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MEMÓRIA E HISTÓRIA CAMETAENSE: OS OLHARES SOBRE A IDENTIDADE TOCANTINA 1 Cássia Cristi Arnoud de Souza UFPA/CUNTINS-CAMETÁ BOLSISTA/PRODOC Prof. Dr. Luiz Augusto Pinheiro Leal UFPA/CUNTINS-CAMETÁ ORIENTADOR RESUMO: A pesquisa busca discutir a identidade cametaense, através da literatura e da memória de intelectuais, visando compreender a construção da identidade, a partir de uma elite política. As obras literárias nos ajudam a compreender como intelectuais locais projetaram e sobrepuseram a memória da elite política e religiosa como fator determinante para o processo histórico e da identidade Tocantina. O período escolhido é o ano de publicações das obras que foram de 1985 a 2009, no entanto a discussão se dá em torno do início do século XX com a intensificação da construção da nacionalidade brasileira. Essa abordagem histórica compreende a mentalidade de intelectuais cametaenses, que buscaram na influência política construir um modelo de identidade que vangloriasse a própria elite cametaense. PALAVRAS-CHAVE: Intelectualidade, Memória e Identidade Tocantina. 1 Este artigo é referente à finalização da Pesquisa PRODOC, cujo Tema “Produção intelectual e cultura afro- brasileira em Cametá: a formação da identidade Tocantina”. Relativo ao Projeto de Pesquisa “ENTRE O ENGAJAMENTO E A RESPONSABILIDADE: INTELECTUAIS E AFRICANIDADES AMAZÔNICAS”.

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MEMÓRIA E HISTÓRIA CAMETAENSE: OS OLHARES SOBRE A IDENTIDADE

TOCANTINA1

Cássia Cristi Arnoud de Souza

UFPA/CUNTINS-CAMETÁ

BOLSISTA/PRODOC

Prof. Dr. Luiz Augusto Pinheiro Leal

UFPA/CUNTINS-CAMETÁ

ORIENTADOR

RESUMO: A pesquisa busca discutir a identidade cametaense, através da literatura e

da memória de intelectuais, visando compreender a construção da identidade, a partir de uma

elite política. As obras literárias nos ajudam a compreender como intelectuais locais

projetaram e sobrepuseram a memória da elite política e religiosa como fator determinante

para o processo histórico e da identidade Tocantina. O período escolhido é o ano de

publicações das obras que foram de 1985 a 2009, no entanto a discussão se dá em torno do

início do século XX com a intensificação da construção da nacionalidade brasileira. Essa

abordagem histórica compreende a mentalidade de intelectuais cametaenses, que buscaram na

influência política construir um modelo de identidade que vangloriasse a própria elite

cametaense.

PALAVRAS-CHAVE: Intelectualidade, Memória e Identidade Tocantina.

1 Este artigo é referente à finalização da Pesquisa PRODOC, cujo Tema “Produção intelectual e cultura afro-

brasileira em Cametá: a formação da identidade Tocantina”. Relativo ao Projeto de Pesquisa “ENTRE O

ENGAJAMENTO E A RESPONSABILIDADE: INTELECTUAIS E AFRICANIDADES AMAZÔNICAS”.

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INTRODUÇÃO

As discussões entre historiadores sobre como investigar o passado nos trazem novas

possibilidades de analisar a história de uma sociedade. A historiografia brasileira na

contemporaneidade remodela-se em novas perspectivas de estudos, novas tendências e

enfoques surgem para dar novas possibilidades de compreender aspectos históricos que

envolvem uma sociedade. Nesse meio discursivo sobre as novas abordagens e métodos

históricos, a literatura ganha espaço no âmbito das reformulações históricas, assim como a

oralidade que também passa a ser utilizada entre pesquisadores para compreender como a

memória de uma comunidade envereda tradições culturais de determinado grupo social.

Esta pesquisa buscou compreender como a identidade pode ser pensada a partir da

literatura, da oralidade e memória, que entrelaçam tradições culturais. Como parte da

literatura, investigamos como intelectuais descreveram a história da cidade de Cametá

exaltando personagens ilustres para afirmar a identidade de uma classe privilegiada.

Sendo assim, observou-se como a elite cametaense, constituída por famílias

tradicionais, buscou ao longo do tempo fixar a memória de personagens ilustres e inibir a

presença negra em Cametá. Nas obras literárias cametaenses de Alberto Moia Mocbel e

Sérgio Victor Tamer prevalecem à história de um grupo político e religioso. Enquanto que

outros grupos sociais como os negros, ficam a margem do processo de construção da

identidade cultural em cametá, os personagens negros aparecem na literatura cheios de

estereótipos o que concretiza a visão preconceituosa do intelectual.

Nesse sentido veremos a imposição de uma elite em adsorver elementos tradicionais

de famílias políticas e religiosas, excluindo assim a presença negra na formação histórica e

cultural da cidade de Cametá. A elite branca domina toda esfera política, econômica, social e

cultural na história cametaense enquanto outros grupos são marginalizados e esquecidos na

construção histórica e da identidade cametaense.

