mercados, atores e a construção da racionalidade ambiental em rio branco do sulpr - padilha 2010

Upload: douglas

Post on 27-Feb-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    1/29

    MERCADOS, ATORES E A CONSTRUO DA RACIONALIDADE AMBIENTAL

    EM RIO BRANCO DO SUL/PR1

    Douglas Ochiai Padilha2

    A partir do final do sculo XIX o avano da cincia agrria potencializou o domnio

    humano sobre seu entorno fsico e a capacidade de superar as restries impostas pela

    natureza. A qumica agrcola surgiu como uma possibilidade de eliminar o problema do

    esgotamento dos solos provocados pela monocultura, viabilizando um novo modo de

    produo na histria da agricultura que foi amplamente disseminado pelo mundo (EHLERS,1996). Na medida em que certos componentes da produo agrcola passaram a serem

    produzidos pelo setor industrial, tornou-se possvel o abandono dos sistemas rotacionais e a

    separao da produo animal e vegetal. So tambm parte deste processo o desenvolvimento

    de motores de combusto interna e a manipulao gentica de plantas, elementos tambm

    aditados pelo setor industrial. Essas mudanas nas tecnologias e prticas agrcolas marcaram

    o incio de uma nova fase da histria da agricultura, que ficou conhecida como "segunda

    revoluo agrcola". O pressuposto dessa agricultura modernizada pela "segunda revoluoagrcola" a idia de que as limitaes ecolgicas eram plenamente superveis atravs da

    cincia e tecnologia. O sucesso destas idias se observa no abandono quase total das prticas

    tradicionais de produo. Essa forma de pensar segue o modelo civilizacional fundado numa

    urbanidade que progressivamente foi instaurado pela economia de mercado e pelo

    produtivismo exacerbado, ambos impulsionados pelo desenvolvimento da tcnica e pela viso

    racionalista do mundo.

    A Ilustrao e o Liberalismo histrico cunharam a viso de que a natureza algoseparado do homem e suscetvel de ser dominada por ele, atravs da razo, podendo ser

    reduzida a mero fator produtivo suscetvel de privatizao, mercantilizao e cientifizao. A

    tecnologia agrcola moderna surge, ento, como materializao da cincia que representa a

    racionalidade instrumental desde a tica da acumulao capitalista. Com os equipamentos e

    tcnicas modernos, o agricultor passaria a depender cada vez menos da generosidade da

    natureza, transformando-a mais facilmente em direo aos seus interesses. Foi assim, que no

    1 Agradeo o apoio financeiro da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES)durante esta pesquisa.2Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paran.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    2/29

    final dos anos 40 j havia se produzido no primeiro mundo a implantao hegemnica de

    um modo industrial de uso dos recursos naturais.

    No Brasil, a agricultura modernizada pela mecanizao, utilizao de sementes

    geneticamente modificadas e insumos qumicos industriais, foi largamente incentivada como

    sinnimo de desenvolvimento e ingresso na modernidade, inclusive pelo Estado, em diversos

    ambientes rurais. Para Francisco Graziano Neto (1985), esta agricultura moderna vai alm do

    processo tcnico pois modifica a organizao e as relaes sociais de produo. Este modelo

    de modernizao forou uma profunda transformao no meio rural, provocando no Brasil um

    processo de modernizao em manchas (SANTOS, 2001) que focalizou as reas

    tradicionalmente concentradas em recursos tcnicos e polticos, e a abertura de algumas

    frentes de expanso no Centro e Norte do pas.O modelo de desenvolvimento adotado no Brasil, baseado na urbanizao e

    industrializao, superps-se a uma estrutura agrria essencialmente concentrada e desigual.

    Foi sobre este quadro que se implantou uma rpida dinmica de transformao rural,

    principalmente a partir dos anos 70. No meio rural evidenciam-se como conseqncias deste

    desenvolvimento a degradao intensa e acelerada dos recursos naturais, a concentrao

    fundiria, o xodo rural, as transformaes nos sistemas de produo e de relaes sociais, a

    massificao e a dependncia produtiva de insumos industriais, bem como a uniformizao ehomogeneizao dos processos produtivos de bens alimentares. Em conseqncia, constata-se

    no s a desarticulao sociocultural rural, como tambm a perda da diversidade cultural e

    dos sistemas de cultivo, o esgotamento e at extino da biodiversidade em diversas regies e,

    principalmente, um processo de enorme excluso social de trabalhadores, pequenos

    agricultores e camponeses de modo geral.

    Mas estas profundas transformaes no mundo rural no ocorreram sem resistncias e

    reaes. Diversos atores sociais como trabalhadores, bias-frias, mulheres, pequenosprodutores e tcnicosse organizaram a partir dos anos 70 em novos movimentos sociais no

    campo (SCHERER-WARREN, 1996) primeiramente pela defesa do acesso a terra e mais

    recentemente por questes ecolgicas.3

    Ainda nos anos 70, pequenos agricultores em processo de excluso e trabalhadores j

    excludos vinculados s associaes, organizaes sindicais combativas e pastorais religiosas,

    3Ilse Scherer-Warren (1996, p. 69) afirma que para formao de um movimento social necessrio primeiro oreconhecimento coletivo de um direito e a criao da conscincia no apenas do direito a um direito, mas do

    direito e do dever de lutar por este direito e de participar em seu prprio destino, para ento se formar umaidentidade social e poltica. Assim, a mera existncia formal de uma organizao no garante a existncia de ummovimento social. Para tornar-se um movimento social uma organizao necessita ter um compromisso com um

    projeto de mudana atravs de objetivos coletivos.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    3/29

    passaram a questionar tanto as polticas agrcolas como as tcnicas por elas implementadas.

    Surge da um movimento de construo de uma agricultura tida como "alternativa" ao modelo

    hegemnico que passou a resgatar prticas tradicionais de produo condenadas pelo modelo

    moderno-industrial. Alfio Brandenburg (2002) ressalta que a agricultura alternativa ou

    ecolgica4, enquanto movimento socialmente organizado, surge como um contramovimento,

    uma via alternativa poltica da modernizao agrcola.

    Iniciou-se com os modelos alternativos ao padro agroindustrial um processo de

    ecologizaoda agricultura (BUTTEL, 1995) que consiste na introduo de novas prticas,

    mais respeitosas com o ambiente, em sintonia com o novo paradigma de sustentabilidade5e

    desenvolvimento sustentvel. Dentro deste processo a agricultura ecolgica tem se convertido

    em uma via utilizada por agricultores familiares para fazer frente excluso econmica esocial e degradao ambiental, utilizando-se distintas formas associativas.

    O processo de ecologizao, quando observado desde a dimenso social, pode ser

    explicado a partir de uma maior valorizao de certos benefcios materiais e no materiais,

    tais como a melhoria da sade via produo e consumo de alimentos isentos de contaminantes

    qumicos, assim como a melhoria das condies de trabalho mediante a reduo ou

    eliminao do uso de produtos agrotxicos no processo produtivo. um processo que pode

    oferecer, tambm, benefcios sociais mais amplos ao conjunto da sociedade, como a oferta deprodutos com maior qualidade biolgica aos consumidores. Mas estas mudanas somente so

    possveis com base em uma racionalidade substantiva6 e no instrumental por parte do

    agricultor, ao aceitar a utilizao de alternativas tecnolgicas que nem sempre so capazes de

    assegurar os mesmos nveis de produo e produtividade alcanados via o modelo

    agroqumico dominante, o que supe assumir riscos econmicos na utilizao de tais

    alternativas.

    Como um contramovimento ao processo de industrializao da produo agrcola

    4 Agricultura alternativa e agricultura ecolgica dividem o mesmo significado, o de conjunto de modelosalternativos de agricultura tais como: agricultura biodinmica, agricultura natural, agricultura biolgica,agricultura orgnica, agricultura regenerativa, permacultura e agroecologia.5A idia de sustentabilidade uma resposta fratura da razo modernizadora e uma condio para construir umanova racionalidade produtiva, fundada no potencial ecolgico e em novos sentidos de civilizao a partir dadiversidade cultural do gnero humano (LEFF, 2006).6 Para Leff (2006, p.244-246), a ao orientada por valores pode romper ou extrapolar os princpios daracionalidade formal e instrumental dentro de um esquema de relaes entre objetivos e meios eficazes, pois aracionalidade substantiva acolhe a diversidade cultural, a relatividade axiolgica e o conflito social que emergem

    entre valores e interesses diferentes. Ela no um campo restrito ao tradicional, guiada pelo costume, peladominao de gerontocracias (grupo social dominante de autoridade ultrapassada) e economias patrimoniais,mas abre-se para outros valores mais atuais que suportam ou enfrentam os princpios da racionalidade formal einstrumental.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    4/29

    fundamentada na racionalidade econmica e instrumental, o movimento agroecolgico 7

    portador de uma mensagem ecolgica em que a relao homem-natureza mediada por uma

    representao social diferenciada do ambiente da agricultura convencional. Diante da

    problemtica ambiental emergem no mundo rural movimentos sociais que esto construindo

    alternativas para o modelo de desenvolvimento dominador e destruidor da natureza com

    idias e prticas produtivas que esto construindo outra racionalidade produtiva mais

    ambientalista.

    Estes novos movimentos sociais do campo que propugnam outra relao com o

    ambiente chamam a ateno por todo o globo e tornam-se cada vez mais objetos de pesquisas.

    Tornou-se muito relevante investigar os caminhos trilhados pelo movimento agroecolgico e

    em especial em lugares como a Regio Metropolitana de Curitiba (RMC), dado que ali seencontram diversos estgios tanto de modernizao da agricultura como tambm de

    ecologizao. Focar este universo rural possibilita (re)pensarmos as relaes entre sociedade e

    natureza, e mais especificamente estratgias que apontam para outras relaes que no a de

    dominao e controle (insustentveis) do ser humano sobre a natureza.

