a produção em massa de tradições europa 1879-1914 eric hobsbawm

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  • 8/2/2019 A produo em massa de tradies Europa 1879-1914 Eric Hobsbawm

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    7. A Produo em Massa deTradies: Europa, 1870 a 1914.

    ERIC HOBSBAWM

    I.

    Uma vez cientes de como e comum o fenmeno da inveno dastradies, descobriremos com facilidade que elas surgiram com fre-quncia excepcional no perodo de 30 a 40 anos antes da I GuerraMundial. No se pode dizer com certeza que nesse perodo inventa-ram-se tradies "com maior frequncia" do que em qualquer outro,uma vez que no h como estabelecer comparaes quantitativas rea-listas. Entreta nto, em muitos pases, e por vrios motivos, praticou-seentusiasticamente a invengao de tradies, uma produo em massaque e o assunto deste captulo.

    Foi realizada oficialmente e no-oficialmente, sendo as invenesoficiais - que podem ser chamadas de "polticas" - surgidas acima detudo em estados ou movimentos sociais e polticos organizados, oucriadas por eles; e as no-oficiais - que podem ser denominadas "so-ciais" - principalmente geradas por grupos sociais sem organizaoformal, ou por aqueles cujos objetivos no eram especfica ou cons-

    cientemente polticos, como os clubes e grmios, tivessem eles ou notambm funes polticas. Esta distino mais uma questo de con-venincia do que de princpio. Pretende chamar a ateno para duasformas principais da criao de tradies no sculo XIX, ambas refle-xos das profundas e rpidas transformaes sociais do perodo. Gru-pos sociais, ambientes e contextos sociais inteiramente novos, ou ve-lhos, mas incrivelmente transformados, exigiam novos instrumentosque assegurassem ou expressassem identidade e coeso social, e que es-truturassem relaes sociais. Ao mesmo tempo, uma sociedade emtransformao tornava as formas tradicionais de governo atravs deestados e hierarquias sociais e polticas mais difceis ou at impratic-veis. Eram necessrios novos mtodos de governo ou de estabeleci-

    mento de alianas. De acordo com a ordem natural das coisas, a con-sequente inveno das tradies "polticas" foi mais consciente e deli-berada, pois foi adotada por instituies que tinham objetivos polti-cos em mente. Podemos, no entanto, perceber imediatamente que a in-veno consciente teve xito principalmente segundo a proporo do

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    sucesso alcancado pela sua transmisso numa frequncia que o pbli-co pudesse sintonizar de imediato. Os novos feriados, cerimnias, he-ris e smbolos oficiais pblicos, que comandavam os exrcitos cadavez maiores dos empregados do estado e o crescente pblico cativocomposto pelos colegiais, talvez no mobilizassem os cidados volun-

    trios se no tivessem uma genuna repercusso popular. O ImprioAlemo no foi feliz ao tentar transformar o Imperador Guilherme Inum pai aceito pelo povo, fundador de uma Alemanha unida, nem aofazer de seu aniversrio um verdadeiro aniversrio nacional. (Alis,quem que se lembra de que tentaram cham-lo "Guilherme, o Gran-de"?) O apoio oficial assegurou a construo de 327 monumentos aGuilherme ate 1902, mas apenas um ano aps a morte de Bismarck,em 1898, 470 municpios haviam resolvido erigir "colunas a Bismarck".1 No obstante, o Estado ligou as invenes de tradioformais e informais, oficiais ou no, polticas e sociais, pelo menos nospases onde houve necessidade disso. Visto de baixo, o Estado definiacada vez mais um palco maior em que se representavam as atividadesfundamentais determinantes das vidas dos sditos e cidados. Alis,assim como definia, tambm registrava a existncia civil deles (tat ci-vil). Talvez no tenha sido o nico palco desta natureza, mas sua exis-tncia, limites e intervenes cada vez mais frequentes e perscrutado-ras na vida do cidado foram, em ltima anlise, decisivas. Nos pasesdesenvolvidos, a "economia nacional", sua rea definida pelo territ-rio de estado ou de suas subdivises, era a unidade bsica do desenvol-vimento econmico. Qualquer alterao nas fronteiras do estado ouem sua poltica acarretava considerveis e duradouras consequnciasmateriais para os cidados do pas. A padronizao da administraoe das leis nela contidas e, especificamente, da educao oficial, trans-

    formou as pessoas em cidados de um pas determinado: "camponesese franceses", segundo o ttulo de um livro oportuno. 2 O Estado era ocontexto das aes coletivas dos cidados, na medida em que estas fos-sem oficialmente reconhecidas. O principal objetivo da poltica nacio-nal era, sem dvida, influenciar ou mudar o governo do Estado ousuas diretrizes, sendo que o homem comum tinha cada vez mais direi-tos de participar dele. Na verdade, a poltica no novo sentido do scu-

    1. G. L. Mosse, "Caesar ism, Circuses and Movements ", Journal of ContemporaryHistory, vi, n. 2 (1971), pp. 167-82; G. L. Mosse, The Nationalisation of the Masses: Poli-tical Symbolism and Mass Movements in Germany from the Napoleonic Wars through the

    3rd Reich (Nova lorque, 1975); T. Nipperdey, "Nationalidee und Nationaldenkmal inDeutschland im 19. Jahrhundert", Historische Zeitschrift (jun. 1968), pp. 529-85, princ.543 (notas). 579 (notas).

    2. Eugen Weber , Peasants into Frenchmen: The Modernization of Rural France, 1870-1914 (Stanford, 1976).

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    lo XIX era, basicamente, uma poltica de dimenses nacionais. Em su-ma, para fins prticos, a sociedade ("sociedade civil") e o Estado emque ela funcionava tornaram-se cada vez mais inseparveis.

    Foi, portanto, natural, que as classes existentes na sociedade, e es-pecialmente a classe operria, tendessem a identificar-se atravs de

    movimentos polticos ou organizaes ("partidos") de mbito nacio-nal; igualmente natural, que estes agissem de facto basicamente dentrodo pas.3 No surpreende tambm que movimentos que pretendiam re-presentar uma sociedade inteira ou um "povo" inteiro encarassem suaexistncia fundamentalmente em termos de um estado independenteou, pelo menos, autnomo. Estado, nao e sociedade eram fatores emconvergncia.

    Pela mesma razo, o Estado, visto de cima, de acordo com a pers-pectiva de seus governantes formais ou grupos dominantes, deu ori-gem a problemas inditos de preservao ou estabelecimento da obe-dincia, lealdade e cooperao de seus sditos e componentes, ou sua

    prpria legitimidade aos olhos destes sditos e componentes. O pr-prio fato de que suas relaes diretas e cada vez mais intrometidas efrequentes com os sditos e cidados como indivduos (ou no mximocomo chefes de famlias) haviam-se tornado cada vez mais essenciaisao seu funcionamento, causou um enfraquecimento dos velhos meca-nismos atravs dos quais se mantivera com xito a subordinao so-cial: coletividades ou corporaes relativamente autnomas sob o con-trole do governante, mas que controlavam seus respectivos membros,pirmides de autoridade cujos pices ligavam-se a autoridades mais al-tas, hierarquias sociais estratificadas em que cada camada aceitava seulugar, e dai por diante. Em todo caso, transformaes sociais como asque substituiram os estamentos (ranks) por classes, desgastaram-nas.

    Os problemas dos estados e dos governantes eram sem dvida muitomais graves onde os sditos se haviam tornado cidados, ou seja, pes-soas cujas atividades polticas eram institucionalmente reconhecidascomo algo que devia ser considerado - mesmo que fosse apenas sob aforma de eleies. Agravaram-se ainda mais quando os movimentospolticos de massas desafiaram deliberadamente a legitimidade dos sis-temas de governo poltico ou social, e/ou ameaaram revelar-se in-compatveis com a ordem do estado ao colocar as obrigaes paracom alguma outra coletividade humana - geralmente a classe, a igrejaou a nacionalidade - acima dele.

    3. Isto ficou definitivamente compro vado em 1914, pelos partidos socialistas da Se-gunda Internacional, que no s reivindicavam ser de alcance basicamente internacio-nal, mas de fato as vezes consideravam-se oficialmente nada mais do que seces nacio-nais de um movimento global. ("Sction Franaise de l'Internationale Ouvrire").

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    A questo parecia ser mais controlvel onde menos mudanas naestrutura social haviam ocorrido, onde o destino dos homens pareciaestar sujeito apenas s foras desde sempre desencadeadas sobre a hu-manidade por alguma divindade inescrutvel, e onde as antigas formasde superioridade hierrquica e subordinao estratificada, multiforme

    e relativamente autnoma ainda vigoravam. As nicas coisas que po-diam mobilizar o campesinato italiano alm de suas aldeias eram aigreja e o Rei. Alis, o tradicionalismo dos camponeses (que no deveser confundido com passividade, embora nao tenha havido muitos ca-sos em que eles desafiaram a prpria existncia dos senhores, contantoque estes pertencessem a mesma f e ao mesmo povo) foi constante-mente elogiado pelos conservadores do sculo XIX, que o considera-vam o ideal do comportamento poltico dos sditos. Infelizmente, osEstados em que tal modelo funcionou eram, por definio, "atrasa-dos" e, portanto, frgeis, sendo que qualquer tentativa de "moderni-za-los" provavelmente os tornaria menos viveis. Teoricamente, erapossvel conceber uma "modernizao" que mantivesse a velha orga-

    nizao da subordinao social (possivelmente com um pouco de in-veno ponderada de tradies), mas fora o Japo, difcil encontraroutro exemplo de sucesso na prtica. Possivelmente, tais tentativas deatualizar os laos sociais de uma ordem tradicional implicavam o re-baixamento da hierarquia social, um fortalecimento das ligaes dire-tas entre o sdito e o governante central que, intencionalmente ou no,passou a representar cada vez mais um novo tipo de estado. "Deus sal-ve o Rei" passou a ser (embora por vezes simbolicamente) uma exorta-o poltica mais eficaz do que "Deus abeoe o proprietrio e seusparentes e nos mantenha em nossas posies". O captulo sobre a mo-narquia britnica esclarece este processo at certo ponto, embora fosseinteressante realizar-se um estudo sobre as tentativas que fizeram di-nastias mais autenticamente legitimistas, tais como a dos Habsburgose dos Romanov, no s de impor obedincia a seus povos como sdi-tos, mas de angariar-lhes a lealdade como cidados em potencial. Sa-bemos que eles terminaram no conseguindo, mas teria sido este fra-casso inevitvel?

    Por outro lado, o problema era mais difcil de ser resolvido em estados inteiramente novos, em que os governantes eram incapazes defazer uso eficaz de laos j existentes de obedincia e lealdade poltica,e em estados cuja legitimidade (ou a legitimidade da ordem social poreles representada) j no era mais aceita. Acontece que no perodo de1870-1914 havia excepcionalmente poucos "estados novos". A maio-ria dos estados europeus, assim como das repblicas americanas, ha-via, aquela altura, adquirido as instituies, smbolos e prticas ofi-ciais bsicas que a Monglia, tendo declarado uma espcie de indepen-dencia da China em 1912, imediatamente considerou inovadoras e ne-

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    cessrias. Tinham capitais, bandeiras, hinos nacionais, uniforrnes mi-litares e acessrios semelhantes, baseados em grande parte no modelodos britnicos, cujo hino nacional (que data de aprox. 1740) , prova-velmente, o primeiro, e no modelo dos franceses, cuja bandeira tricolorfoi livremente imitada. Vrios novos estados e regimes foram capazes

    de, como a Terceira Repblica Francesa, recorrer ao simbolismo re-publicano francs do passado, ou, como o Imprio alemo de Bis-marck, associar elementos tirados de um Imprio Alemo anterior,aos mitos e smbolos de um nacionalismo liberal popular entre as clas-ses mdias, e ao prosseguimento da dinastia da monarquia prussiana,da qual na dcada de 1860, metade dos habitantes da Alemanha deBismarck eram sditos. Dentre os estados maiores, apenas a Itlia tevede partir do nada para resolver o problema resumido por d'Azeglio naseguinte frase: "Ns fizemos a Itlia: agora temos de fazer os italia-nos." A tradio do reino de Sabia no era uma vantagem polticafora da regio noroeste do pas, e a igreja opunha-se ao novo Estado

    italiano. Talvez no surpreenda que o novo reino da Itlia, emboraanimado para "fazer italianos", no estava nada entusiasmado com aideia de fazer mais de um ou dois por cento deles eleitores, at que istose tornasse completamente inevitvel.

