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  • MESA DE DEBATES 2

    INOVAO DOS MTODOS DE PESQUISA EM

    DIREITO E RENOVAO DA PRODUO

    CIENTFICA*

    Octvio Motta Ferraz Professor da Universidade de Warwick/UK

    Diogo R. Coutinho Professor na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (FD/USP)

    Luciana Gross Cunha Professora da Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getlio Vargas

    (Direito GV)

    Moderao

    Alexandre dos Santos Cunha Tcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea (Diest/IPEA)

    * Realizada no dia 29 de setembro de 2011, com posterior reviso dos autores.

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    Diogo R. Coutinho Muito bom dia a todos. Gostaria de registrar minha satisfao em

    participar deste encontro, uma honra estar em um evento acadmico desta natureza, voltado para a discusso da pesquisa emprica no campo do Direito. Gostaria de agradecer imensamente o professor Paulo Eduardo Alves da Silva por ter me convidado e registrar minha satisfao em compor esta mesa com a professora Luciana Gross Cunha, com o professor Octvio Ferraz e com o professor Alexandre Cunha, pessoas a quem respeito e admiro, com as quais vejo a possibilidade de um debate intelectual riqussimo.

    Muito bem: deram-nos a tarefa de suscitar e debater um tema bastante amplo, pretensioso e arrojado, num bom sentido: inovaes nos mtodos de pesquisa e renovao da produo cientfica em Direito. Assim dizendo, parece at que seremos capazes de dar respostas contundentes e definitivas s necessidades de inovao dos mtodos e para a renovao da produo cientfica em Direito. Da minha parte, porm, seria pretensioso (no mau sentido) tentar apresentar tais respostas, pois elas esto, a meu ver, longe de serem triviais. Assim, farei algumas provocaes e procurarei apresentar um diagnstico sobre como vejo o cenrio da pesquisa emprica no Brasil. Tentarei ser breve para permitir o debate, que o que me interessa acima de qualquer coisa. Muito rapidamente, vamos ver algumas provocaes e constataes que quero compartilhar.

    No Brasil, historicamente, a pesquisa ocupa um lugar secundrio, para no dizer tercirio, na profisso jurdica. Quem fez Direito no Brasil normalmente juiz, promotor ou advogado; no pesquisador. Essa palavra no cabe muito bem a quem estuda Direito, pois no da nossa tradio que sejamos pesquisadores, sobretudo em tempo integral, como o caso de alguns de ns aqui. Nossa profisso, em outras palavras, sempre foi identificada com sua vertente prtica e aplicada, enquanto a pesquisa identificada como uma espcie de torre de marfim. Quem estuda Direito deve resolver problemas da vida real, vai litigar, vai dar opinies sobre assuntos problemticos que exigem respostas consistentes com o ordenamento jurdico vigente. J a atividade acadmica acaba, num certo sentido, circunscrita a um campo distanciado da realidade, algo que no para profissionais do Direito. Por isso vista com estranhamento e at desconfiana pelos juristas. A pesquisa cientfica, desinteressada dos interesses de uma parte ou de um cliente, em geral, associada, s vezes de modo pejorativo, queles que os juristas chamam de os

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    socilogos termo genrico que abrange socilogos, economistas, cientistas polticos, dentre outros.

    Nas faculdades de Direito, em geral, supe-se que o aluno precisa primeiro entender o Direito para somente depois aprender como o mesmo aplicado, como se essas no fossem etapas sobrepostas, como se no fosse possvel fazer as duas coisas ao mesmo tempo com enormes ganhos qualitativos e pedaggicos. Ou seja, de maneira extravagante, supomos que primeiro necessrio ensinar a legislao para somente depois ensinar como aplicada. Ainda que isso no seja feito de forma inteiramente clara e consciente da parte dos professores de Direito, parece-me que se trata de uma premissa que subjaz esmagadora maioria dos mais de 1.200 cursos de Direito no Brasil. Nesse sentido, parece ser muito mais importante que os cursos digam o que o direito , e no explicar, de forma mais funcional e aderente vida real, o que o Direito faz na sociedade. Por isso, o fil mignon da profisso jurdica interpretar o Direito, dizer, numa busca crdula pela resposta certa, o que ele em cada situao concreta, dizer o que o justo, dar a cada um o que seu por direito. Nunca observar, descrever, analisar de forma funcional o Direito. Eu gostaria de provoc-los discordando dessas premissas daqui a um instante.

    Antes disso, me parece oportuno dizer que esse tipo de postura cria um crculo vicioso pelo qual os professores que no usam pesquisa em sala de aula (porque no a fazem) acabam perpetuando e alimentando de forma perversa um tipo de ensino no qual seus alunos tampouco faro pesquisa, seja como juristas prticos, seja como futuros professores. Refora-se, ento, a caricatura de que o jurista no formado para isso. Isso um problema, e, sendo isso verdade, esse crculo vicioso deve ser quebrado. Iniciativas como essa tomada pela Faculdade de Direito de Ribeiro Preto (FDRP) me parecem importantes no sentido de criar fissuras nesse modelo retroalimentativo no qual a pesquisa, no sendo valorizada pelos professores, tambm jamais a ser pelos seus alunos.

    Dentre os tipos possveis e so muitos, ao contrrio do que muitos pensam de pesquisa em Direito, eu arriscaria dizer que dois deles so

    Baseio-me parcialmente aqui no instigante texto Archetypal Legal Scholarship A Field

    Guide, da professora Martha Minow, da Harvard Law School e agradeo a Gisela Mation pela indicao desse documento, que est disponvel em: .

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    absolutamente hegemnicos e so identificados pela maior parte dos professores e alunos como os nicos que existem. So as pesquisas ditas doutrinrias e as filosficas, que logo explicarei.

    No pretendo dizer, vale ressalvar, que a lista de possibilidades que vou mencionar seja exaustiva; ela consiste em exemplos ou generalizaes, uma lista de tipos ideais do que podem ser as pesquisas no campo do Direito. Certamente h outros tipos e formas de agreg-las, mas foi assim que eu as reuni e agreguei, destacando logo no incio aqueles tipos que me parecem mais frequentes e que com muita regularidade so tratados como as nicas: as pesquisas doutrinrias e as pesquisas em filosofia do Direito.

    Sem querer expressar algum tipo de preconceito ou qualquer forma de ressalva com esse tipo de investigao, as pesquisas doutrinrias interpretam, organizam e reorganizam o Direito; constroem argumentos para garantir sistematicidade e integridade ao Direito, preferem classificaes e taxonomias a mergulhos empricos e aplicados; organizam institutos em categorias e, sobretudo, pretendem oferecer respostas certas e, no raro, definitivas para questes que no podem ficar sem resposta, normalmente problemas levados ao Judicirio. A principal ferramenta para esse tipo de pesquisa a dogmtica jurdica.

    O que na minha lista exemplificativa chamo de pesquisas em filosofia do Direito so aquelas que procuram dar uma resposta sobre o que o justo, sobre o que o direito deve oferecer sociedade, e procuram trabalhar com os grandes blocos e componentes do Direito, tentando relacion-los, buscando esclarecer conceitos abstratos como uma noo de justo. Pressupem, sobretudo, debates tericos e no prticos e defendem a prevalncia de determinada explicao terica como melhor que outra, de um determinado paradigma como superior a outro. Apontam inconsistncias, apontam problemas, sobretudo de natureza argumentativa e lgica nas pesquisas tericas ou filosficas dos outros, dos autores interlocutores. As ferramentas desse tipo de pesquisa so argumentos tericos, premissas filosficas, raciocnios dedutivos e, eventualmente, o uso de exemplos para sustentar esse ou aquele argumento.

