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MENINAS TAMBÉM AGRIDEM? ESTUDO SOBRE AGRESSÃO ENTRE ESCOLARES Elaine Prodócimo 1 Rosiane Gonçalves Coelho Silva 1 Rebeca Signorelli Miguel 1 Kethylin Viotto Recco 1 Resumo O artigo tem como objetivo analisar as diferenças nas mani- festações agressivas relatadas por adolescentes que frequen- tam o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio em es- cola da rede pública do município de Campinas – SP. Para tanto, 92 alunos de uma escola pública, sendo 67 alunos do Ensino Fundamental II e 25 alunos do Ensino Médio, 52 do sexo feminino e 40 do sexo masculino, participaram do estudo respondendo um instrumento que consta de 3 partes: a primeira parte contém questões que envolvem o alvo das agressões, na segunda parte, as mesmas questões são dirigidas ao observador e na terceira parte, ao autor. Os resultados apontam que as meninas têm agredido tanto quanto os meninos, e também de forma direta. O recreio foi o momento em que mais ocorreram os atos agressivos. Palavras-chave: Agressão. Escola. Meninas. Abstract e article intends to analyze the differences in aggres- sive events reported by adolescents who attend the high school and elementary school in public schools in the city of Campinas - SP. For that purpose, 92 students of a pub- lic school, being 67 elementary school students and 25 high school students, 52 females and 40 males participated in the study answered an instrument composed of 3 parts e first part contains questions that involve the target of attacks, the second part of the same issues are addressed to the observer and the third part of the author. e results showed that girls had attacked as much as boys, and also directly. e break time was the time when more aggressive acts occurred. Keywords: Aggression. School. Girls. 1 Faculdade de Educação Física - FEF-UNICAMP - Grupo de Estudos sobre Agressividade - GEPA. Estudo financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

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MENINAS TAMBÉM AGRIDEM? ESTUDO SOBRE AGRESSÃO ENTRE ESCOLARES

Elaine Prodócimo1

Rosiane Gonçalves Coelho Silva1

Rebeca Signorelli Miguel1

Kethylin Viotto Recco1

ResumoO artigo tem como objetivo analisar as diferenças nas mani-festações agressivas relatadas por adolescentes que frequen-tam o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio em es-cola da rede pública do município de Campinas – SP. Para tanto, 92 alunos de uma escola pública, sendo 67 alunos do Ensino Fundamental II e 25 alunos do Ensino Médio, 52 do sexo feminino e 40 do sexo masculino, participaram do estudo respondendo um instrumento que consta de 3 partes: a primeira parte contém questões que envolvem o alvo das agressões, na segunda parte, as mesmas questões são dirigidas ao observador e na terceira parte, ao autor. Os resultados apontam que as meninas têm agredido tanto quanto os meninos, e também de forma direta. O recreio foi o momento em que mais ocorreram os atos agressivos.Palavras-chave: Agressão. Escola. Meninas.

Abstract Th e article intends to analyze the diff erences in aggres-sive events reported by adolescents who attend the high school and elementary school in public schools in the city of Campinas - SP. For that purpose, 92 students of a pub-lic school, being 67 elementary school students and 25 high school students, 52 females and 40 males participated in the study answered an instrument composed of 3 parts Th e fi rst part contains questions that involve the target of attacks, the second part of the same issues are addressed to the observer and the third part of the author. Th e results showed that girls had attacked as much as boys, and also directly. Th e break time was the time when more aggressive acts occurred.Keywords: Aggression. School. Girls.

1 Faculdade de Educação Física - FEF-UNICAMP - Grupo de Estudos sobre Agressividade - GEPA. Estudo fi nanciado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

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INTRODUÇÃO

É comum encontrarmos pessoas que acreditam que os meninos são mais agressivos que as meninas, porém estudos, cada vez mais, têm mostrado que as meninas são também agres-sivas, porém, sua agressividade é demonstrada de forma diferente da dos meninos. Enquanto meninos agridem de forma direta, tanto física quanto verbalmente, meninas agridem de forma in-direta, armando situações em que a vítima se sente excluída do grupo, ou tem sua imagem deturpada por mentiras e difamações.