    Privilegiando para anlise os principais atores do movimento agroecolgico, os

    agricultores ecolgicos, questiona-se: quais razes motivaram estes atores sociais

    agricultura ecolgica? Como tem (re)agido o movimento agroecolgico diante do avano daracionalidade econmica e instrumental, mais especificamente, que respostas deram estes

    agricultores ecolgicos aos obstculos vividos na produo e comercializao de alimentos?

    Buscando respostas e novas perguntas, foram pesquisados agricultores e agricultoras

    do municpio de Rio Branco do Sul/PR que atualmente praticam alguma das correntes da

    agricultura ecolgica.8 Rio Branco do Sul faz parte do Vale do Ribeira, regio onde os

    instrumentos pblicos de desenvolvimento foram pouco aplicados. As restries e coeres

    vividas hoje pelos agricultores familiares so de diversas ordens, entre elas a presso fundiria

    7De acordo com Brandenburg (2002), diversas associaes entorno da agricultura alternativa ou ecolgica seformaram no Paran e em outros Estados brasileiros. Elas formaram um movimento que se articulanacionalmente em busca de uma via alternativa modernizao conservadora da agricultura. O encontro de 1983que ocorreu em Campinas/SP um indicador deste movimento agroecolgico; neste encontro participaram maisde 100 lideranas nacionais entre tcnicos e agricultores representantes de diversos brasileiros. Naquelemomento foram formuladas as bases para a organizao de uma rede nacional de fomento s tecnologiasalternativas, surgindo, ento, o Projeto Tecnologias Alternativas que articulou os estados do Maranho, Cear,Paraba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, So Paulo, Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.8A coleta de informaes sobre estes agricultores e agricultoras abrangeu fontes primrias e secundrias. Asfontes primrias resultaram de inqurito por questionrio de administrao indireta, entrevista semidiretiva ou

    semidirigida e observao direta no participante aplicados nas comunidades Campina dos Pinto, Pinhal e CapiruBoa Vista, entre os anos 2007 e 2008. As fontes secundrias so provenientes do Programa de Doutorado emMeio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR, bem como de estudos, projetos, relatrios, censos e afins deinstituies governamentais de planejamento e extenso rural e de entidades no-governamentais.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    5/29

    pelo avano da indstria mineradora e madeireira, as regulamentaes do Estado e de

    organizaes civis quanto ao uso e ocupao do solo, obstculos na produo e

    comercializao, contaminao por agrotxicos no solo, nas guas e nas pessoas.

    Nesta pesquisa esto em foco agricultores e agricultoras de trs comunidades rurais de

    Rio Branco do Sul: Campina dos Pinto, Pinhal e Capiru Boa Vista. Diante das adversidades

    socioambientais vivenciadas, alguns agricultores destas comunidades criaram estratgias

    diferenciadas quanto (re)produo social e econmica. Em meados da dcada de 1990

    algumas famlias, como a de Adyr Fioreze ou de Alrio Gasparin, iniciaram a converso de

    suas reas de cultivo para uma forma mais ecolgica de produo. Estes agricultores e

    agricultoras de Rio Branco do Sul contestam um sistema social orientado hipereconomicizado

    e degradador do ambiente.

    TRAJETRIAS DOS AGRICULTORES FAMILIARES ECOLGICO DE RIO

    BRANCO DO SUL

    Em Rio Branco do Sul, na dcada de 1980, a ao de padres da Igreja Catlica

    estimulou no municpio a organizao de comunidades de base. Em paralelo a esta iniciativa,

    o governo do Estado do Paran incentivou a criao de associaes visando melhoria das

    condies de produo e comercializao, surgindo nesse contexto a Associao de Pequenos

    Produtores Rurais de Rio Branco do Sul (Associao RIOSUL), sob superviso da

    EMATER/PR e da Companhia de Desenvolvimento Agropecurio do Paran (CODAPAR).

    A Associao RIOSUL existe desde 1982, mas no incio da Associao RIOSUL, osgrandes agricultores e comerciantes se apropriaram de suas estruturas (veculos, armazns,

    mquinas, etc.) e passaram a utiliz-las para uso prprio. (PERACI, 2002, p. 7). Somente em

    1992, alguns agricultores familiares estimulados pela Igreja Catlica disputaram e ganharam a

    direo da Associao RIOSUL. Sob a direo destes agricultores, a Associao RIOSUL,

    juntamente com a Universidade Federal do Paran (UFPR) e a Fundao F & Alegria9,

    9A Fundao F e Alegria do Brasil foi criada em 1981, filiada Federao Internacional F e Alegria. De

    acordo com a prpria Fundao, a F e Alegria um Movimento de Educao Popular Integral e PromooSocial cuja ao, impulsionada pela f crist, se dirige de forma co-participativa aos setores empobrecidos,

    principalmente crianas e jovens, privilegiando os grupos discriminados por razes tnicas, culturais, de gneroou por necessidades especiais (F Y ALEGRIA, 2008).

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    6/29

    apresentou um projeto Fundao Kellogg, em 1993, intitulado Alternativas econmicas

    para a diversificao do balano alimentar das comunidades rurais de Rio Branco do Sul

    (doravante denominado Alternativas Econmicas) com o objetivo de melhorar, atravs de

    assessoria, formao e capacitao organizativa, a qualidade nutricional das familiares da

    regio. A proposta tambm expressava um novo objetivo da Associao RIOSUL: promover

    o desenvolvimento sustentvel da agricultura familiar na regio do Vale do Ribeira,

    melhorando a qualidade de vida das pessoas e reduzindo os nveis de pobreza, por meio da

    organizao, formao, articulao, comercializao e divulgao, que envolvesse

    agricultores, populaes urbanas e consumidores, buscando um desenvolvimento social,

    econmico e poltico mais justo (PERACI, 2002, p. 8).

    A proposta da Associao RIOSUL de promover o desenvolvimento sustentvel daagricultura familiar na regio do Vale do Ribeira demonstrava estar alinhada aos ideais de

    sustentabilidade difundidos na 2 Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o

    Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, e com a valorizao da categoria

    agricultura familiar na Regio Metropolitana de Curitiba (RMC). O projeto Alternativas

    Econmicas envolveu mais de 500 famlias em um processo de capacitao e formao que

    influenciou profundamente a organizao e a mobilizao na vida de 12 comunidades do

    municpio. O agricultor Adyr Antnio Fioreze participou intensamente desse projeto e relatasua experincia:

    Eu comecei a participar da Associao RIOSUL na poca em que no existia omunicpio de Itaperuu, isso foi em 89, 90. Em 92, 93, foi fundado o municpio deItaperuu. Um pessoal de l estava na associao e da ns continuamos juntos. [...]

    No incio eu participava como agricultor. Foi formado um conselho do projeto prafazer um acompanhamento mensal e tinha os coordenadores, que atuavam na reamais poltica do projeto O projeto trabalhava toda essa questo da autogesto e tinhamais uma coordenadora na rea de sade alternativa. Foi a que eu fiz esse curso de

    bioenergia. Mas bom, passado um tempo eu tambm entrei na coordenao do

    projeto, fiquei seis meses, foi muito interessante e aprendi bastante no projeto.Inclusive tinha participao do pessoal da Universidade Federal tambm, queajudava (ADYR FIOREZE, 2007).

    A rea sobre sade preventiva e nutrio humana do projeto Alternativas Econmicas

    diagnosticou entre os agricultores de Rio Branco do Sul atravs de exames de laboratrio,

    consultas com mdicos, anlises de tecidos humanos, etc.elevados ndices de contaminao

    por ao dos agrotxicos. Ao reconhecerem a ameaa sade e vida humana alguns

    agricultores familiares da comunidade Campina dos Pinto iniciaram discusses e prticas

    sobre uma agricultura mais ecolgica. Muitos agricultores da regio reconhecem que a

    converso para uma agricultura mais ecolgica est ligada diretamente tomada da direo da

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    7/29

    Associao RIOSUL e ao projeto Alternativas Econmicas. Ali se concentraram aes dos

    agricultores familiares em busca da superao das dificuldades na esfera da produo, da qual

    depende a vida destas famlias.

    O trabalho inicial com agricultura orgnica10na Campina dos Pinto se consolida com

    o apoio da Associao de Agricultura Orgnica do Paran (AOPA) e se expande com mais

    duas famlias da comunidade Capiru Boa Vista. Com o trmino do projeto Alternativas

    Econmicas, em 1997, e o fortalecimento do trabalho sindical, a Associao RIOSUL passou

    a priorizar o apoio s entidades que emergiam naquele momento: o Sindicato dos

    Trabalhadores na Agricultura Familiar (SINTRAF) de Itaperuu e a Cooperativa de Crdito

    com Interao Solidria (CRESSOL) de Itaperuu.

    Nas comunidades Campina dos Pinto, Pinhal e Capiru Boa Vista, desde 1993 otrabalho de organizao e discusso sobre a agricultura ecolgica se desenvolveu chegando a

    alcanar quase trinta famlias entre os anos 1997 e 2000 (PERACI, 2002). Na poca, esses

    agricultores constituram um dos principais grupos organizados e tambm em volume de

    produo dentre os que vendiam atravs da AOPA (RUSZCZYK, 2007).

