memórias da venerável ordem terceira da pe

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Algumas notícias sobre uma das mais notáveis irmandades de Portalegre

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Introduo

Fernando Correia Pina

Memrias da Venervel Ordem Terceira da Penitncia de Portalegre

1. A Ordem Terceira da Penitncia em Portalegre

Aps as fundaes das ordens dos Frades Menores, em 1209 e de Santa Clara em 1212, o santo de Assis, contemplando os anseios dos muitos homens e mulheres que desejavam seguir a sua forma de vida mas, que pelo casamento ou por outros constrangimentos se achavam impedidos de abandonar o estado secular, criou, em 1221, a Ordem Terceira dos Irmos e Irms da Penitncia qual deu por regra o Memoriale Propositi.[endnoteRef:1] [1: Bibliografia e notas ROBINSON, Paschal ; trancribed by Beth Ste. Marie. Franciscan Order. The Catholic Encyclopedia. [s.l.] : Robert Appleton Company, [cop. 1999]. [em linha]. [consultado Set. 2006]. Disponvel em http://www.newadvent.org/cathen/06217a.htm]

A ordem receberia posteriormente novas regras, aprovadas pelos papas Nicolau IV, em 1289 e Leo XIII, em 1883. Mais recentemente, em 1978, pela Carta Apostlica Seraphicus Patriarcha o Papa Paulo VI, viria a aprovar uma verso renovada dos estatutos da agora chamada Ordem Franciscana Secular.[endnoteRef:2] [2: ORDEM FRANCISCANA SECULAR. Conselho Internacional. So Francisco de Assis : regra e vida da Ordem Franciscana Secular. [s.l.] : CIOFS, [s.d.]. [em linha]. [consultado Ago. 2006]. Disponvel em http://www.ciofs.org/doc/ic78ptos.htm]

A presena da Ordem Terceira Secular em Portugal, detectavel desde o incio do sc. XIV, cresceu de modo significativo durante os scs. XVI, XVII e XVIII[endnoteRef:3], rivalizando em prestgio, actividade e implantao com as prprias Misericrdias. [3: ALMEIDA, Fortunato de. Histria da Igreja em Portugal. Nova ed. / prep. e dir. por Damio Peres. Porto : Portucalense Editora, [imp. 1967-1971], vol. II, p. 153]

Em Portalegre, a sua existncia encontra-se documentalmente comprovada desde o dealbar do sc. XVII, no sendo totalmente de rejeitar a hiptese de estarmos perante uma refundao, nos termos da Constituio Quaecunque, de Clemente VII, que sujeitou aprovao dos bispos a ereco cannica das confrarias.[endnoteRef:4] [4: PENTEADO, Pedro Confrarias portuguesas da poca moderna : problemas, resultados e tendncias da investigao. Lusitania Sacra. Lisboa : Centro de Estudos de Histria Religiosa da Universidade Catlica Portuguesa. ISSN: 0076-1508, 2. Srie, 7 (1995), 15-52]

A Ordem Terceira de Portalegre esteve, desde a sua fundao, sediada no Convento de S. Francisco. Ocupando inicialmente uma pequena capela, os terceiros viriam a adquirir, em 1714, uma nova capela para cabea da ordem. No ano seguinte foram construidos os nichos, tribuna, sala de despacho e sacristia da nova sede que se revestiu de azulejos em 1723. Em 1726 colocaram-se grades de ferro na boca da capela. Entre 1730 e 1731 decorreu a obra da feitura da talha para o retbulo que acabou de ser dorado em 1737.Na boca da tribuna, sobre o sacrrio, ficou, ento, a imagem de S. Francisco. Da parte da epstola, numa peanha, a de Santa Rosa de Viterbo e noutra peanha, da parte do evangelho, a imagem de Santa Isabel Rainha de Portugal.No corpo da capela, nos sete nichos abertos da parte do evangelho foram colocadas as imagens de S. Lus Rei de Frana, Santa Isabel Rainha da Hungria, Santa Bona, Santa Delfina, Santa ngela de Fulgino, Santa Margarida de Cortona e Santa Luzia. Nos sete nichos do lado oposto ficaram as imagens de Santo Ivo, dos beatos Bartolomeu e Jacobo, de S. Conrado, S. Roque, Santo Elisirio e S. Lcio.Seriam estas as imagens que os terceiros levavam nas procisses, nos dezasseis andores que se guardavam numa casa exterior, por detrs do altar, onde tambm se conservavam, numa arca pequena, as imagens do andor do Sacro Palcio.[endnoteRef:5] [5: ARQUIVO DISTRITAL DE PORTALEGRE [ADP para futuras referncias] Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco de Portalegre. Inventrio dos bens desta venervel ordem 3, f. 11 ]

Para alm das cerimnias cultuais em honra do padroeiro e da procisso de Quarta-feira de Cinzas, a ordem propunha-se ainda prtica de diversas actividades assistenciais tais como o auxlio monetrio aos irmos pobres e enfermos e a assistncia aos presos, materializada na oferenda do jantar de Domingo de Ramos. Era, porm, a sua presena nas cerimnias fnebres a faceta mais regular e de maior visibilidade, quer no acompanhamento dos irmos defuntos com o seu guio, quer na cedncia de panejamentos e tocheiros aos lares enlutados.[endnoteRef:6] [6: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco de Portalegre. Livro da Receita e Despesa (1829-1861)]

Estas funes assistenciais e devocionais justificariam a grande transversalidade da penetrao da ordem no tecido social da cidade. Em 1824, o nmero de irmos rondava as cinco centenas, pertencentes a todos os estratos sociais, sem distino de fortuna ou de sexo.[endnoteRef:7] A grande presena de irms, quer seculares quer regulares pertencentes aos conventos femininos da cidade, era, alis, caracterstica da ordem, com reflexos na composio dos seus corpos diretivos onde as senhoras surgem em quase total paridade com os elementos masculinos. Reportando-nos ao ato eleitoral de 1815, verifica-se existirem na administrao da ordem 1 ministro, 1 vice-ministro, 1 ministra, 1 vice-ministra, 1 secretrio, 1 procurador geral, 1 sndico, 1 vice sndico, 11 definidores, 9 definidoras, 4 zeladores, 1 mestre de novuos e 1 mestra de novias.[endnoteRef:8] [7: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. Livro de cobranas] [8: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. Livro das eleies da Ordem 3 de S. Francisco de Portalegre (1799-1843), f. 13]

Contudo, a grandeza da confraternidade e as suas caractersticas constituiam, por vezes, motivos de conflitualidade com algumas das dezenas de confrarias e irmandades da cidade, sobrepondo-se concrdia que deveria pautar as relaes entre elas.Neste contexto nasceu, por volta de 1615, o diferendo entre a Ordem Terceira e a Confraria do Santssimo Sacramento quanto s precedncias na procisso de Corpus Christi, pleito que s viria a ser sanado por deciso do juiz de fora e vereadores do senado, em 29 de junho de 1620.[endnoteRef:9] [9: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. Livro que hade servir para se asentarem todas as couzas memoraveis, e pertencentes a esta veneravel ordem, f. 3]

Em 1747, novo conflito viria a surgir, desta vez com a Misericrdia de Portalegre que pretendia impedir os terceiros de possuirem esquife prprio para os enterros. Apelou a ordem para o poder rgio que viria a deferir a sua pretenso por proviso de 10 de outubro daquele ano.Extintas as ordens religiosas, os Terceiros alcanaram, da Perfeitura da Provncia do Alentejo uma portaria, com data de 9 de Outubro de 1834, que lhes permitiu ficar na posse til da igreja daquele convento com licena de utilizao da sua sacristia, coro, rgo e sinos comprometendo-se a comunidade, em contrapartida, a manter o templo nas condies em que lhe fora entregue:[endnoteRef:10] [10: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. Livro que hade servir para se asentarem todas as couzas memoraveis, e pertencentes a esta veneravel ordem, f.55 v.]

[] O senhor Sub-Perfeito servindo de Perfeito interino da Provincia tomando na devida considerao a representao que lhe dirigiro o Ministro, Vice-Ministro, e mais Membro da meza da Veneravel Ordem 3. da Penitencia da cidade de Portalegre em que se expoem a muita conveniencia que resulta para a Religio e para o Estado de continuar a ser consagrado o templo do extinto Convento de S. Francisco da mesma cidade aos exerccios de Piedade e praticas do culto alli celebradas desde tempo imemorial pelos Irmos daquella Ordem; e porquanto a Proteco do culto Religioso he ha de suas mais importantes, e gratas attribuies manda declarar quelles Irmos da mencionada Ordem Terceira que o Templo do extincto Convento de S. Francisco fica a disposio da mesma Ordem para nelle celebrar seus exerccios de Religio, e Piedade ficando aquella Ordem authorizada para se servir da sachristia, coro, orgo e sinos ao mesmo Convento e Igreja pertencentes devendo porem conservar o referido templo no estado em que ora se encontra [].Esta clusula viria a revelar-se desproporcionadamente onerosa para a Ordem Terceira dado que, por volta de 1850, os soldados aquarteladas no corpo do antigo convento, produziram grandes estragos na cobertura da igreja, do que se queixava amargamente o sndico da confraria:[endnoteRef:11] [] Depois elles mesmos trazio madeira do tellhado para queimarem; depois sabendo disto alguns Alvaneos e talvez vizinhos do mesmo sitio io as attenas dos soldados roubar telha, e muita aos telhados, e mesmo muita madeira, chegando outra vez (que esta era a 4. vez) a ficar nuas as abobadas , de que rezultava outra vez a chover muito em toda a Igreja, e nas mais couzas do edificio. [11: Os textos transcritos na ntegra so apresentados sem tabulaes, justificados em ambas as margens; as transcries parciais de textos originais so dadas em itlico]

Tornava se por tanto muito precizo fazer-se hum grande concerto; e por isso se comprou outra vez muita telha, e muita madeira e se conduzio para a sachristia dos Frades, com tudo o mais que era precizo, e se concertaro ento com mais fortaleza as 2 portas da dita Sacristia principalmente aquella que diz para a Escada que subia, digo, que sobe presentemente para o varando e casares.J estava tudo prompto quando dahi a muito poucos dias arrombaro de noite (no se sabe por ora quem no obstante as muitas e grandes diligencias) a dita porta que esta junta a escada , escavacaro na de todo, e entrando na sacristia levaro por varias vezes segundo dissero os moradores do Outeiro humas vezes de dia outras vezes de noite, humas vezes soldados outras vezes paisanos [] digo, levaro e roubaro toda a madeira nova, e velha que alli estava, e toda a telha que tudo se tinha acabado de comprar [].[endnoteRef:12] [12: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. Livro da Receita e Despesa (1829-1861), f. 63 v.]

