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REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 16, N. 31, P. 41-60, JUN. 2009 41 ANDRÉ ALBUQUERQUE SANT’ANNA GILBERTO RODRIGUES BORÇA JUNIOR PEDRO QUARESMA DE ARAUJO* Mercado de Crédito no Brasil: Evolução Recente e o Papel do BNDES (2004-2008) RESUMO O artigo analisa a evolução do mercado de crédito bancário no Brasil entre 2004 e 2008. Em geral, houve expansão contínua das operações de crédito em relação ao PIB, fundamentalmente em função do crescimento do crédito destinado às pessoas físicas: crédito consignado em folha de pagamentos, financiamento a aquisição de veículos e leasing. Em 2008, observa-se uma modificação desse cenário, com boa parte do crescimento do crédito sendo destinado às empresas. A partir de setembro, quando a atual crise internacional agravou-se de forma abrupta, ao contrário do esperado, o volume de crédito concedido na economia não diminuiu. A atuação anticíclica dos bancos públicos, responsáveis por 68% do incremento do crédito do Brasil entre setembro e dezembro de 2008 – em grande medida, às empresas –, mais do que compensou a desaceleração das operações de crédito dos bancos privados. Só o BNDES contribuiu com 32 pontos percentuais. Economistas do BNDES. Os autores agradecem os comentários valiosos dos pareceristas. Como de praxe, os autores são inteiramente responsáveis por erros e omissões do texto. Este artigo é uma versão expandida e revisada dos textos Visão do Desenvolvimento, n. 37 e n. 63. ABSTRACT The article analyses the bank credit market development in Brazil between 2004 and 2008. Broadly speaking, there was a continuous expansion of credit facilities compared to the GDP, mainly due to the growth of credit to individuals: payroll-backed credit, financing to purchase vehicles and leasing. In 2008, this scenario changed. Most credit given was targeted at companies. In September, when the international downturn worsened considerably, the amount of credit granted unexpectedly remained stable. The anti-cyclical performance of public banks, responsible for 68% of credit growth in Brazil between September and December 2008 – mostly to companies –, adequately offset the slowdown of credit facilities in private banks. The BNDES alone contributed with 32 percentage points.

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REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 16, N. 31, P. 41-60, JUN. 2009 41

ANDRÉ ALBUQUERQUE SANT’ANNAGILBERTO RODRIGUES BORÇA JUNIOR

PEDRO QUARESMA DE ARAUJO*

Mercado de Crédito no Brasil: Evolução Recente e o Papel do BNDES (2004-2008)

RESUMO O artigo analisa a evolução do mercado de crédito bancário no Brasil entre 2004 e 2008. Em geral, houve expansão contínua das operações de crédito em relação ao PIB, fundamentalmente em função do crescimento do crédito destinado às pessoas físicas: crédito consignado em folha de pagamentos, fi nanciamento a aquisição de veículos e leasing. Em 2008, observa-se uma modifi cação desse cenário, com boa parte do crescimento do crédito sendo destinado às empresas. A partir de setembro, quando a atual crise internacional agravou-se de forma abrupta, ao contrário do esperado, o volume de crédito concedido na economia não diminuiu. A atuação anticíclica dos bancos públicos, responsáveis por 68% do incremento do crédito do Brasil entre setembro e dezembro de 2008 – em grande medida, às empresas –, mais do que compensou a desaceleração das operações de crédito dos bancos privados. Só o BNDES contribuiu com 32 pontos percentuais.

∗ Economistas do BNDES. Os autores agradecem os comentários valiosos dos pareceristas. Como de praxe, os autores são

inteiramente responsáveis por erros e omissões do texto. Este artigo é uma versão expandida e revisada dos textos Visão do Desenvolvimento, n. 37 e n. 63.

ABSTRACT The article analyses the bank credit market development in Brazil between 2004 and 2008. Broadly speaking, there was a continuous expansion of credit facilities compared to the GDP, mainly due to the growth of credit to individuals: payroll-backed credit, fi nancing to purchase vehicles and leasing. In 2008, this scenario changed. Most credit given was targeted at companies. In September, when the international downturn worsened considerably, the amount of credit granted unexpectedly remained stable. The anti-cyclical performance of public banks, responsible for 68% of credit growth in Brazil between September and December 2008 – mostly to companies –, adequately offset the slowdown of credit facilities in private banks. The BNDES alone contributed with 32 percentage points.

