mentalismo e explicação do comportamento

15
Mentalismo e explicação do comportamento: aspectos da crítica behaviorista radical à ciência cognitiva Diego Zilio Kester Carrara UNESP: Universidade Estadual Paulista, Bauru. Acta Comportamentalia (Volume 16 / 3 - 2008) Artigo financiado pela Fapesp (processo No. 06/51132-0) O propósito deste artigo é avaliar a relevância das críticas behavioristas radicais ao mentalismo no âmbito da ciência cognitiva. Primeiramente, apresentam-se essas críticas para, em seguida, relacioná-las com a concepção behaviorista radical de causalidade. Enfatiza-se, principalmente, por que o behaviorismo radical é imune aos possíveis problemas do mentalismo e, também, por que o mentalismo pode resultar nesses problemas. O passo seguinte inicia-se com a constatação de que a ciência cognitiva é mentalista porque é a ciência dos eventos internos, mas que ser mentalista não implicaria necessariamente aceitar de forma não crítica os problemas apontados por Skinner, fato que é evidenciado pela apresentação do desenvolvimento histórico da ciência cognitiva. A conclusão a que se chega é que cada crítica behaviorista radical tornou-se, no âmbito da ciência cognitiva, um obstáculo; o que significa que também para a ciência cognitiva os problemas do mentalismo são vistos como problemas. Duas conseqüências decorrem desse fato. A primeira é a impossibilidade de criticar a ciência cognitiva apenas por causa de seu caráter mentalista. A segunda é que, ao tratar desses problemas, a ciência cognitiva, no seu desdobramento relacionado à cognição incorporada e situada, acabou por defender posição semelhante à sustentada pelo behaviorismo radical. Embora não seja plausível falar de um conceito completamente consensual de «mentalismo», define-se na literatura behaviorista radical como mentalista qualquer enfoque psicológico (e, mesmo, antropológico, sociológico e biológico) que considere o comportamento como resultado de processos e/ou agentes internos e/ou de outra natureza ou substância distinta daquela da conduta a ser explicada. Skinner escreveu diversos textos em que se reconhece um tom crítico ao mentalismo, embora seja mais correto afirmar que o tema está presente em todas as suas obras, já que o behaviorismo radical se fundamenta em pressupostos incompatíveis com o mentalismo. De acordo com

Upload: heloisa-sousa

Post on 18-Dec-2015

7 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

artigo

TRANSCRIPT

  • Mentalismo e explicao do comportamento: aspectos

    da crtica behaviorista radical cincia cognitiva

    Diego Zilio

    Kester Carrara

    UNESP: Universidade Estadual Paulista, Bauru.

    Acta Comportamentalia (Volume 16 / 3 - 2008)

    Artigo financiado pela Fapesp (processo No. 06/51132-0)

    O propsito deste artigo avaliar a relevncia das crticas behavioristas radicais ao

    mentalismo no mbito da cincia cognitiva. Primeiramente, apresentam-se essas crticas

    para, em seguida, relacion-las com a concepo behaviorista radical de causalidade.

    Enfatiza-se, principalmente, por que o behaviorismo radical imune aos possveis problemas

    do mentalismo e, tambm, por que o mentalismo pode resultar nesses problemas. O passo

    seguinte inicia-se com a constatao de que a cincia cognitiva mentalista porque a

    cincia dos eventos internos, mas que ser mentalista no implicaria necessariamente aceitar

    de forma no crtica os problemas apontados por Skinner, fato que evidenciado pela

    apresentao do desenvolvimento histrico da cincia cognitiva. A concluso a que se chega

    que cada crtica behaviorista radical tornou-se, no mbito da cincia cognitiva, um

    obstculo; o que significa que tambm para a cincia cognitiva os problemas do mentalismo

    so vistos como problemas. Duas conseqncias decorrem desse fato. A primeira a

    impossibilidade de criticar a cincia cognitiva apenas por causa de seu carter mentalista. A

    segunda que, ao tratar desses problemas, a cincia cognitiva, no seu desdobramento

    relacionado cognio incorporada e situada, acabou por defender posio semelhante

    sustentada pelo behaviorismo radical.

    Embora no seja plausvel falar de um conceito completamente consensual de

    mentalismo, define-se na literatura behaviorista radical como mentalista qualquer

    enfoque psicolgico (e, mesmo, antropolgico, sociolgico e biolgico) que considere o

    comportamento como resultado de processos e/ou agentes internos e/ou de outra

    natureza ou substncia distinta daquela da conduta a ser explicada. Skinner escreveu

    diversos textos em que se reconhece um tom crtico ao mentalismo, embora seja mais

    correto afirmar que o tema est presente em todas as suas obras, j que o behaviorismo

    radical se fundamenta em pressupostos incompatveis com o mentalismo. De acordo com

  • Keat (1972), possvel sustentar que as objees de Skinner podem ser resumidas em

    cinco afirmaes: (1) o mentalismo no oferece explicaes sobre o comportamento; (2) o

    mentalismo uma m teoria cientfica; (3) o mentalismo incapaz de apresentar qualquer

    tipo de explicao sem cair no problema do homnculo ou dos agentes internos; (4) o

    mentalismo desvia o foco da psicologia do comportamento, seu objeto de estudo por

    excelncia; (5) o mentalismo sustenta uma ontologia dualista entre o mental e o fsico.

    A crtica (1) intrnseca ao paradigma behaviorista radical. As causas do comportamento

    no esto localizadas nas mudanas que ocorrem no organismo antes do comportamento

    manifesto. Nesse sentido, se por um lado as mudanas fisiolgicas no so suficientes

    para uma explicao causal do comportamento, por outro sequer os fenmenos ditos

    subjetivos so capazes de faz-lo. Em adio, a mera articulao dessas duas instncias

    tambm resultaria numa explicao insuficiente. Numa leitura mais moderada isso

    significa que ter conhecimento das causas do comportamento de maneira mais completa

    implica considerar, tambm, os antecedentes ambientais do organismo (sua histria de

    relao com o ambiente) e aos antecedentes filogenticos de sua espcie. Nesse mbito,

    Schnaitter (1984) afirma que possvel encontrar nos textos de Skinner duas linhas

    argumentativas sobre qual seria o papel causal dos eventos mentais. A primeira delas,

    sendo a hiptese mais moderada, consiste em atribuir a eles o status de varivel

    interveniente entre o ambiente e o comportamento. As relaes entre o ambiente e os

    eventos mentais seriam governadas por regras causais, assim como o seriam as relaes

    entre os eventos mentais e o comportamento. Sendo assim, haveria tambm uma relao

    causal entre o ambiente e o comportamento. Logo, uma sada pragmtica seria deter-se

    apenas nessas relaes entre ambiente e comportamento, j que o estudo dos eventos

    mentais seria problemtico para uma cincia do comportamento. A outra linha

    argumentativa, mais radical, baseia-se na idia de que os eventos mentais so efeitos

    colaterais das causas do comportamento e no as causas do comportamento em si. Se

    uma pessoa sente fome e, em seguida, come algo, a sensao de fome no causa do

    comportamento de comer. As causas estariam nas relaes entre contingncias que

    constituem tanto a histria filogentica quanto ontogentica da pessoa (o que, nesse caso,

    estaria provavelmente relacionado privao alimentar). A sensao de fome seria,

    portanto, apenas um efeito colateral dessas causas. Schnaitter (1984) admite que Skinner

    possa estar atribuindo, embora nunca o tenha feito de maneira explcita, uma espcie de

    epifenomenalismo causal aos eventos mentais quando os define como efeitos colaterais,

    j que neste caso eles existiriam, mas no teriam qualquer importncia causal ao

    comportamento.