O esforo financeiro dispendido na sua reconstruo viria a revelar-se um dos factores de maior peso no processo de decadncia da ordem cujos rendimentos provinham na sua quase totalidade de peditrios, de profisses e quotizaoes de irmos, do acompanhamento de funerais e, na segunda metade do Sc. XIX, do produto da venda de estampas religiosas.O sculo de oitocentos viria testemunhar, depois de um breve perodo de sensvel recuperao nos seus anos iniciais, caracterizado pela entrada de grande nmero de irmos, no s da cidade mas tambm de localidades circunvizinhas, a desagregao irreversvel da confraria.Contudo, a sade financeira da Ordem Terceira nos primeiros anos daquela centria acabou por se revelar fruto de tentao, para os mesrios em funes no ano de 1809 que, movidos por razes bastante distantes das crists virtudes, se locupletaram com avultadas somas, atitude que o escandalizado secretrio da ordem no deixou de invectivar em notas margem da viciada conta de despesa desse ano: Peta, mentira, e roubo porque j acima fallou em suffragios 33.200 rs. irra, fora para acrescentar, linhas mais adiante: No quizero assinar porque tudo era huma refinada mentira, trapassa, pouca vergonha, desaforo, atrevimento, falta de Religio, grande ladroeira, furto execrando, e grande sacrilegio.[endnoteRef:13] [13: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. Livro da Receita e Despesa (1746-1828), ff. 149 ]

s circunstncias apontadas acresce ainda, na segunda metade de oitocentos, a dificuldade de constituir mesa, bem manifesta na reduo do nmero dos seus elementos que de dezanove (18 leigos e 1 clrigo), em 1829, passam a sete (todos eles clrigos), em 1860, e nos repetidos actos de no eleio, por falta de qurum, sinal evidente de desmotivao generalizada entre os irmos seculares. Apesar da sua decadncia, o ltimo registo dos irmos, efectuado em 1907 - cinco anos antes da extio da Ordem Terceira da Penitncia de Portalegre - comprova ainda a existncia de 136 membros, 48 homens e 88 mulheres, nmeros bem reveladores da elevada participao feminina, trao caracterstico destas solidariedades,[endnoteRef:14] Em 14 de Maro de 1909 teve lugar a ltima admisso de um irmo o qual, porm, no chegaria a professar.[endnoteRef:15] [14: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. Livro para assento dos nomes e apellidos e moradas dos irmos da Veneravel Ordem Terceira de S. Francisco(1907)] [15: ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. 1. livro de Matrcula de Irmos]

Do esplio documental da confraria chegado at ns releva, no mbito do presente trabalho, um livro com termo de abertura lavrado em 23 de Julho de 1743 por Fr. Manuel de S. Diogo, Comissrio Visitador da Ordem Terceira da Penitncia no Convento de S. Francisco de Portalegre, livro que haveria de servir para se assentarem todas as coisas memorveis pertencentes quela confraria.Nesse volume com 73 folhas, miscelnea de documentos impressos e manuscritos, viria a ser integrado, juntamente com os breves e bulas pontifcios probatrios dos privilgios concedidos Ordem Terceira,[endnoteRef:16] um pormenorizado relato de duas procisses e de diversas outras manifestaes de f que tiveram lugar em Portalegre nos anos de 1833 e 1834, relato classificado, em nota marginal ao prprio texto, como couza muito notavel, da autoria da um dos irmos da confraria, Francisco Jos dos Santos da Conceio Bragana, a quem as perturbaes da sua poca no embotaram a pena memorialista nem, afortunadamente, a sensibilidade para a importncia futura dos acontecimentos por si testemunhados, e reduzidos a escrito entre 18 de Agosto de 1833 e o derradeiro dia de 1834. [16: O volume inclui, alm de bulas impressas de Paulo V (1609), Benedito XIII (1725), e de treslados de bulas de Sisto IV (1473) e Clemente VII (1526), uma proviso de D. Joo V, de 26 de setembro de 1747, autorizando a confraria a ter esquife prprio. Contm mais o treslado de uma escritura de doao de uma relquia do Santo Lenho, ofertada Ordem Terceira por D. Vicncia Luiza Paes Castello Branco ]

Efectivamente, a descrio em causa constitui, a vrios ttulos, um documento excepcional. Antes de mais, pelo seu carcter ad futuram rei memoriam, algo de bastante atpico no mbito da produo documental das instituies, independentemente dos seus fins e funes.Em segundo lugar pela riqueza do detalhe, pela mincia da observao susceptvel de fornecer objectos de interesse a diversas reas de estudo exteriores historia local ou religiosa e, finalmente, pelo seu estilo de, como hoje diramos, reportagem, repleta de elementos visuais e auditivos, marcada por um constante apelo aos sentidos do leitor, num texto ritmado pela alternncia entre a fixidez do sagrado e o movimento dos homens e dos seus sentimentos num mundo particularmente marcado pelos prenncios de um caos que, para os contemporneos, era j perceptvel nas perturbaes que ameaavam a ordem das coisas humanas e da prpria Natureza. Com efeito, nesse lapso de tempo, a cidade de Portalegre seria manchada pelo sangue dos liberais fuzilados, assombrada pelo assdio da clera asitica, assitiria extino das ordens religiosas e sentiria a derrocada do antigo regime. Nenhum perodo da nossa histria ter, certamente, assistido a tantas, to rpidas e to radicais mudanas como o compreendido entre as datas extremas da srie de acontecimentos registados pelo zeloso secretrio da Ordem Terceira da Penitncia de Portalegre.

2. Portalegre nos princpios de Sc. XIX: um esboo

No existe, para o perodo que medeia entre a ecloso e o desfecho da guerra civil, nenhuma descrio de Portalegre que nos permita reconstruir, com exactido, a moldura fsica e social da cidade.Quanto a esta ltima, por simples e legtima extrapolao do que sucedia em todo o reino, adivinha-se uma populao dividida entre fidelidades mais ou menos confessadas a qualquer uma das duas faces irreconciliveis cuja confrontao veio provocar uma ciso transversal a todos os corpos sociais, revestida por vezes de aspectos de violncia extrema, para culminar no colapso definitivo do regime de onde ambas derivavam a sua legitimidade.J no que cidade respeita enquanto aglomerado urbano, socorrer-nos-emos da excelente descrio de Portalegre e do seu termo registada, em 1804, nas Memrias Descriptivas e Militares do Terreno de huma parte da Fronteira da Provncia do Alemtejo, da autoria de Jos Maria das Neves Costa,[endnoteRef:17] Capito de Infantaria, empregado da 1. Diviso do Estado-Maior da Inspeco de Fronteiras, descrio que, em termos cronolgicos, a que mais se avizinha do perodo em que tiveram lugar as cerimnias que constituem a matria do presente trabalho. [17: COSTA, Jos Maria das Neves Memrias Descriptivas e Militares do Terreno de huma parte da Fronteira do Alemtejo. In VICENTE, Antnio Pedro Manuscritos do Arquivo Histrico de Vincennes referentes a Portugal : 1803-1806. Paris : Fundao Calouste Gulbenkian [etc.], 1972. (Memrias e Documentos para a Histria Luso-Francesa ; 14) pp. 78-81. Outra descrio da cidade, datada de 1801, da autoria de D. Jos Andreas Cornide y Saavedra, produzida na fase preparatria da Guerra das Laranjas pode ser consultada em: VENTURA, Antnio - Alguns documentos do Servio Histrico Militar de Madrid referentes Comarca de Portalegre. A Cidade : revista cultural de Portalegre. Lisboa : Edies Colibri. ISSN 0801-1097, Nova Srie, 8 (1993), 257-285]

Havia em Portalegre, naquela data acima, cerca de 1763 fogos habitados por 6536 almas, sendo ainda bem visvel a descontinuidade urbanstica do aglomerado: cidade velha, amuralhada, opunha-se do lado Norte, em terrenos mais baixos, a cidade nova com duas grandes praas o Rossio de Dentro e o Rossio de Fora - em contraponto com as duas praas da cidade intramuros: a Praa da S e a do Corro ou Mercado.No exterior da cerca amuralhada, pelas partes do Sul e do Noroeste, dois fortins de alvenaria coroavam os outeiros de Sta. Ana e S. Pedro. Pelo Norte e Noroeste o pano de muralhas confundia-se j com as habitaes da cidade nova que lhe andavam muito prximas ou adossadas, habitaes, no geral, de boa construo sendo mesmo notrios alguns exemplares de muito boa qualidade, contrariamente ao que sucedia com as ruas maioritariamente ngremes e estreitas.ngremes e estreitas seriam forosamente as ruas da cidade velha, de traados condicionados pela topografia, pela cerca amuralhada e pela presso demogrfica. Ao contrrio, a disponibilidade de terrenos vagos na rea da chamada cidade nova veio permitir traados de arruamentos onde so j perceptveis preocupaes de ordenamento urbanstico como se constata pelas condies, infelizmente incompletas, impostas pelo municpio aos lotes a serem construdos, por ocasio da abertura de uma nova rua, em 1700: [] lanada ao comprido da Rua de Santo Andr e cincoenta palmos no outro comprimento lanado atrs pera a parte de Recio, e declararo que a primeira caza se fundaria trinta e sinco palmos desviada da parede da Igreja, ficando os dittos trinta e sinco palmos de largo livres para Adro da porta pequena da ditta Igreja, e todas as cazas que de novo se fizessem se poriam por linha direita que fiquem fazendo rua com o direito do maynel, ou balio que est defronte da porta grande da ditta Igreja de Santo Andr, ficando a rua dereita, e com a mesma largura que vem de sima, e com todas estas declaraes ouvero por demarcado para fazer cazas, os primeiros quarenta palmos de fasse ao comprido da Rua, e sincoenta atras a parte do Recio, a Joo Martins Serrano, e os outros quarenta palmos logo seguintes a fasse do comprimento da Rua, e cincoenta para a parte do Recio na mesma forma para fazer cazas a Pedro Rodrigues Picano, e logo seguindo se na mesma forma, e conformidade outros tantos palmos quarenta pela fasse da Rua, e cincoenta atrs para a parte do Reciose demarcaro, e asignaro tambm para fazer cazas a Francisco Gonalves Cordeiro [].[endnoteRef:18] [18: ADP. Cmara Municipal de Portalegre. Livro de Actas das Vereaes (1700), f. 15 ]

Para a cidade confluam diversas estradas e caminhos. De todas estas vias de comunicao s a que corria entre a Serra de S. Tom e o Cabeo do Mouro por entre vinhas, soutos e olivais, permitia trnsito fcil s carretas provenientes de Alpalho, Nisa, Castelo de Vide e Pvoa. Todos os restantes acessos reflectiam na dificuldade dos seus percursos o acidentado da topografia: o carril que vindo de Marvo subia aos altos de S. Mamede para descer para a cidade pelo Cabeo de Santo Antnio; a calada que descia pelo Atalaio e S.Cristvo, apenas funcional para o trnsito de bestas e de gente de p; a estrada de Alegrete, demasiado estreita para o movimento de carros, desembocando junto a S. Francisco; o caminho de bestas que, mais a Nascente, chegava do Reguengo e dos altos da Sra. de Belm; a Estrada Real que da Boavista subia pela Calada de Sta. Ana dando entrada s carretas provenientes de Arronches, Elvas, Assumar, Monforte, Estremoz, Cabeo de Vide e Alter do Cho e, ainda, a estrada de carretas que, vinda do Crato, Fortios, Gfete e Abrantes penetrava na cidade pela Calada de S. Bartolomeu.Do ponto de vista assistencial, a cidade era servida pelo Hospital da Misericrdia, com bons cmodos para os doentes, recorrendo a populao, cumulativamente, aos prstimos de dois mdicos, quatro cirurgies e seis boticrios.De acordo com uma tradio veiculada pela Comisso Administrativa da Santa Casa de Portalegre, em meados do Sc. XIX,[endnoteRef:19] o hospital teria tido a sua origem numa Mordomia fundada pelos primognitos das principais famlias de Portalegre, sob a invocao de Nossa Senhora do Castelo. Na mesma ocasio se instituiu uma albergaria dotada de fundos graas aos quais se viria a criar uma casa de beneficncia para abrigo e tratamento de peregrinos. Extinta a Mordomia, continuaram activas aquelas duas instituies at criao da Misericrdia que ter incorporado o respectivo patrimnio. Data desta poca o primitivo hospital da Santa Casa de Portalegre, erigido no stio da actual Rua da Figueira.[endnoteRef:20] [19: ADP. Governo Civil de Portalegre. Copiador da correspondncia expedida para o Ministrio do Reino pela 1. Repartio (1845-1855), Ofcio n. 39 de 7 de Maio de 1850, ff. 123] [20: Sobre a histria do Hospital da Misericrdia de Portalegre v. PESTANA, Manuel Incio A Santa Casa da Misericrdia de Portalegre : subsdios para a sua histria. A Cidade : revista cultural de Portalegre. Lisboa : Edies Colibri. ISSN 0801-1097, Nova Srie, 12 (1998), 71-102 ]