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42 MERCADO DE CRÉDITO NO BRASIL: EVOLUÇÃO RECENTE E O PAPEL DO BNDES (2004-2008)

1. Introdução

desenvolvimento econômico guarda forte relação com a amplia-ção do crédito. A maior disponibilidade de empréstimos permite

que a demanda efetiva se expanda e, consequentemente, gere uma acelera-ção da trajetória de crescimento da renda e do emprego. O acesso ao crédi-to permite às famílias aumentar seu consumo de bens duráveis e investir, em especial, em residências e educação.1

A maior disponibilidade de fi nanciamentos de longo prazo, por sua vez, permite que as empresas se lancem em empreendimentos de maior escala, o que realimenta o processo de crescimento econômico. De fato, em países com mercados de crédito e de capitais pouco desenvolvidos, a ampliação da capacidade produtiva fi ca basicamente limitada ao autofi nanciamento das empresas, à capacidade do governo de disponibilizar fundos de longo prazo e aos movimentos de expansão e contração da liquidez internacional – determinantes no volume de captações externas.

A experiência internacional mostra que os mecanismos predominantes de fi nanciamento de longo prazo podem variar muito entre países. Nos Esta-dos Unidos e na Inglaterra, por exemplo, esse papel é basicamente cumpri-do pelo mercado de capitais, com a colocação de ações e títulos de renda fi xa das empresas diretamente junto ao público. Em outros países, como Alemanha, Japão e Brasil, os bancos têm um papel mais importante nesse processo, por meio do fi nanciamento indireto [Demirguç-Kunt e Levine (2004)].

Outra diferença relevante entre os países é a forma como os estados nacio-nais intervêm na alocação de recursos nos mercados de crédito de longo prazo. Segundo Torres (2007), nos países em que o fi nanciamento direto é dominante, essa ação é feita predominantemente por meio de garantias pú-blicas. Nos mercados em que o fi nanciamento indireto é mais importante, os estados agem por meio de bancos públicos ou fundos fi scais.

Nos últimos anos, a atuação dos bancos públicos vem sendo objeto de controvérsia. Alguns autores afi rmam que essas instituições substituem ou inibem o desenvolvimento do crédito privado. Isso ocorreria em razão de dois fatores que assegurariam ao Estado acesso relativamente mais barato

1 Há uma vasta literatura que trata do papel dos mercados de crédito e capitais na relação entre desigualdade e crescimento econômico e também para a superação de “armadilhas da pobreza”. Um texto que resume os principais resultados é, por exemplo, Bénabou (1996).

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a fontes de recursos. O primeiro é sua capacidade única de tributar a so-ciedade, enquanto o segundo reside no fato de o seu risco de crédito ser normalmente mais baixo do que o do setor privado. Desse ponto de vista, a atuação dos bancos públicos inibiria o desenvolvimento do setor fi nanceiro privado e, em consequência, o crescimento econômico [Novaes (2007) e Pinheiro (2007)].

Em oposição, há uma visão alternativa que sustenta a complementaridade entre bancos privados e públicos, em especial aqueles voltados a emprés-timos de longo prazo. Nesse caso, o Estado, sobretudo por meio de seus bancos de desenvolvimento, atuaria no fi nanciamento a projetos de inves-timento que o setor privado, por motivos de prazo e risco elevados, não se interessaria em apoiar em condições compatíveis com os retornos espera-dos [Torres (2007)].

Particularmente no Brasil, uma questão relevante, que ganhou maior im-portância a partir de setembro de 2008 com o aprofundamento da atual cri-se fi nanceira internacional, é a atuação compensatória adotada pelos ban-cos públicos. A expansão de suas operações de crédito tem a característica de ocorrer justamente nos momentos em que o sistema de crédito privado se contrai, possibilitando, assim, a sustentação dos canais de fi nanciamento dos projetos de investimento.