Nas abordagens literárias veremos como intelectuais cametaenses conceituaram a

memória política como fator determinante para a identidade Tocantina. Os intelectuais

cametaenses criaram tradições a respeito da história dos “Notáveis” e dos “Romualdos”. A

respeito disso, Eric Hobsbawm em “A Invenção das Tradições”, traz um estudo sobre o

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desenrolar das tradições e como se deu essa construção na conjuntura do Estado-nação. Em

seu trabalho o argumento frequente é sobre tradições inventadas por uma elite extremamente

nacionalista que a partir de suas habilidades justificam a importância da nação nacionalista

para o desenvolvimento do país. (HOBSBAWM, 1997).

Enquanto a denominação de tradições abrange um sentido amplo, mas definido, no

contexto de tradições inventadas, ou aquelas que surgem de forma súbita e se constituem ao

longo da história. Podemos dizer que nessa pesquisa o que está em jogo não são como essas

tradições inventadas sobreviveram, mas sim como elas surgiram e qual o seu real. Para

Hobsbawm:

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente

reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza

ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento

através da repetição, ou que implica, automaticamente, uma continuidade em

relação ao passado. (HOBSBAWM, 1997, p. 9)

As “tradições inventadas” pelos intelectuais cametaenses utiliza sujeitos históricos

como símbolos para a identidade Tocantina. Mocbel e Tamer idealizaram a construção de

uma identidade nacionalista através da memória, mas cabe pensarmos se essas memórias

foram inventadas ou foram remodeladas, ao usarem os “notáveis” construíram um imaginário

que permanece na memória e na história da cidade de Cametá. Os valores e comportamentos

desses sujeitos devem ser lembrados fatos relevantes para o desenvolvimento da história e da

memória. (HOBSBAWM, 1997).

1- Os “Notáveis e os Romualdos” como Símbolos da Identidade Cametaense

A análise das obras literárias visou compreender como a questão da identidade pode

ser vista nos livros dos intelectuais. Sendo assim, a literatura cametaense, nos dará

oportunidade de compreender como a identidade Tocantina foi almejada por intelectuais que

priorizaram lembrar memórias de pessoas que constituíram a política e a religiosidade em

Cametá, afirmando assim, a valorização da história da elite. Segundo Maria Eloisa Cavalheiro

em “Sabes com quem estás falando?” Elites Políticas no Planalto Médio Gaúcho – 1930-

1945”, traz um estudo sobre o termo “elite”, explica como as relações de alguns grupos,

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evidenciam a desigualdade e a valorização do poder concentrado em pessoas que possuem um

poder aquisitivo maior do que outras. Para a autora:

O conceito de elites políticas passa, necessariamente, pela teoria das elites ou

elitista, de onde também se deriva o termo “elitismo”. Entende esta corrente

que em toda sociedade existe, sempre e apenas, uma minoria que, de várias

formas, é detentora do poder, em contraposição a uma maioria que dele está

privada. Dentre as formas de poder, social ou estrategicamente mais

importantes, impõem-se o poder econômico, o ideológico e o político.

(CAVALHEIRO, 2008, p. 25)

Os intelectuais cametaenses priorizaram escrever a memória da elite política,

tentando assim constituir uma identidade moldada nas classes superiores. Em Cametá,

veremos com os intelectuais trazem a valorização da história da elite oligárquica como fator

importante para a construção da identidade Tocantina. (SOUZA, 2014).

No trabalho de Cássia C. Arnoud de Souza em “Pensando a Identidade Tocantina:

Intelectuais, Literatura e Presença Negra em Cametá – (1985-2009)”, a discussão sobre a

identidade Tocantina se dá através de dois pontos, um sobre como intelectuais pensaram em

construir uma identidade moldada nos critérios do Estado, e outro sobre como a presença

negra afirma uma história através da memória de seus ancestrais negros, constituindo-se assim

parte da identidade cametaense. Já que a própria historiografia no século XIX e início do

século XX, concentrava-se em escrever sobre sujeitos políticos, enquanto os negros ficavam à

margem de todo o processo histórico. Com a fragmentação da história tradicional os

questionamentos sobre a sociedade no geral surgem, onde são colocados, frente a frente,

teorias ou possibilidades de conhecimento que solucionem os problemas sociais e históricos.

(SOUZA, 2014).

Em Cametá é comum às designações de “Cidade Invicta”; “Terra Notáveis” ou

“Terra dos Romualdos”. Essas denominações constituem a identidade visada pelos

intelectuais da elite cametaense, para Alberto Moia Mocbel e Sérgio Victor Tamer a

valorização do Estado, era significativa para afirmar a identidade nacionalista, que através de

momentos históricos como a independência do Brasil, tornaram os personagens envolvidos

nesse processo histórico, símbolos da nacionalidade brasileira. Vejamos no Jornal Opinião

(semanário) como a “cidade invicta” valoriza as festividades do Estado como manifestações

patrióticas que representam a cultura brasileira:

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Na Terra dos Romualdos

Victor Tamer

Viveu Cametá, neste São João que passou, as alegrias tributadas ao seu

padroeiro, sempre renovadas com admirável vigor através de tôdas as

gerações de sua história.

