio de Janeiro: 2003. p. 158.  193 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes.2. ed. ver. São Paulo: Saraiva, 2002. p.164-165.  

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atualmente o Poder Judiciário –, mas, o que se tem é que ele será responsável pelo

que se denomina “ajustamento do mínimo vinculado pelo texto constitucional194”.

Essa ligação direta, porém, não se faz sem um considerável ônus: de um lado,

conflitos acedem ao Judiciário antes e fora do desejável ponto de maturação, por

não terem antes estagiado em órgãos e instâncias onde poderiam ser decantados e

assim ficar mais bem depurados; de outro lado, o conteúdo ocupacional dos juízes os

preordena a lidar com crises propriamente jurídicas, donde sua virtual inaptidão

para o manejo de conflitos que revelam de outros campos do conhecimento,

como hoje se dá em modo recorrente, especialmente nas macrolides195.

O importante aqui é resgatar a atuação de base dos órgãos administrativos –

principalmente aqueles que possuem atividade judicante –, haja vista que o Poder

Judiciário, na maioria dos casos de natureza multiplexa, não possui aptidão

institucional para deliberar sobre esse tipo de questões parajurídicas que envolvam

campos diversos do conhecimento e/ou quase nada de natureza jurídica. Na lição de

Rodolfo de Camargo Mancuso:

Impende reconhecer que o controle judicial dos atos e condutas da administração, especialmente no campo das políticas publicas passa pelo reconhecimento de que esse crivo jurisdicional não pode operar em modo genérico, absoluto e incondicionado, cabendo, antes, identificar e admitir certas faixas de insindicabilidade, onde se aninham os atos e condutas que foram respaldados por uma escolha razoável e sustentável, num leque de outras opções igualmente legitimas e válidas. Isso tudo, ressalte-se, para que as funções estatais preservem a mútua sintonia e sejam respeitados os espaços democráticos de cada um dos poderes, sob pena deles se imbricarem numa relação autofágica, tornando-se assimétricos, desarmônicos e auto-travados196.

Existem órgãos da administração que exercem atividade substancialmente

jurisdicional, o que lhes possibilitaria a aplicação direta da Constituição197.

Nessa linha de raciocínio acima desenvolvida, Celso Antônio Bandeira de

Mello enfatiza que há realmente uma área incognoscível:

                                                                                                               194 PANSIERI, Flávio. Direitos Sociais, Efetividade e Garantia nos 15 Anos de Constituic ão. In: SCAFF, Fernando Facury (org.). Constitucionalizando direitos: 15 anos da Constituic ão brasileira de 1988.Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 401.  195 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 350.  196 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 355.  197 MATOS, André Salgado de. A fiscalização Administrativa da Constitucionalidade. Coimbra: Almedina, 2004, p. 360.  

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Não é apenas uma impossibilidade concreta de o interessado provar que o ato deixou de realizar o que cabia, mas uma impossibilidade lógica (limite a intelecção humana) de saber-se qual a providência cabível que satisfaz, completamente, in casu, a finalidade da lei. É repita-se nesta esfera que o agente administrativo exercita verdadeiramente a discrição: área em que desfruta de liberdade insindicável por haver sido titulado pela regra de direito para proceder, com seu juízo exclusivo o reconhecimento concreto da medida ajustada ao interesse público, e por isso, coincidente com o almejado pela lei. Assim se a providência tomada se encontra na intimidade deste campo, se não o desborda, o ato não pode ser censurado(...) haverá indevida intromissão judicial na discricionariedade administrativa se o juiz se propuser a sobrepor critério pessoal a outro critério igualmente admissível e razoável, adotado pelo administrador198.

Frise-se: essa visão renovada e realista hoje se impõe, tanto mais quanto se

considere que, assim como a atividade administrativa, não está mais isoladamente

centrada no Poder Executivo, mas vem sendo praticada por outros agentes, órgãos e

instâncias, inclusive do terceiro setor (v.g. Conselho Tutelar, na área da criança e

adolescente); igualmente pelos Tribunais de Arbitragem, aos quais se vem

reconhecendo inclusive natureza jurisdicional para dirimir conflitos envolvendo o

Poder Público; pelos órgãos de regulamentação e fiscalização de atividade

profissional, de forma que a função judicante, em sentido largo, vem sendo consentida

a agentes, órgãos ou instâncias não integrantes da estrutura judiciária estatal (CF/88,

art. 92) – na tendência à desjudicialização dos conflitos –, a exemplo dos Tribunais

Desportivos (CF, art. 217); pelos Tabelionatos (CPC, art. 982, 1124-A, cf. Lei n.

11.441/07); pelas Comissões de Conciliação Prévia na Justiça do Trabalho (CLT, art.

625-D, cf. Lei n. 9958/2000)199 e do Tribunal Marítimo (art. 1º da Lei n. 2180/54).

4.4 Mudança de Paradigma da Função Judicial

Da ótica do Estado Democrático de Direito (EDD), assim como se fez

necessária uma revisão de conceitos comezinhos do processo civil, cabe aqui ressaltar

também que, em decorrência da evolução da sociedade, a natureza dos conflitos

sociais, muitas vezes multiplexos e parajurídicos, acarreta a incapacidade da mera

                                                                                                               198 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Controle Judicial dos Atos Administrativos. Revista de Direito Público, nº. 65, jan.-mar., 1983, p. 36.  199 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 357.  

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subsunção do fato à norma para resolução do conflito, mormente quando envolvidos

por outros campos do conhecimento. Em contrapartida, o que se carece é de uma

resolução efetiva, equânime e tempestiva dos conflitos. Nesse contexto, ensina Teresa

Arruda Alvim Wambier:

As condições das sociedades contemporâneas impuseram-se e acabaram por gerar a crise e a consequente alteração desta visão de mundo em que nasceu o positivismo, como postura técnica que enxerga na lei, predominantemente, se não exclusivamente, o direito. As decisões já não mais podem ser consideradas como resultado imediato e automático da aplicação do texto legal. O positivismo entrou e está em crise e são diversas as soluções propostas para que não se caia da escravidão a letra do texto da lei200.

De frente como as relações multiplexas, cada vez mais evidentes na sociedade

contemporânea, é difícil encontrar no ordenamento positivo a regra específica que

regula a hipótese em todos os aspectos, sendo essa razão pela qual muitos operadores

do direito vem-se socorrendo da técnica da ponderação dos princípios indicada para

as hipóteses em que os valores envolvidos têm importância equivalente, restando

decidir qual deles prevalece no caso concreto, com afastamento pontual do outro.

Nesse sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso afirma:

Por conta disso vem tomando corpo o entendimento de que a condição legitimante da jurisdição não mais pode radicar na tradicional “aplicação do direito aos fatos” (da mihifactum, dabotibi jus) – que, de per si, apenas remove a incerteza pré-existente – mas deve ir além disso, assumindo um compromisso de acompanhamento sequencial no plano da realização prática, isto é, deve o juiz se engajar nesse propósito, assumindo seu papel em tudo que se revelar necessário para que o direito, o valor, o interesse, a situação de vantagem, enfim, o bem da vida, sejam efetiva e tempestivamente, usufruídos por quem teve seu direito reconhecido201.

Não faz o menor sentido que ao jurisdicionado – sobretudo o eventual – se

oferte uma qualidade de justiça (lenta, onerosa e imprevisível), em se considerando:

de um lado, que dele é subtraída a possibilidade de fazer justiça de mão própria (CP,

art. 345: exercício arbitrário das próprias razões); de outro lado, que a prestação

jurisdicional, apesar de ser universalizada (CF, art. 5, XXXV), não é, de regra,

gratuita, mas remunerada pela taxa correspondente às custas judiciais, donde se seguir                                                                                                                200 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. São Paulo: RT, 2008, p. 27.  201 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 367.  

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que o Estado deve ofertar resposta de qualidade, a saber aquela revestida de seis

atributos: justa, jurídica, econômica, tempestiva, razoavelmente previsível e idônea a

efetiva satisfação do direito, valor ou bem da vida reconhecidos no julgado202.

Luiz Guilherme Marinoni aduz que o acesso à justiça e a participação

adequada no processo

só tem sentido quando correlacionados com a decisão, sendo esta o objetivo daquele que busca o Poder Judiciário e, apenas por isso, tem necessidade de participar do processo, em outros termos, a igualdade de acesso, a igualdade a técnica processual e a igualdade de tratamento no processo são valores imprescindíveis para obtenção de uma decisão racional e justa203.

Diante da necessidade dessa resposta de qualidade é que o legislador

processual deve proporcionar meios adequados e eficazes – mesmo que para isso

tenha que reconhecer a necessidade da participação de terceiros no processo de

julgamento na sociedade contemporânea (superando aquela ideia de jurisdição

monopolizada para a denominada jurisdição compartilhada).

Por conta disso tudo é de se almejar o reconhecimento de uma jurisdição compartilhada (superando a fase da jurisdição monopolizada pelo Estado), na esteira da democracia participativa e da sociedade pluralista almejada pela CF, por modo que o processo judicial possa ir se liberando do sentido agressivo-adversarial que o estigmatizou durante tanto tempo e assim vá se convertendo num locus de debate entre os sujeitos parciais e o sujeito imparcial, o juiz, encarregado de decidir a demanda, num ambiente de mútua colaboração, informado pela unidade de fim: a outorga, efetiva e tempestiva, do valor, do bem da vida, a de quem de direito204.

Por isso é que se propõe neste século a modificação do PARADIGMA

LEGITIMADOR DA FUNÇÃO JUDICIAL do Estado, a qual não mais satisfaz a

tradicional subsunção da norma aos fatos, de forma que o que se perquire atualmente

na sociedade contemporânea é indubitavelmente a composição justa dos conflitos de

modo tempestivo e sob razoável relação custo beneficio por meio da uma atividade

interpretativa do direito realizada por agente, órgão ou instância autorizada.

                                                                                                               202 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 368.  203 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: RT, 2010, p. 145.  204 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 371.  

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4.5 A Resposta Judiciária de Qualidade

Conforme exposto no tópico acima, a ordem renovada do Estado

Constitucional passa pela modificação da “condição legitimante” da função judicial

(rectius:atividade interpretativa do direito de qualidade). Esse elevado

objetivo,segundo a autorizada lição de Rodolfo de Camargo Mancuso, só pode ser

alcançado mediante uma decisão judicial que tenha os seguintes atributos:justa,

jurídica,econômica, tempestiva e razoavelmente previsível205:

Segundo este ideário, a decisão será: i) justa, quando for equânime, ponderada, assimilável mesmo pela parte sucumbente, valendo lembrar que na equitas se encontra a fonte remota e fundamental do Direito (ars boni et aequo), pela boa razão de que a efetividade prática da decisão depende em boa medida de que se vocacione à duração e permanência, o que só ocorre quando o julgado é naturalmente recepcionado pelas partes, por se apresentar em harmonia com valores maiores, tais o bom senso, a razoabilidade, a proporcionalidade; ii) jurídica, quando for consistente em face dos parâmetros fornecidos pelo ordenamento, é dizer, quando tenham sido aplicados os princípios e as normas de regência, e feita a correta exegese de uns e de outras, mediante técnicas interpretativas confiáveis, assim a gramatical (quando o consinta a clareza do texto), mas também a histórica, a sistemática, a teleológica, valendo destacar o valor crescente da jurisprudência, dominante ou sumulada (v.g., CF, §3º do art. 102; CPC, parágrafo único do art. 481; art. 557; §1º do art. 588); iii) econômica, quando vem prolatada no bojo de um processo que tramitou sob uma boa relação custo-benefício, e, ainda, mostre-se capaz de projetar no plano prático o resultado mais próximo e possível ao que teria sido alcançado caso a norma de regência fosse cumprida espontaneamente; iv) tempestiva, quando vem proferida num processo cuja dilação temporal guarde proporção razoável com a matéria objeto da lida, o comportamento das partes e a massa probatória produzida, objetivo que só pode ser alcançado com a identificação e supressão dos chamados tempos mortos, diligencias desnecessárias e incidentes protelatórios; v) razoavelmente previsível, quando, apesar do inevitável contexto de riscos e incertezas que se descortina desde a deflagração do processo, seja possível inferir, em confiável prognóstico, o desfecho da causa, seja pela robustez da prova ofertada por uma das partes, seja pela apriorística recepção, no Direito Positivo, da pretensão do autor ou da reconvenção/pedido contraposto do réu, seja, enfim, pelo respaldo doutrinário e/ou jurisprudencial em prol de uma das posições sustentadas no processo; vi) idônea à efetiva e concreta satisfação do direito, valor ou bem da vida reconhecidos no julgado, engajamento que se afina à diretriz da jurisdição integral e vem sinalizado no bojo do PL 166/2010 sobre o NCPC, a teor do art. 4º206.

                                                                                                               205 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 383.  206 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 384.  

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Verifica-se que, na contemporaneidade, uma resposta jurisdicional que os

jurisdicionados merecem é aquela que seja a melhor do caso concreto, evidenciada

quando é, na medida do possível, bem recepcionada (utilizando-se de razoabilidade e

proporcionalidade), bem fundamentada (parâmetros do ordenamento), econômica

(custo benefício do processo), tempestiva (proporção razoável com a matéria e o

tempo de processo), e idônea na concretização do direito.

Entende-se que o direito deve tender a fornecer ao jurisdicionado uma só

resposta correta, o que pode ser compreendido no âmbito do sistema (=sabe-se qual é

a pauta de conduta, sabe-se que tal tributo incide nessa operação mercantil, etc.) ou,

em certos casos, no âmbito da situação individual (=sabe-se que, naquele caso, a

decisão correta foi aquela, e só poderia ter sido aquela)207. Daí que a aplicação do

princípio de que só há uma decisão de qualidade tem por objetivo impedir o arbítrio.

4.6 O Pluralismo Participativo

Faz-se necessário neste ponto elucidar o sentido atual do monopólio estatal na

distribuição da justiça e jurisdição unitária, a fim de acolher a ideia de que agentes,

órgãos ou instâncias externos à estrutura judiciária participem efetivamente do

exercício da jurisdição, sem que isso seja considerado uma inconstitucionalidade, em

desrespeito ao art. 5º, XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito”), da Constituição Federal/88.

De fato, a usual colagem entre as expressões monopólio estatal na distribuição

da justiça e jurisdição unitária, em face do que se contém no art. 5º, XXXV, da CF/88

(“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), tem

engendrado exegeses as mais dispares, o que tem repercutido negativamente na

apreensão do sentido atual de conceitos importantes, como os de jurisdição, direito de

ação, função judicial do Estado e até mesmo de relação jurídica processual208.

É de se notar que há outros órgãos com tendência à desjudicialização dos

conflitos, a exemplo dos Tribunais Desportivos (CF, art. 217), os Tabelionatos (CPC,

art. 982, 1124-A, cf. Lei n. 11.441/07), as Comissões de Conciliação Prévia na Justiça

do Trabalho (CLT, art. 625-D, cf. Lei n. 9958/2000), o Tribunal Marítimo (art. 1º da

                                                                                                               207 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. São Paulo: RT, 2008, p. 160.  208 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 388.  

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Lei n. 2180/54), as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) (art. 58, da CF/88),

os Crimes de Responsabilidade (art. 86, da CF/88), o Tribunal de Contas (art. 71, II

da CF/88), o Cade (art. 7º da Lei n. 12.529/11), que desempenham funções atípicas ou

equivalentes àquelas jurisdicionais, ou ainda, jurisdição anômala209. Luiz Eduardo

Mourão elucida:

De outro lado, porque inúmeros órgãos do Poder Legislativo e do Poder Executivo exercem, em diversas oportunidades, atividade tradicionalmente tida como jurisdicional. Em nosso país, exemplo claro e corriqueiro são as atividades exercidas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito que, em essência, são típicas de um juiz de direito210.

Veja-se que a vinculação do conceito de jurisdição a uma atividade estatal não

é requisito intrínseco para caracterizar essa atividade.

É nessa esteira que se vêm consolidando, inclusive, os mais modernos

sistemas jurídicos, dentre eles, o do Novo Código de Processo Civil (NCPC), que tem

como diretriz principal a composição justa dos conflitos, e as Resoluções do Conselho

Nacional de Justiça (CNJ), que incluem o direito à ordem jurídica justa:

1 - Exposição de Motivos do PL 8.046/10 sobre o NCPC, reconhece no art. 2º “pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado”. (..) 2- A Resolução do CNJ nº. 125/2010, inclui: “o direito de acesso à justiça, prevista no art. 5º, XXXV além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa”211 .

Vale aqui relembrar a terceira onda “um novo enfoque de acesso à justiça”, de

Mauro Cappelletti. Não basta apenas o acesso à tutela jurisdicional, mas também um

acesso realmente efetivo aos órgãos jurisdicionais. O novo enfoque do acesso à

justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo.

Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial,

seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além – ela centra sua

atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos

utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. A

denominação “enfoque do acesso à justiça” deve-se a sua abrangência, já que seu

método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma,                                                                                                                209 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 5.  210 MOURAO, Luiz Eduardo. Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 443.  211 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 338.  

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mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o

acesso212.

Parte-se, aqui, do princípio de que novos direitos frequentemente exigem

novos mecanismos procedimentais. Esse enfoque anima uma ampla variedade de

reformas – a exemplo da alteração nas formas de procedimento e na estrutura dos

tribunais ou, mesmo, na criação de novos tribunais; o uso de pessoas leigas ou

paraprofissionais, tanto como juízes quanto como defensores; codificações no direito

substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução; e a utilização de

mecanismos privados ou informais de solução dos litígios213. Nesse sentido, Rodolfo

de Camargo Mancuso afirma que:

No limiar deste novo milênio, duas linhas exegéticas se abrem, não em modo excludente, mas antes complementar e integrativo: i) a expressão monopólio estatal na distribuição da justiça deve ser entendida no sentido de justiça oficial enquanto atividade-fim do judiciário, ofertada a históricos de lesões sofridas ou temidas que efetivamente reclamem passagem judiciária em virtude de certas peculiaridades de matéria ou de pessoa ii) o sentido de distribuição da justiça pede urgente revisão e contextualização, sob pena dessa expressão perder o que ainda lhe resta de conteúdo ou utilidade; sob este alvitre, tendo o estado criminalizado a justiça de mão própria (CP, art. 345), ele então disponibiliza, em numerusclausus (CF, art. 92), órgãos judicantes que se movimentam quando provocados pelo direito de ação, preordenando-se a resolver crises de certeza, segurança ou satisfação desde que o meio escolhido seja adequado atenda certas condições e venha veiculado num processo existente e valido214.

Sob qualquer dessas duas vertentes, não há (ou não há mais) como sustentar

qualquer laivo de monopólio estatal na distribuição da justiça, no sentido radical que

perdurou, cabendo antes reconhecer que o exercício da jurisdição está presente

sempre que um agente, órgão ou instância se mostre capaz de prevenir ou compor um

conflito em modo justo, tempestivo e sob uma boa relação de custo-benefício.

Tomando-se a intervenção jurisdicional do Estado sob uma formulação

negativa, pode-se afirmar que ela não significa: i) que a justiça oficial seja o único

canal para a resolução das controvérsias, muito ao contrario, a notória tendência

contemporânea aponta para a crescente desjudicialização dos conflitos, donde a

                                                                                                               212 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 66.  213 CAMPOS, Ingrid Zanella. Direito Constitucional Marítimo. Curitiba: Juruá, 2011, p. 63.  214 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 393.  

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multiplicação de outros meios, também chamados equivalentes jurisdicionais; ii) que

a apreciação do histórico de dano sofrido ou temido (CF/88, art.5º, XXXV), dita

indeclinabilidade da prestação jurisdicional, venha a assegurar um julgamento

demérito, e menos ainda, que ele será justo ou mesmo tecnicamente consistente

(justamente por isso o sistema disponibiliza recursos diversos para a eventualidade de

erros in procedendo e in judicando, incluída a má apreciação da prova; iii) que a

atuação dos órgãos propriamente judiciais (CF/88, art. 92) seja incompatível com

outros meios de resolução de conflitos, mas, ao contrário, o ordenamento é prenhe de

previsões que consentem a intervenção incidental ou pré-processual de outros meios

ou instâncias e órgãos capazes de prevenir ou resolver conflitos, tais como, Juízo

Arbitral, Juizados Especiais, Juiz de Paz, Plano de Recuperação Extrajudicial,

Compromisso de Ajustamento de Conduta, Tabelionatos, Estabelecimentos Bancários

e Convenção Coletiva de Consumo215, dentre outros.

Como registra Rodolfo de Camargo Mancuso:

O Brasil é país de jurisdição una, não no sentido de que a distribuição da justiça – solução equânime consistente e tempestiva dos conflitos – só possa fazer-se por meio dos órgãos propriamente jurisdicionais, e sim ao pressuposto de se aceitar que aquela unidade não pode ser tomada ao pé da letra, mas deve consentir refrações ou temperamentos, tais os que se seguem: i) decisões tomadas por instâncias diversas, singulares ou colegiadas fora do rol constante do art. 92, sujeitam-se ao crivo jurisdicional, entendendo-se, porem, que alguma vez essa subsunção depende do prévio atendimento de certos quesitos prévios (v.g. conflitos desportivos) e tendo-se ainda presente que essa possível revisão judicial não assegura que a decisão sindicada venha a ser alterada, podendo, antes vir a ser considerada tecnicamente hígida, e como tal mantida, como pode dar-se com uma sentença arbitral infundadamente increpada de nulidade; ii) o acesso a justiça estatal, ao contrário do que uma leitura desavisada ou empolgada possa sugerir, não se reveste de nenhuma obrigatoriedade, mas antes deve ser revista sob um registro residual, reservada para as ocorrências que se revelem incompossíveis por outros modos – seja por singularidade de matéria ou de pessoa ou porque se frustraram os outros meios auto e heterocompositivos intentados – com o que podem ser alcançado as relevantes externalidades positivas: estimula-se a vera cidadania, aderente ao pluralismo participativo, dá-se ensejo a que a controvérsia alcance um desejável ponto de maturação, previne-se a banalização da função judiciária estatal, como ocorre com a chamada judicialização do cotidiano, iii) a unidade da jurisdição estatal, sobre não significar que só o estado concentra a função de distribuir justiça, em verdade apenas se prende ao fato de que dentre nos não se implementou o contencioso administrativo.

                                                                                                               215 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 394.  

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Considerando-se que o constituinte entendeu garantir o acesso ao judiciário (CF/88, art. 5º, XXXV) ao tempo em que cometeu aos seus órgãos de direção e planejamento o poder-dever de auto-organização (CF/88, art. 103-B, p. 4º; art. 125), e considerando-se que quem quer os fins da os meios, segue-se que cabe a esse poder fixar metas e providenciar o quanto seja necessário para a oferta de uma resposta jurisdicional de qualidade, revestida dos seis atributos216.

No limite do direito constitucional contemporâneo faz-se urgente uma

destemida renovação na estrutura judiciária brasileira, por meio de uma MUDANÇA

DE PARADIGMA, para permitir nova condição legitimante de jurisdição 217 ,

desconectada de qualquer vestígio que implique o monopólio, mas que, ao invés,

incentive o concurso de outros agentes, órgãos ou instâncias de composição da lide de

forma mais equânime, consistente e tempestiva, acabando de vez com aquela ideia

ortodoxa de que só possa fazer-se por meio dos órgãos propriamente jurisdicionais,

em que se toma ao pé da letra o princípio do acesso à justiça (CF/88, art. 5º, XXXV),

sem refrações ou qualquer tipo de temperamento sobre ele.

5. O Processo de Julgamento do Tribunal Marítimo

O Tribunal Marítimo Brasileiro, com jurisdição em todo o território nacional,

é órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha,

no que se refere ao provimento de pessoal militar e de recursos orçamentários para

pessoal e material destinados ao seu funcionamento. Tem como atribuições julgar os

acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre, bem como questões

relacionadas a matéria marítima, conforme estabelece a Lei n. 2.180/54 (LOTM).

Foi inicialmente constituído pelo Decreto n. 20.829, de 21 de dezembro de

1931 – após um incidente marítimo de grande repercussão internacional – NAVIO

BADEN – e posteriormente pelo Decreto n. 22.90/33, que o retirou da subordinação à

diretoria de Marinha Mercante. O Regulamento do Tribunal Marítimo Administrativo

do Distrito Federal ocorreu com o Decreto n. 24.585, de 5 de julho de 1934, data

oficial de sua criação (há exatamente 80 anos), tendo instituído a competência do

órgão para determinar a natureza e a extensão dos acidentes da navegação ocorridos

com embarcações mercantes nacionais, em águas nacionais ou estrangeiras e com

                                                                                                               216 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 399.  217 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 333.  

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embarcações estrangeiras (mercantes ou não) em águas nacionais, examinando as

causas determinantes e circunstancias em que se verificaram218.

Waldemar Ferreira, na época, expressou que:

quase se esgotaram as letras do alfabeto na discriminação dos poderes e encargos do Tribunal Marítimo Brasileiro, que ficou investido de função complexa, em parte jurisdicional, em parte administrativa, naquela parte como justiça arbitral, quando escolhida pelas partes interessadas, e nesta com função algo contenciosa, desde e no que não invadisse a competência da justiça ordinária ou das justiças especiais219.

O Decreto-Lei n. 7.676, de 26 de junho de 1945, reorganizou o Tribunal

Marítimo Administrativo, que passou a denominar-se Tribunal Marítimo220.

As principais mudanças trazidas foram as seguintes: a) simplificou, limitando,

as finalidades do Tribunal: a definição da natureza, da extensão e da causa dos

acidentes e fatos da navegação, bem como a fixação da responsabilidade em todos os

acidentes e fatos da navegação dentro do limite espacial brasileiro e punição dos

responsáveis; aplicação das penalidades estabelecidas em lei; manutenção do registro

geral de propriedade marítima e da hipoteca naval; b) apresentou relação dos

acidentes de navegação e c) deu aos membros do tribunal a denominação de “ juízes”.

Encontra-se atualmente em vigor a Lei n. 2.180221, de 5 de fevereiro de 1954

(Lei Orgânica do Tribunal Marítimo – LOTM), que considera o Tribunal Marítimo,

com jurisdição em todo território nacional, órgão autônomo, auxiliar do Poder

Judiciário na apreciação dos acidentes e fatos da navegação sobre água, sendo

                                                                                                               218 As decisões do Tribunal Marítimo encontram-se consolidadas em seus “Anuários de Jurisprudências”, registrando-se como primeiro acórdão o relativo ao Processo n. 29/34, sob o encalhe do “Hiate Vênus”. O processo n. 1 só foi julgado no dia 13 de dezembro de 1935 e tratava do naufrágio do “Constantinopla”. In: GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 8.  219 FERREIRA, Waldemar. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, Ano I, 1951, out-dez, p. 10.  220 Quando se lhe decepou este adjetivo de sua denominação, houve o propósito de, suprimindo-o, emprestar-lhe diferente atributo do que lhe era peculiar. Pretendeu-se convertê-lo em tribunal judiciário, ou quase tal, de modo que as suas decisões fossem soberanas e inadmitissem contestação. Nem agravo. Nem apelo. In: FERREIRA, Waldemar. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, Ano I, 1951, out-dez, n. 4, p. 789. O Ministro Hahnemann Guimarães sustentou ainda que a lei ordinária fixa as condições para o pedido da tutela jurídica; fixa as condições da ação; entre as condições fixadas para a ação, relativa aos fatos e acidentes da navegação, estabeleceu a lei, como já disse, como prova essencial, e pré-constituída, o julgamento do Tribunal Marítimo. In: Recurso Extraordinário n. 10.010 da Bahia, rel.: Min. Ribeiro da Costa, Revista de Direito Mercantil, São Paulo, 1951, n. 4, p. 791.  221 O Decreto-Lei n. 5, de 1 de novembro de 1966, alterou dispositivos da Lei n. 2.180/54, alterada pelas Leis n. 3.543, de 11 de fevereiro de 1959, e n. 5.056, de 29 de junho de 1966.  

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vinculado ao Ministério da Marinha no que se refere ao provimento de recursos

orçamentários para pessoal e material destinado ao seu funcionamento.

– Incidente com o navio mercante Baden

O paquete alemão denominado Baden não obedeceu à sinalização de

segurança naval com ordem para parar ao manobrar na saída do porto do Rio de

Janeiro (RJ), o que levou o Forte do Vigia (atual Fortaleza Duque de Caxias, também

conhecida como Forte do Leme) a realizar disparos contra o Baden, atingindo o navio

alemão e deixando mortos e feridos dentre seus tripulantes. Um dos mais importantes

periódicos da época assim noticiou o incidente:

O Cargueiro BADEN tentou forçar a barra. Ao anoitecer quase, o cargueiro Baden, tentando forçar a saída da barra, foi admoestado pela fortaleza de Santa Cruz, com dois tiros de pólvora seca. Não obedecendo a intimação prosseguiu viagem, aumentando a velocidade, quando do forte de Copacabana foi o cargueiro atingido por um tiro cuja bala o alcançou, produzindo grandes avarias e fazendo 15 vítimas.

A delegação da Alemanha exigiu uma investigação e comunicou-se com as

autoridades brasileiras competentes para as devidas providências. Da mesma forma, o

governo de Madri providenciou que os cidadãos espanhóis feridos obtivessem os

cuidados médicos necessários, bem como começou a pressionar o país para que as

investigações fossem concluídas o mais rápido possível, com o objetivo de identificar

os possíveis responsáveis pelo acidente da navegação:

Na Alemanha, esperava-se pelo resultado do inquérito feito pela polícia portuária do Rio de Janeiro, porém o periódico alemão Berliner Armittag admitiu que houve falta do comandante do navio, o Capitão Rolin, que havia desobedecido às ordens da fortaleza. Mesmo assim, o governo alemão não retirou a responsabilidade do Governo Brasileiro, tanto que o então Ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mello Franco, recebeu um protesto do Reich alemão pelo incidente222.

Diante da nítida inexperiência da autoridade brasileira, a Corte do

Almirantado da Alemanha, na Cidade de Hamburgo, apreciou o caso em análise com

base exclusivamente em depoimento testemunhal dos tripulantes 223 – quando

                                                                                                               222 Vide https://www.mar.mil.br/tm/historia.html.  223 Questionado pelo Tribunal se havia visto os sinais içados pela Fortaleza de Santa Cruz, que seriam “GRK”, cujo significado era “não é permitido prosseguir”, o Capitão Rolin, comandante do Baden, afirmou que havia visto, porém, não sabia o significado daquela sinalização içada pela fortaleza.

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pronunciou o veredicto do caso Baden – ainda que pontos obscuros tenham restado

sem aparente explicação – tal como o fato de o Capitão Rolin atribuir o

bombardeamento do navio à alegada falsa acusação de que teria embarcado

secretamente um político brasileiro deposto pela Revolução de 1930:

1. Em primeiro lugar, a responsabilidade maior do incidente foi atribuída à guarnição da Fortaleza de Santa Cruz, que não havia feito o uso da sinalização internacional, o que provocou o fogo do Forte do Vigia. Também a guarnição do Forte do Vigia era acusada de ter atirado diretamente contra o navio, quando o correto seria proceder a disparos de advertência a uma distância de 200 metros da embarcação. 2. Em segundo, lugar o Tribunal repreendeu o Capitão Rolin por não ter tomado precauções ao deixar o porto e parado o navio quando recebeu uma comunicação que não compreendia224.

Histórias à parte, e considerando o evidenciado despreparo do país no tocante

a responsabilidade marítima, passa-se a análise da estrutura orgânica deste Tribunal,

constituído especificamente para exercer essa finalidade, qual seja, identificar os

responsáveis pelo acidente ou fato da navegação ocorrido no limite do espaço

brasileiro marítimo, lacustre ou de águas interiores com jurisdição em todo território.

5.1 Composição do Tribunal Marítimo

O Tribunal Marítimo Brasileiro, com sede no Rio de Janeiro (RJ), foi criado

em 1931, durante o governo de Getúlio Vargas, com dupla função:

ADMINISTRATIVA E JUDICIÁRIA. Constituído pelo Decreto-Lei n. 20.829, de 21

de dezembro de 1931, conforme mencionado, foi regulamentado pela Lei n. 2.180/54,

denominada Lei Orgânica do Tribunal Marítimo (LOTM).

De acordo com a citada Lei, são sete os membros que compõem o Tribunal

Marítimo, denominados intencionalmente de “juízes”, que detêm, inclusive – da

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             Durante o julgamento, o Capitão alegou que o forte não estava utilizando a sinalização internacional e, sim, a nacional, e que, além disso, a sinalização usada era para embarcações pequenas e não para transatlânticos. De acordo com passageiros espanhóis do Baden, o navio navegava em alta velocidade e constantemente mudando de proa (ziguezagueando). Porém, quando foram perguntados se a bandeira internacional havia sido içada por fortes na barra do Rio de Janeiro, todas responderam que não.  224 Vide https://www.mar.mil.br/tm/historia.html.  