    Em seguida eu mencionaria aquelas pesquisas denominadas comparativas e, a partir desse ponto, passo a enumerar os tipos de pesquisas que normalmente so relegadas, desvalorizadas, consideradas como pesquisas dos outsiders do Direito, daqueles juristas que no deram certo, que fizeram faculdade de direito por engano, ou ento dos socilogos que precisam auxiliar

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    os juristas a fazer certas coisas que esses normalmente no querem fazer porque precisariam sujar as mos de realidade concreta, crua e complexa.

    Essas pesquisas (as comparativas) oferecem descries de modelos jurdicos de outros pases ou de outro tempo histrico. Sugerem formas e categorias para iluminar diferenas, rupturas e continuidades em exerccios de comparao entre o presente e o passado ou entre o nacional, o estrangeiro ou o supranacional. Simplificadamente, o mtodo utilizado so fontes histricas, contextualizaes humansticas, cotejamentos e tambm exemplos.

    Existe outro grupo que eu considero to jurdico quanto os anteriores, chamado de pesquisas em polticas pblicas, que um conjunto grande (em outros pases) de iniciativas voltadas a entender a distncia existente entre o que o Direito pretende em tese e seus efeitos e aplicaes prticas. Trata-se, em outras palavras, de um esforo de medir o fosso existente entre o Direito formal/positivo e a realidade concreta em que ele se situa. Por isso voltado a entender gaps, ou seja, entender as questes do distanciamento, da ineficcia e da incompatibilidade com um foco na aplicao e na implementao de polticas pblicas. Esse parece ser um grupo relevante de pesquisa em Direito, absolutamente desprestigiado a despeito de altamente til e relevante para a sociedade.

    Em termos de objetivos, essas pesquisas buscam propor aperfeioamentos e melhorias na gesto da coisa pblica. O Direito entendido nesse conjunto de possibilidades de pesquisa como uma ferramenta funcional, isto , a quem se atribuem funes a desempenhar na sociedade. O Direito serve para fazer coisas, para alcanar resultados objetivos e materiais ou, se preferem, para alcanar pontos de chegada substantivamente definidos. Nesse sentido, alguns mtodos empricos podem ser utilizados para pesquisas desse tipo. Eles podem aparecer tambm em um grupo de pesquisas que podem ser descritas como testes empricos do senso comum. So pesquisas que tm por finalidade testar, de modo sinttico, se aquilo que os juristas consideram verdadeiro mesmo verdadeiro. Se determinadas suposies repetidas exausto pelos juristas so de fato consistentes com a realidade, ou se, ao contrrio, so mero fetiche, folclore, retrica ou crena sem fundamento. So pesquisas que so voltadas para estabelecer ou iluminar causalidades, inferncias e para incomodar (no sentido de instigar) certas premissas do senso comum dos juristas testando a sua validade. Uma variedade grande de mtodos pode ser aplicada para esses fins. Tcnicas aplicadas, estatsticas, mtodos qualitativos e quantitativos, muitos dos quais tomados de emprstimo

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    de outras reas das Cincias Humanas. Nesse ponto em especial existe uma enorme potencialidade na criao de consrcios interdisciplinares interessantssimos, incluindo os campos da econometria, cincia poltica, antropologia, estatstica, sociologia e outros.

    Outro tipo idealizado de pesquisa em Direito inclui os estudos das instituies e de seus atores de uma perspectiva jurdica. Como se sabe e muito se repete, as instituies so uma varivel-chave para o desenvolvimento das sociedades. Pesquisas sobre instituies fazem anlises de seus elementos, de sua arquitetura, das relaes e causalidades que suscitam, dos incentivos comportamentais que criam e dos atores que as operam. Com isso, essas pesquisas expem complexidades, peculiaridades e lacunas no funcionamento de instituies, tentando melhor-las e aperfeio-las como uma tarefa crucial do jurista tarefa que de fato me parece ser nossa! Um outro conjunto de mtodos, combinaes e inovaes metodolgicas utilizado para esse tipo de pesquisa, criando uma enorme potencialidade para as pesquisas empricas tambm nesse campo.

    Outro campo grande e de fronteiras pouco ntidas chamado de pesquisas crticas. Essas pesquisas enfatizam tenses, contradies ou paradoxos entre a superfcie do Direito e suas prticas cotidianas. Elas, como explica a professora Martha Minow, de Harvard, expem as impurezas do Direito, suas premissas veladas, bem como as ideologias, polticas e estruturas inconsistentes do discurso jurdico. Exploram a retrica como fonte potencial de inconsistncia argumentativa, no como virtude dos oradores do Direito. Essa desmistificao provocativa do Direito se faz, mais uma vez, pelo uso de mtodos variados das Cincias Sociais, como a anlise do discurso, das percepes e usos do Direito, da etnografia e outros mtodos antropolgicos largamente utilizados pelos outros cientistas sociais, mas no pelos juristas brasileiros.

    Os pesquisadores que fazem esses tipos de pesquisa (em especial as que descrevi como menos ou nada usuais no campo tradicional do direito brasileiro) se abrem de maneira destemida, porque no tm medo de perder a sua identidade. Esses tipos de pesquisa requerem, alm de treinamento, uma grande dose de segurana do pesquisador, porque ele no pode ter medo de se desmontar ou se desconstruir como um jurista medida que embrenha em outros campos que, em tese, de acordo com certas convenes epistemolgicas, no lhe pertencem ou lhe so aliengenas, como gostam de dizer pernosticamente os nossos juristas. So, enfim, aventuras muito interessantes

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    que eu vejo como possibilidades de agenda muito bem-vindas e que no desonram, desprestigiam nem descaracterizam a atividade de pesquisa no campo do Direito ao contrrio, a enriquecem.

    Como eu disse no incio, a percepo intuitiva que desde logo admito que no empiricamente comprovada, pois no fiz investigaes empricas ou de qualquer outra natureza para constat-las que os dois primeiros tipos de pesquisa, isto , a pesquisa doutrinria e a pesquisa filosfica, ou pseudofilosfica (que, com frequncia assustadora, muito mais um saco de gatos, uma salada metodolgica de autores) so as que prevalecem no Brasil. No se ofendam com esse tipo de comentrio, pois o que eu pretendo fazer mesmo uma provocao para estimular o debate. Nem todas as pesquisas dogmticas so assim e nem todas as pesquisas filosficas so assim, mas eu diria que, na mdia, isso que ns produzimos e chamamos de pesquisa em Direito.

    De outro lado, preciso reconhecer que iniciativas alternativas existem, e no de hoje. Seria pretensioso e ingnuo acreditar que s porque estamos no I Encontro de Pesquisa Emprica em Direito que isso no existia antes. Dito de outra forma, h algumas iniciativas pioneiras, inclusive conduzidas por professores que esto aqui, no campo da pesquisa emprica no Direito. Ento isso no novidade, mas tenho a impresso (esperando estar certo) de que pesquisas empricas de verdade esto se tornando mais frequentes, que esse espectro de possibilidades de pesquisa que transcende os limites dos dois principais tipos que elenquei est se alargando nos ltimos tempos.

    Nesse sentido, um curso de Direito oferecido em tempo integral como esse aqui da FDRP, diferentemente do curso oferecido pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (FD/USP), assim como os cursos de Direito da Fundao Getulio Vargas (FGV) em So Paulo e no Rio de Janeiro e outras iniciativas existentes pelo Brasil so elementos-chave e fazem, a mdio e longo prazos, muita diferena para o enriquecimento da agenda de pesquisa no Brasil.

    Existem, hoje, mais consrcios jurdicos com vis interdisciplinar, como o Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (CEBRAP), a Sociedade Brasileira de Direito Pblico (SBDP), o Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ), o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) que tm contribudo de maneira substancial para esse processo salutar de expanso da pesquisa emprica e que devero manifestar seu pleno potencial no mdio e longo prazo. Para mim, esses consrcios so curiais, isto , muito importantes, e

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    se eu estiver omitindo algum, peo desculpas, pois me refiro queles centros paulistas com os quais tenho contato hoje.