Entendemos que essas diferenças se dão culturalmente. É co-brado dos meninos postura viril que represente sua masculinidade, e das meninas atitude mais servil, menos exposta, o que leva a se manifes-tarem também de forma mais discreta, porém, não menos destrutiva. Como afi rmam Câmara e Carlotto (2007, p. 88), “a questão de gênero é, destarte, bastante ampla e se origina de toda uma rede de relações e infl uências sociais que englobam determinantes psicossociais e socio-estruturais”, ou seja, além da família, há muitos outros segmentos da sociedade que infl uenciam direta ou indiretamente nesse aspecto.

O que temos presenciado atualmente, porém, é uma mu-dança no comportamento das meninas, que têm se utilizado, cada vez mais, das formas mais diretas de agressão. A fi m de investigar essa questão, este estudo tem como objetivo analisar as diferenças nas manifestações agressivas relatadas por adolescentes do sexo feminino e masculino que frequentam o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio em escola da rede pública do município de Campinas – SP.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Os estudos sobre o tema violência têm aumentado, o que reflete uma preocupação com um estado que cada vez mais tem alarmado a sociedade. A maneira como enfrentamos as re-jeições, decepções, erros, perdas, críticas, sentimentos de culpa e conflitos nos relacionamentos, pode gerar maturidade ou im-pedir o crescimento, segurança ou angústia e traumas.

Nosso pensamento afeta as emoções da mesma forma que as emoções infl uenciam a lógica dos pensamentos, as rea-ções e as atitudes humanas. Freud (2002, p. 198), em “O Mal da Civilização”, afi rma que “os confl itos de interesses entre os ho-

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mens são resolvidos pelo uso da violência”, e complementa que a civilização deve envidar esforços supremos “a fi m de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem” (p.117).

É ainda Freud (2002) quem afi rma que o fortalecimento da vida intelectual pode ajudar o homem a não expressar sua agressividade por meio dos confl itos bélicos, apesar de afi rmar sobre a impossibilida-de de eliminar por completo a sua pulsão agressiva. Desta maneira, se não é possível eximir a agressividade do ser humano, é preciso que se admita a necessidade de se conviver com o mal-estar que disso resulta.

A violência e a agressividade não são sinônimos. Segun-do Costa (2003), a violência é disruptiva, destrutiva, tem in-tenção de machucar. A agressividade é muitas vezes necessária e criativa. A violência nasce da agressividade. Não existe um instinto violento, mas sim um instinto agressivo.

Esse instinto agressivo pode tornar-se comportamento vio-lento dependendo da forma como ocorrerão as primeiras relações do bebê, principalmente no ambiente familiar. É Winnicott (2005) quem propõe que difi culdades no processo de interação, principalmente nos dois primeiros anos de vida, podem contribuir para a confi guração de problemas no desenvolvimento social e emocional, como controle dos próprios impulsos, falta de empatia e capacidade reduzida de solução de confl itos. A criança então, comporta-se de maneira agressiva na busca de encontrar no outro o ambiente seguro não vivenciado até então.

Para Vilhena e Maia (2002), a família desempenha papel importante, pois é ela “o lugar de referência e suporte ao ado-lescente que transgride o código social e também a referência ao bebê que aprende a lidar com sua agressividade” (p. 36-7).

Estudos como o realizado por Maldonado e Williams (2005) apontam o exemplo das famílias como forte infl uencia-dor do comportamento agressivo em escolares. Ao analisarem dois grupos de 14 meninos cada, um considerado agressivo por seus professores e outro considerado não agressivo, e as formas de punição utilizadas por seus pais, foi possível perceber que as crianças consideradas agressivas sofriam de violência física, psicológica e coerção sexual com maior frequência e severidade que seus pares não agressivos. Isso pode signifi car que o exemplo vivenciado no lar pode ser utilizado na escola, que a excessiva exposição à violência pode levar a uma naturalização deste com-portamento e que pode haver um deslocamento da agressão.

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O estudo realizado pelos autores buscou identifi car a re-lação entre a punição grave sofrida por adolescentes em seus lares e condutas agressivas na escola, obtendo relação positiva entre os dois pontos, ou seja, adolescentes que eram punidos de forma grave tinham maior tendência em comportar-se de forma agres-siva na escola. O estudo foi feito com alunos de escolas públicas e particulares e, embora tenha ocorrido com maior frequência na escola pública, ocorreu o mesmo nas escolas particulares. A forma de punição física grave foi mais utilizada por famílias rígi-das (com postura mais autoritária) do que por famílias fl exíveis (mais abertas ao diálogo).