A festa em sí, por se tratar de um reencontro dos filhos da terra, serve para a

apresentação esmerada de cada um em consonância ao progresso que os

poderes públicos podem oferecer, nessa quadra, aos olhos tôda a gente. (...)

O ritmo do progresso na terra dos Romualdos, manifesta-se, de igual modo

nas velhas praças outrora tomadas de capim. (Jornal Opinião – Cametá 28

de Julho de 1971 – p. 7)

Vemos que o intelectual fala dos filhos da terra, que na concepção do autor esses

filhos de Cametá, são aqueles que com bravura deixaram sua marca na história da cidade.

Essa concepção de “Terra dos Romualdos” foi criada para a construção da identidade

Tocantina, que deveria ser constituída apenas pela história e cultura da elite política e

religiosa, a busca por sujeitos históricos consolidava a ideia do Estado em reverenciar

personagens antigos como forma de engrandecer a identidade nacional.

Os intelectuais cametaenses possuem relação direta ou indiretamente com o poder,

revelando assim uma visão de sociedade que nos parece limitada apenas nas memórias da

elite cametaense. O intelectual Alberto Moia Mocbel exerceu seu primeiro mandato como

prefeito por dois períodos; de 71 e 72; o segundo foi de 76 a 83, muitas de suas obras refletem

a trajetória dos sujeitos engajados na política e na religiosidade. Já Sérgio Victor Tamer,

apesar não ter sido prefeito, influenciou na história política da sociedade cametaense, trazendo

personagens que para ele constituem a história e a identidade cametaense, como a imagem de

Padre Prudêncio o herói que impediu a entrada dos cabanos na cidade de Cametá. Segundo

Tamer esse personagem revela grandiosidade da história de Cametá. (MOCBEL, 2009).

Segundo a pesquisadora Kátia Kátia Gerab Baggio em “Iberismo, Hispanismo e

Latino-Americanismo no Pensamento de Gilberto Freire: Ensaios e Impressões de Viagens”,

o século XX foi palco de grandes mudanças na sociedade que iam desde a economia até o

âmbito sócio-político. O Estado assumiu o papel de responsável pela formação da cultura e

pelos valores culturais que tinham que ser preservados pela sociedade, com o objetivo de que

essas ações em “conjunto” levassem o país a um progresso social (BAGGIO, 2010). O meio

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intelectual assumiu o papel de propagar a ideias que o Estado impunha para a sociedade.

Vários intelectuais escreveram sobre um passado social, político e cultural, no entanto, poucos

foram os estudiosos que se atentaram para os detalhes das obras literárias, nas quais o

discurso histórico é descrito de forma para que os acontecimentos sejam relembrados no

aspecto desejado por esses literatos.

Portanto os intelectuais cametaenses valorizaram a história da própria elite

tradicionalista que domina toda a esfera social da sociedade cametaense (SOUZA, 2014).

Sendo assim, na análise de Antônio Gramsci em “Os intelectuais e a Organização da Cultura”,

faz uma discursão a respeito de intelectuais e suas categorias, que podem ser especificada em

grupos sociais e suas responsabilidades que vão além de pensar a sociedade, atravessam o

campo de criar e divulgar seus ideais sejam eles engajados em causas políticas, sociais ou

culturais (GRAMSCI, 1982). Para Edward W. Said em “Representações do intelectual: as

conferências Reith de 1993”, as relações de intelectuais com as instituições e os conflitos

sociais, como por exemplo, o poder e a sociedade na Guerra Fria. Inaugurada em 1948 por

Bertrand Russell, durante as Conferencias de Reith transmitidas pela BBC, o pesquisador Said

traz uma ideia de que o intelectual deve ir além da academia, adentrando em debates e

discussões sobre problemas atuais (SAID, 2005).

Said, trabalha o engajamento do intelectual nos debates acerca de problemas sociais,

no sentido de informar sobre como o intelectual deve agir em determinadas discussões,

principalmente quando envolve conflitos étnicos ou políticos (SAID, 2005).

Outro ponto importante sobre o livro de Said é a discussão em torno do intelectual na

atualidade, quais suas responsabilidades. Said se propõe a discutir o papel do intelectual que

para ele pode ser alguém que tenha a sensibilidade de representar um ideal ou indivíduo, o

intelectual fornece uma mensagem que pode ser filosófica ou política. (SAID, 2005).

Norberto Bobbio em “Os intelectuais e o Poder: dúvidas e opções dos homens de

cultura na sociedade contemporânea” traz a discussão sobre a forma como falamos dos

intelectuais. Não devemos compará-los de forma homogênea eles não constituem um só

grupo, existem vários tipos de intelectuais. Além da forma como falamos, Bobbio expressa a

preocupação do papel do intelectual, que possuem responsabilidades com o público e como a

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posição de determinado intelectual afeta todo o grupo de pessoas que trabalham com ideais

diversificados (BOBBIO, 1997).