    Pesquisa se aprende fazendo e tambm discutindo, como estamos fazendo nesses dois dias de encontro. Mas isso no suficiente. No basta aprender ouvindo o que os outros pesquisadores fizeram sem nunca ter feito antes ou sem nunca fazer depois. Eu acredito que h um enorme desafio colocado para todos ns, que maior que o desafio de discutir; refiro-me ao imperativo de apropriar, conceber, melhorar e combinar mtodos, para que essas pesquisas ventiladas e enriquecidas, mas no jurdicas, possam ser feitas com mais frequncia. No existe somente um mtodo. No estou idealizando a necessidade de entendermos ou aprendermos um mtodo em especial como se este fosse um grande curinga que resolver todos os desafios de pesquisa que nos esto colocando. O grande problema que ns juristas no possumos mtodo nenhum. Mtodo para ns no algo relevante, preciso dizer. Para ns, pelo menos para boa parte de ns, mtodo ainda , tristemente, um vocbulo que designa o conjunto de instrues sobre como citar um autor numa nota de rodap. Isso uma tcnica de citao, porm, no mtodo ou metodologia. Mtodo outra coisa; saber percorrer conscientemente um conjunto de etapas de investigao sabendo, se no exatamente onde tal investigao vai dar, ao menos o que se est buscando, que hiptese se est testando, com que problema de pesquisa se est lidando, que pergunta se est tentando responder, que tese se est tentando falsear, que concluso ou achado de pesquisa alheia se est tentando submeter a verificao. preciso, em suma, haver um referencial, um repertrio autoconsciente.

    Outro ponto que gostaria de enfatizar o fato de que, ao contrrio do que muitos podem pensar, a pesquisa emprica pode fortalecer pesquisa terica, isto , ela pode robustecer argumentos prescritivos e normativos, iluminar as teorias e vitaminar teses jurdicas. Se algum acha que, por qualquer razo, preciso considerar, digamos, constitucional a lei tal e inconstitucional qualquer outra lei, por que, alm de usar o seu argumento de autoridade, ou o argumento de autoridade de outros, por que no robustecer ou testar, antes de qualquer outra coisa, o seu argumento empiricamente? O que quero dizer que testes empricos ou aventuras empricas, desde que realizados com responsabilidade e consistncia, so compatveis e alimentadores de argumentos tpica e convencionalmente jurdicos. Pesquisas empricas, em outras palavras, no precisam se situar num campo apartado; elas podem fortalecer pesquisas no campo do Direito numa combinao virtuosa.

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    Evidentemente, pesquisas empricas podem ser s empricas e pesquisas tericas no precisam ser empricas para serem boas pesquisas.

    Outra coisa que gostaria de dizer que nada do que eu disse inveno, no sentido de que eu tenha tirado isso da minha cartola. Esses tipos de pesquisa que tentei agrupar essa ideia de que existe inovao de mtodo, que os juristas podem se apropriar de mtodos de outras cincias sociais, podem adapt-los se julgarem necessrio, podem us-los tal como o fazem cientistas polticos ou socilogos no so novidade. Gostaria de lembr-los que, em vrios outros lugares do mundo, juristas fazerem pesquisas com socilogos, cientistas polticos ou economistas algo natural, no sentido de que no novidade nenhuma. Por isso, no estou inventando a roda aqui. S estou dizendo em tom provocativo que estamos ainda muito longe do tipo de pesquisa que pode ser feita e de fato feita em vrias outras partes, sobretudo nas instituies acadmicas mais respeitadas do planeta. Eu no quero ficar dando exemplos, isso no faz sentido, mas em muitas universidades do mundo, apenas para dar um exemplo prosaico, comum e no causa estranhamento que um professor de sociologia d aulas para alunos de direito na faculdade de direito, assim como os economistas e cientistas polticos com dupla formao o fazem.

    Vou terminar por aqui. Eu teria outras coisas para dizer, mas vou me conter em termos de uso do tempo, porque quero muito ouvir vocs. Mais uma vez me permitam agradecer a oportunidade de estar aqui. Obrigado!

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    Luciana Gross Cunha Bom dia a todos. Quero comear agradecendo o convite do professor

    Paulo Eduardo, agradecer a organizao do evento. Para mim um prazer estar entre mestres, como a minha professora Maria Tereza Sadek, a professora Gloria Bonelli e entre colegas que tambm esto enfrentando, ou se colocaram como desafio, a questo da pesquisa na rea de direito.

    A minha fala aqui muito breve, na verdade gostaria de compartilhar com vocs consideraes e questionamentos sobre o uso de determinados termos que foram importados das Cincias Sociais para o Direito e quais as consequncias dessas para o Direito, como atividade acadmica e de pesquisa.

    Aquilo que o professor Diogo estava falando agora, da ausncia de mtodo ou pelo fato de o mtodo ser usado como usado hoje nos cursos de direito, eu diria que o que mais falta na rea - nessa discusso sobre mtodo e o porqu h ausncia de mtodo - a falta de perguntas.

    Na rea de Direito, os alunos e os professores, forados por um constrangimento do mercado, deixam de fazer perguntas sobre o conhecimento que est sendo passado nos seus cursos. S como exemplo, dentro da Faculdade de Direito da FGV, tenho estagirios. S que eu no posso ser responsvel pelo estgio dos meus estagirios, nos termos do perodo de estgio aceito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por qu? Porque eu no tenho o nmero da OAB. Mas eu no sou advogada. Por que, para supervisionar um estgio de um curso de Direito, se exige de mim um nmero da OAB?

    Ento, foi falado aqui na primeira mesa, sobre a questo do constrangimento e do quanto a importncia da atuao prtica do advogado assumiu um papel de destaque dentro dos cursos de Direito que hoje em dia o nico papel - como exemplo, podemos olhar as brigas sobre os Exames da Ordem, frente produo de conhecimento na rea e s pesquisas na rea. Quem professor de metodologia nos cursos de Direito sabe como complicado, em primeiro lugar, reter a ateno do aluno e mostrar-lhe que o que vai aprender ali uma ferramenta absolutamente essencial para qualquer tipo de trabalho que vai fazer.

    E a de novo eu volto ao comeo da minha fala sobre como que a ausncia de mtodo, seja em qualquer tipo de pesquisa que se faa nessa rea, reflete muito mais uma forma de ausncia de pergunta. E a eu queria levantar um risco que corremos ao ver quase como atrao ou fetiche a pesquisa emprica. Se existe uma constatao, razoavelmente aceita, de que a pesquisa

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    doutrinria ou dogmtica, como forma de produo de conhecimento de baixa qualidade; eu vejo como risco a possibilidade de estarmos repetindo esse fenmeno, no que diz respeito pesquisa emprica. Tenho visto que, de forma geral, a pesquisa emprica tem sido avaliada como de alta qualidade, essencial, importante, simplesmente porque pesquisa emprica. Como se a simples empiria, seja l o que ela signifique, garanta a qualidade da pesquisa. Nesse sentido, quero pontuar que: em primeiro lugar existe muita pesquisa emprica, nas cincias sociais e no Direito, que possuem baixa qualidade; em segundo lugar existe pesquisa dogmtica e doutrinria de qualidade. E, ao meu ver, isso acontece porque nos rendemos, ou melhor, assumimos compromissos com o mtodo, sem antes saber o que estamos procurando, o que queremos saber, qual a pergunta de pesquisa.

    Eu acho que absolutamente positivo o fato de importarmos os mtodos e as tcnicas de pesquisa das outras cincias. O problema ignorarmos o papel do Direito, enquanto Cincia, com suas especificidades - at porque uma cincia social aplicada. Nesse sentido, como os mtodos e tcnicas de pesquisa das outras cincias podem produzir conhecimento para o Direito e dentro do Direito? Faz sentido essa importao para a produo de conhecimento no Direito?

