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MEMRIA DOS PROFESSORES NEGROS E
NEGRAS DA UNILAB:
Tecendo Saberes e Prxis Antirracistas
MARIA LUCIA DA SILVA
SO PAULO
2016
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MARIA LUCIA DA SILVA
MEMRIA DOS PROFESSORES NEGROS E NEGRAS DA UNILAB:
Tecendo Saberes e Prxis Antirracistas
Tese de doutorado apresentada ao curso de doutorado em Educao do Programa de Ps-Graduao Educao da Universidade Nove de Julho PPGE/UNINOVE. rea de Concentrao: Teorias e Polticas em Educao Linha de pesquisa: Educao Popular e Culturas LIPEPCULT Orientador: Prof. Doutor Mauricio Pedro da Silva
SO PAULO
2016
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Silva, Maria Lucia da. Memria dos professores negros e negras da UNILAB: tecendo saberes e prxis antirracistas. / Maria Lcia da Silva. 2016. 179 f. Tese (doutorado) Universidade Nove de Julho - UNINOVE, So Paulo, 2016. Orientador (a): Prof. Dr. Maurcio Pedro da Silva.
1. Cosmoviso africana. 2. Educao superior. 3. Invisibilidade do Professor negro. 4. Racismo acadmico. 5. UNILAB.
I. Silva, Maurcio Pedro da. II. Titulo
CDU 37
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BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Professor Doutor Mauricio Pedro da Silva UNINOVE/SP
Orientador
Professor Doutor Adriano Salmar Nogueira Taveira UNINOVE/SP
Examinador
___________________________________________________________________
Professora Doutora Edileuza Penha de Souza UnB/DF
Examinadora
__________________________________________________________________
Professor Doutor Jos Eduardo de Oliveira Santos UNINOVE/SP
Examinador
___________________________________________________________________
Professor Doutor Marcos Ferreira-Santos USP/SP
Examinador
___________________________________________________________________
Professora Doutora Sofia Lerche Vieira UNINOVE/SP
Suplente
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Dedico este trabalho aos meus ex-alunos e alunos.
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AGRADECIMENTOS
Chegar at aqui no foi fcil, principalmente quando percebo todo meu processo,
todos os obstculos que enfrentei para conseguir vencer. Agora entender toda a
trajetria e procurar palavras para falar de agradecimento e gratido para dizer para
todas e todos que me ajudaram muito, muito obrigada.
Agradeo a Deus, aos meus orixs, a minha me Benedita Percilia da Conceio
Silva e ao meu pai Arnbio Silva (in memoriam) por tudo, famlia, amor, equilbrio,
respeito, humor, coragem e autoestima.
Agradeo ao meu orientador professor Mauricio Pedro da Silva, muito obrigada.
Obrigada pelo olhar encorajador, calma, silncios, sorrisos que sempre o
acompanham. Agradeo tambm pelas orientaes, rigor cientfico e contribuies
ao meu trabalho de pesquisa e ao meu crescimento intelectual.
Agradeo professora Edileuza Penha de Souza pela participao na banca de
qualificao e na defesa, suas contribuies foram fundamentais para a concluso
deste trabalho, pela pesquisadora e professora experiente que , pelo conhecimento
que tem da questo tnico-racial brasileira e dos movimentos sociais negros, pela
sabedoria e amor que me arguiu na qualificao.
Agradeo ao professor Jos Eduardo Oliveira Santos pela participao na
qualificao e na defesa com provocaes que me tiram da zona de conforto e me
cobrou mais eficincia. Obrigada pelo carinho, gentileza e sorrisos.
Agradeo aos professores Marcos Ferreira-Santos e Adriano Salmar Taveira
Nogueira pela participao na banca de defesa. Obrigado por seu carinho,
solidariedade e generosidade.
Agradeo aos interlocutores fundamentais desta tese: os professores negros e
negras da UNILAB que me concederam entrevista, carinho, disponibilidade e me
estimularam ao no se furtar em que contar suas histrias de vida e profissional.