    Das quase trinta famlias que participaram no incio da produo ecolgica, foram

    observadas as doze famlias que permaneceram realizando a agricultura ecolgica at a data

    desta pesquisa. Em sua maioria descendentes de italianos (93% dos entrevistados), essesagricultores so parte do processo de ocupao ou colonizao da Regio do Segundo

    Planalto Paranaense. Segundo Moacir Roberto Darolt (2000, p.151) os descendentes de

    imigrantes italianos representam 52% das etnias presentes na regio.11

    Sobre os dados referentes aos agricultores e agricultores ecolgicos pesquisados

    possvel formular estatsticas ilustrativas sobre as razes pelas quais eles decidiram aderir

    agricultura ecolgica. A partir das informaes j expostas e de outros dados primrios temos

    os seguintes resultados: razes ligadas sade pessoal e familiar foram mencionadas por100% dos entrevistados, muitas vezes como elemento determinante; razes econmicas

    10A opo pelo estilo de agricultura orgnica se deve poltica dos mediadores do trabalho de ecologizao daagricultura na regio de Rio Branco do Sul, mais especificamente a influncia da Associao de AgriculturaOrgnica do Paran. Para Joo Carlos Ruszczyk (2007), a escolha pelas prticas orgnicas permitiu nas unidadesde produo umprocesso de transio do convencional para o orgnico de forma mais lenta e gradual.11Ingressaram na regio do Planalto Curitiba cerca de 30 mil imigrantes no perodo entre 1872-1900 e outros 27mil entre 1900-1920, sendo que os maiores contingentes foram de poloneses, italianos, alemes, seguidos defranceses, ingleses, suos, russos, espanhis e holandeses. At 1900, foram instaladas 29 colnias ao redor dacidade e a populao que era de cerca de 7 mil habitantes, at meados do sculo XIX, passando para mais de 40mil habitantes na virada do novo sculo (IPARDES, 1979, p.19). De acordo com Karen F. Karam (2001), a

    maior parte da populao da Bacia do Alto Ribeira resulta de processos de miscigenao tnica entreportugueses, negros e ndios, mas os municpios de Rio Branco do Sul e Bocaiva do Sul so exceo pormanterem parcelas de descendentes de imigrantes estrangeiros, especialmente italianos, ocupantes das antigascolnias.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    8/29

    foram apontadas por 75% deles; a razo ambiental ou ecolgica,como a conservao dos

    recursos hdricos e matas ciliares, foi declarada importante por 66% da amostra.

    Estes dados aproximam-se daqueles coletados por Darolt (2000) quando pesquisou

    agricultores ecolgicos em diversos municpios da RMC e constatou que as razes que

    influenciaram os agricultores na deciso de produzir organicamente so: em primeiro lugar a

    sade pessoal e da famlia (68,4%), em seguida as razes econmicas (66,7%) e depois

    convices ideolgicas (35,1%). Estes e outros dados levam Darolt a concluir que para os

    agricultores familiares orgnicos, tambm existe uma lgica de mercado, porm o equilbrio

    maior entre questes relacionadas sade, ideologia e meio ambiente. Isto confirma que este

    tipo de agricultor tem uma noo mais prxima do ideal da sustentabilidade, o que se reflete

    em suas atitudes prticas (2000, p.238).Entre os agricultores investigados a razo econmica no sempre priorizada em

    detrimento de outras razes, no caso, as ligadas sade humana e conservao ambiental.

    Desta forma, se confirma a hiptese de que eles so portadores de uma racionalidade

    ambiental e no realizam a agricultura ecolgica apenas por motivao econmica. A razo

    econmica, embora importante para o conjunto das unidades de produo familiar,

    excetuando-se aquelas que funcionam exclusivamente como uma empresa, uma dentre

    outras razes que orientam as aes e decises que operam para garantir sua existnciatemporal e patrimonial. Esta afirmao ope-se a idia comum de que a agricultura ecolgica

    buscada apenas como meio para acessar um mercado mais lucrativo.

    As mudanas que ocorreram neste processo de ecologizao da agricultura foram

    possveis por estes atores priorizarem uma racionalidade substantiva(LEFF, 2006), onde a

    preocupao com o ambiente e a sade de quem produz e de quem consome tm um

    importante papel.12A utilizao de alternativas tecnolgicas nos cultivos de plantas e animais,

    que em princpio no eram capazes de assegurar os mesmos nveis de aparncia eprodutividade alcanados via modelo agroqumico, implicava em se assumir riscos

    econmicos no incio da agricultura ecolgica. Lembremos as palavras de Adyr Fioreze:

    Olhe, pela rentabilidade eu teria desistido. Porque uma decepo no primeiro ano. No

    segundo ano o produto dava de menor qualidade, eu levava pro CEASA e vendia o produto

    com preo muito baixo. Mesmo sendo orgnico vendia abaixo do produto convencional, bem

    12 Para Leff (2006, p.244-246), a ao orientada por valores pode romper ou extrapolar os princpios daracionalidade formal e instrumental dentro de um esquema de relaes entre objetivos e meios eficazes, pois a

    racionalidade substantiva acolhe a diversidade cultural, a relatividade axiolgica e o conflito social que emergementre valores e interesses diferentes. Ela no um campo restrito ao tradicional, guiada pelo costume, peladominao de gerontocracias e economias patrimoniais, mas abre-se para outros valores mais atuais quesuportam ou enfrentam os princpios da racionalidade formal e instrumental.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    9/29

    abaixo. Ns tivemos muitos problemas no comeo(ADYR FIOREZE, 2007).

    Ademais, nenhum dos entrevistados declarou ter investido na agricultura ecolgica por

    v-la apenas como uma oportunidade de mercado vantajosa, nem de qualquer outra forma que

    se aproxime de uma viso tpica empresarial13. Todos declararam que no voltariam a

    produzir do jeito convencional, utilizando agrotxicos, mesmo que fosse mais rentvel.

    Nestas comunidades ocorrem situaes onde a racionalidade ecolgica constrange o

    desdobramento das prticas tradicionais e conduz a partir da cultura ecolgica configurao

    de novas identidades e novas prticas dentro da geopoltica do desenvolvimento sustentvel

    (LEFF, 2006, p.261). Nestas comunidades de Rio Branco do Sul, vo se construindo

    conhecimentos, tcnicas, saberes e prticas intimamente ligadas s condies ecolgicas,

    econmicas, tcnicas e culturais desta populao.

    OBSTCULOS NA COMERCIALIZAO DOS PRODUTOS AGROECOLGICOS:

    RECUOS E ESTRATGIAS DOS AGRICULTORES FAMILIARES DE RIO

    BRANCO DO SUL

    Quando os primeiros agricultores de Rio Branco do Sul iniciaram com a produoecolgica, em 1997, a AOPA j acumulava dois anos de experincias o que possibilitou o

    apoio tcnico e comercial j com alguma experincia. A AOPA iniciou a venda de produtos

    agroecolgicos logo no ano de sua fundao, 1995, inicialmente para os mercados mais

    tradicionais como os restaurantes e as indstrias de alimentao de Curitiba . Com a

    inconstncia na produo, porm, essa possibilidade logo se esgotou. Em maro de 1997 a

    AOPA constituiu uma parceria com a Associao de Produtores Agrcolas de Colombo

    (APAC)

    14

    e a Prefeitura de Colombo. Com uma melhor infra-estrutura para o recebimento e

    13 Na agricultura empresarial a tecnizao pode acrescentar eficcia, reduzindo a durao e a dificuldade dotrabalho, preciso, porm, saber que a potncia crescente da tcnica tem um preo: ela cinde o trabalho e a vida e a cultura profissional e a cultura do cotidiano; [...] ela retrai o campo da experincia sensvel e da autonomiaexistenciais; ela separa o produtor do produto, a tal ponto que ele no conhece mais a finalidade daquilo quefaz. (GORZ, 2003, p.93). Os agricultores empresariais produtivistas tm uma viso estreita de rentabilidade desua produo e fazem da agricultura uma profissoe no um modo de vidaonde possvel produzir riquezaseconmicas em nome de um sucesso material que passa pela exaltao de tudo que tem um valor mercantil(DELAGE, 2002).14 A Associao de Produtores Agrcolas de Colombo (APAC) foi criada em 1984 em uma comunidade dointerior do municpio de Colombo/PR. No seu processo organizacional contou com a participao da EMATER.

    A princpio os agricultores (todos convencionais) reuniam-se no barraco da Igreja da comunidade de Boiciningae preparavam sacolas com produtos de suas propriedades (como feijo, alface, couve-flor, etc) com o intuito decomercializ-los em Curitiba. Em 1988 a APAC instalou-se e construiu sua sede do municpio de Colombo numterreno doado pela prefeitura. At meados dos anos 90 a associao permaneceu com pouca atividade ou quase

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    10/29

    embalagem dos produtos agroecolgicos, um dos pr-requisitos dos supermercados, a AOPA

    ampliou a comercializao dos seus produtos. No ano de 1997 houve tambm o crescimento

    no nmero de famlias de agricultores associados passando de 180 em 1996, para 219 em

    1997; e aumento do nmero de grupos de agricultores filiados, de 9 para 13 grupos; tambm o

    volume de toneladas comercializadas, de 97 toneladas/ano passou para 235 toneladas/ano

    (BALESTRIN, 2002). De acordo com Peraci (2002), 72 famlias de Rio Branco do Sul

    aderiram agricultura alternativa ou ecolgica contribuindo para os nmeros acima. Os treze

    agricultores e agricultoras entrevistados participaram direta ou indiretamente da AOPA:

    recebendo apoio tcnico, vendendo produtos agroecolgicos atravs dela ou como associado

    formal.

    Em 1996 a AOPA havia iniciado as negociaes com os supermercados paracomercializao (em circuito longo) de produtos agroecolgicos na RMC e em 1997

    comearam a serem vendidos os produtos em quatro lojas da rede Mercadorama de Curitiba.

    O supermercado se responsabilizava pelas possveis perdas de produtos, o que era uma

    vantagem para a associao. Em 1998 a relao comercial ampliou-se para 12 lojas, e em

    1999 este nmero cresceu para 16 lojas de supermercados que ofertavam produtos

    agroecolgicos em Curitiba, sendo a maioria da rede Mercadorama.

    Entre os anos 1997 e 2000 a AOPA tornou-se comercialmente dependente das grandesredes de supermercados de Curitiba, relao que chegou a representar 90% do faturamento da

    associao.