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mesma forma que os juízes de direito –, a prerrogativa da inamovibilidade225,

operando-se a distribuição de vaga da seguinte forma:

a) um Presidente, Oficial-General do Corpo da Armada da ativa ou na inatividade; (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991) b) dois Juízes Militares, Oficiais de Marinha, na inatividade; e (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991) c) quatro Juízes Civis. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966) § 1° O Presidente do Tribunal Marítimo, indicado pelo Ministro da Marinha dentre os Oficiais-Generais do Corpo da Armada, da ativa ou na inatividade, será de livre nomeação do Presidente da República, com mandato de dois anos, podendo ser reconduzido, respeitado, porém, o limite de idade estabelecido para a permanência no Serviço Público. (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991) § 2º As nomeações dos Juízes Militares e Civis serão feitas pelo Presidente da República, mediante proposta do Ministro da Marinha, e atendidas as seguintes condições: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966) a) para Juízes Militares, Capitão-de-Mar-e-Guerra ou Capitão-de-Fragata da ativa ou na inatividade, sendo um deles do Corpo da Armada e outro do Corpo de Engenheiros e Técnicos Navais, subespecializado em máquinas ou casco. (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991) b) para Juízes Civis: (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966) 1) dois bacharéis em Direito, de reconhecida idoneidade, com mais de cinco anos de prática forense e idade compreendida entre trinta e cinco e quarenta e oito anos, especializado um dêles em Direito Marítimo e o outro em Direito Internacional Público; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966) 2) Um especialista em armação de navios e navegação comercial, de reconhecida idoneidade e competência, com idade compreendida entre trinta e cinco e quarenta e oito anos e com mais de cinco anos de exercício de cargo de direção em empresa de navegação marítima; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966) 3) Um Capitão-de-Longo-Curso da Marinha Mercante, de reconhecida idoneidade e competência, com idade compreendida entre trinta e cinco e quarenta e oito anos e com mais de cinco anos de efetivo comando em navios brasileiros de longo curso, sem punição decorrente de julgamento em tribunal hábil. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966) § 3º A indicação a ser feita pelo Ministro da Marinha para os cargos de Presidente e de Juiz Militar deverá ser acompanhada, se se tratar de oficial da Ativa, da declaração dos indicados de que concordam com a mesma. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

                                                                                                               225 O art. 148 da LOTM prevê a prerrogativa da inamovibilidade dos juízes, contando-se o tempo de serviço prestado como de serviço público federal. Ressaltando-se, por fim, que os Juízes Civis ficam impedidos de exercer a advocacia ou de prestar serviços profissionais em favor de partes interessadas nas atividades de navegação.  

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§ 4º Os Juízes Civis serão nomeados mediante aprovação em concurso de títulos e provas, realizado perante banca examinadora constituída pelo Presidente do Tribunal Marítimo; por um Juiz do Tribunal Marítimo, escolhido em escrutínio secreto; por um representante da Procuradoria do Tribunal Marítimo, designado pelo Ministro da Marinha e, conforme for o caso, por um especialista em Direito Marítimo ou em Direito Internacional Público, escolhido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ou por um representante da Comissão de Marinha Mercante, designado pelo Presidente da referida Comissão. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966).

Note-se que uma parte (menor) dos juízes marítimos deverão ser nomeados

pelo Presidente da República e a outra parte (maior) por aprovação em concurso

público de provas e títulos específicos realizado perante banca examinadora,

constituída pelo presidente do Tribunal Marítimo, por um juiz do Tribunal Marítimo,

escolhido em escrutínio secreto, por um representante da Procuradoria do Tribunal

Marítimo, designado pelo Ministro da Marinha, e, conforme for o caso, por um

especialista em Direito Marítimo ou em Direito Internacional Público, escolhido pelo

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ou por um representante da

Comissão de Marinha Mercante, designado pelo Presidente da Comissão.

Repita-se: a maioria dos membros, portanto, deste tribunal sujeita-se a

prova de título e concurso específico para o cargo de juiz do tribunal marítimo.

Há quem sustente a impossibilidade de se atribuir plena natureza jurisdicional

às decisões do Tribunal Marítimo, sob a alegação de que parte de seus membros

nomeados não teriam prestado concurso público para o exercício da função – na

forma como preceitua o art. 93, I da CF/88 – TODAVIA, não parece ser um

argumento suficientemente razoável diante da premissa aqui lançada, porque os

demais juízes militares, ainda que não se submetam à prova de título e concurso

específico para a função de “juiz marítimo”, passam da mesma forma por concurso

público para o exercício da carreira militar.

Demais disso, é cediço que nem todo agente, órgão ou instância investe-se na

função judicante por meio de concurso público – a exemplo dos advogados e

promotores nomeados através do quinto constitucional e mesmo atualmente os

árbitros que produzem uma decisão passível de ser imediatamente executada, sem a

baliza do Poder Judiciário.

Nessa linha de raciocínio, não há qualquer obstáculo constitucional para que o

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legislador ordinário impute, a título de exemplo, às decisões proferidas por terceiro, o

caráter equivalente aquela encontrada em uma decisão de natureza jurisdicional,

inclusive atribuindo à estas também força de título executivo – assim como ocorreu,

de acordo com a história, com a decisão arbitral, denominado de mero laudo. Vale

relembrar ainda que o presente trabalho desenvolve-se no âmbito da JURISDIÇÃO

COMPARTILHADA em que agente, órgãos ou instâncias, externos formalmente da

estrutura do Poder Judiciário (CF/88, art. 92), possam exercer uma atividade

interpretativa da problematização do caso concreto mediante autorização de lei.

5.2 A Natureza Jurídica do Tribunal Marítimo

Conforme exposto a mais de espaço, o Tribunal Marítimo é um órgão

autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha no que se

refere ao provimento de pessoal militar e de recursos orçamentários para pessoal e

material destinados ao seu funcionamento. Possui como atribuição julgar os

acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre e as questões

relacionadas com tal atividade, na forma do art. 1º da Lei Orgânica do Tribunal

Marítimo (LOTM) (redação dada pela Lei n. 5.056, de 1966).

Da análise do dispositivo acima, extrai-se, em uma primeira leitura, que o

Tribunal Marítimo encontra-se inserido na estrutura do Poder Executivo – “uma vez

que os gastos com pessoal estão incluídos nos limites do Ministério da Marinha”–,

mas que também é um ÓRGÃO AUTÔNOMO E INDEPENDENTE, em razão de sua

atividade judicante de fatos e acidente da navegação marítima, fluvial e lacustre, de

modo imparcial e desinteressado. Devido à hibridez de sua natureza orgânica,

desponta ainda a discussão acerca da natureza jurídica de suas decisões.

Cumpre observarque o Tribunal Marítimo é distinto do órgão de estrutura

puramente administrativa, em razão do desinteresse econômico e/ou jurídico dos

membros que o compõem e do processo marítimo lá observado, que preserva o

devido processo legal, contraditório e a ampla defesa, princípios basilares do Estado

Democrático de Direito (EDD) quando do julgamento do acidente da navegação, o

que faz com que a natureza do órgão mais se aproxime, nessa hipótese de julgamento

de acidente ou fato da navegação, com a estrutura encontrada no Poder Judiciário.

De modo que é possível vislumbrar, no mínimo, sua natureza autônoma,

auxiliar do Poder Judiciário; e ainda assim, mesmo que considerado um órgão

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puramente administrativo, a natureza da decisão por ele exercida, na hipótese

vinculada (rectius: acidente e fato da navegação), é substancialmente jurisdicional,

haja vista que é o Tribunal Marítimo o órgão autorizado por lei para realizar a

interpretação do direito, diante da problematização do caso concreto, após minucioso

devido processo marítimo, que identifica a natureza, a causa, a circunstância e a

extensão do evento, bem como indica seus eventuais responsáveis.

Nesse sentido, destaca-se, como distintivo primordial da função jurisdicional,

a preservação da imparcialidade, atributo presente no Tribunal Marítimo. Veja-se o

que destaca Alexandre Freitas Câmara:

Há que se referir, porém, à distinção entre a função jurisdicional e a administrativa, um pouco mais complexa, máxime se se considerar que ambas as funções são exercidas in concreto, ao contrário da legislativa, exercida in abstrato. É tão complexa a questão que já houve mesmo quem negasse qualquer distinção substancial entre as duas funções estatais aqui analisadas. Contudo, não parece possível aceitar tal afirmação. As funções jurisdicional e administrativa são distintas(...). Uma primeira distinção entre as duas funções pode ser encontrada na imparcialidade do órgão que exerce a função jurisdicional, o chamado Estado-Juiz. Ao contrário do Estado Administração que e por sua natureza parcial, sendo diretamente interessado no resultado da atividade que exerce, o Estado-Juiz é imparcial, ou seja, é órgão que exerce suas funções sem ter interesse econômico jurídico ou de outra natureza no exercício da sua função como visto quando da análise do princípio do juiz natural um dos princípios do direito processual(...)226.

No caso em análise, o Tribunal Marítimo não é absolutamente um órgão de

natureza parcial, de modo que não está interessado no resultado do processo marítimo

– quem julga não é parte do processo (item 5.1). A sua aptidão institucional é apontar

a causa, a natureza e a extensão do acidente da navegação, e após todo o trâmite

processual marítimo devidamente observado, poder identificar o responsável e aplicar

as penalidades previstas na legislação. Seu interesse aqui é evitar novos acidentes.

Conforme mencionado a mais de espaço, o exercício da atividade jurisdicional

referir-se-á à própria essência da atividade judicante, devidamente outorgada por lei, e

não mais ligada umbilicalmente a uma atividade exclusiva do Estado – ainda que isso

não fosse problema, considerando que o Tribunal Marítimo é um órgão estatal e não

de natureza privada, como a arbitragem. Mesmo que fosse considerado um órgão de

natureza puramente administrativa, ainda assim, poder-se-ia mencionar que há

                                                                                                               226 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 83.  

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atividade substancialmente jurisdicional, porque o órgão realiza atividade

interpretativa do direito autorizado por lei. É atividade jurisdicional, portanto227.

É evidente que certas controvérsias – e nesse caso estar-se-á diante de uma –

terão melhor qualidade caso apreciadas por um agente, órgão ou instância que

eventualmente não integre, do ponto de vista formal, o Poder Judiciário (CF/88, art.

92), em virtude da natureza da matéria analisada, muitas vezes, multiplexa e/ou

parajurídica levada a cabo para decisão de mérito. De modo semelhante, sucede em

outras hipóteses – à exemplo do Tribunal de Contas, da Comissão de Conciliação

Prévia (CCP), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Conselho

Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e do Tribunal Desportivo. Aqui o

princípio do acesso à justiça (CF/88, art. 5º, XXXV) é devidamente observado e

resguardado, porém, sendo necessária sua revisitação e contextualização,que tenha

por escopo as transformações sofridas pelo Estado Democrático de Direito (EDD).

Por isso é que – e conforme verificado em capítulo anterior – a atividade

jurisdicional relacionada com os modernos problemas sociais e econômicos – para

não redundar na própria denegação de justiça – teve de se flexibilizar pela

supressão do formalismo extremado (CF/88, art. 5º, XXXV), tornando-se mais

econômica, mais rápida e aparelhada para a formulação de padrões jurídicos.

É com essa visão contemporânea que os dispositivos norteadores da Lei

Orgânica do Tribunal Marítimo (LOTM) devem ser interpretados:

Art. 18. As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem certas, sendo porém suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário. Art. 19 - Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de matéria da competência do Tribunal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada aos autos a sua decisão definitiva. Art. 20 - Não corre a prescrição contra qualquer dos interessados na apuração e nas consequências dos acidentes e fatos da navegação por água enquanto não houver decisão definitiva do Tribunal Marítimo.

                                                                                                               227 A atividade desempenhada pela administração pública em uma “sindicância” ou em um “processo administrativo”, por exemplo, é substancialmente jurisdicional. Da mesma forma, e a título meramente exemplificativo, a atuação do Legislativo ao julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e no processo de impeachment de determinadas autoridades públicas. In: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 6aed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 291.  

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No mínimo, o que o ordenamento jurídico sinaliza é uma atuação

conjunta e/ou complementar entre órgãos jurisdicionais, o que se revela, segundo

Rodolfo de Camargo Mancuso, extremamente benéfico e produtivo,

em razão da combinação de modelos de raiz diversa, seja pela idoneidade desse sistema para consecução da paz social, assim promovendo a prevenção/eliminação dos conflitos em sua gênese, como também possibilitando que aqueles porventura judicializados tenham desfecho mais célere e equânimes228.

Exemplos nesse sentido: art. 162 da Lei n. 11.101/05; CPC, art. 475-N, V; CF,

art. 217, parágrafo primeiro; art. 94, I da Lei n. 11.101/05.

Essa matéria inclusive foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal

(STF), no AGR n. 62.811, que categoricamente atribuiu aos acórdãos do Tribunal

Marítimo natureza jurisdicional, mitigando,naquela ocasião, o princípio do acesso à

justiça, de modo que a questão técnica da decisão – o mérito, portanto – , deveria

permanecer certo e insuscetível de reanálise no tocante à imputação de

responsabilidade pelo evento, cabendo o reexame somente no tocante às questões de

regularidade formal ou de não observância ao devido processo legal:

SEGURO MARÍTIMO. NAUFRÁGIO DE NAVIO. Ação de cobrança de indenização correspondente à sua perda total. Legitimidade da utilização da prova, das conclusões técnicas e da decisão do Tribunal Marítimo Administrativo no julgamento da ação pelo Tribunal Federal de Recursos. Tendência do Estado Moderno de atribuir o exercício de funções quase-jurisdicionais a órgãos da administração, aliviando os órgãos do Poder Judiciário do exame de matérias puramente técnicas. Inviabilidade do extraordinário para o reexame de provas. Agravo de Instrumento desprovido.

Vale a transcrição de trechos importantes do v. Acórdão do Supremo Tribunal

Federal sobre a questão em voga, para contextualizar o que se defende:

A primeira arguição do recorrente é a de que o acórdão recorrido teria se apoiado, quanto à prova do sinistro, da decisão do Tribunal Marítimo, órgão administrativo que exerce funções jurisdicionais na matéria específica sobre que versa a demanda. (...) Essa alegação da recorrente está fundada numa velha concepção da “separação dos poderes”, sobretudo no que diz respeito ao exercício da função jurisdicional. (...) A Constituição Brasileira mantém, sem dúvida, o princípio da unidade da jurisdição, que corresponde à supremacia do Judiciário. A interpretação dessa regra fundamental, entretanto, deve ser feita à luz das transformações sofridas pelo Estado em razão de sua crescente

                                                                                                               228 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 333.  

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intervenção no domínio econômico e na ordem social. A estrutura orgânica e funcional do Estado, modelada no pressuposto do quadro econômico e social do laissez-faire, teria, necessariamente, que se manifestar inadequada para atender aos novos tipos de atuação que dele se reclamava. As atribuições do Estado, além de se terem ampliado sensivelmente, assumiram aspectos novos. (...) A legislação cresceu em volume e em complexidade, pois teve que descer até os detalhes das mais diferentes técnicas. A atividade jurisdicional relacionada com os modernos problemas sociais e econômicos, para não redundar em denegação de justiça, teve que se flexibilizar pela supressão do formalismo forense, tornando-se mais econômica, mais rápida e mais bem aparelhada para a formulação de standards jurídicos.

É consciente e perspicaz o raciocínio desenvolvido no v. acórdão – que

inclusive menciona tendência internacional, citando o reconhecido magistrado inglês,

Lord Campbell –, de que os juízes, dentre os quais se incluía, sentiam-se

incompetentes para decidir a respeito de tais assuntos (“felt themselves incompetent to

decide on the matters”). Complementa dizendo que os jurisdicionados não

estariam diante de um tribunal de juízes, mas de um tribunal leigo.

Perceba-se que o que se deve ter em mente é que o órgão, ainda que não

integrante formalmente da justiça estatal (CF/88, art. 92), desempenha atividade

jurisdicional substancial quando do julgamento de fato e acidente da navegação.

É importante esclarecer que as decisões do Tribunal Marítimo possuem duas

facetas distintas: (i) no que diz respeito à responsabilidade administrativa por ofensa a

normas da segurança da navegação229; e (ii) quando julga os acidentes e fatos da

navegação que são objeto de sua competência e jurisdição, atuando como órgão

autônomo e auxiliar do Poder Judiciário (art. 1º da Lei n. 2.180/54).

No que diz respeito à atividade judicante (item ii), pode-se afirmar que a

atividade desempenhada pelo Tribunal Marítimo possui inegavelmente natureza

jurisdicional substancial, porque além de compreender, interpretar e aplicar o direito,

atribuindo sentido à norma diante da problematização do caso concreto, o faz de

forma a apresentar uma resposta de qualidade para o jurisdicionado. Esta decisão

inegavelmente preenche todos os atributos que têm por escopo os princípios do

Estado Constitucional, qual seja, uma decisão que seja, ao mesmo tempo, justa,

jurídica, econômica, tempestiva e razoavelmente previsível.

                                                                                                               229 No que diz respeito ao poder de polícia (item i), a jurisprudência é farta no sentido de que o Poder Judiciário, no controle do processo administrativo, deve limitar-se ao exame da regularidade do procedimento, bem como à legalidade do ato atacado, sendo-lhe vedada qualquer incursão no mérito administrativo. Há dezenas de precedentes nesse sentido, inclusive no STJ e no STF.  

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E ainda que se mantenha a metodologia positivista de que a decisão seja um

ato de mero silogismo (onde texto e norma se confundem)–, como pretende parte da

doutrina processual, no sentido de que a atividade jurisdicional teria como

características intrínsecas ao seu conceito terceiro imparcial que (a) realiza o direito

de modo imperativo (b) e criativo (c), reconhecendo/efetivando/protegendo situações

jurídicas (d) concretamente deduzidas em decisão insuscetível de controle externo (f)

e com aptidão para tornar-se indiscutível (g)230 –, ainda assim, ter-se-ia a adequação

da atividade desempenhada no conceito clássico. Veja-se:

(a) Decisão por Terceiro Imparcial

De acordo com a LOTM, o processo marítimo perante o tribunal pode ser

iniciado por iniciativa da Procuradoria Especial da Marinha (PEM), por iniciativa da

parte interessada ou ainda por decisão do próprio Tribunal Marítimo, de modo que a

análise obviamente recairá sobre essa última hipótese do art. 41 da LOTM, inciso III:

Art. 41. O processo perante o Tribunal Marítimo se inicia: I - por iniciativa da Procuradoria; II - por iniciativa da parte interessada; III - por decisão do próprio Tribunal.

Como se verifica pela leitura do artigo, o processo marítimo pode ser iniciado

por decisão do próprio tribunal. Não obstante, indica-se que é da essência da atividade

jurisdicional seu exercício por um terceiro desinteressado. Veja abaixo aquilo que se

denominou de “aspecto subjetivo” e “aspecto objetivo” do termo imparcialidade,

como propõe Antônio do Passo Cabral, através das palavras elucidativas de Didier:

Antônio do Passo Cabral231propõe o termo imparcialidade para designar a condição de terceiro do órgão jurisdicional, o aspecto objetivo de ser um estranho àquilo que é discutido. Prefere reservar imparcialidade para a referência a um aspecto subjetivo do juiz, que não deve ter qualquer tipo de interesse na causa. Considera a divisão muito importante para afastar a ideia de que a atribuição de poderes ao órgão jurisdicional possa interferir em sua imparcialidade. A atribuição de poderes ao órgão jurisdicional se dá exatamente em razão da sua condição de terceiro e não tem, segundo entende, qualquer relação da causa e efeito com eventual

                                                                                                               230 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 105.  231 CABRAL, Antônio de Passo. Imparcialidade e “Impartialidade”. Por uma Teoria sobre Repartição e Incompatibilidade de Funções nos Processos Civil e Penal. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, n. 149, p. 341.  

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parcialidade do julgador232.

Dessa forma, imperiosa a leitura do art. 41, III, da LOTM, em harmonia

com o art. 33, a fim de que se advirta que essa hipótese somente ocorrerá na

necessidade de o Tribunal Marítimo atuar como órgão de fiscalização diante da

omissão em instaurar o inquérito de competência da Capitania do Porto.

Veja-se que a correta exegese desse dispositivo é no sentido de que o Tribunal

Marítimo possui ainda, além daquelas funções mencionadas, o dever de fiscalização:

Art. 33. Sempre que chegar ao conhecimento de uma capitania de portos qualquer acidente ou fato da navegação será instaurado inquérito. (...) §2o Se qualquer das capitanias a que se referem as alíneas a, b e c, do parágrafo precedente não abrir inquérito dentro de cinco dias contados daquele em que houver tomado conhecimento do acidente ou fato da navegação, a providência será determinada pelo Ministro da Marinha ou pelo Tribunal Marítimo, sendo a decisão deste adotada mediante provocação da Procuradoria, dos interessados ou de qualquer dos juízes.

Dessa maneira, caberá também ao tribunal fiscalizar se as capitanias dos

portos realizaram as aberturas dos inquéritos quando ocorrer um acidente da

navegação, de modo que não há aqui quebra da imparcialidade, considerando que

cabe a ele tão somente determinar que ocorra a apuração do evento da navegação com

a abertura do inquérito de investigação, determinando que ocorra a investigação pela

autoridade administrativa da capitania dos portos – o que não implica um processo

marítimo. Assim, a medida é de natureza preventiva do interesse da sociedade.

Gonçalves Pimenta esclarece:

Não há aqui sequelas do sistema inquisitivo, vez que não se identifica confusão de acusação e julgamento pelo Tribunal Marítimo. A apuração dos fatos não acusa ninguém, podendo haver atos dignos de recompensas honoríficas, a teor do art. 16, g, da LOTM233.

Tanto isso é verdade que vale, por fim, relembrar que há,na Lei Orgânica do

Tribunal Marítimo, expressa previsão de regras de impedimento e suspeição que

devem ser observadas pelos juízes do Tribunal Marítimo (LOTM, art. 26).

(b) Decisão Imperativa

                                                                                                               232DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15aed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 107.  233GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. Barueri: Manole, 2013, p. 69.  

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Neste ponto, a função jurisdicional – ainda que inicialmente concebida como

monopólio do Estado (em razão da vedação da autotutela) – não implica que tenha de

ser exercida exclusivamente por ele. O próprio Estado pode autorizar o exercício da

função jurisdicional por outros agentes privados234, como no caso da arbitragem, e

também por meio de lei em sentido estrito, na forma da LOTM, que, em seu art. 1º,

concede o exercício da atividade judicante ao Tribunal Marítimo, nos casos de

julgamento da autoria pelo acidente e fato da navegação, fazendo uso de seu poder de

organização das atividades estatais (CF/88, art. 5º, XXXV).

Essa autoridade impõe-se diante das embarcações nacionais e estrangeiras que

se encontram nos limites espaciais brasileiros, na forma do art. 10 da LOTM:

Art. 10. O Tribunal Marítimo exercerá jurisdição sobre: a) embarcações mercantes de qualquer nacionalidade, em águas brasileiras; b) embarcações mercantes brasileiras em alto mar, ou em águas estrangeiras; c) embarcações mercantes estrangeiras em alto mar, no caso de estarem envolvidas em qualquer acidente marítimo ou incidente de navegação, no qual tenha pessoa física brasileira perdido a vida ou sofrido ferimentos graves, ou que tenham provocado danos graves a navios ou a instalações brasileiras ou ao meio marinho, de acordo com as normas do Direito Internacional; (Redação dada pela Lei no 9.578, de 1997) d) o pessoal da Marinha Mercante brasileira; e) os marítimos estrangeiros, em território ou águas territoriais brasileiras; f) os proprietários, armadores, locatários, carregadores, agentes e consignatários de embarcações brasileiras e seus prepostos; g) agentes ou consignatários no Brasil de empresa estrangeira de navegação; h) empreiteiros ou proprietários de estaleiros, carreiras, diques ou oficinas de construção ou reparação naval e seus prepostos. i) os proprietários, armadores, locatários, carregadores, consignatários, e seus prepostos, no Brasil, de embarcações mercantes estrangeiras; (Incluído pela Lei no 9.578, de 1997) j) os empreiteiros e proprietários de construções executadas sob, sobre e às margens das águas interiores e do mar territorial brasileiros, sob e sobre a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiras e que, por erro ou inadequação de projeto ou execução ou pela não observância de especificações técnicas de materiais, métodos e processos adequados, ou, ainda, por introduzir modificações estruturais não autorizadas nas obras originais, atentem contra a segurança da navegação; (Incluído pela Lei no 9.578, de 1997) l) toda pessoa jurídica ou física envolvida, por qualquer forma ou motivo, em acidente ou fato da navegação, respeitados os demais instrumentos do Direito Interno e as normas do Direito Internacional; (Incluído pela Lei no 9.578, de 1997) m) ilhas artificiais, instalações estruturas, bem como embarcações de qualquer nacionalidade empregadas em operações relacionadas com pesquisa científica marinha, prospecção, exploração, produção,

                                                                                                               234 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15aed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 108.  

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armazenamento e beneficiamento dos recursos naturais, nas águas interiores, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, respeitados os acordos bilaterais ou multilaterais firmados pelo País e as normas do Direito.

Identificado o responsável pelo acidente ou fato da navegação nas

embarcações acima, esta decisão deve ser prestigiada e se tornar estável.

A segurança jurídica através da estabilidade é algo que deve ser preservado e

incentivado como fator de previsibilidade a permitir que os indivíduos programem

suas vidas e suas relações jurídicas e econômicas se, receio de alterações regulativas

inesperadas235. E essa decisão se projeta imperativamente para fora do processo.

Imputar a alguém a responsabilidade pelo acidente marítimo, por exemplo, de

embarcações mercantes de qualquer nacionalidade, em águas brasileiras, produz

efeitos concretos na medida em que alcança a realidade fática da causa discutida.

Assim, imputada ao dono do navio a responsabilidade pelo naufrágio da embarcação,

em razão de que o teria afretado como se estivesse em estado novo (e não em

condições precárias) – colocando em risco vidas humanas, reconhece-se também

nessa decisão marítima a existência da relação jurídica entre proprietário do navio (ou

armador) e o afretador (transportador da carga), de modo que há uma decisão

completamente estável e apta para produzir efeitos no mundo concreto.

Nesse sentido, Eduardo Cambi:

A verdadeira segurança jurídica não decorre, por si só, de uma decisão de mérito, a qual não pode ser mais objeto de impugnação ou questionamentos dentro e fora do processo do qual emanou, mas, sobretudo, de como esta sentença foi obtida236.

Registre-se que há na LOTM capítulo expresso relativo à execução do acórdão

do Tribunal Marítimo, no tocante a sanção que tenha outra natureza que não a

pecuniária 237 (ex.vi. repreensão, medida educativa concernente à segurança da

                                                                                                               235 MARTINS, Ives Gandra da Silva e PAVAN, Claudia Fonseca Morato. Segurança Jurídica, Boa-fé e Proporcionalidade. Coisa Julgada. Impossibilidade material de retroação. Modulação temporal. Revista Dialética de Direito Processual, n. 79, out-2009, p. 138.  236 CAMBI, Eduardo. Coisa Julgada Secundum Eventum Probationis. Revista de Processo, vol. 109, jan-2003, p. 71.  237 Art. 121. A inobservância dos preceitos legais que regulam a navegação será reprimida com as seguintes penas: I - repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação ou ambas; II - suspensão de pessoal marítimo; III - interdição para o exercício de determinada função; IV - cancelamento da matrícula profissional e da carteira de amador; V - proibição ou suspensão do tráfego da embarcação; VI - cancelamento do registro de armador; VII - multa, cumulativamente ou não, com qualquer das penas.  

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navegação ou ambas; suspensão de pessoal marítimo; interdição para o exercício de

determinada função; cancelamento da matrícula profissional e da carteira de amador;

proibição ou suspensão do tráfego da embarcação; cancelamento do registro de

armador), conforme se verifica nos dispositivos abaixo:

DA EXECUÇÃO Art. 115. Para cumprimento de decisão do Tribunal Marítimo será expedida guia com os seguintes requisitos:a) o nome da autoridade que a manda cumprir;b) a indicação da autoridade incumbida do seu cumprimento;c) o nome e a qualificação do responsável;d) a transcrição da parte decisória, e a indicação do órgão oficial que publicou na íntegra o acórdão;e) as assinaturas do presidente e do diretor da Secretaria. Art. 116. A guia de sentença será restituída ao Tribunal com declaração escrita do seu cumprimento, feita pela autoridade a quem foi remetida. Parágrafo único. Se a autoridade incumbida do cumprimento não o puder efetuar restituirá a guia com declaração negativa. Art. 117. Quando a pena for a de multa e das custas, devidamente apuradas, a guia será expedida à repartição encarregada da inscrição das dívidas fiscais para a cobrança executiva. Art. 118. Quando a pena imposta não for a de multa, e se referir a estrangeiro domiciliado fora do país, além da remessa da guia de sentença à autoridade competente, far-se-á comunicação ao representante consular. Art. 119. Serão responsáveis pelo pagamento das multas impostas a estrangeiros domiciliados fora do Brasil, e das custas processuais respectivas, os representantes eventuais da embarcação. Art. 120. Nas guias de sentença, serão incluídas, para cobrança, as custas processuais vencidas.

Não obstante, vale aqui relembrar que o que as decisões do Tribunal Marítimo

possuem duas facetas distintas: (i) no que diz respeito à responsabilidade

administrativa por ofensa a normas da segurança da navegação238; e (ii) quando julga

os acidentes e fatos da navegação que são objeto de sua competência e jurisdição,

atuando como órgão autônomo e auxiliar do Poder Judiciário (art. 1º da Lei n.

2.180/54) – de modo que, as penalidades do art. 121 da LOTM, parecem se aproximar

das sanções de natureza administrativa, naquela época, não seria possível vislumbrar a

possibilidade de execução do acórdão pelo Tribunal Marítimo no item (ii)239.

                                                                                                               238 No que diz respeito ao poder de polícia (item i), deve limitar-se ao exame da regularidade do procedimento, bem como à legalidade do ato atacado, sendo-lhe vedada qualquer incursão no mérito.  239 Ainda que se parta do entendimento de que haveria a necessidade de se executar esta decisão no Poder Judiciário, tal fato não descaracterizaria a natureza jurisdicional da decisão marítima, à exemplo do próprio instituto da arbitragem que, em tese, também não prevê a possibilidade de execução.  

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(c) Decisão Criativa

É premissa do presente trabalho que direito é linguagem240. Nesse passo, o

Tribunal Marítimo produz norma jurídica, em virtude da interpretação que realiza.

Segundo Hans-Georg Gadamer:

Não há um descobrir da norma, a partir de um significado já contido dentro de seu texto ou na vontade do legislador, e sim, um produzir/atribuir sentido à norma diante da problematização, seja para deslinde da lide, seja para decidir qual ação administrativa constitucionalmente adequada. Toda interpretação é, ao mesmo tempo, aplicação que culmina no ato produtivo de norma, que, por sua vez, não pode corresponder ao texto normativo que representa seu programa da norma. Daí que compreender não é um processo linear e interpretar a legislação vigente para decidir qual a ação constitucionalmente adequada também não241.

Cumpre registrar que, quando da interpretação da norma jurídica no caso

concreto, serão utilizadas as regras de direito processual comum, inclusive na parte

que reserva aos usos e costumes, princípios gerais do direito, ou mesmo equidade,

quando devidamente autorizada por lei e, por fim, regras de direito comparado diante

da prática internacional da matéria – o que não significa dizer que poderá ser contrária

à ordem jurídica brasileira (em moldes similares com o que sucede na arbitragem).

Há inclusive quem sustente a possibilidade de o órgão realizar a fiscalização

da constitucionalidade de determinada lei – ainda que detenha mera natureza

administrativa 242 –, porque não há mais como se conceber uma atividade

interpretativa inconstitucional, de modo que se torna absolutamente necessária a

realização de uma “interpretação conforme à Constituição Federal”, por qualquer um

dos poderes estatais, diante da submissão de todos eles ao Estado Constitucional243.

                                                                                                               240 Há de se ressaltar que, nesse enfoque, hermenêutica deixa de ser vislumbrada como técnica interpretativa ou uma ferramenta metodológica disponível para determinar a correta interpretação da legislação e passa a ser encarada como um modo de ser daquele que compreende o direito: a linguagem passa a ser constituinte e constituidora do mundo do homem. In: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Trad. Enio Paulo Giachini. 2a ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 210.  241ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 413.  242 Apesar de ser correta a afirmação de que o sujeito administrativo tem menor margem de manobra interpretativa em relação ao magistrado que possui atividade jurisdicional, em nenhuma hipótese pode conduzir a conclusão de que a administração pública não pode interpretar a legislação que rege sua atividade. Ou seja, não existe agir administrativo sem concomitante interpretação da legislação vigente. In: ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 413.  243No Estado Constitucional, não há espaço para que a administração atue de forma inconstitucional

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Há aqui inegavelmente uma decisão criativa por parte do Tribunal Marítimo.

(d) Decisão Técnica de Tutela de Direitos

A jurisdição civil tem função especifica de proteger direitos subjetivos (art.

5o, XXXV, CF/88) 244 . Tem-se que a tutela dos direitos dá-se ou pelo seu

reconhecimento judicial (tutela de conhecimento), ou pela sua efetivação (tutela

executiva), ou pela sua proteção (tutela de segurança, cautelar ou inibitória), ou

mesmo pela integração da vontade para obtenção de certos efeitos jurídicos245.