    Embora o estabelecimento da legitimidade dos novos estados eregimes fosse relativamente raro, sua afirmao contra a ameaa dapoltica popular no foi. Como dissemos acima, aquele desafio eraprincipalmente representado, nica ou conjuntamente, pela mobiliza-o poltica das massas, s vezes combinada, s vezes conflitante,atravs da religio (principalmente a catlica romana), da conscinciade classe (democracia social), e do nacionalismo, ou pelo menos a xe-nofobia. Em termos polticos, tais desafios tiveram sua expresso mais

    visvel no voto, e, neste perodo, apresentavam-se inextrincavelmenteligados existncia do sufrgio universal ou a luta por sua obteno,travada contra oponentes que, principalmente agora, conformavam-secom uma ao de defesa da retaguarda. Em 1914 j havia na Austrlia(1901), ustria (1907), Bgica (1894), Dinamarca (1849), Finlndia(1905), Frana (1875), Alemanha (1871), Itlia (1913), Noruega(1898), Sucia (1907), Sua (1848-79), no Reino Unido (1867-84) e nosEstados Unidos, certa forma de sufrgio amplo, embora no univer-sal, e s ocasionalmente se fizesse acompanhar da democracia poltica.No obstante, mesmo onde as constituies no eram democrticas, aprpria existncia de um eleitorado de massas j evidenciava o proble-ma de manter sua lealdade. A ascenso ininterrupta do voto social-democrata na Alemanha imperial no preocupou menos os governan-tes pelo fato do Reichstag ter muito pouco poder.

    A ampliao do progresso da democracia eleitoral e a consequen-te apario da poltica de massas, portanto, dominaram a inveno

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    das tradies oficiais no perodo de 1870-1914. O que tornava isso par-ticularmente urgente era a predominancia tanto do modelo das insti-tuies constitucionais liberais quanto da ideologia liberal. As primei-ras ofereciam obstculos no tericos, mas no mximo empricos de-

    mocracia eleitoral. De fato, dificilmente um liberal dispensaria a ex-tenso dos direitos civis a todos os cidados - ou pelo menos aos desexo masculino - mais cedo ou mais tarde. A ideologia liberal alcana-ra seus mais espetaculares xitos econmicos e transformaes sociaisatravs da opo sistemtica pelo indivduo, relegando a coletividadeinstitucionalizada, pelas transaes de mercado (o "vnculo financei-ro") ao invs de pelos laos humanos, pela hierarquia de classe ao in-ves da de estamentos, pela Gesellschaft, em vez da Gemeinschaft. Dei-xou, assim, sistematicamente, de cultivar os vnculos sociais e de auto-ridade aceitos pelas sociedades do passado, tendo alis pretendido econseguido enfraquec-los. Contanto que as massas permanecessem

    alheias poltica, ou fossem preparadas para apoiar a burguesia libe-ral, no haveria grandes dificuldades polticas em consequncia disso.Todavia, da dcada de 1870 em diante tornou-se cada vez mais eviden-te que as massas estavam comeando a envolver-se na poltica, e nose poderia ter certeza de que apoiariam seus senhores.

    Aps a dcada de 1870, portanto, quase que certamente juntocom o surgimento da poltica de massas, os governantes e observado-res da classe mdia redescobriram a importncia dos elementos "irra-cionais" na manuteno da estrutura e da ordem social. Conforme co-mentaria Graham Wallas em Human Nature in Politics (A NaturezaHumana na Poltica) (1908): "Quem se dispuser a basear seu pensa-mento poltico numa reavaliao do funcionamento da natureza hu-

    mana, deve comear por tentar superar sua prpria tendncia de exa-gerar a intelectualidade do homem".4 Uma nova gerao de pensado-res no teve dificuldade em superar tal tendncia. Redescobriram ele-mentos irracionais na psique individual (Janet, William James,Freud), na psicologia social (Le Bon, Tarde, Trotter), atravs da an-tropologia em povos primitivos cujas prticas j no pareciam preser-var simplesmente as caractersticas da infncia da humanidade moder-na (Durkheim no distinguiu os elementos de toda a religio nos ritosdos aborgines da Austrlia?5), mesmo naquele perfeito bastio da ra-zo humana ideal, o helenismo clssico (Frazer, Cornford).6 O estudo

    4. Graham Wallas, Human Nature in Politics (Londres, 1908), p. 21.5. Emile Durkheim , The Elementary Forms of the Religious Life (Londres, 1976). Pri-

    meira edio francesa em 1912.6. J. G. Frazer, The Golden Bough, 3. ed. (Londres, 1907-30); F. M. Corniord, From

    Religion to Philosophy: A Study of the Origins of Western Speculation (Londres, 1912).

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    intelectual da poltica e da sociedade foi transformado pelo reconheci-mento de que o que mantinha unidas as coletividades humanas noeram os clculos racionais de seus componentes.

    Creio no ser este o momento oportuno para fazer uma anlise,

    nem mesmo a mais breve possvel, deste recuo intelectual do liberalis-mo clssico, que apenas os economistas no acompanharam.7 H umarelao bvia entre ele e a experincia da poltica de massas, principal-mente num pas onde uma burguesia que tinha, segundo Burke,"rasgado violentamente... o recatado cortinado da vida,... as agrada-veis iluses que tornavam o poder manso e a obedincia liberal" 8 daforma mais definitiva possvel, agora achava-se exposta, afinal, a ne-cessidade permanente de governar por meio de uma democracia polti-ca sombra de uma revoluo social (a Comuna de Paris). Natural-mente, no bastava lamentar o desaparecimento daqueles antigos ali-cerces sociais, a igreja e a monarquia, como fez o Taine ps-Comuna,embora no tivesse simpatia por nenhuma das duas.9 Era ainda menosprtico trazer de volta o rei catlico, como queriam os monarquistas(eles prprios estando longe de ser os melhores exemplos de piedade ef tradicional, como no caso de Maurras). Havia que construir-se uma"religiao cvica" alternativa. Tal necessidade foi o ncleo da sociolo-gia de Durkheim, tra balho de um dedicado republicano no-socialista.No entanto, teve de ser instituda por pensadores menos eminentes,embora fossem polticos mais experientes.

    Seria ridculo insinuar que os homens que governaram a TerceiraRepblica, para atingirem uma estabilidade social, fiaram-se apenasna inveno de tradies novas. Eles, ao contrrio, basearam-se nofato poltico real de que a direita era uma minoria eleitoral permanen-

    te, que o proletariado social revolucionrio e os inflamveis parisien-ses poderiam ser permanentemente derrotados pelos votos das aldeiase pequenas cidades, com representao equivalente ou maior, e que agenuina paixo dos eleitores republicanos rurais pela Revoluo Fran-cesa e seu dio pelos interesses dos detentores do capital poderia geral-mente ser aplacado por estradas apropriadamente distribudas pelosdistritos, pela defesa dos altos pregos dos produtos agrcolas e, quasecertamente, pela manuteno de impostos baixos. O aristocrata radical socialista sabia o que pretendia quando redigiu seu discurso eleito-

    7. Provavelmente porque eles foram capazes de eliminar de seu campo de viso tudoo que no pudesse definir-se como comportamento racionalmente ampliador; a custa -aps a dcada de 1870 - de um considervel estreitamento de seu campo de estudo.

    8. Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France, ed. Everyman, p. 74.9. J. P. Mayer, Political Thought in France from the Revolution to the 5th Republic

    (Londres, 1961), pp. 84-8.

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    ral, recorrendo a evocao do esprito de 1789 - no do de 1793 - e aum hino Repblica, em cujo climax garantiu sua lealdade aos inte-resses dos viticultores do seu eleitorado do Languedoc.10

    Entretanto, a inveno da tradio desempenhou um papel fun-damental na manuteno da Repblica, pelo menos salvaguardando-acontra o socialismo e a direita. Pela anexao deliberada da tradiorevolucionria, a Terceira- Repblica apaziguou os social-re-volucionrios (como a maioria dos socialistas) ou isolou-os (comoos anarco-sindicalistas). Em consequncia disso, era agora capaz demobilizar at mesmo a maioria de seus adversrios potenciais da es-querda para defender uma repblica e uma revoluo do passado,constituindo uma frente nica com as classes que reduziu a direita auma permanente minoria no pas. Alias, conforme se explica no ma-nual da poltica da Terceira Repblica, Clochemerle, a principal fun-o da direita era ser alvo da mobilizao dos bons republicanos. 0movimento operrio socialista negou-se a ser cooptado pela Repblica

    burguesa at certo ponto; da a instituio da comemorao anual daComuna de Paris no Mur des Federes (1880) contra a institucionaliza-o da Repblica; da tambm a substituio da "Marselhesa" traditional e agora oficial, pela nova "Internationale", seu hino durante ocaso Dreyfus, e principalmente durante as controvrsias sobre a parti-cipao socialista nos governos burgueses (Millerand)." Mais umavez, os republicanos jacobinos radicais continuaram, dentro do simbo-lismo oficial, a assinalar sua separao dos republicanos moderados edominantes. Agulhon, que estudou a mania tpica de erigir monumen-tos, em sua maioria da prpria Repblica, durante o perodo de 1875 a1914, observa, de maneira perspicaz, que nos municpios mais radicaisMarianne trazia pelo menos um dos seios nus, enquanto nos mais mo-

    derados ela estava sempre recatadamente vestida.12 No entanto, o maisimportante era que quern controlava todas as metforas, o simbolis-mo, as tradies da Repblica eram os homens do centro mascaradosde homens da extrema esquerda: os socialistas radicais, proverbial-mente "iguais aos rabanetes, vermelhos por fora e brancos por dentro,sempre do lado que mais lhes interessa". Assim que eles pararam decontrolar as fortunas da Repblica - desde a poca da Frente Popularem diante - os dias da Terceira Repblica ficaram contados.

    10. Jean Touchard , La Gauche en France depuis 1900 (Paris, 1977), p. 50.

    11. Maurice Dommange t, Eugne Pottier, Membre de la Commune et Chantre de I'In-ternationale (Paris, 1971); cap. 3.12. M. Agulhon, "Esquise pour une Archologie de la Rpublique; 1'Allegorie CiviqueFminine". Annales ESC, xxviii (1973), pp. 5-34; M. Agulhon, Marianne au Combat: I'l-magerie et la Symbolique Rpublicaines de 1789 1880 (Paris, 1979).