    A mesma coisa podemos dizer respeito da fonte de pesquisa: apenas como exemplo, sabemos que o operador do direito e, mais especificamente o advogado, trabalha a jurisprudncia como fonte de pesquisa. Se a fonte de pesquisa a mesma, ser que o trabalho o mesmo, j que existe pesquisa tambm no dia-a-dia desse advogado? Se so trabalhos diferentes, em que sentido? Ambos podem ser caracterizados como pesquisa emprica? Se no, por que?

    Como que podemos, na academia, utilizar a jurisprudncia como fonte de pesquisa a partir de critrios cientficos?

    Para responder a essas colocaes, em primeiro lugar, preciso ter uma pergunta de pesquisa. O que que quero saber? O mtodo, independentemente do nome que eu queria dar para ele, consequncia dessa minha pergunta: nem todo mtodo emprico serve para qualquer pergunta, ao contrrio, eu diria. Sem a pergunta, eu no sei como olhar o meu objeto. E isso tambm se aplica s pesquisas doutrinrias, que podem ser muito bem feitas. E que a gente tambm tem que, de alguma forma, revalorizar o papel da pesquisa doutrinria na rea de Direito. O problema que, hoje, a pesquisa doutrinria um manual, que

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    no tem mtodo. E que tem juzo de valor. Independentemente do mtodo e da sua finalidade.

    Ento, eu queria chamar ateno para a hiptese de s conseguirmos pensar em inovao dos mtodos de pesquisa e da prpria pesquisa cientfica na rea de Direito, independentemente se pesquisa emprica ou doutrinria, se analisarmos a com cautela e com critrios cientficos, o que a pesquisa emprica em Direito e qual a pergunta que queremos fazer para o objeto que estamos olhando? Independentemente desse objeto ser a jurisprudncia ou se este objeto um fenmeno social regulado por uma determinada regra ou novas regras.

    A impresso que tenho que o Direito tem perdido espao diante das outras cincias sociais e, principalmente na definio das pautas de reformas institucionais e de elaborao de polticas pblicas ou escolhas legislativas porque no faz perguntas cientificas e perdeu a dimenso da sua importncia como cincia social aplicada. Ento, se de um lado temos muito a ganhar com o surgimento de novos fruns de produo de pesquisa, com o interesse maior em algumas reas especficas pelo estudo do Direito e no estudo dos efeitos que o Direito produz na sociedade, por outro lado, eu sou muito cautelosa em assumir que, pelo simples fato de estarmos fazendo pesquisa emprica, ela vlida e de boa qualidade. preciso saber qual o sentido que estamos dando palavra empiria e de que forma essa pesquisa est respondendo perguntas feitas a partir do Direito e para a produo de conhecimento dentro do Direito.

    O bacharel em Direito ou os acadmicos nessa rea do conhecimento possuem especificidades - quais so essas especificidades, como elas produzem um conhecimento que possui caractersticas especificas e o diferenciam das demais reas de conhecimento? Estamos efetivamente produzindo um novo conhecimento, que no poderia ser produzido com determinadas caractersticas, se fosse produzido em outras reas do conhecimento?

    Enfim, acho que demos um passo importante no sentido de participar de um frum de pesquisa emprica no Direito, como esse organizado pela Faculdade de Direito de Ribeiro Preto e que tira a pesquisa acadmica no Direito da sua zona de conforto ao lhe apresentar novos mtodos. Porm, precisamos dar um passo alm, no sentido de questionar, discutir, criticar de forma construtiva, esses novos campos da pesquisa, lembrando que no simplesmente importando mtodos, que resolvemos o problema da qualidade. A empiria tambm erra, esconde, mente, assim como a doutrina ou a dogmtica.

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    Por fim, eu gostaria de ressaltar que fazer pesquisa cientifica no Direito no reduzir nossa discusso ao mbito da sociologia jurdica. A sociologia jurdica, como disciplina do Direito, tem muito a contribuir na produo de conhecimento cientifico, mas ela no a nica modalidade onde a pesquisa cientfica, no Direito, possvel. Da porque eu gostaria de terminar apresentando como desafio para a pesquisa cientfica no Direito as investigaes para alm da sociologia jurdica e que tambm devem servir como instrumento de transformao da realidade, dada a caracterstica de cincia social aplicada, que o Direito. isso. Muito obrigada.

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    Octvio Ferraz Boa tarde. Primeiramente gostaria de agradecer a todos pela presena e

    pelo convite para participar desse debate sobre um tema to relevante e atual. O que vou falar aqui hoje baseado em um paper que escrevi para um

    simpsio sobre o constitucionalismo latino-americano [Symposium on Latin American Constitucionalism, Texas Law Review, 5-6 de maro de 2011]. O meu tema, na ocasio, era a implementao dos direitos econmicos e sociais pelo Judicirio e foi em decorrncia do interesse por esse tema que surgiu minha preocupao com metodologia.

    Ao contrrio do professor Diogo Coutinho, que tem uma viso muito mais abrangente e pensa sobre a metodologia de pesquisa em Direito, como tambm faz a professora Luciana faz, eu entrei nesse debate por necessidade. Foi uma questo pragmtica. Tive de aprender a metodologia e trocar a roda do carro com o carro andando. Ento, provavelmente haver vrias falhas que, como recomenda a professora Luciana, sugere que precisamos desenvolver essa metodologia, discutir como ela pode ser aplicada nessas pesquisas que fazemos na rea do Direito.

    Como o Alexandre Cunha disse no incio e o professor Coutinho reforou, o advogado no tem mtodo. E isso no s no Brasil, uma realidade verificada no mundo inteiro, exceo dos Estados Unidos, onde as pesquisas empricas, que trazem uma metodologia, tm mais fora e comeam a ganhar mais fora ainda - fazendo crescer as crticas que defendem que o que fazem no mais Direito, outra coisa, cincias sociais ou outras reas afins.

    Assim, pretendo falar um pouco da minha experincia e das dificuldades com metodologia que tive ao fazer essa pesquisa - cujos dados vou apresentar mais detalhadamente numa mesa mais especfica, amanh, sobre a Judicializao da Sade, que o meu tema.

    Nessa pesquisa, eu comecei com uma pergunta: o Judicirio deve interferir nas polticas pblicas para proteger os direitos sociais a sade, educao, moradia etc.? Esse um debate que est em pauta no mundo jurdico e tambm nas cincias polticas e em outras reas. Mas, no mundo jurdico, havia uma peculiaridade que me incomodava: na literatura jurdica tradicional, a argumentao era sempre dogmtica, terica; ou seja, cheia daqueles vcios, se podemos chamar assim, apontados na provocao que o professor Coutinho fez sobre a metodologia tradicional de pesquisa jurdica, que seria muito dogmtica e terica.

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    Toda a discusso sobre essa questo se limitava ao plano mais terico, conceitual, abstrato. O debate pautado pelos que so pr-interferncia judicial, que veem no Judicirio um guardio da Constituio, baseiam-se naquela teoria de classificao de normas constitucionais, e veem as que reconhecem direitos econmicos e sociais como normas de eficcia plena, e no normas programticas. E com essa classificao terica, estaria resolvido o problema.

    Argumenta-se que o Judicirio, na separao de poderes, tem essa funo de guardio da Constituio, e, sendo os direitos econmicos e sociais normas constitucionais de eficcia plena, deve interferir nas polticas pblicas para garantir esses direitos. Como representantes no Brasil dessa viso h, por exemplo, a professora Flvia Piovesan e Andres Krell, na frica do Sul - que outro pas onde o debate tambm est bastante acalorado por conta da Constituio deles, e, ainda, o professor David Bilchitz. Alis, vale a digresso, eu agradeo ao professor Diogo por ter me ensinado que as pesquisas de direito comparado que estou fazendo me colocam naquela categoria de jurista que no deu certo..