Nesse aspecto, a jurisdição marítima atende a praticamente todas as espécies

de tutela jurisdicional, podendo inclusive executar suas decisões definitivas, conforme

previsão do art. 16, “i” da LOTM:

Art. 16. Compete ainda ao Tribunal Marítimo: a) determinar a realização de diligências necessárias ou úteis à elucidação de fatos e acidentes da navegação; b) delegar atribuições de instrução; c) proibir ou suspender por medida de segurança o tráfego de embarcações, assim como ordenar pelo mesmo motivo o desembarque ou a suspensão de qualquer marítimo; d) processar e julgar recursos interpostos nos termos desta lei; e) dar parecer nas consultas concernentes à Marinha Mercante, que lhe forem submetidas pelo Governo; f) funcionar, quando nomeado pelos interessados, como juízo arbitral nos litígios patrimoniais consequentes a acidentes ou fatos da navegação; g) propor ao Governo que sejam concedidas recompensas honoríficas ou pecuniárias àqueles que tenham prestado serviços relevantes à Marinha Mercante, ou hajam praticado atos de humanidade nos acidentes e fatos da navegação submetidos a julgamento; h) sugerir ao Governo quaisquer modificações à legislação da Marinha Mercante, quando aconselhadas pela observação de fatos trazidos à sua apreciação; i) executar, ou fazer executar, as suas decisões definitivas; j) dar posse aos seus membros e conceder-lhes licença; k) elaborar, votar, interpretar e aplicar o seu regimento; l) eleger seu Vice-Presidente.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             sob o fundamento de que estaria tão somente realizando sua atividade em conformidade com o dever de obediência hierárquica. Hodiernamente, a administração deve agir de maneira responsável, impondo aos seus funcionários e agentes a obrigatoriedade de apreciarem a constitucionalidade intrínseca de todas as ordens emanadas do superior hierárquico. In: MEDEIROS, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 238.  244 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos Fundamentais e a Proteção do Credor na Execução Civil. São Paulo: RT, 2003, p. 32.  245 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a Ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 113.  

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Além do mais, todo um trâmite processual previamente estabelecido deve ser

devidamente respeitado à luz do devido processo legal (item 5.4)246.

(e) Decisão Concreta

A jurisdição sempre atua em uma situação concreta que pode ser um conflito

de interesses (lide), uma situação de ameaça de lesão a direitos (em que se requer uma

tutela inibitória), situações jurídicas relacionadas exclusivamente a um indivíduo

(pedidos de naturalização ou alteração de nome, por exemplo) 247 , e não

diferentemente atua o Tribunal Marítimo ao julgar fatos e acidentes da navegação.

O Tribunal Marítimo atuará concretamente naquelas hipóteses em que ocorrer

naufrágio, encalhe, colisão, abalroamento, água aberta 248 , explosão, incêndio,

varação249, arribada, alijamento250 e qualquer avaria/defeito no navio ou em suas

instalações que ponha em risco a embarcação, as vidas ou as fazendas de bordo251,

bem como nas hipóteses de mau aparelhamento ou de impropriedade da embarcação,

deficiência da equipagem, alteração de rota, má estivação da carga, recusa

injustificada de socorro, todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a

incolumidade, a segurança e o emprego da embarcação na prática de atos ilícitos.

(f) Impossibilidade de Controle Externo

A característica mais marcante dos atos jurisdicionais em relação aos demais

atos estatais é que esta só pode ser desfeita pelo Poder Judiciário.

É o que a doutrina chama de “reserva de jurisdição”:

                                                                                                               246 O processo marítimo inicia-se com a autuação da petição inicial que é distribuída a um relator. Acolhendo-a, determinará a citação do réu para defesa em 15 dias, seguida da colheita de provas do fato ou acidente da navegação. Após a fase de instrução, o relator elabora o relatório e submete-o ao revisor para inclusão em pauta, sendo as partes intimadas na data do julgamento para se manifestarem ou sustentarem oralmente suas razões na sessão. Passada essa fase, inicia-se o debate dos magistrados e os votos são proferidos – do mais novo ao decano. Havendo empate, vota o presidente. Há previsão de recursos, sendo eles: das decisões monocráticas caberá o recurso de agravo de instrumento, das decisões caberá embargos de declaração e embargos infringentes, esse último em face das decisões não unânimes ou baseadas em prova nova.  247 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15aed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 114.  248 É a abertura ou fratura nas obras vivas, ou seja, no casco abaixo da linha de flutuação, que permita o ingresso descontrolado de água nos espaços internos do navio.  249 É o ato intencional de pôr o navio em seco para se evitar evento mais danoso (encalhe intencional).  250 É o ato deliberado de se lançar na água a carga a bordo.  251 Vide art. 14 da Lei Orgânica do Tribunal Marítimo (LOTM).  

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Enquanto o Poder Judiciário pode rever atos dos demais poderes, qualquer que seja a estabilidade que tenham adquirido, os atos jurisdicionais estáveis só podem ser rescindidos ou revistos pelo Poder Judiciário (revisão interna)252.

É da essência da própria atividade jurisdicional que ela termine sendo

controlada por ela mesma, com a imposição de uma conclusão derradeira da

problematização do caso concreto. Em razão disso, mesmo diante de um caso

solucionado por meio da arbitragem (que, em tese, a partir da definitividade da

natureza de suas decisões, inegavelmente possuiria plena natureza jurisdicional), tem-

se como ponto final de destino do trâmite processual (rectius: a execução do título

executivo judicial) o Poder Judiciário, de forma que isso não a desqualifica como uma

decisão de natureza jurisdicional, ainda que também suscetível de revisão.

Da mesma forma que ocorre com o instituto da arbitragem, o acórdão do

Tribunal Marítimo também possui natureza jurisdicional substantiva e encontra-se

suscetível de revisão em alguma medida (ex.vi. irregularidades processuais), porém

não implica a possibilidade de reanálise do mérito da decisão no tocante à autoria pelo

acidente ou fato da navegação. Identificados a extensão, a causa, a natureza e o

responsável pelo acidente ou fato da navegação, não parece razoável que outra

instância, apta a produzir uma resposta de menor qualidade, possa realmente rever o

mérito dessa decisão. Isso porque é o Tribunal Marítimo o órgão competente,

atribuído por lei, para realizar a interpretação do direito do caso multiplexo marítimo.

Imagina-se, nesta hipótese, de lege ferenda, que o controle judicial das

decisões do órgão colegiado marítimo (TM), composto por terceiros imparciais e

desinteressados do resultado do julgamento, sejam eventualmente realizados

diretamente pelos Tribunais Regionais Federais (TRF). Nessa linha de raciocínio

acima exposto, os Tribunais Regionais Federais possuiriam a competência civil

originária para ações impugnativas em face dos acórdãos do Tribunal Marítimo253,

resguardado, dessa maneira, o sentido restrito do princípio do acesso à justiça.

                                                                                                               252 CABRAL, Antônio do Passo. Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas. 2a ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 274.  253 Era assim em Portugal, sob a égide das Ordenações do Reino, e por influência do Direito Canônico, a “appellatio extraiudicialis”, em que, por meio dela, apelava-se a um tribunal judiciário para a reforma ou nulificação de decisões desta natureza. Seria, portanto, válido este resgate luso-medieval.  

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(g) Coisa Julgada Material

Verificou-se que a atividade jurisdicional é a única que permite a incidência

da coisa julgada material, mas não é ela essencial à atividade jurisdicional:

Com todas as vênias, pensar que a inalterabilidade é característica que deve estar intrinsecamente contida nos atos do Estado é uma pressuposição que não se comprova por um simples e rápido inventário dos atos estatais. As leis são revogáveis, os atos administrativos também (ainda que com limites), e não perdem força, eficácia ou imperatividade como manifestações de poder estatal pelo tão fato de não serem ou não se tornarem imutáveis. E isso é notado por alguns autores na doutrina clássica: o próprio Barbosa Moreira admite que há atos declaratórios instáveis em outras atividades estatais (atos administrativos254, etc.). Portanto, temos que reconhecer este primeiro ponto: a eficácia declaratória dos atos estatais é possível sem existência de coisa julgada ou qualquer outra imutabilidade. No mais, nem mesmo entre os atos do processo esta seria uma qualidade comum porque há vários atos processuais revogáveis e alteráveis, inclusive decisões de mérito como as interlocutórias de antecipação de tutela (art. 273 do CPC). Portanto, a coisa julgada não decorre de alguma característica típica da função jurisdicional, mas de razões legislativas de conveniência e utilidade social para estancar ou reduzir a litigância255.

Corrobora-se o que a coisa julgada é um dado político. É de se perquirir que

não haveria qualquer sentido lógico, de um lado, em revestir a sentença marítima de

presunção de certeza e, de outro, em deixá-la sujeita a irrestritas revisões no âmbito

da jurisdição estatal – de modo que, quando a vítima do fato ou acidente da

navegação requerer sua indenização no âmbito da justiça comum, a impugnação do

responsável pelo acidente marítimo encontraria um óbice objetivo, sendo-lhe vedado

rediscutir a lide naquele ponto da autoria pelo acidente. Há, aqui, uma estabilidade

normativa.

                                                                                                               254 A imutabilidade não é conatural à sentença – e isso continuaria a ser verdade mesmo que porventura não existissem, nem jamais tivessem existido, sentenças indefinidamente passíveis de modificação. Se as leis em regra excluem tal possibilidade e fazem imutável a sentença a partir de certo momento, o fato explica-se por uma opção de política legislativa, baseadas em óbvias razões de conveniência prática. Adiante: Daí a dizer que não se concebe declaração sem imutabilidade, entretanto, a distância é grande. Enquanto não sobrevenha outro pronunciamento que a nulifique, ela valerá como norma de conduta para as partes; e a possibilidade de que venha a cair nem sequer diminui a força com que atua durante o tempo de sua existência. In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada. Repro, ano IX, nº 34, abr-jun, 1984, p. 275.  255 CABRAL, Antônio do Passo. Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas. 2a ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 268. Também: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada. São Paulo: RT, 2003, p. 20.  

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Nesse aspecto, ter-se-ia a coisa julgada apenas como uma das espécies de

estabilidade processual. Nesse sentido, Antônio do Passo Cabral:

Em nosso sentir, em nenhum ponto do sistema jurídico, seja no modelo brasileiro, seja no direito comparado, encontramos qualquer justificativa sólida para diferenciar a estabilidade dos atos jurisdicionais daquela existente para os demais atos estatais. Então à conclusão a que podemos chegar é que um dos pilares mais caros à teoria da coisa julgada, a imutabilidade da sentença, deve ser questionada. Alguns desdobramentos e consequências desta constatação podem orientar nossa investigação a seguir. Formularemos então as seguintes indagações: 1) Podem os atos estatais analisados em conjunto no que se refere à sua estabilidade normativa? As estabilidades dos atos estatais podem ser reconduzidos a uma disciplina comum; 2) Se possível, e não sendo todos submetidos à imutabilidade, qual o conceito ou “supraconceito” que nortearia esta disciplina comum? A coisa julgada seria aplicável a outros atos do Estado? A última dessas perguntas ocupou grande parte da literatura processual durante muito tempo, não só nas indagações sobre a existência de uma “coisa julgada administrativa”, como também porque o estudo da coisa julgada esteve no centro do debate sobre as diferenças entre jurisdição e administração256, transbordando nos estudos sobre a jurisdição voluntária. Os defeitos maiores dessa análise, em nosso sentir, foram um vício metodológico e uma falsa premissa. A premissa que não se verifica é que a coisa julgada é a estabilidade “por excelência”, e portanto, deveríamos perquirir se a res iudicata seria aplicável a outros atos que não a sentença. E então chegamos ao equívoco na metodologia, pois a pergunta “a coisa julgada pode ser aplicada a outros atos estatais?” é um falso problema. Sem embargo, aproximar a sentença de outros atos do Estado é correto. No entanto, a coisa julgada é apenas uma das espécies de estabilidade processual257.

E ainda que se atribuísse natureza meramente administrativa à decisão, o

mesmo autor complementa o raciocínio sobre a estabilidade dos atos estatais: Assim, ao invés de indagar se a coisa julgada, com todas as suas características (inclusive a imutabilidade) seria aplicável aos atos administrativos, a metodologia acertada seria investigar, à luz do tratamento comum de todos os atos estatais, se seria correto que uma imutabilidade fosse aplicada apenas às sentenças. No entanto, a opção dos processualistas e administrativistas foi tentar verificar se a coisa julgada se aplica ao ato administrativo antes de responder à primeira das perguntas, que é a indagação acerca da possibilidade de um tratamento conjunto da estabilidade dos atos estatais258.

                                                                                                               256 THEODORO JR., Humberto. Coisa Julgada, ação declaratória seguida de condenatória. Revista de Processo, ano 21, n. 81, jan-mar, 1996, p. 83.  257 CABRAL, Antônio do Passo. Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas. 2a ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 269.  258CABRAL, Antônio do Passo. Coisa Julgada e Preclusões Dinâmicas. 2a ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 269.  

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Vale a seguinte reflexão através de exemplos práticos: i) imagine a hipótese

em que ocorreu um naufrágio, em razão do estado precário de um navio. Na

interpretação realizada da problematização do caso concreto, atribui-se a

responsabilidade do acidente da navegação ao proprietário do navio, após minuciosa

análise do processo marítimo, iniciado pela vítima (o transportador), que apresentou

cópia do contrato de afretamento e demais documentos que comprovassem a

existência dessa relação jurídica entre ambos. A decisão é híbrida, porque, além de

condenar o responsável, imputa-lhe as penalidades administrativas cabíveis.

Nesse passo, o novel art. 529, inciso X, do PL n. 8.046/2010 (versão

aprovada) reconhece o conteúdo da decisão marítima como de natureza jurisdicional –

à exemplo da decisão arbitral –,constituindo-a como título executivo. E conforme

aludido a mais de espaço, com a mudança em destaque robustece-se o entendimento

de que as decisões de competência do Tribunal Marítimo (rectius: acidentes e fato da

navegação) teriam natureza jurisdicional, sendo ele o órgão que: i) define a natureza

do acidente ou do fato da navegação, determinando-lhes as causas, circunstâncias e

extensão; ii) indica os responsáveis e aplica-lhes as penas estabelecidas na lei; e iii)

propõe medidas preventivas de segurança da navegação.

Em outras palavras, o Tribunal Marítimo realiza a atividade interpretativa do

direito marítimo diante da problematização do acidente ou fato da navegação. Por

isso, defende-se a constitucionalidade do artigo supra mencionado que, a bem da

verdade, vem ao encontro do propósito do Novo Código de Processo Civil (NCPC),

evitando-se um movimento ultrapassado de reapuração da juridicidade das decisões.

Diante do exposto, restariam devidamente preenchidas as exigências contidas

no conceito contemporâneo de jurisdição:

i) O Tribunal Marítimo Brasileiro é formado, via de regra, por sete juízes nomeados pelo Presidente da República após aprovação em concurso público de provas e títulos ou por proposta do Comandante da Marinha, sendo limitada a hipótese do art. 41, III, da LOTM aos casos de em que o tribunal tenha o dever de fiscalização – atuando assim na condição de terceiro imparcial estranho ao interesse da causa; ii) A função jurisdicional – ainda que monopólio do Estado – não precisa ser exercida por ele, podendo o próprio autorizar – ainda assim – o exercício da função jurisdicional por outros agentes privados (CF/88, art. 114 § 1º), na forma que lhe convier a

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organização destes poderes estatais (CF/88, art. 125); iii) Na aplicação das normas jurídicas serão utilizadas as regras de direito processual comum, inclusive aos usos, costumes, princípios gerais do direito e equidade quando autorizada por lei – que não significa desrespeito ao devido processo legal e a ordem jurídica como ocorre no caso da arbitragem; iv) A jurisdição marítima atende a maioria das espécies de tutela, havendo previsão de todo um trâmite processual, com observância do devido processo legal, ampla defesa e contraditório; v) O Tribunal Marítimo Brasileiro atuará concretamente somente naquelas hipóteses expressamente previstas cuja matéria tenha natureza extremamente técnica e para-jurídica, à exemplo da conceituação de naufrágio, encalhe, colisão, abalroamento, água aberta, explosão, incêndio, varação, arribada, alijamento, etc.; vi) Não haverá renúncia à jurisdição (CF/88, art. 5º, XXXV); É possível afirmar que a jurisdição é monopólio do Estado, mas não é correto dizer que há monopólio de seu exercício; vii) As decisões do Tribunal Marítimo Brasileiro produzirão os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a sentença condenatória título executivo, ainda que não tenha sido proferida formalmente pelo Poder Judiciário, ou, dependendo da hipótese, quando constituir causa de pedir remota, caberá a parte acionar a justiça comum nas ações que visam apurar os efeitos do evento.

Diante do exposto, resta evidenciado que a decisão marítima possui natureza

jurisdicional, e possui plena estabilidade processual, ainda que o órgão que a emita

possua natureza híbrida (LOTM, art. 1º), de modo que, sugere-se lege referenda, que

o Tribunal Marítimo seja incluído – por meio de Emenda Constitucional – no rol do

art. 92 da CF/88259, a fim de que integre definitivamente o Poder Judiciário, o que

comportaria maior segurança jurídica no sistema jurídico marítimo vigente.

5.3 A Competência do Tribunal Marítimo

A competência institucional da corte marítima decorre de compromissos

internacionais do país, na qualidade de parte contratante das convenções, códigos e

regulamentos na área marítima, no que tange à segurança e à idoneidade da

navegação, à salvaguarda da vida humana no mar e à prevenção da poluição das águas

por embarcações260. Desse modo, é responsável pelos acidentes e fatos da navegação

ocorridos no espaço marítimo, fluvial e lacustre do país todo.

                                                                                                               259 O art. 92 da CF/88 não é cláusula pétrea – haja vista a inclusão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como novo membro judiciário –, de modo que a sentença condenatória marítima equivaleria a sentença condenatória penal, seguindo, à semelhança com esta, o mesmo procedimento executório na esfera civil, depois de identificada e constatada a autoria pelo acidente ou fato da navegação.  260 OZÓRIO, Mario Augusto de Camargo. Informações sobre o Tribunal Marítimo. Rio de Janeiro, Ministério da Marinha, Diretoria dos Portos e Costas. Informativo Marítimo. abr./jun. 2001, p. 57-59.  

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Na perspectiva mais internacional, a autoridade marítima brasileira, exercida

pelo Comando da Marinha, na forma da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário,

regida sob o n. 9.537/97, é a quem cabe a responsabilidade ampla do setor marítimo, o

que se coaduna com o que determina a Lei Complementar (LC) n. 97/99, ao fixar suas

atribuições legais, subsidiárias da Marinha. Nesse quadro, a contribuição prestada

pelo Tribunal Marítimo é essencial261 (LOTM, art. 13).

Nos termos do art. 10 da LOTM, o Tribunal Marítimo exercerá jurisdição

sobre os seguintes limites espaciais:

a) embarcações mercantes de qualquer nacionalidade, em águas brasileiras; b) embarcações mercantes brasileiras em alto mar, ou em águas estrangeiras; c) embarcações mercantes estrangeiras em alto mar, no caso de estarem envolvidas em qualquer acidente marítimo ou incidente de navegação, no qual tenha pessoa física brasileira perdido a vida ou sofrido ferimentos graves, ou que tenham provocado danos graves a navios ou a instalações brasileiras ou ao meio marinho, de acordo com as normas do Direito Internacional; d) o pessoal da Marinha Mercante brasileira; e) os marítimos estrangeiros, em território ou águas territoriais brasileiras; f) os proprietários, armadores, locatários, carregadores, agentes e consignatários de embarcações brasileiras e seus prepostos; g) agentes ou consignatários no Brasil de emprêsa estrangeira de navegação; h) empreiteiros ou proprietários de estaleiros, carreiras, diques ou oficinas de construção ou reparação naval e seus prepostos. i) os proprietários, armadores, locatários, carregadores, consignatários, e seus prepostos, no Brasil, de embarcações mercantes estrangeiras; j) os empreiteiros e proprietários de construções executadas sob, sobre e às margens das águas interiores e do mar territorial brasileiros, sob e sobre a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiras e que, por erro ou inadequação de projeto ou execução ou pela não observância de especificações técnicas de materiais, métodos e processos adequados, ou, ainda, por introduzir modificações estruturais não autorizadas nas obras originais, atentem contra a segurança da navegação; l) toda pessoa jurídica ou física envolvida, por qualquer forma ou motivo, em acidente ou fato da navegação, respeitados os demais instrumentos do Direito Interno e as normas do Direito Internacional; m) ilhas artificiais, instalações estruturas, bem como embarcações

                                                                                                               261 OZÓRIO, Mario Augusto de Camargo. Informações sobre o Tribunal Marítimo. Rio de Janeiro, Ministério da Marinha, Diretoria dos Portos e Costas. Informativo Marítimo. abr./jun. 2001, p. 57-59.  

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de qualquer nacionalidade empregadas em operações relacionadas com pesquisa científica marinha, prospecção, exploração, produção, armazenamento e beneficiamento dos recursos naturais, nas águas interiores, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental brasileiros, respeitados os acordos bilaterais ou multilaterais firmados pelo País e as normas do Direito Internacional.

De acordo com o Regimento Interno do Tribunal Marítimo, na esteira da Lei

Orgânica n. 2.180/54, caberá à corte marítima exercer sua jurisdição em todo

território nacional, quando decorrente de acidente ou fato da navegação.

Nessa linha, dispõe o art. 13 da LOTM de que compete ao Tribunal Marítimo:

I - julgar os acidentes e fatos da navegação: a) definindo-lhes a natureza e determinando-lhes as causas, circunstâncias e extensão; b) indicando os responsáveis e aplicando-lhes as penas estabelecidas nesta lei; c) propondo medidas preventivas e de segurança da navegação; II - manter o registro geral: a) da propriedade naval; b) da hipoteca naval e demais ônus sobre embarcações brasileiras; c) dos armadores de navios brasileiros.

Veja-se que a legislação prevê duas funções a serem desempenhadas pelo

Tribunal Marítimo: I – julgar os acidentes e fatos da navegação; e II – manter o

registro geral. O inciso I trata daquela hipótese atípica desempenhada por referir-se a

uma decisão que possui natureza quase jurisdicional. Veja-se que é de competência

exclusiva do Tribunal Marítimo apreciar os acidentes e fatos da navegação, definindo

sua natureza e causa, circunstância e extensão, indicando os responsáveis e aplicando

as penas estabelecidas na lei. E, por fim, propor medidas de segurança da navegação –

evitando novos acidentes de natureza marítima.

Para se ter uma ideia da profundidade técnica necessária para proceder a esse

tipo de julgamento, é imperativo que se defina o conceito de acidente e fato da

navegação na forma da legislação infraconstitucional. Nesse passo, consideram-se

acidentes da navegação (LOTM, art. 14): naufrágio, encalhe, colisão, abalroamento,

água aberta, explosão, incêndio, varação, arribada, alijamento e qualquer avaria ou

defeito no navio ou nas suas instalações que ponha em risco a embarcação, as vidas

ou as fazendas de bordo – que nada mais são que as mercadorias a bordo.

Explica-se cada uma delas com exemplo de casos práticos:

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NAUFRÁGIO: É o afundamento total ou parcial da embarcação, sem a

possibilidade de reflutuação por meios próprios, quando há embarque de água em

razão de adernamento, emborcamento ou alargamento, capaz de levar à perda total da

embarcação – no âmbito das ciências náuticas262. Inclui-se ainda nesse conceito, no

âmbito jurídico: a) embarcação afundada, total ou parcialmente, sem possibilidade de

reflutuação por meios próprios; b) embarcação destroçada em razão de abalroamento

ou colisão; c) embarcação da qual não há mais notícia, nos termos do art. 720 e 753

do Código Comercial; d) embarcação abandonada por toda sua tripulação263.

Nesse sentido, segundo a jurisprudência do Tribunal Marítimo, Processo n.

440/TM, a característica principal do naufrágio é a perda definitiva (total ou parcial):

O característico do naufrágio, diz Arnould (On the Law of Marine) é a perda ‘definitiva’. Assim, no caso de submersão de fácil salvamento, não existe naufrágio. Naufrágio, é agora Hugo Simas quem o diz (Comp. de Dir. Mar. No. 182), é a perda do navio no mar. Pela etimologia — navisfracta— só existiria naufrágio quando o navio fôsse reduzido a destroços, mas a palavra tem extensão maior e, pois um navio que encalha, “ sem mais possibilidade de navegar e que assim fica perdido’', é um navio naufragado. Os tratadistas distinguem navio encalhado de navio naufragado mas, em última análise, “se o encalhe importa na perda do navio” a distinção é simplesmente bizantina.—Ferreira Borges (Die. Juridico-Comercial) também é positivo: naufrágio, diz ele, é a perda do navio despedaçando-se contra escolhos ou indo a pique por qualquer acidente na costa ou no alto mar”.

Além da classificação entre total e parcial, a doutrina ainda os classifica em

culposos ou dolosos, sendo estes últimos quando provocados intencionalmente pelo

comandante – ocasião em que poderá haver concordância do armador para afundar o

navio, a fim de receber indevidamente indenização do seguro do navio. Essa

empreitada criminosa teve seu lugar no passado e é muito difícil de ocorrer264.

ENCALHE: É o contato das obras vivas (parte do casco do navio que fica

submersa) com o fundo do mar (rio, lagoa, etc.) capaz de provocar resistência externa

de tal ordem que a embarcação seja incapaz de se movimentar por seus próprios

                                                                                                               262 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 30.  263 ANJOS, J. Haroldo dos.CARMINHA GOMES, C. R. Curso de Direito Marítimo, p. 85.  264 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 30.  

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recursos265. Há quem considere ser encalhe aquele momento em que o navio pode se

safar com a subida da maré, alívio da carga, ajuste de máquinas ou auxílio externo266.

Esse parece ser o entendimento do Tribunal Marítimo a respeito do encalhe

temporário com avaria, conforme ementa do Processo n. 10.446/TM, que indica a

possibilidade de encalhes sucessivos, ao condenar o comandante do navio ALEGRIA

pelos encalhes ocorridos sucessivamente.

“ALEGRIA". Encalhes sucessivos. Após o primeiro encalhe, o Comandante não atendeu às advertências do Encarregado do Balizamento. Manobrou erradamente e encalhou pela segunda vez. Amarrado à margem, não providenciou que fosse dobrada a amarração, que se rompeu, deixando o navio ao sabor da correnteza, encalhando pela terceira vez. Condenação.

Diante disso, a doutrina costuma classificar o encalhe quanto ao tempo de

duração em: a) determinado: quando a embarcação, em contato com o fundo, sofrer

resistência que impeça sua reflutuação por tempo determinado, até que, com recursos

externos, volte a flutuar; b) indeterminado: quando o navio não consegue voltar a

flutuar, após varias tentativas frustradas de reflutuação com todos os meios externos

disponíveis, e perde sua condição jurídica267.

Vale aqui, não obstante, trazer a ressalva de Matusalém Pimenta de que se

deve analisar bem a relevância de se considerarem esses incidentes (“encalhe

temporário”), absolutamente corriqueiros, como encalhes, pois, dessa forma, haveria,

todos os dias, centenas de acidentes da navegação, com suas consequências jurídicas:

protesto marítimo e sua ratificação, inquérito nas Capitanias dos Portos e julgamento

no Tribunal Marítimo (TM). Condição essa, certamente, indesejável e incompatível

com o atual entendimento da comunidade marítima internacional.

VARAÇÃO: É o ato intencional de por o navio em seco para se elidir evento

mais danoso – espécie do gênero encalhe que, quando deliberado, recebe a

denominação especifica de varação268.

Veja-se que no Processo n. 25.426/10 – cuja ementa segue abaixo –, concluiu-

se que a natureza e a extensão do acidente da navegação sob análise, tipificado na

                                                                                                               265 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 32.  266 ANJOS, J. Haroldo dos. CARMINHA GOMES, C. R. Curso de Direito Marítimo, p. 90.  267 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 30.  268 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 34.  

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alínea “a”, da Lei n. 2.180/54, ficaram caracterizadas como água aberta seguida de

varação, sem vítimas, com perda de carga e sem poluição ao meio ambiente, tendo

sido a causa determinante erro de manobra de válvula de interligação com a válvula

de fundo.

“NÉLIO CORRÊA”. Água aberta seguida de varação, sem vítimas, com perda de carga e sem poluição ao meio ambiente. Erro de manobra de válvula de interligação com a válvula de fundo. Negligência. Condenação.

No relatório do Encarregado do Inquérito, e em uniformidade de entendimento

com os peritos, o comandante foi levado a provocar a varação da embarcação para

evitar um possível naufrágio, em face do alagamento provocado por uma válvula de

fundo deixada aberta, inundando o porão n. 2. A D. Procuradoria responsabilizou o

representado por agir de modo imperito, incorrendo em erro quanto à verificação do

fechamento das válvulas de fundo que fazem a aguada, o que permitiu a entrada e o

acúmulo de água em um dos porões da embarcação – causando a água aberta seguida

de varação da embarcação para evitar um possível naufrágio.

COLISÃO: É o choque mecânico – capaz de provocar avarias – de uma

embarcação e/ou seus apêndices contra objeto que não seja outra embarcação, ou seja:

um corpo insuscetível de navegar, fixo ou flutuante, por exemplo: cais, recife, casco

soçobrado, boia, cabo submarino, banhista, mergulhador, plataforma fixa269.

Nesse sentido dispôs o Processo n. 8726/TM, ao condenar o comandante do

navio pela colisão da lancha de recreio com pedras, ocasionando avaria no hélice:

Colisão. Navegação em área desconhecida e sem as cautelas necessárias, resulta em colisão de lancha de recreio, com pedras. Avaria no hélice. Falta de propulsão impõe fundeio. Ação de temporal. Colisão e avarias resultantes de imprudência. Naufrágio. Condenação.

Por fim, vale a ressalva de que não há que se falar em colisão quando o navio,

em manobra de atracação, chocar-se com as defensas de um cais em condição e

velocidade lateral normais de aproximação270.

                                                                                                               269 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 35.  270 Ainda que haja avaria nas defensas, necessário se faz o trabalho de perícia para saber se as defensas estavam em condições de suportar o choque natural de embarcações com tonelagens programadas para aquele cais ou terminal. Ou, ainda, se essas defensas foram projetadas adequadamente, em respeito às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas ou de associações internacionais similares. In: GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 35.  

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ABALROAÇÃO: É o choque mecânico entre embarcações, desde que resulte

em danos pessoais ou materiais, sendo condição para a determinação do acidente271.

Theopilo de Azeredo Santos utiliza-se da definição de doutrina também

internacional especializada272 para afirmar que abalroação é o choque entre dois

navios ou mais navios, que navegam ou estão em condições de navegar e que não

estando ligados entre si por vínculo contratual273.

É preciso compreender, ainda que em breve análise, o conceito de

embarcação. Há na legislação comercial, em especial nos artigos que tratam do

procedimento de abalroação entre embarcações, uma imprecisão terminológica no

tocante à utilização das palavras navio, barco e embarcação, que aqui se equivaleriam:

Art. 749. Sendo um navio abalroado por outro, o dano inteiro causado ao navio abalroado e à sua carga será pago por aquele que tiver causado a abalroação, se esta tiver acontecido por falta de observância do regulamento do porto, imperícia, ou negligência do capitão ou da tripulação; fazendo-se a estimação por árbitros274. Art. 750. Todos os casos de abalroação serão decididos, na menor dilação possível, por peritos, que julgarão qual dos navios foi o causador do dano, conformando-se com as disposições do regulamento do porto, e os usos e prática do lugar. No caso dos árbitros declararem que não podem julgar com segurança qual navio foi culpado, sofrerá cada um o dano que tiver recebido. Art. 751. Se, acontecendo a abalroação no alto-mar, o navio abalroado for obrigado a procurar porto de arribada para poder consertar, e se perder nessa derrota, a perda do navio presume-se causada pela abalroação. Art. 752. Todas as perdas resultantes de abalroação pertencem à classe de avarias particulares ou simples; excetua-se o único caso em que o navio, para evitar dano maior de uma abalroação iminente, pica as suas amarras, e abalroa a outro para sua própria salvação (artigo nº. 764). Os danos que o navio ou a carga, neste caso, sofre, são repartidos pelo navio, frete e carga por avaria grossa.

Não obstante, é possível diferenciar os conceitos quando da análise de outras

legislações marítimas, bem como por meio da análise da doutrina brasileira.

                                                                                                               271 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 36.  272 Danjon: “L’abordage, que les italiens appellent “heurt” et les anglais “collision”, est le choc de deux navires, c’est-à-dire de deux bâtiments qui naviguent, ou sont susceptibles de naviguer”. Louis Thiébaut, “L’abordage est la collision entre deux ou plusieurs navires”. Silva Costa: “É o choque entre dois navios ou embarcações que navegam ou em condições de navegar, dentro ou fora dos portos”.  273 SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação, Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 399.  274  Vale mencionar que os árbitros que o art. 749 define como os responsáveis por estimar a culpa pela abalroação não mais existem, sendo essa culpa apontada pelo Tribunal Marítimo desde sua criação.  