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    Ha provas suficientes de que a burguesia republicana moderadareconhecia a natureza de seu principal problema politico ("falta de ini-migos da esquerda") desde a decada de 1860, e pds-se a resolvS-lo logoque a Republica firmou-se no poder.13 Em termos da invengao da tradigao, tres novidades principais sao particularmente importantes. A

    primeira foi o desenvolvimento de um equivalente secular da igreja -educagao primaria, imbuida de principios e conteiido revolucionario erepublicano, e dirigida pelo equivalente secular do clero - ou talvez,dada a sua pobreza, os frades - os instituteurs.1" Nao resta diivida deque esta foi uma criagao deliberada do inicio da Terceira Republica e,considerando-se a centralizagao proverbial do governo frances, de queo cpnteudo dos manuais que iriam transformar nao so camponeses emfranceses, mas todos os franceses em bons republicanos, foi cuidado-samente elaborado. Alias, a "institucionalizagao" da propria Revolu-gao Francesa na, e pela, Republica ja foi estudada com maior vagar.15

    A segunda novidade foi a invengao das cerimonias publicas.16 A

    mais importante delas, o Dia da Bastilha, foi criado em 1880. Reuniamanifestagoes oficiais e nao-oficiais e festividades populares - fogos deartificio, bailes nas ruas - confirmando anualmente a condigao daFranga como nagao de 1789, na qual todo homem, mulher e criangafranceses poderiam tomar parte. Embora deixasse espago, para manifestagoes populares mais belicosas, mal podendo evita-las, sua tenden-cia geral era transformar a heranga da Revolugao numa expressaoconjunta de pompa e poder do estado e da satisfagao dos cidadaos.Forma menos permanente de celebragao publica eram as exposigoesmundiais exporadicas que deram a Republica a legitimidade da pros-peridade, do progresso tecnico - a Torre Eiffel - e a conquista colonialglobal que procuravam enfatizar.17,

    A terceira novidade foi a produgao em massa de monumentospublicos ja comentada. Pode-se observar que a Terceira Republica -ao contrario de outros paises - nao era favoravel aos edificios publicos

    13. Sanford H. Elwitt, The Making of the 3rd. Republic: Class and Politics in France,1868-84 (Baton Rouge, 1975).14. Georges Duveau, Les Instituteurs (Paris, 1957); J. Ozouf (org.) Nous les Mditresd'cole: Autobiographies d'lnstituteurs de la Belle poque (Paris, 1967).15. Alice Gera rd, La Revolution Francaise: Mythes et Interpretations, 1789-1970 (Paris,1970), cap. 4.16. Charles Rearick, "F estivals in Modern Fra nce; The Experience of the 3rd. Re

    public", Journal of Contemporary History, xii, n. 3 (jul. 1977), pp. 435-60; RosemondeSanson, Les 14 Juillet, Fete et Conscience Nationale, 1789-1975 (Vans, 1976), com biblio-grafia.17. Sobre as intencoes poh'ticas da Exposica o de 1889, cf. Debor a L. Silverman , "The1889 Exhibition: The Crisis of Bourgeois Individualism", Oppositions, A Journal for

    Ideas and Criticism in Architecture (primavera 1977), pp. 71-91.

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    imponentes, dos quais j havia muitos na Frana - embora as grandesexposies tenham acrescentado alguns a Paris - nem s esttuas des-comunais. A principal caracterstica da "estatuomania" francesa18 foisua democracia, prenncio da democracia dos monumentos da guerraaps 1914-18. Dois tipos de monumentos espalharam-se pelas cidadese comunas rurais do pas: a imagem da prpria Repblica (na pessoade Marianne, agora universalmente conhecida), e as figuras civis bar-badas daqueles que o patriotismo local escolhia para reverenciar, fos-sem vivos ou mortos. Alis, embora a construo dos monumentos re-publicanos fosse evidentemente incentivada, a iniciativa e o custo detais empreendimentos eram questes de mbito local. Os empresriosque abasteciam este mercado ofereciam escolhas adequadas aos bolsosde toda comunidade republicana, dos cidados mais pobres at osmais ricos, desde modestos bustos de Marianne, dos mais diversos ta-manhos, passando por esttuas de corpo inteiro de vrias dimenses,at os pedestais e acessrios alegricos ou hericos que os cidados

    mais ambiciosos podiam colocar aos ps da figura.

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    Os opulentos con-juntos da Place de la Rpubl ique e da Place de la Nat ion em Parisconstituiam a verso suprema deste tipo de estaturia. Tais monumen-tos reconstituem as razes da Repblica - especialmente seus baluartesrurais - e podem ser considerados vnculos visveis entre os eleitores ea nao.

    Algumas outras caractersticas das tradies "inventadas" ofi-ciais da Terceira Repblica podem ser comentadas rapidamente. Exce-to sob a forma da celebrao de figuras de destaque do passado local,ou de manifestos polticos locais, ela no recorreu histria. Em par-te, sem dvida, porque a histria antes de 1789 (a no ser talvez pelos

    gauleses), lembrava a igreja e a monarquia, e em parte porque a hist-ria a partir de 1789 era uma fora divisria, no unificadora: cada tipo- ou grau - de Republicanismo tinha seus prprios heris e viles nopanteo revolucionrio, como demonstra a historiografia da Revolu-o Francesa. As diferencas partidrias eram patentes nas esttuas aRobespierre, Mirabeau ou Danton. Ao contrrio dos Estados Unidose dos estados latino-americanos, a Repblica Francesa esquivou-se,portanto, do culto aos Fundadores do Pas. Preferia smbolos gerais,abstendo-se at do uso de temas que se referissem ao passado nacionalnos selos postais at bem depois de 1914, apesar de a maioria dos Esta-dos europeus (fora a Gr-Bretanha e a Escandinvia) terem descober-to sua fora de meados da dcada de 1890 em diante. Eram poucos os

    18. M. Agulhon, "La Statuoman ie et 1'Histoire". Ethnologie Franfaise, n. 3-4 (1978),pp. 3-4.19. Agulhon, "Esquisse pour une Archologie .

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    smbolos: a tricolor (democratizada e universalizada na faixa do pre-feito, presente em todo casamento civil ou outra cerimnia), o mono-grama da Repblica (RF) e o lema (liberdade, igualdade, fraternida-de), a "Marselhesa", e o smbolo da Repblica e da prpria liberdade,que parece ter tornado forma nos ltimos anos do Segundo Imprio,

    Marianne. Podemos tambm observar que a Terceira Repblica notinha qualquer desejo oficial pelas cerimnias especificamente inventa-das, to caracterstico da primeira - "rvores da liberdade", deusas darazo e festejos ad hoc. Nao devia haver feriado nacional oficial quenao o 14 de julho , nenhuma mobilizao, procisso ou marcha formalpor parte dos cidados civis (ao contrrio dos regimes de massas do s-culo XX, e tambm ao contrrio dos Estados Unidos), mas uma sim-ples "republicanizao" da pompa do poder de estado aceita - unifor-mes, paradas, bandas, bandeiras e coisas que tais.

    O Segundo Imprio A lemo representa um contraste interessante,principalmente porque vrios dos temas gerais da tradio inventada

    republicana francesa podem ser identificados. Seu principal problemapoltico era duplo: como emprestar legitimidade histrica a verso bis-marckiana (Prusso-Pequeno alem) da unificao que no era reco-nhecida; e como lidar com aquela grande parte do eleitorado democr-tico que teria preferido outra soluo (grande-alemes, anti-prussianos, catlicos e, acima de tudo, social-democratas). O prprioBismarck parece no ter-se preocupado muito com o simbolismo, ano ser pela criao de uma bandeira tricolor que unia a branca e pre-ta prussiana com a nacionalista liberal preta, vermelha e dourada, queele pretendia anexar (1866). No havia qualquer precedente histricopara a bandeira nacional imperial preta, branca e vermelha.2" A receitade Bismarck para a estabilidade poltica era ainda mais simples: con-

    quistar o apoio da burguesia (predominantemente liberal), cumprindo1

    seu programa at um ponto que no comprometesse a predominncia

    20. Whitney Smith, Flags through the Ages (Nova Iorq ue, 1975), pp. 116-18. A bandei-ra nacionalista preta, vermelha e dourada parece ter tido origem no movimento estu-dantil do perodo ps-napoleonico, mas s foi claramente instituida como bandeira domovimento nacional em 1848. A resistncia a Repblica de Weimar reduziu sua bandei-ra nacional a estandarte de partido - alis, a fora militar do Partido Social-Democrataadotou-a como nome ("Reichsbanner"), embora a direita anti-republicana estivessedividida entre a bandeira imperial e a bandeira nacional socialista, que j no tinha adisposio tricolor tradicional, talvez devido associao com o liberalismo do sculoXIX, talvez por no indicar com clareza um rompimento radical com o passado. Toda-via, a bandeira continuou com o padro de cores bsico do imprio bismarckiano (ne-gro, branco e vermelho), embora destacasse o vermelho, at ento o smbolo apenas dosmovimentos socialistas e operrios. A Repblica Federal e a Democratica voltaram scores de 1848, a primeira sem acrscimos, a ltima com um emblema adequado, adapta-do do modelo bsico foice-e-martelo comunista e sovitico.

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    da monarquia, exrcito e aristocracia prussiana, utilizar as divisespotenciais entre os vrios tipos de oposio e evitar tanto quantopossvel que a democracia poltica influenciasse as decises do gover-no. Grupos obviamente irreconciliveis que no podiam ser divididos- especialmente os catlicos e principalmente os social-democratasps-lassallianos - causaram-lhe certo embarao. Alis, ele foi derrota-do nos confrontos diretos com ambos. Tem-se a impresso de que esteracionalista conservador da velha guarda, apesar de mestre nas artesda manobra poltica, jamais conseguiu resolver a contento os proble-mas da democracia poltica, ao contrrio da poltica dos ilustres.

    A inveno das tradies do Imprio Alemo associa-se, portan-to, antes de mais nada, era de Guilherme II. Seus objetivos eram pri-mordialmente duplos: estabelecer a continuidade entre o Primeiro e oSegundo Imprio Alemo, ou, de modo mais geral, estabelecer o novoImprio como realizao das aspiraes nacionais seculares do povoalemo; e enfatizar as experincias histricas especficas que ligavam a

    Prssia ao restante da Alemanha na construo do novo Imprio, em1871. Ambas as metas, por sua vez, exigiam a convergncia da histriaprussiana e alem, coisa a que se dedicaram por algum tempo os histo-riadores imperiais patriotas (especialmente Treitsche). A principal di-ficuldade na maneira de atingir tais objetivos era, em primeiro lugar,que a histria do Santo Imprio Romano da nao alem era difcil deser adaptada a qualquer molde nacionalista do sculo XIX, e, em se-gundo, que sua histria no afirmava que o desenlace de 1871 fosseinevitvel, nem mesmo provvel. Podia ser relacionada a um naciona-lismo moderno apenas por meio de dois artifcios: pelo conceito de uminimigo secular nacional contra o qual o povo alemo havia definidosua identidade, lutando para obter a unidade como Estado; e pelo con-

    ceito de conquista ou supremacia cultural, poltica e militar, pelo quala nao alem, espalhada por grandes partes de outros pases, princi-palmente na Europa central e oriental, podia reivindicar o direito deunir-se num Estado Maior alemo. O segundo conceito no era exata-mente salientado pelo imprio de Bismarck, especificamente "o Pe-queno imprio", embora a prpria Prssia, como subentendia seu no-me, houvesse sido historicamente formada em grande parte pela ane-xao de regies blticas e eslavnicas fora dos limites do Santo Imp-rio Romano.