    As crticas (2) at (5) esto relacionadas, j que dependem da concepo que Skinner tem

    sobre o que fazer cincia e qual o papel da teoria nessa prtica. Para ele, uma boa teoria

    aquela que representa formalmente os fatos do laboratrio, e a sua gnese deve estar

    em tais fatos. Isto , Skinner no aceita uma teorizao a priori. A m teoria seria,

    portanto, aquela que explica os fatos baseada em eventos de uma outra natureza e sem

    base emprica para tal (Skinner, 1950, 1984b). Para o autor (1974, 1977, 1985), termos

    como processamento de informao, memria, conscincia e ateno so

    construtos tericos aos quais no se tem acesso em situao de pesquisa controlada e

    explicar um fenmeno baseando-se neles fazer m teoria cientfica. Alm disso, de

    acordo com Skinner (1977), essas explicaes dependeriam de uma representao interna

    do mundo, j que a mente funcionaria como um espelho, refletindo a realidade captada

    pelos sentidos. Sendo assim, se o representacionismo estivesse correto, ns nunca

    teramos acesso direto ao mundo real, pois estaramos presos s nossas representaes;

  • e mais, nosso conhecimento do mundo pode ser constitudo, na melhor das hipteses,

    apenas de cpias mentais dos fatos do mundo. Skinner sustenta que o

    representacionismo, tal como apresentado, resulta no problema do homnculo. Afinal,

    se temos uma representao do mundo, o que nos possibilita saber que temos tal

    representao? plenamente possvel que ela seja uma representao da representao

    da representao da representao, ad infinitum, do mundo. E mesmo assim nunca

    saberemos. O problema que, se a representao a nossa porta de acesso ao mundo,

    qual seria a nossa porta de acesso representao? A nica sada ao mentalismo seria

    defender a existncia de um homnculo ou agente interno que simbolize essa porta de

    acesso final. Se isso no for feito, a regresso ao infinito nas explicaes mentalistas ser

    inevitvel. Mas, mesmo assim, supor a existncia do homnculo implica comprometer-se

    com uma explicao a seu respeito: quem ou o que explica o seu funcionamento? E,

    nessa tarefa, o mentalismo acabaria atribuindo propriedades ad-hoc ao homnculo, isto ,

    propriedades para alm daquelas que seriam de fato a ele naturais (se que existam tais

    propriedades naturais), o que resultaria numa iluso explicativa sobre seu prprio modo de

    funcionamento e, consequentemente, a respeito de seu papel causal sobre o

    comportamento.

    Consequentemente, ao deter-se apenas nos fenmenos mentais, o mentalismo foge do

    objeto de estudo da psicologia, o comportamento, que no se resume apenas aos

    fenmenos diretamente observveis, mas inclui tambm os que ocorrem no mundo

    privado do organismo. Entretanto, no behaviorismo radical, a esse mundo no dado

    qualquer significado mentalista. A existncia de um mundo privado no resulta na

    existncia de uma substncia que no apresente dimenses fsicas, o que significa, nesse

    contexto, que no se trata de um mundo imaterial da mente. Por outro lado, no se pode

    dizer o mesmo a respeito dos processos internos tal como definidos pelo mentalismo, em

    que a existncia de duas substncias distintas parece ser uma hiptese interpretativa

    possvel, ainda que aparentemente improvvel.

    H uma questo, todavia, que no foi enumerada por Keat (1972). Trata-se das

    explicaes intencionais das causas do comportamento. Skinner (1977, 1985, 1990) no

    se deteve nessa questo de maneira meticulosa. Em suas crticas ao mentalismo se

    encontra apenas a idia de que as causas do comportamento no esto nas intenes e

    propsitos dos organismos. Ringen (1999), por sua vez, sustenta que o behaviorismo

    radical especialmente restritivo admisso da intencionalidade, que surge no momento

    em que o mentalismo utiliza em suas explicaes das causas do comportamento

    construtos cognitivos e uma linguagem caracteristicamente intencional. Ringen (1993)

    afirma que as explicaes do comportamento baseadas em intenes, desejos e

    propsitos so teleolgicas, pois as causas estariam num tempo futuro, isto , seriam

    dirigidas s metas do organismo que se comporta. Sendo assim, essas explicaes no

    seriam cientficas e, conseqentemente, justificariam o anti-mentalismo de Skinner devido

    ao fato de este ser uma expresso da cincia natural contempornea que nega a

    possibilidade de causas finais. A diferena entre as explicaes mentalistas, sustentadas

    por uma linguagem intencional, e as propostas pelo behaviorismo radical , segundo

    Ringen (1993), o centro das distines entre as duas concepes de cincia psicolgica.

    Embora tenham sido apresentadas aqui separadamente, as crticas de Skinner ao

    mentalismo esto intimamente relacionadas entre si. Tratar de uma implica tratar das

    outras e o fio que as liga a concepo de causalidade defendida pelo behaviorismo

    radical. Para este, o mentalismo no explica o comportamento porque os eventos mentais

  • no so causas; o mentalismo faz m teoria porque os construtos utilizados em suas

    explicaes so causalmente irrelevantes, j que esto localizados em outro lugar que no

    na situao experimental e que no na mesma dimenso fsica onde permanece o

    comportamento a ser explicado; o problema do homnculo tambm um problema

    causal porque as representaes estariam, nesse caso, causalmente relacionadas a

    propriedades ad-hoc atribudas a um agente interno responsvel pelas causas do

    comportamento; desviar o foco do comportamento um problema causal no exato sentido

    em que a principal funo de uma cincia do comportamento entender as relaes

    causais do comportamento para assim o prever e controlar; explicaes baseadas em

    intenes, desejos e propsitos no so pertinentes porque, alm de atriburem as causas

    do comportamento aos processos internos intencionais, sustentam uma concepo

    teleolgica de causalidade; e, finalmente, aceitar o dualismo de substncia um problema

    porque remonta questo clssica sobre como um evento no fsico pode causar um

    evento fsico. Sendo assim, parece indispensvel expor os princpios bsicos do

    behaviorismo radical a respeito das causas do comportamento. Tal tarefa ser de grande

    valia para entender por que o behaviorismo radical imune aos possveis problemas do

    mentalismo e, tambm, por que o mentalismo pode resultar nesses problemas.