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O art. 2º, V, da Lei n. 9.537/97 (LESTA) conceitua embarcação como

“qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as

fixas, sujeita a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na

água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas”.

Para Oswaldo Sammarco, o conceito de navio é espécie do gênero

embarcação, conforme trecho abaixo extraído de seu livro sobre o tema:

Derivado do latim navis, do grego naus, o vocábulo navio, em acepção extensa, serve para designar toda espécie de embarcação, seja a que se destina à composição da marinha de guerra, seja a que se utiliza para transportes de toda a natureza. No sentido técnico-jurídico, embora não se tenha navio no sentido de toda e qualquer embarcação, ele deve ser entendido, segundo mesmo seu conceito originário (nau), como a embarcação de maior porte ou as embarcações grandes, apropriadas ao transporte de cargas ou passageiros, ou destinadas aos misteres da navegação e a outros fins. O navio é nau. E nau sempre foi tida como a embarcação de maiores dimensões ou a embarcação grande. É a embarcação de alto porte ou de alto bordo, o que se determina pelo seu calado ou tonelagem, que permite uma franca navegação, seja em águas marítimas, lacustres ou fluviais. E, assim, distingue-se o navio de outras embarcações, como as lanchas, lanchões, as alvarengas, os reboques, as barcaças, os botes, os batelões, etc. que não tem porte para toda e qualquer espécie de navegação. Navio, em síntese, é toda embarcação de grande porte destinada ao transporte de pessoas e/ou mercadorias por vias navegáveis, marítimas, fluviais ou lacustres275.

Ou seja: o navio, stricto sensu, é uma embarcação de grande porte. E

embarcação traduz um conceito que deve considerar os seguintes pontos: i)

construção flutuante ii) construção com propósito e capacidade de se mover sobre ou

através da água iii) mínimo de dimensão iv) propósito essencial de carregar bens ou

pessoas, a fim de distinguir submarino, hidroavião, aerodeslizador ou aerobarco

(hovercraft), barca, cais flutuantes, guindaste flutuante, navio de guerra, de pesca.

É certo que o desenvolvimento dos aparelhos de segurança (radar,

principalmente), o estabelecimento de sistemas uniformes de sinalização (ótica e

acústica), a fixação de regras sobre a iluminação e marcha de navios, enfim, as

medidas preventivas que são tomadas diminuem a frequência das colisões, mas o

                                                                                                               275 SAMMARCO, Oswaldo. Fenomenologia do Direito Marítimo. Santos: Unimes, 2000, p. 7.  

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aumento da capacidade e da velocidade dos navios aumenta a gravidade dos

sinistros276. Daí, a importância das convenções internacionais sobre a matéria:

A Convenção de Bruxelas de 1910, conhecida como “convenção internacional

sobre abalroamento marítimo”, classifica os abalroamentos da seguinte forma:

a) Abalroamento Fortuito: é o abalroamento que independe da ação humana,

sendo suas principais causas as condições adversas de mar e tempo e a

incapacidade do navio de enfrentar tais condições adequadamente.

O abalroamento fortuito é aquele que não podia ser evitado. Assim, em uma

situação em que um navio, após a tempestade, perde suas ancoras e rompe suas

amarras, colidindo com outro navio, cada um conserva o dano que sofreu277. Hugo

Simas, contudo, não corrobora com a doutrina segundo o qual não haveria um

responsável pelos danos, pela aplicação da regra – res perit domino:

Assim como se vem transformando o Direito Civil ao influxo do fator político, objeto do estudo de Ripert no livro admirável que é Le Régime Démocratique et lê Droit Civil Moderne, assim também o desenvolvimento da civilização material impõe, pela nova concepção da riqueza e transformações econômicas do mundo moderno, o reconhecimento do principio da responsabilidade sem culpa, diante da regra elementar de direito, de que, sob qualquer pretexto, é lícito causar prejuízo a outrem. É ideia já acolhida, de certo modo, em corpos legais, como o Código Suíço das Obrigações, o Código Civil alemão278.

Dispõe a Convenção de Bruxelas de 1910 que se a abalroação é considerada

fortuita, ou seja, se ela é devida a força maior, ou mesmo, se há dúvida sobre as

causas da abalroação, os prejuízos são suportados por quem os sofreu.

Veja que os detalhes e especificidades da matéria são diversos, de modo que o

Poder Judiciário, na verdade, precisa que o Tribunal Marítimo se fortaleça, como

órgão, e apresente respostas de qualidade para a sociedade, a fim de evitar que

acidentes aconteçam e, via de consequência, que a matéria não seja reanalisada, em

                                                                                                               276 SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação, Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 400.  277AUTRAN, Frederic Charles. Code Internacional de l’AbordageMaritime, Chevalier-Maresq et Cie, Paris, 1890, p. 76. In SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação, 2a Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 404.  278SIMAS, Hugo. Compêndio de Direito Marítimo Brasileiro. São Paulo: Saraiva & Cia Editores, 1938, p. 282.  

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seu mérito, pelo Poder Judiciário, que, por seu turno, comete absurdos como a

aplicação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em razão da palavra “abalroação”,

de conotação absolutamente diversa daquela da legislação, conforme já se teve

notícia.

b) Abalroamento Culposo: é o abalroamento ligado à conduta humana que, por

meio de ação ou omissão, concorre para a produção do acidente em questão.

A abalroação culposa é a devida a omissão, negligência ou imprudência do

capitão ou tripulação. Assim, haverá abalroação culposa: a) se o capitão negligenciou

no respeito às regras internacionais; b) quando deixar o capitão de tomar as

providências que poderiam evitar a colisão; c) se o capitão deu uma ordem correta,

que o tripulante não assimilou ou descumpriu, provocando o sinistro.

Em matéria de abalroação, registra Le Clère:

A lei consagra o princípio da responsabilidade baseada na idéia de culpa. Essa culpa, suscetível de engajar a responsabilidade do navio, é evidentemente a falta dos homens que se encontram a bordo (capitão e tripulação) ou armador. Ela tem dois aspectos, podendo consistir em ato positivo voluntário (falta ativa) ou em uma abstenção, ato involuntário, negligência (falta passiva). E o dano inteiro causado ao navio abalroado e à sua carga será pago por aquele que tiver causado a abalroação, fazendo-se a estimação por árbitros, mas é necessário a prova: a) da culpa; b) de abalroação ter sido gerada em virtude da culpa279.

Nesse passo, sendo um navio abalroado por outro, o dano inteiro causado ao

navio abalroado e à sua carga será pago por aquele que tiver causado a abalroação

(ex.vi. negligência, imperícia ou imprudência); fazendo-se a estimação desse dano

marítimo o próprio Tribunal Marítimo Brasileiro, em decorrência de sua aptidão

institucional correlata às causas marítimas outorgada pelos dispositivos da LOTM.

c) Culpa Concorrente: é aquela em que as tripulações de ambos os navios

envolvidos concorrem por meio de suas ações ou omissões.

A Convenção de Bruxelas de 1910 enfrenta o problema da culpa comum:

                                                                                                               279 In: SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação, Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 404.  

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Se há culpa comum, a responsabilidade de cada um dos navios é proporcional à gravidade das culpas respectivamente cometidas; todavia, se segundo as circunstâncias, a proporção não pode ser estabelecida ou se as faltas parecerem equivalentes, a responsabilidade é repartida em partes iguais. Os prejuízos causados, seja aos navios, seja as suas cargas, seja aos efeitos e outros bens da equipagem, dos passageiros e de outras pessoas que se encontrem a bordo, são suportados pelos navios culpados, na mencionada proporção, sem solidariedade em relação a terceiros. Os navios culpados são solidariamente responsáveis em relação a terceiros pelos prejuízos causados pela morte ou ferimentos, salvo recurso daquele que pagou parte superior à que, conforme alínea 1a do presente artigo, deve definitivamente suportar.

O Código Comercial não prevê a hipótese de abalroação recíproca dos dois

navios (caso mais comum). Só figura a hipótese de culpa unilateral e o de

impossibilidade de se julgar com segurança qual o navio culpado, o que constitui a

abalroação duvidosa (art. 749 e 750). Colabora Hugo Simas280:

E, por enquanto, diante do silêncio de nossa legislação, que não faculta proporcionar a indenização à gravidade das culpas comparadas entre si, o único critério é o limite à metade do ressarcimento por aplicação analógica do art. 913 e 1518 do CC, combinados, e com tanto mais procedência, quanto a própria Convenção de Bruxelas na 2a parte do artigo a que nos estamos referindo, também decido o ressarcimento pela metade, quando é impossível proporcionar as responsabilidades ao grau das culpas, ou quando estas são equivalentes. Esse critério da metade coincide, além do mais, com a nossa lei civil. Com efeito, incluindo-se na indenização o devido pelos danos à carga, são os carregadores terceiros e para casos tais, é expresso o art. 1518 do CC. Porque não aplicar o art. 4 da Convenção fica ao juiz o poder soberano de apreciar em cada caso, se ha ou não culpa comum da parte dos capitães e qual e respectivamente para cada um o grau de gravidade de sua culpa. A culpa comum prova-se com a culpa de um só, ficando a cada um dos navios o ônus de demonstrar a culpa do outro. Deve ainda ser estabelecido o ligame da causalidade entre o fato qualificado culpa e a abalroação.

De todo modo, é importante essa distinção, em razão do modo como as

despesas serão rateadas. Essa análise torna-se ainda mais relevante na medida em que,

provavelmente, por um simples erro de redação, ou esquecimento da matéria, o PLS

n. 487/2013 (Nova Versão – Novo Código Comercial) exclui da Emenda n. 56 do PL

                                                                                                               280 SIMAS, Hugo. Compêndio de Direito Marítimo Brasileiro. São Paulo: Saraiva & Cia Editores, 1938, p. 285.  

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n. 1.572/2011 (Antiga Versão – Novo Código Comercial), o título inteiro que trata

dos danos causados por abalroação281. Ao invés, deveria incluir ainda ao texto, a

solução de rateio para os casos de culpa concorrente ou comum.

ÁGUA ABERTA: É a abertura ou fratura nas obras vivas (parte do casco do

navio que fica submersa), ou seja, no casco abaixo da linha de flutuação, que permita

o ingresso descontrolado de água nos espaços internos do navio282, sendo as causas:

má-vedação das válvulas, soldas malfeitas, rebites soltos, falhas no calafeto, aberturas

no casco por abalroamento, colisão ou encalhe.

Nesse sentido, o Processo n. 4925/TM, quando houve a água aberta em razão

do mau tempo, tratando-se de embarcação antiga, ainda que bem conservada:

Água aberta, arribada e posterior submersão. Quando a água aberta aparece em travessia sob mau tempo, tratando-se de embarcação velha, mas com suas vistorias e licenças em dia, não existindo indícios de má conservação ou mal estado aparente, é de ser considerada como proveniente de vicio oculto do casco, o que caracteriza suas conseqüências como resultantes da fortuna de mar.

INCÊNDIO: É a destruição total ou parcial do navio ou ainda de sua carga ou

parte dela pela ação do fogo em decorrência de combustão dos materiais de bordo,

derramamento de combustível inflamável, curto circuito elétrico, guarda ou manuseio

incorreto de material inflamável ou explosivo283. Descreve Gonçalves Pimenta:

Pode-se imaginar, tão somente a título de estudo doutrinário, um incêndio intencional não abrangido pelo dolo. Um navio, com carga de animais vivos em determinado porão, recebe a bordo, durante a viagem, noticia de que esses animais estão com doença de alto risco de contaminação, não havendo outra forma de se elidir o perigo de transmissão da doença senão pelo sacrifício desses semoventes pelo

                                                                                                               281 Consta da Emenda n. 56 no Título VIII – Dos danos causados por abalroação: Art. [216]. Sendo uma embarcação abalroada por outra, o dano inteiro causado à embarcação abalroada e à sua carga será pago por aquela que tiver causado a abalroação, se esta tiver ocorrido por culpa do capitão, do prático ou da tripulação na observância do regulamento dos portos e vias navegáveis ou das regras aplicáveis à navegação e manobra de embarcações. Art. [217]. Havendo concorrência de culpas, cada embarcação será responsável pelo dano causado à outra e à sua carga proporcionalmente ao grau de culpa.Art. [218]. Sendo fortuita a abalroação ou se não for possível apurar com segurança qual a embarcação culpada, cada uma suportará o dano que tiver recebido. Art. [219]. Os casos de abalroação serão apurados pelo Tribunal Marítimo que, considerando os aspectos técnicos e as regras da navegação, julgará qual das embarcações foi a causadora da abalroação, totalmente ou por concorrência de culpas, na forma da Lei 2.180/54. Art. [220]. Se acontecer a abalroação em alto mar, a embarcação abalroada for obrigada a buscar porto de refúgio para a sua segurança, e se perder nessa derrota, a perda da embarcação presume-se causada pela abalroação. Art. [221]. Todas as perdas resultantes da abalroação pertencem à classe de avarias particulares ou simples, salvo nos casos em que puderem ser qualificadas como ato de avaria grossa ou comum.  282 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 37.  283 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 38.  

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fogo. Essa hipótese pouco provável e até fantasiosa, tem o condão de alertar para o fato de que todo acidente deve ser bem analisado quando se objetiva a apuração de responsabilidades. Por óbvio que o incêndio voluntário, nesse caso, deverá apontar para a divisão dos prejuízos entre os autores da aventura marítima, vez que o ato intencional do comandante teve o objetivo de preservar a saúde e integridade física da tripulação284.

EXPLOSÃO: É o abalo violento seguido de detonação (estouro).

Veja exemplo do Processo n. 10.478/TM: “L-55". Explosão e incêndio.

Lancha do Serviço de Salvamento sofre explosão no motor e incendeia. Causa

determinante da explosão sem condições de ser apurada na perícia. Acidente

equiparável aos casos fortuitos. Arquivamento.

ARRIBADA: É a entrada do navio em porto diferente daqueles programados

para a viagem. Pode ser voluntária ou forçada285.

De acordo com o art. 510 do Código Comercial, a arribada voluntária ocorre

quando decorrer de ato intencional do comandante para entrar em porto não definido

em escala. A arribada forçada, por sua vez, ocorre por motivos alheios à vontade do

comandante – regulada na forma do art. 740 a 748 do Código Comercial.

Art. 740. Quando um navio entra por necessidade em algum porto ou lugar distinto dos determinados na viagem a que se propusera, diz-se que fez arribada forçada (artigo nº. 510). Art. 741. São causas justas para arribada forçada: 1 - falta de víveres ou aguada; 2 - qualquer acidente acontecido à equipagem, cargo ou navio, que impossibilite este de continuar a navegar; 3 - temor fundado de inimigo ou pirata. Art. 742. Todavia, não será justificada a arribada: l - se a falta de víveres ou de aguada proceder de não haver-se feito a provisão necessária segundo o costume e uso da navegação, ou de haver-se perdido e estragado por má arrumação ou descuido, ou porque o capitão vendesse alguma parte dos mesmos víveres ou aguada; 2 - nascendo a inavegabilidade do navio de mau conserto, de falta de apercebimento ou equipação, ou de má arrumação da carga; 3 - se o temor de inimigo ou pirata não for fundado em fatos positivos que não deixem dúvida. Art. 743. Dentro das primeiras 24 (vinte e quatro) horas úteis da entrada no porto de arribada, deve o capitão apresentar-se à autoridade competente para lhe tomar o protesto da arribada, que

                                                                                                               284 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 38.  285 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 39.  

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justificará perante a mesma autoridade (artigo nºs 505 e 512). Art. 744. As despesas ocasionadas pelo arribada forçada correm por conta do fretador ou do afretador, ou de ambos, segundo for a causa que as motivou, com direito regressivo contra quem pertencer. Art. 745. Sendo a arribada justificada, nem o dono do navio nem o capitão respondem pelos prejuízos que puderem resultar à carga; se, porém, não for justificada, um e outro serão responsáveis solidariamente até a concorrência do valor do navio e frete. Art. 746. Só pode autorizar-se descarga no porto de arribada, sendo indispensavelmente necessária para conserto no navio, ou reparo de avaria da carga (artigo nº. 614). O capitão, neste caso, é responsável pela boa guarda e conservação dos efeitos descarregados; salvo unicamente os casos de força maior, ou de tal natureza que não possam ser prevenidos. A descarga será reputada legal em juízo quando tiver sido autorizada pelo juiz de direito do comércio. Nos países estrangeiros compete aos cônsules do Império dar a autorização necessária, e onde os não houver será requerida à autoridade local competente. Art. 747. A carga avariada será reparada ou vendida, como parecer mais conveniente; mas em todo o caso deve preceder autorização competente. Art. 748. O capitão não pode, debaixo de pretexto algum, diferir a partida do porto da arribada desde que cessa o motivo dela; pena de responder por perdas e danos resultantes da dilação voluntária (artigo nº. 510).

Segue exemplo de condenação e arquivamento no caso da arribada:

PROCESSO N° 7.102 ACÓRDÃO Arribada de navio mercante brasileiro ao porto de Vitória. Tendo sido verificado que a arribada se deu por imprudência dos representados ao suspender com a embarcação, é de ser considerada não justificada a arribada. Condenação. PROCESSO N° 7.410 ACÓRDÃO Arribada. Avaria na máquina de barco pesqueiro estrangeiro, impondo arribada para reparo. Ausência de necessidade de abastecimento. Não se apurando a causa da avaria é de se ter como justificada a arribada. Arquivamento.

O Tribunal Marítimo firmou jurisprudência quanto às arribadas de navio de

pesca, no sentido de que fique demonstrado o prejuízo de terceiros. Por isso é que

ainda merece registro o Processo n. 2.518:

A espécie foge à apreciação deste Tribunal, por não se tratar de acidente ou fato da navegação. Com efeito, embarcação de pesca quando entra em qualquer porto sem estar munida do respectivo passe, não pratica propriamente uma arribada, porque, face aos preceitos reguladores da navegação, a palavra tem um sentido restrito, não se enquadrando nela o ato do patrão do barco

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resolvendo entrar no porto desta Capital por conveniência de ser aqui a sede da empresa proprietária. A arribada, no dizer de Danjon, constitui uma eventualidade extraordinária, que não podia ser prevista no fretamento, não se confundindo com as escalas, que são autorizadas tácita ou expressamente no respectivo contrato (Derecho Marítimo, trad., pags. 455 e 456)”. O nosso mais que centenário Código Comercial define a arribada como sendo o fato de entrar o navio, por necessidade, em algum porto ou lugar distintos dos determinados na viagem a que se propusera (art. 740), proibindo ao capitão entrar em porto estranho ao seu destino, sob pena de responder por perdas e danos (art. 510). Demasiado velha, a definição encerra, todavia, o conceito atual da arribada. Ora, o que se entende é que só há arribada, no preciso termo, quando molha o navio, levado por qualquer motivo, num porto ou lugar diferente daqueles previamente estabelecidos na escala a obedecer. Se não existe um itinerário, uma escala antecipadamente fixada, não há como dizer que a embarcação arribou quando surge em qualquer porto. As embarcações de pesca estão sujeitas a normas administrativas especiais, assim isentas de despacho e de passe de saída, a não ser no caso de se destinarem a outro porto, e são dispensadas das declarações de entrada e saída a que estão subordinadas as empregadas no comércio de transportes (art. 153 e 140 do R.C.P) Ademais e porque os barcos de pesca no exercício normal de suas atividades não tem como destino nenhum porto, nem uma rota predeterminada a cumprir, cuja alteração, dando entrada num porto diferente, o navio arriba, acarretando despesas extraordinárias, denominadas avarias expensivas, que são gastos feitos em consequência de ato do capitão, e em torno de cujo fato se agrupa variada ordem de interesses pecuniários exigindo a interferência deste Tribunal Marítimo para comprovar as causas da arribada e examinar a sua oportunidade A arribada está estritamente ligada ao instituto jurídico da avaria comum, a cujas normas não estão sujeitas as embarcações de pesca.

ALIJAMENTO: É o ato deliberado de se lançar na água os objetos de bordo,

incluindo a carga, sendo o prejuízo suportado por todos os envolvidos na aventura

marítima, no caso de a decisão ter o condão de salvar o bem comum.

Documentos comprovam o antigo nascimento desse instituto. Cita-se a Bíblia,

onde se fala em alijamento da carga e de aparelhos de navios286.

Na forma do art. 764, II do Código Comercial, são avarias grossas:

(...) as coisas alijadas para salvação comum.

                                                                                                               286 Jonas, Capítulo I, n. 4 e 5: “Porém o senhor enviou sobre o mar um vento furioso; e levantou-se no mar uma grande tempestade, e estava o navio em perigo de se fazer em pedaços. Então os marinheiros temeram, e cada um clamou ao seu deus, e alijaram ao mar, toda a carga que traziam no navio para o aliviarem. E sendo nós violentamente batidos pela tempestade, no dia seguinte alijaram carga. Ao terceiro dia lançaram também ao mar com as suas mãos os aparelhos do navio”.  

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É importante a ressalva de que quando for indispensável lançar-se ao mar

alguma parte da carga, deve-se começar pelas mercadorias e efeitos que estiverem em

cima do convés, seguida pelas mais pesadas e as de menor valor, fazendo-se toda a

diligência possível para registrar marcas e números dos volumes alijados.

AVARIA DE RISCO: Na lição de Gonçalves Pimenta, é qualquer avaria que

coloque em risco a embarcação, as vidas, as cargas ou segurança da navegação:

Há várias situações que podem ser enquadradas como avaria de risco. Um navio que tenha a sua carga movimentada nos porões durante a viagem por deficiência de carregamento ou peação, de tal ordem que lhe cause uma banda permanente, impedindo sua navegação segura, encontrar-se-á em avaria de risco justificando-se uma possível arribada para a regularização do carregamento ou peação. A má estivação da carga ou a deficiência na peação configuram fatos da navegação, consoante se analisa mais adiante. Entretanto, a banda permanente adquirida terá natureza de avaria. Considerar-se-á também avaria de risco um blackout não solucionado pela equipe de bordo, capaz de deixar o navio sem governo, o que põe em risco a segurança da navegação e do próprio navio. Nessa hipótese, será justificada uma arribada a reboque para fins de reparo287.

José de Silva Lisboa leciona que avaria teria, na verdade, dois sentidos:

Ora, em geral, significa todo o dano parcial acontecido ao navio ou carregação, ora se entende pela contribuição ao mesmo dano, isto é, pela obrigação de contribuírem para ele em rateio os interessados no casco e carga. Quanto ao primeiro sentido se abalroando um navio com outro, sucede quebrar uma verga, arrebentarem as enxárcias, cortar-se a amarra, ou causar-se outro dano, costuma-se dizer que o navio tivera avaria. Igualmente, e se por tempestade ou outro acidente, fez água o navio e danificou-se a carga, diz-se que o navio traz avaria. Semelhantemente, se as mercadorias carregadas no navio por vicio próprio ou tendência a deterioração, se desfizeram e arruinaram como são todos os sais, mantimentos, líquidos, , diz-se que a carga está avariada. Quanto a segundo sentido, se por tormenta, raio, fogo ou outro infortúnio semelhante se alijou carga ao mar ou se fez alguma arribada para evitar o perigo do naufrágio ou presa, costuma-se dizer que os interessados no navio ou mercadoria entram em avaria, que é o mesmo que dizer que devem concorrer em rateio para indenização dos prejuízos ocasionados por aquele acidente, à proporção do respectivo interesse. E de se notar que este segundo sentido só tem aplicação nos casos de avaria grossa288.

                                                                                                               287 GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. São Paulo: Manole, 2013, p. 41.  288 LISBOA, José. Tratado III - Das Avarias – Capitulo III, p. 268.  

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A legislação francesa define avaria toda despesa extraordinária que se fizer

com os navios ou mercadorias, conjunta ou separadamente e todo o dano que lhes

acontecer desde a sua carga e partida até o seu retorno e descarga. Pelo Código

Comercial, em seu art. 761, avaria é todo dano causado ao navio ou à sua carga ou

qualquer despesa extraordinária que se faça em benefício ou de um ou de outro ou

comum a ambos, desde o embarque e partida, até a sua volta e desembarque.

Daí que, com acerto, Hugo Simas esclarece o termo avaria:

Não tem esta palavra, no direito comercial marítimo, a significação da linguagem vulgar, compreende mais que o simples dano ou estrago, porque também lhe caem sob a denominação as despesas para evitar prejuízo maior ao navio ou à carga, ou em bem de salvação comum. Da própria definição que lhe dá o art. 761 resulta a existência de avarias danos e avarias despesas. Do que foi dito, verifica-se que as despesas ordinárias, feitas em beneficio da carga ou do navio ou de ambos não constituem avarias, mas ônus previstos e ordinários, inerentes ao contrato de transporte.

O direito brasileiro reconhece duas espécies principais de avarias: a) avaria

simples ou particular e b) avaria grossa ou comum (item 3.7).

Compreende o Código Comercial os casos de avaria simples ou particular:

Art. 766 - São avarias simples e particulares: 1 - O dano acontecido às fazendas por borrasca, presa, naufrágio, ou encalhe fortuito, durante a viagem, e as despesas feitas para as salvar. 2 - A perda de cabos, amarras, âncoras, velas e mastros, causada por borrasca ou outro acidente do mar. 3 - As despesas de reclamação, sendo o navio e fazendas reclamadas separadamente. 4 - O conserto particular de vasilhas, e as despesas feitas para conservar os efeitos avariados. 5 - O aumento de frete e despesa de carga e descarga; quando declarado o navio inavegável, as fazendas são levadas ao lugar do destino por um ou mais navios (Art. 614).Em geral, as despesas feita; e o dano sofrido só pelo navio, ou só pela carga, durante o tempo dos riscos.

De modo que é possível vislumbrar as características de toda avaria particular:

a) dano ou despesa extraordinária proveniente da fortuna do mar, vício próprio, fatos

da tripulação, fatos do carregador; b) repercussão dos mencionados danos ou despesas

sobre o proprietário da coisa avariada (navio, carga ou ambos).

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Passada a análise dos acidentes da navegação, serão analisados agora aqueles

denominados de fatos da navegação, também de competência do Tribunal Marítimo.

Consideram-se fatos da navegação o mau aparelhamento ou a impropriedade

da embarcação para o serviço em que é utilizada e a deficiência da equipagem,

alteração de rota, má estivação da carga, que sujeite a risco a segurança da expedição,

recusa injustificada de socorro à embarcação em perigo, todos os fatos que

prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e a segurança da embarcação, as

vidas e as fazendas de bordo e o emprego da embarcação, no todo ou em parte, na

prática de atos ilícitos, previstos em lei como crime ou contravenção penal289.

É de se declarar a incompetência do Tribunal Marítimo nos seguintes casos: a) irregularidade no rol da equipagem. Poder-se-ia argumentar: é extremo de dúvidas que a deficiência da equipagem recrutada sem nenhum respeito às normas regulamentares e da qual faziam parte, quase totalmente indivíduos inexperientes e, até, três menores, constitui fato de navegação, suscetível de apreciação e julgamento pelo Tribunal Marítimo, ex. vi. do citado diploma legal. Nem só a segurança da embarcação, como também das fazendas a bordo, e mais que isso, a própria vida da tripulação, foram postas em risco iminente na aventura tentada, talvez para fins de contrabando. Mas as infrações acima referidas não se enquadram, na verdade, entre os fatos da navegação referidos no art. 15 da Lei n. 2.180/54 (Processo n. 3.270); b) utilização irregular de barco de pesca ou sua entrada em porto (Processo n. 2.518); c) questões sobre indisciplina de competência da polícia naval ou infrações das Leis do Trabalho, quando não configurarem acidentes ou fatos da navegação (Processo nº. 2.314); d) matéria criminal290.

5.4 As Fases do Processo Marítimo

No tocante ao procedimento a ser seguido para apuração da responsabilidade,

a legislação federal (LOTM) estabelece um trâmite processual rigoroso.

Diante de um acidente ou fato da navegação, deve a CAPITANIA DOS

PORTOS instaurar um inquérito, denominado Inquérito Administrativo sobre

Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN), no qual se fará a colheita de prova

testemunhal, verificar-se-á a documentação das embarcações envolvidas e, sempre

que possível, será feita uma análise técnica in loco por pessoal especializado, para

                                                                                                               289 Vide art. 15 da Lei Orgânica do Tribunal Marítimo (LOTM).  290  SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação, Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 399.  

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averiguar o estado das embarcações e eventuais peculiaridades do local do acidente

que possam ter influência no sinistro.

Com base nessas provas, o Encarregado do Inquérito aponta em seu relatório

os possíveis responsáveis, as causas determinantes e os fatores contribuintes para o

evento. Os indiciados são notificados sobre o resultado do IAFN, de modo que

possam apresentar defesa prévia antes do envio do inquérito ao Tribunal Marítimo

(quando somente lá terá início o processo marítimo).

A Lei n. 2.180/54 (LOTM) define o os elementos essenciais do inquérito:

Art. 35. São elementos essenciais nos inquéritos sôbre acidentes e fatos da navegação: a) comunicação ou relatório do capitão ou mestre da embarcação, ou parte de qualquer dos interessados, ou determinação ex-offício ; b) depoimento do capitão ou mestre, do prático e das pessoas da tripulação que tenham conhecimento do acidente ou fato da navegação a ser apurado; c) depoimento de qualquer testemunha idônea; d) esclarecimento dos depoentes e acareação de uns com outros, quando necessário; e) cópias autênticas dos lançamentos diários de navegação e máquina, referentes ao acidente ou fato a ser apurado, e a um período de pelo menos vinte e quatro horas anteriores a tal acidente ou fato, salvo no caso de embarcação dispensada dos lançamentos aludidos quando serão investigados e reconstituídos os pormenores da navegação, rumos, manobras, sinais, etc., mediante depoimentos do capitão ou mestre, e tripulante; f) exame pericial feito depois do acidente ou fato da navegação, e juntada do respectivo laudo ao inquérito; g) juntada ao inquérito dos últimos têrmos de vistoria a que se houver submetido a embarcação, em sêco e flutuando, antes do acidente ou fato a ser apurado, bem como cópia do têrmo de inscrição, caso a embarcação não seja registrada no Tribunal Marítimo; h) juntado ao inquérito, sempre que possível, do manifesto de carga, com esclarecimentos sôbre a forma pela qual se achava tal carga estivada, e, se tiver havido alijamento, juntada ainda ao inquérito de informações concretas sôbre a natureza e quantidade da carga alijada e sôbre o cumprimento das prescrições legais a êsse respeito. Parágrafo único. A autoridade encarregada do inquérito poderá: a) ordenar diligências suscetíveis de contribuir para o esclarecimento da matéria investigada; b) requisitar de outra qualquer autoridade informações e documentos que não possam ser obtidos das autoridades navais.

Recebido o IAFN no Tribunal Marítimo, o inquérito será autuado e distribuído

a um juiz-relator que, em seguida, remeterá os autos do processo à Procuradoria

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Especial da Marinha (PEM), a fim de que esta delibere por seu arquivamento abinitio,

pelo retorno à Capitania de origem para novas diligências ou pela representação

daqueles que entender devam ser responsabilizados pelo acidente ou pelo fato da

navegação, quando terá início o processo marítimo. O processo marítimo poderá

também ser iniciado por iniciativa privada, nos termos do art. 41, inciso II, da Lei n.

2.180/54 (LOTM), denominando-se “Representação de Parte”291. Ou, ainda, poderá

ser iniciado por decisão desse próprio tribunal, merecendo especial atenção:

Art. 41. O processo perante o Tribunal Marítimo se inicia: I - por iniciativa da Procuradoria; II - por iniciativa da parte interessada; III - por decisão do próprio Tribunal.

Conforme se verifica pela leitura do artigo acima em destaque, o processo

marítimo pode ser iniciado por decisão do próprio tribunal. Não obstante, é da

essência da atividade jurisdicional por excelência que ela seja exercida por terceiro

estranho ao conflito (terceiro, aspecto objetivo) e desinteressado dele (imparcial,

aspecto subjetivo)292, de modo que é imperioso realizar a interpretação do art. 41, III,

da LOTM c/c o art. 33, parágrafo segundo, do mesmo diploma legal:

Art. 33. Sempre que chegar ao conhecimento de uma capitania de portos qualquer acidente ou fato da navegação será instaurado inquérito. (...) §2oSe qualquer das capitanias a que se referem as alíneas a, b e c, do parágrafo precedente não abrir inquérito dentro de cinco dias contados daquele em que houver tomado conhecimento do acidente ou fato da navegação, a providência será determinada pelo Ministro da Marinha ou pelo Tribunal Marítimo, sendo a decisão dêste adotada mediante provocação da Procuradoria, dos interessados ou de qualquer dos juízes.

Veja-se que a correta exegese desse dispositivo é no sentido de que a

legislação concedeu ao Tribunal Marítimo o dever de fiscalização. Destarte, caberá ao

tribunal fiscalizar as capitanias no que tange à abertura dos inquéritos quando

decorridos de acidentes ou fatos da navegação, ou seja: o Tribunal Marítimo

determinará a abertura do inquérito nos casos em que, tendo conhecimento do

acidente ou fato da navegação, a Capitania dos Portos não tiver instaurado o inquérito.