    Os edificios e monumentos eram a forma mais visvel de estabele-cer uma nova interpretao da histria alem, ou antes uma fuso en-tre a "tradio inventada" mais velha e romntica do nacionalismoalemo pr-1848 e o novo regime: os smbolos mais potentes foram osque conseguiram a fuso. Assim, o movimento de massa dos ginastasalemes, dos liberais e dos grande-alemes at a dcada de 1860, dos

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    bismarckianos aps 1866 e, finalmente, dos pan-germnicos e anti-semitas levou a srio trs monumentos cuja inspirao era basicamen-te no-oficial: o monumento a Armnio, o Querusco, na Floresta Teu-toburga (em grande parte construdo de 1838-46, e inaugurado em1875); o monumento Niederwald, s margens do Reno, que comemora

    a unificao da Alemanha em 1871 (1877-83); e o monumento come-morativo do centenrio da batalha de Leipzig, iniciado em 1894 por"uma Associao Patritica Alem pela Construo de um Monu-mento Batalha dos Povos em Leipzig", e inaugurado em 1913. Poroutro lado, eles no parecem ter manifestado entusiasmo pela propos-ta de transformar o monumento a Guilherme I na montanhaKyffhauser, no local onde, segundo as lendas, o Imperador FredericoBarba Roxa reapareceria, num smbolo nacional (1890-6), e como nohouve nenhuma reagao especial a construo do monumento a Gui-lherme I e Alemanha na confluncia do Reno com o Moselle (o"Deutsches Eck", ou Recanto Alemo), dirigidos contra as reivindica-es francesas margem esquerda do Reno.21

    parte tais variaes, o volume de construes e esttuas ergui-das na Alemanha neste perodo foi considervel, enriquecendo os ar-quitetos e escultores adaptveis e competentes o suficiente.22 Entre osque foram construdos ou planejados s na dcada de 1890, podemosmencionar o novo edifcio do Reichstag (1884-94), cuja fachada osten-ta elaboradas metforas histricas, o monumento de Kyffhuser j ci-tado (1890-6), o monumento nacional a Guilherme I - nitidamenteconsiderado o pai oficial do pas (1890-7), o monumento a GuilhermeI na Porta Westflica (1892), o monumento a Guilherme I no Deuts-ches Eck (1894-7), o extraordinrio Valhalla de prncipes Hohen-zollern na "Avenida da Vitria" (Siegesallee) em Berlim (1896-1901),

    uma variedade de esttuas de Guilherme I nas cidades alems (Dortmund 1894, Wiesbaden 1894, Prenzlau 1898, Hamburgo 1903, Halle1901) e, um pouco mais tarde, um verdadeiro dilvio de monumentosa Bismarck, que gozaram de apoio mais genuno dos nacionalistas.23 Ainaugurao de um desses monumentos constituiu a primeira ocasio

    21. Hans-Georg John, Politik und Turnen: die deutsche Turnerschaft als nationale Be-wegung im deutschen Kaiserreich von 1871-1914 (Ahrensberg bei Hamb urg, 1976), pp. 41e seg.22. "O destino quis que, contra sua natureza, ele se tornasse um monumental escultor,que iria celebrar a ideia imperial de Guilherme II em gigantescos monumentos de bron-

    ze e pedra, numa linguagem metafrica, com nfase exagerada no patos." Ulrich Thie-me e Felix Becker, Allgemeines Lexikon der bildenden Kunstler von der Antike bis zur Ge-genwart (Leipzig, 1907-50), iii, p. 185. Consulte tambm as entrada s gerais, sob os no-mes Begas. Schilling, Schmitz.23. John, op. cit., Nipperdey, "Nationalidee", pp. 577 e seg.

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    em que se utilizaram temas histricos nos selos postais do Imprio(1899).

    Este acmulo de construes e esttuas trz duas implicaes. Aprimeira refere-se escolha de urn smbolo nacional. Havia dois dis-ponveis: uma "Germania" indefinida, porm adequadamente militar,que no desempenhava grande papel na escultura, embora figurassefrequentemente nos selos desde o incio, uma vez que nenhuma figuradinstica poderia por enquanto simbolizar a Alemanha como um to-do; e a figura do "Deutsche Michel", que realmente surge num papelsubordinado no monumento a Bismarck. Ele pertence as curiosas re-presentaes da nao, no como um pas ou estado, mas como "o po-vo", que passou a animar a demtica linguagem poltica dos caricatu-ristas do sculo XIX, e que visava (como John Bull e o Ianque de cava-nhaque - no como Marianne, smbolo da Repblica) expressar o ca-rter nacional, segundo o ponto de vista dos prprios membros da na-o. Suas origens e primrdios so desconhecidos, embora, como ohino nacional, tenham sido quase certamente encontrados pela primei-ra vez na Gr-Bretanha do sculo XVIII.24 Essencialmente, o "Deuts-che Michel" enfatizava tanto a inocncia e a simplicidade to pronta-mente exploradas pelos forasteiros ardilosos, quanto a fora fsica quepodia utilizar para frustrar seus truques e conquistas manhosas quan-do afinal despertada. Ao que parece, "Michel" foi essencialmente umsmbolo antiestrangeiro.

    A segunda implicao diz respeito a importncia capital da unifi-cao alem por Bismarck com a nica experincia nacional histricaque os cidados do novo Imprio tinham em comum, considerando-seque todas as concepes anteriores da Alemanha e da unificao ale-m eram, de uma forma ou de outra, "grande-alems". No contexto

    desta experincia, a guerra franco-alem era fundamental. A tradio"nac ional " (breve) que a Alemanha possua resumia-se em trs nomes:Bismarck, Guilherme I e Sedan.

    Isto exemplifica-se claramente nos cerimoniais e rituais inventa-dos (tambm principalmente no reinado de Guilherme II). Assim, osanais de um ginsio registram nada menos que dez cerimnias entreagosto de 1895 e maro de 1896 para comemorar o vigsimo quintoaniversrio da guerra franco-prussiana, incluindo amplas comemora-es das batalhas da guerra, celebraes do aniversrio do imperador,a entrega oficial do retrato de um prncipe imperial, iluminao espe-cial e discursos sobre a guerra de 1870-1, sobre o desenvolvimento da

    24. J. Surel, "La premire Image de John Bull, Bourgeois Radical, Anglais Loyaliste(1779-1815)", Le Mouvement Social, cvi (jan-mar. 1979), pp. 65-84; Herbert M. Ather-ton, Political Prints in the Age of Hogarth (Oxford, 1974), pp. 97-100.

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    ideia imperial (Kaiseridee) durante a guerra, sobre o carter da dinas-tia Hohenzollern, e da por diante.25

    Talvez se possa elucidar melhor o carter de uma dessas cerim-nias com uma descrio mais detalhada. Observados por pais e ami-

    gos, os meninos entravam no ptio da escola, marchando e cantando"Wacht em Rhein" (a "cano nacional" mais diretamente identifica-vel com a hostilidade em relao a Frana, embora, significativamenteno fosse o hino nacional prussiano nem alemo).26 Formavam defrente para os representantes de cada turma, que traziam bandeiras en-feitadas com folhas de carvalho, compradas com dinheiro arrecadadoem cada turma. (O carvalho tem ligaes com o folclore, o nacionalis-mo e os valores militares teuto-germnicos - ainda lembrados nas fo-lhas de carvalho que assinalavam a mais alta classe de ornamento mili-tar antes de Hitler: um equivalente alemo adequado dos louros lati-nos.) O lder apresentava as bandeiras ao diretor que, por sua vez, diri-gia-se assembleia e falava sobre os gloriosos dias do ltimo impera-

    dor Guilherme I e pedia trs fortes vivas pelo presente monarca e suaimperatriz. Depois, os meninos marchavam, seguindo as bandeiras.Seguia-se ainda outro discurso do diretor, antes que fosse plantado um"carvalho imperial" (Kaisereiche) ao som de um coral. O dia encerra-va-se com uma excurso Grunewald. Todos estes procedimentoseram simplesmente preliminares comemorao em si do Dia de Se-dan, dois dias depois, e alis, a um ano letivo repleto de reunies de ca-rter ritual, tanto religiosas como cvicas.27 No mesmo ano, um decre-to imperial anunciaria a construo do Siegesallee, relacionada ao vi-gsimo quinto aniversrio da guerra franco-prussiana, interpretadacomo a insurreio do povo alemo "como um s povo", embora "a-tendendo ao chamado de seus prncipes" para "repelir a agresso es-trangeira e alcanar a unidade da ptria e a restaurao do Reich comvitrias gloriosas" (o grifo meu).28 O Siegesallee, como j se disse, re-

    25. Heinz Stallmann , Das Prinz-Heinrichs-Gymnasium zu Schneberg, 1890-1945. Ges-chichte einer Schule (Berlim, s. d.,/1965/).26. Na verdade, no havia nenhum hino nacional alemo oficial. Das trs canesconcorrentes "HeilDir Im Siegerkranz" (com a melodia do hino ingls "Deus Salve oRei"), por estar intimamente associada ao imperador prussiano, era a que inspirava me-nos fervor nacional. "A Viglia do Reno" e "Deutschland Ober Alles" ficaram equipa-radas at 1914, mas gradativamente "Deutschland", mais adequada a uma poltica im-perial expansionista, suplantou a "Vigilia", a qual se associavam apenas ideias anti-

    francesas. Em 1890, entre os ginastas alemes, "Deutschland" j se tornara duas vezesmais popular que a "Viglia", embora o movimento tivesse um carinho especial por estaltima cano, que alegava ter sido til para a popularizao. John, op. cit., pp. 38-9.27. Stallmann, op. cit., pp. 16-19.28. R. E. Hard t, Dir Beine der Hohenzollern (Berlim Oriental, 1968).

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    presentava exclusivamente os prncipes Hohenzollern desde a pocados Margraves de Brandenburgo.

    interessante traar uma comparao entre as inovaes france-

    sas e alems. Ambas pem nfase nos atos de fundao do novo regi-me - a Revoluo Francesa, especialmente em seu episdio menos pre-ciso e mais controvertido (a tomada da Bastilha), e a guerra franco-prussiana. A no ser por este ponto de referncia histrico, a Repbli-ca Francesa absteve-se de fazer retrospectivas histricas de forma tonotvel quanto os alemes as favoreceram. Uma vez que a Revoluohavia estabelecido o fato, a natureza e as fronteiras da nao francesae de seu patriotismo, a Repblica poderia limitar-se a lembr-los aseus cidadaos por meio de.alguns simbolos obvios - Marianne, a trico-lor, a "Marselhesa", e da por diante - complementando-os com umapequena exegese ideolgica que falasse (aos cidados mais pobres)sobre as vantagens bvias, embora s vezes tericas, da Liberdade,

    Igualdade e Fraternidade. Como o "povo alemo" antes de 1871 notinha definio nem unidade poltica, e sua relao com o novo Imp-rio (que exclua grande parte do povo) era vaga, simblica ou ideolgi-ca, a identificao teve que ser mais complexa e - com exceo do pa-pel da dinastia, exrcito e Estado dos Hohenzollern - menos definida.Da a variedade de referncias, indo desde a mitologia e folclore (car-valhos alemes, o Imperador Frederico Barba Roxa), passando pelosesteretipos simplificados das charges, at a definio da nao emtermos de seus inimigos. Como muitos outros "povos" liberados, a"Alemanha" definia-se mais facilmente por aquilo a que se opunha doque de outras formas.