Além da infl uência familiar, a mídia é também aponta-da como causadora de comportamentos agressivos em crianças, adolescentes e jovens. A infl uência de fi lmes violentos nos com-portamentos de 160 crianças e 160 adolescentes foi estudada por Gomide (2000). Ao acompanhar as crianças, divididas em dois grupos, em jogos de futsal antes e após terem assistido a fi lmes, um violento e outro não violento, concluiu que houve infl uência do fi lme violento nos comportamentos agressivos dos meninos estu-dados, mas não das meninas. Já entre os adolescentes, separados em 4 grupos, assistiram a 3 fi lmes: um violento com herói, um do-cumentário sobre violência com adolescentes, um com teor coope-rativo e, mantendo um grupo controle, concluiu, acompanhando também um jogo de futsal realizado após os grupos assistirem aos fi lmes, que fi lmes com violência aumentaram os comportamentos agressivos dos adolescentes do sexo masculino. Quanto às ado-lescentes, apenas o grupo que assistiu ao documentário teve seus comportamentos agressivos aumentados. Como os comportamen-tos agressivos foram observados em jogo de futsal, que além de ser um esporte mais praticado culturalmente por meninos é caracteri-zado por ser um jogo de contato, podemos reconhecer que foram levados em conta os comportamentos diretos, característicos dos meninos e não das meninas. Esse tipo de comportamento real-mente é o mais reforçado socialmente para os sujeitos do sexo masculino e também os fi lmes apresentam essa forma de violência, que é mais largamente imitada pelos meninos. E n t e n d e m o s que as diferenças nas manifestações agressivas entre meninos e meninas se dá por força da cultura, que impõe padrões de com-portamentos que devem ser seguidos pelos grupos. Como afi rma Shaff er (2005, p. 492):

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mesmo que fatores biológicos possam contribuir, obvia-mente as diferenças entre os sexos quanto à agressividade dependem, em grande parte, da tipifi cação de gênero e as diferenças na aprendizagem social dependem das diferen-ças de gênero.

O mesmo autor, pautando-se em pesquisas realizadas por Caplan e cols. (1991) e Fagot et al (1992), esclarece que disputas agressivas com uso de força entre crianças de 1 ano de idade são mais numerosas entre meninas que entre meninos. Aos 2 anos, os meninos tendem a negociar mais para dividir brinquedos que as meninas, que continuam utilizando a força. E “só a partir dos 2 anos e meio e 3 anos as diferenças entre os sexos quanto à agressividade são confi áveis, e esse tempo é sufi ciente para a tipifi cação de gênero que estereotipa os meninos e as meninas em lados diferentes.” (p. 491)

As meninas têm uma tendência maior de se manifestarem agressivamente no que foi chamado de agressividade relacional, por “atos como exclusão, aceitação do afastamento ou divulgação de ru-mores que objetivam lesar a auto-estima, amizade ou status social do adversário” (SHAFFER, 2005, p. 492). Essa forma tende a tornar-se mais sutil na adolescência, não sendo tão facilmente observável.

Como afi rmam Meneghel, Giugliani e Falceto (1998, p.330):

O comportamento agressivo dos adolescentes certamente está articulado com as múltiplas formas de violência, ex-plícitas ou não, que eles vivem no âmbito da família, da escola e de outras instituições da sociedade, muitas das quais com a função precípua de protegê-los.

Os mesmos autores continuam, ao afi rmar que:

A violência está expressa nas discriminações de gênero, idade e raça, nas contradições entre discurso e prática dos adultos, na conduta das escolas, evidentemente mais acen-tuada no colégio público, e principalmente na violência estrutural da sociedade que fecha a estes jovens as portas da esperança (p.333).