    E h, por outro lado, aqueles que so contra a interferncia judicial nos direitos sociais por questes polticas. A ideia, nesse caso, seria a de que o Judicirio, dentro de uma democracia, no tem legitimidade, nem capacidade institucional, para interferir nessas polticas pblicas ao implementar esses direitos econmicos e sociais. Eu no consegui achar ningum no Brasil que defenda essa posio - talvez eu seja o nico -, mas nos Estados Unidos h o Mark Tushnet, e C. Sustein e, na frica do Sul, o Dennis David.

    Quando tive contato com esse debate, estava comeando a fazer meu doutorado, a me preocupar com essas questes, e ento surgiu a dvida: e os efeitos concretos das decises? Talvez, na poca em que esses debates estavam sendo realizados, fosse at impossvel olhar para esse lado mais emprico, que so os efeitos concretos dessas decises. Essas discusses ficaram mais tpicas nos julgamentos naqueles casos das dcadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos, o Brown vs. Board of Education etc. Mas o debate morreu nos Estados Unidos quando a Corte voltou a ser muito conservadora e a retornou-se s discusses das novas constituies. Ento ainda no havia decises. A discusso era: Devemos colocar os direitos econmicos e sociais na Constituio? Ou no? Se colocarmos, devemos coloc-los como direitos ou como programas, diretivas polticas, como na Constituio da ndia? Hoje, vinte anos depois da promulgao da Constituio brasileira, no h mais desculpa para no

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    olharmos os efeitos concretos das decises - pelo menos na minha viso. Isso no era feito na literatura jurdica, como observei. H muita crtica at hoje, no Brasil e no exterior, que defende que trabalhos empricos no so trabalhos jurdicos; trabalho jurdico est em outra dimenso.

    Antes de vir para c, fiz uma pequena pesquisa para ver como estava o estgio desse debate, e vi que nos Estados Unidos, recentemente, houve uma polmica de dois professores, um chamado Brian Leiter, da Universidade de Chicago, e o outro chamado Stephen Bainbridge, da Universidade da Califrnia (UCLA), exatamente sobre isso. Eles criticavam os estudos empricos em Direito como trabalhos de cientistas polticos e socilogos de segunda linha. Aquilo que o professor Diogo falou a respeito de nas faculdades de Direito americanas, de que atualmente dispem de socilogos, economistas e cientistas polticos dando aulas nos cursos jurdicos, eles (os dois professores americanos mencionados) criticam, dizendo que um economista de primeira linha no vai querer dar aulas numa faculdade de Direito. Seriam, portanto, economistas, socilogos e outros profissionais de segunda linha que estariam nas faculdades de Direito. Esse um debate que acontece l tambm. Eu no seria to otimista assim em achar que estamos atrasados e estamos tentando recuperar o tempo perdido. Acho que o debate vai continuar e vai depender de conseguirmos desenvolver as metodologias que realmente respondam s perguntas, ou fazer perguntas corretas, como a professora Luciana ponderou.

    Acho tambm que os estudos empricos em Direito no podem virar moda. Acreditar que qualquer dado emprico que voc agregue pesquisa j transforma aquilo em um estudo relevante errneo. O desafio agora saber usar o dado emprico. O diagnstico est feito. Precisa de metodologia emprica? Precisa. Mas tem que fazer bem feito.

    Ento esse paper uma tentativa minha de propor um mtodo que, por sua vez, surgiu da necessidade da minha pergunta. Quem tem que julgar so vocs, isto , os leitores, se esse mtodo bom ou ruim, se deve ser aprimorado ou esquecido.

    A posio que assumo nesse paper a de que impossvel voc responder aquela questo da legitimidade do Judicirio sem olhar para os efeitos que sua atuao produz no plano concreto. Por isso uma pesquisa basicamente emprica.

    Quando o Judicirio implementa, ou tenta implementar, o direito sade, o direito educao ou o direito moradia, o que acontece na realidade? impossvel, para mim, responder essa questo da legitimidade do Judicirio

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    sem esse componente emprico forte. Isso no se aplica somente aos direitos econmicos e sociais. Aplica-se ao direito de uma forma geral e talvez possa ser extrapolado para outras reas da pesquisa jurdica. A questo complexa , portanto, definir os critrios para voc qualificar a atuao do Judicirio como positiva ou como negativa em cada caso.

    E a eu volto para aquela dificuldade que temos de perceber que no basta usar uma pesquisa emprica com uma metodologia excelente. No campo jurdico, a metodologia emprica tambm precisa se combinar com uma discusso normativa. No sei se era a isso que a professora Sadek estava se referindo quando falou que sempre h um paradigma de dever ser, mesmo na pesquisa de cincias sociais. Temos que tentar responder uma pergunta que volta seu olhar para o componente normativo de dever ser includo naquela viso. Voc j faz a pergunta com a inteno de responder algo que possui um importante componente normativo. No a empiria pela empiria, de saber aquele dado por saber.

    Em alguns casos, ser interessante s saber o que est acontecendo na realidade. No campo jurdico, a pesquisa vai ter que nos ajudar a responder alguma questo de Direito. Por isso, discordo daquela viso que diz que as questes de direito no tm nada a ver com as questes empricas, so dois ramos apartados. Mas eu tambm alerto para o risco de voc ir para o lado emprico, achar dados interessantes e fascinantes, mas que no tm aplicao na rea normativa.

    O que acontece, pelo menos nesse mtodo que estou propondo, uma espcie de equilbrio reflexo entre a discusso normativa e os dados empricos encontrados. Ao mesmo tempo em que conhecer o mundo muda a sua viso normativa a respeito da rea, a sua viso normativa depende e pode tambm mudar o seu enfoque sobre os dados. Voc no consegue enxergar ou entender os dados sem ter uma posio normativa, mas voc precisa mudar sua posio normativa a depender dos dados que voc ache. esse o equilbrio reflexo que eu acho que a metodologia precisa incorporar.

    Para terminar, gostaria de mostrar alguns poucos dados dessa pesquisa que fiz e vou tentar explicar como funcionaria essa metodologia que estou propondo.

    Como que isso funcionaria? Aqui eu tenho trs grficos que mostram dados empricos interessantes, coletados em pesquisas sobre o tema; uma de uma colega e as outras duas de outras pesquisas minhas.

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    Aqui [slide] temos um mapa da cidade de So Paulo, com dados de uma pesquisa emprica que analisou todas as aes contra a Secretaria Municipal de Sade, pedindo remdios com base no direito sade previsto na Constituio Federal (CF/1988). Fez-se uma radiografia dessas aes e olharam-se alguns dados. Um deles, que gerou esse mapa, o endereo dos litigantes. Onde moram as pessoas que vo Justia pedir remdios? possvel perceber, para quem conhece a cidade de So Paulo, que as reas com maiores ndices de vulnerabilidade social no originam nenhuma dessas aes. Esse um dado emprico interessante de saber por si s. Como que usamos isso em uma pesquisa jurdica? Vou responder essa pergunta depois.

    Esta outra [slide] uma pesquisa minha que fiz no mbito nacional. Peguei aproximadamente 4.600 aes nas quais a Unio r e que o Ministrio da Sade tem que processar no acumulado at o final do ano de 2009. De que estados vm essas aes? De novo, vemos uma correlao enorme entre a riqueza do estado e a provenincia dessas aes. Enquanto os dez estados com maior ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil concentram 94% das aes, os 17 estados com IDH menor tm somente 6% dessas aes. H a uma correlao interessante sobre a provenincia das aes e as condies econmico-sociais dos litigantes, mas ainda um dado emprico cru.