O hospital transferiu-se, posteriormente para a sua actual localizao, no ento Rossio do Esprito Santo, ocupando instalaes pertencentes irmandade da mesma invocao. No Sc. XIX, governando a Diocese o Bispo D. Jos Valrio da Cruz (1799-1826), este fez sua custa obras de vulto no imvel dotando-o com uma enfermaria, com capacidade para 28 doentes do sexo masculino e outra, para mulheres, com capacidade para 23 pacientes.Relativamente ao abastecimento de gua, objecto de constantes preocupaes dos poderes municipais, este era assegurado por duas fontes, uma cisterna e cerca de trinta poos particulares.[endnoteRef:21] [21: A questo do abastecimento de gua a Portalegre foi j abordada, de distintos ngulos, por vrios investigadores. Veja-se, a propsito: BUCHO, Domingos de Almeida. Portalegre e as suas fontes. Portalegre : [Ed. do Autor], 1996; CUSTDIO, Jorge A Real Fbrica de Lanifcios de Portalegre : Algumas achegas iconogrficas e documentais. A Cidade : revista cultural de Portalegre. Lisboa : Edies Colibri. ISSN 0801-1097, Nova Srie, 7 (1992), 283-328]

Caber aqui referir que a primeira meno conhecida relativa s guas e condutas para abastecimento da cidade, ou melhor, de parte dela, surge num documento de 1266 em que Joo Loureno, clrigo, doa aos frades de S. Francisco fontem qui est in hereditate mea de Serra et concedo ipsis fratribus ut libere possint ducere aquam supradicti fontis vel super terram vel sub terra.[endnoteRef:22] Mais tarde, na impossibilidade de prover conservao dos canos, os religiosos fizeram doao do caudal ao minicpio, reservando para si um anel do precioso lquido que abastecia a Fonte da Cidade. A gua vinda da serra era canalizada para uma arca, situada junto parede da cerca do convento, a So Cristvo, de onde derivavam dois ramais um para abastecimento da cidade e outro para fornecimento dos frades. Com o passar do tempo, outros ramais foram sendo construidos para abastecimento pblico e de particulares. [22: ADP. Convento de S. Francisco de Portalegre. Tombo das capelas do Convento de S. Francisco de Portalegre (1721), f. 5]

Em 1773, de modo a assegurar o funcinamento da fbrica dos panos, a quase totalidade da gua daquela arca foi desviada para o antigo colgio de S. Sebastio. Os nascentes da serra continuavam ainda, ao tempo das Memrias Descritivas, tal como continuariam durante muitos anos depois, a constituir a principal fonte de abastecimento da cidade debitando considerveis volumes que ficavam, ainda assim, muito aqum dos produzidos pelas nascentes da Mata, sitas entre as ribeiras de Nisa e de Vale do Serro, a zona de maior abundncia de guas do termo de Portalegre.Quanto s ocupaes profissionais da populao activa, as Memrias registaram apenas as de maior relevncia na perspectiva castrense que presidiu sua elaborao pelo que so apenas mencionados os sete ferreiros, seis ferradores, trinta e cinco carpinteiros e quarenta pedreiros ento existentes.O abastecimento de po, elemento fundamental do regime diettico, encontrava-se assegurado por vinte fornos, diariamente abastecidos com quatrocentos e cinquenta alqueires de cereal, farinado em cerca de trinta azenhas. Recorde-se que, poca, quer moleiros quer padeiras eram obrigados a prestar fiana cmara municipal para poder exercer os respectivos ofcios sob, compromisso de acatarem as disposies do senado. Em nmero bem menos expressivo, os dois aougues existentes abasteciam diariamente a populao de carne de chibo e carneiro, estando a venda de carne de vaca restrita a um regime semanal. O abastecimento de carne aos aougues pblicos era objecto de licitao por parte dos fornecedores interessados que se obrigavam, no acto da adjudicao do contrato, a praticar, ao longo de todo o ano, os preos ento fixados.[endnoteRef:23] [23: ADP. Cmara Municipal de Portalegre. Livro de Actas das Vereaes (1702-1703), f. 3 v.]

Com todas as suas limitaes, considerava o autor das Memrias ser esta cidade a mais agradavel e commoda de todas as desta parte da Provncia do Alemtejo.

3. A epidemia de Cholera Morbus de 1833

Apesar da melhoria das condies sanitrias, o Sc. XIX continuou a ser palco de manifestaes epidmicas cclicas provocadas, quer pela degradao das condies de vida da populao, fenmeno estreitamente relacionado com as crises de produo agrcolas, quer pelo surgimento de factores de contgio provenientes de alm-fronteiras.[endnoteRef:24] [24: BARBOSA, Matia Hermnia Vieira ; GODINHO, Anabela de Deus - Crises de mortalidade em Portugal desde meados do Sc. XVI at ao incio do Sc. XX. Guimares : NEPS, D.L. 2001 (Monografias; 10) ISBN 972-95433-1-3 [em linha] [consultado Ago. 2006]. Disponvel em https://repositorium/1822/782/1/cadernos01.pdf]

De entre as epidemias e focos epidmicos registados em Portugal na centria de oitocentos contaram-se a febre amarela em 1851, 1856 e 1857; a peste bubnica, em 1899 e a clera que grassou em 1833, 1853, 1855, 1865 e 1894.[endnoteRef:25] [25: MARQUES, A. H. de Oliveira - Histria de Portugal Contemporneo : economia e sociedade. Lisboa : Universidade Aberta, 1993 (Textos de Base ; 56) ISBN 972-674-108-4, p. 19 ]

O primeiro dos surtos desta ltima srie - episdio menor da epidemia que flagelou a Europa a partir dos finais da secunda dcada de 1800, provocando mais de um milho de vtimas - declarou-se no Porto, no dia 1 de Janeiro daquele ano, importado por via martima com a chegada do vapor London Merchant, trazendo como passageiro o General Solignac, o seu Estado-Maior e cerca de 200 soldados Belgas, destinados a engrossar as fileiras do exrcito liberal.[endnoteRef:26] [26: VIEGAS, Valentino ; FRADA, Joo ; MIGUEL, Jos Pereira - A Direco-Geral de Sade : notas histricas. Lisboa : DGS, 2006. [em linha]. [consultado Set. 2006], p. 8. Disponvel em http://www.dgsaude.pt/upload/membro.id/ficheiros/i007477.pdf]

Ter-se-ia, ento, declarado a epidemia que se estendeu progressivamente para Sul, atingindo Aveiro e Lisboa, onde a clera se manifestou no princpio de Abril, vindo a declarar-se em Portalegre aos 27 de Agosto, data em que se registou, na Freguesia da S, a primeira vtima mortal. A epidemia prolongou-se at 10 de Outubro, dia em que foi registado, na Freguesia de So Loureno, o ltimo bito atribudo doena.Nesse perodo de ms e meio faleceram na cidade, de acordo com os dados registados pelos procos das cinco freguesias urbanas, 107 indivduos, assim distribudos: 63 na S, 8 em S. Martinho, 9 em S.Tiago, 2 na Madalena e 25 em S. Loureno.[endnoteRef:27] [27: ADP. Parquia da S [Portalegre]. Livro de Registo de bitos (1802-1840), ff. 162 e ss. ; Parquia de S. Loureno [Portalegre]. Livro de registo de bitos (1797-1853), f. 67 v.]

Porm, as notcias da epidemia tinham chegado muito antes a Portalegre, instilando na populao um sentimento de pnico, exacerbado pelos boatos sobre o verdadeiro nmero de mortos na capital. Foram estes os acontecimentos que, catalizados pelo clima de insegurana que ento se vivia, tero movido a piedade e a iniciativa de uma senhora das principais famlias locais que, em colaborao com a Ordem Terceira de So Francisco, foi a grande inspiradora e patrocinadora das cerimnias religiosas que seguidamente se descrevem, as quais viriam a envolver toda uma cidade.

4. Procisso provitanda mortalitate et pestilentia de 19 de Maio de 1833

D.Maria Severianna Margarida Pereira, e Macedo[endnoteRef:28] viva de Manoel de Barros desta cidade de Portalegre de acordo com a Nossa Veneravel Ordem Terceira da Penitencia na Dominga infra octava da Ascenso do prezente ano de 1833, isto he, no dia 19 do mez de Maio deste dito anno pelas 4 horas da tarde fez huma procisso de Preces provitanda mortalitate et pestilentia, por se recear que Deus Nosso Senhor permitisse que esta cidade fosse atacada da Cholera morbus degenerada j em peste, por se dizer que a cidade de Lisboa j tinha sido grandemente atacada; pois que j ento caminhava para o numero de 17.000 pessoas[endnoteRef:29] tinho morrido, digo, pois que j ento o numero das pessoas mortas na dita cidade de Lisboa caminhava para 17.000 e para isto tudo se fez em primeiro lugar um Requerimento em nome da dita D. Maria e da Nossa Ordem ao Excelentssimo Bispo D. Jose Francisco da Soledade Branco a fim de conceder as licenas necessrias; as quaes na verdade muito promptamente concedeo, declarando ao mesmo tempo no Despacho, que louvava muito o zelo, e religio da suplicante e juntamente da mesma Ordem. [28: D. Maria Severiana Margarida Pereira de Macedo, filha do Dr. Manuel Caetano de Carvalho e Macedo e de D. Ana Vicncia Jacinta Pereira da Silva, natural de Campo Maior, recebeu-se com Manuel de Barros CastelBranco, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, natural de Castelo de Vide, na ermida de N. Sr. da Alegria, filial da Igreja de S.Joo Baptista da mesma vila, no dia 8 de Maro de 1809, tendo recebido as bnos nupciais naquela paroquial, em 30 de Abril do mesmo ano.Faleceu em Portalegre, sem testamento, no dia 15 de Outubro de 1835, sendo sepultada no cemitrio do Hospital desta cidade.De D. Maria Severiana chegou at ns o retrato que dela nos deixou Manuel de Barros no seu testamento, documento onde o afecto e admirao pela esposa, motivo de perceptvel orgulho, caminham a par e passo com os cuidados de um pai preocupado com o futuro dos filhos, inclusivamente o dos bastardos legitimados, omissos em posteriores genealogias: [] Deixo por minha testamenteira a minha querida e amada mulher [] e na falta de minha mulher deixo por meu testamenteiro a meu filho Joaquim Maria de Barros que se axa perfilhado por Proviso de Sua Magestade [] Declaro que minha mulher e testamenteira D. Maria Severiana Margarida Pereira de Macedo he em tudo a mais completa como he notrio e se fao as declaracoes asima he pelo dano que se pode seguir aos meus filhos passando a segundas nusias e estou bem serto o no far mas como he bastante rica hade ser pertemdida na minha falta asim como o foi em solteira e Donzella que teve trinta e sete cazamentos sendo muitos milhores do que eu.] [29: O nmero oficial de mortos na capital foi de 3409. v. MARQUES, A. H. de Oliveira, op. cit. p. 20]

Descripo da ditta Procisso

No sobredito Domingo 19 de Maio de 1833 pelas 4 horas da tarde se deo principio a Procisso pelo modo, forma, e maneira seguinte

Sahio em 1. lugar o Irmo Andador da Ordem vestido com o seu competente habito, e junto as grades do Adro da igreja de S. Francisco (que he donde a Procisso sahio) principiou a ajuntar todos os Rapazes, que por alli aparecio, e obrigando-os a por em ordem, e em duas fileiras os obrigou a irem muito srios, e com muito respeito a hum to santo habito, digo, Acto, cantando com muita ternura, e lamentao as Jaculatrias ou supplicas seguintes = Pai do Ceo tende compaixo de nos = Pai do Ceo tende Misericrdia de nos = e isto alternativamente e de maneira que fazio compungir, e chorar muitas e muitas pessoas.Seguia se depois a Confraria de Nossa Senhora da Conceio da Paroquial de So Martinho indo todos os confrades com os braos encruzados, e cabeas descubertas, e olhos baixos, e somente o Prezidente, Escrivo, e Thezoureiro levavo os seus competentes cargos, isto he o Thezoureiro a Cruz, e o Prezidente e Escrivo as suas competentes Varas; e assim hio todas as mais confrarias, que se seguio, porque no levavo tochas, nem Guies.