    Behaviorismo radical e a causa do comportamento

    Tratar da causalidade dentro do behaviorismo radical tratar da explicao do

    comportamento. A discusso atravessa toda a construo dessa filosofia de cincia.

    Conseqentemente, importante que sejam analisados alguns pressupostos adotados por

    Skinner em relao ao assunto.

    Um dos precursores das idias bsicas que influenciaram Skinner, dentro da psicologia

    experimental, foi Edward Lee Thorndike, que concluiu de suas pesquisas com animais a

    chamada lei do efeito. Em poucas palavras, essa lei remete idia de que a

    probabilidade de uma resposta funo das conseqncias produzidas por ela. Sendo

    assim, dependendo da conseqncia, a probabilidade de ocorrncia de uma resposta

    pode aumentar ou diminuir (Catania, 1999). Thorndike recebeu diversas crticas em

    relao lei do efeito. Ao utilizar conceitos como prazer e satisfao em suas

    explicaes, o pesquisador foi acusado de sustent-las mediante o uso de termos

    mentalistas. Uma questo emergia: como estados mentais podem exercer influncia sobre

    fenmenos fsicos? Thorndike tambm foi criticado em relao prpria lgica causal

    apresentada pela lei do efeito: como as conseqncias de uma resposta podem influenciar

    a prpria resposta se esta j ocorreu quando os resultados aparecem? (Keller &

    Schoenfeld, 1950/1973). Enquanto Thorndike fundamentou suas explicaes em termos

    mentalistas, Skinner (1974, 1977, 1985, 1987, 1990) defendeu que as causas do

    comportamento esto no ambiente. As variveis ambientais, das quais o comportamento

    funo, so compostas pela histria individual de um organismo e pela histria da espcie

    qual ele pertence (Skinner, 1977, 1985). O comportamento do organismo como um todo,

    nesse contexto, produto de trs tipos de variao e seleo (Skinner, 1984b, 1990).

    O primeiro deles, a seleo natural, responsvel pela evoluo e, conseqentemente,

    pelo comportamento das espcies. Entretanto, ela s as prepara para um futuro que seja

    similar ao passado que as selecionou. Pode-se dizer que Skinner (1953/1965) no negava

    a existncia de fatores hereditrios determinantes do comportamento. A prpria

    suscetibilidade do organismo ao condicionamento, tanto respondente (Skinner,

  • 1953/1965), quanto operante (Skinner, 1974), era vista por Skinner como uma adaptao

    evolutiva. As vantagens seletivas que eles proporcionam pareciam-lhe evidentes, uma vez

    que, apesar da maior ou menor estabilidade ambiental, h sempre a possibilidade de

    novas situaes ocorrerem, e os organismos que conseguirem se adaptar a essas

    modificaes revelam vantagens.

    O condicionamento operante, responsvel pelo segundo tipo de variao e seleo, o

    processo pelo qual as variaes do comportamento de um indivduo so selecionadas

    pelas caractersticas de um ambiente que no estvel por tempo suficiente para

    influenciar o processo evolutivo filogentico. Por conta desse fato, possvel encontrar

    semelhanas entre o modelo de seleo natural de Darwin e o processo de

    condicionamento operante de Skinner; o primeiro est para a evoluo filogentica assim

    como o segundo est para o desenvolvimento ontogentico. O prprio Skinner (1974)

    afirmou que o processo de condicionamento operante suplementa a seleo natural;

    inclusive, em texto posterior, Skinner afirmou que o condicionamento operante no apenas

    suplementa o processo de seleo natural, mas que pode mesmo substitu-lo (Skinner,

    1984b).

    Para Skinner (1969), s possvel entender as causas do comportamento de uma maneira

    relacional, em que a ocasio em que um dado comportamento ocorre (contexto ambiental

    antecedente), o comportamento em si e as conseqncias desse comportamento

    constituem as contingncias de reforo. Entretanto, o que selecionado, neste caso, no

    so respostas nicas, mas classes de respostas que, mesmo podendo possuir topografias

    diferentes, sempre exercem as mesmas funes sobre o ambiente. Essas classes de

    respostas so denominadas operantes porque atuam (ou, propriamente, operam) sobre

    o ambiente, gerando conseqncias (Skinner, 1953/1965). Skinner (1953/1965) afirma que

    seu mtodo experimental bsico, nesse contexto, objetivo e emprico: observa-se a

    freqncia de uma dada resposta, depois torna-se um evento a ela contingente e,

    finalmente, constatado se h qualquer mudana na freqncia da resposta selecionada

    para o estudo. Se houver aumento nessa freqncia, o evento contingente classificado

    como sendo reforador sob aquela dada circunstncia. Com essa descrio do modo de

    funcionamento (instalao, consolidao ou mudana de padres das respostas), Skinner

    caracteriza a causalidade do operante e a distingue de outras explicaes pela nfase

    no controle pelas conseqncias diante de um contexto ambiental definido. Tal descrio

    (funcional), via trplice relao de contingncias, estaria em franca oposio s explicaes

    mentalistas.

    O comportamento operante difere do comportamento reflexo, pois no eliciado, mas

    emitido (Skinner, 1953/1965). Uma das caractersticas distintivas entre os dois tipos de

    condicionamento, segundo Skinner (1974), parece ser a desnecessidade de um

    acontecimento causal anterior quando se trata do comportamento operante. Entretanto,

    isso no significa que ele seja voluntrio no sentido de ser causado por uma vontade,

    desejo ou inteno. Em outras palavras, no significa que a sua causa esteja dentro da

    pessoa e muito menos precise ser formulada em termos mentalistas (Skinner, 1953/1965,

    1974, 1977, 1984b, 1985, 1987, 1989, 1990). O que est em questo a evidncia das

    causas. As causas do comportamento reflexo so identificadas imediatamente antes de

    ele ser eliciado. O movimento da mo, por exemplo, segue-se rapidamente aps ela ser

    espetada por uma agulha (causa do movimento). O comportamento operante, por sua vez,

    no ocorre necessariamente logo aps a sua causa. Naturalmente, no cabe latncia

    o status de nico critrio que distingue o operante do reflexo, ainda que seja um dado

  • interessante. A forma de controle e determinao das respostas, seja por eventos

    antecedentes (respondente), seja por eventos conseqentes (operante), constitui o fator

    crucial. De todo modo, podem existir lacunas temporais imensas entre tal causa e os

    operantes. Segundo Skinner (1974), um dos fatos que leva atribuio das causas do

    comportamento operante aos estados internos a dificuldade de encontr-las na relao

    do organismo com o ambiente.

    Com esse sistema, o behaviorismo radical atribui as causas do comportamento aos

    acontecimentos passados, evitando, assim, uma das crticas feitas lei do efeito de

    Thorndike e a todo projeto aristotlico de causas finais (Skinner, 1953/1965; Ringen,

    1993). Skinner (1953/1965) tambm evita a crtica sobre eventos mentais causarem

    eventos fsicos, que permeava as explicaes mentalistas, ao exigir que as variveis

    independentes devam ser passiveis de descrio em termos fsicos.