Agradeo aos meus professores das disciplinas do doutorado: Adriano Salmar
Taveira Nogueira, Ana Maria Haddad Baptista, Celso Carvalho, Edgar Coelho,
Dirceu Beninc, Jason Ferreira Mafra, Marcos Lorieri, Mnica Todaro, Magali Rosa
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de SantAnna, Manuel Tavares e Sofia Lerche Vieira, por possibilitar o dilogo franco
e amoroso.
Muito obrigada especial as minhas tias Janana, Georgina e Genoveva que nunca
me deixaram abandonar um sonho e nunca saram por um s instante do meu lado.
Obrigada pelo amor.
Muito obrigada aos meus irmos que fazem tudo por mim Robson Carlos, Lucimara,
Andrea Cristina e Carlos Andr e aos nossos filhos Ully, Vitor, Gabriel, Mateus,
Felipe, Katharina, Barbara e aos meus cunhados Paulinho, Daniele e Ana.
Agradeo a minha famlia capixaba em So Paulo: Dulce Massariol, Robson Ruy,
Valentino Massariol Ruy, Leon Massariol Ruy, pelo colo, casa, humor, inteligncia,
trabalhos, viagens, almoos e amigos.
Muito obrigada aos meus amigos capixabas e apoiadores desse sonho do
doutorado: Luiz Claudio Moiss Ribeiro, Ana Cristina Lacourt, Tania Caj, Sandra
Brito, Lvia Assis Patriota, Carlina Lopes, Maria Jos Depollo, Elias Coelho, Eliseu
Coelho, Samir Caetano, Johnny Camello, Maria Celeste Pupa.
Agradeo tambm aos amigos que contriburam para que todos os obstculos que
apareceram no paralisassem o meu caminhar como: Alcione Dias, Fabio Carvalho,
Val Andrelino, Ariane Meirelles, Antonio Carlos Moraes, Ligia Lobo Azevedo, Maria
Ins Pupa, Marcelo Siano, Arlindo Villaschi, Julia Lucia Albano Oliveira, Hermano
Mattos Souza, Delza Massariol, Romildo Luiz Monteiro Andrade, Clara Luiza
Miranda, Erica Neves, Renata Gomes, Marlia Polleti e Natalia Duarte.
Muito obrigada tambm aos amigos capixabas que encontrei por aqui, como a Rita
Paste, Denilson Reis, Guilherme Espindula Rocha, Solon Kretli e me ajudaram
sempre.
Agradeo s amigas e amigos que fiz no Centro de Informao da Mulher (CIM) que
me receberam na equipe com carinho e generosidade: Marta Baio, Cleone, Neuza,
Ana Claudia, Izabel, Hlio e Mauro.
Agradeo aos amigos paulistas pelo carinho, fora, risadas: Leila Garcia, Renata
Modesto, Julio Oliveira, Mareu Nitschke, Ricardo Iazzetta, Flvio Sadalla, Cesar
Dante, Marcelo Bicudo, Hlio Silva, Sr. Hlio, Selma Moreira dos Santos, Mrcia dos
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Santos, Carla Rabello Rodrigues, Enio Moraes Junior, Murilo Jardelino, Rejane
Nobrega, Las De Figueiredo Lopes, Jeff Baffica e Eliane Vidigal.
Agradeo aos meus amigos pela solidariedade fundamental para estar em So
Paulo morando bem: Gerlene Colares, Ricardo Alberto DAvila e Luciano Santos.
Agradeo aos colegas do doutorado pela oportunidade do debate em sala de aula:
Fernando, Reinaldo, Daniel, Eliane Dolce, Eliabe, Kelly, Neide, Regina, Antonio,
Telma e Maria Jos.
Agradeo aos colegas do Ncleo de Estudos Yl Educare pela oportunidade de
construirmos formao de professores para educao das relaes tnico-raciais:
Neide, Cludia, Fernando, Francisca, Mnica, Thiago, Antonio, Telma, Vanda, Maria
Jos, Sandra e Raquel.
Agradeo aos meus colegas professores da FIAMFAAM- Centro Universitrio pela
troca e dilogo e aos Coordenadores e Diretora pela confiana, muito obrigada.
Agradecimento especial s colegas Claudia Oliveira, Fbia Silva, Claudia Nonato e
Francisca Monica Rodrigues que, atentas ao meu desespero em finalizar a tese,
colaram em mim.