Principiou se logo a ver as mulheres muito recolhidas, e as janellas fechadas, e hum profundo silencio em todos; e todos com muito boa ordem.

Depois da Confraria de Nossa Senhora da Conceio, se seguia a de Nossa Senhora da Alegria collocada na Igreja do Esprito Santo.Depois desta se seguia a Confraria do Santissimo Sacramento da Parochia de Santa Maria Magdalena.Depois se seguia a do Santissimo da Parochial de So Loureno, digo, de So Tiago.Depois desta se seguia a grande, e notvel Confraria do Santissimo da Parochial de So Loureno.Depois devia se seguir a do Santssimo da Igreja Cathedral; mas no se seguia por ento porque estava na Cathedral esperando pela Procisso visto que esta tinha que entrar na dita Cathedral para ento alli se encorporar no s a dita confraria, mas tambm a Confraria das Chagas de Jesus Christo com a sua grande, rica, respeitvel Imagem do Senhor dos Passos, Imagem de muita devoo.Depois seguia a Confraria das Chagas de Jesus Christo da Parochial de So Loureno.Depois desta Confraria se seguia a Veneravel Ordem Terceira da Penitencia, em que se encorporaro o Collegio do Seminario Ecclesistico de So Pedro, e quasi todos os Clerigos da cidade e todos, somente vestidos com as suas Batinas, e os que ero Irmos Terceiros, levavo hbitos e os seus cordes; advirtindo que em toda esta Procisso nenhum Ecclesistico levava sobrepelliz ou Roquette; de maneira que as duas grandes alas de Clerigos somente com as suas Batinas fazio hum grande respeito, commovio, e movio a tristeza, e penitencia, principalmente, pelo srio, modstia, respeito, atteno, mortificao, devoo, gravidade, e competncia; de tal modo que movio os coraes dos Fieis a devoo, compuno, e contrio de suas culpas; por isto muitos regaro os seus rostos com muitas lgrimas: portanto, deve se dizer que foi esta huma das occazies, em que os Ecclesisticos de Portalegre grandemente edificaro os seculares; e por isso a seu exemplo, se portaro os seculares da mesma sorte, que elles como seu espelho.

Entre as duas alas da Veneravel Ordem 3. hio 4 andores cada hum com sua Imagem, e todas ellas das mais edificantes que ha nesta Cidade a saber So Sebastio de Santa Clara, So Roque da Ordem Terceira So Francisco da mesma Ordem, e Nossa Senhora dos Remedios, cololocada no Altar do Santssimo Sacramento do Convento de So Francisco, Imagem na verdade muito linda, e perfeita, que todas hio pela ordem aqui nomeadas, e conduzidas pelos Irmos Terceiros, a excepo da Imagem de So Francisco, que era conduzida por 4 Religiosos, e Sacerdotes, 2 de So Francisco e 2 de Santo Antnio a cada Imagem hio duas lanternas altas.Depois da Veneravel Ordem 3. se seguio as trez communidades dos Religiozos de So Francisco, Santo Antnio, e Santo Agostinho; entre as alas destas 3 communidades hio 2 Religiozos Franciscanos, Sacerdotes, Padres de muito boas vozes, digo, hio entoando com muita pauza, em voz muito devota era em huma voz quazi de reza: algum tanto alta, e humilde as Ladainhas dos Santos, para servirem de preces provitanda mortalitate, et pestilentia, s quaes todos os Fieis respondio do mesmo modo, isto he, no mesmo tom.No fim das 3 communidades hio 2 Religiozos cada hum com sua tocha acesa, e no meio delles hio 2 Clerigos, hum levava hum thuribulo, e o outro huma naveta tudo a fim de se incensar a via da Procisso, por onde passava, alem das ditas 4 Imagens, demais a mais a grande, notavel, milagrosa e muito venerada Reliquia do Santo Lenho que costuma estar sempre guardada em hum grande cofre com duas grandes Piramides triangulares cheias de Reliquias de varios Santos, metido este dito cofre em hum grande Sacrario no Altar de Santa Helena do dito Convento de So Francisco (para se saber os grandes Milagres que Deus Nosso Senhor fez a muitos Fieis, deve se ler a este respeito o livro do tombo da Communidade de So Francisco em que se vera tambem as graas, e dons que Deus Nosso Senhor fez aos Portalegrenses, por meio desta Sagrada Imagem. O Capitulo do dito livro do tombo em que se trata desta dita Relquia he muito interessante, e muito digno de se ler.Depois disto seguia se o grande Pallio da dita Ordem 3. rico, de bom uso, e de cor rosa com 8 varas de po preto, que foro levadas por 8 pessoas das mais principais de Portalegre. Debaixo do dito Pallio hio o Reverendo Padre Guardio do dito convento de So Francisco e mais dous Religiosos todos 3 vestidos com alvas mui ricas, e paramentados com humas vestes de veludo roxo com galo de fio de ouro fino, que ero as mais ricas, que tinha Portalegre, relativamente a cor roxa e ero da Igreja de So Bernardo, cada hum dos 3 Padres Paramentados levava nas mos hum veo roxo muito rico, com particularidade o do Reverendo Padre Guardio, os quaes veos levavo para pegar nas Reliquias, que vinho a ser a Reliquia do Sagrado Santo Lenho levada pelo dito Reverendo Padre Guardio, e as Piramides pelos dous ditos Religiosos, como Diacono, e como sub-diacono. O Sagrado Santo Lenho est entre 4 vidros por cima do pe de huma cruz de prata perfumada de ouro, de feitio mui antigo a dita cruz tem uma Imagem do Senhor crucificado, cuja cruz ter de Altura talvez quazi dous palmos: as Piramides so tambm da mesma altura, e muito bem feitas.(Todas estas Reliquias, torno a dizer, costumo estar fechadas no sobredito cofre, e Sacrario, com outras mais Reliquias, e debaixo de cinco chaves, duas pertencem aos Padres Guardiaens de So Francisco e trez pertencem ao Senado, ou Cmara, de sorte que se no abre o Sacrario e Cofre, sem o Guardio que ento for e o Senado estar prezente, e somente duas vezes no anno se costuma abrir, e vem a ser a 3 de Maio, e a 14 de Setembro que em cada hum dos ditos dias costuma se fazer huma festa ao Sagrado Santo Lenho, de Missa cantada de 3 Padres e Sermo, que os paga o Senado, e elle mesmo costuma assistir por obrigao, segundo huns Alvars Regios; accresce demais que no dia 3 de Maio costuma ir o Cabido, e todos os mais Padres da Cidade assistir a huma Procisso que se faz somente pelo sitio do Corro com a dita Sagrada Reliquia; e a esta Procisso tambem assiste o Senado e antes da Procisso beijam e adoram todos a Sagrada Reliquia; nos ditos dias costuma muita gente levar quartas cheias de agoa para o lado do Altar de Santa Helena aonde est a Sagrada reliquia, digo, afim , de no fim da Missa cantada metter hum Sacerdote o brao, digo, hum dos braos da Cruz do dito Sagrado Santo Lenho, dentro de cada huma das quartas de sorte, que toque na agoa; e esta ento lhe serve para afugentar os Demonios, matar a gafanhota, e pulgo pelas vinhas.)

Continua se a descripo da Procisso

Acompanhavo o Pallio 4 lanternas.De traz do Pallio hia o Senado ricamente vestidoDepois seguia se immenso, e innumeravel povo.Por esta ordem caminhou a Procisso, e muito devagar athe a Cathedral por via recta, isto he, pelo Corro, Porta de Alegrete, Rua da Carreira, e Praa; e chegando ao Adro da S entrou pela Porta de So Pedro, e procedendo pela Nave do dito Santo athe o seu Altar, atravessou depois disso para a mo direita pela Nave do Santissimo abaixo por cauza de passarem pelo Altar das Chagas de Christo, digo, pela Capela das Chagas de Christo, aonde estava, a Devota Imagem do Senhor dos Passos, (acompanhando a esta mesma Imagem estavo as duas Confrarias, de que j acima fallei, isto he, a do Santissimo Sacramento da Cathedral, e a do Senhor Jesus dos Passos, nome que em outro tempo tinha, mas agora s simplesmente tem o nome de Confraria das Chagas) e logo que passou a Confraria do Santissimo Sacramento da Parochial de So Loureno, se unio, e encorporou a Confraria do Santissimo da Cathedral; e logo que passou a Confraria das Chagas de Christo da Parochial de So Loureno, se encorporou tambem a das Chagas de Christo da Cathedral, e logo que passaro as 4 Imagens, que hio na Procisso, fez uma Estao a Procisso e na frente da Imagem do Senhor Jezus dos Passos e se rezou a Antiphona Christus factus est pro nobis obediens , verso e orao competente, e depois se levantou o Andor aonde estava a dita Imagem do Senhor dos Passos e se encorporou com as 4 Imagens, seguindo se a esta a Imagem da Senhora dos Remdios, acompanhando a dita Imagem do Senhor dos Passos 4 lanternas mui ricas: mas o que aconteceria ento?? com hum tal encontro de todos os Portalegrenses, com o dito Senhor Jezus dos Passos?? da Virgem Santissima Nossa Senhora dos Remedios com o Seu Benditissimo Filho, opprimido com o grande Lenho aos seus sagrados hombros??? Direi: foro immensas as lagrimas, os choros, gemidos, lamentaes e supplicas principalmente quando, ou logo que se principiou a levantar o dito Andor do Senhor dos Passos, e depois se encorporou aos mais seguindo se logo o Senhor Jezus, a Sua santissima Mai, que foi ento em esta occazio, que houve muitos choros, e Lagrimas principalmente nas Mulheres, que ento estavo alli esperando a Procisso: foi um Acto na verdade muito edificante, e que muito e muito compungio.

Depois disto tudo continuou a caminhar a Procisso pela Nave do Santissimo Sacramento abaixo e sahindo pela Porta do mesmo Santissimo caminhou a esquerda pela Rua da S abaixo, e logo que sahio o Pallio, a acompanharo tambem detraz do Senado todos os Reverendos Conegos com as suas Batinas, a excepo do Reverendo Deo, o Senhor Arcediago, Provisor, e Vigrio Geral, que ento era, o Reverendo Cnego Aguiar, porque hio servindo de Reytores na Confraria do Santissimo Sacramento. [linhas riscadas] portanto deve se dizer, que somente no foram a esta Procisso os Ecclesiasticos, e Seculares, que se achavo impossibitados [sic] e athe as mesmas mulheres quazi todas deixaro as suas cazas para irem as Igrejas de So Francisco, da Cathedral, e de So Bernardo, aonde a Procisso se havia de recolher.

Depois da Procisso caminhar pela rua da Se, passou Rua da Porta da Deveza, depois disto passou a Rua Direita, Pracinha, Rocio do Esprito Santo, Rua dos Silveiros, Fonte do Cano, athe o meio da Corredoura, depois disto, tomou a esquerda obliquamente, direito a Cruz que esta fora do Pateo do Real Mosteiro de So Bernardo, junto quazi a parede da Horta do mesmo Mosteiro, e logo que aqui chegou principiou a caminhar direita a Porta do dito Pateo; e foi nesta occazio ento, que toda a Procisso fazia huma vista linda.

Logo que a Procisso chegou a Porta da Igreja de So Bernardo parou toda, tanto dentro do Pateo, como fora, alargando se muito as duas alas, e virando se huma para a outra, e todos com muito boa ordem, e somente pararo a Ordem e as 3 comunidades de Religiozos, Pallio & porque estas com as Sagradas Imagens, Pallio & passaro por entre as duas alas athe entrar na Igreja; e quando a Procisso assim se deixava ver dentro do grande Pateo de So Bernardo, era ento justamente que ella fazia huma grande, respeitvel, devota, brilhante, e muito linda vista; de maneira que as Religiosas do dito Mosteiro, Criadas, & se derramaro em Lagrimas, e muito se compungiro: depois de terem passado a Ordem 3. com as ditas Imagens, as 3 Comunidades o Sagrado Santo Lenho debaixo do Pallio, e o respeitvel Senado, digo, depois de ter passado tudo isto por dentro das duas alas das Confrarias, e terem entrado na Igreja por esta maneira, ficaro as Confrarias em duas alas, como estavo, estendidas pelo Pateo fora, com a maior parte dos Fieis, que acompanharo a Procisso; porque no cabio na Igreja nem os que acompanhavo a Procisso, e nem as mesmas Confrarias; por estar ento ja cheia de muita gente a dita Igreja, principalmente mulheres e por isso as Confrarias ficaro fora esperando com o acompanhamento dos mais Fieis, athe que se concluissem as Preces dentro da Igreja.