Assim, dada a importância da oferta de recursos para o desenvolvimento econômico,2 este trabalho tem por objetivo, simultaneamente, investigar as mudanças recentes ocorridas no mercado de crédito bancário brasileiro e situar o papel do BNDES nesse processo. Para tal, o texto está dividido em seis seções, incluindo esta introdução. A segunda realiza um panorama geral da evolução das condições do crédito bancário no Brasil, destacando tanto o seu montante como percentual do PIB em uma comparação inter-nacional quanto sua trajetória interna de expansão entre 2004 e 2008. A terceira seção trata da contribuição dos segmentos por atividade econô-mica na evolução do crédito bancário privado, ressaltando que o proces-so de crescimento, inicialmente concentrado no crédito às pessoas físicas, estendeu-se para os demais segmentos do setor privado. A quarta seção mostra como os bancos de diferentes origens de capital responderam a esse movimento de expansão generalizada do crédito. A quinta seção procura

2 Ressalte-se que a ampliação do crédito, em si, não é necessariamente favorável ao desenvolvimen-to. Para tal, é preciso que o fi nanciamento disponível seja destinado, de algum modo, ao estímulo da produção e não à especulação. Uma das causas apontadas para a crise atual é justamente o excesso de crédito imprudente. Os autores agradecem os comentários de um dos pareceristas a esse respeito.

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situar o papel do BNDES nessa nova dinâmica, destacando tanto o caráter anticíclico de sua atuação quanto sua vitalidade no fi nanciamento de longo prazo da indústria e da infraestrutura no Brasil. Por fi m, na sexta seção, apresentam-se as conclusões do estudo.

2. Panorama Geral do Crédito Bancário Brasileiro

A relação entre os saldos dos empréstimos e o respectivo produto interno bruto (PIB) dos países é uma importante medida de referência das condi-ções e da profundidade do mercado de crédito bancário. O Gráfi co 1 reúne esse indicador para um grupo de 34 países. Percebe-se que esse percen-tual é signifi cativamente maior nos países mais desenvolvidos, chegando a atingir mais de 200% do PIB, como no caso dos Estados Unidos.

Outra relação importante é a intensifi cação do crédito frente ao PIB nos paí ses que aceleraram seu crescimento no passado recente. China e Co-reia do Sul, por exemplo, têm uma relação crédito/PIB superior a 100%. Além do nível e do crescimento da renda per capita, existem outros dois fatores que, de acordo com Djankov e Shleifer (2007), exercem signifi cati-va infl uência sobre o volume da oferta de crédito ao setor privado nos paí-ses: a proteção aos direitos dos credores e o nível de informação disponível sobre os tomadores.

No Brasil, o crédito ao setor privado apresenta duas características mar-cantes quando comparado a outros países. A primeira delas é a de ser rela-tivamente escasso. Segundo dados do Banco Mundial, em 2007 o estoque de crédito no Brasil montava a apenas 43,6% do PIB.3 Ainda que acima de outros países latino-americanos com grau de desenvolvimento semelhan-te – como México (20%), Argentina (12,5%) e Colômbia (36%) –, esse indicador é bem inferior ao observado nas economias desenvolvidas e em economias em desenvolvimento do leste da Ásia – Coreia do Sul (101%), Malásia (100%) e Tailândia (82,7%).

3 Cabe observar que os dados de crédito entre Banco Central do Brasil e Banco Mundial são bas-tante distintos, em virtude de diferenças metodológicas na apuração.

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GRÁFICO 1

Crédito Doméstico ao Setor Privado por País em 2007

Fonte: Financial Structure Database (2008).

A segunda característica peculiar do crédito no Brasil nos últimos anos é sua volatilidade. De acordo com o BID (2005), a volatilidade do cré-dito nos países da América Latina e do Caribe está relacionada tanto aos choques macroeconômicos externos enfrentados quanto às condições de instabilidade da região [Gourinchas et al. (2001)]. No Brasil, a volatilidade da oferta de crédito esteve ligada aos movimentos no cenário internacio-nal. As crises do México, em 1994/1995, da Ásia, em 1997, da Rússia, em 1998, e a própria crise brasileira, de 1999, são exemplos de choques exter-nos que tiveram efeitos negativos na evolução das condições de crédito do país, contribuindo para sua maior volatilidade.