    As explicaes de Skinner sobre a gnese do comportamento verbal tambm contriburam

    para anlise crtica dos termos mentalistas. O comportamento verbal teria surgido quando

    a musculatura vocal passou a ser suscetvel ao condicionamento operante (Skinner,

    1984b, 1985, 1990). Para Skinner (1990), nesse momento, o comportamento vocal

    passou a ser modelado e mantido por suas conseqncias reforadoras. As pessoas

    puderam, ento, instruir o comportamento dos outros dizendo a eles o que fazer to bem

    quanto se estivessem mostrando a eles (p. 1206). Sendo assim, o comportamento verbal

    era uma forma de controle exercido por orientaes, avisos, regras e leis verbais (Skinner,

    1974). O comportamento governado por regras uma caracterstica do que Skinner

    (1984b) denominou ser o terceiro tipo de seleo, as contingncias especiais mantidas por

    um dado ambiente social que, em conjunto, formam a cultura (1974, 1985, 1987).

    As respostas verbais, a princpio, referiam-se a eventos pblicos. Entretanto, a sua

    utilizao foi alm, ao passar a se referir, tambm, a eventos privados. Segundo Skinner

    (1953/1965), as respostas verbais que dizem respeito a eventos pblicos podem ser

    transferidas para eventos privados com base nas propriedades comuns entre os dois (p.

    259). Um tipo de resposta evocada por um estmulo semelhante, como neste caso,

    classificado como sendo uma metfora. Todo o vocabulrio mentalista constitudo por

    metforas (Skinner, 1953/1965, 1974), e por esse motivo que Skinner (1989) d grande

    importncia Etimologia. O estudo da origem dos termos mentalistas mais um indcio de

    que eles se referiam, primeiramente, a eventos externos e s depois a eventos internos.

    Os termos que descrevem eventos privados so inexatos (Skinner, 1974, 1989). No se

    pode ter total preciso no relato de eventos privados porque no h ligaes no sistema

    nervoso que conduzam os nervos sensoriais aos lugares certos, ou seja, aos lugares

    referentes aos processos cognitivos propriamente ditos (Skinner, 1974, 1977, 1985, 1987,

    1989, 1990). Em outras palavras, a inexatido do relato decorre do fato de que no temos

    acesso direto aos processos cognitivos. O acesso mediado pela linguagem de uma

    cultura. O acesso mediado pelos outros. nesse sentido que a autodescrio tem sua

    origem dependente das relaes sociais de uma cultura verbal. O conhecimento de si

    prprio surge no momento em que a comunidade verbal passa a fazer questes acerca do

    comportamento (Skinner, 1953/1965). O comportamento autodescritivo, conseqncia

    dessa situao, reforado e mantido por uma comunidade onde se faz perguntas acerca

    do comportamento de seus indivduos (Skinner, 1974). Entretanto, a comunidade verbal,

    ao colocar o comportamento autodescritivo sob o controle de estmulos privados, no o faz

    de modo completamente preciso, uma vez que o acesso direto aos eventos internos que

    almejam descrever impossvel. Ou seja, as pessoas nunca so expostas s condies

  • de instruo pelas quais poderiam aprender a relatar com percia os eventos internos

    (Skinner, 1974). Por conta dessa inexatido, o vocabulrio mentalista que contm termos

    como processamento de informao, memria, ateno, inteno,

    conscincia, pensamento e raciocnio no poderia ser o vocabulrio de uma

    cincia psicolgica. E mais, a introspeco, ato de voltar-se aos eventos internos e

    descrev-los, no poderia servir como ferramenta de uma cincia do comportamento que

    busca a exatido em sua linguagem.

    Da inexatido da linguagem mentalista pode resultar, tambm, a criao de construtos

    mentais que, na realidade, no existem. Isto , devido ao fato de que no h uma relao

    direta entre os termos mentais e os fenmenos referenciados da a inexatido pode-se

    criar uma referncia de um termo mental a algo que, de fato, no existe. nesse sentido

    que Skinner (1974) afirma que a mente em grande medida uma fico; ou, mais

    perniciosamente, um mito, com todas as caractersticas de um (Skinner, 1980).

    Consequentemente, os construtos cognitivos, segundo Skinner (1974, 1977), so

    invenes cujos relatos, assim como as emoes e sentimentos (Skinner,1974, 1977,

    1985), servem apenas de pistas para a previso do comportamento (Skinner, 1974). Os

    eventos privados no so as causas do comportamento constitui equvoco lgico e

    metodolgico atribu-las a um agente interno iniciador (Skinner, 1953/1965, 1974, 1985,

    1989, 1990). Quando muito eles prprios so comportamentos (Skinner, 1953/1965, 1974,

    1987, 1989).

    Ringen (1986, 1993, 1999), nesse contexto, acredita que, por conta das implicaes da

    linguagem intencional presente no mentalismo, possvel fazer paralelos entre a

    discusso at aqui apresentada e a discusso a respeito da teoria da seleo natural de

    Darwin e o criacionismo. Embora o prprio Skinner (1980, 1987, 1990) j tenha traado

    esses paralelos, Ringen mais explcito em suas afirmaes. O mentalismo estaria para o

    behaviorismo radical assim como o criacionismo estaria para a seleo natural. As causas

    teleolgicas e a linguagem intencional presentes no mentalismo exigiriam um agente

    inteligente iniciador do comportamento assim como o criacionismo exigiria um designer

    inteligente em suas explicaes de como ocorreu a evoluo das espcies. O que

    possibilita a existncia de interpretaes criacionistas e intencionais, segundo Ringen

    (1993), que o processo de seleo natural no exige um designer inteligente, mas

    mesmo assim produz conseqncias que sugerem a existncia de um. Por outro lado, o

    processo de seleo pelas conseqncias no exige que o comportamento dos

    organismos seja intencional e tenha como suporte processos internos que visam metas e

    propsitos, mas mesmo assim produz conseqncias que tambm insinuam esse tipo de

    justificativa. Skinner (1974) esclarece a sua posio em relao ao assunto ao afirmar que

    o comportamento operante o campo da inteno e do propsito. Ou seja, o autor explica

    as conseqncias que justificariam interpretaes intencionais baseando-se nas leis do

    comportamento operante. Conseqentemente, no h espao para as explicaes

    mentalistas intencionais. Uma pessoa age para que algo acontea, mas as causas de seu

    comportamento no esto no que ela espera que ocorra, mas no que ocorreu em seu

    passado filogentico e ontogentico.

