memory: eric kandel and antonio damasio

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  • 8/6/2019 Memory: Eric Kandel and Antonio Damasio

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    A conquista da memria

    A cincia est desvendando os mecanismos biolgicos

    que nos permitem lembrar e esquecer e j prev aplicaresses conhecimentos em terapias que melhoram a capacidadede memorizao ou que apagam da mente experincias ruins

    Diogo Schelp

    Montagem com foto de Istockphoto

    A memria ajuda a definir quem somos. Na verdade,nada mais essencial para a identidade de uma

    pessoa do que o conjunto de experinciasarmazenadas em sua mente. E a facilidade com que ela acessa esse arquivo vital para que possainterpretar o que est sua volta e tomar decises. Cada vez que a memria decai, e conforme a

    idade isso ocorre em maior ou menor grau, perde-se um pouco da interao com o mundo. Mas acincia vem avanando no conhecimento dos mecanismos da memria e de como fazer para

    preserv-la. Pesquisas recentes permitem vislumbrar o dia em que ser uma realidade amanipulao da memria humana. Isso j est sendo feito em animais. No ano passado, cientistasamericanos e brasileiros mostraram ser possvel apagar, em laboratrio, certas lembranasadquiridas por cobaias. Melhor: tudo indica que as mesmas tcnicas podem ser usadas tambm paraconseguir o efeito inverso: ampliar a capacidade de reter fatos e experincias na mente. E, h duassemanas, pesquisadores da Universidade da Califrnia em Santa Brbara, nos Estados Unidos,detalharam como as protenas esto relacionadas ao surgimento de lembranas nos neurnios.Como ocorreu com o DNA no sculo passado, os cdigos fisiolgicos que regulam a memria estosendo decifrados.

    "Estamos na transio de uma dcada voltada investigao dos mistrios do funcionamento docrebro para uma dcada dedicada explorao de tratamentos para as disfunes cerebrais",

    VEJA TAMBM Quadro: As protenas da lembrana Quadro: Mitos e verdades

    http://veja.abril.com.br/130110/popup_proteinas.htmlhttp://veja.abril.com.br/130110/popup_proteinas.htmlhttp://veja.abril.com.br/130110/popup_mitos_verdades.htmlhttp://veja.abril.com.br/130110/popup_mitos_verdades.htmlhttp://veja.abril.com.br/130110/popup_mitos_verdades.htmlhttp://veja.abril.com.br/130110/popup_proteinas.html
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    escreveu o fisiologista Eric Kandel, prmio Nobel de Medicina em 2000, em seu livroEm Busca daMemria O Nascimento de uma Nova Cincia da Mente, publicado recentemente no Brasil pelaeditora Companhia das Letras (veja entrevista abaixo). A neurocincia um campo to promissorque, nos Estados Unidos, nada menos que um quinto do financiamento em pesquisas mdicas dogoverno federal vai para as tentativas de compreender os mecanismos do crebro. Os estudos sobrea memria tm um lugar destacado nesse esforo cientfico. Afinal de contas, mant-la em perfeito

    funcionamento tornou-se uma preocupao central nas sociedades modernas, em que doisfenmenos a desafiam: o primeiro a exposio a uma carga diria excessiva de informaes, que ocrebro precisa processar, selecionar e, se relevantes, reter para uso futuro; o segundo o aumentoda expectativa de vida, que se traduz em uma populao mais vulnervel doena de Alzheimer e aoutros distrbios associados perda de memria.

    Mirian Fichtner

    NOVIDADEMartn Cammarota, do Centro deMemria da PUC-RS, revelou que umalembrana demora doze horas para setornar persistente no crebro de ratos