    Por ltimo, temos a discusso sobre os gastos pblicos. Os gastos vo aumentando exponencialmente. Aqui [slide], temos dados de R$ 400 milhes por ano no Estado de So Paulo, R$ 78 milhes no Rio Grande do Sul, R$ 40 milhes em Minas Gerais, que so alguns dos estados com maior nvel de judicializao e, num grfico que no pude colocar aqui, 85% desses gastos so feitos para suprir um nmero pequeno de litigantes com remdios caros e importados. Ento, mesmo dentro dessa litigncia, h tambm uma concentrao dos gastos nas aes que pedem alguns remdios caros. Esses so dados empricos crus. Como que aplicamos isso numa pesquisa de direito?

    preciso primeiro definir o que o direito sade, que est no campo normativo, para avaliar a ao do Judicirio com base naquele critrio que propus. Essa judicializao que est dando remdios caros para aqueles que moram nas reas mais abastadas das cidades e do pas tem efeitos positivos ou negativos? O Judicirio est ajudando a implementar o direito social sade que est na Constituio ou est tornando essa implementao pior? Dependendo da sua interpretao particular do direito sade, voc vai chegar a uma resposta diversa para essa questo. Mas eu acho que conhecer esses dados empricos fundamental para se pensar na questo normativa, que o

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    direito sade, e na outra questo mais institucional, se o Judicirio deve ou no interferir. Essa questo no respondida no plano terico e abstrato da teoria da separao dos poderes. O Judicirio deve ou no deve interferir? Voc observa o que acontece quando o Judicirio interfere e a, com base em uma interpretao do direito sade, que normativa, voc define se isso positivo ou negativo. Ento toma uma deciso a respeito de um desenho institucional que pode gerar at uma emenda constitucional ou talvez um projeto de lei como o do professor Kazuo Watanabe, dizendo que o Judicirio, nessas questes, no deve interferir. isso o que eu queria falar. Obrigado.

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    Comentrios, Perguntas e Debate

    Alexandre dos Santos Cunha: Comeamos com a exposio do professor Diogo Coutinho, que fez uma anlise dos diferentes tipos de pesquisas que podem ser empreendidas na rea do Direito para alm das tradicionais, normalmente as pesquisas de cunho doutrinrio-filosfico, tradicionalmente conhecidas no Brasil por sua salada filosfica, ou, como um professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) costuma dizer, por um liquidificador hermenutico.

    A importncia de prosseguirmos no caminho de buscar outras abordagens investigativas, sem perder a identidade do nosso campo, reside na importncia que isso tem para que possamos reverter o processo histrico de perda de relevncia da profisso jurdica no Brasil, que marcante principalmente nos ltimos 50 ou 60 anos. Falo em relao perda de importncia social, especialmente em relao a cincias sociais, economia e engenharia.

    Depois passamos fala da professora Luciana Gross, que ressaltou a importncia da pergunta para que faamos pesquisa, no importa se emprica ou no. Aprender a fazer perguntas fundamental, e muito difcil fazer com que um aluno de Direito, mesmo de ps-graduao, faa uma boa pergunta. Geralmente voc pergunta para um orientando o que voc pretende com a sua dissertao? e ele usualmente responde ah, eu quero falar sobre... ou eu quero escrever sobre... ou eu quero defender que.... Dificilmente voc encontra algum que esteja disposto realmente a buscar uma resposta para uma pergunta.

    Essa pergunta no requer necessariamente uma abordagem emprica, no precisamos desvalorizar a pesquisa em dogmtica jurdica. No necessariamente em doutrina, porque mesmo a pesquisa em dogmtica jurdica, como mostrou o professor Octvio Ferraz, no precisa ser doutrinria. Ela pode envolver elementos empricos. A linha de pesquisa do programa de ps-graduao no qual me formei, por exemplo, Fundamentos Dogmticos da Experincia Jurdica e parte do pressuposto de uma reflexo sobre a dogmtica a partir da experincia, o que requer necessariamente algum tipo de abordagem emprica.

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    importante termos, portanto, cuidado com essas novas abordagens empricas, que podem, com ms perguntas e maus mtodos, tornarem-se to ruins quanto vrias das pesquisas tradicionais.

    A professora Luciana Gross tambm ressaltou que os grupos de pesquisa que vm trabalhando com pesquisa emprica em Direito devem estabelecer um dilogo mais forte. Acredito que este evento um ponto de partida importante para isso. Um dos motivos pelos quais esse evento aconteceu justamente o de permitir que esses centros de pesquisa dialoguem mais.

    E, por fim, na questo profissional e da presso de mercado que existe, e que muitas vezes alija as vocaes de pesquisa dos alunos, talvez estes no tenham se dado conta do imenso mercado de pesquisa que existe para eles. Qualquer um que tenha tentado contratar um pesquisador em Direito nos ltimos tempos sabe que essa tarefa praticamente impossvel. Essa pessoa no existe no mercado. Ns, que contratamos entre vinte e trinta bolsistas por ano, na rea de pesquisa em Direito - e as bolsas do Ipea no so desprezveis, chegam a valores de at R$ 8 mil/ms - , ns no conseguimos achar pessoas.

    Por fim, o professor Octvio Ferraz trouxe uma questo mais aplicada, dando uma demonstrao da potencialidade que esse dilogo entre metodologias empricas e no empricas tem para a soluo de problemas que tradicionalmente so da rea do Direito. Embora o nosso tempo esteja a dois minutos do fim, vamos abrir para algumas perguntas.

    Ouvinte 1 - Ana Paula Antunes Martins (Diest/IPEA): Eu gostaria de

    dialogar diretamente com a professora Luciana. Eu fui professora de metodologia de pesquisa em cursos de Direito durante muitos anos e sempre tentei fazer com que os alunos problematizassem. Recentemente, me dei conta de que os alunos tinham muita dificuldade para problematizar porque eles saam com uma hiptese que sempre era, na verdade, uma defesa de tese. E isso muito porque do conhecimento, parte das habilidades que precisam ser adquiridas nos cursos de Direito, que as pessoas saibam defender teses, que saibam defender seu cliente, que saibam defender pontos de vista. Voc sai com um ponto de partida sabendo onde vai chegar. E mesmo que aquilo no faa muito sentido, que a tese seja fraca, o advogado no vai dizer isso na sua petio: , minha tese meio fraca, precisamos levantar mais dados. No, ele vai defender a sua tese.

    Ento, talvez nesse momento estamos desenhando um campo de atuao, que o campo de pesquisa em Direito. Mas, talvez, esse campo no

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    seja para todos. Talvez, nos cursos de Direito, a gente precise formar pessoas que tambm vo executar e vo pensar, claro, mas no como pesquisadores. Ou ser que pretendemos que os graduados em Direito saiam hbeis para fazer pesquisa social? Quando me dei conta disso, que eu estava tentando fazer com que meus alunos fizessem pesquisa social, quando na verdade essa era a minha opo, e por isso decidi fazer pesquisa em Sociologia do Direito. Ento, ser que essa proposio aqui, esse encontro de pesquisa emprica em Direito est tentando repensar o ensino jurdico? Ou ser que esse outro campo de atuao? O risco que estejamos difundindo o mtodo emprico para que as pessoas simplesmente comprovem suas teses predeterminadas, usem a empiria para ganhar legitimidade para comprovar aquilo que j pensavam. Daqui a pouco vamos ver peties cheias de grficos. E os juzes no fazem questo de ver os ndices. Ser que isso que esperamos dos nossos alunos?