Como se pode ver no Gráfi co 2, desde 2004 o volume de crédito em rela-ção ao PIB vem apresentando crescimento de forma continuada, passan-do de 23,6%, em janeiro daquele ano, para 41,3% do PIB, em dezembro de 2008.

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GRÁFICO 2

Evolução da Relação Crédito/PIB no Brasil (2004-2008) – Dados Mensais até Dezembro de 2008

Fonte: Bacen.

A ampliação do crédito entre 2004 e 2008 foi acompanhada de uma mu-dança importante no perfi l do mercado. Houve, de maneira quase contínua, forte alargamento dos prazos das operações dos bancos com créditos não direcionados. Em janeiro de 2004, o prazo médio dos empréstimos – en-globando crédito tanto para pessoa física quanto para pessoa jurídica – era de 222 dias corridos, enquanto em dezembro de 2008, quatro anos depois, havia se elevado para 379 dias, um aumento de 70,6% no período.

Outro ponto relevante no segmento de crédito com recursos livres diz res-peito à trajetória das taxas de juros.4 Como se pode observar no Gráfi co 3, até o fi m de 2007 as taxas cobradas apresentaram forte tendência de queda, passando, em termos anuais, de um patamar de 45%, entre 2004 e 2006, para menos de 35%, no fi nal de 2007. No entanto, essa tendência foi rever-tida ao longo de 2008, quando as taxas voltaram a subir, encerrando o ano acima de 40%.

4 Recursos cuja aplicação depende apenas das decisões microeconômicas das instituições fi nancei-ras e não são direcionados pelo governo.

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GRÁFICO 3

Prazo Médio e Taxa de Juros das Operações de Crédito (2004-2008)

Fonte: Bacen.

Dois fatores contribuíram para essa infl exão da trajetória de queda das ta-xas de juros: em primeiro lugar, o aumento da alíquota do IOF no início de 2008, com vistas a recompor as receitas governamentais perdidas em decorrência da extinção da CPMF. Em segundo lugar, o agravamento da atual crise fi nanceira internacional, que gerou a elevação do custo do cré-dito doméstico.

3. Contribuição dos Segmentos na Evolução do Crédito

Nos últimos cinco anos, a oferta de crédito bancário no Brasil apresentou fortes taxas de expansão. A Tabela 1 reúne tanto o crescimento real ao se-tor privado pelos principais segmentos de atividade econômica quanto sua composição e contribuição à variação do crédito. Percebe-se que todos os segmentos, sem exceção, apresentaram taxas médias de crescimento real de dois dígitos. Entre 2004 e 2008, o maior destaque fi cou a cargo da con-cessão de crédito às pessoas físicas. Além de responder, em dezembro de 2008, por 32,4% do total de mercado, o segmento registrou a taxa mais

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elevada de crescimento real médio, ou seja, 31,5% a.a. entre dezembro de 2003 e dezembro de 2008.

TABELA 1

Evolução do Crédito Privado (Em %)

TAXA ANUAL MÉDIA DE

CRESCIMENTO (2004-2008)

TAXA DE CRESCIMENTO

COMPOSIÇÃO DO CRÉDITO

PRIVADO (2008)

CONTRIBUIÇÃO À VARIAÇÃO DO CRÉDITO

PRIVADO (2008)

Pessoas Físicas

31,5 23,9 32,4 26,6

Indústria 20,5 38,6 24,8 29,2

Outros Serviços 25,1 40,6 18,3 22,4

Comércio 23,6 27,8 10,4 9,5

Rural 17,6 19,3 8,9 6,1

Habitacional 20,4 38,0 5,2 6,2

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Bacen.

Tal fato deveu-se, por um lado, à rápida disseminação das operações con-signadas em folha de pagamento e, por outro, à ampliação signifi cativa dos fi nanciamentos a automóveis, que vieram acompanhados do alongamento dos prazos e da redução dos juros.