    O MENTALISMO NA CINCIA COGNITIVA

    Gardner (1985/2003) define a cincia cognitiva como um esforo da cincia

    contempornea para responder a questes epistemolgicas histricas, principalmente

  • aquelas relativas natureza do conhecimento, seus componentes, suas origens, seu

    desenvolvimento e seu emprego (p. 19). Pressupe-se na cincia cognitiva que, para

    cumprir essa tarefa, seria preciso criar um nvel de anlise separado do biolgico,

    neurolgico, sociolgico ou cultural; dessa idia surgiu o estudo do processamento de

    informaes via representacionismo. Tal nvel de anlise repousaria, por sua vez, no vis

    computacional, cuja hiptese central que seria possvel estabelecer paralelos entre a

    maneira como a cognio e o computador funcionam (Gardner, 1985/2003). nesse

    sentido que Jordan e Russell (1999) asseveram que a cincia cognitiva , enquanto

    engenharia, a prtica dedicada criao de mquinas inteligentes e , enquanto cincia

    emprica, o estudo dos modelos computacionais da inteligncia humana. Essa

    caracterizao da cincia cognitiva deixa transparecer sua pretenso de ser a cincia dos

    eventos internos. Afinal, inteligncia, processamento de informao e

    representaes so termos mentalistas, pois ser mentalista no implica

    necessariamente defender a existncia de uma mente imaterial, mas sim produzir

    explicaes baseadas em agentes ou processos causais internos.

    importante notar, entretanto, que a definio de mentalismo no em si uma crtica. Ou

    seja, no se trata de um termo pejorativo, usado para qualificar negativamente as cincias

    que tratam dos eventos internos. Isso significa dizer que o mentalismo no carrega

    necessariamente consigo as crticas behavioristas radicais. Consequentemente, a

    pertinncia de direcionar as crticas de Skinner cincia cognitiva, embora mentalista,

    uma questo a ser avaliada. Para tanto, uma boa estratgia consiste em entender como os

    problemas levantados por Skinner so ou foram tratados no mbito dessa cincia. O intuito

    constatar se os problemas do mentalismo de fato surgiram na prtica da cincia

    cognitiva e, tambm, se foram tratados como tal. Afinal, plenamente possvel que os

    cientistas cognitivos concordem com Skinner em sua caracterizao das conseqncias

    do mentalismo, mas no atribuam a essa caracterizao o status de problemas. Todavia,

    como Teixeira (2005) afirma, no h dilogos entre behaviorismo radical e cincia

    cognitiva, o que dificulta qualquer tipo de anlise direta e pontual entre as crticas de

    Skinner ao mentalismo e as possveis respostas cognitivistas. Sendo assim, talvez os

    problemas do mentalismo no estejam, no mbito cognitivista, delineados tais como esto

    nos textos behavioristas radicais. Nesse contexto, uma maneira adequada de anlise a

    apresentao do desenvolvimento histrico da cincia cognitiva dando especial nfase aos

    problemas epistemolgico-metodolgicos encontrados nesse percurso.

    Nesse sentido, o texto de Turing (1950) foi um marco decisivo para o desenvolvimento da

    cincia cognitiva (French, 2000). No texto em questo, Turing prope o jogo da imitao

    em que um participante faria perguntas a dois outros participantes sem poder v-los e sem

    ter acesso direto s suas respostas, sendo essas apresentadas por um mediador ou

    atravs de um telgrafo. Ao passo em que ambos os participantes deveriam convencer

    com suas respostas serem mulheres (o homem deveria enganar quem fizesse as

    perguntas e a mulher deveria provar que de fato ela a mulher), o intuito do jogo seria

    descobrir qual dentre os dois participantes o homem e, consequentemente, qual a

    mulher. Turing, nesse momento, apresenta a

    possibilidade de colocar uma mquina no lugar de um desses participantes. O objetivo

    agora seria descobrir qual dos participantes seria o ser humano e qual seria a mquina. Se

    conseguir agir por meio de suas respostas tal como um homem ou tal como uma mulher

    sem que o participante que faz as perguntas perceba, essa mquina seria considerada

    inteligente. As caractersticas estruturais dessa mquina no importam. Ela deveria

  • apenas possuir funes especficas que resultariam no processamento eficaz de

    informaes.

    A idia de Turing foi decisiva para o desenvolvimento da cincia cognitiva. Primeiro,

    porque se estabeleceu a independncia entre a estrutura material da mquina (o

    hardware) e sua funo (software). Segundo, porque apresentou uma definio clara sobre

    o que o pensamento: pensar processar informaes. Se a mquina obtiver sucesso em

    processar informaes referentes s perguntas feitas pelo participante do jogo de Turing, a

    ponto de engan-lo passando-se por um ser humano, poder-se-ia dizer que essa mquina

    pensa. Terceiro, porque Turing tambm acabou por estabelecer o teste emprico para as

    mquinas: a mquina seria inteligente e, consequentemente, pensaria se conseguisse

    enganar o interlocutor que no tem acesso visvel ao seu corpo fsico (hardware) e nem

    acesso direto s suas respostas (que seriam dadas pelo mediador do jogo). De certa

    forma, o autor propiciou uma nova forma de anlise que, embora mecanicista, seria

    independente da matria fsica.

    Turing estabeleceu a agenda de pesquisa da cincia cognitiva clssica (Clark,Vol. 16 Nm.

    3 2001). A definio operacional de pensamento que Turing apresentou fez com que a

    computao, a matemtica e a lgica trabalhassem juntas. Afinal, por detrs do

    processamento de informaes deve haver algoritmos um conjunto de frmulas, regras e

    parmetros computveis que norteiem a conduta da mquina. Ora, mas o pensamento

    envolveria tambm uma linguagem simblica. Ento, uma mquina que pensa seria uma

    mquina que processa informaes por meio de um sistema simblico. Essa concepo

    definida como inteligncia artificial simblica (Clark, 2001; Fetzer, 1996/2000). Seu

    processo de explicao classificado como top-down, pois parte da premissa de que o

    pensamento consiste em processar informaes por um sistema de smbolos para, assim,

    tentar simular esse processo em mquinas. De acordo com Clark (2001), o que importa

    neste caso no a configurao da mquina em seus nveis mais fundamentais de

    hardware ou software, mas sim a mquina virtual que resultaria dessas configuraes.

    Enquanto a mquina real funcionaria segundo algoritmos lgico-matemticos, a

    mquina virtual estaria processando smbolos. Em um computador capaz de jogar

    xadrez, por exemplo, haveria um conjunto algoritmos que possibilitaria mquina virtual

    manipular com grande competncia as informaes simblicas a respeito do jogo em

    questo.

    Evitando comprometer-se com o mtodo top-down, o conexionismo apresentou uma

    alternativa de pesquisa em inteligncia artificial baseada em explicaes bottomup.

    Enquanto a inteligncia artificial simblica estava comprometida com sistemas que

    manipulassem smbolos por meio de algoritmos lgico-matemticos, o conexionismo

    apresentou a proposta de construir redes neurais artificiais (Clark, 2001). Inspiradas pelo

    modo de funcionamento do crebro (mas sem inteno de replic-lo), as redes neurais

    artificiais so formadas por um conjunto de neurnios artificiais de funcionamento no

    simblico denominados simplesmente de unidades. Resumidamente, cada unidade

    possui seus axnios e dendritos que as tornam capazes tanto de receber (input)

    quando de passar (output) informaes para outras unidades. As informaes, neste caso,

    consistem na fora do estmulo recebido pela unidade. Essa fora modificar o peso inicial

    da unidade (a sua fora quando no estimulada) que, por sua vez, transmitir para outras

    unidades estmulos resultantes da relao entre seu peso inicial e a fora do estmulo

    recebido.