Em estudo comparativo realizado com grupo de 60 meni-nas e 60 meninos de escolas públicas e particulares, que teve como foco a impulsividade agressiva por meio do componente raiva, Gui-

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marães e Pasian (2006) reconheceram que os meninos obtiveram maiores índices de raiva manifestada externamente em comparação com as meninas, mas não reconheceram diferenças oriundas do ní-vel socioeconômico dos alunos. Sobre esse ponto refl etem sobre a “possibilidade de as condições ambientais/sociais que permeiam a adolescência contemporânea estarem infl uenciando de maneira se-melhante grupos distintos economicamente” (p.96).

Ainda em outro estudo que enfoca as particularidades nas manifestações de meninos e meninas, Câmara e Carlotto (2007) investigaram as estratégias de coping (conjunto de estratégias utili-zado para adaptação a circunstâncias adversas ou estressantes) em 389 jovens dos gêneros feminino e masculino. Seus dados apon-taram para “(...) um perfi l mais autodirecionado no caso das me-ninas e um perfi l mais voltado para a busca de apoio externo por parte dos meninos.” (p.91). O que está de acordo com as formas de manifestação também de sua agressividade, no caso das me-ninas, mais introvertidas e, no dos meninos, mais extrovertidas. As autoras alertam sobre a importância do conhecimento dessas diferenças para atuação mais adequada às características de cada grupo na prevenção de comportamentos de risco.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O instrumento utilizado foi o questionário elaborado pe-las pesquisadoras Freire, Simão e Ferreira (2006), que possibilita, segundo as próprias autoras:

a) identifi car agressores, vítimas, e observadores frequen-tes de situações de maus-tratos (bullying); b) caracterizar os tipos de agressão/vitimização que ocorrem em situação escolar; c) caracterizar a população, em geral, do ponto de vista estrutural, caracterizar os alunos/agressores, os alunos/vítimas e observadores frequentes da situação de bullying (gênero, idade, nível sócio-econômico e cultu-ral da família, percurso escolar, estrutura familiar, ...); d) identifi car os espaços onde ocorrem as situações de agressão e e) percepcionar o modo como os alunos vêem a intervenção dos adultos (professores, pessoal auxiliar e órgãos de gestão) e dos seus pares frente às situações de bullying. (p.167-168)

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O mesmo teve o idioma adaptado para a Língua Portuguesa falada no Brasil; a adaptação foi feita pela linguista Eliana Ruiz2.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM-UNICAMP sob o parecer número 062/2007. Só respon-deram ao questionário aqueles alunos que trouxeram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido devidamente assinado. De um total de 237 alunos matriculados, 92 participaram do estudo.

O questionário foi respondido de forma individual, no pró-prio período de aulas dos sujeitos, com a presença dos pesquisadores.

Sujeitos

Participaram desse estudo 92 alunos do Ensino Fundamen-tal II e Ensino Médio de uma escola pública do município de Cam-pinas, localizada no sub distrito de Barão Geraldo, sendo 67 alunos do Ensino Fundamental II e 25 alunos do Ensino Médio, 52 do sexo feminino e 40 do sexo masculino.

O instrumento

O instrumento utilizado consta de 3 partes, além da caracterização dos sujeitos. A primeira parte contém questões que envolvem o alvo das agressões, na segunda parte as mesmas questões são dirigidas ao observador e na terceira parte, ao autor. Cada sujeito pode assumir-se como alvo, caso tenha sofrido al-gum tipo de agressão, como observador, caso tenha presenciado algum fato, e também como autor, caso tenha agredido algum colega. O mesmo sujeito pode reconhecer-se também nos três diferentes papéis. O tempo de referência para as respostas é de duas semanas, ou seja, se nas últimas duas semanas anteriores a aplicação do questionário o sujeito foi agredido, observou ou agrediu alguém.

2 Eliana Maria Severino Donaio Ruiz possui mestrado e doutorado em Lingüística pela Uni-versidade Estadual de Campinas. É professora associada da Universidade São Francisco - Ita-tiba. Tem experiência na área de Lingüística, com ênfase em Lingüística Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: escrita, gênero textual, metodologia de ensino de língua e livro didático.

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RESULTADOS

A respeito da idade dos sujeitos temos variação entre 10 e 20 anos, sendo a média da idade das meninas 13.20, com desvio padrão de 10 e 20 anos. Para os meninos, a média de idade foi de 13.62, com desvio de 10 e 18 anos.