    Ouvinte 2 Professora Luciana Yeung (Insper): Tenho uma questo

    para o professor Diogo relacionada aos diferentes tipos de pesquisa que, como ele mostrou, so um pouco renegadas na rea de Direito, mas especialmente a pesquisa comparada. Eu sou economista e vejo com bons olhos a pesquisa comparada, mas de certa forma tenho um ceticismo em relao ela. Por qu? Em economia, uma das pesquisas aplicadas mais conhecidas de um grupo de cinco economistas, de Harvard e de Chicago, que, em 1997, criaram uma linha conhecida hoje como Law and Finance, e que basicamente usa pesquisa comparada, chegando concluso que os pases com sistema jurdico de origem na Common Law so mais eficientes. At hoje essas pesquisas tm seguidores, todos os anos h alunos se formando no mestrado e no doutorado que seguem essa linha, mas desde o comeo o pessoal da anlise econmica do Direito, especialmente os juristas, vm caindo em cima dos resultados, basicamente porque no se pode comparar bananas com laranjas, alm de os sistemas hoje no serem puros. A minha pergunta : possvel fazer pesquisa comparada com resultados que realmente podem ser interpretados de maneira adequada?

    Ouvinte 3 Professor Srgio Nojiri (FDRP/USP): Boa tarde a todos.

    Para mim, pessoalmente, as palestras me causaram algumas reflexes interessantes e importantes, que me levaram a pensar algumas coisas interessantes. Resumidamente e tentando fazer um link com as manifestaes dos palestrantes, quando se diz que o direito est de certa forma ligado a pesquisa doutrinria e filosfica, e basicamente isso verdadeiro, parece que a

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    pesquisa doutrinria e filosfica por si s no problema. O problema a qualidade ruim das pesquisas doutrinrias e filosficas. O aporte de se ter um cenrio desse tipo hoje me parece uma consequncia natural, no sentido de que hoje o jurista comeou a perceber que se abre um campo, at profissional, para pesquisa em Direito. Ento, por que no se pesquisa em Direito? Por que o jurista no um bom pesquisador? Porque, tradicionalmente, as faculdades formavam advogados, juzes e promotores. Pesquisador em Direito uma novidade. Estamos dentro de uma tradio na qual se exige carteira da OAB at de quem orienta alunos. Parece-me que um problema muito forte de tradio voltada justamente para isso. Agora, eu gostei da manifestao no sentido da relao da pesquisa emprica com o fato dos juristas no serem chamados a debater os grandes problemas nacionais, porque a formao dos juristas dentro das faculdades no voltada para isso. voltada para resolver problemas que a pesquisa emprica da jurisprudncia, por exemplo, que resolve muito bem os grandes problemas dos escritrios de advocacia e dos juzes, daria muito bem conta do recado. Ento, parece que agora se abre uma perspectiva que me parece que vai servir muito bem para aqueles que querem trabalhar com pesquisa; o que cada vez mais uma realidade para ns. De uma forma geral, isso me lembra um pouco aquela histria de empirismo e racionalismo. Olha, a soluo est no empirismo, vamos olhar para as coisas e a partir da vamos conhecer a respeito de algo. O jurista tradicional ficou preso numa espcie de racionalismo sem dar muita importncia para o que dizia o empirismo. Usava o empirismo somente na medida em que era necessrio. Um exemplo muito claro disso foi o exemplo trazido pelo professor Octvio, sobre as polticas pblicas. Ele disse, aqui no Brasil no vejo ningum etc., mas j h uma discusso e acho que j h uma discusso crtica a respeito disso. O prprio Supremo Tribunal Federal (STF), salvo engano, at o ano de 2007 dizia que, nas questes de polticas pblicas, falar de questes oramentrias ou de questes financeiras era, perto dos direitos, um problema menor. Ento, em funo disso, os juzes no precisariam se preocupar com problemas menores. Essa a tradio do Direito; a abstrao. Agora, com relao a essa questo da empiria e da pesquisa emprica, uma questo que me parece fundamental o saber perguntar. E essa pergunta normalmente se origina de um problema. Quero fazer uma pergunta porque eu tenho um problema. Parece-me que a questo fundamental a de no se passar ou de no se querer passar a ideia de que a pesquisa emprica de certa forma imparcial, distante e objetiva, na medida em que eu estou diante de um problema normativo, poltico etc. E eu j tenho mais ou menos uma

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    resposta para o problema, mas quero buscar o respaldo emprico. No exemplo dado pelo professor Otvio, em que ele fez uma anlise emprica para uma determinada situao, essa mesma situao poderia ser interpretada de outra forma. Para aqueles que defendem o ativismo judicial, algum poderia dizer: Olha, em toda essa regio, ningum tinha remdios. Eles estavam precisando de remdios. Olha que avano ns j tivemos com relao ao problema dos remdios. Ento me parece que a leitura dos dados empricos pode ser feita de um lado ou de outro. Ento, a questo a pergunta. Quem est perguntando e o que eu quero com a resposta. Assim, claro, gostaria de parabenizar a todos pelos avanos nessas pesquisas, mas lembrando dos problemas do empirismo. Problemas que o empirismo trouxe, no sendo a soluo para todos os problemas, justamente porque esses dados empricos podem ser interpretados de mais uma forma, ainda mais no campo jurdico, que um campo intrinsecamente ligado poltica.

    Ouvinte 4: Mauro Oddo (IPEA). Bom dia. Somente para situar, estou me

    sentindo como um cachorro cado do caminho de mudana. Sou engenheiro, e no estou entendendo direito o que eu estou fazendo aqui (risos). Queria somente fazer algumas observaes. Primeiro. Essa discusso que est colocada aqui, olhando com o olhar de quem est de fora, acho que tem algumas questes fundamentais, mas o mtodo me parece a questo mais clara. E chamando a ateno para a questo da empiria x racionalismo, ficou claro desde a primeira apresentao do falso Estado de Direito. Ali essa questo veio tona. Tem outra coisa que me chamou a ateno. Como disse, sou um engenheiro. A despeito do que alguns colegas meus acham, a engenharia para mim no cincia, mas uma tcnica. Isso no quer dizer que no se faa cincia em engenharia. Mas engenharia antes de tudo uma tcnica. Mas produzimos cincia e se faz cincia em engenharia. Acho que algum de fora, e eu no sou advogado, repito, enxerga o Direito um pouco assim. Direito para mim no cincia, a despeito do fato de se poder fazer cincia em Direito. E a essa questo do mtodo, do emprico, do racional no Direito, para mim aparece no seguinte sentido. Quando eu fao cincia, a base metodolgica da cincia a lgica, isto , Aristteles. Eu enxergo o direito como baseado na retrica. O que a lgica tenta fazer desmontar a retrica. E o que a retrica tenta fazer? Esconder a lgica. No momento em que voc comea a confundir esses papis, algum falou: Ah! O mercado. O mercado na minha viso pede um advogado que seja bom de retrica. E o advogado vai usar at o nmero para sustentar um

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    argumento retrico. Isso muito diferente de usar metodologia emprica para a produo de conhecimento, de cincia. Essa separao (da lgica e da retrica na metodologia de pesquisa em direito), dentro desse debate todo, no ficou muito clara. s isso. Obrigado.

    Ouvinte 5: Realmente, uma preocupao grande que ns no

    retomemos o mito da razo experimental to bem trabalhado pelo Horkheimer e pelo Adorno nesse nosso retomar da pesquisa emprica. preciso muito cuidado com relao a isso. Eu sou pesquisadora na rea de seguridade social, mais especificamente na rea de previdncia, e eu queria fazer uma provocao para o professor Otvio. Na sua exposio, no sei se compreendi bem, o senhor tende mais a acreditar que a soluo seria a opo pela ausncia do Poder Judicirio na questo da implementao das polticas pblicas. Eu proponho se, na verdade, a soluo seria essa ou se seria a implementao efetiva da educao em direitos humanos para essas reas que no tiveram nenhuma ao implementada de medicamentos. Nesse sentido talvez pudesse ser um mtodo a renovao, a novao dialtica do questionamento a ser feito, : por que essas reas e essas pessoas economicamente desfavorecidas no ingressaram com aes de medicamento? E no o resultado final do por que foram concedidas para as reas mais bem favorecidas. Nesse sentido, se no fui muito clara, podemos conversar depois.