Logo que as Imagens entraro na Igreja, se levaro para o lado do Evangelho do Altar Mor para baixo do degro da Capella Mor, e virando se todas as 5 Imagens linha recta para o lado da Epistola, se collocaro com os mesmos Andores, onde vinho, sobre huma espcie de Altar, ou Mesa comprida, de cumprimento de 24 palmos, de largura 7 e de altura 5 cuberta de seda fina athe ao cho, tanto por cima como pelas 4 faces; tocava esta Mesa com a ponta da parede do lado do Evangelho fazendo face com a mesma parede, mas mais puxada para diante couza de 3 palmos e chegava esta Mesa quazi a parede do Altar do Sepulchro do Bispo D. Jorge de Mello, de sorte que entre a Mesa, e a parede, somente haveria huns cinco palmos de espao para se passar para a Sacristia; ainda que se podia tambm passar para a mesma Sacristia pela porta, que esta junto ao Altar Mor no mesmo lado do Evangelho, entre a dita Mesa, e o dito lado do Evangelho: as Imagens se collocaro por esta ordem em 1. lugar se collocou a Imagem do Senhor dos Passos junto a porta da parede do lado do Evangelho, depois a Imagem de Nossa Senhora dos Remedios, depois a de Nosso Seraphico Padre So Francisco, depois a de So Roque, e depois a de So Sebastio, que esta ficava quazi junto ao Jazigo do Bispo D. Jorge; ja ento alli estavo dous grandes Tocheiros, mui bem feitos, e dourados, tendo cada hum a sua tocha acesa e estavo em frente das duas pontas da dita Mesa; na frente da dita Mesa estava tambm huma grande alcatifa estendida no plano mui boa; de maneira que tudo movia a devoo pelo muito aceio, ordem, gravidade e as ditas Imagens estavo collocadas de tal maneira que logo que se entrava na Igreja se vio muito bem.

Depois de collocadas as Imagens pelo modo, e ordem acima dito, foro continuando a entrar o mais resto da Veneravel Ordem 3. e as ditas 3 communidades Sagrado Santo Lenho e Senado, dirigindo se ao Altar Mor, e chegados, que foro, os 3 Padres paramentados ao Altar Mor, collocaro sobre o mesmo o Sagrado Santo Lenho, e as Piramides das Relquias com os 3 veos roxos debaixo, ficando a Reliquia do Santo Lenho sobre a pedra de ara, e as Piramides sobre os lados do Evangelho, e Epistola.

Depois disto ajoelharo os ditos 3 Padres ficando aos seus lados os reverendos Padres Confessor, e Reytor cada hum com sua tocha aceza, que assim mesmo tinho vindo desde a Porta do Pateo aonde tinho ido esperar a Procisso (o dito Altar Mor estava cheio de immensas luzes) estando os 3 Padres ajoelhados com todos os mais Fieis se foro concluindo as Ladainhas e depois disto se concluiro as Preces com as Oraes respectivas entoadas no mesmo tom das Ladainhas pelo Reverendo Padre Guardio, que tinha acabado de levar a Sagra Reliquia.Depois disto tudo se fizero as commemoraes seguintes, = O Sacrum Convivium = verso e orao competente ao Santssimo Sacramento = Christus factus est verso e orao competente ao Senhor Jezus dos Passos = Stella Coeli, verso e orao competente a Senhora dos Remdios = O Doctor optime, verso e orao competente ao Padre So Bernardo = Salve Sancte Pater, verso e orao competente ao Nosso Seraphico Padre So Francisco = Ave Roche Sanctissime verso e orao competente a So Roque = O Beate Sebastiane verso e Orao competente a So Sebastio

Depois disto se incensou o Santo Lenho, e se benzeo o Povo com elle, e se cobrio a cruz onde o dito Santo Lenho estava, com o veo com que se lhe pegou, assim como tambm se cobriro com os seus respectivos veos as duas Piramides das Reliquias dos Santos e ficaro depois disto assim cubertas em cima do Altar, athe que os 3 Padres paramentados se fossem despir a Sacristia.

Depois disto no entanto ficaro as Reverendas Religiozas entoando em huma cantoria mui prpria de hum tal acto, o Miserere mei Deus verso e orao Respice que sumus [Domini?] e outras mais Devoes,

Despedidos, digo, despidos na Sacristia os 3 Padres paramentados, se vestiro outros 3 Padres e Religiosos, em lugar daquelles, se vestiro, digo, de sobrepellizes, e somente hum com estola roxa; depois chegando estes ao Altar Mor fazendo as devidas reverencias, pegaro nas Reliquias, isto he, o que levava a estola, pegou na do Santo Lenho, ou para melhor dizer na cruz aonde estava a sagrada Reliquia do Santo Lenho e os outros dous Padres nas Piramides das Reliquias dos Santos; e descendo do Altar Mor com ellas de rebuo, digo, muito bem cubertas com os seus veos roxos, que serviro na Procisso assim caminharo para a Igreja da So Francisco outra vez; mas por hum caminho mais breve, precedendo os somente a Communidade dos Religiozos de So Francisco e a Venervel Ordem 3. debaixo da cruz dos ditos Religiozos, indo duas lanternas aos lados dos Padres que levavo as Reliquias, indo todos rezando o Psalmo Miserere, e outros mais Psalmos

Acompanharo outra vez as Reliquias o respeitavel Senado, e muito Povo; pois que segundo certas determinaes Regias, e Senatorias tem obrigao rigoroza de assistir a desencerrar, acompanhar, e a encerrar as ditas Reliquias, o dito Senado.

Advirtindo, que para ellas sahirem nesta Procisso foi necessrio licena do reverendo padre Guardio actual, e do mesmo Senado; que foi na verdade cazo raro; porquanto no consta, que se tenho desencerrado mais que as duas vezes que j acima disse, isto he, duas vezes annualmente em 3 de Maio, e 14 de Setembro no sahindo annualmente em Procisso mais do que huma s vez, que costuma ser no dito dia 3 de Maio, e isto somente pelo sitio do Corro: e por isso a sahida das ditas Reliquias em tal occazio foi couza extraordinaria por ser a primeira vez.

Logo que as ditas Reliquias chegaro a Igreja de So Francisco se encerraro na forma do costume; e depois disso o Senado se retirou com as suas trs chaves do cofre, e Sacrrio, como acima se disse, e o Reverendo Padre Guardio com as suas duas.

Adverte-se que esta Procisso deu brado, pois no s todos os Portalegrenses, mas os 3 Magistrados da Cidade publicaro immensas vezes; que ainda no tinho visto huma Procisso to bem ordenada, e edificante, e finalmente boa em todo o sentido, como esta, que se fez em Portalegre pois athe de muitas terras se mandou perguntar como se tinha feito, porque a fama foi grande, e no consta, que outra similhante se fizesse em todo o Reyno.

A sobredita Procisso, e o mais foi tudo dirigido por hum Sacerdote ajudado por hum Irmo 3. e por 6 Confrades de varias Confrarias.E para tudo constar em todo o tempo, visto tambem ser couza muito notavel; por isso fiz a prezente declarao, lembrana e descripo, que assignei. Portalegre 28 digo 18 de Agosto de 1833.

Francisco Jos dos Santos da Conceiam BraganaSecretario

5. Procisso e cerimnias de aco de graas

As Religiosas do Real Mosteiro de So Bernardo assentaro em todos os Domingos, e Dias Santos depois das quatro horas da tarde cantarem com todas as seculares do dito Mosteiro o Tero prprio contra a Peste, e assim se tem feito athe o prezente dia, que hoje se conto 18 de Agosto de 1833 ao qual Tero costuma assistir immenso Povo, respondendo ao coro das Religiosas, e Seculares do Mosteiro.Assentaro tambm, de fazer huma festa de Senhor exposto e sermo em aco de graas, logo que se acabasse a Peste em todo o Reino, e ficssemos por isso livres della por intercesso dos Santos cujas Imagens foro nesta Procisso e ficaro a venerao dos Fieis na Igreja do ditto Real Mosteiro de So Bernardo.

A Venervel Ordem 3. assentou em ir todos os Domingos [emquanto a Peste se no extinguisse] de cruz alada depois das 5 horas da tarde dita Igreja fazer ou continuar as Preces pro vitanda mortalitate, et pestilentia, com as 5 commemoraes, acima referidas; e assim se tem feito athe hoje 18 de Agosto de 1833.Assentou tambm a sobredita D. Maria Severiana de acordo tambm com a dita Ordem 3. digo, com a communidade das ditas Religiosas de So Bernardo de fazer huma festa de Sacramento exposto, e Sermo, em aco de graas, e depois da festa que as dittas Religiosas havio de fazer, como acima se disse.Assentou tambm a dita D. Maria Severianna de accordo com a Ordem 3. de fazer outra Procisso, mas em aco de Graas, para complemento de tudo, e que houvesse de ir pelas mesmas Ruas, e stios por onde tinha vindo a primeira; e que na dita Procisso se reconduzissem outra vez as 5 Imagens as suas respectivas Igrejas; entrando outra vez na Cathedral para se collocar o Andor com a Imagem do Senhor dos Passos e communicando se, e pedindo se as licenas necessrias para tudo isto aos Padres do Real Mosteiro, e a Reverenda Madre Abadessa; e a sua Illustre Communidade, a tudo promptamente annuiro; e de mais a mais assentaro tambm, em que acompanhassem as 5 Imagens, as Imagens do Padre So Bento, e So Bernardo, ambos em hum mesmo Andor, ricamente ornado; e isto athe a Igreja de So Francisco e depois immediatamente regressassem acompanhados por algumas confrarias.

Assentou se que todos os dias a Missa do dia, e nos Domingos, e Dias Santos de tarde desde Vsperas athe as 6 horas, e nas sextas feiras, tambm desde Vsperas athe as mesmas horas estivessem sempre acesas as duas tochas de que acima se fallou, visto que neste tempo havia a maior concorrncia dos Fieis.

No dia 10 de Novembro de 1833 foi a Venervel Ordem Terceira da Penitencia fazer o Te Deum Laudamus, em aco de Graas a Igreja de So Bernardo por ter cessado a Epidemia fazendo ao depois no fim todas as commemoraes do costume.

Na 3. Dominga do Advento estava para se fazer a Festa em aco de Graas, e no Domingo seguinte a Procisso do regresso das Imagens para as suas respectivas Igrejas; mas nada disto se fez por muito justos e urgentssimos motivos; principalmente por se ter acabado de tomar a Praa de Marvo, que foi no dia 12 de Dezembro deste anno.