                                                                                                               291 Havendo demonstrado interesse de um particular, que pode ser a simples alegação de que o resultado do processo marítimo poderá lhe prejudicar em processo judicial, ainda que movido por terceiros que não participem da lide marítima, este deve promover uma representação de parte, que tanto pode correr sozinha, como simultaneamente a uma representação pública.  292 DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15aed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 107.  

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Por conseguinte, essa providência do tribunal visa tão somente à abertura de

inquérito para apuração dos fatos. Assim, a medida é profilática do interesse da

sociedade. Não há aqui sequelas do sistema inquisitivo, vez que não se identificam

confusão de acusação e julgamento pelo mesmo órgão. A apuração dos fatos, em

princípio, não acusa ninguém, podendo haver até mesmo atos dignos de recompensas

honoríficas, a teor do art. 16, g, da LOTM293. Tanto isso é verdade que há expressa

previsão de regras de impedimento e suspeição que devem ser observadas.

Passada a análise no tocante à instauração do processo marítimo, em seguida,

o juiz-relator, ao receber a representação determinará, a citação dos representados

pelos meios de citação previstos na LOTM – da mesma forma que o CPC294.

Cumprida a citação e a apresentada defesa, passa-se à instrução do processo com a

realização da colheita de provas295, sendo aceitas todas aquelas previstas na legislação

processual civil (testemunhal, documental, pericial etc.):

Art. 17. Na apuração da responsabilidade por fatos e acidentes da navegação, cabe ao Tribunal Marítimo investigar: a) se o capitão, o prático, o oficial de quarto, outros membros da tripulação ou quaisquer outras pessoas foram os causadores por dolo ou culpa; b) se foram fielmente cumpridas, para evitar abalroação, as regras estabelecidas em convenção internacional vigente, assim como as regras especiais baixadas pela autoridade marítima local, e concernentes à navegação nos portos, rios e águas interiores;

                                                                                                               293GONÇALVES PIMENTA, Matusalém. O Processo Marítimo. Barueri: Manole, 2013, p. 69.  294 Art. 54. Será necessária a citação, sob pena de nulidade, no início da causa ou da execução, caso em que se fará por guia de sentença. De modo que sendo incerto ou inacessível o local onde se encontra o representado. faz-se necessária sua citação por edital e, caso não ofereça defesa no prazo estabelecido, sua revelia é declarada e a Defensoria Pública é notificada para atuar no processo.  295 Art. 57. São admissíveis no Tribunal todas as espécies de prova reconhecidas em direito. Art. 58. O fato alegado por uma das partes que a outra não contestar será admitido como verídico, se o contrário não resultar do conjunto das provas. A prova do inquérito será aceita enquanto não destruída por prova contrária. Art. 59. O Juiz ou o Tribunal poderá ouvir terceiro a quem as partes ou testemunhas se hajam referido como sabedor de fatos ou circunstâncias que influam na decisão do feito, ou ordenar que exibam documento que a esta interesse. Art. 60. Independerão de provas os fatos notórios. Art. 61. Aquele que alegar direito estadual, municipal, costumeiro, singular ou estrangeiro, deverá provar-lhe o teor e a vigência salvo se o Tribunal dispensar a prova. Art. 62. No exame das provas de atos e contratos, guardar-se-á o que em geral e especialmente prescrevem as leis que os regulam. Art. 63. A prova que tiver de produzir-se fora da sede do Tribunal será feita mediante delegação de atribuições de instrução ao capitão de portos ou agente consular brasileiro. Art. 64. No que concerne às diversas espécies de provas serão obedecidas as regras do processo comum, na forma estabelecida pelo regimento do Tribunal. Ressalte-se que a prova pericial produzida não é a mesma daquela produzida em fase de inquérito, podendo inclusive ser produzida antecipadamente em urgência (CPC, art. 849).  

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c) se deixou de ser cumprida a obrigação de prestar assistência, e se o acidente na sua extensão teria sido evitado com a assistência solicitada em tempo, mas não prestada; d) se foram fielmente aplicadas as disposições de convenção concernentes à salvaguarda da vida humana no mar e as das leis e regulamentos complementares; e) se o proprietário, armador ou afretador infringiu a lei ou os regulamentos, instruções, usos e costumes pertinentes aos deveres que a sua qualidade lhes impõe em relação à navegação e atividades conexas; f) se nos casos de acidentes ou fato da navegação de que possa resultar a classificação de danos e despesas como avaria comum, se apresentam os requisitos que autorizam a regulação.

Após a apresentação dos memoriais, o relator elaborará o relatório e incluirá o

processo na pauta de julgamento, quando então deverão se manifestar as partes até

que o juiz marítimo pronuncie seu voto seguido pelo voto do relator e o dos demais

juízes. Lavra-se, então, o v. acórdão do Tribunal Marítimo, que poderá ser objeto de

recurso – denominado aqui embargos infringentes – no prazo de 10 dias, tendo como

fundamento recursal fato novo – no caso de acórdão unânime – ou a matéria objeto da

divergência – no caso de acórdão não unânime, reservado ainda o direito da parte de

opor Embargos de Declaração no prazo de 48 horas:

Art. 105. Os recursos admitidos são os seguintes: a) embargos de nulidade ou infringentes; b) agravo; c) embargos de declaração. DOS EMBARGOS INFRINGENTES Art. 106. É passível de embargos a decisão final sobre o mérito do processo, versando os embargos exclusivamente matéria nova, ou baseando-se em prova posterior ao encerramento da fase probatória, ou ainda, quando não unânime a decisão, e, neste caso, serão os embargos restritos à matéria objeto da divergência. Art. 107. Os embargos, que deverão ser opostos nos dez dias seguintes ao da publicação do acórdão no órgão oficial, serão deduzidos por artigos. Art. 108. Admitido o recurso e designado novo relator, o embargado terá o prazo de dez dias para oferecer a impugnação. § 1º O prazo para o preparo do recurso será de três dias contados da ciência do recebimento, sob pena de deserção. § 2º Se a Procuradoria oficiar no processo somente como fiscal da lei, terá, por último, vista dos autos para dizer sobre os embargos. § 3º A seguir, os autos serão conclusos ao relator para pedido de julgamento. DO AGRAVO Art. 111. Caberá agravo para o Tribunal por simples petição: I - Dos despachos e decisões dos juízes: a) que não admitirem a intervenção de terceiro na causa como

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litisconsorte ou assistente; b) que concederem ou denegarem inquirição e outros meios de prova; c) que concederem grandes ou pequenas dilações para dentro ou fora do país; d) que deferirem, denegarem, ou renovarem o benefício da gratuidade. II - dos despachos e decisões do presidente: a) que admitirem ou não recurso ou apenas o fizerem em parte; b) que julgarem ou não reformados autos perdidos em que não havia ainda decisão final; c) sobre erros de contas ou custas; d) que concederem ou denegarem registro. Art. 112. O agravo é restrito ao ponto de que se agravou, ao qual o Tribunal deverá limitar a sua decisão, de que não haverá embargos. §1º O recurso terá efeito suspensivo, tão somente, porém, em relação ao ponto agravado. §2º O prazo para a interposição do agravo, será de cinco (5) dias e o seu processamento na forma do Código de Processo Civil, arts. 844 e 845, incisos e parágrafos. §3º No Tribunal o agravo será distribuído a um juiz desimpedido que pedirá sua inclusão em pauta para julgamento, com preferência nos trabalhos do dia, quando o relatará. §4º Provido ou não o recurso, os autos baixarão ao relator do feito principal, para o seu prosseguimento. DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Art. 113. Às decisões do Tribunal podem ser opostos embargos de declaração no prazo de quarenta e oito horas, contados da publicação no órgão oficial, quando apresentarem ambiguidades, obscuridade, contradição ou omissão. Art. 114. Os embargos de declaração serão deduzidos em requerimento de que devem constar os pontos em que a decisão for ambígua, contraditória ou omissa. §1º Se a petição não apontar qualquer dessas condições, será desde logo indeferida. §2º O julgamento de embargos de declaração terá preferência na pauta dos trabalhos do dia.

Registre-se que vale a aplicação dos princípios recursais – princípio da

taxatividade, da singularidade, da fungibilidade, da reformatio in pejus–, também no

processo em curso no Tribunal Marítimo que, por sue turno, possui características

próximas com a estrutura organizacional judiciária – bem como possui a atribuição de

proferir decisão indicando os responsáveis pelo acidente ou fato da navegação,

aplicando-lhe sanções previstas na legislação marítima; ainda, os juízes marítimos

possuem garantias equivalentes às garantias e prerrogativas de juízes para seus

membros e jurisdição em todo o território nacional.

Registre-se que, há inclusive aplicação subsidiária das regras processuais:

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REGIMENTO INTERNO DO TM Art. 155 - Nos casos de matéria processual omissa nesta lei, serão observadas as disposições das leis de processo que estiverem em vigor.

Conforme se verifica nas linhas acima, a competência do tribunal decorre

exclusivamente de acidente e fatos da navegação. Após minucioso trâmite processual,

em que o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório são devidamente

observados, definem-se a natureza, as causas, as circunstâncias e a extensão do evento

danoso, indicando-se os responsáveis pelo acidente ou fato da navegação e aplicando-

se a sanção prevista em lei. E por essa razão vale aqui a importante observação de que

essa decisão possui natureza jurisdicional, razão pela qual não deve ser descartada ou

revista pelo Poder Judiciário, ainda que suscetível de revisão em alguma medida.

5.5 Os Efeitos da Decisão do Tribunal Marítimo  

Cumpre ainda registrar que – a despeito da penalidade administrativa imposta

no acórdão marítimo – haverá ainda a necessidade de utilizá-lo em eventual ação

judicial que o tenha como causa de pedir remota, de modo a permitir uma

verdadeira “jurisdição compartilhada” com o Poder Judiciário que deverá promover

continuidade ao julgamento da nova questão (de fundo marítimo), que exsurge –

agora – de natureza diversa (ilícito civil absoluto ou relativo). Tal fenômeno se

designa, na teoria geral dos fatos jurídicos, de incidência múltipla296.

Um mesmo acidente ou fato da navegação potencialmente irradiará ações

judiciais em diferentes ramos do direito (caso de múltipla incidência). Uma

abalroação entre dois navios, por exemplo, pode desencadear: ações penais por

eventuais crimes contra o meio ambiente ou por lesões corporais causadas aos

tripulantes; ações de indenização por responsabilidade contratual pelos interesses das

cargas embarcadas nos dois navios; ações de indenização por responsabilidade

extracontratual do operador do navio considerado culpado; ações civis públicas por

dano ambiental; ações trabalhistas da tripulação, etc. Nesse contexto, torna-se

extremamente danoso ao país – até mesmo como ambiente de negócios – que a causa,

                                                                                                               296 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, v.1, p. 17. SILVIO RODRIGUES. Direito Civil, v. 1, p. 327, n. 144. In: ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: RT, 2012, p. 178.  

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o dano e a responsabilidade apontada pelo fato ou acidente da navegação se realizem

de forma razoavelmente previsível297.

Não há razão que justifique reexaminar o mérito do acórdão do Tribunal

Marítimo que tenha observado os atributos de uma resposta de qualidade: justa,

jurídica, econômica, tempestiva e de razoável previsibilidade – dentro dessa

MUDANÇA DE PARADIGMA da função legitimante do Estado. Nesse cenário,

pode-se afirmar que essa decisão tem não só natureza jurisdicional, mas que a

resposta pronunciada por esse órgão é de qualidade. Por isso, da mesma forma que no

julgamento de causas relativas aos fatos e acidentes da navegação o Tribunal

Marítimo não pode exceder os limites de suas atribuições, o Poder Judiciário não deve

conhecer em toda sua extensão a matéria arguida, na forma do art. 19 da LOTM, bem

como do que aqui se denominou jurisdição compartilhada.

É o art. 18 c/c o art. 19 que torna obrigatória a apresentação da decisão que

analisa a matéria (rectius: causa, extensão e responsabilidade do acidente ou fato da

navegação) pela corte marítima, o que poderia inclusive significar que se trataria de

uma nova condição (da ação – inciso VI) ou, dependendo do posicionamento

doutrinário que se adota, de um pressuposto processual (de desenvolvimento regular

do processo – inciso IV298) que deve ser estritamente observado para a obtenção de

eventual provimento judicial em relação a matérias correlatas.

Analisando o tema na época da denominação do Tribunal Marítimo

Administrativo para Tribunal Marítimo, o Ministro Hahnemann Guimarães sustentou:

A lei ordinária fixa as condições para o pedido da tutela jurídica; fixa as condições da ação; entre as condições fixadas para a ação, relativa aos fatos e acidentes da navegação, estabeleceu a lei, como já disse, como prova essencial, e pré-constituída, o julgamento do Tribunal Marítimo Administrativo, o que se compreende, o que se justifica, por si mesmo, porque o Tribunal Marítimo Administrativo, é um colégio de técnicos, de profissionais especializados em construção naval, em armação de navios, em navegação e, mesmo, em direito marítimo. A lei apenas exige que, para ser deferida a tutela jurídica dessa matéria, venha o autor a juízo munido do

                                                                                                               297Vale lembrar que um dos fatores analisados pelas agências internacionais de rating para avaliar o risco do Brasil como ambiente de negócios é justamente a insegurança jurídica.  298Nessa hipótese, a decisão da corte marítima é documento indispensável à propositura da ação por exigência expressa contida na legislação marítima.Os documentos indispensáveis à propositura da ação, e que devem ser instruídos com a inicial, são aqueles que comprovam a ocorrência da causa de pedir (documentos fundamentais) e, em casos específicos, os que a própria lei exige como da substância do ato que está sendo levado à apreciação (documentos substanciais). STJ, RESP 1.040.715, Terceira Turma, Ministro Massami Uyeda, DJe 20/5/2010.  

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julgamento do Tribunal Marítimo Administrativo, como um elemento essencial da ação. Mas com isso não se restringe o poder que compete à instância judiciária”299.

É nesse sentido que deveria ser interpretada a lei da corte marítima ao se

referir que o acórdão se presumirá certo, porque passível de estabilidade, e possuirá

valor probatório, porque é documento obrigatório, em ações judiciais, que tenha como

causa de pedir remota a decisão marítima, podendo, somente ser revisto pelo Poder

Judiciário dentro dos limites legais (rectius: regularidade formal), ou quando cumprir

seu papel de documento indispensável, nada impede que a decisão do Poder Judiciário

distinga-se daquela, porque considerou elementos que não aqueles de competência

exclusiva do Tribunal Marítimo, à exemplo de uma relação extracontratual, que

advém de implicações legais e não contratuais.

Nessa linha de raciocínio acima desenvolvida, o acórdão do Tribunal

Marítimo constituirá sempre um documento indispensável para eventual propositura

de ação judicial que tenha como causa de pedir remota o acidente da navegação

(LOTM, art. 19). Tal entendimento não compromete o princípio do acesso à justiça

(CF/88, art. 5º, XXXV), uma vez que não impede o exercício do direito de ação. De

modo análogo, tem-se a exigência de interesse processual e legitimidade de causa, os

requisitos e documentos indispensáveis da petição inicial, a exigência de caução para

estrangeiros, o depósito da ação rescisória, a necessidade de apresentação de título

executivo, o prazo do mandado de segurança, dentre outras hipóteses do sistema.

De modo que, conforme as premissas traçadas a mais de espaço,verificada a

ausência do documento indispensável300 (rectius:acórdão do Tribunal Marítimo) na

petição inicial do processo indenizatório, nos termos da legislação em vigor (CPC, art.

283),deveria o magistrado promover imediatamente a extinção do processo sem

julgamento de mérito (CPC, art. 267, I)301,ou mesmo, a suspensão do processo

                                                                                                               299Recurso Extraordinário n. 10.010 da Bahia, rel.: Min. Ribeiro da Costa, Revista de Direito Mercantil, São Paulo, 1951, n. 4, p. 791.  300 A petição inicial deve vir acompanhada dos documentos indispensáveis à propositura da causa. Como regra, deve-se produzir a prova documental no momento da postulação (CPC, art. 396). Consideram-se indispensáveis tanto os documentos que a lei expressamente exige para que a demanda seja proposta (título executivo, na execução; prova escrita, na ação monitória etc.). In: DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 15a ed. Vol. 1. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 468.  301 PROCESSO CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTOS. DETERMINAÇÃO DE DESENTRANHAMENTO. PODERES INSTRUTÓRIOS

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judicial, em razão da prejudicialidade externa da decisão (CPC, art. 265, IV, “a”) –

TODAVIA, não é assim que se interpreta a LOTM, que ainda é presa a conceitos não

contextualizados e atualizados em um Estado Democrático de Direito (EDD).

Ou seja: tem-se ainda hoje a equivocada interpretação de que a vítima

não precisaria aguardar a decisão marítima para que ingresse na justiça comum.

Tomando com base essa interpretação equivocada para os fins do presente

trabalho, que tem por escopo o conceito de jurisdição e acesso à justiça, pode-se

afirmar que a decisão marítima não possuiria qualquer importância jurídica, uma vez

que de nada serviria uma estrutura de qualidade montada para identificar o evento

danoso e a autoria daquele que deu causa ao acidente da navegação, se a interpretação

que se faz é aquela que toma como facultativo a juntada desse documento.

Nessa linha de raciocínio, tendo como base a interpretação de que a decisão

marítima passa a ser uma facultatividade da vítima para o ingresso judicial, não há

como se sustentar eventual inconstitucionalidade da regra do art. 529, X do NCPC

que atribui ao acórdão marítimo força de título executivo, haja vista que a vítima

poderá optar por entrar com uma ação de conhecimento no Poder Judiciário ou então

aguardar a decisão marítima e utilizá-la como título executivo, se devidamente

preenchido o requisito intrínseco a todo título, a certeza da obrigação. Não havendo a

certeza da obrigação de reparação em relação a qualquer um dos envolvidos no

acidente marítimo, continuará a valer como causa de pedir remota.

Em suma: i) a interpretação adequada que faria sentido neste trabalho,

considerando as premissas previamente lançadas, seria a de que haveria

obrigatoriedade da decisão marítima ser anexada em eventual ação judicial,

consistindo documento indispensável da propositura da ação (CPC, art. 283); ii) a

interpretação atual que se faz, não obstante, é no sentido contrário, de que seria uma

faculdade do jurisdicionado a juntada desse documento, que mesmo tendo sido

apresentado, poderia vir a ser substancialmente alterado, de modo que de quase nada

valeria a decisão marítima; e iii) partindo da premissa equivocada atual de que se trata

de uma facultatividade, nada impede que o NCPC resgate a importância dessa decisão

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             DO JUÍZO. RELATIVIZAÇÃO. NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO. 1. É admitida a juntada de documentos novos após a petição inicial e a contestação desde que: (i) não se trate de documento indispensável à propositura da ação; (ii) não haja má fé na ocultação do documento; (iii) seja ouvida a parte contrária (art. 398 do CPC). Precedentes. (...) (REsp 1072276/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 12/03/2013).  

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atribuindo força de título judicial, nas hipóteses em que a certeza da decisão marítima

se encontrar preenchida, ou quando não estiver “certa” a decisão, assumirá valor

probatório, no sentido de que será a causa remota que embasará processo judicial.

5.5.1 Título Executivo Judicial (NCPC)

Cumpre ressaltar que o PL n. 8.046/2010, que organiza o Novo Código de

Processo Civil (NCPC), corrobora o exposto até então, no sentido de que é necessário

o máximo de aproveitamento da atividade previamente exercida. Desse modo, o art.

529, inciso X, do PL n. 8.046/2010 –versão aprovada pela Câmara dos Deputados302 –

estabeleceu que o acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo – a exemplo da decisão

(laudo) arbitral – constituiria também título executivo judicial:

Art. 529. São Títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa; II – a decisão homologatória de autocomposição judicial, ainda que inclua matéria não posta em juízo; III – a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza; IV – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a titulo singular ou universal; V – o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem disso aprovados por decisão judicial; VI – a sentença penal condenatória transitada em julgado; VII – a sentença arbitral; VIII – a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; IX – a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça; X – o acórdão proferido pelo tribunal marítimo quando do julgamento de acidentes e fatos da navegação.

Ao que parece, com a mudança em destaque, robustece-se o entendimento de

que as decisões de competência do Tribunal Marítimo (rectius: acidentes e fato da

navegação) teriam natureza jurisdicional, sendo ele o órgão que: i) definirá a natureza

do acidente ou do fato da navegação, determinando-lhes as causas, circunstâncias e

extensão; ii) indicará os responsáveis e aplicar-lhes-á as penas estabelecidas na lei; e

iii) proporá medidas preventivas de segurança da navegação. Ou seja, é o Tribunal

                                                                                                               302http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=AEC4FD1FD9B1EE503EC33E468771CFEB.proposicoesWeb1?codteor=1246935&filename=Tramitacao-PL+8046/2010  

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Marítimo que realiza a interpretação da problematização do caso concreto,

devidamente autorizado por lei, para decidir sobre a autoria do fato marítimo.

Assim, e partindo da premissa que a natureza dessa decisão é jurisdicional,

nada impede que a legislação infraconstitucional também a considere um título

executivo – também documento indispensável, agora, para a propositura de uma ação

de execução, tendo por base uma decisão que explicite a autoria do acidente da

navegação e eventual prejuízo. É o requisito constante da certeza (existência da

obrigação), em tese, suficientemente apto para o início do processo executivo:

Em que pesem algumas restrições, subordinadas a certeza que revestirá o título, à simples explicitação da natureza do direito nele previsto, tal atributo se relaciona, mesmo, à existência do crédito. É o que se inferia do art. 1533 do CC/16 que rezava: “Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto”. Embora sem equivalente no texto do CC/02, permanece exata a lição de Pontes de Miranda: “A certeza, que o juiz aprecia, é da existência da obrigação, diante apenas do título (sentença, ou título extrajudicial), e não só dos pressupostos formais do título executivo. Por isso, dos três atributos do título, apenas a certeza é constante, jamais surgindo posteriormente ao seu nascimento303.

Trata-se de uma opção legislativa que – da mesma forma ocorrida no instituto

da arbitragem, entendeu por bem arrogar-se a esta decisão de natureza jurisdicional

implicações equivalentes a de uma decisão judicial. Para uma análise mais detida a

respeito dessa inovação, cumpre observar o art. 583 do CPC/73, que estatui: “toda

execução tem por base título executivo, judicial ou extrajudicial”.

É cediço que o título executivo é pressuposto de qualquer execução. Ou seja:

não há execução sem título, uma vez que se trata de “documento indispensável”

(rectius: necessário e suficiente) para a ação de execução. Usualmente o título

costuma ser encarado de dois sentidos diversos: um interno – o ato jurídico do qual

derivou o direito – quando se fala, por exemplo, em aquisição do domínio a título de

compra e venda ou a título de sucessão; outro, externo – a prova escrita daquele ato, o

documento –, quando se cogita, verbi gratia, da sentença, da letra de câmbio, etc.304.

                                                                                                               303 ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: RT, 2012, p. 166.  304 THEODORO, Humberto. Processo de Execução, São Paulo: Leud, 1991, p. 92.  

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Na concepção de Salvatore Satta, o título executivo nasce de uma

necessidade prática: criar uma norma de conduta que importa em substituir uma

atitude, ou comportamento, de pessoa de direito privado ou público, a ela

emprestando uma valoração absoluta capaz de impedir qualquer resistência do

devedor ao direito do credor de executar o crédito, sendo, por esse motivo, o título

executivo e o crédito uma unidade que pode ser enfocada de dois aspectos305.

Na verdade, o título que se reclama como pressuposto da execução forçada é

tanto título-documento como título-ato. O título não é só prova, nem só documento,

mas sim um fato complexo306, semelhante ao acórdão da corte marítima.

Na lição de Sérgio Shimura:

Os títulos executivos podem ser classificados em judiciais ou extrajudiciais, sendo que, via de regra, os judiciais constituem declarações de vontade concreta da lei, manifestada pelo órgão jurisdicional, e os extrajudiciais resultam, em principio, diretamente da declaração de vontade das partes envolvidas no ato, mas não necessariamente307.

O rol do art. 584 – TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL é taxativo, não

permitindo interpretação extensiva ou recurso à analogia, a despeito do

posicionamento no tocante a sentença liminar. Já o art. 585 do CPC – TÍTULOS

EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS – permite um alargamento, tendo em vista o

disposto no inciso VII. TODAVIA, nada impede que o elenco do art. 584 do CPC seja

ampliado, desde que o seja por intermédio de lei ordinária e não por mera ampliação

legislativa, de modo que é a lei a fonte para que um título seja executivo judicial308.

Acrescenta Sérgio Shimura:

A força executiva de um título deriva de lei, de natureza processual, e não propriamente do ato ou fato que o mesmo atesta. Uma nota promissória, por exemplo, conquanto título de crédito, abstrato e autônomo, poderia não se constituir em título executivo se a lei, de cunho processual, assim pretendesse309.

                                                                                                               305 SATTA, Salvatore. Direito Processual Civil. L’Esecuzione Forzata, Vol. 15, 4aed. Torino: Utet, 1973, p. 534.  306 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 137.  307 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 210.  308 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 211.  309 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 187.  

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Vale aqui relembrar novamente o instituto da arbitragem. No tocante à

“jurisdicionalidade da arbitragem”, Carlos Alberto Carmona antevia a tendência de

ampliar o conceito de jurisdição na medida em que aumentaria o grau de participação

e o interesse popular na administração da justiça (escopo político da jurisdição dentro

de um Estado Democrático), afirmando não ser possível conceber um conceito

estático e imutável de jurisdição ao longo da história310 – quando teve sua expectativa

atendida, como se percebe com a vigência da Lei n. 9.307/96, que atribuía àquele

laudo arbitral força de sentença imutável, dispensando homologação, de modo que

permitiu a celeridade do procedimento sem qualquer custo ao erário.

Em sede doutrinária, há também quem criticasse a classificação da sentença

arbitral como título judicial, ao fundamento de que o ato provém de um juiz privado,

sem jurisdição, e de que sua validade não fica sequer acobertada pela coisa julgada311

TODAVIA, por opção legislativa é título judicial. Equiparou-se a decisão arbitral à

decisão jurisdicional – por decorrência, a sentença arbitral produz os mesmos efeitos

da judicial: “cria declara ou extingue relação jurídica pondo fim ao litígio e faz coisa

julgada material”312. Logo, sentença arbitral condenatória, sendo título judicial,

comporta execução definitiva a ser instaurada no Poder Judiciário.

Desse modo, causas de enorme complexidade passaram a ser resolvidas por

especialistas na matéria. Aqui – e por força de lei – impor-se-á também a decisão

marítima o caráter vinculativo na hipótese de incontrovertibilidade quanto à

existência do fato e da autoria do acidente ou do fato da navegação.

Diante da ausência de confronto com o conceito clássico do princípio do

acesso à justiça – além da facultatividade da obtenção do pronunciamento marítimo,

mas também em razão da possibilidade de revisão da matéria no tocante às questões

de natureza formal (nulidade de citação, inexigibilidade do título, ilegitimidade da

parte, excesso de execução ou se fundado em lei inconstitucional) –, nada impede que

o legislador infraconstitucional considere título executivo judicial o acórdão do

                                                                                                               310 CARMONA, CARLOS ALBERTO. A arbitragem no Brasil no terceiro ano de vigência da Lei 9.307/96.São Paulo: Revista de Processo - RePro n. 99, ano 2000, p. 85-98.  311 ZAVASKI, Teori. Título Executivo e Liquidação. São Paulo: RT, 2001, p. 91 e GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 153.  312 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 357.  

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Tribunal Marítimo, tendo em vista que o que ali se anuncia é o procedimento de

defesa a ser observado, mais restrito se considerado título executivo extrajudicial313.

É importante lembrar, neste ponto, que obrigação e título dizem respeito à

fenômenos distintos. Os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade dizem respeito

ao objeto do direito cuja execução se pretende operar, não ao título em si

considerado314. A lei processual separa o título da causa da obrigação, reconhecendo

eficácia própria, abstraindo-se de seu fundamento. Portanto, a força executiva emana

do título; nesses termos, é legitimo que a verdadeira função do título executivo seja

criar condições para ação executiva315. O título tem quanto a ela eficácia constitutiva.

Nas palavras de Sérgio Shimura:

O exercício da ação de execução é formalmente viável, conquanto possa vir a ser frustrado com a oposição de embargos do devedor. Veja-se o exemplo do contrato de locação: para o direito processual é suficiente analisar se o contrato é escrito e enquadrável no tipo legal. Não interessa saber se as partes são maiores e capazes, o conteúdo das clausulas, a licitude do objeto que em rigor devem ser objeto de analise ao enfoque do direito material. O credor não precisa provar que o conteúdo (ato jurídico) inserto no continente (documento) revela obrigação do devedor insatisfeita. O credor acha-se em posição mais fortalecida a que existe forte dose de presuntividade do credito que emerge do titulo. Situa-se em posição mais confortável, comparada aquela do credor no processo de conhecimento. É obvio que essa presunção é apenas relativa, juris tantum, o devedor pode destruir tal presunção por meio de outra ação, de conhecimento, que é a de embargos do devedor, que possui caráter desconstitutivo ou constitutivo negativo. Por outras palavras, o credor não tem a garantia absoluta de que a obrigação será satisfeita, pode nunca ter existido, pode não mais existir, total ou parcialmente, ou ainda estar prescrita316.

É interessante observar que o art. 586 do CPC alude a título líquido, certo e

exigível. De modo que não é o direito como previsto, por exemplo, para o mandado

de segurança – que deva ser líquido, certo e exigível – , mas sim um título cuja função

é documentar um direito. No ponto em análise, e certificada a responsabilidade do

acidente ou fato da navegação, certo que o requisito da liquidez poderá necessitar de

                                                                                                               313 Ad argumentandum tantum, poder-se-ia considerar a decisão um título executivo extrajudicial com uma matéria de defesa mais ampla do que aquela prevista nos títulos executivos judiciais, permitindo, assim, de forma subsidiária, o acesso à justiça pelo Poder Judiciário de forma mais completa.  314 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil – Princípios Fundamentais. São Paulo: RT, 2002, p. 131.  315 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 139.  316 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 147.  

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um processo complementar que preencha o título. No tocante ao requisito da liquidez,

tem-se que o art. 1.533 do CC/16 não foi repetido, mas pode-se depreender que o

título é liquido quando contém a determinação da importância da prestação.

Ainda na lição do emérito Sérgio Shimura:

Quando se fala em liquidez, em princípio, podem-se afastar alguns tipos de objeto de relação obrigacional, por exemplo, obrigação de fazer ou não fazer. Sendo assim como regra o requisito da liquidez refere-se apenas aos direito e obrigações que tenham por objeto coisas fungíveis como e o caso dos créditos em dinheiro ou das obrigações de dar coisa determinada (CPC, art. 629) p. 197 e liquida a divida quando a importância se acha determinada em todos seus elementos de quantidade, qualidade, natureza. O valor do título para cumprir o requisito da liquidez, não precisa necessariamente estar declinado em moeda corrente nacional, é suficiente que a quantia seja determinável, isto é, que contenha os indicativos suficientes para que, mediante simples operação aritmética, chega-se ao valor. Nessa ótica conclui-se que os títulos extrajudiciais devem sempre ser líquidos, sendo no caso de decisão judicial condenatória ilíquida, antes de proceder a execução, impõe-se fixação do objeto da condenação e determinação do valor. 199 A finalidade da ação de liquidação e do correspondente processo é distinta da objetivada na ação condenatória, nela tem-se em mira determinar, quantitativamente, o montante (liquidez) ou individuar a natureza, objeto (certeza) do direito contido na condenação anterior, complementando-a para transmudá-la em título executivo apto a embasar a futura e subsequente atuação in executivis317.

Com o advento do CPC/73, o termo executivo foi unificado, passando-se a

adotar um sistema unitário. Em relação ao procedimento da ação de execução, os

títulos executivos extrajudiciais foram equiparados aos títulos judiciais, havendo

diversidade de tratamento apenas quanto ao modo de defesa318. Isto é, se o título

executivo for extrajudicial, o repertório de matérias impugnativas é de maior

abrangência que o judicial (CPC, art. 741 e 745).

Portanto, a classificação de um título, seja judicial ou extrajudicial, em

executivo é mera questão de política legislativa319, razão pela qual não há nada que

impeça que se atribua força de título executivo judicial (ou mesmo extrajudicial) ao

acórdão da corte marítima por meio da proposta do Novo Código de Processo Civil.

                                                                                                               317 ARRUDA, Antônio Carlos Matteis. Liquidação de Sentença, São Paulo: RT, 1981, p. 184.  318 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 122.  319 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 124.Logo, não significa que um título executivo judicial necessariamente tenha que ser expedidos por uma autoridade judicial, a exemplo da sentença arbitral que é título judicial e não foi articulada por um órgão que componha formalmente a estrutura do Poder Judiciário (CF/88, art. 92).  

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Optando-se pelo título executivo extrajudicial, tem-se por parâmetro a

assunção de riscos em nome da probabilidade razoável. O legislador dá primazia à

efetividade do processo, sendo preferível o risco de permitir a instauração do processo

executivo, em vez de submeter o credor ao processo de conhecimento, já que as

vantagens obtidas na maioria dos casos têm muito mais significado social que

eventuais males sofridos, em casos proporcionalmente reduzidos320.