    Quando a Rede de supermercados Mercadorama foi adquirida pelo grupo portugus

    Sonae15, em 1998, ocorreram mudanas que afetaram a parceria com a AOPA. Surgiram

    obstculos na comercializao entre a AOPA e os supermercados que se resumiram na

    dificuldade dos agricultores em efetivar o planejamento da produo, de garantir a produo

    demandada pelas lojas e em arcar com o processo de devoluo dos produtos no

    desativada, como foi o caso de muitas associaes da RMC. A partir deste perodo a entidade retomou a suafinalidade inicial: a comercializao da produo agrcola dos seus associados. Passou ento a ser um elo entre o

    produtor e o mercado (BALESTRIN, 2002). Com srios problemas financeiros a APAC cessou suas atividadescomerciais em 2005. Atualmente alguns associados esto procurando reativar a Associao que ainda mantmuma estrutura material importante (O ESTADO DO PARAN, 2008).15A partir dos anos noventa, em Curitiba, assim como no restante das grandes cidades brasileiras, ocorreu um

    processo de concentrao do setor varejista, juntamente com uma maior participao do capital estrangeiro. Em1994 as vinte maiores redes de supermercados do pas representavam 56% do faturamento total dossupermercados. Em 2001, as vinte maiores j dominavam 75% das vendas do setor e o capital estrangeiroavanou de 16% em 1994 para 57% em 2001. As trs maiores redes de supermercados so, em primeiro lugar o

    Grupo Po de Acar, que possui as bandeiras Extra e Po de Acar; em seguida o Carrefour, e em terceiro oWal-Mart com as bandeiras SAMs Club, Big e Mercadorama. A compra da Rede Sonae pelo Wal-Martaumentou a concentrao fazendo com que 37% do varejo ficasse nas mos das trs redes citadas (SILVA, 2007,

    p.83).

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    11/29

    comercializados pelos supermercados. Para Rogrio Suniga Rosa, presidente da AOPA em

    2001:

    O mercado transforma tudo em nmeros. Os valores que a gente quer construir e aque h uma distncia, porque os agricultores que esto l produzindo eles no tmessa perspectiva ideolgica da construo de uma nova sociedade, de valoresdiferentes. Eles esto querendo estar inserido no mercado. Agora a gente muitasvezes se sente assim: estar inserido no mercado estar virando carne moda. E a estratgico fortalecer o pequeno varejo. mais complicado, d mais trabalho, mas muito mais seguro e muito mais eficiente do que as grandes redes porque elesfazem absurdos com a gente. Um produto todo correto, todo certinho eles norecebem e volta pra trs. Volta pra associao e perde todo o produto (ROSA, 2001apud BALESTRIN, 2002, p.105).

    Est claro que as grandes redes de supermercado no passaram, repentinamente, a ter

    simpatia pelas idias e prticas (agro)ecolgicas. Suas motivaes so bem mais simples: a

    vontade de melhorar e consolidar sua imagem de marca e a presso do mercado ou dos

    concorrentes. O supermercadista est interessado em reforar junto ao consumidor a

    percepo de uma oferta comercial diferente daquela dos seus concorrentespercepo capaz

    de atrair novos clientes e em harmonia com as aspiraes que o consumidor tem

    percepo capaz de fidelizar a clientela. Ou seja, o produto ecolgico transformado em um

    instrumento de promoo (SCHMIDT, 2001).16

    As condies comerciais que o supermercado imps AOPA so claramente

    fundamentadas no clculo de rentabilidade, em outras palavras, numa racionalidade

    econmica onde tudo se fundamenta no clculo em capital. As aes do grupo Sonae na

    esfera econmica estavam orientadas principalmente por uma racionalidade capitalista no

    importando o quanto isso pudesse violar racionalidades substantivas ticas.

    No final de 1999 a AOPA transferiu sua sede para a cidade de Curitiba. Mas a

    transferncia no aconteceu sem que houvesse desgastes, especialmente na relao com a

    APAC. Este processo culminou, no incio de 2000, com o rompimento e a desassociao

    deste grupo de associados da AOPA. Sem um consenso, uma parte dos agricultores

    permaneceu na AOPA, integrando-se em grupos de municpios vizinhos. Contudo, aqueles

    agricultores que eram a maioria (cerca de 32) criaram um setor de produtos agroecolgicos

    16 Conforme Leff (2002), os problemas sociais e ambientais causados pelo processo de crescimento eglobalizao econmica so mascaradas hoje em dia pelo propsito de um desarrollo sostenible. Alm dos

    dissensos em torno do discurso do desenvolvimento sustentado/sustentvel e os diferentes sentidos que esteconceito adota em relao aos interesses contrapostos pela apropriao da natureza, gera-se um mimetismo

    retrico onde em nome de sostenibilidad justifica-se at mesmo a manuteno da mesma racionalidademacroeconmica de produo e consumo de bens e servios, apontados, pela crtica ambientalista e pelodiagnstico cientfico, como aquela que deu forma aos atuais problemas de sustentabilidad do modelo decrescimento econmico.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    12/29

    com certo grau de independncia dentro da APAC, certificados pelo IBD, que passou a

    competir pelos mesmos canais de comercializao da AOPA. A APAC acabou retomando sua

    finalidade inicial, a comercializao da produo agrcola dos seus associados, passando a ser

    um elo entre o produtor e o mercado (BALESTRIN, 2002).

    As tenses entre a AOPA e os supermercados culminam em 2001 quando os

    associados, em assemblia, decidem desistir de se relacionar por meio da AOPA com os

    supermercados. As razes que levaram deciso eram relativas aos problemas

    administrativos e s novas relaes comerciais impostas pelo grupo Sonae, como aquisio do

    espao, devoluo integral, taxa sobre cada produto cadastrado, e o pagamento feito

    mensalmente AOPA chegando a ocorrer 120 dias aps a entrega dos produtos (IPARDES,

    2007). Com dificuldades na comercializao e nos pagamentos dos associados, a AOPAencerrou suas atividades comerciais em 2001.17

    A viso crtica do mercado foi um dos motivos, dentre outros, que teriam levado

    ruptura entre AOPA e APAC. De acordo com Balestrin (2002), estavam em jogo duas vises

    distintas de associativismo: a AOPA estava mais identificada com um projeto ideolgico-

    poltico do que comercial e a APAC era uma entidade que servia de suporte comercial para os

    seus associados. No entanto, deve-se considerar que o processo de crise econmica

    vivenciado pelos associados da AOPA e APAC no ocorreu simplesmente por problemasinternos associao, mas , antes, fruto da imposio de condies e regras do mercado

    capitalista que se constituem a partir da racionalidade econmico-instrumental.

    Com os entraves na comercializao atravs da AOPA, o grupo da Campina dos Pinto,

    Pinhal e Capiru Boa Vista foi se desestruturando, e parte dos agricultores retornou produo

    convencional de hortifrutigranjeiros, o que representou um grande refluxo no trabalho com a

    agricultura ecolgica, permanecendo na atividade (at o momento desta pesquisa) somente

    doze famlias.

    A gente teve problema com a AOPA. No sei qual a condio da AOPA hoje, masna poca de um lado o pessoal tava na agricultura por causa da AOPA, e de outrolado a AOPA trouxe bastante inspeo para os agricultores. Eles comearam comessa parte de venda sabe, e a tinha um pessoal l dirigindo que comeou com muitafilosofia, a conversar, e no se agia. E a gente comeou a se decepcionar comaquilo, porque a gente produzia e precisava viver daquilo, e l jogando fora e novendia. E foi at que fechou as portas (OROMAR FIOREZE, 2007).

    17Em janeiro de 2002 um grupo de consumidores e agricultores ligados a AOPA e a empresa INCOFIN ParanParticipaes S.A. criaram a empresa Armazm Agroecolgico a fim de operacionalizar as vendas de produtosecolgicos a experincia durou at 2003. A partir da a AOPA trilhou um caminho mais prximo dasatividades de uma organizao no governamental, com uma representao mais pronunciada diante de outrasentidades e do governo, alm de organizar a produo e tentar abrir novos canais de comercializao.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    13/29

    Quando a AOPA parou ns amos desistir da orgnica, porque no tinha ondecomercializar. Da surgiu a Fruto da Terra, ela fez uma proposta pra gente entregar

    pra eles l. A comeamos e at hoje ns estamos aqui (GRIMALDO GASPARIN,2007).

    Se, como afirmam Karam (2001) e Balestrin (2002), entre os dirigentes da AOPA

    muitas vezes falava-se na linguagem das lutas ideolgicas, o que parecia ser primordial entre

    muitos agricultores era a sobrevivncia e a insero num mercado de produtos

    agroecolgicos. Devido a sua forte insero neste mercado, estes agricultores sofreram

    profundamente os impactos da crise na AOPA e APAC. Para Adyr Fioreze, foi uma poca

    difcil quando o pessoal comeou a sair do orgnico, porque se percebeu tambm que o

    pessoal estava na produo orgnica muito pelo econmico (FIOREZE, 2007).Naquele momento de crise, sobressai-se a prioridade que muitos agricultores deram ao

    lucro proveniente da produo ecolgica. Mas tal perspectiva no contradiz a afirmao de

    que esses agricultores so portadores de uma racionalidade ambiental e no realizam a

    agricultura ecolgica apenas por motivao econmica. O discurso de um dos agricultores

    entrevistados revela que na poca em que tive dificuldades com a comercializao dos

    produtos ele mal tinha dinheiro para comprar comida, algumas vezes tendo que utilizar o

    dinheiro de emprstimos bancrios agrcolas para assegurar a alimentao da famlia. Aexplicao para o abandono das prticas agrcolas ecolgicas entre alguns agricultores

    familiares de Rio Branco do Sul no se sustenta na suposio de que eles agiram orientados

    pelo lucro, como uma empresa permanente, capitalista e racional, mas sim no reconhecimento

    de estes agricultores so portadores de uma lgica familiar caracterstica (WANDERLEY,

    1999, 2000). Ao serem pressionados pelas condies do mercado esses agricultores familiares

    buscaram melhores condies de vida, tratou-se de uma situao de crise no sistema

    comercial imposto aos agricultores onde eles, sob aquelas circunstncias, agiram orientados

    sobrevivncia do mundo da vida deles.