A proposta da identidade visada por Mocbel se limita a uma classe que está no topo

da sociedade cametaense, ligada a elite política, apesar do intelectual hoje em dia negar que a

cultura não está voltada somente para pessoas ricas e brancas, as suas obras refletem muito

sobre uma sociedade moldada nos padrões do estado no século XX. (SOUZA,2014). Tamer

traz a valorização dos sujeitos históricos, mostrando a dominação da elite política no poder, os

intelectuais preocupam-se em manter os mitos em torno da história da cidade, como “Cametá

Cidade Invicta”, “Terra dos Notáveis” e “Terra dos Romualdos”, entrelaçando sujeitos

históricos que estavam ligados à centralização do poder político e social. (SOUZA, 2014).

A respeito disso, Monica Pimenta Velloso em “Os intelectuais e a política cultural do

Estado Novo”, faz um estudo sobre o posicionamento de intelectuais diante da construção de

uma nova história social e política. A autora traz uma abordagem acerca da relação entre

intelectuais e o Estado Novo, mostrando que as ligações de intelectuais com o poder, apesar

de complexas, podem ser vistas nos discursos conscientes de agentes que servem como

divulgadores de ideais políticos. O intelectual serve assim, como um catalisador de

informação que conduz o discurso do sistema político até aqueles que não podem

compreender o sentido político. Segundo Velloso, no período do Estado Novo, emergiram

vários intelectuais preocupados em descrever o momento histórico que estava ocorrendo na

sociedade brasileira (VELLOSO, 1987).

Nas obras de Mocbel vemos a preocupação do escritor em exaltar personagens

ilustres que possuíam o poder centralizador. O escritor mostra uma tendência de valorização

de personagens envolvidos na política. Na concepção deste literato, a história da sociedade

cametaense está ligada apenas aos personagens elitistas, em sua fala fica evidente que o

intelectual prioriza a questão da história de políticos e religiosos, dando ênfase aos homens

que considera como importante para a memória cametaense:

E fiz um levantamento dos homens que fizeram a história de Cametá. Tudo

isso porque eu queria fazer um livro não uma cartilha e consegui lançar.

(MOCBEL, 83 anos, em entrevista no dia 7 de março de 2014)

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O intelectual ainda se prende em uma história positivista, onde ressalta a importância

dos grandes heróis nacionais, mostrando que os verdadeiros sujeitos que fazem as

transformações nacionais devem ser lembrados. No levantamento feito por Mocbel, sobre os

homens que construíram a história da sociedade brasileira, os famosos “notáveis”,

personagens que para o intelectual marcaram na memória da sociedade valores heroicos,

vemos a valorização da elite oligárquica.

A tradição de lembrar da memória de personagens ilustres constitui o objetivo de

valorização de um grupo tradicional. Em seu último livro “Luzes da inspiração” o autor traz a

memória de um personagem que faz parte da elite cametaense, dedicando duas páginas para

valorizar o político:

Creio que, recordando o nome de Francisco Siqueira Mendes Pereira,

cumpro um dever de Justiça, pois seu nome jamais deveria (ou deverá) ser

esquecido, não só pelos serviços prestados a Cametá e seu povo, como

também por ter sido ele uma das reservas morais de nossa terra e merecedor

dos louvores que devemos prestar a todos quantos se destacaram no cenário

político-administrativo ou em quaisquer outros setores que ponham em

destaque o nome de Cametá, A Pérola do Tocantins. (MOCBEL, 2009, p.32)

É notável a valorização dada a tradicional elite política cametaense, como vimos os

sujeitos envolvidos na política ganham espaço nas obras literárias como personagens que

devem ser valorizados. Essa concepção de lembrar de sujeitos ilustres, faz com que haja a

construção da memória e história da cidade Cametá, que por sua vez influenciará na

identidade Tocantina que tem como representação pessoas de famílias tradicionais e

conservadoras.

A cultura então nesse momento emerge das matrizes do poder do Estado que

organizará a sociedade em seu contorno político e as elites de intelectuais começam criar

novas correntes de pensamentos que identificaram o Estado como símbolo de poder e de

nacionalidade brasileira. (VELLOSO, 1987). E o Estado teria como representação simbólica a

presença de personagens políticos tradicionais, assim como em Cametá os intelectuais

priorizaram a história e memória da elite política.

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Para o intelectual Alberto Moia Mocbel a exaltação de pessoas ligadas a política era

extremamente importante. Em um trecho tirado do Jornal “A Província do Pará” no ano de

1982, o prefeito Mocbel faz uma saudação ao presidente João Baptista Figueiredo.

Mensagem do Prefeito.

Presidente João Baptista Figueiredo.

Sede bem-vindo ao coração dos cametaenses.