Não é a natureza da obrigação que qualifica um título como executivo,

mas sim sua inclusão dentre os títulos executivos por disposição legal expressa321.

O que importa é a catalogação legal, feita pelo código processual ou por lei

extravagante – via de regra, por meio de lei de natureza federal.

Assim, ainda que seja judicial ou extrajudicial, a eficácia do título executivo é

a mesma no sentido de autorizar a instauração do processo e constrição dos bens do

devedor322 – na medida em que o processo executivo não permitirá maior divagação

em matéria contestatória. Caso o devedor tenha defesa a declarar, reserva-se os

embargos do devedor, sendo essa a maior consequência na distinção dos títulos.

Veja-se que o Novo Código de Processo Civil (NCPC) – se assim aprovado –

nada mais faz que reconhecer a natureza jurisdicional das decisões proferidas por esse

tribunal, à luz do direito processual civil contemporâneo. Isso porque, ainda que se

considere o conceito clássico de jurisdição e acesso à justiça, a composição desse

órgão encontra-se devidamente estruturada imparcialmente, sendo respeitados todos

os trâmites processuais do devido processo legal323, terceiro imparcial, decisão

imperativa, concreta e criativa, com o objetivo de tutelar direitos e deveres dos

responsáveis pelo evento e com impossibilidade de controle externo, limitada as

                                                                                                               320 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 365.  321 MENDONÇA LIMA, Alcides. Comentários ao CPC. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p.364.  322 SHIMURA, Sérgio. Titulo Executivo. São Paulo: Método, 2005, p. 366.  323 Conforme exposto em tópico específico, processo marítimo inicia-se com a autuação da petição inicial que é distribuída a um relator. Acolhendo-a, determinará a citação do réu para defesa em 15 dias, seguida da colheita de provas do fato ou acidente da navegação. Após a fase de instrução, o relator elabora o relatório e submete-o ao revisor para inclusão em pauta, sendo as partes intimadas na data do julgamento para se manifestarem ou sustentarem oralmente suas razões na sessão. Passada essa fase, inicia-se o debate dos magistrados e os votos são proferidos. Havendo empate, vota o presidente. Há previsão de recursos, sendo eles: das decisões monocráticas caberá o recurso de agravo de instrumento, das decisões caberá embargos de declaração e embargos infringentes, esse último em face das decisões não unânimes ou baseadas em prova nova.  

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hipóteses de acidente e fato da navegação324. Inclusive, poder-se-á falar que a decisão

marítima ensejará coisa julgada no juízo cível quando certa a obrigação.

Note-se que não há inconstitucionalidade nesse novo dispositivo legal, haja

vista que o lesado pelo delito civil continuará livre para propor, desde logo, ação de

conhecimento, mas poderá aguardar o desfecho do processo marítimo, que, em

conformidade com o disposto no art. 18 e 19 da LOTM, torna certa a obrigação –

sendo passível de execução, com a ressalva de que, ainda que remanesça, nos casos

em que não for possível essa execução (ex.vi. por deficiência na certeza da

obrigação), servindo, nessa última hipótese, como valor probatório, uma vez que

constituirá a causa de pedir remota de eventual ação judicial.

Na realidade, a repercussão dessa inovação legislativa, ad extra, do julgado

marítimo não se cingirá à declaração da responsabilidade, a regra inédita outorgou à

decisão marítima condenatória efeito anexo de conferir título executivo em favor

daquele que foi vítima/lesado no acidente da navegação. O lesado que optou pela

inércia, na expectativa do resultado marítimo, quando há condenação pelo acidente da

navegação não precisa ajuizar ação reparatória, valendo-se apenas da

incontrovertibilidade quanto à existência do fato ou da autoria.

Nesse ponto, cumpre registrar a possibilidade de eventual revisão da decisão

marítima, mesmo que ela gere coisa julgada no juízo civil. Mutatis mutandis,

empresta-se aqui reflexão no tocante a sentença penal condenatória.

Alexandre Freitas Câmara afirma que a questão não se resume somente pela

rescindibilidade ou não do título executivo diante da procedência da revisão criminal,

mas pelo momento que ela ocorre e qual a fundamentação a ela dada325. Nesse

cenário, será necessário a análise do momento que se encontra a execução da decisão

submetida a revisão: se a revisão da decisão ocorreu antes ou no curso da execução da

sentença marítima, este título executivo não poderá ser executado diante da

                                                                                                               324 O Tribunal Marítimo atuará concretamente naquelas hipóteses em que ocorrer naufrágio, encalhe, colisão, abalroamento, água aberta324, explosão, incêndio, varação324, arribada, alijamento324 e qualquer avaria/defeito no navio ou nas suas instalações que ponha em risco a embarcação, as vidas ou as fazendas de bordo 324, bem como nas hipóteses de mau aparelhamento ou a impropriedade da embarcação, deficiência da equipagem, alteração de rota, má estivação da carga, recusa injustificada de socorro, os fatos que prejudiquem a incolumidade e a segurança da embarcação na prática de ilícitos.  325 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Editora Lumens Iuris, 2006, p. 195.  

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inexistência da obrigação, contudo, se a execução estiver terminada, a fundamentação

da revisão será determinante. E acrescenta Câmara:

Caso a absolvição por meio da procedência da Revisão Criminal se deu em razão de causa que exclui a responsabilidade civil do condenado, como o reconhecimento de que este não é o agente do fato ou que agiu em legítima defesa, será coerente verificar se o processo de revisão criminal foi proposto antes ou depois dos dois anos do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.Isto porque, o prazo de dois anos, é o prazo dado para propositura da Ação Rescisória, assim, depois de transcorrido o referido prazo, estaria os efeitos civis, da sentença penal condenatória, cobertos pelo manto da coisa soberanamente julgada.(...) Destarte, executado o título formado pela sentença penal condenatória, já líquido pela determinação do mínimo, ou realizada a execução do valor a ser reivindicado pela vítima, diante de sua insatisfação com o quantum sentenciado em seara criminal, caberá a exigência de repetição do indébito por parte do condenado, se comprovado afastamento da responsabilidade civil e se este o fizer dentro do biênio determinado para revisão da coisa julgada na seara cível326.

Em suma: o efeito da decisão marítima será a de tornar certa a obrigação de

reparar o dano causado pelo acidente marítimo, fazendo coisa julgada na esfera civil,

no sentido de que não mais será possível discutir os fatos e autoria da condenação.

Essa decisão servirá como título executivo judicial no juízo cível, portanto,

possibilitando ao jurisdicionado a reparação do prejuízo sem a necessidade de uma

ação de conhecimento, valendo a ressalva de que será necessário a ação de liquidação,

nos termos do art. 475-N do CPC para determinar o quantum, ou seja, o valor da

indenização do dano, para, em seguida, ser promovida a execução civil. Nada impede

que tramite uma ação de conhecimento, não sendo necessário aguardar o desfecho da

decisão marítima, porque, em tese, há a facultatividade de instâncias, contudo,

havendo a determinação da causa, extensão e autoria do acidente marítimo não mais

se poderia questionar, de forma que restaria prejudicada a ação de conhecimento nesta

questão, ou, para evitar decisões conflitantes, deveria-se realizar a suspensão da ação

civil (CPC, art. 265, IV, § 5º, do CPC). Havendo revisão da decisão marítima, o título

anterior será eliminado, de modo que, se foi iniciada a execução civil, deverá ser

julgada extinta devido a inexigibilidade do título, se tiver sido encerrada, caberá a

restituição no caso de inexistência do fato ou da autoria do acidente marítimo327.

                                                                                                               326 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Editora Lumens Iuris, 2006, p. 195-196.  327  CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL. A absolvição, por falta de

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5.6 Limites da Revisão Judicial

A redação original do art. 18, da Lei n. 2.180, de 5 de fevereiro de 1954

(LOTM), era a seguinte:

Art. 18. As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem certas, sendo suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário somente quando forem contrárias a texto expresso da lei, prova evidente dos autos, ou lesarem direito individual.

A Lei n. 5.056, de 29 de junho de 1966, alterou a redação do artigo 18 da

LOTM, que passou a ter a seguinte redação:

Art. 18. As decisões do Tribunal Marítimo, nas matérias de sua competência, têm valor probatório e se presumem certas, sendo suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário somente nos casos previstos na alínea a, do inciso III, do art. 101 da Constituição”.

A Constituição referida pelo art. 18 era a de 1946, cuja alínea “a”, do inciso

III, do art. 101, estabelecia a competência para o Supremo Tribunal Federal (STF)

julgar em última ou em única instância as causas decididas por outros tribunais ou

juízes, quando “a decisão fosse contrária a dispositivo da Constituição ou à letra de

tratado ou lei federal”.

No sentido de adequar-se o texto da LOTM à Constituição Federal de 1988,

pois havia sido criado o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e aquelas matérias, antes

de competência exclusiva do STF, passaram a competir em parte ao STJ (art. 105,

inciso III, alínea “a”), permanecendo na competência do STF apenas a parte primeira

do art. 18, por força do art. 102, inciso III, alínea “a”, o Poder Executivo remeteu ao

Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 1.086/95, mantendo o art. 18 com o mesmo

texto, alterando apenas a numeração dos artigos da Constituição Federal/88

mencionados anteriormente.

O legislador aparentemente decidiu simplificar o texto do PL n. 1.086/95,

suprimindo a parte final que fazia referência aos artigos que tratavam de violação à

Constituição Federal, a tratados e à lei federal. O PL foi transformado na Lei n. 9.578,

de 19 de dezembro de 1997, que deu ao artigo 18 da LOTM sua atual redação:

Art. 18. As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             provas (CPP, art. 386, VI), não impede a ação de responsabilidade civil. (REsp 228.414/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2001, DJ 25/03/2002, p. 271).

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se presumem certas, sendo porém suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário.

O limite do reexame dos acórdãos do Tribunal Marítimo, portanto, estão

anotados exatamente naqueles artigos da Constituição Federal/88 que constavam na

redação do Projeto de Lei que resultou na Lei n. 9.578/97, ou seja, nos artigos 102,

III, “a”, e 105, III, “a”, da Constituição de 1988, conforme entendimento do STF:  

RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - TRIBUNAL MARÍTIMO - 1- No caso vertente, pretende o apelante a condenação da União a excluir seu nome dos Sistemas de Pessoal da Capitania dos Portos e do Tribunal Marítimo, onde consta como condenado, bem como a ressarcir os danos morais por ele sofridos em razão da condenação. 2- Apesar de ser possível o reexame, pelo Poder Judiciário, das decisões proferidas pelo Tribunal Marítimo, o apelante não logrou êxito em afastar a presunção de legitimidade de que gozam as referidas decisões (cf. art. 18 da Lei nº 2.180/54 ), pelo que não há como afastar sua condenação proferida no âmbito daquele Tribunal. 3- Não havendo provas de que o trâmite do processo junto ao Tribunal Marítimo se deu de forma irregular, impõe-se a improcedência do pedido de danos morai”s. 4- Apelação desprovida. (TRF-2ª R. - AC 2003.51.01.009255-8 - (347466) - 5ª T.Esp. - Rel. Juiz Fed. Conv. Luiz Paulo da Silva Araujo Filho - DJe 21.12.2009 - p. 54)

Demais disso, os arts. 18, 19 e 20 da Lei n. 2.180/54 devem ser interpretados

cominados da ótica do Estado Democrático de Direito (EDD):

Art. 18 - As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem certas, sendo porém suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário. Art. 19 -Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de matéria da competência do Tribunal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada aos autos a sua decisão definitiva. Art. 20 -Não corre a prescrição contra qualquer dos interessados na apuração e nas conseqüências dos acidentes e fatos da navegação por água enquanto não houver decisão definitiva do Tribunal Marítimo.

Os dispositivos acima transcritos deixam clara a intenção do legislador de dar

aplicação e importância prática, na esfera judicial, aos julgamentos técnicos

proferidos pelo Tribunal Marítimo. No mínimo, o que o ordenamento jurídico

sinaliza é uma atuação conjunta e/ou complementar entre órgãos jurisdicionais,

o que, segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, se revela extremamente benéfico e

produtivo,

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em razão da combinação de modelos de raiz diversa, seja pela idoneidade desse sistema para consecução da paz social, assim promovendo a prevenção/eliminação dos conflitos em sua gênese, como também possibilitando que aqueles porventura judicializados tenham desfecho mais célere e equânimes328.

Exemplos nesse sentido: art. 162 da Lei n. 11.101/05; CPC, art. 475-N, V; CF,

art. 217, parágrafo primeiro; art. 94, I da Lei n. 11.101/05.

Cabe aqui inclusive recomendar uma interpretação sistemática dos

dispositivos acima em debate, no sentido de que se presume certa a decisão do

Tribunal Marítimo e possui valor probatório, porque é sabido que essa decisão deve

ser anexada aos autos do processo judicial – conforme art. 19 da LOTM, sob pena de

extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, IV ou VI). Não quer a

lei indicar, como entende parte minoritária da doutrina marítima, que de nada auxilia

essa decisão, que mesmo após todo um trâmite de devido processo legal valeria

apenas como mero parecer técnico. Ao contrário, estar-se-ia, na verdade, diante de um

caso de juízo de admissibilidade, que deve ser realizado pelo magistrado antes que

reanalise as questões de cunho formal do processo marítimo.

Essa tarefa é cumprida por leis de natureza processual, sendo legítima a

criação de modalidades processuais diversas. Há, inclusive, no sistema pressupostos

processuais múltiplos que não foram passíveis de inconstitucionalidade, como a

prévia negociação coletiva como pressuposto para o ajuizamento da ação de dissídio

coletivo; o transcurso de um ano para o ajuizamento da ação revisional de dissídio

coletivo; o esgotamento das instâncias desportivas privadas nos casos de disciplina e

competições; e o depósito prévio de cinco por cento sobre o valor da causa para o

ajuizamento da ação rescisória no juízo cível329.

Não obstante, conforme mencionado em item anterior, não é isso que ocorre

hodiernamente – há desvirtuando o instituto. A regra que deveria observar a

obrigatoriedade dessa decisão, que, em decorrência do conceito amplo de jurisdição e

acesso à justiça, a caracterizariam como uma decisão de natureza jurisdicional, de

modo que não poderia ser modificada por um juiz de primeira instância, inicialmente,

hoje, é flexibilizada a ponto de nada servir a decisão marítima.

                                                                                                               328 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça. São Paulo: RT, 2011, p. 333.  329 ALMEIDA, Amador Paes de. O Procedimento Sumaríssimo na Justiça do Trabalho. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 179.  

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Com a inclusão da regra do NCPC, tornando a decisão um título executivo,

resgata-se a interpretação original de imutabilidade, em tese, daquela decisão

marítima – permitindo um revolvimento da matéria quando da análise da impugnação

do devedor (título judicial) ou, caso se entenda necessário uma ampliação na matéria

de defesa, reanalisa-se por meio do embargo do devedor (título extrajudicial).

A inserção da apuração formal dos fatos e acidentes da navegação entre

os princípios norteadores do Direito Comercial Marítimo segue na mesma linha.

A Emenda n. 56 ao Projeto de Lei (PL) n. 1.572/2011, da Associação Brasileira de

Direito Marítimo (ABDM), propõe a apuração formal dos acidentes e fatos da

navegação como um princípio norteador do direito marítimo nos seguintes termos:

Art. 5º. São princípios do Direito Marítimo: (...) III - princípio da apuração formal dos acidentes e fatos da navegação; Art. 8º. Pelo princípio da apuração formal dos acidentes e fatos da navegação, as decisões do Tribunal Marítimo, quanto à matéria técnica, na condição de órgão auxiliar do Poder Judiciário, tornam certos o fato e sua autoria. §1º. As decisões do Tribunal Marítimo são suscetíveis de revisão pelo Judiciário apenas quanto à legalidade do ato administrativo, a possíveis vícios de caráter formal ou quando atentarem contra os postulados constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal; §2º. Sempre que se discutir em juízo questões que recaírem nas atribuições do tribunal Marítimo, sua decisão final deverá ser aguardada para o julgamento do processo judicial. §3º. Suspenso o processo, o juiz deverá oficiar o Tribunal Marítimo para sua ciência e possíveis providências visando à prioridade de julgamento. §4º. Decorre do princípio da apuração formal dos acidentes e fatos da navegação o dever do juiz de evitar a repetição de prova já realizada pelo Tribunal Marítimo e que constitua fundamento de sua decisão. §5º. Na pendência do julgamento do Tribunal Marítimo correrão juros equivalentes à metade daqueles previstos na Lei Civil.

A apuração formal dos acidentes e fatos da navegação como um princípio

norteador do direito marítimo é amplamente disseminada no plano do direito

comparado, tendo em vista a busca permanente por uma navegação segura. Essa

apuração interessa ao direito comercial marítimo, devendo recair sobre um órgão

técnico especializado a competência para definir causa, natureza e extensão do

sinistro e analisar se este é oriundo de culpa ou dolo de algum dos envolvidos ou,

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ainda, se decorrente de fortuna do mar ou de atos de pirataria, atos de guerra, dentre

outras circunstâncias peculiares ao direito marítimo330.

Do mesmo modo, várias relações jurídicas de direito comercial marítimo

dependem da prévia determinação da natureza, causa, circunstância, extensão e

responsabilidade pelo fato ou acidente da navegação, como, por exemplo, a regulação

de avaria grossa, a formação dos fundos de limitação de responsabilidade, os riscos

cobertos pelas apólices de seguros marítimos e até mesmo a reparação dos danos e

prejuízos oriundos de sinistros ocorridos durante transporte e outras operações

marítimas. A apuração formal, portanto, é condição necessária para segurança jurídica

e, em última análise, para fomentar o desenvolvimento econômico.

Afinal, um mesmo acidente ou fato da navegação potencialmente irradiará

ações judiciais em diferentes ramos do direito. Uma abalroação entre dois navios, por

exemplo, pode desencadear: ações penais por eventuais crimes contra o meio

ambiente ou por lesões corporais causadas aos tripulantes; ações de indenização por

responsabilidade contratual pelos interesses das cargas embarcadas nos dois navios;

ações de indenização por responsabilidade extracontratual do operador do navio

considerado culpado; ações civis públicas por dano ambiental; ações trabalhistas da

tripulação, etc. (rectius: caso de incidência múltipla).

Nesse contexto, torna-se extremamente danoso ao país – até mesmo como

ambiente de negócios – que a causa, o dano e a responsabilidade apontada pelo fato

ou acidente da navegação não se realize de forma razoavelmente previsível331.

Destarte, deve-se prestigiar o chamado “princípio da confiança” que milita em

favor das decisões do Tribunal Marítimo, no sentido de que seus julgados técnicos

não devem, com leveza, ser descartados pelo Judiciário, embora suscetíveis de revisão

em alguma medida. Ou, para usar das palavras do STF em um de seus acórdãos

acerca do alcance das decisões do Tribunal Marítimo:

(...) ele é tribunal quase judiciário, fenômeno muito comum nos Estados Unidos, e que, no Brasil, também tem tido certo desenvolvimento. A função desses tribunais quase-judiciários é de tribunais técnicos: em favor deles milita o princípio da confiança.

                                                                                                               330 Além de definir a natureza e de analisar sua origem, a apuração formal dos acidentes e dos fatos da navegação incide sobre questões que ultrapassam os limites do interesse privado, sendo condição para que se proponham medidas preventivas na busca permanente pela segurança da navegação.  331 Vale lembrar que um dos fatores analisados pelas agências internacionais de rating para avaliar o risco do Brasil como ambiente de negócios é justamente a insegurança jurídica.  

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Assim, o exame de fato, a que eles procedem, não deve ser, com leveza, repelido pelos tribunais judiciários332.

Nesse mesmo sentido, abraçando a moderna tendência de “desjudicializar” ao

máximo o exercício de direitos como importante medida de desafogo do Poder

Judiciário e de aumento da efetividade das decisões, as decisões técnicas do Tribunal

Marítimo, órgão público, imparcial e qualificado, vêm sendo prestigiadas pelos

Tribunais, que têm entendido que as decisões do Tribunal Marítimo são suscetíveis de

revisão pelo Judiciário apenas quanto aos vícios de caráter formal ou quando

atentarem contra os postulados constitucionais da ampla defesa e do devido processo

legal. Vale a transcrição dos seguintes julgados:

RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE MARÍTIMO - NAUFRÁGIO DE NAVIO DECORRENTE DE TEMPORAL - MANUTENÇÃO DE PESSOA ENCARREGADA DA VIGILÂNCIA - Configuração da fortuidade de conformidade com decisão do Tribunal Marítimo. Responsabilidade reconhecida da seguradora na proporção da sua cota-parte do co-seguro, desde que inexistente a solidariedade entre as co-seguradoras. Recurso provido para esse fim. (TJRS - APC 276945 - 7ª C.Cív. - Rel. Des. Luis de Macedo - J. 07.04.1981) RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - TRIBUNAL MARÍTIMO – 1 - No caso vertente, pretende o apelante a condenação da União a excluir seu nome dos Sistemas de Pessoal da Capitania dos Portos e do Tribunal Marítimo, onde consta como condenado, bem como a ressarcir os danos morais por ele sofridos em razão da condenação. 2 - Apesar de ser possível o reexame, pelo Poder Judiciário, das decisões proferidas pelo Tribunal Marítimo, o apelante não logrou êxito em afastar a presunção de legitimidade de que gozam as referidas decisões (cf. art. 18 da Lei nº 2.180/54), pelo que não há como afastar sua condenação proferida no âmbito daquele Tribunal. 3 - Não havendo provas de que o trâmite do processo junto ao Tribunal Marítimo se deu de forma irregular, impõe-se a improcedência do pedido de danos morais. 4 - Apelação desprovida. (TRF-2ª R. - AC 2003.51.01.009255-8 - (347466) - 5ª T.Esp. - Rel. Juiz Fed. Conv. Luiz Paulo da Silva Araujo Filho - DJe 21.12.2009 - p. 54) PROCESSO CIVIL - Procedimento de competência do Tribunal Marítimo. Trâmite processual próprio. Não se podem apreciar nesta fase perante a Justiça Federal atos de procedimento em procedimento em andamento perante o Tribunal Marítimo. (TRF-2ª R. - AMS 97.02.17688-3 - RJ - 1ª T. - Ac. Juíza Julieta Lunz - DJU 20.08.1998 - p. 143)

                                                                                                               332Agravo de Instrumento n. 11.904 – Rel. Min. Bento de Faria – D.J. 28/5/1934.  

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Cabe lembrar que o PL n. 8.046/2010, que institui o Novo Código de Processo

Civil (NCPC), segue na mesma direção de aproveitamento da atividade jurisdicional

prestada pelo Tribunal Marítimo, até com mais ênfase. Consta no art. 314, inciso VII,

da versão aprovada pela Câmara dos Deputados que seguiu para o Senado, a mesma

previsão de suspensão do processo quando se discutirem em juízo questões que

recaiam nas atribuições do Tribunal Marítimo que constam dos parágrafos 2º e 3º, do

art. 8º, da Emenda n, 56 do Novo Código Comercial. Na proposta de Emenda ao

Código Comercial acrescentou-se ainda que, assim que suspenso o processo, o juiz

deverá oficiar o Tribunal Marítimo para sua ciência e providências, visando à

prioridade da análise da autoria e fato marítimo pela corte especializada.

Essa apuração prévia interessa ao Direito Comercial Marítimo, devendo recair

sobre um órgão técnico especializado o dever de definir a natureza do sinistro e

analisar se este é oriundo de culpa ou dolo de algum dos envolvidos ou, ainda, se

oriundo de fortuna do mar ou de atos de pirataria, atos de guerra, etc. Além de definir

a natureza e de analisar sua origem, a apuração formal dos acidentes e dos fatos da

navegação exige que se determinem as causas, circunstâncias e extensão, que se

indiquem os responsáveis e que se proponham medidas preventivas na busca

permanente pela segurança da navegação, questões que ultrapassam os limites do

interesse privado.

Interessante registrar que, nesse aspecto, essa corte marítima tem

características muito mais próximas da estrutura organizacional do Poder Judiciário,

que possui um procedimento imparcial e com respeito ao contraditório e à ampla

defesa que deve ser observado, bem como possui a atribuição de proferir decisão

indicando os responsáveis pelo acidente ou fato da navegação, aplicando-lhe sanções

previstas na legislação marítima, e, ainda, garantias equivalentes às garantias e

prerrogativas de juízes para seus membros e jurisdição em todo o território nacional.

Destaca-se, neste ponto, o fato de que não podem também as decisões

marítimas serem comparadas a meros atos (ou decisões) puramente administrativos e

que, de acordo com Lucas Rocha Furtado333, mutatis mutandis, ainda que submetidas

ao controle judicial, essa decisão justifica controle menos invasivo, devendo o Poder

Judiciário promover sua anulação somente em casos excepcionais:

                                                                                                               333 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo.Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1115.  

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Admitir que matérias de fato ou de direito examinadas por Tribunais de Contas possam ser completamente reexaminadas, em todos os seus aspectos, pelo Poder Judiciário, além de importar em absoluta quebra de racionalidade do sistema – afinal, qual a utilidade desses tribunais se tudo o que eles decidissem pudesse ser revisto pelo Poder Judiciário? –, transferiria para o Poder Judiciário a competência para julgar conta, competência exclusiva dos Tribunais de Contas334.

Com efeito, se existe um sistema de julgamento de fatos e acidentes da

navegação no país, desde sempre previsto e criado com essa finalidade, com uma

estrutura que envolve investimento público em contratação de pessoal qualificado e

todo um aparato físico e logístico para o desempenho de missão, não há porque

esperar do Poder Judiciário atuação concorrente em temas de competência exclusiva

da Corte Marítima, senão em momentos pontuais de agressão ao sistema processual.

Veja que a matéria também foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal

(STF) (AGR n. 62.811), que atribuiu ao v. acórdão do Tribunal Marítimo natureza de

cunho jurisdicional, mitigando o princípio do acesso à justiça (CF/88, art. 5º, XXXV)

do exame de matérias técnicas e/ou multiplexas, de modo que haveria possibilidade

de revisar os casos de flagrante ilegalidade ou afronta ao devido processo legal,

mantendo incólume a decisão de mérito.

A questão técnica da decisão no tocante ao acidente da navegação, ou seja, o

mérito deve permanecer certo e insuscetível de reanálise no tocante à imputação de

responsabilidade pelo evento inclusive quando submetido como documento

indispensável por ser a causa remota de eventual processo judicial.

Observa-se que o órgão – ainda que não integrante da justiça estatal –

desempenha atividade de natureza jurisdicional. Na contemporaneidade, uma resposta

jurisdicional que merecem os jurisdicionados é aquela que seja a mais bem aplicada

àquele caso concreto – evidenciada quando é, na medida do possível, bem

recepcionada (utilizando-se de razoabilidade e proporcionalidade), bem fundamentada

(parâmetros do ordenamento), econômica (custo benefício do processo), tempestiva

(razoável com a matéria e o tempo de processo), e idônea na concretização do direito.

                                                                                                               334 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1.115.  

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5.6.1 Notícia do Direito Estrangeiro

Tem-se experiência que quebrar as barreiras do seu próprio sistema jurídico

significa aumentar seu próprio horizonte e sua própria experiência335. Com efeito,

propõe-se no presente tópico,uma análise breve do processo de julgamento de causas

marítimas no direito estrangeiro, na medida em que torna-se de sobremaneira especial

esse estudo perfunctoriamente comparativo, em razão de que o comércio internacional

é, em sua grande maioria, realizado pela via marítima.

Por meio da comparação entre sistemas, será possível a identificação de

determinados elementos essenciais de institutos de natureza marítima, de modo que

eventual aplicação futura poderá ser proveitosa na solução da problematização de

casos concretos ou no desenvolvimento do direito marítimo brasileiro. Nesse sentido,

Osvaldo Agripino em artigo sobre a importância do direito comparado:

Nesse quadro, a riqueza de conhecimento acumulado pelos comparativistas, ao longo dos tempos, principalmente do século XX, requer do direito comparado, que é uma velha ferramenta, novos usos, especialmente em face da sua importância para o direito marítimo, ramo do direito pouco difundido no Brasil e que demanda um esforço maior dos seus operadores para a solução dos problemas que afetam o transporte marítimo, seja pela sua especialidade, seja pela sua complexidade, que carece de pesquisa em outros sistemas jurídicos para dar maior eficácia, segurança jurídica e equidade ao comércio exterior336.

Dessa maneira, o breve estudo do direito estrangeiro abaixo noticiado (ex.vi.

Inglaterra, Estados Unidos da América, Canadá, China, Alemanha, Panamá, etc.)

servirá como uma técnica comparativa de análise dos mais diversos sistemas

marítimos internacionais, na medida em que evidenciará, em muitos deles, a

existência de uma corte especializada para o julgamento de causas de natureza

marítima, que, em período de intensa trasnacionalização do direito337, torna o direito

comparado ainda mais relevante no trabalho.

                                                                                                               335 ASCARELLI, Tulio. Studi di Diritto Comparato e in Tema di Interpretazione. Milano: Giuffré, 1952, p. 43.  336CASTRO JR., Osvaldo Agripino de. A Importância do Direito Comparado para o Direito Marítimo. Direito Marítimo Made in Brasil. São Paulo: Lex Editora, 2007, p. 249.  337 SANTOS, Boaventura de Sousa. Toward a New Common Sense. Law, Science and Politics in the Paradigmatic Transition. New York: Routledge, 1995, p. 273.  

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- Inglaterra e País de Gales

No sistema inglês, as causas marítimas devem ser inseridas na estrutura

organizacional do “Admiralty Court”338 ou Corte Marítima ou Corte do Almirantado,

que nada mais é que o órgão que aplica o direito marítimo, sendo competente para

análise das causas relacionadas a transporte marítimo, navegação, tripulantes,

reboque, seguro marítimo, ônus marítimos e pirataria, de modo que tem por escopo

criar uniformidade na problematização dos casos concretos.

A maioria dos países da Common Law (ex.vi. Irlanda do Norte, Paquistão,

Singapura, Índia, Austrália, etc.) seguem o modelo inglês339.

O sistema judicial na Inglaterra e País de Gales consiste em cinco níveis:

i) Supremo Tribunal (Supreme Court)340 ou ex-Casa dos Lordes (ex-House of Lords) e do Comitê Judicial do Conselho Privado (Judicial Committee of the Privy Council)341; 2) Tribunal da Apelação (Court of Appeal)342; 3) Superior Tribunal (High Court)343; 4) Tribunal da Coroa (Crown Court) 344 e Tribunais do Condado (County Courts)345; 5) Tribunais de Magistrados (Magistrates’ Court)346 e Tribunais Serviço (Tribunals Service)347.

                                                                                                               338 BAUGHEN, Simon. Shipping Law, 3 ed. London: Cavendish Publishing, 2004, p. 273.  339 A Índia ainda segue muitos estatutos britânicos da era vitoriana, como a Lei de Admiralty Court 1861. O Paquistão tem seu estatuto 1980 (Portaria XLII de 1980) seguindo também o modelo inglês.  340 Em 2009, o Supremo Tribunal substituiu a Câmara dos Lordes, a mais alta corte da Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. Tal como acontece com a Câmara dos Lordes, o Supremo Tribunal ouve apelos do Tribunal de Recurso e do Supremo Tribunal (apenas em circunstâncias excepcionais). Ele também ouve apelos da Casa Interior do Tribunal de Sessão, na Escócia.  341 O Comitê Judicial do Conselho Privado é o tribunal de última instância para os países da Common Law que mantiveram apelos no Conselho ou ao Comitê Judiciário. Ele também é o tribunal de última instância para o Tribunal Superior de Justiça, na Escócia, para questões relacionadas com a devolução. Algumas funções do Comitê Judiciário foram assumidas pela nova Suprema Corte em 2009.  342 O Tribunal de Recurso é composta por duas divisões, a Divisão Criminal e a Divisão Civil.  343 O Superior Tribunal é composto por três divisões: a Divisão de Chancelaria (Chancery Division), a Divisão de Família (Family Division), e Bench Division da Rainha (Queen’s Bench Division). As decisões do Superior Tribunal cabem recurso para a Divisão Civil do Tribunal de Recurso.  344 O Tribunal da Coroa lida com casos criminais indiciados que foram transferidos de tribunais de magistrados, incluindo audição de graves casos criminais (como assassinato, estupro e roubo), os casos enviados para a condenação, e recursos. Os casos são ouvidos por um juiz e um júri. As decisões do Tribunal da Coroa podem ser objecto de recurso para a Divisão Criminal do Tribunal de Recurso.  345 Os Tribunais do Condado lidam com praticamente todas causas civis, exceto o mais complicado e o mais simples dos casos civis (incluindo a maioria dos assuntos sob o valor de £ 5.000), tais como pedidos de reembolso de dívidas, quebra de contrato envolvendo bens ou propriedade, danos pessoais, questões familiares (incluindo adoção e divórcio), questões de habitação (incluindo a recuperação de hipoteca e rendas em atraso) e à execução de decisões anteriores do tribunal. As decisões dos Tribunais do Condado podem ser objeto de recurso para a Divisão apropriada do Superior Tribunal.  346 Tribunais de Magistrados lidam com sumários casos criminais para o Tribunal da Coroa, com os processos civis simples, incluindo processos familiares tribunais e tribunais de jovens, e com o licenciamento de apostas, jogos e bebidas. Os casos são normalmente ouvidos por um painel de três

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O que importa aqui é reconhecer que é dentro da estrutura do Superior

Tribunal (High Court) encontra-se o “Queen’s Bench Division: Admiralty Court”:

Rainha Bench Division: Tribunal Marítimo O Tribunal Marítimo lida com o transporte e disputas marítimas, incluindo colisões, salvamento, transporte de carga, a limitação e disputas de hipoteca. O Tribunal pode prender navios e cargas e vendê-los no âmbito da jurisdição da Inglaterra e País de Gales. Rainha Bench Division: Tribunal do Comércio O Tribunal de Bench Division da Rainha comercial lida com casos decorrentes de disputas nacionais e internacionais de negócios, incluindo o comércio internacional, a banca , as commodities , e as disputas de arbitragem. Rainha Bench Division: Tribunal Mercantil O Tribunal Mercantil lida com disputas comerciais nacionais e internacionais que envolvem alegações de menor valor e complexidade do que os ouvidos pelo Tribunal do Comércio.