    NOVOS CANAIS DE COMERCIALIZAO PARA OS PRODUTOS

    AGROECOLGICOS

    A partir do rompimento entre AOPA e APAC e o fim da comercializao pela AOPA,

    os agricultores de Rio Branco do Sul que permaneceram na produo ecolgica seaproximaram da APAC visando um canal de comercializao:

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    14/29

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    15/29

    Ento, o que acontece que o produto orgnico encarece muito. O Fruto da Terratem que jogar uma margem de lucro pra eles, despesas e margem de lucro, e depoisos mercados, sem fazer nada, jogam 150% em cima. Ento quem come vai acharque ns produtores orgnicos estamos ficando ricos, e no bem assim. [...] No

    preo do brcolis normal, pra voc ter uma idia, ns ganhamos setenta centavos a

    cabea, na couve-flor oitenta centavos, no repolho sessenta centavos. A, esses dias[a Fruto da Terra] fizeram uma promoo de brcolis. Como tinha bastante pagaramvinte e cinco centavos. Ento, que nem voc falou do preo de quem compra, que mais caro do que o outro. Eu acho que ns ganhamos at menos do que oconvencional, no sempre, mas . O preo pra quem planta orgnico no assim to

    bom. S que ns temos preo fixo, aquele preo o ano inteiro (GRIMALDOGASPARIN, 2007).

    Na comercializao no tem muito que dizer, porque a gente sempre entrega promesmo, ns entregamos somente pra um, tudo que ns produzimos ns entregamossomente pra Clia, pra empresa dela, ento o que a gente t produzindo taentregando tudo pra ela. [...] Faz anos que o que a gente produz entrega ali, tudo queest produzindo, no sobra nada. No caso, est sobrando agora o brcolis, eles no

    esto nem conseguindo vender, esto jogando l no mercado a qualquer preo s prano perder, diz que est difcil de vender mesmo, a concorrncia muito grande.Agora estamos s empatando. Semana passada cortamos mil cabeas [de brcolis]

    por viagem, entregamos trs vezes na semana, d trs mil cabeas por semana s debrcolis. E ainda que a maioria esta a ainda. Isso prejuzo para ns. Voc corta omelhor, da fica algum pouco l, e tem que jogar o preo l em baixo pra podervender, dar uma controlada e poder pagar as mudas (VALTER GASPARIN, 2007).

    Ento antes aqui era o preo fixo, que ns tnhamos. Podia subir ou baixar que nsficvamos nessa. E agora quando eles [Fruto da Terra] abaixam muito o nossoabaixa um pouco tambm. E os mercados cobram muito em cima. Os mercados

    jogam o preo at demais (MRIO GABRIEL GASPARIN, 2007).

    Como a AOPA j no estava mais comercializando a produo de agroecolgicos

    desde 2001, os mercados acessados por estes agricultores ecolgicos se limitou a Fruto da

    Terra e a APAC. Considerando que a APAC e a Fruto da Terra comercializam quase toda a

    produo com grandes redes de supermercados, ou seja, fazendo parte de um ciclo longo de

    comercializao, ambas agem de acordo com a racionalidade e a viso do mercado capitalista,

    comercializando em condies de: padronizao, constncia na entrega independente das

    condies climticas ou de safras, devoluo das sobras, altos preos repassados ao

    consumidor com a conseqente elitizao da clientela e maior sobra de produtos, pagamento

    de taxas para utilizao das gndolas ou ponto, planejamento de entrega (talvez o nico

    elemento positivo), etc. Meirelles (2002, p.2-3) afirma que vrios fatores tm levado muitos

    produtores a utilizarem "tcnicas alternativas" mas optarem por um "mercado convencional":

    o acentuado crescimento do mercado de produtos limpos ou ecolgicos atraiu para o setor

    uma parcela de empresrios, rurais e urbanos, a maioria no identificada com o que se

    denomina iderio agroecolgico; a necessidade premente de reproduo econmica da

    agricultura familiar tambm obriga este setor e seus aliados a buscarem alguma forma de

    insero no mercado, muitas vezes no acompanhada de reflexo sobre o papel desse mercado

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    16/29

    na construo de um desenvolvimento rural sustentvel; a falta de apoio pblico para o

    redesenho das redes de comrcio hoje estabelecidas - centralizadas e oligopolizadas -

    seguramente tambm contribui para este quadro.

    A comercializao com a APAC e a Fruto da Terra continuou at 2005 quando, por

    uma conjugao de problemas administrativos, de descontos exigidos pelas redes de

    supermercados e de falta de acompanhamento dos associados, a APAC cessou suas atividades

    comerciais fechando as portas. Com este canal de comercializao fechado a maioria dos

    agricultores ecolgicos da Campina dos Pinto, Pinhal e Capiru Boa Vista mantiveram a

    comercializao apenas com a empresa Fruto da Terra:

    At inclusive sei l o que aconteceu na administrao da APAC, se foi muito ruimou o qu, ela arrecadava bastante e tal, mas foi um processo complicado estenegcio de venda a. E foi at que fechou as portas a APAC tambm. [...] foi um Pna cara, porque ali fechou a gente. At porque era um concorrente do Fruto da Terra,a APAC, e a Clia comeou l e eu comecei entregar l e na APAC, nos doislugares. Ento era um meio da gente conseguir um preo melhor. Ento a APACcaiu fora e ficou s o Fruto da Terra (OROMAR FIOREZE, 2007).

    Hoje entrego s no Fruto da Terra, mas um tempo atrs ns tnhamos a APAC, masa APAC chegou num ponto l que, no sei o que aconteceu l, fechou as portas eficou devendo pro pessoal. Faliu n (MARIO GABRIEL GASPARIN, 2007).

    Entre as doze famlias que permaneceram na agricultura ecolgica depois da crise naAOPA e APAC, sete passaram a entregar suas produes apenas para a empresa Fruto da

    Terra, o que os levou a trabalhar quase que de forma integrada indstria de processamento,

    mantendo-se uma situao onde a renda e sobrevivncia familiar depende apenas de um canal

    de comercializao:

    A gente entrega pra Clia Lazarotto, ali na Serrinha. Eles embalam e levam promercado. Ento, plantamos j pra ela, direto pra ela, j toda semana com uma cotade plantao pra entrega pra ela. [...] Se hoje a Fruto da Terra parasse de

    comercializar ns tinha parado de produzir. Ns no temos outro canal decomercializao, a no ser que surgisse de repente. Porque a gente no tem estruturade t embalando e entregando nos mercado e outros lugar. A nossa estrutura pra

    plantar e entregar no Fruto da Terra (GRIMALDO GASPARIN, 2007).

    [...] que tem meses que ela paga R$ 1,20 por kg de tomate para o agricultor,enquanto o consumidor paga R$ 9,00 pelo kg do mesmo tomate da Fruto da Terra lno supermercado. [...] E a o tal negcio, a empresa vai trabalhar com o que dlucro e os agricultores queiram ou no so funcionrios da empresa. Como aempresa visa lucro ela vai pagar pouco para o produtor. Mas os agricultores, queesto produzindo no orgnico, a maioria tem ainda uma viso mais econmica do

    processo, eles no tem ainda uma viso ambiental (ADYR FIOREZE, 2006 apudZONIN, 2007, p.53).

    Na comercializao de produtos agroecolgicos em circuito longo, Darolt (2000)

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    17/29

    constatou que na Regio Metropolitana de Curitiba o agricultor ainda o mais prejudicado em

    termos de retorno econmico. Do valor total (100%) deixado no caixa do supermercado pelo

    consumidor, em mdia 30% so destinados ao agricultor, 33 % so para cobrir os custos dos

    intermedirios com embalagem, transporte e pessoal, e o restante (37%) corresponde

    margem dos varejistas. Ressalta-se que desde a dcada de 1990 o capital internacional tem

    aumentado sua participao no mercado varejista por todo o Brasil, em 2001 j detinha 57%

    dos supermercados e hipermercados. Em Curitiba as redes estrangeiras Carrefour e Sonae

    (que comprou o Wal-Mart, SAMs Club, Big e Mercadorama) detinham, no mesmo, ano 37%

    do varejo (SILVA, 2007, p.83).

    Para concorrer neste mercado o produto agroecolgico necessita ser certificado, ter

    alta qualidade e seguir normas de apresentao de embalagens, alm de seguir um sistema dedistribuio impessoal que possa competir com as formas convencionais de comercializao.

    Para Brandenburg (2002), isso tudo faz com que a agricultura ecolgica muitas vezes siga

    padres de um mercado de consumo massificado. Para competir em preo, qualidade e

    apresentao, a razo instrumental se impe sobre a produo e comercializao

    agroecolgica. Ao ceder dinamizao da produo, alguns princpios da agricultura

    ecolgica parecem diluir-se quando esta se ajusta s estruturas do sistema agroalimentar

    convencional. O processo de institucionalizao da agricultura ecolgica parece, ento, serealizar segundo a forma e padres da produo convencional. Embora isso, em certa medida,

    dinamize a produo e permita que um maior nmero de consumidores tenha acesso a

    produtos de qualidade superior, a produo ecolgica em algumas situaes (como no circuito

    industrial e supermercadista) cede diante da lgica organizadora do sistema hegemnico ou

    do capital.

    Preocupados justamente com uma filosofia mais ecolgica e social, os associados da

    AOPA buscaram, depois do fim de suas atividades comerciais em 2001, uma nova missovoltando-se ao fomento da agroecologia, cursos e execuo de projetos (como o Iguatu, o

    Florestando a Agricultura Familiar do Paran, o PISO e as Feiras de Orgnicos). Ao mudar

    seu foco, a AOPA abandonou a certificao por auditagem atravs do IBD e se associou em

    2002 a Rede Ecovida de Agroecologia18e seu sistema de Certificao Participativa em Rede.