No mesmo dia em que Pedro Teixeira partiu do litoral desta terra, para a

conquista da Amazônia. V. Exa. pisa o chão querido dos “Camutás”, para

conquistar em definitivo o coração de seu povo. (Cametá – A Marca do

progresso em Cametá. A Província do Pará, Belém quarta-feira, 27 de

outubro de 1982)

Esta declaração feita ao presidente do Brasil nos faz compreender o engajamento que

o intelectual Mocbel tem pela política, este trecho foi tirado do Jornal quando o presidente

Figueiredo visitou o Pará e em especial Cametá. Na fonte do jornal podemos compreender a

comparação que há entre o presidente Figueiredo, seu governo foi de forma ditatorial, o

intelectual faz referência também ao colonizador Pedro Teixeira, que escravizou os indígenas

que aqui viviam. Para o intelectual é uma honra a presença de um presidente ditador, na terra

que um dia sofreu o processo de colonização por portugueses. A figura de Pedro Teixeira é

associada ao ditador Figueiredo de forma gloriosa, na concepção do intelectual a centralização

do poder político é um processo parecido entre os dois sujeitos.

O engajamento intelectual de Mocbel está voltado a história política, a exaltação de

personagens ilustres que possuíam o poder centralizador. O escritor mostra uma tendência de

valorização de personagens envolvidos na política. Na concepção deste literato, a história da

sociedade cametaense está ligada apenas aos personagens elitistas, em sua fala fica evidente

que o intelectual prioriza a questão da história de políticos e religiosos, dando ênfase aos

homens que considera como importante para a memória cametaense:

E fiz um levantamento dos homens que fizeram a história de Cametá. Tudo

isso porque eu queria fazer um livro não uma cartilha e consegui lançar.

(MOCBEL, 83 anos, em entrevista no dia 7 de março de 2014)

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O intelectual ainda se prende em uma história positivista onde ressalta a importância

dos grandes heróis nacionais, mostrando que os verdadeiros sujeitos que fazem as

transformações nacionais devem ser lembrados.

1.1- Literatura, Memória e História

Vimos então que no século XX com a intensificação dos problemas da nacionalidade

brasileira intelectuais utilizam obras literárias para reafirmar um passado glorioso ou criar um

imaginário que representasse o país. A escritura memorialista pode adentrar as múltiplas

dimensões da sociedade e pode exercer diversas funções sociais e culturais. Na literatura é

possível encontrarmos aspectos históricos entrelaçados ao imaginário do escritor, em vista

disso, nas obras de Mocbel e Tamer, notamos que são misturadas com história, memória e o

imaginário de uma elite política que influencia a escrever sobre uma nacionalidade brasileira.

(SOUZA, 2014).

Quanto aos outros sujeitos sociais como os negros ainda são vistos como atraso da

sociedade, separados da classe superior e considerados como desordeiros, assim como na obra

Chão Cametaense de Tamer, que mostra os cabanos como “anarquistas”, que em sua maioria

eram negros que reivindicavam uma autonomia e participação na história social. Para Tamer

os verdadeiros heróis foram aqueles que lutaram contra os cabanos, contra as reinvindicações

do negro.

A segunda edição de Chão Cametaense, publicada em 1987. O escritor começa

narrando sua participação na comemoração do Tricentenário da Fundação de Cametá e,

também, nos cem anos do movimento da cabanagem. Essa obra reflete o nacionalismo e o

heroísmo de sujeitos políticos que lutaram contra os cabanos.

Faz exatamente, 50 anos, ainda no verdor de minha mocidade, que assisti no

salão nobre da nossa Prefeitura Municipal, no ano de 1935, à sessão magna

comemorativa do tricentenário da fundação da cidade de Cametá, a que se

associava com igual pompa evocativa, o 1º centenário da grande epopeia da

cabanagem vivida na resistência heroica que o valente padre soldado

Prudêncio José das Mercês Tavares soube impor, à frente dos denodados

cametaenses, contra a invasão sanguinária daquela rebelião desvairada, que

já dominava toda Província do Pará. (TAMER, 1985, p. 13)

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Vemos à exaltação feita por Tamer em cima do soldado Padre Prudêncio que,

segundo Tamer, impediu a entrada dos cabanos na cidade. Padre Prudêncio atuava como uma

espécie de Juiz de Paz na cidade de Cametá e implementou leis que proibiam negros de

andarem em grupos com receio de que houvesse novas revoltas na cidade. (TAMER, 1985).

Segundo o pesquisador Valter do Carmo Cruz em “Pela Outra Margem da Fronteira:

território, identidade e lutas sociais na Amazônia”, a elite política cametaense por muito

tempo valoriza personagens que estavam enquadrados no desenvolvimento e progresso da

sociedade cametaense. Para Valter Cruz a mitologia dada em cima desses personagens é

devido a posição social que eles tinham na sociedade. (CRUZ, 2006).

A história do município de Cametá tem sido a narrativa de uma elite de famílias

tradicionais como Parijós, Mendonça, Peres dentre outras ligadas à economia e a política

local. Para Valter Cruz, essa elite de intelectuais é responsável por guardar a memória e a

história tradicional cametaense. Sendo assim, a história de determinado grupo social (elitistas)

ganha espaço enquanto outros grupos sociais (pobres e negros) são invizibilizados neste

processo de construção da memória coletiva. Para o pesquisador essa invenção de tradições

em cima de sujeitos históricos considerados como heróis, delimita a formação da identidade

cametaense. (CRUZ, 2006).