Há, portanto, um órgão especializado para as causas marítimas, denominado

de “Admiralty Court”, que inclusive assumiria o papel de um Tribunal Superior.

- Estados Unidos da América

A “Admiralty Court”, ou Corte Marítima, aqui também é o órgão

especializado para aplicação do direito da navegação e do transporte.

O termo “tribunal de almirantado” refere-se especificamente aos tribunais

britânicos e as colônias americanas que tradicionalmente exerciam jurisdição sobre as

causas relativas à navegação marítima e comércio. As colônias americanas, após a

revolução americana, outorgaram, por meio da Lei de 1789 e no artigo III, §2º, da

Constituição dos EUA, jurisdição exclusiva para estes tribunais.

Os “tribunais do almirantado” têm competência limitada, mas mantiveram

uma estrutura separada. A jurisdição, não obstante, é absoluta em reclamações

marítimas, e os Estados não podem impor a este poder, seja por meio de legislação ou

nos tribunais. A cláusula de "salvar a pretendentes", de 28 de U.S.C.A. §1333 (1)

permite que os tribunais estaduais para julgar causas marítimas, quando o assunto é

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             juízes ou por um juiz distrital, sem júri. Decisões dos Tribunais Criminais de magistrados cabe recurso para o Tribunal da Coroa. Das decisões cabem recursos para os Tribunais do Condado.  347O Serviço de Tribunais toma decisões sobre questões incluindo asilo, imigração, lesões criminais remuneração, segurança social, educação, emprego, apoio à criança, pensões, impostos e terras. As decisões do Serviço de Tribunais caberá recurso à Divisão apropriada do Superior Tribunal.  

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local, mas o tribunal estadual, mesmo que seja o local escolhido para julgar o caso,

deve aplicar a lei federal marítima.

- Canadá

A Lei de “Admiralty” de 1891 instituiu o Tribunal do Canadá com todas as

competência, poderes e autoridade conferida pela “British Colonial Tribunals” do

“Admiralty Act” de 1890.Em 1934, A Lei de “Admiralty” de 1891 foi substituída pela

Lei de “Admiralty” de 1934. Nos termos da Lei de “Admiralty” de 1934, o Tribunal

de “Admiralty”do Canadá possui hierarquia semelhante àquela possuída pelo Superior

Tribunal da Inglaterra (Corte Marítima).Em 1971, a Lei Federal marítima foi

devidamente promulgada.

O Canadá adotou uma definição ampla de seu direito marítimo, que vai além

da lei tradicional almirantado. A jurisdição almirantado original em inglês foi

chamada de "molhado" (wet), uma vez que se preocupou com as coisas no mar,

incluindo colisões, salvamento e o trabalho dos marinheiros, e os contratos e atos

ilícitos realizados no mar. A lei federal canadense adicionou ainda a denominada

jurisdição "seca" (dry) a esse campo, que inclui assuntos como: estiva, seguro

marítimo, armazenagem e serviços de segurança,os contratos de agência e contratos

de transporte. Essa lista não é exaustiva do assunto.

- Alemanha

A necessidade de ter acidentes marítimos investigados existe desde que o

transporte se realiza em escalas relativamente amplas.

Na Alemanha, após a fundação do Reich, em 1870, e a introdução de uma

bandeira uniforme para toda a frota alemã, um projeto de lei foi elaborado e entrou

em vigor. A Lei de 1877 relativa à investigação de acidentes marítimos cobria um

processo com audiência oral e apuração das causas e responsabilidades.Esta lei

continuou a vigorar até 1986. Até esse momento, a primeira instância nas

investigações relativas aos acidentes marítimos dos tribunais marítimos (Seeämter)

estava dentro do alcance das autoridades especializadas dos Estados costeiros – o que

seriam aqui denominadas de capitanias dos portos.

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A instância recursal foi o Tribunal Marítimo Reich (Reichsseeamt), ou a partir

de 1950 o Superior Tribunal de Acidentes Marítimos (Bundesoberseeamt), localizado

em Hamburgo. Depois que o Superior Tribunal Federal Administrativo (BverwG) já

havia esclarecido em 1969, que o processo de investigação dos tribunais marítimos

(Seeämter) eram processos administrativos, fez-se uma nova lei inevitável.

A base para a reorganização necessária foi a “Casualty Investigation”

(SeeUG) de 1985, que entrou em vigor em outubro de 1986 e com o qual a

investigação de acidentes, em primeira instância, transferiu-se para as autoridades

federais. Após a reestruturação apenas quatro conselhos de investigação (ainda

chamado Seeämter) mantiveram-se da “Direção Regional de Waterways”, envio do

Norte e Noroeste, em Emden, Bremerhaven, Hamburgo e Kiel. Em reunificação

alemã, com efeitos a partir de outubro de 1990, mais um Tribunal Marítimo foi

fundada em Rostock sob a “Direção Regional de Waterways”348, envio do Norte, ao

lado dos Tribunais Marítimos de Hamburgo e Kiel349.

- China

Tianjin Tribunal Marítimo é um tribunal marítimo com jurisdição de todas as

questões de direito marítimo nacional e internacional. O Tribunal foi o primeiro dos

dez tribunais marítimos especializados, criados na China, em 1986, e tem jurisdição

sobre todo o porto, costas e ilhas do mar do Município de Tianjin e Hebei em uma

área delimitada por uma linha entre a junção da província de Hebei e Província de

Liaoning e uma linha a partir da junção entre a Província de Hebei e Shandong350.

A Tianjin Tribunal Marítimo é um tribunal de nível intermediário e encontra-

se sob a jurisdição recursal do Tribunal Superior de Tianjin.

                                                                                                               348 O órgão competente foi composto durante a audiência pública, composta pelo presidente, com certificado de qualificação para exercerem o cargo de juiz, um assessor permanente com certificado de qualificação para exercer o cargo de Capitão (FTM) e três assessores honorários, que eram selecionado pelo presidente de uma lista que garantiu pessoal especializado e independente do corpo com a consideração dada à localidade e à natureza do acidente marítimo e os navios que participam.  349 http://www.bsu-bund.de/EN/BSU_about_us/history_of_the_German_Maritime_Casualty_Inv  350http://shhsfy.gov.cn/hsinfoplat/platformData/infoplat/pub/hsfyenglish_42/fp_6007/  

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6. CONCLUSÃO

1. O Direito é uma ciência nomotética que se expressa por meio de símbolos

que não possuem um conteúdo fixo, mas que sofrem modificações de natureza

semântica de acordo com o momento histórico vivido, não sendo recomendado que se

utilize conceitos jurídicos para um modelo de Estado que não mais existe.

2. Nessa linha de raciocínio, o conceito de jurisdição desenvolvido no trabalho

não seria uma atividade exclusiva exercida pelo Estado, mas que caberia a todo

agente, órgão e instância, autorizado por lei, em sentido estrito, que atribua sentido à

norma diante da problematização do caso concreto, em tempo hábil, resolvendo uma

crise de direito – o que se denomina também de jurisdição compartilhada.

3. Em prosperando essa diretriz programática, ter-se-á que a jurisdição nunca

foi monopolizada pelo Estado, tantos e diversos foram, ao longo do tempo, os meios e

os agentes credenciados a prevenir ou resolver os conflitos, a exemplo dos órgãos

com tendência à “desjudicialização dos conflitos”: Arbitragem (art. 1º da Lei n.

9.307/96); Tribunais Desportivos (CF, art. 217), os Tabelionatos (CPC, art. 982,

1124-A, cf. Lei n. 11.441/07), as Comissões de Conciliação Prévia na Justiça do

Trabalho (CLT, art. 625-D, cf. Lei n. 9958/2000), as Comissões Parlamentares de

Inquérito (CPI) (art. 58, da CF/88), os Crimes de Responsabilidade (art. 86, da

CF/88), o Tribunal de Contas (art. 71, II da CF/88), o Cade (art. 7º da Lei n.

12.529/11) e o Tribunal Marítimo (art. 1º da Lei n. 2180/54).

4. O Tribunal Marítimo possui função complexa, em parte administrativa, em

parte jurisdicional, em razão de sua atividade interpretativa que incumbe identificar a

causa e a autoria do acidente de navegação marítima, fluvial e lacustre, de modo

imparcial e desinteressado pelos membros que o compõem e que prezam pelo

processo marítimo que lá tramita, que preserva o devido processo legal, contraditório

e a ampla defesa, princípios basilares do Estado Democrático de Direito (EDD).

5. No que diz respeito à atividade judicante do órgão marítimo, pode-se

afirmar que a atividade desempenhada possui inegavelmente natureza jurisdicional,

porque além de compreender, interpretar e aplicar o direito, atribuindo sentido à

norma diante da problematização do caso concreto, o faz de forma a apresentar uma

resposta de qualidade para o jurisdicionado. Esta decisão inegavelmente preenche

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todos os atributos que têm por escopo os princípios do Estado Constitucional, qual

seja, uma decisão justa, jurídica, econômica, tempestiva e razoavelmente previsível.

6. Somente com um conceito pós-positivista de jurisdição e acesso à justiça, é

possível alcançar solução adequada a que o trabalho se propõe, no sentido de que

haveria obrigatoriedade da decisão marítima ser anexada em eventual ação judicial,

consistindo documento indispensável da propositura da ação (CPC, art. 283), sendo

ela insuscetível de mudança ilimitada pelo Poder Judiciário, sem que, para tanto,

argua-se eventual inconstitucionalidade do raciocínio, haja vista que a decisão

marítima possui natureza jurisdicional, capaz, portanto, de gerar estabilidade

processual, inclusive vinculativa na hipótese de incontrovertibilidade quanto à

existência do fato e da autoria do acidente ou do fato da navegação.

7. Não obstante, considerando que a interpretação atual que se faz é em

sentido contrário de que seria uma faculdade do jurisdicionado a juntada desse

documento, que mesmo tendo sido apresentado, poderia vir a ser substancialmente

alterado, de modo que de nada valeria a decisão marítima, nada impede que o NCPC

resgate a importância dessa decisão atribuindo força de título judicial, nas hipóteses

em que a certeza da decisão marítima se encontrar preenchida, ou quando não estiver

“certa” a decisão, assumiria “valor probatório”, no sentido de que será ela a causa

remota que embasará eventual processo judicial.

8. Sugere-se, a título de lege ferenda, que se amplie a competência do

Tribunal Marítimo, com a sua inclusão formal na estrutura judiciária (CF/88, art. 92),

na esteira das diversas legislações de direito estrangeiro que se teve notícia, inclusive

permitindo que a análise os procedimentos especiais marítimos do CPC/73 seja

realizada pela corte marítima, sendo sua maioria atividades características de

jurisdição voluntária e preventiva, com exceção do “dinheiro a risco” que deveria ser

expressamente ser revogado por ter caído em desuso.

9. Conclui-se este trabalho lançando mão das lições mais sensíveis em sala de

aula, inspirada em meu estimado orientador, no sentido de que o operador do direito

deve acompanhar as modificações sociais do momento histórico vivido, que

direcionada, em especial, ao processualista contemporâneo, este deve pensar o

processo como uma técnica importante para o homem e para a justiça do país.

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ANEXO

 

LEI Nº 2.180, DE 5 DE FEVEREIRO DE 1954 Dispõe sôbre o Tribunal Marítimo.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

CAPÍTULO I

DA ORGANIZAÇÃO DO TRIBUNAL MARÍTIMO

Art. 1º O Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, órgão, autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha no que se refere ao provimento de pessoal militar e de recursos orçamentários para pessoal e material destinados ao seu funcionamento, tem como atribuições julgar os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre e as questões relacionadas com tal atividade, especificadas nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 2º O Tribunal Marítimo compor-se-á de sete juízes a saber: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

a) um Presidente, Oficial-General do Corpo da Armada da ativa ou na inatividade; (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991)

b) dois Juízes Militares, Oficiais de Marinha, na inatividade; e (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991)

c) quatro Juízes Civis. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

§ 1° O Presidente do Tribunal Marítimo, indicado pelo Ministro da Marinha dentre os Oficiais-Generais do Corpo da Armada, da ativa ou na inatividade, será de livre nomeação do Presidente da República, com mandato de dois anos, podendo ser reconduzido, respeitado, porém, o limite de idade estabelecido para a permanência no Serviço Público. (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991)

§ 2º As nomeações dos Juízes Militares e Civis serão feitas pelo Presidente da República, mediante proposta do Ministro da Marinha, e atendidas as seguintes condições: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

a) para Juízes Militares, Capitão-de-Mar-e-Guerra ou Capitão-de-Fragata da ativa ou na inatividade, sendo um deles do Corpo da Armada e outro do Corpo de Engenheiros e Técnicos Navais, subespecializado em máquinas ou casco. (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991)

b) para Juízes Civis: (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

1) dois bacharéis em Direito, de reconhecida idoneidade, com mais de cinco anos de

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prática forense e idade compreendida entre trinta e cinco e quarenta e oito anos, especializado um dêles em Direito Marítimo e o outro em Direito Internacional Público; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

2) Um especialista em armação de navios e navegação comercial, de reconhecida idoneidade e competência, com idade compreendida entre trinta e cinco e quarenta e oito anos e com mais de cinco anos de exercício de cargo de direção em emprêsa de navegação marítima; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

3) Um Capitão-de-Longo-Curso da Marinha Mercante, de reconhecida idoneidade e competência, com idade compreendida entre trinta e cinco e quarenta e oito anos e com mais de cinco anos de efetivo comando em navios brasileiros de longo curso, sem punição decorrente de julgamento em tribunal hábil. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

§ 3º A indicação a ser feita pelo Ministro da Marinha para os cargos de Presidente e de Juiz Militar deverá ser acompanhada, se se tratar de oficial da Ativa, da declaração dos indicados de que concordam com a mesma. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

§ 4º Os Juízes Civis serão nomeados mediante aprovação em concurso de títulos e provas, realizado perante banca examinadora constituída pelo Presidente do Tribunal Marítimo; por um Juiz do Tribunal Marítimo, escolhido em escrutínio secreto; por um representante da Procuradoria do Tribunal Marítimo, designado pelo Ministro da Marinha e, conforme fôr o caso, por um especialista em Direito Marítimo ou em Direito Internacional Público, escolhido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ou por um representante da Comissão de Marinha Mercante, designado pelo Presidente da referida Comissão. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

§ 5° Quando na ativa, haverá transferência para a inatividade: (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991)

I - do Presidente, após dois anos de afastamento, sendo agregado ao respectivo Corpo no período anterior a esse prazo; (Incluído pela Lei nº 8.391, de 1991)

II - dos Juízes Militares, logo após a nomeação, na forma da legislação em vigor. (Incluído pela Lei nº 8.391, de 1991)

§ 6º Os Juízes Militares, referidos na letra "b" do caput deste artigo, terão mandato de quatro anos, podendo ser reconduzidos, respeitado, porém, o limite de idade estabelecido para a permanência no serviço público. (Redação dada pela Lei 9.527, de 1997)

§ 7º Os Juízes Civis ficam impedidos de exercer advocacia ou de prestar serviços profissionais em favor de partes interessadas nas atividades de navegação. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

§ 8º Será eleito bienalmente um Vice-Presidente dentre os Juízes Militares e Civis, em escrutínio secreto. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

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§ 9º Os Juízes Civis, referidos na letra "c" do caput deste artigo, conservar-se-ão em seus cargos até atingirem a idade limite para permanência no serviço público. (Incluído pela Lei 9.527, de 1997)

Art. 3º Os Juízes Militares e Civis terão suplentes indicados pelo Ministro da Marinha e nomeados pelo Presidente da República, com mandato de três anos, podendo ser reconduzidos, e que funcionarão quando convocados pelo Presidente do Tribunal, nos casos previstos no Regimento Interno. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

§ 1° Os suplentes dos Juízes Militares serão Oficiais inativos da Marinha. (Redação dada pela Lei nº 8.391, de 1991)

§ 2º Para a nomeação dos suplentes de que trata êste artigo deverão ser observadas as mesmas condições estabelecidas no § 2º do Art. 2º desta lei, atendida a ressalva feita no parágrafo anterior. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

§ 3º Nenhum direito ou vantagem terá o suplente, além de vencimento do cargo de substituto, e sòmente durante o seu impedimento legal. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

Art. 4º (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987) Art. 5º (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987) Art. 6º (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987) Art . 7º (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987)

Art . 8º Não poderão ter assento no Tribunal Marítimo, simultâneamente, parentes ou afins até o segundo grau.

§ 1º A proibição estende-se aos adjuntos de procurador e advogados de ofício.

§ 2º A incompatibilidade resolver-se-á antes da posse contra o último nomeado, ou contra o mais moço caso sejam da mesma data as nomeações.

Art. 9º Para a execução dos serviços processuais, técnicos e administrativos, o Tribunal Marítimo terá uma Secretaria constituída de quatro (4) Divisões. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

CAPÍTULO II

DA JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

Art. 10. O Tribunal Marítimo exercerá jurisdição sôbre:

a) embarcações mercantes de qualquer nacionalidade, em águas brasileiras;

b) embarcações mercantes brasileiras em alto mar, ou em águas estrangeiras;

c) embarcações mercantes estrangeiras em alto mar, no caso de estarem envolvidas em qualquer acidente marítimo ou incidente de navegação, no qual tenha pessoa física brasileira perdido a vida ou sofrido ferimentos graves, ou que tenham provocado danos graves a navios ou a instalações brasileiras ou ao meio marinho, de acordo com

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as normas do Direito Internacional; (Redação dada pela Lei nº 9.578, de 1997)

d) o pessoal da Marinha Mercante brasileira;

e) os marítimos estrangeiros, em território ou águas territoriais brasileiras;

f) os proprietários, armadores, locatários, carregadores, agentes e consignatários de embarcações brasileiras e seus prepostos;

g) agentes ou consignatários no Brasil de emprêsa estrangeira de navegação;

h) empreiteiros ou proprietários de estaleiros, carreiras, diques ou oficinas de construção ou reparação naval e seus prepostos.

i) os proprietários, armadores, locatários, carregadores, consignatários, e seus prepostos, no Brasil, de embarcações mercantes estrangeiras; (Incluído pela Lei nº 9.578, de 1997)

j) os empreiteiros e proprietários de construções executadas sob, sobre e às margens das águas interiores e do mar territorial brasileiros, sob e sobre a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiras e que, por erro ou inadequação de projeto ou execução ou pela não observância de especificações técnicas de materiais, métodos e processos adequados, ou, ainda, por introduzir modificações estruturais não autorizadas nas obras originais, atentem contra a segurança da navegação; (Incluído pela Lei nº 9.578, de 1997)

l) toda pessoa jurídica ou física envolvida, por qualquer forma ou motivo, em acidente ou fato da navegação, respeitados os demais instrumentos do Direito Interno e as normas do Direito Internacional; (Incluído pela Lei nº 9.578, de 1997)

m) ilhas artificiais, instalações estruturas, bem como embarcações de qualquer nacionalidade empregadas em operações relacionadas com pesquisa científica marinha, prospecção, exploração, produção, armazenamento e beneficiamento dos recursos naturais, nas águas interiores, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental brasileiros, respeitados os acordos bilaterais ou multilaterais firmados pelo País e as normas do Direito Internacional. (Incluído pela Lei nº 9.578, de 1997)

Art. 11. Considera-se embarcação mercante tôda construção utilizada como meio de transporte por água, e destinada à indústria da navegação, quaisquer que sejam as suas características e lugar de tráfego.

Parágrafo único. Ficam-lhe equiparados:

a) os artefatos flutuantes de habitual locomoção em seu emprêgo;

b) as embarcações utilizadas na praticagem, no transporte não remunerado e nas atividades religiosas, cientificas, beneficentes, recreativas e desportivas;

c) as empregadas no serviço público, exceto as da Marinha de Guerra;

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d) as da Marinha de Guerra, quando utilizadas total ou parcialmente no transporte remunerado de passageiros ou cargas;

e) as aeronaves durante a flutuação ou em vôo, desde que colidam ou atentem de qualquer maneira contra embarcações mercantes.

f) os navios de Estados estrangeiros utilizados para fins comerciais. (Incluído pela Lei nº 9.578, de 1997)

Art. 12. O pessoal da Marinha Mercante considera-se constituído:

a) por todos quantos exercem atividades a bordo das embarcações mercantes;

b) pelo pessoal da praticagem;

c) pelos que trabalham em estaleiros, diques, carreiras e oficinas de construção e reparação naval;

d) pelo pessoal das administrações dos portos organizados;

e) pelos trabalhadores de estiva e capatazia;

f) pelos pescadores;

g) pelos armadores.

h) pelos mergulhadores; (Incluído pela Lei nº 9.578, de 1997)

i) pelos amadores. (Incluído pela Lei nº 9.578, de 1997)

Parágrafo único. Equiparam-se aos marítimos aquêles que, sem matrícula, estejam de fato em qualquer função que deva ser exercida por marítimo.

Art. 13. Compete ao Tribunal Marítimo:

I - julgar os acidentes e fatos da navegação;

a) definindo-lhes a natureza e determinando-lhes as causas, circunstâncias e extensão;

b) indicando os responsáveis e aplicando-lhes as penas estabelecidas nesta lei;

c) propondo medidas preventivas e de segurança da navegação;

II - manter o registro geral:

a) da propriedade naval;

b) da hipoteca naval e demais ônus sôbre embarcações brasileiras;

c) dos armadores de navios brasileiros.

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Art. 14. Consideram-se acidentes da navegação:

a) naufrágio, encalhe, colisão, abalroação, água aberta, explosão, incêndio, varação, arribada e alijamento;

b) avaria ou defeito no navio nas suas instalações, que ponha em risco a embarcação, as vidas e fazendas de bordo.

Art. 15. Consideram-se fatos da navegação:

a) o mau aparelhamento ou a impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada, e a deficiência da equipagem;

b) a alteração da rota;

c) a má estimação da carga, que sujeite a risco a segurança da expedição;

d) a recusa injustificada de socorrro a embarcação em perigo;

e) todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e segurança da embarcação, as vidas e fazendas de bordo.

f) o emprego da embarcação, no todo ou em parte, na prática de atos ilícitos, previstos em lei como crime ou contravenção penal, ou lesivos à Fazenda Nacional. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 16. Compete ainda ao Tribunal Marítimo:

a) determinar a realização de diligências necessárias ou úteis à elucidação de fatos e acidentes da navegação;

b) delegar atribuições de instrução;

c) proibir ou suspender por medida de segurança o tráfego de embarcações, assim como ordenar pelo mesmo motivo o desembarque ou a suspensão de qualquer marítimo;

d) processar e julgar recursos interpostos nos têrmos desta lei;

e) dar parecer nas consultas concernentes à Marinha Mercante, que lhe forem submetidas pelo Govêrno.

f) funcionar, quando nomeado pelos interessados, como juízo arbitral nos litígios patrimoniais consequentes a acidentes ou fatos da navegação;

g) propor ao Govêrno que sejam concedidas recompensas honoríficas ou pecuniárias àquêles que tenham prestado serviços relevantes à Marinha Mercante, ou hajam praticado atos de humanidade nos acidentes e fatos da navegação submetidos a julgamento;

h) sugerir ao Govêrno quaisquer modificações à legislação da Marinha Mercante,

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quando aconselhadas pela observação de fatos trazidos à sua apreciação;

i) executar, ou fazer executar, as suas decisões definitivas;

j) dar posse aos seus membros e conceder-lhes licença;

k) elaborar, votar, interpretar e aplicar o seu regimento.

l) eleger seu Vice-Presidente.(Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 17. Na apuração da responsabilidade por fatos e acidentes da navegação, cabe ao Tribunal Marítimo investigar:

a) se o capitão, o prático, o oficial de quarto, outros membros da tripulação ou quaisquer outras pessoas foram os causadores por dolo ou culpa;

b) se foram fielmente cumpridas, para evitar abalroação, as regras estabelecidas em convenção internacional vigente, assim como as regras especiais baixadas pela autoridade marítima local, e concernentes à navegação nos portos, rios e águas interiores;

c) se deixou de ser cumprida a obrigação de prestar assistência, e se o acidente na sua extensão teria sido evitado com a assistência solicitada em tempo, mas não prestada;

d) se foram fielmente aplicadas as disposições de convenção concernentes à salvaguarda da vida humana no mar e as das leis e regulamentos complementares;

e) se o proprietário, armador ou afretador infringiu a lei ou os regulamentos, instruções, usos e costumes pertinentes aos deveres que a sua qualidade lhes impõe em relação à navegação e atividades conexas;

f) se nos casos de acidentes ou fato da navegação de que possa resultar a classificação de danos e despesas como avaria comum, se apresentam os requisitos que autorizam a regulação.

Art. 18. As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem certas, sendo porém suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário. (Redação dada pela Lei nº 9.578, de 1997)

Art. 19. Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de matéria da competência do Tribunal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada aos autos a sua decisão definitiva. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 20. Não corre a prescrição contra qualquer dos interessados na apuração e nas conseqüências dos acidentes e fatos da navegação por água enquanto não houver decisão definitiva do Tribunal Marítimo.

Art. 21. Nos processos instaurados perante o Tribunal Marítimo em que houver crime ou contravenção a punir, nem esta nem aquêle impedem o julgamento do que fôr da

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sua competência, mas finda a sua ação, ou desde logo, sem prejuízo dela, serão remetidas, em traslado, as peças necessárias à ação da Justiça.

CAPÍTULO III

DAS ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE

Art. 22. Compete ao presidente:

a) dirigir os trabalhos do Tribunal, presidir às sessões, propor as questões e apurar o vencido;

b) votar sòmente em caso de empate;

c) distribuir os processos e consultas pelos juízos e proferir os despachos de expedientes;

d) convocar sessões extraordinárias;

e) ordenar a restauração de autos perdidos;

f) admitir recursos, designando-lhes relator;

g) deferir ou denegar o registro da propriedade marítima e a averbação de hipoteca e demais ônus reais sôbre embarcações bem como o registro de armadores nacionais;

h) representar o Tribunal e dirigir, coordenar e controlar os seus serviços;

i) praticar todos os atos de direção decorrentes da legislação em vigor para os servidores públicos federais; (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

j) exercer as demais atribuições fixadas no regimento do Tribunal.

k) propor ao Presidente da República, por intermédio do Ministro da Marinha, os servidores que devam ocupar os cargos em Comissão, bem como os que devam ser promovidos. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

Parágrafo único. Ao vice-presidente cabe substituir o presidente em suas faltas e impedimentos.

Art. 23. O Presidente terá um assistente de sua confiança, designado dentre os funcionários do Tribunal. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966)

CAPÍTULO IV

DAS ATRIBUIÇÕES DOS JUÍZES

Art. 24. Ao juiz do Tribunal Marítimo compete:

a) dirigir os processos que lhe forem distribuídos, proferindo nêles os despachos interlocutórios;

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b) presidir aos atos de instrução, funcionando como interrogante;

c) orientar os processos por forma a assegurar-lhes andamento rápido sem prejuízo da defesa dos interessados e da finalidade do Tribunal;

d) requisitar de qualquer repartição pública, entidade autárquica e paraestatal, sociedade de economia mista e, em geral, de qualquer emprêsa vinculada à indústria da navegação e serviços complementares ou conexos, informações, esclarecimentos, documentos e o mais necessário à instrução dos processos;

e) admitir a defesa bem com a intervenção de terceiros interessados ou prejudicados nos processos de que fôr relator;

f) apresentar ao Tribunal os processos prontos para julgamento;

g) discutir as questões, e julgá-las, atendendo aos fatos e circunstâncias emergentes dos autos, ainda que não alegados pelas partes e formando livremente, na apreciação da prova, o seu convencimento;

h) justificar o voto por escrito, quando vencido e servir de relator quando vencedor;

i) relatar as consultas que lhe forem distribuídas;

j) exercer as demais atribuições fixadas no regimento do Tribunal.

Art. 25. O juiz suplente, em exercício, terá as atribuições e vantagens do juiz efetivo.

Art. 26. O juiz que se declarar suspeito ou impedido motivará o despacho. Se a suspeição ou o impedimento for de natureza íntima, comunicará os motivos ao presidente do Tribunal.

Art. 27. É vedado ao juiz do Tribunal Marítimo:

a) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo o magistério secundário e superior e os casos previstos na Constituição para os magistrados sob pena de perda do cargo;

b) exercer atividade político-partidária.

CAPÍTULO V

DOS ÓRGÃOS AUXILIARES

SEÇÃO I

DA PROCURADORA

Art. 28. (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987) Art . 29. (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987)

SEÇÃO II

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DOS ADVOGADOS DE OFÍCIO

Art . 30. (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987)

SEÇÃO III

DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES

Art. 31. O patrocínio das causas no Tribunal Marítimo é privativo dos advogados e solicitadores provisionados, inscritos em qualquer seção da Ordem dos Advogados do Brasil.

Parágrafo único. As proibições e impedimentos de advocacia no Tribunal Marítimo regem-se pelo disposto no Regulamento da Ordem dos Advogados do Brasil.

CAPÍTULO VI

DA SECRETARIA

Art. 32. A Secretaria é o órgão de execução dos serviços processuais, técnicos e administrativos decorrentes das atribuições do Tribunal; será dirigida por um bacharel em Direito que exercerá o cargo de Diretor-Geral e terá a seguinte composição: (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

I - Divisão de Acidentes e Fatos da Navegação; (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

II - Divisão de Registro da Propriedade Marítima; (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

III - Divisão de Jurisprudência e Documentação; e (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

IV - Divisão de Administração. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

V - Serviços Auxiliares.

§ 1º Os trabalhos e encargos das divisões e serviços da Secretaria serão, segundo sua natureza e vulto, distribuídos em seções e turmas, na forma do que fôr diposto pelo regimento do Tribunal.

§ 2º As atribuições do Diretor-Geral da Secretaria, das divisões, serviços, seções e turmas serão minuciosamente fixadas no Regimento Interno. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

TÍTULO II

CAPÍTULO I

DO INQUÉRITO SÔBRE ACIDENTES OU FATOS DA NAVEGAÇÃO

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Art. 33. Sempre que chegar ao conhecimento de uma capitania de portos qualquer acidente ou fato da navegação será instaurado inquérito.

§ 1º Será competente para o inquérito:

a) a capitania em cuja jurisdição tiver ocorrido o acidente ou fato da navegação;

b) a capitania do primeiro pôrto de escala ou arribada da embarcação;

c) a capitania do pôrto de inscrição da embarcação;

d) qualquer outra capitania designada pelo Tribunal.

§ 2º Se qualquer das capitanias a que se referem as alíneas a, b e c, do parágrafo precedente não abrir inquérito dentro de cinco dias contados daquele em que houver tomado conhecimento do acidente ou fato da navegação, a providência será determinada pelo Ministro da Marinha ou pelo Tribunal Marítimo, sendo a decisão dêste adotada mediante provocação da Procuradoria, dos interessados ou de qualquer dos juizes.

Art. 34. Verificar-se-á a competência por prevenção desde que, sendo mais de uma capitania competente, houver uma delas em primeiro lugar, tomado conhecimento do acidente ou fato da navegação, iniciando, desde logo, o inquérito.

Parágrafo único. Qualquer dúvida sôbre a competência para a instauração de inquérito será dirimida, sumàriamente, pelo Tribunal Marítimo.