    18 A Rede Ecovida define a agroecologia como todo o processo de produo de alimentos e produtos emconjunto com a natureza, onde os agricultores desenvolvem suas atividades protegendo o ambiente e semdepender dos pacotes tecnolgicos modernizadores com seus caros e degradantes insumos industriais. A

    agroecologia visa qualidade de vida e no somente as sobras financeiras, a base para o desenvolvimentosustentvel que inclui os aspectos sociais, ambientais e econmicos, envolvendo as dimenses polticas, tcnicase culturais, em processos educativos adequados, onde os trabalhadores(as) assumem o papel principal eaumentam seu poder de interveno na sociedade, de forma organizada.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    18/29

    Com a entrada da AOPA na Rede Ecovida de Agroecologia em 14 de novembro de

    2002, quando se realizou na sede da AOPA em Curitiba a reunio de fundao do Ncleo

    Regional Maurcio Burmester do Amaral (MBA) criaram-se novas possibilidades para os

    agricultores ecolgicos de Rio Branco do Sul. A adeso Rede Ecovida marca a mudana no

    apenas para outra forma de certificao da produo, mas para uma perspectiva agroecolgica

    que procura aliar a mudana da base tecnolgica da agricultura transformao e construo

    de uma tica fundamentada em valores e princpios de respeito ao meio ambiente,

    solidariedade, cooperao, respeito s diferenas, resgate da cultura local e valorizao da

    vida (ZONIN, 2007; RUSZCZYK, 2007; REDE ECOVIDA, 2008).19

    O Ncleo MBA composto por 25 grupos integrados por 302 famlias, abrangendo 23

    municpios no entorno de Curitiba, dentre eles o Grupo Sabugueiro que aglutina 12 famliasde agricultores dos municpios Bocaiva do Sul, Colombo e Rio Branco do Sul. O grupo

    Sabugueiro, ao qual se integrou Alrio Gasparin, j vinha produzindo ecologicamente desde

    1997.

    Depois da AOPA parar a comercializao, foi montada a Rede Ecovida. A AOPAestava meio junto e a gente conseguiu entrar. Aqui no formou grupo, a eu peguei efui pro Grupo [Sabugueiro] l de Bocaiva. Estou participando l j fazem trs ouquatro anos. [...] Eu entrego no supermercado, embalo e da entrego direto. Eumesmo fao a entrega, aqui na regio de Rio Branco e Itaperuu. [...] Aqui nonosso lugar somos trs produtores. Porque os dois que moram ali entregam para umaempresa em Colombo [a Fruto da Terra] e a empresa os certifica. Agora, como eumesmo entrego, eu precisava de uma certificao. E o IBD para voc pagar s pravoc fica muito caro, a eu optei pela Rede Ecovida. Sai mais barato e melhor acertificao. E sempre tem acompanhamento. A IBD vem uma vez por ano s. [...]Comercializei com a APAC, associao que tinha em Colombo, que acaboufechando tambm. Mas para o Fruto da Terra eu nunca entreguei. Eu fao entregas

    pro mercado mesmo. Depende de mim mesmo, o certificado sai no meu nome,enquanto eles entregam mas o certificado da empresa. A hora que fechar aempresa eles ficam sem certificado (ALRIO GASPARIN, 2007).

    Depois que a APAC fechou eu comecei a trabalhar com o Alrio. Nessa hora todo

    mundo foi desanimando e caindo fora. Por que era muito difcil mesmo, no tinhacondio na venda. Era muita gente e pouca venda. Mas como o Alrio entregavanos mercados ele continuou e eu continuei com ele. Para entregar nos mercado deRio Branco e Itaperuu ficou s ele. Hoje o mercado at est bom, as pessoas estoconhecendo mais o qu o orgnico (GILMAR DOS SANTOS FARIAS, 2007).

    Alrio Gasparin comercializa diretamente com seis mini e supermercados de Rio

    Branco do Sul e Itaperuu desde 2002, realizando junto com sua esposa o processamento das

    verduras que produz. Desta forma ele no depende das empresas processadoras de alimentos

    para comercializar seus produtos e se mantm de acordo com os objetivos da Ecovida: o

    19 A AOPA e a Rede Ecovida tm papel fundamental na construo da racionalidade ambiental, elas ambaspossuem uma lgica de operar para certa persuaso e os agricultores respondem a ela.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    19/29

    estabelecimento de relaes mais prximas entre agricultores e consumidores atravs de

    formas de comercializao que priorizem a venda direta e/ou que reduzam ao mximo as

    intermediaes e a valorizao e priorizao no atendimento ao mercado interno

    (SANTOS, 2002, p.16).

    J participei de feira s que era convencional quando ns fazamos. Eu gostaria defazer do orgnico, mas o problema tempo. Porque pra produzir e vender na feira

    precisa de tempo. Ficar ali um dia inteiro vendendo pra mim complicado. Da euprefiro entregar em supermercado porque eu chego ali entrego e volto embora. [...]Olhe, eu acho que se a gente conhecesse os consumidores seria melhor, podia estarexplicando como funciona tudo. Mas difcil voc conhecer todos que compram.Bom seria se pudesse. Onde eu entrego em Itaperuu vai vir uma escola aqui praconhecer como que produz. O mercado onde eu entrego j me pediu se podia.Tranqilo porque isso bom, porque as crianas j conhecendo como funciona pode

    passar pra os pais que s vezes no conhecem. E o futuro vai ser melhor se todomundo conseguir consumir orgnico (ALRIO GASPARIN, 2007).

    Essa organizao a jusante da produo beneficiamento, transformao e

    comercializao permite a reduo das margens aplicadas ao longo do circuito de

    comercializao e uma baixa no preo ao consumidor, observvel na comparao entre preos

    dos supermercados de Rio Branco do Sul e Curitiba, ao mesmo tempo em que favorece a

    adoo da agricultura ecolgica por um nmero maior de produtores. E nestas condies os

    agricultores ecolgicos acabam podendo se inserir nos circuitos de comercializao jestabelecidos. Alrio Gasparin foi capaz de estabelecer relaes comerciais diretamente com

    os mini e supermercados da regio, evitando que, de novo, ocorra uma fuga do valor gerado

    para os beneficiadores e os distribuidores.

    At o ano de 2007 quase todos os agricultores que no participavam diretamente da

    Rede Ecovida manifestaram interesse pela certificao participativa. Dentre eles Adyr Fioreze

    e Mario ngelo Gasparin, no por coincidncia pioneiros da agricultura ecolgica em Rio

    Branco do Sul, interessaram-se pela proposta agroecolgica da Rede. Eram freqentes asconversas entre os agricultores e tambm com a empresa Fruto da Terra sobre a criao de

    uma grupo da Rede Ecovida na Campina dos Pinto e Pinhal. Quando a AOPA entrou para a

    Rede Ecovida os agricultores destas comunidades conversaram sobre a possibilidade de

    formar um grupo, mas os esforos iniciais no tiveram continuidade e o grupo no se formou

    na regio, o que levou Alrio a se integrar ao grupo Sabugueiro de Bocaiva. Em entrevista,

    Alrio afirmou que participar no grupo Sabugueiro muito bom, mas h a dificuldade de ter

    que se deslocar para outros municpios todos os meses para as reunies e visitas s unidades

    de produo.

    Desde a metade do ano de 2007, Mario ngelo e Adyr comercializam produtos

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    20/29

    ecolgicos produzidos por eles e outros agricultores da regio em uma banca que ocorre uma

    vez por semana na Escola Tcnica da UFPR. Como ainda no possuam um selo de

    certificao para seus produtos a entrada na Rede Ecovida era muito desejada tambm por seu

    Sistema de Certificao Participativa. Percebia-se poca o crescimento dos interesses em

    constituir um grupo da Rede Ecovida na comunidade Campina dos Pinto:

    Ns vamos fazer um grupo agora, eu e um pessoal que so ligados Rede Ecovida,antes ns ramos um grupo da AOPA. Ento a gente est buscando agora fazer umgrupo da Rede Ecovida. E eu vou necessitar porque no prximo ano eu espero terameixa pra vender, caqui tambm, tudo orgnico (ADYR FIOREZE, 2007).

    [...] aqui no existia, no funcionava a Ecovida. At ns tnhamos falado com oAdyr sobre montar um grupo e trabalhar com a Ecovida tambm, mesmo estando

    com a IBD. Fazer um grupo da Ecovida nunca demais, n! Uma reunio, conversarsobre orgnico e certificar com outro selo, no teria problema. O meu primo [AlrioGasparin] trabalha com a Ecovida (GRIMALDO GASPARIN, 2007).

    Eles [Grimaldo e Valter Gasparin] tambm esto pensando em comear a participarda Ecovida, no sei se eles comentaram com voc. Parece que eles esto falando quequerem fazer um grupo da Ecovida pra c tambm (ELIZETE GASPARIN, 2007).

    Foi ento que Adyr Fioreze, Alrio Gasparin, Elizete Gasparin, Gilmar dos Santos,

    Lauro Silva e Mario ngelo Gasparin decidiram formar um grupo da Rede Ecovida. Para que

    uma organizao (grupo, associao ou cooperativa) se integre Rede Ecovida necessria aindicao de dois membros do ncleo regional mais prximo. Mario ngelo (04/09/2008)

    afirmou que a participao de Alrio neste novo grupo, chamado Dois Pinheiros, muito

    importante. Como Alrio conhecido por agricultores de outros grupos, o pedido de criao

    do grupo Dois Pinheiros foi prontamente aceito. O grupo Dois Pinheiros nasceu oficialmente

    em janeiro de 2008, mas j acumula muita experincia na produo ecolgica, pois, seus

    associados so agricultores bastante atentos s questes relativas sade da famlia, ao

    ambiente, valorizao da agricultura familiar e ao associativismo.A Rede Ecovida passa a constituir um meio no qual os objetivos de obter renda, sade

    e respeito ao ambiente podem ser realizados. No contexto da Rede Ecovida se explora uma

    relao com o mercado diferenciada do mercado convencionale de sua lgica impositiva.

    As feiras locais e as formas de relao direta produtor-consumidor constituem alternativas que

    veiculam valores alm do econmico.

    LGICA DE MERCADO CONVENCIONAL E SEU IMPACTO NA

    AGRICULTURA FAMILIAR ECOLGICA

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    21/29

    Para a teoria econmica neoclssica o homo economicus como ser abstrato e

    genrico, o qual dirigido sempre por um mesmo tipo de comportamento econmico,

    independentemente de seu lugar no tempo histrico e no espao em que habita

    pressuposto. Em sua atividade econmica o indivduo (as empresas) objetivaria a

    maximizao do lucro, sua natural propenso materialista o induziria a escolher menos no

    lugar de mais esforo e a esperar pagamento por seu trabalho. Para tanto, pressupe-se que tal

    indivduo atua sempre segundo a racionalidade econmica, e que todo comportamento

    contrrio resultado de interferncias externas. O mercado , nesta perspectiva, o locusonde

    se processam tais escolhas maximizadoras. Para a economia neoclssica o mercado

    entendido e definido como um mecanismo abstrato e assptico onde ocorre a determinaodos preos das transaes econmicas, definidas e realizadas livremente pelos indivduos.