Nessa valorização da hierarquia sócio-política Tamer faz com que haja uma

definição de um grupo social reforçando a ideologia de “pertencimento” a terra e exaltação a

um grupo oligárquico. Essas exaltações as grandes figuras da elite cametaense que lutaram

contra o movimento denominado de cabanagem reafirmam a posição da elite na sociedade

como superiores, reforçando a ideia de marginalização dos negros que habitavam a sociedade

cametaense. (CRUZ, 2006).

O intelectual Tamer, não insere Cametá favoravelmente ao movimento cabano, pelo

contrário, sua mentalidade é de uma cidade organizada socialmente, que respeita a ordem e a

moralidade e que resistiu contra essa manifestação, posicionando-se contra os “excessos”

cabanos.

Se os cametaenses, profundamente indignados com a tragédia do brigue

“Palhaço”, se levantaram em armas contra o governo e essa revolta tenha

gerado mais tarde a própria revolução dos cabanos, como admitir que

Cametá se tenha tornado, depois, na mais impressionante resistência contra a

Cabanagem? (TAMER, 1988, p. 45).

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O elemento de resistência à cabanagem faz com que Cametá na memória da elite seja

uma “Cidade Invicta”, que se manteve contra o movimento devido uma elite política que era

contra os ideais de outros grupos que não pertencessem à mesma origem oligárquica.

Outro intelectual que também reverencia a história dos personagens ilustres é Alberto

Moia Mocbel que em suas obras “Ecos Cametaenses”; “Cametá Recordações e Saudades” e

“Luzes da Inspiração”, traz uma memória voltada para a construção da identidade que

legitima um grupo social (elite). No livro publicado em 1985 Ecos Cametaenses, os contos e

crônicas feitas pelo escritor Alberto Moia Mocbel, revelam o saudosismo a pátria e a cidade

de Cametá, a narrativa histórica descreve os “Vultos que Enobrecem a Nossa História”. Os

mitos criados em cima de heróis e acontecimentos épicos fundamentam essa construção da

identidade cametaense. (MOCBEL, 1985).

Segundo o autor, este discurso relembrava o ano de 1822, em que o “povo”

brasileiro, ou seja, os portugueses que residiam aqui, ansiavam pela liberdade e pela

independência do país.

Senhores. A luta pela paz, pela liberdade e pelo progresso tem sido uma

constante na vida do povo brasileiro. Nessa trajetória tem ele encontrado as

dificuldades naturais que a vida oferece, mas logo o ideal, a força de vontade

e a formação do caboclo brasileiro têm conseguido vencer as dificuldades e

ultrapassar as barreiras e, embora as lutas, o sacrifício até mesmo da própria

vida, as vitórias têm sido alcançadas. Daí a necessidade que temos, todos, de

conhecer melhor a nossa História; conhecer melhor homens que iniciaram a

difícil caminhada rumo à liberdade, essa Liberdade que devemos preservar

com amor, carinho e sacrifício, da vida, se necessário for. (MOCBEL, 1985,

p. 49).

Essa legitimação do discurso proferido mostra a capacidade do intelectual de

construir relações de poder e símbolos que trazem sentimentos de amor à pátria. A partir dos

estudos de Marilena Chauí, o pesquisador Valter Cruz explica do sentindo antropológico o

sentido de que os personagens em momentos de tensões sociais ou políticas tem a capacidade

de criar alternativas para ultrapassarem os desafios impostos (CRUZ, 2006). Assim na

literatura cametaense os personagens ilustres ganham espaço na história e na memória. E

quanto mais repetitivo for melhor para conservar um símbolo.

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Nesse aspecto de relembrar os grandes feitos, Tamer reserva várias páginas do seu

livro sobre as lembranças dos Notáveis. A citação a seguir de Victor Tamer consta como

colaboração no livro de Mocbel “Ecos Cametaenses”.

(...) Se na verdade os mortos governam os vivos, quanto exemplo de

grandeza moral e cívica, que nos orgulha sobremodo, está contida nas

páginas a seguir, para a mediação e reconhecimento de todos nós, seus

conterrâneos. E por isso mesmo o nosso agradecimento a oportuna

compreensão do talentoso cametaense Alberto Mocbel. (MOCBEL, 1985, p.

95).

Os mortos que Tamer se refere são os Notáveis, que tiveram influência política na

cidade de Cametá. Os “ecos cametaenses” pertencem à própria elite conservadora, que através

dos tempos, deixa na memória da cidade a história elitizada que marginaliza os negros que se

revoltaram durante a cabanagem.

No livro “Recordações e Saudades” de Mocbel, publicado em 1988, mostra outros

grupos sociais (negros), mas que aparecem cheios de estereótipos. Este livro traz as memórias

do intelectual durante sua infância e juventude. O autor faz uma viagem no tempo, recordando

não só os fatos, mas também as pessoas que costumava encontrar. Veja como o negro aparece

de uma forma “amarga” na lembrança do escritor.