Esse quadro alterou-se em 2008, quando o crédito às empresas (indústria, comércio e outros serviços) apresentou uma taxa de crescimento superior à do crédito às famílias. Além disso, o crédito industrial foi o principal res-ponsável pelos novos empréstimos efetuados, contribuindo com 29,2% da variação do saldo das operações do crédito privado no ano. Grande parte desse resultado pode ser atribuída à ação dos bancos públicos para susten-tar o crédito produtivo diante da crise fi nanceira internacional.5

Além do crédito à indústria, cabe destacar a variação expressiva do crédito à habitação, que cresceu 38,0% em 2008. Esses resultados estão associa-dos, por um lado, ao aumento recente verifi cado no investimento residen-cial e, por outro, ao forte ciclo de investimentos vivenciado pela economia brasileira nos últimos anos. No que tange ao crédito habitacional, foram

5 A respeito do papel dos bancos públicos na manutenção recente do nível de crédito, ver Seção 4.

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relevantes, também, algumas melhorias institucionais introduzidas, parti-cularmente alienação fi duciária e patrimônio de afetação [Nascimento e Coutinho (2006)]. Em suma, a ampliação do crédito resultou de maior pro-teção ao credor, item apontado como fundamental por Djankov e Shleifer (2007), em uma pesquisa sobre os determinantes do nível de crédito em mais de cem países.

4. Bancos e a Expansão do Crédito

Aliado a essa ampliação do nível de crédito, os bancos procederam tam-bém a uma mudança na composição de seus ativos. Como se pode ver no Gráfi co 4, a partir de 2002 o crédito ganhou importância nas aplicações dessas instituições fi nanceiras, passando de 28,5% de seus ativos totais, no início de 2002, para 32,4%, em setembro de 2008, sendo que, em 2006, chegara a 33,3%. Esse aumento do crédito ocorreu em detrimento tanto de títulos e valores mobiliários (TVM) quanto de aplicações interfi nanceiras e disponibilidades – todos ativos com maior liquidez.

GRÁFICO 4

Composição Percentual dos Ativos dos Bancos Comerciais Brasileiros (2002-2008) – Dados até Setembro de 2008

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Bacen.

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O cenário de estabilidade econômica dos últimos anos fez com que ativos de maior liquidez e baixo risco tenham se tornado menos rentáveis à me-dida que a incerteza sobre os rumos da economia se reduzia. Assim, como parte de uma estratégia de buscar maior rentabilidade para seus ativos, os bancos comerciais passaram a ofertar não apenas mais crédito aos agentes econômicos, mas também outros tipos de serviços, como avais e fi anças, conforme se pode observar na parte de outros ativos, do Gráfi co 4.

Esse comportamento vem sendo observado em praticamente todos os bancos comerciais, independentemente da origem do capital. Conforme mostra o Gráfi co 5, tanto os bancos privados nacionais quanto os es-trangeiros e os estatais aumentaram suas operações de crédito de forma semelhante. O resultado fi nal desse movimento foi que as participações de mercado entre esses três grandes conjuntos de bancos mantiveram-se relativamente constantes.

GRÁFICO 5

Operações de Crédito ao Setor Privado por Origem do Capital(2003-2008)

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Bacen.

Deve-se considerar, todavia, que a acentuação da crise fi nanceira global no segundo semestre de 2008 deve trazer alguns impactos para o país, sobre-tudo no mercado de crédito. Assim, é possível que a trajetória de expansão do crédito e a menor exposição dos bancos a títulos públicos se revertam em alguma medida, o que poderá ser constatado com a divulgação dos

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resultados fi nais dos balanços dos bancos para o ano de 2008. De todo modo, esse quadro, ainda que possa sofrer alguma modifi cação, não deve apresentar transformações drásticas, sobretudo por causa da signifi cativa expansão das operações de crédito dos bancos públicos.

De acordo com a Tabela 2, os bancos públicos, em 2008, aceleraram suas operações de crédito a uma taxa praticamente duas vezes maior – 40% – do que sua média de crescimento do período 2004-2008 – 22%. Esse compor-tamento foi fundamental para a manutenção da trajetória de crescimento do crédito doméstico, a despeito do agravamento da crise fi nanceira inter-nacional. Nota-se que, em 2008, os bancos públicos foram responsáveis por 43,2% do crescimento das operações de crédito, percentual bem supe-rior tanto ao ano de 2007 (24,7%), quanto à média do período 2004-2008 (33%).