Veio se ento com effeito a fazer a Festa em Aco de Graas no dia 23 de Novembro de 1834 que a mandou fazer a sobredita D. Maria Severiana, com Sacramento exposto de manh, e de tarde foi a custa das Religiosas; houve grande Musica, e Instrumental, prepararo se os Andores, o mais brilhante, rico, e bonito possvel; accrescendo de mais a mais hum Andor em que se collocaro juntamente as duas Imagens pequenas de So Bento, e So Bernardo, riquissimamente vestidos, cujo Andor se preparou bonita, rica, brilhante, e lindissimamente e o melhor possvel; e se collocoupor baixo dos mais Andores, pondo se dous Tocheiros com as suas competentes tochas a cada hum dos Andores de per si: nos trez dias anteriores houve muitos repiques, e luminarias. O Andor de So Francisco, que na Procisso de Preces tinha vindo com o Santo de p, preparou-se para esta Festa e para a Procisso de Aco de Graas com o Santo de joelhos, recebendo as Chagas de hum Christo muito edificante; preparando se tambm este Andor com muitas riquezas

Ao Domingo seguinte que era a 1. Dominga do Advento, que foi no dia 30 isto he no ultimo dia de Novembro do ditto anno de 1834 se fez com effeito a Procisso de regresso das Imagens, e juntamente de aco de Graas, em que foro todos os referidos Andores, e o Santo Lenho da Igreja de So Bernardo; acompanharo ao Santo Lenho e Andores vinte, e quatro Lanternas; foro alguns Anjos ricamente vestidos; as confrarias levaro tochas, Guies, o que na outra Procisso no levaro, cruzes; e varas, ainda mesmo A Nossa Veneravel Ordem Terceira da Penitencia [que foi atraz de todas as confrarias, e de diante dos Clerigos, por ser Ordem, e por isso mais que confraria] levou tambem o Nosso Guio, que s huma nica vez costuma sahir annualmente que he em 4. feira de cinza na Procisso de Penitencia; foro os Paramentos brancos, os mais ricos da Igreja de So Bernardo; havio de ir Paramentos vermelhos ou encarnados [como outros dizem] mas por no haver Pallio encarnado, capaz de condizer com os Paramentos por isso, foro os Paramentos brancos, e foi para condizer com elles o Pallio rico da Igreja de So Loureno que se pediu para este fim.Foro debaixo do Pallio o Vigario Capitular e Governador Interino do Bispado, o Reverendo Mestre Escola Ignacio Xavier Barriga, que levava o Santo Lenho, e servindo de Ministros o Confessor de So Bernardo Frei Pedro de Serpa, e o Irmo Confessor Frei Joo Lobo = Foro as 5 communidades das 5 Freguesias. Foro todas as Confrarias que tinho ido na outra Procisso, a saber a de Nossa Senhora da Conceio de So Martinho a da Senhora da Alegria, as 5 do Santssimo Sacramento as 2 das Chagas , e tambem por fim a Nossa Ordem.O Cabido esperou pela Procisso a Porta da Cathedral: a Procisso sahio pelas 3 horas da tarde, e chegou a So Francisco quazi a noite tocaram se os sinos de todas as Igrejas, pois em todas se mandou repicar; na frente da Procisso hio muitos Rapazes cantando o Padre Nosso Ave Maria e Salve Rainha em hum tom muito alegre, que a todos dispunha para huma alegria gestiente.Toda esta Procisso foi feita a custa da sobredita D. Maria Severiana

Eis a maneira, modo, e forma como se fez a Procisso

Principiaro os Rapazes a cantar postos por ordem no Pateo de So Bernardo: depois seguio se a Confraria da Senhora da Conceio; apos desta a da Senhora da Alegria, depois as 5 do Santissimo Sacramento, no centro destas 5 hio em igual distancia levados pelos Irmos do Santssimo os Andores seguintes = 1. o Andor de So Bento, e So Bernardo, que hio na frente dando lugar aos mais, por irem acompanhar as mais Imagens que estivero na sua Igreja (como costumamos c dizer no seculo) como hospedes; 2. o Andor de So Roque e 3. o de So Sebastio; indo cada hum acompanhado com 2 lanternas. Seguio se depois as duas Confrarias das Chagas; e no meio destas hio 1. o Andor de Nossa Senhora dos Remedios; e depois o Andor do Senhor dos Passos, levados ambos pelos Irmaos destas 2 Confrarias, indo 2 lanternas a Senhora dos Remdios e 4 no senhor dos Passos. Seguio se depois a Nossa Venervel Ordem Terceira da Penitencia com o seu Guio, e Cruz (como j disse) e no meio da mesma hia o Andor de Jezus Christo Crucificado, de quem hia recebendo as suas sagradas 5 Chagas a Imagem do Nosso Seraphico Padre So Francisco e de joelhos; (como ja acima disse) foi conduzido este Andor por 4 Irmos Terceiros da Penitencia; pelo motivo de ja estarem extintas todas as Ordens Religiosas pois os Religiozos ero os que o costumavo levar; a este Andor acompanhavo 4 lanternas. Seguiro se depois as Communidades das 5 Freguesias com as suas Cruzes, e os respectivos Parochos com as suas estolas junto ao Pallio, digo, cantando todos o Te Deum Laudamus, e outros mais Hymnos, e alguns Psalmos proprios de huma tal aco. Os Anjos hio em iguaes distancias dispersos pela Procisso, e tambem junto ao Pallio. Seguio se depois um Thuriferario, e hum Naviculario, com Thuribulo, e Naveta. Seguio se finalmente o Pallio acompanhado de 8 lanternas, e algumas tochas, tudo conduzido pelos Irmos 3.s da Penitencia. O Vigario Capitular e Governador do Bispado (como j acima disse) levava o Santo Lenho da mesma Igreja de So Bernardo, no meio de 2 Ministros ou Acolythos, como acima disse; o dito Vigario Capitular levava nas Mos hum veo branco muito comprido, e rico para com elle pegar no Santo Lenho. Antes de se pegar no Santo Lenho foi primeiramente incensado, e da mesma sorte todas as Imagens, que hio nos Andores, pois se incensaro a cada huma de per si.

Logo que se principiaro a levantar os Andores; houve muitos choros, e lagrimas nas Religiosas, e seculares, e criadas do Real Mosteiro de So Bernardo; de maneira que por tal se presenciar aconteceo o mesmo aos que estavo ento na igreja pricipalmente quando se ouvia dizer as Religiozas em huma voz muito lamentavel = L se nos vo os nossos Hospedes; pois que mal lhe fizemos nos, para tal merecermos = A Procisso foi primeiro direita athe a porta de Antnio de Torres, e depois desceo pella Corredoura do meio athe a Rua dos Sylveiros, Pao do Esprito Santo, Pracinha Rua Direita = Porta da Deveza, Pocinha Rua da Se, entrou pela Porta do Sacramento da Cathedral, em que se achou esperando o Cabido, caminhou direita ao Altar do Santssimo dahi athe ao Altar de So Pedro, e depois pela Nave de So Pedro abaixo, para sahir pela Porta da mesma nave. Logo que chegou a Capella das Chagas o Andor, que levava a Imagem do Senhor dos Passos, parou toda a Procisso, esperando, que se colocasse o dito Andor no mesmo lugar donde o tinha levantado a outra Procisso, e para que se fizesse mais o seguinte que por isso fez Estao toda a Procisso = Logo que se collocou o dito Andor do Senhor dos Passos, se postou em frente o Andor de Sua Santisima Mai, e todos os mais ao lado esquerdo da Senhora como despedindo se, e todos mesmo assim ainda nos hombros de quem os levava; e entretanto se cantou = O Christus factus est pro nobis obediens, verso e Orao competente, que a cantou o sobredito Vigario Capitular tendo se primeiro collocado o Santo Lenho no Altar das Chagas; houve nesta occazio tambem muitos choros nas mulheres e mais pessoas e alli se deixou ficar o dito andor.

Depois disto continuou a andar a Procisso pela Praa Rua da Carreira, Corro athe So Francisco. Em todas as ruas por onde passou a Procisso havia colchas por todas as Janellas, e das quaes se deitavo, ou lanavo immensas Flores, de maneira que foi hum dia de grande alegria.

Logo que o principio da Procisso chegou a Cruz do Adro da Igreja de So Francisco se mandou parar, e depois se mandaro alargar mais as duas alas, e que se virassem todos, huns para os outros, para poderem passar os Andores, communidade da Se e Pallio, o que assim se fez, entrando tambm (j se entende) a Nossa Veneravel Ordem; e depois, que tudo isto entrou, ficaro esperando no Corro as mais Confrarias que se acabasse na Igreja o final de hum tal Acto e que sahisse o Santo Lenho e o Andor de So Bento e So Bernardo para os acompanharem.

Logo que as Imagens, digo, os Andores chegaro ao Altar Mor, se collocaro trez no lado do Evangelho, e 2 no lado da Epistola.

O Santo Lenho se collocou em cima da pedra de ara do Altar Mor; depois disto se concluio o Psalmo, que se vinha ento cantando, e se cantaro depois os versos e responsos com oraes prprias de procisso de aco de Graas. Depois disto fizero se commemoraes prprias dos Santos cujas Imagens tinho sido conduzidas nos seus Andores, e finalmente se cantaro as 2 ultimas strophes do Hymno Vexilla Regis prodeunt = Que vem a ser o principio da 1. = O Crux ave spes nica = Depois o verso responso e orao prpria da Cruz = Seguio se o incensar-se o Santo Lenho, e depois benzer o Povo com o mesmo Santo Lenho, e finalmente deixar-se coberto com o veo em cima do Altar, athe que os Padres se fossem despir, e tornar outra vez somente o Confessor de So Bernardo Frei Pedro de Serpa, hum dos Acollithos, que tinha vindo debaixo do Pallio.

Chegando com effeito o dito Confessor ao Altar Mor vestido de Roquette, e Estolla pegou no Santo Lenho, assim mesmo cuberto, como estava, e pondo se lhe depois o seu Barrete na cabea se dirigio assim athe a Igreja de So Bernardo, acompanhado de 2 Lanternas, a Nossa Ordem, e todas as mais Confrarias, que o esperavo fora da Igreja (no obstante terem sido convidadas para este 2. acto somente as Confrarias do Santssimo de So Loureno e da Senhora da Alegria, todas as mais quizero acompanhar athe a Igreja de So Bernardo por sua propria vontade) pois como tinho que regressar outra vez para So Bernardo, dissero, que os querio acompanhar por assim dever ser, e entenderem, ser couza muito prpria , e justa. No meio da Confraria do Santssimo de So Loureno foi conduzido para So Bernardo o Andor de So Bento e So Bernardo: O Pallio ficou em So Francisco porque alli he que justamente se finalizou a Procisso; e no outra vez em So Bernardo, e por isso para alli veio o Santo Lenho de rebuo, como acabei de dizer.

Deo se vinho a quem conduzio o Pallio, digo, as varas do Pallio na Procisso de So Bernardo para So Francisco e a quem conduzio os Andores, os Guies, Cruzes, e a outras muitas outras pessoas.

Os repiques foro muito continuados athe a noite, que foi depois de se recolher para So Bernardo o Santo Lenho, e o Andor de So Bento, e So Bernardo, e ainda mesmo muito tempo depois disso

Seja tudo para gloria de deos, e para grande gloria, honra, e brazo da Nossa Venervel Ordem Terceira da Penitencia que tanto concorreo para taes, e to religiosos Actos.