Outra lembrança amarga, é a Benedita Retrós. Nunca vi desde então figura

mais feia e, vejam o contraste, naquela carcaça horripilante pulsava um

coração extraordinariamente bom. Quantas vezes foi ela chamada, pela

minha mãe, para me benzer, quando ardia eu em febre, na esperança de que

essa providência afastasse o “quebranto” que me atormentava. Até hoje não

sei quem agia melhor, se o medo que eu tinha da velha benzedeira ou a fé

que tinha minha mãe em seus trabalhos. A verdade é que, após as suas

benzeduras, eu melhorava sempre. (MOCBEL, 1988, p. 6).

No século anterior ao XX, era comum encontrar obras cheias de preconceitos e

estereótipos sobre o negro, pois muitos intelectuais estavam inseridos em ideais proeminentes

racistas, representavam na literatura as correntes científico-filosóficas que surgiram no fim do

século XIX. E, no século XX, tais correntes cientificas continuaram a existir e causavam na

literatura um reflexo preconceituoso. (CRUZ, 2006).

A “lembrança amarga” do escritor a respeito da senhora negra mostra o preconceito

por parte do intelectual. Quanto ao sobrenome da senhora “Retrós” nos dá a impressão de

“atraso”, essa era a visão da sociedade elitista contra o negro. Para muitos intelectuais do

século XX, a negritude na sociedade causava o atraso do progresso e do desenvolvimento

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social. Após abolição da escravatura muitos questionamentos sobre o negro surgiram, a ideia

do atraso social e político jogava para as populações negras a culpa da situação que o país

enfrentava. (CRUZ, 2006). Quanto a “carcaça horripilante” está relacionada à própria cor da

negra, normalmente as pessoas negras sofriam com depreciações nominais por conta de sua

origem racial, em pleno século XX, os resquícios da escravidão ainda impregnavam a

mentalidade da elite tradicional. (SOUZA, 2014).

Quando o intelectual vai tratar de uma prática lúdica afro-brasileira ele mostra a

distinção que há da elite a população negra.

O Samba de Cacete, outrora, era exclusividade dos negros e de pessoas

absolutamente humildes. Funcionava apenas no subúrbio ou lá para o meio

das matas. Ali, salvo poucas exceções, gente da sociedade não botava os pés.

Era tabu. Havia uma odienta distinção de classes; um preconceito aviltante;

uma formalidade radical. Nesse tempo, as festas de primeira eram destinadas

à elite e as moças que frequentavam eram chamadas de “federais”; as de

segunda pertenciam à classe média e ali era o reduto das “estaduais”; as de

terceira agregavam as prostitutas ou “municipais”. O “Samba de Cacete”

pertenciam aos homens de cor. (...) Também em Cametá, na Aldeia dos

Parijós, o salão de danças era dividido às pessoas de primeira e de segunda.

(MOCBEL, 1988, p. 11).

Essas festividades feitas pela elite cametaense proibiam negros de entrarem nos

salões onde os brancos estavam. Essas recordações de Mocbel nos faz pensar no meio social

que ele pertenceu, por isso o autor sempre traz a memória dos ilustres cametaenses.

(MOCBEL, 1988). E lançando-se do pensamento europeu no século XX, os intelectuais

cametaenses acabam permeando na sociedade as teorias raciais que justificam as diferenças

sociais. (SOUZA, 2014).

Essa história e essa identidade, legitimam o poder a uma elite que através dos tempos

usa dessa memória de heróis para reafirmar o lugar do outro na sociedade. Sendo assim na

obra mais recente de Mocbel “Luzes da Inspiração” publicada em 2009, possui 131 páginas é

formada basicamente por 4 capítulos. O intelectual mais uma vez traz o discurso sobre os

“notáveis”, e a contribuição desses personagens para a história e a identidade cametaense. O

passado significativo desses personagens torna uma “tradição” na história da cidade relembrar

os grandes feitos por eles. (SOUZA, 2014).

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Quanto ao preconceito racial Mocbel descreve que nas festividades carnavalescas,

existia uma divisão social, mas isso era comum e respeitado por “ambas” as classes.

Em que pese o famigerado preconceito social que fazia dividir os brincantes

como de primeira, segunda e terceira classes, ainda assim existia um clima

de respeito recíproco. Na verdade, parece-nos, tratava-se mais de uma força

dos costumes que de princípios preconceituosos. (MOCBEL, 2009, p. 29-30)

Essa concepção do autor nos faz pensar no quanto a elite ainda estava acostumada a

ver o negro como inferior e incapaz de fazer parte do meio social que pertenciam. Sendo

assim a presença negra na literatura cametaense está regada de negatividade, quando

aparecem são atribuídos de características depreciativas. (SOUZA, 2014).

No trabalho de Maria Isaura Pereira de Queiroz em “Identidade Cultural, Identidade

Nacional no Brasil”, traz a discussão sobre processo de constituir uma identidade brasileira.

Essa preocupação começa no século XIX, no entanto ainda no século XX é fortemente

discutida no âmbito acadêmico e nacional, houve trabalhos de estudiosos que de certa forma

contribuíram para sanar o problema da identidade cultural e nacional. (QUEIROZ, 1989).