Agradecimento aos amores: Renata, Lorena, Renan, Ricardo, Maria Laura, Miguel,
Ylnia, Leonardo, Sabrina, Rafael e Nina.
Agradecimento a Geziel dos Santos, Edna, Heloisa, Manuela e Thais pelo carinho e
generosidade que ajudaram a aplacar demasiada saudade da famlia.
Agradecimento aos integrantes do Ncleo Relaes Raciais: Memria, Identidade e
Imaginrio da PUC/SP e Profa. Teresinha Bernardo pelo debate sobre educao
das relaes tnico-raciais.
Obrigada a todos do fundo do corao.
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Ponto de sustentao da orix Oxum
Minha me Oxum, aiei, iei, bis
Minha me Oxum, aiei, ah! bis refro
Quando ela chega,
ilumina o conga
E traz flores de aruanda bis
pra seus filhos perfumar
Refro
Quando ela dana
distribui o seu tesouro,
seu amor doce Me bis
e sua luz feita de ouro.
Refro
(Lourdes Vieira)
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RESUMO
A luta por uma educao antirracista est entre as reivindicaes dos movimentos sociais negros que culminaram e definiram os programas de aes afirmativas desenvolvidas pelo governo brasileiro, incluindo alunos, professores e instituies no mbito da educao superior. Esta pesquisa investiga invisibilidade dos professores (as) negros (as) na universidade pblica brasileira, tendo como territrio a Universidade da Integrao Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), criada em 2010, com o propsito de incluso de alunos e professores brasileiros e africanos. Para encontrar resposta para a questo central desta pesquisa, fez-se necessrio conhecer a histria de vida de seis professores negros brasileiros e africanos que atuam na UNILAB, com objetivo de compreender sua trajetria dos professores (as) negros (as) e negras, a fim de saber se essa presena nfima produzida pelo racismo. Alm disso, buscamos conhecer tambm se a UNILAB est incluindo mais professores negros que a mdia nacional das universidades, que no ultrapassa 1,0%. Nossa concluso que a UNILAB deve manter-se comprometida e autnoma para dar voz s demandas dos afro-brasileiros e africanos silenciadas pelo colonialismo, capitalismo e racismo, produzindo crticas ao eurocentrismo e socializando conhecimentos emancipatrios com base em epistemologias descolonizadoras.
Palavras-chave: Cosmoviso Africana. Educao Superior. Invisibilidade do Professor Negro. Racismo Acadmico. UNILAB.
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RESUMEN
La lucha por una educacin anti-racista est entre las reivindicaciones de los movimientos sociales negros que culminaron y definieron los programas de acciones afirmativas desarrolladas por el gobierno brasileo, incluyendo alumnos, profesores e instituciones en el mbito de la educacin superior. Esta pesquisa investiga la invisibilidad del profesor negro y negra en la universidad pblica brasilea, teniendo como territorio la Universidade da Integrao Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), creada en 2010, con el propsito de inclusin e integracin de alumnos y profesores brasileos y africanos. Para encontrar respuesta para la cuestin central de esta pesquisa, se hizo necesario conocer la historia de vida de seis profesores negros brasileos y africanos que actuaron en la UNILAB, con el objetivo de comprender la trayectoria de los profesores negros y negras, a fin de saber si esa presencia nfima es producida por el racismo. Adems de eso, buscamos saber tambin si la UNILAB est incluyendo ms profesores negros que el promedio nacional de las universidades que no ultrapasan 1%. Nuestra conclusin es que la UNILAB debe mantenerse comprometida y autnoma para dar voz a las demandas de los afro-brasileos y africanos silenciadas por el colonialismo, capitalismo y racismo, produciendo crticas al eurocentrismo el socializando conocimientos emancipadores con base en epistemologas descolonizadoras.
Palabras-llave: Cosmovisin Africana. Educacin Superior. Invisibilidad del Profesor Negro. Racismo Acadmico. UNILAB.