TABELA 2

Taxa de Crescimento das Operações de Crédito: Bancos Públicos e Privados

TAXA DE CRESCIMENTO DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO

(Em %)

CONTRIBUIÇÃO AO CRESCIMENTO

(Em %)

Bancos Públicos Bancos Privados Bancos Públicos Bancos Privados

2004 15,0 22,0 31,6 68,4

2005 16,0 25,0 28,7 71,3

2006 20,0 21,0 36,1 63,9

2007 19,0 33,0 24,7 75,3

2008 40,0 27,0 43,2 56,8

Média 22,0 25,6 32,9 67,1

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Bacen.

De fato, grande parte da diferença entre as taxas de variação das opera-ções de crédito entre os bancos públicos e privados, em 2008, deve-se às reações distintas diante do agravamento da crise fi nanceira no último trimestre. Como mostra o Gráfi co 6, a partir de setembro de 2008, com a quebra do Lehman Brothers, enquanto os bancos privados mantiveram praticamente estável o nível de suas operações de crédito, os bancos pú-blicos seguiram sua trajetória de crescimento, inclusive acelerando a ex-pansão da oferta de recursos.

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GRÁFICO 6

Expansão das Operações de Crédito dos Bancos Públicos e Privados 2008 – dez/07 = 100

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Bacen.

5. O Papel do BNDES em Relação ao Mercado de Crédito

Ao longo de sua existência, o BNDES tornou amplamente conhecida sua função de provedor de funding de longo prazo à indústria e à infraestrutura. No entanto, menos evidente é o papel do Banco também como importante ator anticíclico no mercado de crédito, no qual atua de forma compensa-tória em relação ao restante do sistema fi nanceiro. Em todo o mundo, os mercados de crédito são voláteis. Isso é uma decorrência natural dos riscos que as instituições fi nanceiras naturalmente são obrigadas a gerenciar, en-tre os quais estão o creditício, o de liquidez, o de taxas de juros e o de taxa de câmbio.

Tais características conferem ao negócio bancário fragilidades próprias que, por sua natureza, tendem a acentuar-se em cenários de instabilidade macroeconômica. Essas limitações tornam-se, por sua vez, menos percep-

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tíveis em situações de crescimento econômico, já que a própria concorrên-cia bancária tende a reduzir a aversão ao risco. É por esses motivos que o crédito se contrai muito fortemente quando a economia se retrai e, inversa-mente, se expande rapidamente quando a economia cresce6 [Carvalho et al. (2001)]. A fi m de evitar esse tipo de comportamento procíclico do crédito, o Estado pode atuar, por meio de bancos públicos, para sustentar as linhas de fi nanciamento a empresas em momentos de crise.

Nesse sentido, o BNDES exerce um importante papel de estabilizador no mercado de crédito nacional. Nos momentos em que o mercado se contrai, como no período 2001-2003, o Banco amplia sua participação relativa ao garantir acesso ao crédito às empresas em momentos de liquidez escassa. Entretanto, quando o mercado de crédito se expande, o BNDES vê a sua participação se reduzir, deixando a cargo do setor privado o atendimento da demanda por crédito em expansão.

Como se observa no Gráfi co 7, diante da retração do crédito bancário e da atuação anticíclica do BNDES em relação à oferta de crédito, sua partici-pação no crédito total ao setor privado, entre junho de 2000 e dezembro de 2003, passou de um mínimo de 18,1%, em abril de 2001, para atingir um máximo de 24,3%, em março de 2003. Desde então, à medida que os bancos comerciais retomaram a expansão de suas atividades, a participa-ção do Banco no crédito total reduziu-se gradativamente, atingindo 16,0% em setembro de 2008. A partir de então, em resposta à crise fi nanceira in-ternacional, a participação do BNDES voltou a crescer, alcançando 17,0% no fi m de 2008, i.e., houve um ganho de participação relativa de 1,0% no mercado de crédito em apenas três meses. Destaque-se que esse aumento na participação relativa decorreu, de fato, de um incremento nos desem-bolsos do BNDES acumulados em 12 meses, que passaram de um patamar de 2,4% do PIB, em janeiro de 2008, para 3,1% do PIB, em dezembro de 2008. Nesse sentido, o incremento da participação do BNDES no mercado cresceu em virtude de uma política ativa de ampliação de empréstimos.7