Para Queiroz, alguns estudiosos de ciências sociais acusaram os grupos menos

favorecidos de atrasarem o desenvolvimento do país, principalmente os “aborígenes e

africanos”.

Complexos culturais aborígenes, outros de origem europeia, outros ainda de

origem africana coexistiam. E estes cientistas sociais acusavam a

persistência de costumes bárbaros, aborígenes e africanos, de serem

obstáculos impedindo o Brasil de chegar ao esplendor da civilização

europeia. Consideravam-nos assim como uma barreira retardando o

encaminhamento do país para a formação de uma verdadeira identidade

nacional, que naturalmente embaraçava também um desenvolvimento

econômico mais eficiente. (QUEIROZ, 1989, p. 18)

Para esses intelectuais o atraso do país provinha justamente da mistura de raças e

para eles o país não se tornaria harmonioso por conta da miscigenação que ocorria.

Afirmavam que todos os problemas sociais que o Brasil passava eram devido à identidade

negra que não poderia assumir uma posição social. Nesse sentido vemos o embate de duas

identidades de contextos diferenciados (QUEIROZ, 1989).

Sendo assim a história e a memória da elite oligárquica é usada para representar as

tradições criadas por intelectuais que ao enobrecer a elite, acabam valorizando sua própria

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existência e memória. Nesse sentido a identidade cametaense para os intelectuais, afirma-se

através das memórias de personagens políticos e religiosos que tiveram um passado glorioso,

e que no presente representam a nacionalidade brasileira, a força e a ordem social e moral da

cidade de Cametá.

Para Stuart Hall em “A identidade cultural na pós-modernidade”, a diáspora da

identidade negra é constituída de experiências e modificações nos elementos culturais,

passando por uma metamorfose de acordo com as construções históricas e suas relações

estreitas com o poder. Hall preocupa-se com essas reestruturações na identidade pós-moderna

e segundo ele a identidade está fragmentada. No Brasil, desde a implantação do Estado Novo,

houve uma preocupação em criar uma identidade nacionalista, na qual as representações

políticas constituiriam mais tarde uma cultura nacional. (HALL, 2005).

CONSIDERAÇÔES FINAIS

Notamos que os intelectuais cametaenses adotaram uma posição nacionalista em suas

obras. Vimos que durante o século XX as discussões sobre identidade brasileira eram bastante

complexas e preocupantes. Em Cametá, a preocupação dos autores era construir através de

personagens elitistas uma memória baseada nos moldes do estado. Assim como em outras

regiões do país, a história de Cametá descrita pelos intelectuais Tamer e Mocbel está voltada

para pessoas que mantinham relações com o poder político e econômico. Percebemos o

interesse dos intelectuais em criar uma identidade através desses sujeitos históricos que são

lembrados como heróis, assim como Padre Prudêncio que lutou contra os cabanos durante a

tentativa de invasão na cidade. E essa memória não está só nos documentos escritos podem

ser vistas em várias partes da cidade de Cametá, como em algumas praças que possuem

bustos de pessoas ilustres.

Através das escritas, os intelectuais cametaenses deixaram na memória da cidade a

história da elite conservadora que sempre esteve à frente das questões políticas e militares. O

“poder ideológico” desses intelectuais fora usado para perpetuar a história da elite na memória

da sociedade. Mocbel, através de seu poder político organizou jornais com ideais

conservadores, sempre mostrando à sociedade cametaense a organização dessa mesma elite

que detém o poder nas mãos. Tamer através de seu livro “Chão Cametaense” narrou

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acontecimentos históricos sobre a cabanagem e a importância desses sujeitos para a

identidade e cultura cametaense.

Nesse sentido a identidade Tocantina remodela-se em torno de histórias e memórias

que ajudam a pensar as formações históricas da cultura cametaense. Enquanto intelectuais

engajados na política tradicional, narram à história de um grupo elitista que por muito tempo

centralizou o poder da sociedade local.

Assim, em Cametá, a ideologia nacionalista tinha que criar alternativas para

assegurar a sociedade uma identidade moldada pela nacionalidade, através dos símbolos e da

memória que seria contada. Essa era a identidade a ser construída. E a identidade nacional não

se relaciona com as práticas culturais herdadas de uma etnia, mas sim com uma identidade

constituída no sentido de se impor contra uma cultura que não faz parte dos seus padrões

culturais.

REFERÊNCIAS

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Pará. 1985. Belém/ PA.

________. Luzes da Inspiração. Alberto Moia Mocbel. Cametá, 2009.

TAMER, Victor. Chão Cametaense. 1987.

Impressa

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Cametá – A Marca do progresso em Cametá. A Província do Pará, Belém quarta-feira, 27 de

outubro de 1982.

Jornal de Cametá – 13 de setembro de 1942

Jornal Opinião – Cametá 28 de Julho de 1971

Fonte Oral

Entrevista com o Sr. Alberto Moia Mocbel, no dia 07/03/2014

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