    Respostas e comentrios Luciana Cunha: Eu queria falar de forma rpida sobre a questo do que

    a gente est formando, de que a gente no quer somente formar s pesquisadores em Direito. Acho que aqui ningum quer formar somente pesquisadores em Direito. Agora, o problema quando a gente simplesmente impede, ou no ensina o aluno a pensar de outro jeito. A pensar na resposta dada. Porque o aluno de Direito pensa assim. Ele tem a resposta e faz o caminho inverso. Ento, quer dizer, eu fiz a opo por ser professora e tem gente que tambm fez a opo de ser advogado. E fez outras opes. O curso de bacharelado em Direito no pretende formar s pesquisadores em Direito. De forma nenhuma. Agora, quando estamos discutindo a funo da pesquisa emprica, ou a pesquisa, a gente est de alguma forma discutindo o ensino do Direito. Tem toda uma discusso na rea. Tem uma discusso importante que o

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    colega da engenharia levantou, quer dizer, que a discusso hoje em dia do mestrado acadmico e do mestrado profissional. E que o desprezo dessa sociedade pelo ensino tcnico. Ento, a gente cada vez mais sobe um degrau. O tcnico agora tem que ter mestrado profissional. Por qu? A gente perdeu a briga do curso tcnico no ensino mdio. A gente jogou essa briga para o curso de graduao, perdemos a briga no curso de graduao e, cada vez mais, para ser tcnico, voc precisa ser mestre. Quer dizer, eu acho que de alguma forma, a gente est fazendo essa discusso sobre pesquisa, a gente est impactando na rea da formao do bacharel em Direito. Que no um bacharel s advogado. No caso do Direito, isso ainda mais irritante, porque a gente tem uma entidade de classe que absolutamente forte e poderosa. Inclusive como na reserva de mercado. Ento as brigas com a Defensoria Pblica mostram exatamente isso. Eu acho que a chance que a gente tem enquanto professor de metodologia de ensinar alunos que tm outras formas de pensar dentro do Direito que so capazes de produzir conhecimento e terem uma utilidade absolutamente essencial dentro dessa rea.

    Diogo Coutinho: Luciana, muito obrigado pela sua pergunta. uma

    pergunta dificlima, porque me parece que um dos debates mais intrincados que existem justamente sobre o que significa comparar. Tem gente que fala em mtodo comparativo, como se isso fosse uma coisa bem acabada, conhecida, largamente utilizada e, portanto, dominada. Acho que pelo contrrio; comparar algo extremamente difcil, no trivial. Mesmo quem sabe fazer isso muito bem enfrenta muita dificuldade. Eu no fao pesquisa comparativa, embora me parea muito interessante e gostaria de aprender a fazer, mas no algo que eu possa obviamente responder com tranquilidade. Mas o que eu queria comentar brevemente o seguinte. Essa literatura que voc fez referncia, do pessoal do Law and Finance, o La Porta, Lpez-de-Silanes, Schleifer e cia., que so uns quatro ou cinco economistas que escrevem pelo menos uns dois ou trs papers por ano, publicam nas melhores revistas h dez anos, conforme dizia a professora Luciana, e chacoalham o debate no mundo dos juristas porque, basicamente, como a professora Luciana explicou, eles dizem, entre outras coisas, que pases da Common Law tm, por uma srie de razes, economias mais eficientes e um sistema jurdico que d suporte a um desempenho econmica melhor. O que eu acho desse tipo de abordagem que so economistas que se aventuraram no campo do direito sem todo o cuidado necessrio e sem muito dilogo com os juristas. Alm disso, eles fazem certas

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    simplificaes, com a ressalva de que no sou ningum muito apto a criticar, porque eu no me dediquei a isso, no uma literatura que me interessa tanto. Mas, pelo pouco que li, me parece que eles so excelentes economistas, mas soam, em alguns momentos, meio temerrios no que eles falam sobre Direito. Ento, dizem, basta ter uma Lei de Falncias, assim ou assado, que a sua economia vai deslanchar; se tiver um Judicirio que se contm, e no ativista, idem; e se voc tiver uma proteo quase cannica dos direitos de propriedade, a sua economia ningum segura . Se essa pesquisa tem uma enorme sofisticao econmica, economtrica, me parece que tem tambm muita simplificao e certa ingenuidade no que eles discutem em termos jurdicos. Acho que esses autores ganhariam imensamente se eles montassem um time interdisciplinar e sofisticassem esse tipo de argumento. um argumento interessante, mas um pouco mal acabado em termos jurdicos. No estou dizendo que eles no tenham feito um timo debate e uma excelente provocao. E quando algum faz isso e provoca reao, ainda que seja uma reao corporativista dos juristas, isso uma contribuio. Mas se pensssemos mais ambiciosamente, eles teriam ganho mais se eles tivessem se associado aos professores de Harvard, do MIT ou de Chicago, com quem eles tm dilogo, provavelmente, cotidiano, para fazer esses trabalhos. Parece-me, em outras palavras, que eles se comportam por vezes como idelogos liberais um pouco vorazes demais na defesa de suas teses de Estado pequeno, de um Judicirio que se contm e da eficincia econmica como um valor em si mesmo.

    Octvio Ferraz: Eu queria comentar, e respondendo as duas questes

    que me foram endereadas, o que o Diogo acabou de falar e ligar com o comentrio que o Alexandre fez bem no incio e com a resposta da professora Luciana tambm, de que o jurista no tem treinamento para fazer pesquisa emprica. Acho que todos ns concordamos com isso. E a, qual a soluo? Parece que vocs dois esto dizendo que interdisciplinaridade, com equipes multidisciplinares trabalhando juntos, acho que isso fundamental. Mas a para entrar na seara da professora Luciana, de metodologia de pesquisa. Eu tambm acho fundamental que o jurista aprenda essas tcnicas tambm, e que o economista que quer falar sobre Direito, aprenda o Direito tambm. Na verdade, penso que que so as duas coisas. Para aprender isso, no vejo essa separao entre o bom advogado e o bom pesquisador em Direito. Eu acho que saber esses mtodos tambm enriquece o operador do Direito, que como se costuma chamar o advogado e o juiz. Entro na questo dos ltimos que me

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    interessaram. Eu acho que enriqueceria os juzes que julgam aes de sade se eles olhassem os dados empricos e tivessem o treinamento de metodologia de como analisar aqueles dados. claro que os dados podem ser interpretados de maneiras diferentes. O professor falou dos olhares. Cada um vai olhar de um jeito para aqueles dados. Mas, ocorre o mesmo com as normas. As interpretaes podem divergir. Eu acho que a melhor interpretao da norma se d quando, alm da norma, tambm vemos os dados. Vamos ter interpretaes divergentes, claro. Por isso que eu ainda no posicionei minha resposta; voc (referindo-se pergunta 5) j antecipou um pouco, porque eu deixei transparecer, mas muito mais complexo do que isso. Eu vou falar amanh na mesa sobre sade, o porqu que eu acho que a judicializao perniciosa no Brasil e talvez devssemos at tirar do Judicirio essa tarefa. um pouco o argumento do paper o que eu fao aqui. Para dar um exemplo, enquanto os juzes s olhavam para a norma, e continuam s olhando, eles vieram com aquela interpretao - como voc (professor Sergio Nojiri) muito bem colocou e que no s at 2007, que continua na minha viso apesar da mudana de retrica - , de que o interesse financeiro do Estado secundrio. Como se no fosse importante olhar para os recursos escassos da sade para interpretar o direito sade. Quando voc olha os dados - e esses dados que eu coloquei foram breves - vrios dados sobre custos, alocao etc. a interpretao tende a melhorar. H pelo menos que se reconhecer a existncia daqueles dados. Vamos continuar com interpretaes divergentes, mas com um debate muito mais rico. A argumentao vai melhorar muito se os dados empricos e a metodologia forem utilizados.