Art. 35. São elementos essenciais nos inquéritos sôbre acidentes e fatos da navegação:

a) comunicação ou relatório do capitão ou mestre da embarcação, ou parte de qualquer dos interessados, ou determinação ex-offício ;

b) depoimento do capitão ou mestre, do prático e das pessoas da tripulação que tenham conhecimento do acidente ou fato da navegação a ser apurado;

c) depoimento de qualquer testemunha idônea;

d) esclarecimento dos depoentes e acareação de uns com outros, quando necessário;

e) cópias autênticas dos lançamentos diários de navegação e máquina, referentes ao acidente ou fato a ser apurado, e a um período de pelo menos vinte e quatro horas anteriores a tal acidente ou fato, salvo no caso de embarcação dispensada dos lançamentos aludidos quando serão investigados e reconstituídos os pormenores da navegação, rumos, manobras, sinais, etc., mediante depoimentos do capitão ou mestre, e tripulante;

f) exame pericial feito depois do acidente ou fato da navegação, e juntada do respectivo laudo ao inquérito;

g) juntada ao inquérito dos últimos têrmos de vistoria a que se houver submetido a embarcação, em sêco e flutuando, antes do acidente ou fato a ser apurado, bem como

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cópia do têrmo de inscrição, caso a embarcação não seja registrada no Tribunal Marítimo;

h) juntado ao inquérito, sempre que possível, do manifesto de carga, com esclarecimentos sôbre a forma pela qual se achava tal carga estivada, e, se tiver havido alijamento, juntada ainda ao inquérito de informações concretas sôbre a natureza e quantidade da carga alijada e sôbre o cumprimento das prescrições legais a êsse respeito.

Parágrafo único. A autoridade encarregada do inquérito poderá:

a) ordenar diligências suscetíveis de contribuir para o esclarecimento da matéria investigada;

b) requisitar de outra qualquer autoridade informações e documentos que não possam ser obtidos das autoridades navais.

Art. 36. Poderá o Tribunal Marítimo baixar provimento em que fixe, para cada acidente ou fato da navegação, a matéria a ser apurada pela capitania de portos que haja de proceder ao inquérito.

Art. 37. Cabe à autoridade encarregada do inquérito, quando concluídas as diligências, fazer no prazo de dez dias um minucioso relatório do que tiver sido apurado.

Art. 38. Sempre que o relatório da autoridade encarregada do inquérito apontar possíveis responsáveis pelo acidente ou fato da navegação, terão êles o prazo de dez dias contado daquele em que se der ciência das conclusões do relatório, para a apresentação de defesa prévia.

Art. 39. O inquérito, encerrado, será enviado com urgência ao Tribunal Marítimo.

Art. 40. Quando ocorre sinistro com embarcação brasileira em águas estrangeiras, o inquérito será realizado pela autoridade consular da zona, a qual cumprirá também efetuar tôdas as diligências determinadas pelo Tribunal Marítimo.

Parágrafo único. Cumpre ao cônsul que abrir o inquérito:

I - nomear peritos para os exames técnicos necessários, obedecendo a escolha à seguinte ordem:

a) dois oficiais da armada nacional, caso haja algum navio de guerra no pôrto ou em águas da sua jurisdição;

b) dois capitães de marinha mercante estrangeira;

II - ordenar, em nome do Tribunal Marítimo, mediante prévia comunicação a êste, o desembarque imediato do capitão ou de qualquer membro da tripulação, quando tal providência fôr essencial aos interêsses nacionais e à apuração da responsabilidade do sinistro.

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CAPÍTULO II

DO PROCESSO SÔBRE ACIDENTE OU FATO DA NAVEGAÇÃO

SEÇÃO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 41. O processo perante o Tribunal Marítimo se inicia: (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

I - por iniciativa da Procuradoria; (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

II - por iniciativa da parte interessada; (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

III - por decisão do próprio Tribunal. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

§ 1º O caso do número II dar-se-á: (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

a) por meio de representação, devidamente instruída, quando se tratar de acidente ou fato da navegação, no decorrer dos trinta (30) dias subseqüentes ao prazo de cento e oitenta (180) dias da sua ocorrência, se até o final dêste, não houver entrado no Tribunal o inquérito respectivo; (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

b) Por meio de representação, nos autos de inquérito, dentro do prazo de dois (2) meses, contado do dia em que os autos voltarem da Procuradoria, quando a promoção fôr pelo arquivamento, ou ainda no curso do processo dentro do prazo de três (3) meses, contado do dia da abertura da instrução, ou até a data de seu encerramento, se menor fôr a sua duração. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

§ 2º No caso da alínea a do parágrafo anterior, se achar o Tribunal que há elementos suficientes, determinará o prosseguimento e tomará as providências para o recebimento do inquérito, cujos autos serão incorporados aos da representação, procedendo-se, então, na forma do art. 42 e dos ulteriores têrmos processuais. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

§ 3º Em se tratando da hipótese prevista na primeira parte da alínea b, do § 1º, os autos permanecerão em Secretaria durante aquêle prazo, findo o que serão conclusos ao relator. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

§ 4º Em qualquer caso, porém, os prazos fixados no § 1º são peremptórios e só serão contemplados uma vez, não se renovando em outras fases de instrução que porventura venham a ocorrer. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 42. Feita a distribuição e a autuação, em se tratando de inquérito ou de representação, o relator designado dará vista dos autos à Procuradoria, para que esta, em dez (10) dias, contados daquele em que os tiver recebido, oficie por uma das

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formas seguintes: (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

a) oferecendo representação ou pronunciando-se sôbre a que tenha sido oferecida pela parte; (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

b) pedindo em parecer fundamentado, o arquivamento do inquérito; (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

c) opinando pela incompetência do Tribunal e requerendo a remessa dos autos a quem de direito. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

Parágrafo único. (Suprimido pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 43. (Revogado pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 44. As representações oriundas do mesmo inquérito constituirão processos conexos, que terão o mesmo relator e serão instruídos e julgados conjuntamente.

Art. 45. Nos feitos de iniciativas privada, a representação ou contestação só poderá ser oferecido por quem tiver legítimo interêsse econômico ou moral no julgamento do acidente ou fato da navegação.

Art. 46. No curso da ação privada é lícito às partes desistirem, mas o processo prosseguirá, nos têrmos em que o Tribunal decidir na homologação, como se fôsse de iniciativa da Procuradoria. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 47. No processo iniciado em virtude de representação do interessado, admitir-se-á o litisconsórcio ativo ou passivo, fundado na comunhão ou identidade de interêsse.

§ 1º O direito de promover os atos dos processos, cabe indistintamente a qualquer dos litisconsortes, e quando um dêles citar ou intimar a parte contrária, deverá também citar ou intimar os colitigantes.

§ 2º Quando o litígio tiver de ser resolvido de modo uniforme para todos os litisconsortes, serão representados pelos demais os revéis ou foragidos, ou os que houverem perdido algum prazo.

§ 3º Quando a decisão puder influir na relação jurídica entre qualquer das partes e terceiro, será lícito a êste intervir em qualquer fase do processo como litisconsorte, aceitando a causa no estado em que ela se encontrar.

Art. 48. No processo de ação pública, qualquer interessado poderá intervir apenas como assistente da Procuradoria ou do acusado.

§ 1º O assistente será admitido enquanto a decisão não passar em julgado, e receberá a causa no estado em que ela se achar.

§ 2º O co-representante não poderá, no mesmo processo, intervir como assistente da Procuradoria.

§ 3º Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às

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testemunhas, participar do debate oral, arrazoar os recursos interpostos pelo assistido e recorrer, por sua vez, caso não o tenha feito o assistido.

§ 4º O fato prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente, quando êste, uma vez intimado, deixar de comparecer a qualquer dos atos processuais, sem motivo de fôrça maior.

Art. 49. Recebida pelo Tribunal a representação, o relator do processo o fará prosseguir nos têrmos desta lei.

Art. 50. Quando a Procuradoria requerer o arquivamento do processo, o Tribunal, se julgar improcedentes as razões invocadas para o pedido, ordenará a volta do processo à Procuradoria, a fim de que esta proceda na forma da letra c do art. 28.

Art. 51. Quando a Procuradoria opinar pela incompetência do Tribunal, o processo será concluso ao relator, que o apresentará ao Tribunal para seu conhecimento e decisão.

Parágrafo único. Se o Tribunal afirma a sua competência na espécie, será o processo enviado à Procuradoria, que deverá proceder na forma das letras a ou b do art. 28.

Art. 52. Nos casos do art. 50 e parágrafo único do art. 56, o procurador terá o prazo de cinco dias para oferecer representação.

SEÇÃO II

DA CITAÇÃO

Art. 53. Recebida a representação ou negado o arquivamento do inquérito, determinará o relator a notificação do acusado: por mandado ou com hora certa, se residente no Estado da Guanabara; por delegação de atribuições ao Capitão do Pôrto em cuja jurisdição residir o representado, se fora daquele Estado; por delegação de atribuições ao agente consular brasileiro em cujo país residir o representado, se fora do Brasil; e por edital, se ignorado, desconhecido ou incerto o local de permanência. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 54. Será necessária a citação, sob pena de nulidade, no início da causa ou da execução, caso em que se fará por guia de sentença.

Art. 55. A citação, a notificação e a intimação serão cumpridas com as formalidades estabelecidas no regimento do Tribunal.

SEÇÃO III

DA DEFESA

Art. 56. Dentro em quinze dias da notificação poderá o notificado oferecer defesa escrita, juntando e indicando os meios de prova que entender convenientes.

Parágrafo único. A decisão do Tribunal só poderá versar sôbre os fatos constantes da representação ou da defesa.

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SEÇÃO IV

DA PROVA

Art. 57. São admissíveis no Tribunal tôdas as espécies de prova reconhecidas em direito.

Art. 58. O fato alegado por uma das partes que a outra não contestar será admitido como verídico, se o contrário não resultar do conjunto das provas. A prova do inquérito será aceita enquanto não destruída por prova contrária.

Art. 59. O Juiz ou o Tribunal poderá ouvir terceiro a quem as partes ou testemunhas se hajam referido como sabedor de fatos ou circunstâncias que influam na decisão do feito, ou ordenar que exibam documento que a esta interesse.

Art. 60. Independerão de provas os fatos notórios.

Art. 61. Aquêle que alegar direito estadual, municipal, costumeiro, singular ou estrangeiro, deverá provar-lhe o teor e a vigência salvo se o Tribunal dispensar a prova.

Art. 62. No exame das provas de atos e contratos, guardar-se-á o que em geral e especialmente prescrevem as leis que os regulam.

Art. 63. A prova que tiver de produzir-se fora da séde do Tribunal será feita mediante delegação de atribuições de instrução ao capitão de portos ou agente consular brasileiro.

Art. 64. No que concerne às diversas espécies de provas serão obedecidas as regras do processo comum, na forma estabelecida pelo regimento do Tribunal.

CAPÍTULO III

DAS RAZÕES FINAIS

Art. 65. Finda a instrução, será aberta vista dos autos por 10 (dez) dias, sucessivamente, ao autor e ao representando para que aduzam, por escrito, alegações finais, e em seguida serão os autos conclusos ao relator para pedido de julgamento.

Art. 66. Antes de pedir julgamento, o relator:

a) mandará sanar qualquer omissão legal ou processual;

b) ordenará, de ofício, qualquer diligência ou prova necessária ao esclarecimento da causa.

Art. 67. O relator terá 10 (dez) dias a fim de estudar os autos que lhe forem conclusos para pedido de julgamento afora o tempo consumido nos atos a que se refere o artigo precedente.

CAPÍTULO IV

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DO JULGAMENTO

Art. 68. O julgamento do processo obedecerá às seguintes normas:

a) relatório;

b) sustentação das alegações finais, sucessivamente, pelas partes;

c) conhecimento das preliminares suscitadas e dos agravos;

d) discussão da matéria em julgamento;

e) decisão, iniciando-se a votação pelo relator, e seguido êste pelos demais juízes, a partir do mais moderno no cargo.

§ 1º Antes de iniciada a votação, poderá qualquer juiz pedir vista do processo até a sessão imediata e, excepcionalmente, pelo prazo que lhe fôr concedido pelo Tribunal.

§ 2º Iniciada a votação, nenhum juiz poderá mais se manifestar, salvo para justificar o voto.

Art. 69. Proferido o julgamento, o presidente anunciará a decisão, designado para redigir o acórdão ao relator ou vencido êste, ao juiz cujo voto tiver prevalecido.

Art. 70. Se houver empate, o presidente desempatará de acôrdo com a sua convicção.

Art. 71. O Tribunal só poderá deliberar com a presença de, pelo menos, metade e mais um dos seus membros, sendo as questões decididas por maioria de votos. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 72. O julgamento poderá ser convertido em deligência a critério do Tribunal em virtude de proposta de um dos juizes, apresentada antes de iniciar-se a votação.

Parágrafo único. A diligência será promovida pelo relator e, uma vez cumprida, ouvidas as partes, será o processo submetido ao plenário para prosseguimento do julgamento.

Art. 73. O acórdão será publicado em sessão do Tribunal, nos dez dias seguintes ao julgamento, remetendo-se cópia para a publicação no órgão oficial.

Art. 74. Em todos os casos de acidente ou fato da navegação, o acórdão conterá:

a) a definição da natureza do acidente ou fato e as circunstâncias em que se verificou;

b) a determinação das causas;

c) a fixação das responsabilidades, a sanção e o fundamento desta;

d) a indicação das medidas preventivas e de segurança da navegação, quando fôr o caso.

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TÍTULO III (Revogado pela Lei nº 7.652, de 1988)

CAPÍTULO I

DO REGISTRO DA PROPRIEDADE NAVAL

Art. 75. a 91(Revogado pela Lei nº 7.652, de 1988)

CAPÍTULO II

DO REGISTRO DA HIPOTECA NAVAL E OUTROS ÔNUS

Art. 92. a 100 V (Revogado pela Lei nº 7.652, de 1988)

CAPÍTULO III

DO REGISTRO DOS ARMADORES

Art. 101. (Revogado pela Lei nº 5.056, de 1966)

CAPÍTULO IV

DO CANCELAMENTO DO REGISTRO

Art. 102. a 104 (Revogado pela Lei nº 7.652, de 1988)

TÍTULO IV

CAPÍTULO I

DOS RECURSOS

Art. 105. Os recursos admitidos são os seguintes:

a) embargos de nulidade ou infringentes;

b) agravo;

c) embargos de declaração.

CAPÍTULO II

DOS EMBARGOS INFRINGENTES

Art. 106. É passível de embargos a decisão final sôbre o mérito do processo, versando os embargos exclusivamente matéria nova, ou baseando-se em prova posterior ao encerramento da fase probatória, ou ainda, quando não unânime a decisão, e, neste caso, serão os embargos restritos à matéria objeto da divergência.

Art. 107. Os embargos, que deverão ser opostos nos dez dias seguintes ao da publicação do acórdão no órgão oficial, serão deduzidos por artigos.

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Art. 108. Admitido o recurso e designado novo relator, o embargado terá o prazo de dez dias para oferecer a impugnação.

§ 1º O prazo para o preparo do recurso será de três dias contados da ciência do recebimento, sob pena de deserção.

§ 2º Se a Procuradoria oficiar no processo sòmente como fiscal da lei, terá, por último, vista dos autos para dizer sôbre os embargos.

§ 3º A seguir, os autos serão conclusos ao relator para pedido de julgamento.

Art. 109. No julgamento dos embargos observar-se-á o estabelecido no art. 68.

Art. 110. Despresados os embargos, e publicado o acórdão no órgão oficial, a decisão produzirá todos os efeitos.

CAPÍTULO III

DO AGRAVO

Art. 111. Caberá agravo para o Tribunal por simples petição:

I - Dos despachos e decisões dos juízes:

a) que não admitirem a intervenção de terceiro na causa como litisconsorte ou assistente;

b) que concederem ou denegarem inquirição e outros meios de prova;

c) que concederem grandes ou pequenas dilações para dentro ou fora do país;

d) que deferirem, denegarem, ou renovarem o benefício da gratuidade.

II - dos despachos e decisões do presidente:

a) que admitirem ou não recurso ou apenas o fizerem em parte;

b) que julgarem ou não reformados autos perdidos em que não havia ainda decisão final;

c) sôbre erros de contas ou custas;

d) que concederem ou denegarem registro.

Art. 112. O agravo é restrito ao ponto de que se agravou, ao qual o Tribunal deverá limitar a sua decisão, de que não haverá embargos.

§ 1º O recurso terá efeito suspensivo, tão sòmente, porém, em relação ao ponto agravado.

§ 2º O prazo para a interposição do agravo, será de cinco (5) dias e o seu

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processamento na forma do Código de Processo Civil, arts. 844 e 845, incisos e parágrafos. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

§ 3º No Tribunal o agravo será distribuído a um juiz desimpedido que pedirá sua inclusão em pauta para julgamento, com preferência nos trabalhos do dia, quando o relatará. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

§ 4º Provido ou não o recurso, os autos baixarão ao relator do feito principal, para o seu prosseguimento. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

CAPÍTULO IV

DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Art. 113. Às decisões do Tribunal podem ser opostos embargos de declaração no prazo de quarenta e oito horas, contados da publicação no órgão oficial, quando apresentarem ambiguidades, obscuridade, contradição ou omissão.

Art. 114. Os embargos de declaração serão deduzidos em requerimento de que devem constar os pontos em que a decisão fôr ambígua, contraditória ou omissa.

§ 1º Se a petição não apontar qualquer dessas condições, será desde logo indeferida.

§ 2º O julgamento de embargos de declaração terá preferência na pauta dos trabalhos do dia.

CAPÍTULO V

DA EXECUÇÃO

Art. 115. Para cumprimento de decisão do Tribunal Marítimo será expedida guia com os seguintes requisitos:

a) o nome da autoridade que a manda cumprir;

b) a indicação da autoridade incumbida do seu cumprimento;

c) o nome e a qualificação do responsável;

d) a transcrição da parte decisória, e a indicação do órgão oficial que publicou na íntegra o acórdão;

e) as assinaturas do presidente e do diretor da Secretaria.

Art. 116. A guia de sentença será restituída ao Tribunal com declaração escrita do seu cumprimento, feita pela autoridade a quem foi remetida.

Parágrafo único. Se a autoridade incumbida do cumprimento não o puder efetuar restituirá a guia com declaração negativa.

Art. 117. Quando a pena fôr a de multa e das custas, devidamente apuradas, a guia

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será expedida à repartição encarregada da inscrição das dívidas fiscais para a cobrança executiva.

Art. 118. Quando a pena imposta não fôr a de multa, e se referir a estrangeiro domiciliado fora do país, além da remessa da guia de sentença à autoridade competente, far-se-á comunicação ao representante consular.

Art. 119. Serão responsáveis pelo pagamento das multas impostas a estrangeiros domiciliados fora do Brasil, e das custas processuais respectivas, os representantes eventuais da embarcação.

Art. 120. Nas guias de sentença, serão incluídas, para cobrança, as custas processuais vencidas.

TÍTULO V

CAPÍTULO I

Das Penalidades (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 121. A inobservância dos preceitos legais que regulam a navegação será reprimida com as seguintes penas: (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

I - repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação ou ambas; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

II - suspensão de pessoal marítimo; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

III - interdição para o exercício de determinada função; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

IV - cancelamento da matrícula profissional e da carteira de amador; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

V - proibição ou suspensão do tráfego da embarcação; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

VI - cancelamento do registro de armador; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

VII - multa, cumulativamente ou não, com qualquer das penas anteriores. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 1º A suspensão de pessoal marítimo será por prazo não superior a doze meses. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 2º A interdição não excederá a cinco anos. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 3º A proibição ou suspensão do tráfego da embarcação cessará logo que deixem de existir os motivos que a determinaram, ou, no caso de falta de registro das embarcações obrigadas a tal procedimento, logo que seja iniciado o processo de

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registro da propriedade. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 4º Em relação a estrangeiro, a pena de cancelamento da matrícula profissional será convertida em proibição para o exercício de função em águas sob jurisdição nacional. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 5º A multa será aplicada pelo Tribunal, podendo variar de onze a quinhentas e quarenta e três Unidades Fiscais de Referência (UFIR), ressalvada a elevação do valor máximo nos casos previstos nesta lei. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 6º As penalidades de multa previstas nesta lei serão convertidas em Unidade Real de Valor - URV, ou no padrão monetário que vier a ser instituído, observados os critérios estabelecidos em lei para a conversão de valores expressos em UFIR. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 122. Por preceitos legais e reguladores da navegação entendem-se todas as disposições de convenções e tratados, leis, regulamentos e portarias, como também os usos e costumes, instruções, exigências e notificações das autoridades, sobre a utilização de embarcações, tripulação, navegação e atividades correlatas. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

CAPÍTULO II

DO Cancelamento da Matrícula (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 123. O Tribunal pode ordenar o cancelamento da matrícula profissional de pessoal da marinha mercante e da carteira de amador ou a interdição para o exercício de determinada função, quando provado: (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

I - que o acidente ou fato da navegação foi causado com dolo; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

II - que o acidente ou fato ocorreu achando-se o responsável em estado de embriaguez ou sob efeito de qualquer outra substância entorpecente; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

III - que, tratando-se de embarcação brasileira, foi praticado contrabando, em águas estrangeiras, ocasionando o confisco da embarcação ou da sua carga; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

IV - que a falta de assistência causou a perda de vida. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

CAPÍTULO III

Da Suspensão ou Multa (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 124. O Tribunal poderá aplicar a pena de suspensão ou multa, ou ambas cumulativamente, às pessoas que lhe estão jurisdicionadas, quando ficar provado que o acidente ou fato da navegação ocorreu por: (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

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I - erro da navegação, de manobra ou de ambos; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

II - deficiência da tripulação; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

III - má estivação da carga; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

IV - haver carga no convés, impedindo manobras de emergência, ou prejudicando a estabilidade da embarcação; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

V - avarias ou vícios próprios conhecidos e não revelados à autoridade, no casco, máquinas, instrumentos e aparelhos; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

VI - recusa de assistência, sem motivo, à embarcação em perigo iminente, do qual tenha resultado sinistro; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

VII - inexistência de aparelhagem de socorro, ou de luzes destinadas a prevenir o risco de abalroações; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

VIII - ausência de recursos destinados a garantir a vida dos passageiros ou tripulantes; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

IX - prática do que, geralmente, se deva omitir ou omissão do que, geralmente, se deva praticar. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 1º O Tribunal poderá aplicar, até o décuplo, a pena de multa ao proprietário, armador, operador, locatário, afretador ou carregador, convencido da responsabilidade, direta ou indireta, nos casos a que se referem este artigo e o anterior, bem como na inobservância dos deveres que a sua qualidade lhe impõe em relação à navegação e atividades conexas. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 2º Essa responsabilidade não exclui a do pessoal marítimo que transigir com os armadores na prática daquelas infrações. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 125. Quando provado que a estiva foi feita em desacordo com as instruções do comandante, piloto, mestre, contramestre e qualquer outro preposto do armador, resultando da infração dano à embarcação ou à carga, a empresa estivadora, o estivador, ou ambos, serão punidos com a multa prevista no § 5º do art. 121, isolada ou cumulativamente com a pena de suspensão. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 126. Quando provado vício da embarcação, decorrente da mão-de-obra ou do material empregado pelo empreiteiro, estaleiro, carreira, dique ou oficina de construção ou de reparação naval, em desacordo com as exigências legais, o responsável será punido com a multa prevista no § 5º do art. 121. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Parágrafo único. A falta de pagamento da multa importará na suspensão das licenças para construção ou reparação naval. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

CAPÍTULO IV

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Da Aplicação da Pena (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 127. Cabe ao Tribunal, atendendo aos antecedentes e à personalidade do responsável, à intensidade do dolo ou ao grau da culpa, às circunstâncias e conseqüências da infração: (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

I - determinar a pena aplicável dentre as cominadas alternativamente; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

II - fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 1º Na fixação da pena de multa, o Tribunal deverá atender, principalmente, à situação econômica do infrator. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 2º A multa poderá ser aumentada até o dobro, se o Tribunal julgar que, em virtude da situação econômica do infrator, é ineficaz, embora aplicada no máximo. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 3º Aos infratores em geral assegurar-se-ão o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 128. O Tribunal poderá substituir as penas de multa e suspensão pela de repreensão, toda vez que somente encontrar atenuantes a favor do responsável. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 129. A pena de suspensão, cancelamento da matrícula e da carteira de habilitação de amador ou de interdição em que incorrer a tripulação de embarcação estrangeira será aplicada somente com relação ao exercício de suas funções em águas sob jurisdição nacional. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 130. A pena de multa prevista nesta lei será aplicada ainda nos casos de dolo ou fraude nos registros mantidos pelo Tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Parágrafo único. A competência para aplicar a penalidade, nos casos deste artigo, será do Presidente do Tribunal. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 131. A multa deverá ser paga dentro de dez dias, depois da ciência da guia de sentença, prazo esse que, no entanto, poderá ser excepcionalmente dilatado. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Parágrafo único. Caso a multa seja elevada para as posses do infrator, poderá ser permitido que o pagamento se efetue em quotas mensais, até dentro de um ano, no máximo. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 132. O Tribunal poderá converter a multa em suspensão, quando se apresentarem razões que o justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Parágrafo único. Para a conversão, a cada quatro Ufir corresponderá um dia de suspensão, atribuindo-se tantos dias de suspensão quantas daquelas frações estiverem

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contidas no valor da multa, arredondando-se para um mês, quando o resultado apurado for menor do que trinta dias. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 133. Não se executará a pena de multa quando ela incidir sobre os recursos indispensáveis à manutenção do infrator e sua família. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Parágrafo único. Se, no entanto, o infrator for reincidente, aplicar-se-á o disposto no artigo anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 134. Suspender-se-á a execução da pena de multa, se ao infrator sobrevier doença que o incapacite para o trabalho e este não dispuser de outras fontes de recursos. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Parágrafo único. Proceder-se-á à cobrança caso o infrator volte ao exercício de sua atividade. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 135. Agravarão sempre a pena, quando de per si não constituam a própria infração, as seguintes circunstâncias: (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

I - a reincidência; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

II - a ação ou omissão da qual tenha resultado perda de vida; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

III - a coação ou abuso de autoridade ou poder inerente ao cargo, posto ou função; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

IV - o pânico a bordo, quando evitável ou reprimível; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

V - a desobediência a ordem legal, emanada de superior hierárquico; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

VI - a ausência do posto, quando em serviço; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

VII - o concurso em ato que tenha agravado a extensão do dano; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

VIII - a instigação a cometer a infração; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

IX - a execução da infração mediante paga ou promessa de recompensa; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

X - ter praticado a infração para assegurar ou facilitar a execução, a ocultação, a impunidade ou a obtenção de vantagem de outra infração; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

XI - a embriaguez e o uso de substância entorpecente, salvo se decorrer de caso fortuito ou de força maior; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

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XII - ser a infração praticada no exterior; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

XIII - resultar da infração poluição ou qualquer outra forma de dano ao meio aquático. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 136. Verificar-se-á reincidência quando o agente cometer outra infração, depois de definitivamente condenado por infração anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 1º A reincidência será específica, se as infrações forem da mesma natureza. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 2º Considerar-se-ão da mesma natureza as infrações estabelecidas em um só dispositivo legal, bem como as que, embora estabelecidas em dispositivos diversos, apresentarem pelos atos que as constituírem, ou pelos seus motivos determinantes, os mesmos caracteres fundamentais. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

§ 3º O decurso de tempo a ser observado na aplicação do agravamento da pena, por reincidência, é de cinco anos, devendo ser considerado como marco inicial de contagem: (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

I - nas hipóteses de repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação, ou ambas, a data em que transitar em julgado o acórdão do Tribunal; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

II - na hipótese de multa, o dia do seu pagamento ou, se tiver sido concedido o parcelamento, o da última parcela paga; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

III - nas hipóteses de suspensão e interdição, após o último dia de cumprimento da pena; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

IV - em qualquer caso, a data da extinção da pena. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 137. A reincidência específica importará na aplicação da pena de multa ou de suspensão, acrescida do dobro da fixada para a pena-base, somadas as circunstâncias agravantes, quando for o caso, observados os limites estabelecidos no art. 121 e seus parágrafos. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 138. A reincidência genérica importará na aplicação da pena de multa ou suspensão, acrescida da metade da fixada para a pena-base, somadas as circunstâncias agravantes, quando for o caso, observados os limites do art. 121 e seus parágrafos. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 139. Serão sempre circunstâncias atenuantes da pena: (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

I - ser o agente menor de vinte e um anos ou maior de setenta anos; (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

II - terem sido de somenos importância os efeitos da infração cometida; (Redação

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dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

III - a ignorância, ou a errada compreensão da lei, quando escusável; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

IV - ter o agente: (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

a) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o acidente ou fato da navegação, minorar-lhe as conseqüências; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

b) cometido a infração sob coação a que podia resistir, ou sob violenta emoção por influência externa não provocada; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

c) cometido a infração em estado de esgotamento físico, resultante de trabalho extraordinário; (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

d) confessado, espontaneamente, a autoria do fato. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 140. Em concurso de agravantes e atenuantes, a pena deverá aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultarem dos motivos determinantes da infração, da personalidade do agente e da reincidência. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 141. A pena que tenha de ser aumentada ou diminuída dentro de determinados limites é a que o Tribunal aplicaria se não existisse causa de aumento ou de diminuição. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Parágrafo único. Em concurso das causas de aumento ou de diminuição da pena, as mesmas compensar-se-ão. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 142. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar duas ou mais infrações, idênticas ou não, aplicar-se-ão, cumulativamente, as penas em que houver incorrido. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Parágrafo único. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar duas ou mais infrações da mesma espécie, e pelas condições de tempo e lugar, maneira de execução e outras semelhantes, deverem as infrações subseqüentes ser havidas como continuação da primeira, ser-lhe-á imposta a pena de uma só das infrações, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Incluído pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 143. A ignorância ou a errada compreensão da lei, quando escusáveis, ou quando as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção administrativa se torne desnecessária, poderão, excepcionalmente, resultar na não-aplicação de pena. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

Art. 144. Os casos omissos serão resolvidos por Resolução do Tribunal Marítimo. (Redação dada pela Lei nº 8.969, de 1994)

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Art. 145. Nos casos de ignorância ou de errada compreensão da lei, quando escusáveis, poderá a pena, excepcionalmente, deixar de ser aplicada.

Art . 146. Nos casos omissos obeservar-se-ão os dispositivos da legislação comum, no que fôrem aplicáveis.

TÍTULO VI

CAPÍTULO I

DO QUADRO DO TRIBUNAL MARÍTIMO

Art. 147. O Tribunal Marítimo terá o seu Quadro próprio de Pessoal. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

Parágrafo único. Dentro de cento e vinte (120) dias a contar da publicação desta Lei o Poder Executivo submeterá à aprovação do Congresso Nacional o nôvo Quadro de Pessoal do Tribunal, que lhe será proposto pelo seu Juiz-Presidente, através do Ministro da Marinha. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

CAPÍTULO II

DISPOSIÇÃO ESPECIAIS

Art. 148. Os juizes do Tribunal Marítimo gozarão da inamovibilidade e das deferências devidas ao seu cargo.

Parágrafo único. O tempo de serviço prestado ao Tribunal, na vigência das leis anteriores, será contado para todos os efeitos como de serviço público federal.

Art. 149. (Revogado pelo Decreto-Lei nº 25, de 1966) Art . 150. (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987)

Art. 151. Aos demais funcionários do Tribunal e no que concerne ao aproveitamento de cargos, direitos e vantagens, deveres e responsabilidades, aplicam-se as disposições da legislação que estiver para os servidores públicos federais, com as alterações decorrentes da presente lei.

Art. 152. Fica estabelecido para o Tribunal o regime das férias coletivas.

Parágrafo único. O período de trinta dias, contado a partir do primeiro dia útil do mês de janeiro, será de férias para o Tribunal, que somente se reunirá para assuntos de alta relevância, por convocação extraordinária do Juiz-Presidente. (Redação dada pela Lei 9.527, de 1997)

Art. 153. (Revogado pela Lei nº 7.642, de 1987)

Art. 154. O retardamento de processo por parte de juiz, procurador, adjunto de procurador ou advogado de ofício, determinará a perda de tantos dias de vencimentos quantos os excedidos dos prazos estabelecidos nesta lei, descontados no mês imediato àquele em que se verificar a falta.

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Parágrafo único. O desconto far-se-á pela repartição pagadora, à vista de certidão, que o Secretário do Tribunal lhe remeterá ex-officio , sob pena de multa de Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros), imposta por autoridade fiscal, sem prejuízo da de falta de exação no cumprimento do dever.

CAPÍTULO III

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 155. Nos casos de matéria processual omissos nesta lei, serão observadas as disposições das leis de processo que estiverem em vigor.

Art. 156. Nos processos da competência do Tribunal Marítimo haverá custas que serão recolhidas na forma da legislação fazendária em vigor. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

§ 1º O Tribunal organizará o seu Regimento de Custas e o submeterá à aprovação do Presidente da República no prazo de cento e vinte (120) dias, a contar da publicação desta lei. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

§ 2º O referido Regimento de Custas deverá ser vinculado ao valor do maior salário-mínimo vigente no País e atualizável de acôrdo com os reajustamentos daquele valor. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 157. O Tribunal Marítimo deverá, no prazo de noventa (90) dias, contados da publicação desta lei, ter elaborado o seu Regimento Interno para submetê-lo ao Presidente da República. (Redação dada pela Lei nº 5.056, de 1966)

Parágrafo único. O Regimento Interno entrará em vigor no prazo de noventa (90) dias, para o País, e cento e vinte (120) dias, para o exterior, a contar da data de sua publicação no órgão oficial. (Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

Art. 158. Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1954; 133º da Independência e 66º da República.

GETULIO VARGAS Renato de Almeida Guillobel