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ABSTRACT
The struggle for an antiracist education has been among the claims of the black social movements that has culminated and defined the affirmative action programs developed by the Brazilian government, including students, professors and institutions in the college education ambit. This research investigates the invisibility the black male and female professor at the Brazilian state-owned university, using as territory the Universidade da Integrao Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Afro-Brazilian International Lusophony Integration University) UNILAB, founded in 2010, with the purpose of including and integrating Brazilian and African students and professors. In order to find the central question of this research, it was necessary to know the history of the lives of six Brazilian and African male and female professors that acted at UNILAB, with the objective of understanding the path of such professors, as well as to know if this scarce presence is due to racism. Besides that, we are willing to know if UNILAB has been including more black professors than the national average, which dont exceed 1%. Our conclusion is that UNILAB must keep itself committed and autonomous to give voice to the Afro-Brazilians and Africans demands, silenced by colonialism, capitalism, and racism, producing critiques to eurocentrism, socializing emancipatory knowledge based on decolonizing epistemologies.
Keywords: African Cosmovision. College Education. Invisibility of Black Professor. Academic Racism. UNILAB.
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ANDES-SN
ANPEd
Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino
Superior
Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
Capes
CNE
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
Cadastro Nacional de Empresas
CNPq
COPPE
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Ps-Graduao e Pesquisa de
Engenharia
CPLP
EAD
Enem
FASUBRA
Comunidade dos pases de Lngua Portuguesa
Educao a Distncia
Exame Nacional de Ensino Mdio
Federao de Sindicatos de trabalhadores e Tcnico-Administrativo
em Instituio de Ensino Superior Pblicas do Brasil
Finep Empresa pblica brasileira de fomento cincia, tecnologia e
inovao
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IES
IMPA
Instituio de Ensino Superior
Instituto de Matemtica Pura e Aplicada
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio
Teixeira
IPEA
ISEB
LDB
Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
Instituto Superior de Estudos Brasileiros
Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
MEC Ministrio da Educao
MERCOSUL
MNU
NACE
NEAB
OBEDUC
Mercado Comum do Sul
Movimento Negro Unificado
Ncleo das Africanidades Cearenses
Ncleo de Estudos Afro-Brasileiro
Observatrio de Educao
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ONU Organizao das Naes Unidas
PDI Plano de Desenvolvimento Institucional
PPI Projeto Pedaggico Institucional
PPP Projeto- Poltico Pedaggico
PT Partido dos Trabalhadores
PROUNI
REUNI
RIPES
Programa Universidade para todos
Reestruturao e Expanso das Universidades Federais
Rede de Instituies Pblicas de Educao Superior
Secad Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e
Incluso Ministrio da Educao
SEPPIR Secretaria de Promoo de Polticas da Igualdade Racial
SISU Sistema de Seleo Unificado
UDF Universidade do Distrito Federal
UFC
UFG
UFJF
Universidade Federal do Cear
Universidade Federal de Gois
Universidade Federal de Juiz de Fora
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFSCAR Universidade Federal de So Carlos
UFFS Universidade Federal Fronteira Sul
UFPA
UNE
Universidade Federal do Par
Unio Nacional de Estudantes
UNILA Universidade Federal da Integrao Latino-Americana
UnB Universidade de Braslia
Unesp Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho
Unicamp Universidade Estadual de Campinas
Uniam Universidade Federal da Integrao da Amaznia
UNILAB Universidade da Integrao Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira
USP Universidade de So Paulo
USAID Agncia norte-americana para Desenvolvimento Internacional
TEN Teatro Experimental do Negro
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Cursos de nvel superior realizados no Brasil no perodo colonial.... 44
Quadro 2 Projetos de Lei com propostas para inserir nos currculos escolares
o Ensino das Relaes tnico-raciais, Histria da frica e da
Cultura Afro-brasileira........................................................................ 107
Quadro 3 Organismos e temticas de pesquisa................................................ 112
Quadro 4 Temticas de pesquisa...................................................................... 113
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Censo racial de professores.............................................................. 78
Grfico 2 Atualizao do Censo Racial com dados do INEP............................ 81
Grfico 3 Acordos de cooperao com Instituies Internacionais................... 130
Grfico 4 Nmero de professores da UNILAB................................................... 135
Grfico 5 Pas de origem dos professores estrangeiros.................................... 137
Grfico 6 Professores (as) negros (as) UNILAB................................................ 138
Grfico 7 Professores/Gnero UNILAB.......................................................... 139
Grfico 8 Alunos Graduao Presencial............................................................ 141
Grfico 9 Alunos na Ps-graduao presencial................................................ 142