    O crebro humano pesa, em mdia, 1,4 quilo e tem 100 bilhes de neurnios, que se comunicampor sinapses estruturas por meio das quais as clulas cerebrais se conectam, transmitindoinformaes na forma de sinais qumicos e eltricos. Existem trilhes de sinapses. Cada vez que o

    crtex cerebral recebe os dados sensoriais de uma nova experincia (um jantar, uma visita a ummuseu, uma situao de perigo), as sinapses formam certos padres de comunicao entre osneurnios de diferentes reas. Algumas redes de clulas organizam, ento, tais informaes,comparando-as a outras lembranas j existentes no crebro, e, conforme a fora e o padro dassinapses, selecionam o que vai ser esquecido ou o que vai permanecer guardado por mais tempo.Quando uma pessoa entra em um restaurante, por exemplo, tem contato com uma infinidade dedados: o rosto do garom, a cor das paredes, o aroma dos pratos, a conversa na mesa ao lado, ogosto da comida e a textura do guardanapo. A maior parte desses detalhes apagada da lembranato logo se pisa na rua. Mas h aqueles registros que permanecero por dias, meses e at anos muitos de maneira inconsciente. O sabor da comida, por exemplo, quando novamenteexperimentado, pode inundar a cabea do indivduo com lembranas da primeira visita quele

    restaurante. A maneira como uma memria recuperada do arquivo mental e as emoes associadasa ela determinam a sua durabilidade. Todo esse processo, aparentemente bvio quando se parte dasimples observao do comportamento humano, agora est sendo desvendado do ponto de vista

    http://veja.abril.com.br/130110/conquista-memoria-p-078.shtml#entrevistahttp://veja.abril.com.br/130110/conquista-memoria-p-078.shtml#entrevista
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    bioqumico.

    A faanha dos pesquisadores da Universidade da Califrnia em Santa Brbara foi verificar como adestruio e a produo de protenas no interior das clulas nervosas criam novas lembranas emodificam as j existentes. "O estudo confirma a ideia de que no existe memria fixa, imutvel",diz Rosalina Fonseca, neurocientista do Instituto Gulbenkian de Cincia, em Portugal, e autora dotrabalho que serviu de base para a descoberta dos americanos. O papel da degradao e da sntesede protenas pode ser explicado com a seguinte analogia: a memria como uma casa em constantereforma e as protenas so os tijolos. Muitas vezes, uma parede precisa ser derrubada para que umnovo cmodo seja construdo. Manter o equilbrio dessa obra sem fim da qual participa tambmmais de uma centena de substncias qumicas, entre neurotransmissores, receptores e hormnios

    pode ser a chave para a cura de muitas doenas psiquitricas e neurolgicas. "As principaispromessas teraputicas nessa rea vm dos avanos no conhecimento desses processos qumicos enas descobertas, igualmente recentes, sobre como regies especficas do crebro agem nas etapas deformao dos diferentes tipos de memria", diz o neurocientista americano Sam Wang, daUniversidade Princeton, coautor do livroBem-Vindo ao Seu Crebro, publicado no Brasil pelaeditora Cultrix. De acordo com a classificao utilizada por Eric Kandel, a memorizao, grosso

    modo, ocorre em dois estgios e divide-se em duas categorias principais. No que se refere aosestgios, a memria pode ser de curto prazo (lembrar-se da balada da noite anterior, por exemplo)ou de longo prazo (recordar-se de uma festa de anos atrs). As categorias so a explcita (tambmchamada de declarativa) e a implcita. A memria explcita geralmente pode ser descrita em

    palavras e evocada de maneira consciente como a lembrana do primeiro beijo. A memriaimplcita refere-se a conhecimentos, hbitos e habilidades que so evocados de maneira automtica

    entre as quais, entender o que est sendo dito nesta reportagem sem a necessidade de recorrer aodicionrio ou de analisar gramaticalmente cada uma de suas frases. A partir dessas classificaes

    bsicas, a memria pode ser dividida em vrios outros subtipos (veja o quadro).