    Com o desenvolvimento do capitalismo constri-se o mito de que o mercado o lugar da

    liberdade, como se liberalismo econmico fosse sinnimo de liberalismo poltico. Somando-

    se criao do mercado enquanto instituio, cria-se, na prpria histria e desenvolvimento

    do capitalismo, o mito do mercado que, por estar to presente no cotidiano, se constitui na

    prpria "razo", adquirindo vitalidade e categoria de verdade absoluta (PORTILHO, 2004,

    p.18).Karl Polanyi (2001) tratou de desmistificar as idias fundamentais do liberalismo,

    particularmente o carter natural do mercado. Longe de ser natural, o sistema que conseguiu

    se impor ao longo do sculo XIX foi o primeiro a ter a pretenso de assegurar a satisfao das

    necessidades elementares da humanidade, constituindo a esfera econmica como esfera

    distinta e instaurando o domnio dos mecanismos abstratos e impessoais de um mercado

    supostamente autorregulador. Polanyi julgava possvel uma reapropriao e subordinao

    da economia pela sociedade, uma retomada do controle dos mecanismos do mercado pelasociedade.

    Para Weber (1999), o mercado que representa o arqutipo da ao econmica social.

    Nele se exprime fundamentalmente a ao racional, mas no s ela. A crtica weberiana

    economia liberal est no fato dela ser mope ao enxergar somente a ao racional,

    desconsiderando completamente as demais racionalidades existentes, resultantes da cultura,

    do direito, da poltica, da religio, entre outras.

    A economia no se mostrou uma disciplina capaz de acolher outras racionalidades, de

    abrir-se alteridade e alternativa. Ao contrrio, uma razo totalitria, que se expande e

    globaliza, que impe um processo de racionalizao que vai ocupando todas as esferas da vida

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    22/29

    social e da ordem ecolgica. De acordo com Leff (2006), a economia tende, por sua prpria

    natureza, a transpor a esfera da produo para capitalizar a Natureza e a cultura. Essa

    hipereconomizao do mundo induz homogeneizao dos padres de produo e de

    consumo, e atenta contra um projeto de sustentabilidade global fundado na diversidade

    ecolgica e cultural do planeta.

    Na comercializao entre agricultores familiares ecolgicos e agroindstria ou

    supermercados, a lgica familiar negocia com a lgica empresarial. Dulley, Souza e Novoa

    (2000) apontam como maior obstculo na comercializao via grandes redes supermercadistas

    a dificuldade do produtor em ofertar uma grande variedade de produtos com gosto e aparncia

    atrativos ao consumidor e periodicidade demandada por este canal de comercializao. A

    exigncia de suprimento constante, que muitas vezes desconsidera sazonalidades ouimprevisibilidades, e a variedade mnima que devem ser garantidos diariamente exigem alto

    planejamento da produo e do sistema logstico. Os autores concluem que tal capacidade de

    gesto e poder de negociao com os varejistas de difcil articulao entre pequenos

    produtores isolados.

    No caso onde a comercializao dos produtos agroecolgicos de Rio Branco do Sul

    ocorre em circuito longo, passando pela empresa Fruto da Terra, tornou-se aparente certa

    integrao vertical entre os agricultores familiares ecolgicos e a empresa processadora.Sobre a posio da pequena produo familiar (camponesa) na economia capitalista,

    Chayanov afirma que para entrar no circuito do capitalismo a agricultura no precisa criar

    grandes unidades de produo sob a racionalidade capitalista:

    Repeating the stage in the development of industrial capitalism, agriculture comes

    out of a seminatural existence and becomes subject to trading capitalism thatsometimes in the form of every large-scale trading undertakings draws masses of

    scattered peasant farms into its sphere of influence and, having bound these small-

    scale commodity producers to the market, economically subordinates them to itsinfluence(CHAYANOV, 1966, p.257).

    A constatao de que o processo de integrao vertical de inmeras unidades de

    produo familiar dispersas e independentes comandado tcnico-economicamente pelo

    capital sem que, com isso, a unidade de produo camponesa desaparea. Para Abramovay, a

    penetrao industrial na agricultura subordina a explorao familiar, mas no provoca a sua

    desapario. So capitais (...) que tomam conta das estruturas j existentes na agricultura,

    socializando-as, fazendo-as partes integrantes do grande mundo econmico, sem entretantodestru-las (ABRAMOVAY, 1992, p. 68).

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    23/29

    Os novos padres, como a quantidade, a qualidade, as normas de apresentao de

    embalagens, e o abastecimento (sistema de distribuio impessoal) de mercadorias ditado pela

    indstria alimentcia no seio da produo familiar conferem indstria uma minimizao dos

    riscos. De acordo com Chayanov (1966), a pesar do carter evidentemente disperso e

    independente dos pequenos produtores, a agricultura se transformou em um sistema

    econmico concentrado em uma srie de grandes empresas e, atravs destas, ingressa na

    esfera controlada pelas mais avanadas formas do capitalismo financeiro. Para o autor, no

    processo de explorao capitalista na agricultura o modelo de concentrao vertical confere

    ao capital um melhor retorno econmico do que a relao modelada na horizontalizao da

    produo.

    A conquista da agricultura pelo capital um fato de profundas conseqncias que emmuitos casos representa a sujeio da reproduo material dos indivduos s necessidades

    inerentes lgica do capital. Este processo fruto de uma razo econmica totalitria. Num

    certo sentido, ento, o capital molda e recria a agricultura ecolgica ao subordin-la a sua

    direcionalidade.

    Reconhecendo que o modelo de integrao vertical modifica as estratgias internas da

    unidade produtiva familiar, devido poltica de mercado e do processamento da produo,

    Chayanov (1966) recomenda que o conjunto das unidades de produo deveria incorporar aforma cooperativa. Desta forma a dinmica produtiva centrada nos empreendimentos

    necessrios ao comrcio, ao crdito, ao transporte, a irrigao, a produo e ao processamento

    no pertenceria aos proprietrios capitalistas, mas aos pequenos produtores organizados em

    cooperativas. A recomendao de Chayanov parece ser cumprida por associaes e sindicatos

    como AOPA, APAC, Rede Ecovida e SINTRAF que buscam se organizar de forma

    cooperativa e solidria entre seus membros e com a sociedade.

    Uma importante lio aprendida pelos agricultores ecolgicos das comunidadesinvestigadas a de que o processo de transformao dos sistemas produtivos da agricultura

    familiar sob uma perspectiva ecolgica deve caminhar, ao menos no contexto da Regio Sul

    do Brasil, passo a passo com o esforo por redesenhar as formas de processamento,

    comercializao e certificao do produto agroecolgico.

    Hoje, eu acredito que os agricultores esto bem mais conscientes. No s promercado, mas vamos dizer que se perderem esse mercado hoje. Eu sempre falo praeles que: empresa empresa, se a AOPA como associao quebrou pode ser que a

    empresa [Fruto da Terra] tambm daqui um tempo quebre, e da? Ento ns estamosbuscando esses pontos de feira. Mas se quebrar eles tem que saber que se voltar proconvencional isso vai ter uma consequncia. Parece que hoje eles percebem isso,

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    24/29

    porque o fato de usar produtos agrotxicos a acaba muita gente morrendo de cncer.Parece que eles tm mais claro isso da (ADYR FIOREZE, 2007).

    Se considerarmos os cerca de 200 grupos hoje integrados Rede Ecovida de

    Agroecologia, possvel constatar esta mesma diversidade de relaes com o mercado.

    Alguns grupos comercializam seus produtos em circuitos convencionais sem os diferenciarem

    como orgnicos ou ecolgicos, subvertendo a tese de que os preos atrativos pagos por um

    mercado diferenciado so o principal elemento (seno o nico) capaz de motivar a

    incorporao de princpios ecolgicos ao manejo dos sistemas produtivos. Outros uma

    parcela significativa dos produtores agroecolgicos circulam boa parte de sua produo

    diretamente ao consumidor em feiras, pontos de oferta, entregas em domiclio ou cooperativas

    de consumidores. Alguns deles, como Alrio Gasparin, trabalhando com volumes maiores de

    produo, comercializam parte de seus produtos em grandes lojas e supermercados. O

    elemento fundamental nesses diferentes processos a existncia de um trabalho, ainda que em

    estgio inicial, deconstruo ativa do mercado, que busca evitar e/ou minimizar a presena de

    intermedirios na comercializao de produtos agrcolas, encurtando a distncia entre

    produtores e consumidores, fortalecendo sistemas participativos de gerao de credibilidade

    de seus produtos e fomentando redes locais de abastecimento.

    O ambiente rural , nesse contexto, reconstrudo mediante uma diversidade deatividades e processos produtivos que combinam diferentes tipos de saberes, o que significa a

    construo de outro paradigma de produo agrcola, de consumo alimentar e de relao

    socioambiental. O questionamento dos processos convencionais de produo e

    comercializao faz com que diversos atores sociais do mundo rural assumam posies

    crticas diante da degradao dos ecossistemas e dos contnuos processos de excluso social,

    de perda de identidade e massificao cultural. Paralelamente, desenvolve-se uma conscincia

    crescente dos riscos (BECK, 1997) da tecnologia para a sade humana e para o bem estarsocial. Estes atores estabelecem relaes de interesse comum no sentido de buscar o

    reconhecimento, a incluso social e a construo de alternativas orientadas resoluo de

    seus prprios problemas. Diante da presso homogeneizadora do modelo agroqumico

    moderno promovido pelo Estado e pelas indstrias, os agricultores ecolgicos lutam por uma

    reorganizao da agricultura via agroecologia, por um novo paradigma produtivo onde as

    preocupaes com o ambiente e o bem estar (individual, familiar e da moderna sociedade de

    risco) so prioritrias.