Grfico 10 Alunos EAD...................................................................................... 143
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Cartaz da campanha institucional da UFJF......................................... 84
Figura 2 Cartaz da campanha institucional da UFJF......................................... 85
Figura 3 Cartaz da campanha institucional da UFJF......................................... 86
Figura 4 Cartaz da campanha institucional da UFJF......................................... 87
Figura 5 Luma assinando termo de posse........................................................ 139
Figura 6 Reitora Nilma Lino Gomes em ato de posse....................................... 140
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SUMRIO
APRESENTAO................................................................................................ 17
INTRODUO...................................................................................................... 19
CAPTULO 1 ENSINO SUPERIOR E A UNIVERSIDADE PBLICA................ 39
1.1 O ensino superior no Brasil............................................................................. 40
1.2 A universidade pblica e a docncia superior................................................ 54
1.3 O acesso carreira docente na universidade pblica.................................... 62
1.4 Invisibilidade do professor negro.................................................................... 71
CAPTULO 2 A EDUCAO ANTIRRACISTA NO ENSINO SUPERIOR......... 89
2.1 A colonialidade............................................................................................... 90
2.2 O racismo brasileira..................................................................................... 94
2.3 A educao das relaes tnico-raciais e a luta antirracista no ensino
Superior.......................................................................................................... 101
2.3.1 A educao das relaes tnico-raciais no ensino superior.................. 102
2.3.2 Histrico da Lei n 10.639/2003............................................................. 106
2.3.3 Orientaes da Lei n 10.639/2003 para ensino superior...................... 109
2.4 A cosmoviso africana como epistemologia descolonizadora....................... 113
CAPTULO 3 TECENDO SABERES................................................................. 123
3.1 Apresentando a UNILAB................................................................................ 124
3.1.1 Internacionalizao do ensino............................................................... 127
3.1.2 UNILAB: Universidade alternativa/popular ou tradicional?.................... 130
3.2 Metodologia e anlise de dados..................................................................... 144
3.3 Conscientizao, opresso e dialogia............................................................ 148
3.3.1 O papel da UNILAB............................................................................... 151
3.3.2 O combate ao racismo........................................................................... 152
3.3.3 O acesso carreira docente.................................................................. 156
3.3.4 Troca de saberes................................................................................... 159
3.3.5 Combate invisibilidade........................................................................ 163
CONCLUSO....................................................................................................... 165
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................... 169
ANEXOS............................................................................................................... 173
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APRESENTAO
Esprito Santinho
fui criada na ilha sem ser sozinha
fui desde pequenininha criada na ilha
Sem ser ilhada fui a porta, o poeta o porto
o vivo morto do congo a madrinha da congada
comi cresci na panela de barro era s eu e ela ela me namora eu namoro ela
nossa senhora da penha fogo e f, fogo avio lenha
pra de noite no terreiro orix so Benedito
o que perdi na fora ganhei no grito
porque eu fui desde criancinha caula americano
sulamericano saci, meape siri,alegre
esprito tanto calor e quente esprito quantum ardente esprito santo com febre
de sacudir o Brasil pequena ponte sudeste
pequeno polegar mindinho e mercosul
merconordeste esperto santo moleque
capivara lobisomem paneleira deus ensaiando o homem
menino e boneca de pano sulamrica brasil fui criada na ilha
com muito sol na virilha amo batalha e vitria
maria ortiz maria da glria ela me namora eu namoro ela
sou eu praia da costa eu canto eu encanto
eu cachoeiro eu praia do canto
fui criada na ilha desde criancinha minha me vem l de minas
meu pai nasceu baiano capixaba mesmo s eu que sou
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povo mais novinho dos brasis esse pas sabido
esse pas maneiro e mundano o caula do mundo
caulamericano
(LUCINDA, 1997, p.27)
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INTRODUO
Em tempos atuais, quando se discute a educao e, em especial, os negros1
na educao, ainda se faz necessria a busca de respostas sobre questes como a
presena nfima de professores (as) negros (as) nas universidades pblicas
brasileiras. Para se encontrar algumas dessas respostas faz-se necessrio
conhecer a histria do professor negro na educao superior brasileira, em seus
aspectos de excluso, resistncia, incluso e exerccio de seus direitos.