    Talvez isso explique a lacuna mais bvia nas "tradies inventa-das" do Imprio Alemo: no ter conseguido conciliar os social-democratas. verdade que Guilherme II a princpio gostava de apre-sentar-se como "imperador social", rompendo nitidamente com apoltica pessoal de Bismarck, que colocou o partido no ostracismo.Ainda assim, comprovou-se que a tentao de apresentar o movimen-to socialista como antinacional ("vaterlandslose Gesellen") era fortedemais para ser vencida, e os socialistas foram excludos do serviopblico de modo ainda mais sistemtico (proibidos inclusive, por umalei especial, de ocupar cargos universitrios), do que haviam sido, porexemplo, no Imprio dos Habsburgos. Nao ha dvida de que as duasdores de cabea polticas do Imprio haviam sido consideravelmente

    atenuadas. A glria e o poder militar, assim como a retrica da gran-diosidade alem desarmaram os "grande-alemes", ou pan-alemes,agora cada vez mais afastados de suas origens liberais ou at democr-ticas. Agora, se quisessem atingir seus objetivos, teria de ser atravs doImprio, ou ento no poderiam fazer nada. Os catlicos, como ficou

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    claro quando Bismarck abandonou sua campanha contra eles, nocausaram srios problemas. No entanto, apenas os social-democratas,que avanavam aparentemente de forma inevitvel rumo ao status demaioria no Imprio, constituam uma fora poltica que, de acordo

    com o que ocorreu noutros pases na poca, teria levado o governoalemo a uma atitude bem mais flexvel.Mesmo assim, numa nao que para sua autodefinio dependia

    tanto de seus inimigos, externos e internos, isso no foi de todo inespe-rado;29 mais ainda porque, a elite militar, por definio anti-democrtica constitua um instrumento to poderoso para elevar aclasse mdia ao status de classe dominante. Ainda assim, a escolha dossocial-democratas e, menos formalmente, dos judeus como inimigosinternos tinha uma vantagem a mais, embora o nacionalismo do Impe-rio fosse incapaz de explor-la a fundo. Oferecia um apelo demaggicotanto contra o liberalismo capitalista quanto contra o socialismo pro-letario, apelo esse capaz de mobilizar as grandes massas da classe m-dia baixa, artesos e camponeses que se sentiam ameagados por am-bos, sob a bandeira "da nao".

    Paradoxalmente, a mais democrtica e, tanto sob o aspecto terri-torial quanto constitucional, uma das mais claramente definidas na-es enfrentou um problema de identidade nacional sob certos aspec-tos semelhante ao da Alemanha Imperial. O problema poltico bsicodos Estados Unidos da Amrica, aps o trmino da secesso, era assi-milar uma massa heterognea - at o fim de nosso perodo, um influxoquase impraticvel - de pessoas que eram americanas no por nasci-mento, mas por imigrao. Os americanos tinham de ser construdos.As tradies inventadas dos Estados Unidos neste perodo eram antes

    de mais nada destinadas a atingir este objetivo. Por um lado, os imi-grantes foram incentivados a aceitar rituais que comemoravam a his-tria da nao - a Revoluo e seus fundadores (4 de julho) e a tradi-o protestante anglo-saxnica (Dia de Ao de Graas) - como elesde fato aceitaram, uma vez que agora estes dias eram feriados e oca-sies de festejos pblicos e particulares.30 (Em compensao, a "na-o"- absorveu os rituais coletivos dos imigrantes - Dia de Sao Patr-cio, mais tarde Dia do Descobrimento da Amrica - e inseriu-os nocontexto da vida americana, principalmente atravs do poderoso me-

    29. H.-U. WeMer, Das deutsehe Kaiserreich 1871-1918 (Gltingen, 1973), pp. 107-10.30. A histria des tas festas ainda no foi escrita, mas parece bvio que elas se torna-ram muito mais institucionalizadas numa escala nacional no ltimo tero do sculoXIX. C. W. Douglas, American Books of Days (Nova Iorque, 1937); Elizabeth HoughSechrist. Red Letter Days: A Book of Holliday Customs (Philadelphia, 1940).

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    canismo de assimilao da poltica municipal e estadual.) Por outro la-do, o sistema educacional foi transformado num aparelho de socializa-o poltica atravs da venerao da bandeira americana que, da dca-da de 1880 em diante, tornou-se um ritual dirio nas escolas rurais. 31 0

    conceito do americanismo como opo - a deciso de aprender ingls,de candidatar-se cidadania - e uma opo quanto a crenas, atos emodalidades de comportamento especficas trazia implcita a ideiacorrespondente de "antiamericanismo". Nos pases que definiam anacionalidade sob o ponto de vista existencial, podia haver ingleses oufranceses antipatriticos, mas seu status de cidados ingleses ou Fran-ceses no podia ser posto em dvida, a menos que eles tambm pudes-sem ser definidos como forasteiros (metques). Nos Estados Unidos,porm, assim como na Alemanha, quem fosse "antiamericano" ou"vaterlandslose" teria seu status efetivo como membro da nao postoem dvida.

    Como se poderia esperar, a classe operria era o conjunto maior emais visvel destes membros duvidosos da comunidade nacional; maisainda porque nos Estados Unidos eles podiam realmente ser classifica-dos de imigrantes. A esmagadora maioria dos novos imigrantes eramoperrios ; por out ro lado, desde pelo menos a dcada de 1860, amaioria dos trabalhadores em praticamente todas as grandes cidadesdo pas parecia ser estrangeira. Quanto ao conceito de "anti-americanismo", cujas origens parecem datar pelo menos da dcada de1870,32 no parece claro se foi uma reao dos nativos contra os foras-teiros, ou das classes mdias protestantes anglo-saxnicas contra ostrabalhadores estrangeiros. Em todo caso, ele produziu um inimigo in-terno contra o qual os bons americanos poderiam afirmar seu ameri-

    canismo, assim como o faziam pela execuo escrupulosa de todos osrituais formais e informais, a afirmao de todas as ideias convencio-nal e institucionalmente estabelecidas como caractersticas dos bonsamericanos.

    Podemos analisar mais brevemente a inveno das tradies doestado em outros pases da poca. As monarquias, por motivos b-vios, tenderam a relacion-las coroa, e durante este perodo inicia-ram-se os agora conhecidos exerccios de relaes pblicas centradosnos rituais reais ou imperiais, bastante facilitados pela feliz descoberta- ou talvez fosse melhor dizer inveno - do jubileu ou do aniversrio

    31. R. Firth, Symbols, Public and Private (Londres, 1973), pp. 358-9; W. E. Davies, Pa-triotism on Parail: Flic Story of Veterans and Hereditary Organisations in America1783-1900 (Cambridge, Mass., 1955), pp. 218-22; Douglas, op. cit., pp. 326-7.32. Agradeo ao Prof. Herbert Gutman por esta observao.

    289

    cerimonial. Essa inovao e at comentada no New English Dictiona-ry." O valor publicitrio dos aniversrios e nitidamente demonstradopelo fato de que eles frequentemente ofereceram oportunidade para aprimeira emisso de estampas histricas ou semelhantes em selos pos-tais, a forma mais universal de simbolismo pblico, alm do dinheiro,como se v no Quadro 1.

    Quadro 1. Primeira emisso de selos histricos antes de 191434

    Pas

    Alemanhaustria-HungriaBlgicaBulgriaEspanha

    GrciaItliaPases Baixos

    Portugal

    Romenia

    Rssia

    SrviaSua

    Primeiro

    . . . i .

    selo

    18721850184918791850

    186118621852

    1852

    1865

    1858

    18661850

    Primeiro

    selo

    histrico

    18991908191419011905

    18961910-111906

    1894

    1906

    1905-1913

    19041907

    Jubileu ou

    ocasio especial

    Inaugurao de monumento60 anos de Francisco JosGuerra (Cruz Vermelha)Aniversrio da revoltaTricentenrio deDon QuixoteJogos olmpicosAniversriosTricentenrio de DeRuyter500 aniversrio doInfante Dom Henrique40 anos de governo

    Tricentenario dabeneficncia de guerraCentenrio da dinastia

    quase certo que o jubileu da Rainha Vitria, de 1887, repetidodez anos mais tarde devido a seu incrvel sucesso, tenha inspirado co-

    33. O "jubile u", exceto em seu sentido bblico, era antes apenas o quinquagesimo ani-versrio de algum evento. No h indcios anteriores ao sculo XIX de que os centen-

    rios, um ou vrios, e muito menos os aniversrios de menos de cinquenta anos fossemocasio de comemorao pblica. O New English Dictionary comenta no verbete "jubileu", "especialmente frequentes nas duas ltimas dcadas do sculo XIX com refernciaaos dois 'jubileus' da Rainha Vitria em 1887 e 1897, o jubileu suo do Sindicato dosCorreios em 1900 e outras comemoraes", v, p. 615.34. Fonte: Stamps of the World 1972: A Stanley Gibbons Catalogue (Londres, 1972),

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    memoraes reais ou imperiais subsequentes na Gr-Bretanha e emtodos os outros pases. At as dinastias mais tradicionalistas - osHabsburgos em 1908, os Romanovs em 1913 - descobriram os mritosdesta forma de propaganda. Era nova na medida em que se dirigia ao

    pblico, ao contrrio dos cerimoniais criados para simbolizar a rela-o entre os monarcas e a divindade e sua posio no pice de umahierarquia de magnatas. Aps a Revoluo Francesa, todo monarcateve, mais cedo ou mais tarde, de aprender a mudar do equivalente na-tional de "Rei da Frana" para "Rei dos franceses", ou seja, a estabe-lecer uma relao direta com a coletividade de seus sditos, por maishumildes que fossem. Embora tambm estivesse presente a opo es-tilstica por uma "monarquia burguesa" (estreada por Lus Filipe), elaparece ter sido adotada apenas pelos reis de paises humildes, que que-riam manter uma aparncia de modstia - os Pases Baixos, a Escandi-nvia - embora at alguns dos reis por direito divino - especialmente oImperador Francisco Jos - paream ter representado o papel de fun-cionrio esforcado, que vivia num conforto espartano.

    Tecnicamente, no havia grande diferena entre o uso poltico damonarquia com o objetivo de fortalecer os governantes efetivos (comonos imprios Habsburgo, Romano v, mas tambm talvez indiano), e deconstituir a funo simblica das cabeas coroadas nos Estados parla-mentares. Ambos baseavam-se na explorao da pessoa real, com ousem ancestrais dinsticos, em ocasies rituais elaboradas a que se asso-ciavam atividades de propaganda e uma ampla participao do povo,tambm atravs do pblico cativo disponvel para doutrinao oficialno sistema educacional. Ambos faziam do governante o foco da uni-dade de seus povos ou seu povo, o representante simblico da glria e

    grandeza national, de todo o seu passado e continuidade num presenteem transformao. Todavia, as inovaes foram talvez mais delibera-das e sistemticas onde, como na Gr-Bretanha, a restaurao do ri-tualismo real era considerada uma compensao necessria para osriscos da democracia popular. Bagehot ja havia reconhecido o valorda deferencia poltica e das partes "nobres", ao contrrio das "eficien-tes", da constituio na poca da Segunda Lei Reformista. O velhoDisraeli, ao contrrio do jovem, aprendeu a ter "reverncia pelo tronoe seu ocupante" como "urn poderoso instrumento de poder e influn-cia". Ao fim do reinado de Vitria, j se compreendia bem a naturezadeste artifcio. J. E. C. Bodley escreveu sobre a coroao de EduardoVII:

    O uso de um rito antigo por um povo apaixonado porm prtico para as-sinalar as maravilhas modernas de seu imprio, o reconhecimento de umacoroa hereditria por uma democracia livre, como smbolo do domnio

    291

    universal de sua raa, no constituem mera representao, mas um acon-tecimento do maior interesse histrico."

    A glria e a grandeza, a riqueza e o poder podiam ser simbolicamente

    compartilhados com os pobres da realeza e seus rituais. Quanto maioro poder, menos atraente era, pode-se imaginar, a opo burguesa pelamonarquia. Podemos lembrar que na Europa a monarquia continuousendo a forma universal de estado entre 1870 e 1914, exceto na Franae na Sua.