Na busca por contextualizar a situação familiar dos su-jeitos, de forma geral, temos: 67,4% dos pais e 80,4% das mães possuem profi ssão não qualifi cada (sem exigência de formação específi ca); 38,1% dos pais e 35,8% das mães têm ensino médio ou superior completo; 46,8% dos pais e 56,5% das mães não são naturais do Estado de São Paulo; 50% dos pais são casados, e 87% dos sujeitos têm irmãos.

Quanto a forma de agressão utilizada

Os dados obtidos estão apresentados na Tabela 1.As porcentagens dos dados foram calculadas para cada com-

portamento utilizado levando em conta o total de sujeitos de cada sexo, por exemplo, das 52 meninas que fi zeram parte do estudo, 10 foram agredidas por meio de empurrões, totalizando 19,2% do total de meninas. Para o valor total foram somadas as quantidades relatadas e feito o cálculo de proporcionalidade, ou seja, cada me-nina sofreu cerca de 2,48 agressões contra 2,17 para cada menino; agrediu 1,53 vezes, contra 1,22 vezes de cada menino.

Analisando a tabela “Formas de agressão”, podemos presenciar o humilhar, o xingar e o mentir sobre, como os atos mais comuns sofridos entre as meninas e entre os meninos. O que demonstra não haver muita diferença nas formas de mani-festação de agressões entre os gêneros.

Quando a referência é o observador, segundo as meni-nas, a maioria dos casos de agressões presenciadas são: ameaças, humilhações e xingamentos. Já os meninos, relataram humilha-ções e xingamentos e também agressões físicas, como bater e em-purrar, como os mais comuns.

As meninas, possíveis autoras das agressões mostradas na tabela 1, indicam que agridem, praticando atos de humilhar, xin-gar e fazer intriga. Já os meninos ameaçam, humilham, batem e xingam com mais frequência.

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Embora bater e empurrar não tenham aparecido entre os 3 comportamentos mais frequentes entre as meninas agressoras, elas utilizaram-se desse meios tanto quanto os meninos, o que, em nossa sociedade, não é um padrão esperado. Elas também mostraram-se mais agressivas do que os meninos quando se trata da quantidade de manifestações. Por utilizarem-se de formas mais indiretas de agressão, como intrigas e humilhações, os comporta-mentos agressivos são mais escondidos ou mascarados, criando a imagem do feminino fragilizado em relação ao masculino.

Em valores absolutos e proporcionais, foi constatado que as meninas apresentam maiores índices de agressividade enquan-to alvo, observadoras e autoras do que os meninos. Esse fato vem comprovar que as meninas têm tomado mais atitudes agressivas como forma de resolução de seus confl itos do que os meninos.

As ocorrências de agressões, do ponto de vista dos autores, observadores e alvos, foram predominantemente mais relatadas pelos meninos e meninas como ocorrendo na sala de aula e recreio.

O grande número de ocorrências em sala de aula é esperado pelo fato dos alunos permanecerem neste espaço durante o maior tem-po de seu período escolar. A constituição desse espaço também favorece o aumento das manifestações agressivas, já que o aluno deve perma-necer, na maior parte dos casos, sentado e em silêncio, sem que sejam respeitados seus interesses e necessidades. Essa situação pode gerar no adolescente um sentimento de desconforto e insatisfação, que pode ser manifestado por meio de atos agressivos em relação aos colegas.

Já sobre a grande incidência dos atos agressivos no re-creio, esse dado coincide com o apresentado na literatura sobre o assunto. Como apresentado por Prodócimo e Recco (2008), o momento do recreio é um momento ansiado pelos alunos que, após fi carem algumas horas, em geral, sentados em suas carteiras, desejam movimentar-se, conversar, interagir com os colegas, isso tudo feito de forma urgente, já que o tempo é curto. Essa ansie-dade acaba gerando confl itos em disputas pelo lugar na fi la, pelo espaço para jogos, por exemplo. Ainda no estudo mencionado, foi possível verifi car que o tipo de atividade realizado nesse mo-mento da rotina escolar também pode desencadear confl itos e, em seguida, agressões pela forma como esses são, ou não, resolvidos. Atividades competitivas, como disputas esportivas ou outros tipos de jogos são comuns, especialmente entre os meninos.