Para em todo o tempo constar tudo quanto acima fica explanado, fiz huma tal, e to extensa declarao. Portalegre ultimo dia do anno de 1834

Francisco Jos dos Santos da Conceio BraganaCommissario Vizitador da dita Venervel Ordem

6. Das procisses, relquias e confrarias

As procisses

As procisses atrs descritas enquadram-se, de acordo com a classificao que delas faz o Ritual Romano, na classe das procisses extraordinrias, isto , no compreendidas nas celebraes regulares do calendrio litrgico, organizadas por ocasio de conjunturas particularmente graves como as de fome, guerra ou peste ou, ainda, de condies climatricas excepcionalmente difceis.[endnoteRef:30] [30: WELLER, Philip T., transl. Roman Ritual. [s.l.] : [s.n.], cop. 1964. [em linha]. [consultado Set. 2006]. Disponvel em http://www.ewtn.com/library/PRAYER/ROMAN2.TXT]

A realizao das procisses atravessava j, nas vsperas do triunfo do regime liberal, um processo de decadncia que se iria acentuar na segunda metade do sculo, fenmeno a que no ter sido estranha a extino das ordens religiosas masculinas.Outros factores, porm, contribuiram para o desaparecimento de grande nmero destas manifestaes cultuais. Contam-se, entre estes, a alterao dos comportamentos das autoridades locais, desvinculando-se das suas antigas obrigaes de participao nos actos; o esgotamento das estruturas corporativas, entretanto extintas[endnoteRef:31] e, por outro lado, a aco da prpria Igreja cuja persistente tarefa de depurao dos cortejos dos seus elementos mais profanos se veio a reflectir no decrscimo da adeso das classes populares que mantiveram, contudo, antigos padres de participao, agora desenquadrados da sua moldura regulamentadora e, por conseguinte, causa de maiores perturbaes.[endnoteRef:32] [31: DECRETO de 7 de Maio de 1834. Colleco de Decretos e Regulamentos mandados publicar por Sua Magestade Imperial o Regente do Reino desde a sua entrada em Lisboa at instalao das Cmaras Legislativas. Lisboa : na Imprensa Nacional, 1835] [32: CASCO, Rui Vida quotidiana e sociedade. In MATTOSO, Jos, dir. Histria de Portugal : quinto volume : O Liberalismo. Lisboa : Crculo de Leitores, [D.L. 1993]. ISBN 972-42-0752-8, p. 517-520]

Face ao controle da Igreja, pouca continuidade existiria, para as sensibilidades contemporneas menos esclarecidas, entre as cerimnias suas contemporneas e a memria das antigas procisses gerais, regulamentadas por estatutos municipais inspirados em grande parte no regimento da afamada e antiqussima procisso do Corpus Christi[endnoteRef:33], para cuja organizao concorriam as autoridades eclesisticas, os municpios e as corporaes dos ofcios, celebraes em que os elementos do ritual catlico conviviam festivamente com uma multido de referncias profanas.[endnoteRef:34] [33: A Festa de Corpus Christi foi instituda pelo Papa Urbano IV com a Bula Transiturus de 11 de agosto de 1264, para ser celebrada na quinta-feira aps a Festa da Santssima Trindade, que acontece no domingo depois de Pentecostes. Em Portugal comeou a celebrar-se nos finais do reinado de D. Afonso III. Para descries destas cerimnias em diversas localidades v. a srie de artigos publicados por Jos Manuel LANDEIRO, no Mensrio das Casas do Povo sob o ttulo As Corporaes Atravs dos Tempos ] [34: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de Festividades Cclicas em Portugal. Lisboa : D. Quixote, 1984 (Portugal de Perto ; 6), pp. 273 e ss. ]

Dessas procisses que, pela sua componente espectacular, iriam mais ao encontro da religiosidade popular, ainda no totalmente despojadas da presena residual de antigas prticas pags, existe ainda o Regimento do municpio portalegrense, a seguir transcrito[endnoteRef:35]: [35: No caso de Portalegre eram da obrigao do Senado, alm da procisso do Corpus Christi, j referida, as da Ressurreio e da Vera Cruz. O Regimento respectivo chegou at ns num livro misto da Cmara Municipal existente na Casa-Museu Jos Rgio [n. 563 do inventrio]]

Em primeiro lugar vo os orteles e pomareyros da Cidade e seu termo levo a carreta, e orta levaro seus castellos[endnoteRef:36], e pendes de sua devisa ramados e pintados, com sua bandeyra, e tambor [36: Hastes de madeira, torneadas, rematadas na parte superior por uma maaneta ou outra pea tambm torneada e adornadas com bandeiras, ramalhetes, fitas ou enfeites]

As pellas das pescadeiras e logo estas atras bem vestidas, e concertadas com seu tabor [sic] e a Pella das padeiras porque hua digo que h huma s porque do hum jogo de touro, e ellas vo no meyo pessoalmenteAs tres pessoas das fiteiras digo das Fiveteiras, Regateiras, e vendideiras iro com seu gaiteiro se o ouver na CidadeOs Almocreves todos com seus castellos pintados de sua deviza iro com pessoa com sua Bandeira[endnoteRef:37] [37: Estas bandeiras dos ofcios - com base nos pouqussimos exemplares sobreviveram - eram ornamentadas com pinturas religiosas representativas de cenas da vida dos santos padroeiros dos ofcios. Cf. LANGHANS, F.P. de Almeida Manual de Herldica Corporativa. [Lisboa] : FNAT, 1956, p.60 ]

Os Carreteiros, Estalajadeiros levaro seus castellos pintados, e pendoens de sua deviza[endnoteRef:38] com Bandeira, e levaro os tres Reys Magos, e sua emveno [38: O texto do regimento apresenta as iniciais dos ttulos ornamentadas com instrumentos alusivos aos ofcios: uma serra, para os carpinteiros; um livro para os tabelies das notas, etc. Estes elementos constituiriam, talvez, as divisas a que o texto se refere. ]

Os Sapateiros traro seu Emperador com dous Reys muy bem vestidos como lhe h ordenado com sua bandeira a que seguiro os surradores, curtidores, odreiros Todos pessoalmente com seus castellos e pendoens pintados de sua deviza todos a huma bandaOs Alfayates da outra banda traro a Serpe, e com seus castellos pimtados e pendoens de sua deviza e BandeiraOs Espingardeiros Serralheiros Ferreiros, Barbeiros, Cuteleiros Faqueiros Ferradores, Selleiros Baynheiros levaro So Jorge a cavallo bem armado com hum pge e huma Donzella, e levaro seus castellos, e pendoens de sua devisa e sua bandeira e levaro o mais costumadoOs Teceloens, Escarduadores Cardadores levaro So Bartholomeu com o Diabo prezo e sua Bandeira, e Castellos, e pendoens de sua deviza tantos de huma parte como de outraOs Oleiros, Telheiros, Tijoleiros levaro Santa Clara com suas duas companheiras, e Bandeira Castellos e pendoens de sua devizaOs Carpinteiros, Pedreiros Taypadores, canastreiros, cabouqueiros carvoeiros Moleiros, e serradores, e todos os que corrigem cazas levaro Santa Catherina bem ornada, e sua Bandeira, e Castellos, e pendoens de sua divizaOs Tozadores, Cereeyros, Sombreireiros levaro suas tochas acezas e BandeiraOs Ourives, e douradores levaro suas tochas acezasOs Mercadores de pano de cor, e loja com suas tochas acezasOs Escrives ante os vigayros com suas tochas acezasO Escrivo das armas com sua tochaOs Boticrios levaro suas tochasOs Tabelliaens das Nottas de huma parte com suas tochasOs Tabelliaens do Judicial da outra parte com suas tochas acezasOs Procuradores do numero, e Enqueredores com suas tochas acezasO Escrivo dos rfos, e da Almotaaria com suas tochasOs Escrivaens de ElRey Nosso Senhor todos com tochas acezas a saber o escrivo dos contos, do Almoxarifado, e das Cizas, e do Juiz das Cizas, e Ciza dos panos

Os Vereadores do Anno passado e do atrs passado em as Procissoens da Resurreio, Corpus Christi, e da Vera Cruz sero obrigados a levar as varas do Palio, e estando algum impedindo digo impedido ser o vereador mais velho atrs passado dos dittos dous annos e o Procurador que no tal tempo servir lho mandara dizer, e notificar na vspera antes do dia da procisso ou dia antes que venha tomar a ditta vara a Igreja ou Mosteiro donde ouver de sair o Senhor, ou Santo Lenho da Vera Cruz adonde ter dous ou tres Escabellos alcatifados na Capella mayor para todos se assentarem assim do Anno prezente com o Juiz, e sobre dittos com o Escrivo da Camara e Procurador do Concelho, o que assim cumpriro huns, e outros, e o que o contrario fizer sendo lhe notificado pagara tres mil reis para o Concelho e no se entendero entrarem nos arrendamentos dos rendeiros da Almotaaria, nem lhe podero ser arrendadas em algum tempo, antes o escrivo da Camara os carregue logo em receyta sobre o Procurador do Concelho, ou Tizoureiro, e no o fazendo assim pagalos ha o escrivo e sendo algum na Cidade, e seu termo notificado que venha como ditto h, e no tendo justo impedimento no ser escuzo de pagar os dittos tres mil reis, e isto por se escuzarem alguns escndalos, e se acontecer muytas vezes no se achar quem leve as ditas varas o que h muyto pouco Servio de Nosso Senhor Deos Obrigao dos Porteyros

Nos dias em que se fizerem as dittas festas ou procissoens levara o porteiro da Cmara dous escabellos grandes que para isso haver, e os por no Cruzeiro da Igreja daonde ouver de sair a Procisso para em cada hum delles se assentarem seis pessoas a saber os seis officiaes do anno prezente que ho de repor e outro para os seis que ho de levar as varas do Pallio os quaes estaro com suas alcatifas ou lambeis cubertos, e detrs estaro os porteiros que levo as varas do Pallio para as darem a cada hum que as ouver de levar, e detras do outro escabello estar o porteiro da Cmara que ter as outras seis varas do Regimento da Procisso os quais porteiros sero nisto certos sob pena de lhes contarem de seu mantimento duzentos reis a cada hum e os escabelos e alcatifas lhes sero dados da Camara para cujo effeyto os ter

Das pessoas que ho de ir diante dos Fidalgos e Escudeiros

Diante dos Fidalgos Cavaleiros, Escudeiros hiro logo os Mercadores, e trapeiros os quais mercadores e trapeiros, que fizerem de trinta panos para cima levaro suas tochas acezas, salvo cardando por suas mos, ou tendo outro officio macnico de que uze porque ento seguiro o foro, e Bandeira de seu oficio e no levaro tocha, e os que ouverem de levar as ditas tochas sero suas, e as levaro elles pessoalmente, e o que o Contrario fizer pagara de coima seis centos reis

Hos cardadores donde ho de ir

Todo o cardador, que nesta cidade viver, e estiver encabeado no livro das sizas ou ouver dous annos, que viver nella continuadamente posto que seja furrasteiro ser obrigado a ir nas ditas procissoens acompanhando a sua Bandeira e insgnia de seu officio, e no o fazendo assim pagara cem reis e o rendeiro lhe no poder levar coima sem justificar o tal homem no foi na ditta Procisso, e o lugar aonde estava ao tempo que se fez

Dos trabalhadores, e pessoas que no tem officio nem Bandeira a que seguir

Toda a pessoa do Povo assim jornaleiros e outros quaisquer que no tiverem officios nem Bandeira a que seguir iro nas dittas Procissoens e nas mais geraes e no indo pagaro por cada hua sincoenta reis os quais no podero ser encoimados seno durando as Procissoens, e sendo achado caminho direyto por donde a tal Procisso foy no pagaro coima : e o rendeiro para os encoimar ter a ordem que fica na Postura e no o fazendo assim no lhe poder levar coima nem o escrivo lha accentara

Dos mais officiaes macanicos

Todos os officiaes Macanicos iro nas Procissoens geraes obrigatrias acompanhando suas Bandeiras com seus Castellos, e pendoens pintados da sua deviza adonde iro tambm os seus Juzes com suas varas a que elles obedeo, e cada hum delles no o fazendo assim pagara cem reis de Coima por cada huma a que faltarem, e assim o Juiz no levando a vara, e o Rendeiro havendo de levar a Coima ser na forma atrs declarado

Eleyo dos Alferes

Os officiaes que ouverem de ter Alferes o ellegero o dia que se fizer a ultima Procisso geral de cada hum anno, que h Domingo do Anjo por votos de todos, ou mayor parte delles para que esteja feyto com tempo e no o fazendo assim pagara o Juiz e Alferes que no ellegerem o novo cada hum quinhentos reis, e a mesma coima pagara qualquer official que for elleyto para Alferes, e o no quizer asseitar, e querendo lhes o Rendeiro levar a Coima justificara como no cumpriro o contedo nesta Postura

Dos Tambores e Castellos

Os dittos officiaes levaro seu atambor muyto bom e seus Castellos, e pendoens pintados com a deviza de seus officios para assim se poderem conhecer com sua Bandeira e no fazendo assim pagaro cem reis de coima cada hum por cada huma vez em que faltar; e o Rendeiro tera a ordem, que nas atras vay declarado, no sendo os seus jurados testemunhas dos accentos que fizer