Assim nasce esta pesquisa: com objetivo de compreender essa trajetria na
Universidade da Integrao da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), apresenta-se a
tese Memria dos Professores Negros e Negras da UNILAB: Tecendo Saberes e
Prxis Antirracistas.
A escolha por essa temtica ocorreu depois da reviso bibliogrfica sobre
educao de afro-brasileiros produzida no perodo de 2003 a 2016, em que foi
encontrada quantidade expressiva de trabalhos cientficos que abordam temas
como: Sistema de Escravido, Populao Negra, Religies de Matriz Africana,
Gnero, Etnia e Raa, Lei n 10.639/2003, Aes Afirmativas, entre outros. Essa
escolha ganhou fora a partir do ano de 2003, com a apropriao de textos nos
quais so apresentados dados, conceitos e crticas hegemonia instalada no
ambiente acadmico das universidades pblicas, conforme o pensamento de
Carvalho (2003):
A luta pelas cotas para negros no ensino superior brasileiro tem aberto inmeras questes sobre as relaes raciais no Brasil que haviam sido silenciadas quase totalmente ao longo de todo o sculo vinte. Entre tantas questes, revela-se agora o quanto nossa classe acadmica esteve impune pela excluso racial que se instalou no nosso meio desde a consolidao das primeiras universidades pblicas na dcada de trinta. a essa impunidade e a esse silenciamento crnico que dou o nome de racismo acadmico. (CARVALHO, 2003, p. 2)
Uma das justificativas apresentadas por esse autor para ampliar o
entendimento acerca da importncia e da necessidade de professores (as) negros
(as) no quadro das universidades a ausncia desses profissionais como modelos
1 Para definio da categoria negro ser utilizado o termo proposto pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica (IBGE), sabendo que tal designao abrange pessoas pretas e pardas, segundo autodeclarao.
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para alunos que tambm so negros, alm de muitas vezes pobres, de tal modo que
esses alunos no encontram nas universidades modelos que os ajude na construo
simblica da sua autoimagem positiva, o que poderia colaborar no enfrentamento
dos embates que normalmente sofrem no meio acadmico.
Os dados quantitativos a respeito do baixo ndice de professores (as) negros
(as), como sero mostrados a seguir, reforam a tese de Carvalho (2006, p. 3):
[...] quantos colegas negros tenho e quantos negros fazem parte do quadro de docentes da UnB? Aps constatar que convivia h mais de uma dcada com 60 colegas brancos no Instituto de Cincias Sociais da UnB decidi realizar, em 1999, um censo racial informal, com ajuda de colegas e estudantes negros. Chegamos a uma concluso que ainda me estarrece: a UnB, que havia sido inaugurada em 1961 com pouco mais de duzentos professores e que ao longo de dcadas havia ampliado esse nmero para 1.500, conta com apenas 15 professores negros. Ou seja, aps 45 anos de expanso constante do seu quadro de docente, a universidade que foi concebida como modelo de inovao e de integrao do pas e com o continente latino-americano ainda no absorveu mais que 1% de acadmicos negros.
No entanto, essa no uma realidade apenas da Universidade de Braslia
(UnB). Na tese de doutorado de Maria Solange Pereira Ribeiro (2001), defendida na
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, sobre os docentes negros
das universidades pblicas do estado de So Paulo (Universidade Estadual de
Campinas/Unicamp, Universidade Federal de So Carlos/UFSCAR, Universidade de
So Paulo/USP e Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho/Unesp),
todas as dificuldades em conseguir identificar 17 professores negros nessas
universidades.
Outra pesquisa, que tambm demonstra resultado semelhante, foi
apresentada no GT Currculo, na Associao Nacional de Ps-Graduao e
Pesquisa em Educao (ANPED), com o tema A trajetria de um professor negro
na Universidade questes culturais e currculo. As autoras Thais Silva, Rebeca
Rosa e Simone Costa relatam a invisibilidade da presena de um professor negro
na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
A obra Trajetrias de docentes do ensino superior: aes afirmativas no
contexto da Universidade Federal de Minas Gerais tambm d referncia terica na
reviso de literatura desta pesquisa. Nessa obra, a autora Ana Amlia Laborne, que
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professora da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), relata sua dificuldade na obteno de dados que corroborassem suas
hipteses.