    A habilidade para armazenar diferentes tipos de lembrana varia de pessoa para pessoa, seja pordom natural, seja por treino. Ambas as coisas contriburam para que o ator Antonio Fagundes tenha

    excelente memria para palavras, o que lhe permite decorar textos com rapidez. Ele costuma ler asfalas de uma cena de novela menos de dez minutos antes da gravao, enquanto a maioria dos seuscolegas recebe os dilogos um dia antes. "Acredito que essa facilidade de memorizao se explicatambm pelo fato de eu ser muito concentrado e por meu gosto pela leitura, o que faz com que euassimile mais velozmente o significado dos textos", diz Fagundes. Em compensao, o ator apagada lembrana dados inteis, como o nome de personagens que ele interpretou. O esquecimento temuma funo vital para a mente: como a memorizao um processo desgastante para as clulas, noh por que gastar energia com informaes irrelevantes. Lembrar-se de absolutamente tudo pode serum tormento. A americana Jill Price, por exemplo, funcionria de uma escola judaica em LosAngeles, recorda-se em detalhes de todos os episdios de sua vida desde a puberdade. Essacapacidade a atrapalha enormemente no cotidiano. Como seu crebro passa todo o tempo evocandosituaes do passado, tem dificuldade para se concentrar em uma tarefa do presente. A comprovao que Jill nunca foi uma boa aluna. "Uma mente entulhada com memrias intrusivas,desimportantes, tem dificuldade de selecionar as informaes e tomar decises", diz aneurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os mdicosque estudam Jill no tm uma explicao definitiva para essa caracterstica. Sabe-se, no entanto,que alguns pacientes com uma memorizao exagerada so dotados de anomalias cerebrais. Oamericano Kim Peek, morto no ms passado, tinha uma malformao que prejudicava suashabilidades motoras e seu raciocnio. Mas Peek, que inspirou o personagem de Dustin Hoffman nofilmeRain Man, era capaz de ler duas pginas de um livro ao mesmo tempo, uma com cada olho, edepois mantinha um registro detalhado de tudo o que lera. Ele conhecia com preciso o contedo de

    12 000 livros.Joo Caldas/Divulgao NA PONTA DA LNGUA

    Antonio Fagundes decora as cenas de novela

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    minutos antes dagravao, ao contrrio deseus colegas, que

    precisam de um dia paramemorizar suas falas

    Um dos experimentos mais interessantes de manipulao da memria foi feito por um grupo depesquisadores do Centro de Memria da Pontifcia Universidade Catlica (PUC) do Rio Grande doSul. O coordenador do estudo, o neurofisiologista argentino Martn Cammarota, e seus colegasdemonstraram ser possvel apagar uma memria especfica de um rato antes que ela se tornasseduradoura. Para isso, usaram uma droga que inibe a ao do neurotransmissor dopamina nohipocampo, uma estrutura do crebro envolvida na formao de lembranas de longo prazo. Os

    pesquisadores tambm descobriram que uma rea vizinha ao hipocampo, quando ativada doze horasdepois de uma experincia, desencadeia o processo que levar reteno daquela memria. Os

    resultados foram publicados no ano passado na Science, uma das revistas internacionais de maiorprestgio no mundo cientfico. "Apesar de o experimento ter sido feito em ratos, podemos deduzirque tambm no crebro humano h uma janela de algumas horas antes que a percepo de um fato

    persista na memria", diz Cammarota. Nesse intervalo, possvel modificar artificialmente amemria, tanto para inibi-la como para fortalec-la. Ou seja, no futuro, em tese, uma vtima deestupro poder tomar uma plula algumas horas depois da violncia que sofreu, a fim de evitar a

    permanncia daquela lembrana traumtica. Ser preciso ponderar, no entanto, que isso levar aoesquecimento de tudo o que ocorreu na vida da pessoa durante metade de um dia ou mais. Outraaplicao possvel o desenvolvimento de tratamentos contra a dependncia qumica, capazes deapagar o registro mental do prazer associado ao consumo de drogas.

    A equipe do neurocientista americano Todd Sacktor, do SUNY Downstate Medical Center, de NovaYork, descobriu, por sua vez, como cancelar memrias muito depois de elas terem sidoarmazenadas no crebro. Sacktor provou que, ao bloquear a ao de uma protena especfica nocrebro de ratos, possvel apagar uma lembrana formada meses antes. O estudo permite antever odesenvolvimento de drogas que eliminam lembranas antigas indesejveis. O desafio, mais umavez, ser conseguir fazer essa proeza sem apagar memrias teis ou agradveis. As pesquisas deSacktor e do Centro de Memria, em Porto Alegre, tambm podem fornecer pistas para a invenode remdios contra o esquecimento. J existem medicamentos, como a ritalina, indicados para

    pacientes com distrbios de ateno, que, quando usados por pessoas sem essa disfuno, tm efeitosemelhante ao de um doping mental, ao incrementar a memorizao. O inconveniente que elesagem sobre os neurotransmissores de maneira indiscriminada e, como consequncia, podem alterar

    o equilbrio do crebro em aspectos no vinculados lembrana.Um dos caminhos investigados pelos cientistas para deter as degeneraes que resultam em perdamnemnica induzir a produo de novos neurnios a neurognese. At pouco tempo atrs,