  • Mesmo agindo por mtodos diferentes, tanto o conexionismo quanto a inteligncia artificial

    simblica esto comprometidos com o representacionismo. De acordo com Haselager

    (2004b), as representaes so postuladas para atuar como intermedirias entre a

    percepo e a ao, especificando informaes sobre o mundo, freqentemente de forma

    independente do contexto e da ao (p. 107). a essa postulao que as crticas de

    Skinner ao mentalismo se aplicam. Entretanto, no se trata de um problema ignorado pela

    cincia cognitiva. Haselager (2004b) afirma que existem sete problemas principais do

    representacionismo. O primeiro deles denominado problema do frame. A idia bsica

    que seria praticamente impossvel construir mquinas que possuam conhecimentos

    representados internamente seja em suas mquinas virtuais ou redes conexionistas

    referentes s tarefas para as quais seriam projetadas. Qualquer tarefa exigiria uma

    quantidade imensa de representaes que resultaria na apatia da mquina, isto , ela

    se perderia na quantidade de informaes necessrias para a criao de representaes

    que no conseguiria transform-las em ao (Haselager, 2004b).

    H, todavia, uma questo mais fundamental: o que so representaes? Trata-se do

    segundo problema apontado por Haselager (2004b). No incio da inteligncia artificial

    simblica, as representaes eram definidas como seqncias de informaes simblicas

    estruturadas de acordo com regras sintticas e semnticas. Em outras palavras, as

    representaes seriam constitudas por um sistema lingstico e a mente, assim como a

    linguagem, seria capaz de gerar representaes (Fodor, 1975). s regras sintticas e

    semnticas que fundamentam o sistema representacional do pensamento deu-se o nome

    de mentals. Um problema do mentals seria que as unidades mais bsicas na

    construo de pensamento, graas ao mtodo top-down, j deveriam ser

    representacionais. Nesse contexto, o conexionismo apresentou com as redes neurais

    artificiais uma forma de no depender, j nos nveis mais bsicos, de unidades

    representacionais. Em resposta s crticas conexionistas, os defensores do mentals

    afirmaram que para construir uma rede neural artificial capaz de simular qualquer aspecto

    da linguagem do pensamento seria necessria uma quantidade enorme de algoritmos e,

    consequentemente, um perodo de treinamento por demais extenso e que, cedo ou tarde,

    recairia nas explicaes calcadas no representacionismo. Haselager (2004b) afirma que o

    principal problema, entretanto, que tanto as crticas conexionistas quanto as dos

    defensores do mentals esto corretas; o que preocupante, j que o alicerce da

    cincia cognitiva seja conexionista ou simblica est no conceito de representao, a

    respeito do qual, como possvel notar, no se tem consenso.

    J o terceiro problema consiste em como fazer com que as representaes sejam

    significativas para as mquinas que as manipulam. As representaes, ao passo em que

    significam algo para os programadores da mquina, fariam algum sentido para as

    mquinas em si? Trata-se do problema do quarto chins proposto por Searle (1980).

    Suponha-se que exista uma pessoa brasileira, que no fala chins, trancada num quarto.

    De um lado do quarto h uma entrada (input) em que so colocadas cartolinas com

    inscries em chins. Do outro lado do quarto h uma sada (output) onde o brasileiro

    deve colocar cartolinas com inscries em chins especficas de acordo com as cartolinas

    que ele receber pela entrada. H disposio do brasileiro um conjunto de cartes com

    regras escritas em portugus e que servem para nortear as relaes entre as cartolinas

    com as inscries em chins. Assim, baseando-se nas regras, o brasileiro analisa a

    cartolina recebida com o intuito de colocar a cartolina correta na sada. A pergunta : o

    brasileiro entende chins? As pessoas do lado de fora da sala podem ser levadas a pensar

    que sim, j que ele sempre faz as correlaes corretas entre as cartolinas. O problema

  • que o brasileiro no faz a mnima idia de qual seja o sentido das cartolinas, isto , no

    tem cincia do que elas representam. Ele apenas age de acordo com as regras escritas

    em portugus. Da mesma forma, as mquinas agiriam de acordo com seus algoritmos ou

    redes neurais, o que no implica ter conhecimento representacional nenhum sobre os

    smbolos que por ela so manipulados.

    A possibilidade do quarto chins em grande parte conseqncia do que Haselager

    (2004b) classificou como o quarto problema da representao: a falta de uma definio

    operacional. No h uma definio consensual disponvel no plano causal mecanicista das

    mquinas que fornea uma identificao segura sobre a existncia ou no de

    representaes internas. Consequentemente, por mais que se conhea o modo de

    funcionamento, a atribuio de estados internos representacionais s mquinas baseando-

    se puramente nas descries dos eventos observveis ser sempre questionvel. A falta

    de uma definio operacional pode resultar, tambm, na banalizao das representaes,

    isto , na atribuio de explicaes representacionais a qualquer sistema ou mquina. E

    mais, a generalizao da atribuio de representaes pode ocasionar, em um sistema

    explicativo, a dependncia de representaes. As explicaes, adictas em representaes,

    buscariam antes representaes do que explicaes. Sendo a generalizao o quinto

    problema e a dependncia o sexto problema apontado por Haselager (2004b), nesse

    contexto, seria plenamente possvel, por exemplo, atribuir uma explicao

    representacional ao funcionamento de qualquer sistema no mundo, o que nos faz chegar

    ao stimo problema apontado por Haselager (2004b), que pode ser resumido nesta

    pergunta: se a todo e qualquer sistema podem ser atribudas explicaes

    representacionais, qual seria o valor dessas explicaes? O conceito de representao foi

    sempre pressuposto nas discusses entre inteligncia artificial simblica e conexionismo.

    O que estava em pauta era sua natureza e seu formato e no sua existncia ou valor

    explicativo no mbito dos eventos internos cognitivos. Nota-se, ento, a necessidade de

    uma reavaliao crtica do representacionismo dos modelos simblicos e conexionistas.

    Nesse contexto surge a teoria da cognio incorporada e situada (e.g. Brooks, 1999; Clark,

    1997; Keijzer, 2002; Varela, Thompson & Rosch, 1991). Segundo essa abordagem, seria

    impossvel separar a cognio do corpo (especialmente do crebro) e do ambiente. A

    cognio seria ento: (1) social, por fazer sentido apenas num contexto cultural; corporal,

    pois todos os sistemas cognitivos possuem corpo e s podem agir por meio dele;

    concreta, j que ocorre no crebro; (2) localizada, pois suas operaes s fazem sentido

    num contexto de interao com o ambiente num dado momento; e (3) especfica, j que

    seu desenvolvimento depende das histrias individuais de interao com ambiente. Esse

    posicionamento contrape-se idia de computador inteligente enquanto uma mquina

    esttica, tal como os populares computadores pessoais (PC) que, por meio de uma tela ou

    caixas de som, dariam mostras de comportamentos inteligentes. Trata-se de um modelo

    ciberntico voltado idia de se elaborar sistemas que imitam a vida em todos os seus

    sentidos, levando-se em conta no apenas o pensamento como uma propriedade passvel

    de anlise em si, mas sim o pensamento incorporado e situado num contexto.