    II

    As tradies polticas mais universais inventadas neste perodoforam obra dos Estados. Todavia, o surgimento de movimentos demassa que reivindicavam status independente ou at alternativo paraos Estados acarretaram progressos semelhantes. Alguns destes movi-

    mentos, principalmente o catolicismo poltico e vrios tipos de nacio-nalismo, estavam profundamente conscientes da importncia do ri-tual, cerimonial e mito, inclundo, via de regra, um passado mitolgi-co. A importncia das tradies inventadas torna-se ainda mais not-vel quando elas surgem entre movimentos racionalistas que eram, pelomenos, relativamente avessos a elas, e que no tinham equipamentosimblico e ritual pr-fabricado. Portanto, a melhor maneira de estu-dar seu aparecimento est num desses casos - o dos movimentos socia-listas operrios.

    O principal ritual internacional destes movimentos, o 1 de Maio(1890) desenvolveu-se espontaneamente dentro de um perodo sur-preendentemente curto. No princpio, compunha-se de uma greve ge-

    ral de um dia e uma manifestao reivindicando uma Jornada de tra-balho de oito horas, marcadas numa data j associada durante algunsanos com esta exigncia nos Estados Unidos. A escolha desta data foicertamente bastante pragmtica na Europa. Provavelmente no tinhaimportncia ritual nos Estados Unidos, onde o "Dia do Trabalho" jhavia sido estabelecido no final do vero. Havia sido proposto, comcerta razo, que essa data coincidisse com o "Dia da Mudana", adata em que tradicionalmente se encerravam os contratos de trabalhoem Nova Iorque e Pennsylvania.36 Embora este, como perodos con-tratuais semelhantes em certas partes da agricultura traditional euro-pia, tivesse originalmente feito parte do ciclo anual simbolicamente

    35. J. E. C. Bodley, The Coronation of Edward VII: A Chapter of European and Imperial History (Londres, 1903), pp. 153, 201.36. Maurice Dommanget, Histoire du Premier Mai (Paris, 1953), pp. 36-7.

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    herdado do ano de trabalho pr-industrial, sua ligao com o proleta-riado industrial era claramente fortuita. A nova Internacional Oper-ria e Socialista no considerou qualquer forma de manifestao emparticular. A ideia de uma festa dos trabalhadores no s deixou de ser

    mencionada na resoluo original daquela corporao (1889), comotambm foi rejeitada por razes ideolgicas, por vrios militantes re-volucionrios.

    Mesmo assim, a escolha de uma data to carregada de simbolis-mo pelas antigas tradies revelou-se importante, embora - como pen-sa Van Gennep - na Frana o anticlericalismo do movimento operriotenha oposto resistncia a incluso de prticas folclricas tradicionaisem seu 1 de Maio.37 Desde o incio, a ocasio atraiu e absorveu ele-mentos simblicos e rituais, principalmente a de celebrao semi-religiosa e sobrenatural ("Maifeier"), um feriado e um dia santo aomesmo tempo. (Engels, aps referir-se a ele como uma "manifestagao" usa o termo "Feier", a partir de 1893.38 Adler reconheceu este

    elemento na ustria a partir de 1892, Vandervelde na Blgica desde1893.) Andrea Costa explicou-o de forma sucinta em relao Itlia(1893): "Os catlicos tm a Pscoa; de hoje em diante, os trabalhado-res tero sua prpria Pscoa";" h referncias tambm a Whitsun, em-bora mais raras. Ainda existe um "sermo do 1 de Maio" curiosa-mente sincrtico, de Charleroi (Blgica), 1898, encimado por duas ep-grafes: "Proletrios de todas as terras, uni-vos" e "Amai-vos uns aosoutros". 40

    As bandeiras vermelhas, nicos smbolos universais do movimen-to, fizeram-se presentes desde o incio, assim como as flores, em vriospases: o cravo vermelho na ustria, a rosa vermelha (de papel) naAlemanha, a silva e a papoula na Frana, e a flor do pilriteiro, smboloda renovao, cada vez mais difundida e, a partir de meados da dcadade 1900, substituda pelo lrio-do-vale, sem associaes polticas. Pou-co se sabe acerca desta linguagem das flores que, a julgar tambm pe-los poemas do 1 de Maio da literatura socialista, associava-se espon-taneamente a ocasio. Sem diivida, isso acentuava a tnica do 1 deMaio, tempo de renovao, crescimento, esperana e alegria (vide amenina com um ramo de pilriteiro em flor, associada, na memria po-

    37. A. Van Gennep, Manuel de Folklore Francois I, iv, Les Cremonies Priodiques Cy-cliques el Saisonires, 2: Cycle de Mai (Paris, 1949), p. 1.719.

    38. Engels a Sorge, 17 de maio de 1893, in Briefe und Auszge aus Briefen an F. A. Sor-geu. A. (Stuttgart, 1906), p. 397. Veja tambm, Victor Adler, Aufstze, Redem und Briefe(Viena, 1922), i, p. 69.39. Dommanget, op. cit., p. 343.40. E. Vandervelde e J. Destre, Le Socialisme en Belgique (Paris, 1903), pp. 417-18.

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    pular, ao tiroteio do l de Maio, em Fourmies, 1891).41 Da mesmaforma, o 1 de Maio desempenhou papel capital do desenvolvimentoda nova iconografia socialista da dcada de 1890 em que, apesar da es-perada nfase na luta, o toque de esperana, confiana e a aproxima-

    o de um futuro melhor - muitas vezes expressas pelas metforas docrescimento das plantas - prevaleceram.42

    Acontece que o 1 de Maio comeou numa poca de extraordin-rio crescimento e enorme expanso dos movimentos operrios e socia-listas de numerosos pases, e dificilmente poderia ter-se estabelecidonum clima poltico menos promissor. O antigo simbolismo da prima-vera, a ele associado de maneira to fortuita, foi perfeito para a oca-sio, no incio da dcada de 1890.

    Assim, a data transformou-se rapidamente numa festividade erito anual altamente carregado. A repetio anual foi adotada paraatender a demanda das camadas. Com ela, o contedo poltico origi-nal do dia - a exigncia de uma Jornada de trabalho de oito horas - fa-

    talmente foi posto de lado, dando lugar a qualquer tipo de slogans queatrassem os movimentos operrios nacionais num dado ano, ou, commais frequncia, a uma afirmao no especifica da presena da classeoperria e, em muitos pases latinos, a comemorao dos "Mrtires deChicago". O nico elemento original mantido foi o internacionalismoda manifestao, de preferncia simultaneo: no caso extremo da Rs-sia de 1917, os revolucionrios chegaram a mudar seu prprio calen-drio, para poder comemorar o Dia do Trabalho na mesma data que oresto do mundo. E, de fato, o desfile pblico dos trabalhadores comouma classe constitua o ncleo do ritual. O 1 de Maio era, conformealguns comentaristas, o nico feriado, mesmo entre os aniversrios ra-dicais e revolucionrios, a associar-se apenas classe operria; embora

    - pelo menos na Gr-Bretanha - comunidades especficas de operriosj mostrassem sinais de estarem criando apresentaes coletivas geraiscomo parte de seu movimento. (A primeira festa dos mineiros deDurham foi em 1871.)43 Como todos os cerimoniais do gnero, era, outornou-se, uma ocasio familiar basicamente bem-humorada. As ma-nifestaes polticas clssicas no eram necessariamente assim. (Estacaracterstica ainda pode ser observada em "tradies inventadas"

    41. Maxime Leroy, La Coutme Ouvrire (Paris, 1913), i, p. 246.42. E. J. Hobsbawm, "Man and Woman in Socialist Iconog raphy ", HistoryWorkshop, vi, (outono 1978), pp. 121-38; A. Rossel, Premier Mai. Quatre-Vingt-Dix ans

    de Luttes Populaires dans le Monde (Paris, 1977).43. Edward Welbourne, The Miners' Unions of Northumberland and Durham(Cambridge, 1923), p. 155; John Wilson, A History of the Durham Miners' Association1870-1904 (Durham, 1907), pp. 31, 34, 59; W. A. Moves, The Banner Book(Gateshead,1974). Estas manifestaes anuais parecem ter-se originado em Yorkshire, em 1866.

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    mais recentes, como as festas nacionais do jornal comunista italianoUnit.) Como todas elas, combinava a animao e entusiasmo pblicoe particular com a afirmao de lealdade ao movimento, elemento b-sico da conscincia da classe operria: a retrica - naquela poca,

    quanto mais longo o discurso, melhor, uma vez que um bom discursorepresentava inspirao e divertimento - estandartes, emblemas, slo-gans, e da por diante. De forma ainda mais decisiva, afirmou a pre-sena da classe operria atravs da mais bsica manifestao do poderproletrio: a absteno do trabalho. Pois, paradoxalmente, o sucessodo 1 de Maio tendia a ser proporcional a sua distncia das atividadescotidianas concretas do movimento. Era maior onde a aspirao so-cialista prevalecia sobre o realismo poltico e a prudncia sindical que,como na Gr-Bretanha e Alemanha,44 recomendava que houvesse umamanifestao, todo primeiro domingo do ms, alm do dia anual degreve em 1 de Maio. Victor Adler, percebendo a disposio dos traba-lhadores austracos, insistira na greve, ao contrrio dos conselhos de

    Kautsky,45

    e assim o 1 de Maio austraco adquiriu uma fora e umarepercusso fora do comum. Portanto, como vimos, o 1 de Maio nofoi formalmente inventado pelos lderes do movimento, mas aceito einstitucionalizado por eles por iniciativa de seus seguidores.

    A fora da nova tradio foi nitidamente avaliada por seus inimi-gos. Hitler, com seu agudo senso de simbolismo, houve por bem nos adotar a cor vermelha da bandeira dos trabalhadores, mas tambmo 1 de Maio, convertendo-o num "dia oficial nacional do trabalho",em 1933, e mais tarde atenuando suas relaes com o proletariado.46

    Pode-se acrescentar en passant que a data era agora um feriado geraltrabalhista na Comunidade Econmica Europia.

    O 1 de Maio e os rituais trabalhistas semelhantes situam-se entreas tradies "polticas" e "sociais", pertencendo ao grupo das primei-ras atravs de sua associao com as organizaes de massas e parti-dos que podiam - e de fato visavam - tornar-se regimes e estados; e aogrupo das segundas porque manifestavam de forma autntica a cons-cincia que os trabalhadores tinham de serem uma classe a parte, vistoque esta conscincia era inseparvel das organizaes corresponden-tes. Embora em muitos casos - tais como a Social-Democracia austra-ca, ou os mineiros britnicos - a classe e a organizao tornaram-se in-

    44. Carl Schorske, German Social Democracy, 1905-17: The Development of the GreatSchism (Nova Iorque, ed. 1965), pp. 91-7.45. M. Ermers, Victor Adler: Aufstieg u. Grsse einer sozialistischen Partei (Viena eLeipzig, 1932), p. 195.46. Helmut Hartwig, "Plaketten zum 1. Mai 1934-39", Aesthetik und [Communication,vii, n. 26 (1976), pp. 56-9.

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    separveis, isso no quer dizer que as duas coisas fossem idnticas en-tre si. "O mo vimento" desenvolveu suas prprias tradies, comparti-lhadas por lderes e militantes, mas no necessariamente por eleitores eadeptos, e, por outro lado, a classe poderia desenvolver "tradies in-

    ventadas" prprias, independentes dos movimentos organizados, ouat mesmo suspeitos aos olhos dos ativistas. Vale a pena examinar bre-vemente duas dessas tradies, ambas bvios produtos de nossa era. Aprimeira o surgimento - especialmente na Gr-Bretanha, mas talveztambm em outros pases - de roupas como expresso de classe. A se-gunda relaciona-se aos esportes de massa.