Esse movimento pode ser observado, ainda, no Gráfi co 8, quando se com-param os estoques de operações de crédito por origem do capital. Tomando como base o mês de setembro de 2008, nota-se que tanto o BNDES quanto os demais bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal etc.) seguiram ampliando o volume de suas operações, sustentando a trajetória

6 Para uma análise sobre os impactos procíclicos da restrição do crédito na economia via variações nos investimentos de longo prazo, vide Aghion et al. (2005).

7 O mesmo processo ocorreu ao longo de 2003, quando os desembolsos passaram de 1,9% para 2,2% do PIB.

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positiva de expansão do crédito total, a despeito da crise. Os bancos públi-cos foram responsáveis por 68% da variação líquida das operações de cré-dito no período, cabendo ao BNDES 32 pontos percentuais de contribuição à expansão do crédito no período após o agravamento da crise.

GRÁFICO 7

Papel Estabilizador do BNDES no Mercado de Crédito (2000-2008) Dados até Dezembro de 2008

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Bacen.

A ação anticíclica recente do BNDES elevou, sobremaneira, a expansão da participação dos empréstimos ativos do BNDES no PIB, rompendo, assim, com a trajetória de expansão suave desse indicador. De acordo com o Gráfi co 9, a participação do BNDES no PIB saiu de 4,5%, em 2000, para atingir 6,0%, em setembro de 2008, quando acelerou fortemente, al-cançando 7,0%, no fi nal de 2008. Parte desse aumento pode ser explicada pela apreciação do dólar frente ao real, com efeitos positivos sobre os ativos em moeda estrangeira do Banco. Descontados os efeitos da depre-ciação cambial, ocorrida entre junho e dezembro de 2008, ainda assim, a participação poderia ser estimada em 6,6%,8 um patamar bem acima da trajetória recente.

8 Esse cálculo foi realizado supondo-se que o valor dos ativos em moeda estrangeira do Banco per-manecesse estável em dólar, tomando como base o balanço do BNDES, de 30.6.2008. Dessa forma,

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GRÁFICO 8

Contribuição à Expansão das Operações do Crédito a Partir de Setembro de 2008 – Dados até Dezembro de 2008

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Bacen.* Exclui BNDES.

Vale dizer que, além do papel anticíclico, o BNDES vem apresentando, nos últimos anos, uma tendência de crescimento, em decorrência do ciclo de investimento vivido pela economia brasileira, especialmente nos setores básicos de infraestrutura – energia elétrica, logística e saneamento. Por se caracterizarem como projetos de longa maturação e elevado risco, o BNDES é, naturalmente, a principal fonte de fi nanciamento de longo prazo para sua viabilização. Além disso, tais inversões acabam por gerar estímu-los adicionais aos investimentos privados nos demais setores da economia. Isso acontece tanto em função de os investimentos em infraestrutura au-mentarem a competitividade sistêmica da economia via efeitos multiplica-dores quanto da sustentação de taxas de crescimento de longo prazo mais elevadas por intermédio de efeitos aceleradores.

considerando a depreciação do real de 46,8% no período, pode-se estimar a valorização dos ativos decorrente estritamente do efeito cambial e descontar esse valor dos ativos totais utilizados para calcular a participação das operações do BNDES no PIB.

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56 MERCADO DE CRÉDITO NO BRASIL: EVOLUÇÃO RECENTE E O PAPEL DO BNDES (2004-2008)

GRÁFICO 9

Participação dos Empréstimos Ativos do BNDES no PIB (2001-2008)

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Bacen.