Que vo descarapuados

Todas as pessoas, que forem nas Procissoens adonde for o Santssimo Sacramento iro descarapuadas salvo tendo justo impedimento e o que o Contrario fizer pagara de coima quinhentos reis

Voltando s procisses de 1833 e 1834, estas no apresentam diferenas substanciais entre si apesar das dramticas alteraes que entretanto tiveram lugar na sociedade portuguesa. Em termos de participao, constata-se a presena, na segunda, da Confraria do Santssimo Sacramento de S. Martinho, ausente da primeira e, em contrapartida a ausncia do colgio do Seminrio de S. Pedro que nela participara. Retomou-se, por outro lado sugestiva de uma possvel e compreensvel concesso por parte da Igreja a prtica da distribuio de vinho aos participantes, elemento reiteradamente condenado pela hierarquia catlica, enquanto fonte de comportamentos menos adequados solenidade daqueles actos.A recente extino das ordens religiosas masculinas no aparenta ter introduzido qualquer elemento de especial perturbao, sendo apenas aflorada numa lacnica referncia do secretrio da Ordem Terceira.Quanto participao popular, se bem que menos bem documentada na segunda, parece ter-se mantido, tendo em considerao as manifestaes de jbilo descritas e a durao do prstito a um nvel muito semelhante ao da anterior.Transparece, de quanto ficou exposto, que ambas as cerimnias se revestiram, para alm das suas finalidades rogatrias e gratulatrias, de um caracter de elementos de afirmao e valorizao de uma identidade comunitria (hum tal encontro de todos os Portalegrenses esta Procisso deu brado os 3 Magistrados da Cidade publicaro immensas vezes; que ainda no tinho visto huma Procisso to bem ordenada, e edificante... athe de muitas terras se mandou perguntar como se tinha feito, porque a fama foi grande, e no consta, que outra similhante se fizesse em todo o Reyno) num perodo em que circunstncias excepcionalmente adversas ameaavam a sua coeso.[endnoteRef:39] [39: O fortalecimento dos laos comunitrios era uma das funes da sociabilidade processional. A presena dos rapazes, encabeando os cortejos, teria como finalidade, de acordo com alguns autores, a vinculao a um espao comunitrio. Sobre este ponto v. THURSTON, Herbert ; transcribed by Herman F. Holbrock. Processions. The Catholic Encyclopedia. [s.l.] : Robert Appleton Company, [cop. 2003]. [em linha]. [consultado Set. 2006]. Disponvel em http://www.newadvent.org/cathen/12466c.htm]

As relquias

A venerao de relquias, matria que ao longo dos sculos tem sido fonte de acesas disputas teolgicas e de persistentes acusaes de superstio, surge pela primeira vez nos anais da Igreja Catlica no ano de 156 d.C., em Esmirna, com os acontecimentos que tiveram lugar aps o martrio de S. Policarpo.Esta forma de culto assumiu, nos sculos seguintes, propores de exagero, especialmente aps a tomada de Constantinopla pelos cruzados, em consequncia da qual a Europa foi literalmente inundada com relquias que alimentavam um lucrativo comrcio com antecedentes detectveis no Sc. IX, poca em que a exportao de restos mortais dos mrtires de Roma assumiu dimenses de escndalo.Os continuados abusos levaram a que a hierarquia catlica chamasse a si, em finais do Sc. XIII, a responsabilidade da autenticao das relquias, medida que no surtiu os efeitos desejados pelo que, no Sc. XVI, o Conclio de Trento voltaria a regulamentar sobre a mesma matria, incluindo entre as competncias episcopais a do reconhecimento de novas relquias, processo no entanto dependente, em ltima instncia, da aprovao da Santa S.[endnoteRef:40] [40: Sobre a histria e problemtica do culto das relquias veja-se o excelente artigo RELICS de Herbert THURSTON, publicado na j referida Catholic Encyclopedia, acessvel on line, em http://www.newadvent.org/cathen/12734a.htm]

Tambm Portalegre, como qualquer outra terra da Cristandade, possuia e venerava as suas relquias. Como se leu mais acima nos textos transcritos, elas constituiam, conduzidas sob o plio levado pelos membros da elite local, o elemento central das procisses, agentes privilegiados da mediao entre o humano e o divino. So referidos, neste contexto, o Santo Lenho do Convento de So Bernardo, e o conjunto contituido pelas cruzes processionais com o Santo Lenho e as pirmides de relquias, do Convento de S. Francisco.[endnoteRef:41] Destas, as mais notveis eram, sem dvida, as depositadas no sacrrio de S. Francisco, relquias cuja fama ultrapassava as fronteiras do reino. [41: Entre outras relquias que certamente existiriam na posse das igrejas, confrarias e conventos da cidade, conhecida a existncia de uma terceira relquia do Santo Lenho e da respectiva autntica, i.e., certificao, ofertada por D. Vicncia Luiza Pais Castello Branco Venervel Ordem Terceira de S. Francisco, em 1754. cf. ADP. Confraria da Ordem Terceira de S. Francisco. Livro que hade servir para se asentarem todas as couzas memoraveis, e pertencentes a esta veneravel ordem, f. 29 e ss. Esta relquia encontrava-se ainda em 1826 na posse daquela confraria]

As referncias mais antigas de que dispomos datam de 1569 e ficaram registadas no mbito de uma petio dirigida ao Sumo Pontfice, em nome da Cidade, pelos mordomos da Confraria da Vera Cruz - tambm denominada da Vera Cruz e Santo Lenho , confraria composta pellos Vereadores e regedores da Cidade, que so os Nobres della, no sentido de lhe serem concedidas alguns dias de graas e indulgncias para todos os que visitassem as relquias.[endnoteRef:42] [42: ADP. Convento de S. Francisco de Portalegre. Tombo do Convento de S. Francisco de Portalegre(1721), f. 9l]

Na ocasio da redao da splica ao Papa, as relquias que ento se compunham de um pedao do lenho e de dois espinhos de sua sagrada coroa, guardadas em duas costodias ricas de prata encontravam-se j, no dizer do notrio apostlico Fernando de Nis, redator do documento, aprovadas por verdadeiras e proprias por muitos milagres que o Senhor obrou e fez, facto que nos dias da sua exibio pblica, durante as festas da Inveno e da Exaltao da Santa Cruz, fazia concorrer a Portalegre, em romaria, gente de todas as comarquas do redor e de mui longas terras do Reijno, e de Castella.[endnoteRef:43] [43: ibidem., f.12 v. A existncia das relquias era da maior importncia para a confraria que no possua quaisquer bens de raiz. Quanto maior a sua fama, maior o afluxo de fieis e, por conseguinte, de esmolas. ]

O mesmo documento contm os imprescindveis depoimentos de vrias testemunhas das curas atribudas s relquias. Gente comum e um homem fidalgo foram chamados a dar f de uma srie de milagres. Entre outros o concedido a Isabel Rodrigues, perto de quinze annos aleijada de Idrupezia de maneira que tinha a barrigua to inchada que tinha catorze palmos de largura, e no tinha outra couza de seu corpo inchado, seno a barrigua, e tres annos se no sentou seno na barrigua porque todo o corpo lhe ficava no ar, e que correu todos os mestres que avia nestas partes de Portugal, e Castella sem lhe darem nenhum remedio, e emcomendando se no cabo de tantos annos e tendo passado muito grandes dores o Santo Lenho, que est no Sacrario do altar da Vera Crux de So Francisco desta cidade veio a sarar de maneira, que h muitos annos que he sam, e de catorze palmos que tinha de largura ficou com seis.[endnoteRef:44] [44: ibidem, f. 11 v.]

Ou ainda o de um menino com quebradura at aos joelhos sendo to mortal lhe mandaro fazer cova [] vespera da Vera Crux de Setembro, que se mostrava o Santo Lenho, ella o levou e o offereseu a elle com hum alqueire de triguo e um frangam, que levou por sua devoso e lloguo acabado de offereser ficou o dito menino so [].[endnoteRef:45] [45: ibidem, f. 11]

Desconhece-se o destino que tiveram estas notveis relquias. Delas h ainda notcia num inventrio dos bens do Convento de S. Francisco, feito em 18 de Maio de 1834 que regista, na sua descrio da Capela da Santa Cruz, duas Cruzes de prata em que esto varias relquias, e o Santo Lenho[endnoteRef:46]. [46: ADP. Convento de S. Francisco de Portalegre. Livro de Inventrios(1828-1834), f. 17 v.]

As mesmas peas, porm, estavam j omissas no arrolamento dos bens do convento a que se procedeu poucos dias depois, em cumprimento das instrues de dia 4 do seguinte ms de Junho[endnoteRef:47] o que leva a crer que, como tantas outras, tero sido sonegadas Fazenda Nacional para cuja posse tinham entretanto transitado, situao que viria a estar na origem da publicao do Decreto de 16 de Janeiro de 1837.[endnoteRef:48] [47: ADP. Repartio da Fazenda do Distrito Administrativo de Portalegre. Inventario dos Bens, e Fazendas que existem no Convento de So Francisco desta Cidade de Portalegre, f. 5 v.] [48: DECRETO de 16 de Janeiro de 1837. Colleco de Leis e outros Documentos Officiaes publicados no 1. Semestre de 1837 : Stima Srie : 1. Parte. Lisboa : Na Imprensa Nacional, 1837, f. 100]

As confrarias Herdeiras dos haburot[endnoteRef:49] hebreus, dos collegia romanos ou da gilda germnica,[endnoteRef:50] essas associaes laicas constitudas sob a gide de um santo patrono, surgiram e disseminaram-se por todo o ocidente cristo, a partir dos scs. XI e XII, sem qualquer interveno regulamentadora da Igreja, congregando indivduos irmanados por afinidades devocionais ou profissionais. Tais solidariedades constituiriam mesmo o principal esteio da vivncia religiosa do homem comum da Idade Mdia[endnoteRef:51], corporizando um modelo de organizao devocional j caracterizado como parquia consensual , com os seus oratrio, festividades, patrimnio e sacerdotes, por oposio parquia legal com a qual manteria, com alguma frequncia, relaes de conflitualidade concorrencial no contexto das influncias locais, dos servios religiosos e das questes patrimoniais.[endnoteRef:52] [49: DIETRICH, David Henry - Brotherhood and Community on the eve of the Reformation : Confraternities and parish life in Liege, 1450-1540. [s.l. : s.n.], 1982. A dissertation submitted in partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy (History) in The University of Michigan. [em linha]. [consultado Out. 2006]. Disponvel em http://www-personal.umich.edu/~hdiet/Diss_contents.htm] [50: BEIRANTE, Maria ngela Godinho Vieira da Rocha Confrarias Medievais Portuguesas. Lisboa : [Edio do Autor], 1990, p. 5] [51: DIETERICH, David Henry Confraternities and Lay Leadership in Sixteenth Century Liege. Renaissance and Reformation Toronto :[s.n.], 1989, vol. 25, 1. [em linha]. [consultado Out. 2006]. Disponvel em http://personal.umich.edu/~hdiet/ConfLayLead1.pdf] [52: idem, ibidem]

Entre as principais funes e actividades das confraternidades contavam-se a manuteno do culto do padroeiro, a participao colectiva em festas e procisses, a assistncia espiritual ou material entre os seus membros, nomeadamente sob a forma de emprstimos remunerados, a participao nos bodos comunitrios, o auxlio aos pobres e viandantes e ainda o acompanhamento dos irmos falecidos que, eventualmente, se prolongava, atravs da orao e das missas de sufrgio, para alm do momento do passamento,[endnoteRef:53] constituindo a vertente mais palpvel da actividade das solidariedades, amide documentada pela existncia de espaos cemiteriais prprios. [53: S, Isabel dos Guimares de As Confrarias e as Misericrdias. In OLIVEIRA, Csar de,dir. Histria dos Municpios e do Poder Local : da Idade Mdia Unio Europeia. Lisboa : Crculo de Leitores, 1996, pp. 55-60]

A importncia atribuida pelas confraternidades a esta funo de gesto colectivizada da morte[endnoteRef:54] foi, durante muito tempo, percebida como um indicador da filiao das