    No por acaso que a histria em quadrinhos que satiriza leve-mente a cultura operria masculina tradicional da velha rea indus-trial da Gr-Bretanha (principalmente o Nordeste) tem como ttulo esmbolo o bon, que era praticamente o distintivo da classe proletriaquando no estava trabalhando: Andy Capp ("Z do Bon"). Existiatambm na Frana uma equivalncia semelhante entre classe e bon,

    at certo ponto,47

    assim como em algumas partes da Alemanha. NaGr-Bretanha, ao menos, segundo indcios iconogrficos, os prolet-rios no eram universalmente relacionados ao bon antes da dcada de1890, mas no fim do perodo eduardino - como provam fotos de mul-tides saindo de jogos de futebol ou de assembleias - tal identificaoera quase completa. A ascenso do bon proletrio ainda est a espe-ra de um cronista. Ele ou ela, supostamente, descobrir que sua hist-ria tern relao com a do desenvolvimento dos esportes de massa, umavez que este tipo especfico de chapu surge a princpio como acessrioesportivo entre as classes alta e mdia. Sejam quais forem suas origens,ele tornou-se obviamente caracterstico da classe operria, no s por-que membros de outras classes, ou aqueles que aspiravam a esse status,

    no quisessem ser confundidos com operrios, mas tambm porque ostrabalhadores braais no estavam interessados em escolher (a noser, sem dvida, para ocasies de grande formalidade) qualquer outraforma de cobrir a cabea, dentre as muitas existentes. A manifestaode Keir Hardie, que entrou no Parlamento de bon (1892) indica queera reconhecido o elemento de afirmao de classe.48 razovel suporque as massas sabiam disso. De alguma forma no muito clara, os pro-letrios adquiriram o hbito de usar o bon bem rpido, nas ltimas

    47. "L'ou vrier mme ne porte pas ici la casquette et la blouse" (aqui os operrios mes-mo no usam a blusa e o bon) comentou desdenhoso Jules Valles em Londres, em 1872

    - ao contrrio dos parisienses, que tinham conscincia de classe. Paul Martinez, TheFrench Communard Refugees in Britain, 1871-1880 (Univ. de Sussex, tese de doutorado,1981), p. 341.48. O bone tipo caador de veado usado pelo prprio Hardie representa uma transipara aquele do tipo "Ze do Bone", que afinal se universalizou.

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    dcadas do sculo XIX e na primeira dcada do sculo XX, como par-te da sndrome caracterstica da "cultura operria" que se delineavaento.

    A histria equivalente do vesturio do proletariado em outros

    pases ainda no foi escrita. Aqui podemos apenas observar que suasimplicates politicas eram perfeitamente compreendidas, seno antesde 1914, certamente entre as guerras, conforme testemunha a seguintelembrana do primeiro desfile Nacional-Socialista (oficial) do l deMaio, em Berlim, 1933:

    Os trabalhadores... vestiam ternos batidos mas limpos, e usavam aque-les bons de marinheiro que na poca eram um sinal geral externo distin-tivo de sua classe. Os bons estavam enfeitados com uma tira discreta,quase sempre de verniz preto, mas frequentemente substituda por umatira de couro com fivelas. Os social-democratas e os comunistas usavameste tipo de tira nos bons, os nacional-socialistas usavam outro, divididono meio. Esta pequena diferena repentinamente saltou aos olhos. O sim-ples fato de que mais trabalhadores do que nunca usavam a tira divididanos bons trazia a notcia fatal de que uma batalha estava perdida.49

    A associao poltica entre operrio e bon na Frana entre as guerras(la salopette) tambm fato comprovado, mas falta pesquisa sobre suahistria antes de 1914.

    A adoo dos esportes, principalmente o futebol, como culto pro-letrio de massa igualmente confusa, porm sem dvida igualmenterpida.50 Neste caso, mais fcil estabelecer uma cronologia. Entremeados da dcada de 1870, no mnimo, e meados ou fins da dcada de1880, o futebol adquiriu todas as caractersticas institucionais e rituaiscom as quais estamos familiarizados: o profissionalismo, a Confedera-o, a Taa, que leva anualmente em peregrinao os fiis capital

    para fazerem manifestaes proletrias triunfantes, o pblico nos est-dios todos os sbados para a partida do costume, os "torcedores" esua cultura, a rivalidade ritual, normalmente entre faces de uma ci-dade ou conurbao industrial (Manchester City e United, NottsCounty e Forest, Liverpool e Everton). Alm disso, ao contrrio deoutros esportes com bases proletrias locais ou regionais - tais como orugby union, no Sul de Gales,51 o crquete, em certas reas do norte daInglaterra - o futebol funcionava numa escala local e nacional ao mes-mo tempo, de forma que o tpico das partidas do dia forneceria uma

    49. Stephan Hermlin, Abendlicht (Leipzig, 1979), p. 92.50. Tony Mason, Association Football and English Society, 1863-1915 (Brighton,1980).

    51. Cf. David B. Smith e Gare th W. Williams, Field of Praise: Official History o f theWelsh Rugby Union, 1881-1981 (Cardiff, 1981).

    base comum para conversa entre praticamente qualquer par de oper-rios do sexo masculino na Inglaterra ou Esccia, e alguns jogadoresartilheiros representavam um ponto de referncia comum a todos

    A natureza da cultura do futebol neste perodo - antes de haver

    penetrado muito nas culturas urbanas e industriais de outros pases52

    ainda no foi bem compreendida. Sua estrutura socioeconmica, po-rm, mais compreensvel. A princpio desenvolvido como um esporteamador e modelador do carter pelas classes mdias da escola secun-dria particular, foi rapidamente (1885) proletarizado e portanto pro-fissionalizado; o momento decisivo simblico - reconhecido como umconfronto de classes - foi a derrota dos Old Etonians pelo BoltonOlympic na final do campeonato de 1883. Com a profissionalizao, amaior parte das figuras filantrpicas e moralizadoras da elite nacionalafastou-se, deixando a administrao dos clubes nas mos de negocian-tes e outros dignitrios locais, que sustentaram uma curiosa caricaturadas relaes entre classes do capitalismo industrial, como empregado-

    res de uma fora de trabalho predominantemente operria, atradapara a indstria pelos altos salrios, pela oportunidade de ganhos ex-tras antes da aposentadoria (partidas beneficentes), mas, acima de tu-do, pela oportunidade de adquirir prestgio. A estrutura do profissio-nalismo do futebol britnico era bastante diferente da do profissiona-lismo nos esportes em que participavam a aristocracia e a classe mdia(crquete) ou que estas controlavam (corridas), ou da estrutura da in-dstria dos espetculos populares, e da de outros meios pelos quais aclasse operria fugia de sua sina, que tambm forneceram o modelopara alguns esportes dos pobres (luta livre).53

    altamente provvel que os jogadores de futebol tendessem a serrecrutados entre os operrios habilidosos,54 ao que parece ao contrrio

    do boxe, esporte que buscava seus praticantes em ambientes onde a ca-pacidade de dominar o prprio corpo era til para a sobrevivncia,como nas grandes favelas urbanas, ou fazia parte de uma cultura ocu-pacional de masculinidade, como nas minas. Embora o carter urbanoe proletrio das multides aficionadas do futebol seja patente, 55 no se

    52. Ele foi muitas vezes introduzido no estrangeiro por expatriados britni cos e por ti-mes de fbricas locais de administrao britnica mas, embora tenha nitidamente sido,a t certo pont o, natura lizado em 1914 em algumas capitais e distritos industria is do con-tinente, mal havia se tornado um esporte de massas.53. W. F. Mandle , "The Professional Cricketer in England in the Nineteen th Centu-ry", Labour History (Periodico da Sociedade Australiana para o Estudo da Historia do

    Operariado), xxiii (nov. 1972), pp. 1-16; Wray Vampley, The Turf: A Social and Econo-mic History of Horse Racing (Londres, 1976).54. Mason, op. cit., pp. 90-3.55. Mason, op. cit., pp. 153-6.

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    conhece exatamente sua composio precisa por idade ou origem so-cial; nem a evoluo da "cultura do torcedor" e suas prticas; nem atque ponto o tpico f de futebol (ao contr rio do tpico ade pto das cor-ridas) era ou tinha sido um jogador amador ativo. Por outro lado,

    sabe-se que, embora, como indicam as ltimas palavras apcrifas deum militante operrio, para muitos membros do proletariado a devo-o a Jesus Cristo, Keir Hardie e ao Huddersfteld Unitedera indivis-vel, o movimento organizado mostrou uma falta geral de interesse porisso, assim como por varios outros aspectos nao polticos da conscin-cia de classe operria. Alis, ao contrrio da social-democracia centro-europeia, o movimento operrio britnico no desenvolveu suas pr-prias organizaes esportivas, com a possvel exceo de clubes de ci-clismo na dcada de 1890, em que eram bvios os vnculos com o pen-samento progressista.56

    muito pouco o que sabemos sobre o esporte de massas na Gr-Bretanha, mas sabemos ainda menos sobre o continente. Ao que pare-

    ce, o esporte, importado da Gr-Bretanha, permaneceu monopolizadopela classe mdia por muito mais tempo que em seu pas de origem,mas sob outros aspectos a atrao que o futebol exercia sobre a classeoperria, a substituio do futebol da classe mdia (amador) pelo ple-beu (profissional) e a ascenso da identificao das massas urbanascom os clubes, desenvolveram-se de modos semelhantes.57 A principalexceo, a parte as competies mais parecidas com espetculos teatraisdo que atividades desportivas, tais como a luta romana (supostamentedevida ao movimento dos ginastas alemes, mas com forte adeso po-pular), era o ciclismo. No continente, este era, provavelmente, o nicoesporte de massas moderno - conforme atesta a construo de "vel-dromos" nas grandes cidades - quatro s em Berlim antes de 1913 - ea instituio do Tour de France em 1903. Tudo indica que pelo menosna Alemanha os maiores ciclistas profissionais eram operrios.58 Os

    56. Isso faz lembrar os Clubes de Ciclismo Clari on, mas tambm a fundaao do ClubeCiclstico Oadby, por um caador clandestino, ativista operrio e membro da junta pa-roquial, radical e local. A natureza deste esporte- na Gr-Bretanha tipicamente pratica-do por amadores jovens - era bastante diversa da do esporte proletrio de massa. DavidPrynn, "The Clarion Clubs, Rambling and Holiday Associations in Britain since the1890s", Journal of Contemporary History, xi, n. 2 e 3 (Jul. 1976), pp. 65-77; anon., "TheClarion Fellowship", Marx Memorial Library Quarterly Bulletin, Ixxxvii (jan-mar 1976),pp. 6-9; James Hawker, A Victorian Poacher, org. por G. Christian (Londres, 1961), pp.25-6.

    57. Do clube do Ruhr, Schalke 04, eram mineiros, operrios ou artesos 35 entre 44membros identificveis em 1904-13, 73 entre 88 no perodo de 1914-24, e 91 entre 122 de

    1924-34. Siegfried Gerhmann, "Fussball in einer Industrieregion"; J. Reuleckee W. Weber (org.), Familie, Fabrik, Feierabend (Wuppertal, 1978), pp. 377-98.58. Annemarie Lange, Das Wilhelminische Berlin (Berlim Oriental, 1967), cap. 13,princ. pp. 561-2.