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    entrevista a VEJA, de seu escritrio na Universidade Colmbia, em Nova York:

    Como o senhor define a neurocincia?A neurocincia trata do ltimo grande mistrio no universo cientfico: a natureza da mentehumana. O que nos permite ser criativos, ter fantasias, pensar, tomar decises e perceber omundo? Essas habilidades incrveis do crebro humano so o que os neurocientistas tentam

    desvendar.

    Como as descobertas sobre o funcionamento da memria podem ser comparadas aosavanos da gentica, no sculo passado?A brilhante descoberta da estrutura do DNA resultou num nico padro que explica todo o

    processo de duplicao desse cido que a essncia da vida e de produo de protenas. Com ocrebro, diferente. No h uma nica explicao para o funcionamento das memrias. Trata-sede um conjunto de normas, que podem ser comparadas s leis da fsica.

    Se a cincia do crebro fosse uma estrada de 100 quilmetros, quanto do percurso j teramospercorrido? Eu diria que estamos entre os quilmetros 10 e 20. Estamos a 100 anos de chegar ao

    fim da estrada, quando o funcionamento do crebro ser totalmente conhecido.

    H um limite biolgico para o volume de memria que o crebro consegue guardar?Provavelmente no. Mas h um limite para quanto de memria se pode processar emdeterminado perodo. Ou seja, o crebro s consegue lidar com uma quantidade limitada deinformao ao mesmo tempo. Quando esse limite ultrapassado, as informaes no so bemcodificadas pelo crebro. E, sem isso, no h memria.

    Qual a grande questo ainda sem resposta no estudo da memria?H muitas delas. Uma, por exemplo, como evocamos uma determinada memria. J temosuma boa ideia de como as lembranas se formam e so armazenadas. Mas como essas memriasso recuperadas mais tarde? Para o crebro acessar determinados tipos de memria, precisousar a conscincia. Conhecemos muito pouco sobre a natureza da ateno consciente. Outraquesto como as memrias so modificadas ao longo da vida.

    A psicanlise est ameaada pelas descobertas da neurocincia?No. Psicanalistas e psicoterapeutas podem at se beneficiar com isso, mas tero de se adaptar.Eles precisam se familiarizar com as novidades da neurocincia. J existem, por exemplo,estudiosos analisando imagens cerebrais de pessoas com distrbios mentais, para detectar

    possveis anormalidades e descobrir como elas so revertidas com a psicoterapia. As evidncias,at agora, so muito estimulantes. Obsesso-compulso, depresso, neuroses com todos esses

    distrbios j h estudos mostrando como a psicoterapia ou a psicanlise conseguem reverter, emalguns casos, anomalias cerebrais. Os resultados so bons quando o terapeuta, alm de tentarentender o que motiva o paciente a agir de determinada maneira, passa a incentiv-lo a mudarseu comportamento presente. Ou seja, faz um tratamento mais orientado para o aqui e agora. Osestudos de neuroimagem mostram que esse um mtodo bastante eficiente para certos casos.

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    curioso que algo considerado to transcendente como a arte seja fruto de sinais eltricose qumicos transmitidos por clulas neurais. Os neurnios, organizados em circuitos,comunicam-se por meio de reaes eletroqumicas. O padro ou o desenho dos circuitos o que

    permite a construo de todas as imagens. Isso vale tanto para o que se passa no mundo exterior

    vises ou sons, por exemplo como para imagens interiores, produzidas e transformadas porum estado emocional. So elas que constituem aquilo que chamamos de esprito humano.

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