    Uma nova racionalidade social fundada nos princpios de sustentabilidade

    socioambiental implicou para os agricultores familiares ecolgicos de Rio Branco do Sul na

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    25/29

    transformao de suas prticas produtivas e comerciais bem como de seus aparatos

    ideolgicos. Ao mesmo tempo orientados pela racionalidade ambiental e agentes de sua

    construo, estes agricultores ecolgicos atuam nos mercados de produtos agroecolgicos

    priorizando outros objetivos para alm do econmico. Em meio ao campo conflitivo de

    interesses e concepes diversos, estes atores do movimento agroecolgico disputam sobre os

    sentidos da sustentabilidade e do mundo rural.

    CONSIDERAES FINAIS

    Os obstculos na formao de um grupo da Rede Ecovida em Rio Branco do Sul

    podem ser vistos como um indicativo da fragilidade no associativismo da regio, j apontado

    por Karam (2001), Balestrin (2002) e Cidade Jr. (2008). Porm, um crescente fortalecimento

    de processos organizativos ligados ao movimento agroecolgico vem modificando o baixo

    associativismo, so exemplos o grupo Dois Pinheiros e aprpria Rede Ecovida. De acordo

    com Paulo Mayer (2006, p.16), esto se criando e dinamizando na regio do Vale do Ribeira,

    onde se localiza Rio Branco do Sul, organizaes de base voltadas para o desenvolvimentolocal. O Frum das Organizaes da Agricultura Familiar do Vale do Ribeira um importante

    espao de articulao regional que modifica a idia de baixo associativismo na regio.

    Alm do baixo associativismo na regio, identificado por Karam (2001) e Balestrin

    (2002), outro obstculo histrico expanso da agricultura ecolgica se imps: as

    dificuldades na comercializao. Para Darolt (2000), Apesar de existir uma demanda

    crescente por alimentos orgnicos, a pesquisa mostrou que o processo de comercializao

    ainda bastante complexo, sendo considerado como um dos principais entraves (DAROLT,2000). Tal gargalo no processo de expanso da produo e consumo de produtos ecolgicos

    reconhecido pelo prprio movimento agroecolgico.

    Se antes a comercializao atravs do CEASA-PR e dos grandes intermedirios no

    favoreciam o associativismo, hoje os agricultores de Rio Branco do Sul esto criando

    alternativas solidrias para comercializao e certificao de seus produtos atravs do

    associativismo. H um processo significativo que aponta para a emergncia de iniciativas que

    buscam caminhos associativos e agroecolgicos face aos obstculos da comercializao e

    certificao dos produtos ecolgicos.

    As reaes destes agricultores familiares s diferentes presses e rupturas nos

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    26/29

    processos produtivos e comerciais geraram estratgias de diversificao dos canais de

    comercializao. Nesta pesquisa evidencia-se uma construo ativa de mercados onde muitas

    vezes se evita a presena de intermedirios na comercializao, encurtando a distncia entre

    produtores e consumidores, fortalecendo sistemas participativos de gerao de credibilidade

    de produtos agroecolgicos e fomentando redes locais de abastecimento. As novas relaes

    econmicas destes atores agroecolgicos conferem-lhes a possibilidade de se inserir tanto nos

    mercados agrcolas convencionais, quanto nos processos solidrios de interao e troca,

    relativizando, assim, as concepes fechadas do mercado e abrindo-o noo de mltiplos

    mercados e relaes econmicas que a racionalidade ambiental tem procurado construir.

    Nas relaes sociais que se estabelecem na banca de produtos ecolgicos de Mario

    ngelo, Adyr e Lauro, certamente a racionalidade ambiental est presente, ali estes atores domovimento agroecolgico agem a partir de valores ticos ligados sade humana,

    conservao ambiental e ao comrcio solidrio. A comercializao na banca de produtos

    ecolgicos no apenas uma busca de lucro, l os produtores tm finalidade

    multidimensional, isto , as relaes que l se estabelecem so de diversas ordens envolvendo

    a dimenso social, econmica, poltica, ecolgica e cultural. Desta forma, tanto agricultores

    quanto consumidores ecolgicos tm perseguido objetivos baseados em outros valores,

    inclusive no-materiais, mesmo quando seus ganhos econmicos so ameaados. No caso domovimento agroecolgico em Rio Branco do Sul, em princpio da produo ecolgica muitos

    deles seguiram a converso da unidade de produo mesmo vendo seus ganhos econmicos

    serem reduzidos. A agricultura ecolgica, ento, cumpre importante papel ao abrir a economia

    de mercado pluralidade de atores e prticas.

    Reagindo s imposies de um mercado pautado pela racionalidade econmica, atores

    do mundo rural tm lutado para construir relaes econmicas fundamentadas em outros

    valores, mais solidrios, que distribuam a renda de forma a possibilitar a reproduo dosagricultores em longo prazo e facilitar o acesso dos consumidores com menos poder

    econmico aos produtos com qualidade superior. Fica clara a necessidade no apenas de uma

    produo, mas tambm de uma comercializao sustentvel. O agricultor necessita receber

    uma remunerao mais justa pelo seu trabalho que lhe permita, da mesma forma que o

    consumidor de alimentos ecolgicos, melhorar sua qualidade de vida.

    Embora o processo de ecologizao se encontre distante de uma generalizao,

    certamente, nos encontramos diante da emergncia de formas diferenciadas de produo e de

    condutas de consumidores. Pesquisas como esta e outras do Programa de Ps-graduao em

    Sociologia e do Doutorado MADE constatam que vivemos um estgio de modernidade em

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    27/29

    que ocorre um questionamento universalizao de prticas industriais de produo bem

    como ao consumismo inconseqente. Assim, na relao produo-consumo de alimentos

    emergem modelos de produzir e consumir que reconstroem as relaes da sociedade com a

    natureza segundo princpios socioambientais.

    Os movimentos sociais em defesa da sustentabilidade na agricultura cumprem um

    importante papel tanto na ecologizao da agricultura como nos debates polticos envolvendo

    o desenvolvimento rural. A agroecologia, portanto, apresenta-se como uma alternativa ao

    modelo de produo e desenvolvimento modernizador do rural muitas vezes seguido no

    Brasil. A agroecologia no se coloca apenas como tcnica de produo ecolgica, ela busca

    tambm a sustentabilidade social e econmica como forma de independncia em relao

    autonomizao dos mercados. Significa a reconstruo de uma relao socioambiental cujaraiz tem origem no modo de vida camponsrepresentando uma opo de sobrevivncia para

    o agricultor familiarque pavimenta o caminho de outras ruralidades.

    BIBLIOGRAFIA

    ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrrio em questo. Campinas:Hucitec/UNICAMP, 1992.

    BALESTRIN, Ndia Luzia. Associao da Agricultura Orgnica no Paran: uma proposta em(re)construo. Dissertao de mestrado em Sociologia, Universidade Federal do Paran.Curitiba, 2002.

    BRANDENBURG, Alfio. Movimento agroecolgico: trajetria, contradies e perspectivas.Desenvolvimento e meio ambiente, n 6, p.11-28, jul/dez. Curitiba, Editora da UFPR, 2002.

    BUTTEL, Frederick H. Transiciones agroecolgicas en el siglo XX: anlisis preliminar.

    Agricultura y Sociedad, n 74, Jan./mar, 1995, pag. 9-38.CIDADE JUNIOR, Homero Amaral. Agricultura orgnica na Regio Metropolitana deCuritiba: fatores que afetam seu desenvolvimento. Dissertao de mestrado em Agronomia,Universidade Federal do Paran. Curitiba, 2008.

    CHAYANOV, Alexander V. The theory of peasant economy. Illinois: The americaneconomic association, 1966.

    DAROLT, Moacir Roberto. As dimenses da sustentabilidade: um estudo da agriculturaorgnica na regio metropolitana de Curitiba-PR. Tese de doutorado Interdisciplinar em Meio

    Ambiente e Desenvolvimento, Universidade Federal do Paran/ParisVII. Curitiba, 2000.

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    28/29

  • 7/25/2019 Mercados, Atores e a Construo Da Racionalidade Ambiental Em Rio Branco Do Sulpr - Padilha 2010

    29/29

    PORTILHO, Ftima. Consumo verde, democracia ecolgica e cidadania: possibilidadesde dilogo? Fator Social - Alimentao: conscincia e sade, Braslia, 2004, p. 17 - 24.Disponvel em: < http://www.rubedo.psc.br/artigos/consumo.htm> Acesso em: 12/11/2008.

    REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA. Stio Digital Ecovida: Ncleos/Membros, 2008.Disponvel em: Acesso em: 22/08/2008.

    RUSZCZYK, Joo Carlos. A agricultura familiar e de base ecolgica, transies e estratgiasde reproduo: redefinies e permanncias nos olericultores de Rio Branco do Sul. Tese dedoutorado Interdisciplinar em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Universidade Federal doParan. Curitiba, 2007.

    SANTOS, Luiz Carlos R. et al. Caderno de Normas para Certificao de ProdutosEcolgicos. Rede Ecovida de Agroecologia, 2002.

    SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: territrio e sociedade no incio dosculo XXI. So Paulo: Record, 2001.

    SILVA, Pedro Junior da. Um passeio pelas gndolas: escolhas e influncias dosconsumidores de alimentos em supermercados. Curitiba: Imprensa Oficial, 2007.

    ZONIN, Wilson. Transio agroecolgica: modalidades e estgios na RMC. Tese dedoutorado Interdisciplinar em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Universidade Federal doParan. Curitiba, 2007.

    WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Razes histricas do campesinato brasileiro. In:Agricultura familiar: realidades e perspectivas. TEDESCO, Joo Carlos (Org). Passo Fundo:EDIUPF, 1999.

    _______. A emergncia de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avanadas - orural como espao singular e ator coletivo. Estudos Sociedade e Agricultura, n15, outubro2000: 87-145. Disponvel em: Acesso em: 06/04/2008.

    WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Braslia:

    Universitria de Braslia: So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 1999.