    Keijzer (2002) afirma que o comportamento e a cognio so produtos de um sistema

    nervoso especfico localizado em um corpo especfico que est sempre interagindo com

    contextos ambientais especficos. Ao conjunto dessas instncias Keijzer (2002) deu o

    nome de sistema comportamental. A teoria dos sistemas comportamentais possui duas

    teses centrais: (1) o comportamento dos organismos resultado de mltiplas, dinmicas e

    recprocas interaes entre um sistema nervoso, um sistema sensrio-motor (da a

  • incorporao), e um espao de interao (o ambiente); e (2) o uso de explicaes

    baseadas em representaes enquanto estruturas mentais internas, simblicas e

    isomrficas em relao ao contexto ambiental, deve ser rejeitado. A cognio incorporada

    e situada, portanto, pretende oferecer alternativas ao representacionismo das propostas da

    inteligncia artificial simblica e conexionista. Crenas, desejos e intenes, por exemplo,

    so vistas como disposies para o comportamento e no como entidades mentais

    (Haselager, 2004a). Ryle (1949) afirmou que o principal erro do dualismo cartesiano (a

    doutrina oficial do problema mente-corpo) foi alocar os fatos da vida mental numa

    categoria lgica incorreta. A linguagem da psicologia popular, por referir sempre a eventos

    internos, essencialmente mentalista.

    Atribui-se s pessoas aes internas como pensar, ver, sentir, e desejar. O

    problema surgiu, segundo Ryle (1949), quando da ao inferiu-se a existncia de

    entidades, tais como pensamento, viso, sentimento, e desejo. A transformao

    de aes em entidades possibilitou o erro categorial, isto , o erro de colocar a mente na

    categoria de substncia. Para Ryle (1949), os termos mentais referem-se a disposies,

    isto , a habilidades, tendncias ou inclinaes para se comportar de uma dada maneira.

    Haselager (2004a), em seu turno, apropria-se dessa idia de Ryle e afirma que muitos

    comportamentos complexos no necessitam de explicaes baseadas em representaes

    internas ou processamentos simblicos complexos, j que tais construtos seriam nada

    mais que as falsas entidades criadas pelo erro categorial. O representacionismo, assim,

    substitudo pela inter-relao entre o crebro incorporado e o contexto ambiental. O

    resultado desse processo, por sua vez, so disposies para se comportar. Nesse sentido,

    o problema das explicaes intencionais e da causalidade teleolgica tambm estaria

    distante da cincia cognitiva proposta por Haselager (2004a), j que, nesse caso, trata-se

    de disposies e no de entidades.

    CONSIDERAES FINAIS

    possvel dividir o artigo em duas partes. A primeira delas apresentou as principais

    caractersticas do anti-mentalismo de Skinner e mostrou que todas elas esto

    intrinsecamente ligadas concepo behaviorista radical de causalidade. Essa segunda

    constatao foi reforada pelo detalhamento do sistema explicativo behaviorista radical

    das causas do comportamento em que foi enfatizado, principalmente, por que tal sistema

    imune aos possveis problemas do mentalismo e, tambm, por que o mentalismo pode

    implicar esses problemas.

    A segunda parte iniciou com a constatao de que a cincia cognitiva mentalista j que

    trata dos eventos internos. Todavia, ressaltou-se que o mentalismo e as crticas de Skinner

    a ele dirigidas so duas coisas distintas. Ou seja, do mentalismo no resultariam

    necessariamente, todas as conseqncias crticas que Skinner sugere. Nesse contexto,

    com o intuito de avaliar qual seria, ento, o grau de relevncia das crticas behavioristas

    radicais, o artigo apresentou um breve histrico do desenvolvimento da cincia cognitiva

    tendo como foco principal os problemas epistemolgicometodolgicos encontrados ao

    longo desse caminho. Que concluso possvel extrair dessa atividade?

    Parece possvel afirmar que Skinner, de certa forma, previu o futuro da cincia cognitiva

    atravs de suas crticas ao mentalismo. Cada crtica behaviorista radical tornou-se, no

    mbito da cincia cognitiva, um obstculo, o que significa que tambm para a prpria

    cincia cognitiva os problemas do mentalismo so vistos como problemas.

  • Consequentemente, no parece possvel criticar a cincia cognitiva meramente por conta

    do mentalismo. O desenvolvimento histrico dessa cincia sugere esse fato: Turing e a

    consolidao de um modelo mecanicista e emprico para a cincia cognitiva podem ser

    vistos como uma reao contrria ao dualismo de substncia, embora no houvesse

    apenas essa questo em foco. Os problemas do representacionismo que em certa

    medida constituem as principais falhas tanto da inteligncia artificial simblica quanto dos

    modelos conexionistas so correlatos dos problemas da linguagem mentalista. Enquanto

    Skinner sugere que o mentalismo uma m teoria cientfica porque explica os fatos

    baseando-se em construtos aos quais no se tem acesso direto (o que pode contribuir

    para a criao de entidades que no existem no mundo natural, ou que no so passveis

    de uma descrio precisa), Haselager (2004b) argumenta que o representacionismo

    carece tanto de uma definio conceitual consensual quanto de uma definio operacional

    clara, o que pode resultar na atribuio de representaes a todo e qualquer sistema,

    esvaziando de qualquer valor, consequentemente, as explicaes baseadas em

    representaes. H, tambm, a questo das explicaes intencionais das causas do

    comportamento. Afinal, tal como os textos de Ringen (1986, 1993, 1999) sugerem, essa

    a questo causal por excelncia no embate entre o behaviorismo radical e cincia

    cognitiva. Nesse contexto, a anlise disposicional do comportamento feita por Haselager

    (2004a), em que intenes, desejos e propsitos so vistos como disposies para se

    comportar e no como entidades mentais, distncia-se das explicaes causais

    teleolgicas sustentadas por uma linguagem mentalista intencional.

    Entretanto, h uma questo por demais importante, que permeou toda discusso feita at

    o momento, mas que ainda no foi posta completamente em evidncia. De acordo com o

    que foi antecipado no artigo, para o behaviorismo radical, o mentalismo qualquer tipo de

    explicao que considere o comportamento como resultado de eventos internos e/ou de

    eventos de natureza distinta daquela da conduta a ser explicada. No ltimo texto em que

    analisou a cincia cognitiva, Skinner (1990) tratou especialmente de seu desdobramento

    na neurocincia. O autor atentou para o fato de que antes era ao self, depois foi mente, e

    agora ao crebro que dado o papel de agente iniciador do comportamento.

    Consequentemente, por mais fisicalista que seja qualquer abordagem cognitiva, ainda h

    um problema levantando por Skinner (1990): o crebro no a causa do comportamento;

    o que ocorre dentro do organismo parte do que precisa ser explicado e no a explicao.