6. Conclusões

O acesso ao crédito constitui-se em uma ferramenta fundamental para que indivíduos e empresas possam satisfazer sua capacidade produtiva e, com isso, estimular o crescimento econômico. No Brasil, o nível de crédito ainda é baixo se comparado ao de países desenvolvidos – como Estados Unidos, Japão e Alemanha – ou ao de países em desenvolvimento de crescimento rápido – como China, Malásia e Tailândia. No entanto, nota-se, entre 2004 e 2008, uma expansão do crédito no Brasil muito acima do desempenho do PIB. Paralelamente a isso, esse crescimento veio acompanhado de mudan-ças signifi cativas no que diz respeito ao alongamento contínuo dos prazos das operações de crédito.

Em virtude da trajetória de queda da taxa básica de juros e do aumen-to da liquidez na economia e, em consonância com a expansão generaliza-da do crédito – visto que se deu de forma semelhante entre bancos com diferentes origens de capital –, os bancos comerciais adotaram uma estra-tégia diferente em relação à sua alocação de ativos: ganharam espaço as

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operações de crédito, avais e fi anças em detrimento de outras aplicações de maior liquidez.

Em relação aos segmentos mais dinâmicos do mercado de crédito bancário brasileiro entre 2004 e 2008, podem-se destacar dois momentos distintos. O primeiro, em que predominaram as operações para as famílias, respon-sáveis por grande parte de toda a expansão do mercado até 2007. Esse processo denota a ampliação das possibilidades de acesso a bens duráveis e imóveis pelos agentes econômicos, com claros impactos sobre a qualidade de vida da população.

O segundo momento representa a expansão do crédito para as empresas, especialmente em 2008, quando este assumiu a preponderância em re-lação ao crédito às famílias. Tal movimento foi sustentado tanto pelo forte ciclo de investimento ocorrido até o terceiro trimestre de 2008 quanto pela sustentação das operações de crédito pelos bancos públicos no quarto trimestre.

Essa expansão do mercado de crédito constitui uma marca importante do ciclo de crescimento por que passou a economia brasileira. Após um pe-ríodo de crise de liquidez, entre 2001 e 2003, o volume de crédito ao setor privado quase dobrou, nos últimos quatro anos, atingindo 41,3% do PIB em dezembro de 2008.

Outra questão relevante no mercado de crédito é o papel desempenhado pelo BNDES. Embora seja conhecida a sua função de principal provedor de recursos de longo prazo aos projetos de investimento da indústria e da infraestrutura, deve-se ressaltar, também, o caráter anticíclico de sua atua-ção – papel menos conhecido.

Nos momentos em que o mercado de crédito apresenta movimentos de expansão, o BNDES perde participação relativa. Todavia, em períodos no qual o crédito bancário se retrai, o BNDES, em função de suas caracterís-ticas, eleva sua participação no mercado, impedindo quedas profundas nas linhas de fi nanciamento às empresas. A título de exemplo, pôde-se perce-ber que, durante a crise de 2002/2003, fi cou evidente o papel anticíclico do BNDES no mercado de crédito, pois, dada a estabilidade de seu funding, o Banco foi capaz de, transitoriamente, sustentar e ampliar seus volumes de empréstimos, elevando sua participação relativa no mercado. Com isso, exerceu, à época, um importante papel na manutenção do crédito às empre-sas, especialmente no apoio às exportações.

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58 MERCADO DE CRÉDITO NO BRASIL: EVOLUÇÃO RECENTE E O PAPEL DO BNDES (2004-2008)

No período recente de recuperação do mercado de crédito analisado no trabalho – entre 2004 e 2008 –, os segmentos que apresentaram maior di-namismo em termos de taxa de crescimento foram os de crédito a pessoas físicas e à habitação, áreas em que o Banco não atua. Assim, sua participa-ção relativa reduziu-se para 16% em agosto de 2008. No entanto, o agrava-mento da crise fi nanceira internacional no segundo semestre de 2008 tende, novamente, a evidenciar o papel anticíclico do BNDES, especialmente na sustentação do atual ciclo de investimentos. Portanto, nesse momento de instabilidade, em que as empresas necessitam de linhas de fi nanciamento para seus projetos de investimento, o BNDES tende a aumentar sua atua-ção como principal fonte de funding de longo prazo no país.

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