Diante da inexistncia de dados sobre a classificao racial dos professores da UFMG foi necessrio, em um primeiro momento, realizar uma coleta de dados quantitativos que pudesse facilitar o contato com esses sujeitos. Dentre os 224 (duzentos e vinte e quatro) docentes que responderam ao questionrio aplicado nas faculdades que compuseram a amostra, a saber: Faculdade de Medicina, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Geocincias e Faculdade de Letras, 181 (cento e oitenta e um) se declararam brancos, 29 (vinte e nove) pardos, e apenas 1 (um) se declarou preto. (LABORNE, 2009, p. 61)
Laborne (2009) conclui seu texto afirmando que a emergncia e a
necessidade de uma ampla pesquisa do perfil tnico-racial na UFMG ajudaro a
produzir polticas concretas de incluso racial. E que mesmo com status de ser
professor universitrio, essa credencial no impede que os professores (as) vivam
situaes declaradas de preconceito no meio acadmico.
Todavia, foi o artigo do professor da Universidade de Braslia (UnB), Nelson
Olokof Inocncio, no qual narra seu percurso acadmico e poltico, que constituiu o
referencial principal desta tese. Ao fazer referncia construo do intelectual
negro, Inocncio (2006) assinala a importncia dos movimentos sociais negros para
ajudar na compreenso da identidade racial e na luta a ser travada no ambiente
universitrio.
Na anlise que produz sobre o acesso e permanncia de jovens negros na
universidade, Gomes (2004) toma como base o relatrio do Instituto de Pesquisa
Econmica Aplicada (IPEA), de 2001, que apresenta dados da pesquisa na qual
apenas 2% da populao negra consegue ingressar na universidade. Esse relatrio
aponta dados alarmantes sobre a desigualdade racial no Brasil e no ensino superior,
tanto que essa autora indaga que no basta apenas nos perguntarmos o que fazer
com os 98% que no entram, mas preciso indagar o que tem sido feito com os 2%
que conseguem entrar.. (GOMES, 2004, p. 40)
Segundo esse autor, a universidade pblica brasileira tem que contemplar a
diversidade tnico-racial da populao em todos os seus cursos e no pode se
concentrar apenas em algumas reas. Para isso, temos que criar condies para
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que jovens negros e pobres entrem e permaneam com sucesso dentro da
universidade.. (GOMES, 2004, p. 41)
Desse modo, ao compreendermos que a UNILAB constitui um caso nico no
Brasil, que atende aos apelos histricos e s pautas pelas quais lutou o Movimento
Negro durante o sculo XX, e tambm por ser a primeira universidade fundada com
a inteno de integrao dos pases membros da Comunidade dos Pases de
Lngua Portuguesa (CPLP), relao essa que salutar no sentido de recompor a
malha educacional e histrica da formao nacional brasileira, acreditamos que esta
pesquisa poder contribuir para enriquecer o entendimento sobre a universidade
pblica, sobretudo porque se parte da hiptese de que a UNILAB constituiria um
lugar privilegiado para que um debate profundo acerca das desigualdades
estruturais brasileiras se estabelecesse e conduzisse no rumo da equidade clamada
h muito pelos movimentos sociais.
Compreendemos, tal como Catani (2008, p. 5-7), que o tema da
universidade, hoje, um dos mais candentes e de grande relevncia social. [...] Em
suma, ocorreu (e est ocorrendo) um profundo processo de renovao no campo da
educao superior brasileira.. Contemplando a UNILAB como um desses casos de
renovao, embora constitua uma das maiores inovaes no campo educacional
desde que a instituio universitria se produziu no Brasil, compreende-se que a voz
do (a) professor (a) negro (a) da UNILAB pode trazer luz sobre um debate que h
muito reclama ateno.
pergunta onde est o professor (a) negro (a) na universidade se responder
com as vozes desses profissionais, apresentando suas histrias, trajetrias,
vicissitudes e enfrentamentos. Desse modo, compreende-se que no se perguntar
mais onde ele est, porque a invisibilidade de que foi e alvo s pode ser
apagada se sua materialidade se fizer presente.