    299

    campeonatos profissionais comegaram na Frana em 1881, na Sua eItlia a partir de 1892 e na Blgica a partir de 1894. Sem dvida, oforte interesse comercial dos fabricantes e outros interesses publicit-rios aceleraram a popularidade desse esporte.59

    Il l

    Estabelecer a presena de classe de uma elite nacional da classemdia e a caracterizao de uma classe mdia muito maior era umproblema muito mais difcil, mas um tanto urgente numa poca emque as profisses reivindicavam status de classe mdia, ou o nmerodaqueles que aspiravam a elas aumentava com relativa rapidez nos pa-ses em fase de industrializao. O critrio para pertencer a estas classesno podia ser to simples quanto o nascimento, a propriedade, o tra-balho braal ou o recebimento de salrios, e embora sem dvida fosseuma condio necessria ter um mnimo socialmente reconhecido debens imveis e renda, isso ainda no era o bastante. Alm do mais,

    normalmente tal classe inclua pessoas (ou antes, famlias) com umaampla esfera de fortuna e influncia, cada camada inclinada a despre-zar seus inferiores. A fluidez das fronteiras tornava difcil distinguircom clareza os critrios de distino social. Uma vez que as classes m-dias eram por excelncia o lugar onde se dava a mobilidade social e oaperfeioamento individual, dificilmente se poderia impedir a admis-so a elas. Era um problema que abrangia dois aspectos. Em primeirolugar, como definir e separar a elite nacional autntica de uma classemdia alta (haute bourgeoisie, Grossbrgertum), uma vez que os crit-rios relativamente fixos pelos quais se podia determinar a qualidadesubjetiva de membro da classe nas comunidades locais estveis haviamsido desgastados, e a descendncia, parentesco, os casamentos, as redes

    locais de negcios, a sociabilidade particular e a poltica j no repre-sentavam critrios seguros. O segundo aspecto era como estabeleceruma identidade e uma presena para a massa relativamente ampla da-queles que no pertenciam a esta elite, nem s "massas" - nem mesmoquela categoria nitidamente inferior da pequena burguesia das "clas-ses mdias baixas", que pelo menos um observador britnico classifi-cou ao lado dos trabalhadores braais, colocando-as no mundo "dasescolas primrias municipais".'" Poderia esta identidade ou presenaser definida ou definir-se de outra forma alm de "consiste basicamen-te de famlias num processo de ascenso social", como sustentava umobservador francs do contexto britnico, ou como o que restou de-pois que as massas mais facilmente reconhecveis e os "dez mais" fo-

    59. Dino Spatazza Moncada , Storia del Ciclismo dai Primi Passi ad Oggi (Parma, s.d.).60. W. R. Lawson, John Bull and his Schools: A Book for Parents, Ratepayers and Menof Business (Edimburgo e Londres, 1908), p. 39.

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    ram subtrados da populao, como comentou um observador in-gls?" Para complicar a questo, surgiu um terceiro problema: o apa-recimento da mulher de classe mdia, cada vez mais emancipada nopalco pblico por direito prprio. Enquanto o nmero de meninos noslyces franceses entre 1897 e 1907 aumentou apenas discretamente, onmero de meninas elevou-se em 170 por cento.

    Para as classes mdias altas ou "haute bourgeoisie", os critriose instituies que antes serviam para separar uma classe aristocrti-ca dominante forneceram obviamente um modelo: tinham simples-mente de ser ampliados e adaptados. O ideal era uma fuso das duasclasses, na qual os novos componentes se tornassem irreconhecveis,embora isso provavelmente no fosse possvel nem mesmo na Gr-Bretanha, onde era totalmente admissvel que uma famlia de banquei-ros de Nottingham lograsse, atravs de vrias geraes, unir-se reale-za por meio de casamentos. O que tornava possveis as tentativas deassimilao (na medida em que fossem institucionalmente permitidas)era aquele elemento de estabilidade que, conforme um observadorfrancs, distinguia as geraes da alta burguesia que j haviam chega-do ao topo e se estabelecido como alpinistas de primeira gerao."62 A r-pida aquisio de fortunas fabulosas poderia tambm capacitar os plu-tocratas de primeira geracao a pagarem para entrar num contexto aris-tocrtico que nos paises burgueses baseava-se no s no ttulo e nadescendncia como tambm em dinheiro suficiente para levar-se umestilo de vida adequadamente dissoluto63 Na Gr-Bretanha eduardi-na, os plutocratas aproveitavam avidamente essas oportunidades.64

    Contudo, a assimilao individual s se aplicava a uma reduzida mi-noria.

    O critrio aristocrtico bsico de descendncia poderia, entretan-

    to, ser adaptado para definir uma nova e ampla elite da alta classe me-dia. Assim, surgiu uma verdadeira paixo pela genealogia nos EstadosUnidos na dcada de 1890. Foi antes de mais nada um interesse femi-nino: as "Filhas da Revoluo Americana" (1890) subsistiram e flores-ceram, enquanto os "Filhos da Revoluo Americana", organizaoum pouco mais antiga, extinguiu-se. Embora o objetivo manifesto fos-se distinguir os americanos nativos, brancos, protestantes, da massa denovos imigrantes, seu objetivo real era estabelecer uma camada alta

    61. Paul Descamps, L' Education dans les coles Anglaises, Biblioteca da Ciencia Social(Paris. Jan. 1911). p. 25: Lawson, op. cit.. p. 24.62. Descamps, op. cit., pp. 11, 67.63. Ibid., p. 11.

    64. Jamie Camplin, The Rise of the Plutocrats: Wealth and Power in Edwardian England (Londres, 1978).

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    exclusiva entre a classe mdia branca. A F.R.A. no tinha mais de30.000 membros em 1900, principalmente nas fortalezas do dinheiro"velho" - Connecticut, Nova Iorque, Pensilvnia - embora tambmentre os prsperos milionrios de Chicago." Organizaes como estadiferiam das tentativas muito mais restritas de estabelecer um grupode famlias como elite semi-aristocrtica (atravs da incluso num Re-gistro Social, ou coisa parecida), visto que estabeleciam ligaes dembito nacional. Certamente, era mais provvel que a F.R.A., menosexclusiva, descobrisse membros apropriados em cidades como Omahado que um Registro Social muito elitista. A histria da pesquisa daclasse mdia sobre sua genealogia ainda esta para ser escrita, mas aconcentrao americana sistemtica nesta busca era provavelmente,nesta poca, relativamente excepcional.

    Muito mais importante era a educao escolar, suplementada, emcertos aspectos, pelos esportes amadores, intimamente ligados a elanos pases anglo-saxnicos. A escolarizao fornecia no s um meio

    conveniente de comparao entre indivduos e famlias sem relaespessoais iniciais e, numa escala nacional, uma forma de estabelecer pa-dres comuns de comportamento e valores, mas tambm um conjuntode redes interligadas entre os produtos de instituies comparveis e,indiretamente, atravs da institucionalizao do "aluno antigo", "ex-aluno" ou "Alte Herren", uma forte teia de estabilidade e continuida-de entre as geraes. Alm disso, permitia, dentro de certos limites, apossibilidade de expanso para uma elite da classe mdia alta, sociali-zada de alguma maneira devidamente aceitvel. Alis, a educao nosculo XIX tornou-se o mais conveniente e universal critrio para de-terminar a estratificao social, embora no se possa definir com pre-ciso quando isto aconteceu. A simples educao primria fatalmenteclassificava uma pessoa como membro das classes inferiores. O crit-rio mnimo para que algum pudesse ter status de classe mdia reco-nhecido era educao secundria a partir de, aproximadamente, 14 a16 anos. A educao superior, exceto por certas formas de instruoestritamente vocacional, era sem dvida um passaporte para a altaclasse mdia e outras elites. Segue-se, a propsito, que a tradicionalprtica burguesa-empresarial de iniciar os filhos no servio da empresaem meados da adolescncia, ou de abster-se da educao universitria,comeou a perder terreno. Foi certamente o que ocorreu na Alema-nha, onde, em 1867, 13 de 14 cidades industriais da Rennia recusa-ram-se a contribuir para a comemorao do quinquagsimo anivers-rio da Universidade de Bonn, alegando que nem os industriais, nem

    65. Davies. Patriotism on Parade, pp. 47, 77.

  • 8/2/2019 A produo em massa de tradies Europa 1879-1914 Eric Hobsbawm

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    seus filhos a frequentavam.66 La pela dcada de 1890, a percentagemde estudantes de Bonn oriundos de famlias da Besitzbrgertum tinhaaumentado de cerca de vinte e trs para pouco menos de quarenta, en-quanto aqueles oriundos da burguesia profissional tradicional (Bil-

    dungsbrgertum) haviam baixado de 42 para 31%.67

    Foi provavelmenteo que ocorreu na Gr-Bretanha, embora observadores franceses da d-cada de 1890 ainda registrassem, surpresos, que os ingleses raramentesaam da escola depois dos 16 anos.68 Decerto, este nao era mais o casoda "alta classe mdia", apesar de no terem sido feitas muitas pesqui-sas sistemticas sobre o assunto.

    A educao secundria fornecia um critrio amplo de ingresso naclasse mdia, porm amplo demais para definir ou selecionar as elitesem rpida evoluo, e que, embora numericamente bem pequenas, esendo chamadas de classe dominante ou "establishment", eram quemdirigia as questes nacionais dos pases. Mesmo na Gr-Bretanha,onde no existia sistema secundrio nacional antes do sculo XX, foi

    preciso formar uma subclasse especial de "escolas secundrias particu-lares" dentro da educao secundria. Foram definidas oficialmentepela primeira vez na dcada de 1860, e cresceram tanto pela ampliaodas nove escolas ento reconhecidas (de 2.741 meninos em 1860 para4.553 em 1906) e tambm pelo acrscimo de mais escolas consideradasde elite. Antes de 1868, no mximo duas dzias de escolas eram sriascandidatas a tal status, mas em 1902, de acordo com os clculos deHoney, ja havia uma "lista curta" mnima de at 64 escolas e uma "lis-ta longa" mxima de at 104 escolas, com uma margem de aproxima-damente 60 em posio mais duvidosa.69 As universidades expandi-ram-se neste perodo pelo aumento de matrculas, ao invs de por no-vas fundaes, mas este crescimento foi expressivo o suficiente para

    produzir serias preocupaes com a superproduo de graduados,pelo menos na Alemanha. Entre meados da dcada de 1870 e da de1880, o nmero de estudantes chegou quase a dobrar na Alemanha,

    66. Citado in J. Hobsbawm, The Age of Capital (Publ. no Brasil com o titulo A Era doCapital) (Londres, 1977), p. 59; F. Zunkel, "Industriebrgertum in Westdeutschland",in H.U. Wehler (org.), Moderne Deutsche Sozialgeschichte (Colnia e Berlim, 1966). p.323.67. K. H. Jaraus ch, "The Social Transfor mation of the University: The Case of Prus-sia 1865-1915", Journal of Social History, xii, n. 4 (1979), p. 625.68. Max Leclerc, L'Education des Classes Moyennes et Dirigeantes en Angleterre (Pa-ris, 1894), pp. 133, 144; P. Bureau, "Mon Sejour dans une Petite Ville d'Angleterre", LaScience Sociale (suivant la Methode de F. Le Play), 59 ano, ix (1890), p. 70. Cf. tambem

    Patrick Joyce, Work, Society and Politics: The Culture of the Factory in Later VictorianEngland(Brighton, 1980), pp. 29-34.69. J. R. de S. Honey, Tom Brown's Universe: The Development of the Victorian PublicSchool (Londres, 1977), p. 273.

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    ustria, Frana e Noruega, e passou do dobro na Blgica e Dinamar-ca.70 A expanso nos Estados Unidos foi ainda mais espetacular. Em1913 j havia 38,6 estudantes por cada 10.000 habitantes do pas, com-parado ao nmero continental normal de 9-11,5 (e menos de 8 na Gr-

    Bretanha e Itlia).

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