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Também a forma de controle presente durante o recreio fa-vorece os comportamentos agressivos. Em geral, há a supervisão de uma monitora ou outro funcionário da escola que, muitas vezes, não tem formação pedagógica para lidar com os alunos. Segundo as autoras, a forma de tratamento em relação aos confl itos é muito pautada nas conversas e punições e não na busca da resolução dos confl itos entre os envolvidos.

Em relação às quantidades também cabe destacar o fato de muitos alvos não relatarem o local da ocorrência da agressão, isso pode dever-se a constrangimento em relação à exposição da situação.

Para as meninas, o não fi zeram nada foi o mais comum, tanto para alvos, observadoras quanto autoras. Já para os meninos o não fi ze-ram nada foi mais frequente para os observadores e autores, e o recorre-ram a um adulto foi mais frequente para alvos.

O não fi zeram nada mostra uma atitude passiva, pelo receio de tornar-se também vítima dos atos agressivos. Também pode ser interpretada como um reforço à atitude agressiva, pois pode signifi -car conivência com a situação.

A atitude de recorrer a um adulto, comumente incentivada no ambiente escolar teve maior índice de resposta entre os meninos, prin-cipalmente entre os alvos e observadores. É importante ressaltar que essa opção é valorizada socialmente, especialmente pelos adultos, mas não necessariamente entre os pares, que podem interpretar como “trai-ção”, levando o sujeito a tornar-se também alvo.

Um ponto que merece destaque é a opinião das meninas auto-ras sobre o apoio que julgam receber dos observadores. Esse fato reforça seus comportamentos, pois julgam que os colegas aceitam suas atitudes como sendo corretas. Também, perceberem que os observadores riem quando presenciam as situações pode infl uenciar nas ações.

Tabela 4: Diferenças entre os sexos sobre motivos que levam à agressão

Motivos pelo qual agride F % M %Não sabe/ Não respondeu 0 0 2 5Vingança 3 5,7 3 7,5Defesa de outros colegas 3 5,7 3 7,5Desprezo 4 7,7 0 0Brincadeira 5 9,6 3 7,5Reação à provocações 4 7,7 4 10Irritação 7 13,5 3 7,5Outra 1 1,9 1 2,5

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As porcentagens foram tomadas a partir do total de me-ninas e do total de meninos participantes do estudo.

As meninas agridem por motivos diferentes dos meninos, em sua maioria. Elas reagem com agressividade quando fi cam ir-ritadas, demonstrando uma reação muitas vezes não adequada do ponto de vista social.

Já em relação aos meninos, a maioria dos agressores (10%) agride após ser submetido a alguma provocação. Podemos entender que alguns casos de provocações podem ser considerados também como atos agressivos e assim, neste caso, houve revide a uma pri-meira agressão (a provocação), sendo que, dessa forma, o autor era a vítima da provocação inicial. Além disso, os meninos apresentam um número relativamente alto (7,5%) para os motivos vingança, defesa de outro colega, brincadeira e irritação.

As diferenças em relação a esse ponto não foi grande en-tre os sujeitos.

Tabela 5: Sentimentos manifestados durante a agressão

O que sente quando agride F % M %Não sabe/ Não respondeu 0 0 2 5Raiva 12 23,1 3 7,5Desprezo 0 0 1 2,5Pena 3 5,7 3 7,5Carinho 3 5,7 0 0Nada 4 7,7 5 10Outra 1 1,9 0 0

Entre as meninas, o sentimento que prevalece nos casos de

agressão é a raiva, muito mais que nos meninos, que responderam não sentir nada enquanto agridem.

Segundo Damásio (1996), no estado de raiva há o impulso para a ação vigorosa e o que provoca essa emoção pode ser a inveja, a reivindicação de ser tratado de forma igual aos outros, a falta de respeito mútuo e o não respeitar as regras. Já o não sentir nada pode signifi car não ter nenhum sentimento intenso, ou então, o aluno não saber classifi car ou entender o sentimento ‘nada’.

Quando o indivíduo é exposto frequentemente à agressão, tem mais tendência a não fi car sensibilizado com ela, e assim o sentir nada pode explicar-se dessa forma.