    Nesse sentido, a cincia cognitiva poderia explicar como as representaes so formadas,

    qual a lgica da memria, de onde vm as emoes, como ocorre o processamento de

    informao e assim por diante; mas tais cincias no forneceriam uma explicao causal

    completa do comportamento. Skinner no nega que o que ocorre dentro do organismo seja

    importante para as explicaes causais. O prprio autor (1984a) afirma que preencher as

    lacunas temporais e espaciais inevitveis a uma cincia do comportamento o papel das

    cincias dos eventos internos.

    Cabem nesse contexto as crticas de Skinner a respeito do desvio de foco do mentalismo

    j que ele no estuda o comportamento , o que acaba por resultar, consequentemente,

    na falha das teorias mentalistas em oferecer explicaes plausveis das causas do

    comportamento. Se a cincia cognitiva pretende ser a cincia dos eventos internos que

    buscam identificar as causas do Comportamento, esse um problema essencial. Afinal, tal

    como as pesquisas behavioristas tm mostrado ao longo dos anos, o comportamento

    ocorre em funo das relaes entre o organismo e o contexto ambiental em que ele est

    inserido. No mbito da cincia cognitiva, por sua vez, esse problema transfigura-se no

    desenvolvimento da cognio incorporada e situada que, em contraposio s vises da

  • inteligncia artificial simblica e conexionista, sustenta que no possvel estudar como se

    d o desenvolvimento da cognio e, por conseqncia, do comportamento inteligente,

    sem levar em conta o papel do corpo e do ambiente.

    Entrementes, talvez a cognio incorporada e situada, nesse contexto, esteja mais

    prxima do paradigma behaviorista radical do que os autores cognitivistas e behavioristas

    podem imaginar. S resta esperar para ver quais sero as concluses desse movimento

    relativamente novo na cincia cognitiva. Ser que seus entusiastas chegaro s mesmas

    concluses a respeito dos perigos do mentalismo que Skinner, desde seus primeiros

    escritos na dcada de 1930, j esboava? Embora uma resposta positiva a essa questo

    seja prematura, trata-se de uma possibilidade plenamente vivel.

    REFERNCIAS

    Brooks, R (1999). Cambrian intelligence: The early history of new AI. Cambridge: The MIT

    Press.

    Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognio (D. Souza,

    Trad.) Porto Alegre: Artmed.

    Clark, A. (1997). Being there: Putting brain, body, and world together again. Cambridge:

    The MIT Press.

    Clark, A. (2001). Mindware: An introduction to the philosophy of cognitive science. New

    York: Oxford University Press.

    Fetzer, J. H. (2000). Filosofia e cincia cognitiva (C. Rapucci, Trad.). Bauru: Edusc. (Obra

    original publicada em 1996).

    Fodor, J. A. (1975). The language of thought. Cambridge: Harvard University Press.

    French, R. M. (2000). The turing test: The first fifty years. Trends in Cognitive Science, 4

    (3), 115-121.

    Gardner, H. (2003). A nova cincia da mente: Uma histria da revoluo cognitiva (C. M.

    Caon, Trad.). So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo. (Obra original publicada

    em 1985).

    Haselager, W. F. G. (2004a). Auto-organizao e comportamento comum. In: G. Souza, I.

    DOttaviano, & M. Gonzales (Orgs), Auto-organizao: Estudos Interdisciplinares: Volume

    38 (pp. 213-235). So Paulo: Coleo CLE.

    Haselager, W. F. G. (2004b). O mal estar do representacionismo: Sete dores de cabea da

    cincia cognitiva. In: A. Ferreira, M. Gonzalez, & J. Coelho (Eds.), Encontros com as

    cincias cognitivas: Volume 4 (pp. 105-120). So Paulo: Coleo Estudos Cognitivos.

    Jordan, M., & Russell, S. (1999). Computational intelligence. In R. Wilson, & F. Keil (Eds.),

    The MIT encyclopedia of the cognitive sciences (pp. lxxiii-xc). Cambridge: The MIT Press.

    Keat, R. (1972). A critical examination of B. F. Skinners objections to mentalism.

    Behaviorism, 1(1), 53-70.

    Keijzer, F. (2002). Representation and behavior. Cambridge: The MIT Press.

    Keller, F., & Schoenfeld, W. (1973). Princpios de psicologia: Um texto sistemtico na

    cincia do comportamento (C. M. Bori, & R. Azzi, Trads.). So Paulo: E.P.U. (Obra original

    publicada em 1950).

    Ringen, J. D. (1986). The completeness of behavior theory [Review of the book

    Behaviorism, Science and Human Nature]. Behaviorism, 14(1), 29-39.

    Ringen, J. D. (1993). Adaptation, teleology and selection by consequences. Journal of the

    Experimental Analysis of Behavior, 60(1), 3-15.

  • Ringen, J. D. (1999). Radical behaviorism: B.F. Skinners philosophy of science. In W.

    ODonohue, & R.

    Kitchener (Orgs.), Handbook of behaviorism (pp. 159-178). San Diego: Academic Press.

    Ryle, G. (1949). The concept of mind. New York: Barnes & Noble Books.

    Schnaitter, R. (1984). Skinner on the Mental and the Physical. Behaviorism, 12(1), 1-

    14.

    Searle, J. (1980). Minds, brains and programs. The Behavioral and Brain Sciences, 3(3),

    417-424.416

    Skinner, B. F. (1950). Are theories of learning necessary? Psychological Review, 57, 193-

    216.

    Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: The Free Press. (Obra

    original publicada em 1953).

    Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement: a theoretical analysis. New York:

    Appleton-Century-Crofts.

    Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.

    Skinner, B. F. (1977). Why I am not a cognitive psychologist. Behaviorism, 5(2), 1-10.

    Skinner, B. F. (1980). Notebooks. New Jersey: Prentice-hall.

    Skinner, B. F. (1984a). Methods and theories in the experimental analysis of behavior. The

    Behavioral and Brain Science, 7(4), 511-546.

    Skinner, B. F. (1984b). Selection by consequences. The Behavioral and Brain Science,

    7(4), 477-481.

    Skinner, B. F. (1985). Cognitive science and behaviourism. British Journal of Psychology,

    76, 291-301.

    Skinner, B. F. (1987). Whatever happened to psychology as the science of behavior?

    American Psychologist, 42(8), 780-786.

    Skinner, B. F. (1989). The origins of cognitive thought. American Psychologist, 44(1), 13-

    18.

    Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science of mind? American Psychologist,

    45(11), 1206-1210.

    Teixeira, J. F. (2005). Behaviorismo radical e cincia cognitiva. In J. F. Teixeira, Filosofia

    da mente: neurocincia, cognio e comportamento (pp. 67-78). So Paulo: Claraluz.

    Turing, A. (1950). Computing machinery and intelligence. Mind, LIX, 423-460.

    Varela, F., Thompson, E., & Rosch, E. (1991). The embodied mind: Cognitive science and

    human experience. Cambridge: The MIT Press.