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Tabela 6: Sexo dos agressores segundo os alvos

Agressores do sexo: F % M %Masculino 11 21,2 15 28,8Feminino 22 42,3 1 2,5Não respondeu 8 15,4 6 15

Ao observar a tabela acima, podemos afi rmar aquilo que o senso comum nos diz. Realmente as agressões ocorrem entre o mes-mo sexo: meninas agridem mais meninas e meninos agridem mais meninos. Porém, há um número alto de alvos femininos que relatam terem sido agredidas por meninos, enquanto o contrário não apare-ce. Quanto a isso devemos considerar que, perante uma sociedade em que o homem “deve” ocupar o papel de mais forte, assumir ter sido agredido por uma mulher, que “deve” assumir o papel de sexo frágil, é difícil. É possível, então, que meninos não tenham assumido terem sido agredidos por meninas, ou mesmo que não consideraram as atitudes das meninas agressivas em relação a eles próprios.

Uma das funções dos comportamentos de agressão consis-te em estabelecer e manter relações de dominação; quem domina quem. No caso específi co, meninas dominam-se entre si, meninos também dominam-se entre si e meninos dominam as meninas.

Considerações fi nais

Os resultados do trabalho demonstram o quanto o papel sociocultural determina comportamentos, neste caso as agressões, com estilos distintos entre os sujeitos do sexo masculino e femini-no. Portanto, é aceito que os meninos batam e empurrem, entre outras agressões físicas e verbais, e às meninas não é permitido expressarem seus sentimentos dessa mesma forma, apesar de nessa escola analisada as meninas também se comportarem semelhan-temente aos meninos. Talvez ajam dessa maneira por acreditarem que, assim (e somente assim), se protegerão de eventuais provoca-ções e confl itos: ao reagirem acabam afastando de si as ameaças.

Assim posto, parece-nos que faz parte da cultura escolar reagir com a mesma agressão que foi recebida de pares numa si-tuação confl ituosa. Sendo que nessas, circunstâncias, os próprios estudantes esperam um dos outros que reajam na mesma intensi-dade de força recebida pelo outro. Queremos dizer com isto que:

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É Mauss (2003) quem nos diz que o homem só tem res-quícios de instintos, e é a sua convivência em sociedade que leva a uma intervenção da consciência. Numa socie-dade em que a violência parece algo banal, comum e na-turalizado, seus indivíduos a tornarão desta maneira. Uma criança aprende desde muito pequena que a agressividade é algo presente em sua realidade. Ela aprende isto com os desenhos que assiste, com os fi lmes e novelas que os adultos veem e principalmente com o dia a dia de uma so-ciedade que cada vez mais tende a naturalizar certos atos. No entanto, desde 1926, Mauss já dizia que a vida social é como ‘um mundo de relações simbólicas’. A partir dessas relações simbólicas percebemos que os meninos não são agressivos e as meninas não são sutis ‘por natureza’ e sim por uma educação social dotada de símbolos e signifi cados distintos. O autor fala de uma relação entre o natural e o social para uma justa interpretação do indivíduo e de seu grupo. Ou seja, um chute (que não é natural) vem sempre junto com um sentimento, com um signifi cado. Um ato é sempre simbólico e possível de diversas interpretações. (PRODOCIMO, 2009).

Embora assuste-nos a quantidade e mesmo a qualidade das agressões que têm ocorrido no ambiente escolar, entendemos que é função dos educadores agirem de forma consciente em relação a esse fato; para isso, o conhecimento do que se passa na escola entre os jovens é importante.

Também é importante entender que a sociedade pas-sa por mudanças rápidas, que se refletem nas ações de nossas crianças e jovens. E, mais que entender, agir de maneira ade-quada a essas mudanças é necessário. Sim, as meninas agridem e sempre agrediram; porém, agora, elas têm feito isso de manei-ra mais aberta, mais exposta. É como se buscassem ocupar um espaço que há muito tempo foi negado às mulheres, mas ainda não sabem como fazê-lo de forma pacífica. Na busca de con-quistar o espaço que sempre foi ocupado pelos homens, acabam imitando as condutas ditas masculinas.

Estamos num processo de constante adaptação, e esse é mais um ponto que necessita de tempo para atingir seu equilí-brio: instável, mas equilíbrio.

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Data de recebimento: Março 2010Data de aceite: Abril 2010