A trajetria educacional no pas, quando retomada, leva constatao de que
a universidade brasileira foi criada para formar as elites aristocrticas e de mrito.
No entanto, estamos em novos tempos e a [...] universidade necessita abranger
toda uma diversidade de comportamentos e de concepes [...] Deve estar
preparada para dialogar com a sociedade que a financia. (CATANI, 2008, p. 12-13).
Acrescente-se a esse pensamento que, mais que dialogar, a Universidade tem a
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funo de educar para a compreenso histrica da sociedade em que est inserida,
produzindo crticas e sinalizando com mudanas. No caso brasileiro, faz-se
necessrio compreender o que se produziu nas relaes sociais do pas e, por
consequncia como o racismo influenciou nas diferentes oportunidades oferecidas
aos para negros.
A temtica de incluso do (a) professor (a) negro (a) como objeto do projeto
de doutorado apresenta, por tais motivos, extrema relevncia social, pois atende
aos reclamos sociais, histricos e culturais de um novo tempo que se configura. A
escolha pela instituio Universidade Integrao Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira (UNILAB) como campo de pesquisa, no entanto, posterior definio de
nosso objeto. Inicialmente, aventava-se a hiptese do territrio de desenvolvimento
da pesquisa ser a Universidade Federal do Esprito Santo/UFES, local de minha
graduao e de experincia como professora substituta em cursos de graduao,
ps-graduao e atividades de extenso. No entanto, dois fatores foram
determinantes para a mudana do campo: conhecer o Observatrio de Educao
(OBEDUC) e a pesquisa intitulada Projeto Universidade Popular do Brasil, que tem
como objeto de estudo as universidades recentemente criadas e implantadas no
Brasil (primeira do sculo XXI), de modo a detectar os diferenciais a que se propem
como alternativas s universidades clssicas (modelo humboldtiano e napolenico)
da primeira metade do sculo XX (OBEDUC, 2012). (BRASIL, 2014a)
Assim, adotamos como territrio de pesquisa, a partir daquele momento, a
UNILAB, uma vez que se poderia, teoricamente, encontrar quantitativamente a
diversidade tnica e de gnero de professores, em especial, encontrar os negros
brasileiros, africanos, portugueses, orientais e indgenas, todos trabalhando em uma
instituio que se prope integrao de povos, culturas e saberes em torno da
lusofonia.
Mas o que justificaria o foco no (a) professor (a) negro (a)? O Brasil o pas
fora do continente africano que tem a maior populao negra do mundo e, ao longo
de sua histria, vem produzindo um quadro de extrema desigualdade entre negros e
brancos. Cavalleiro (2005, p. 9) amplia o debate dizendo que at bem pouco tempo
o Estado brasileiro no incorporava as categorias racismo e discriminao racial
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para explicar o fato de os negros responderem pelos mais baixos ndices de
desenvolvimento humano, e os brancos pelos mais elevados.
A reduo desse quadro de desigualdade torna-se emergencial para ns
negros (as) brasileiros (as). E uma das formas encontradas pelo movimento negro
brasileiro para combater o racismo tem sido a educao, mesmo tendo observado, a
falncia da escola como espao democrtico de socializao e incluso social,
porque os movimentos sabem que a educao um direito social e que oportuniza
mudanas profundas. Apesar de, efetivamente, no estar garantindo incluso com
dignidade para os negros e os pobres brasileiros, ainda assim a educao o
principal canal de ascenso social para essas populaes negra, e o acesso
possibilita sua participao na vida social e na economia. Por integrao econmica,
compreende-se o acesso aos bens culturais e sociais que, por sua vez, deveriam ser
consequncia natural da ascenso social, como o para outras raas.
No entanto, como j dito, as universidades so instituies que sempre
tiveram o ensino voltado para a elite, tornando-se pouco acessveis s camadas
populares. Dessa forma, a integrao econmica no garante, como suposto, a
incluso educacional dos negros, da a sua nfima presena nos quadros de
professorados, pois se mal conseguem integrar os quadros discentes, que dir os
quadros docentes. Na UNILAB, porm, por meio de uma observao preliminar, foi
possvel perceber a presena de alguns professores negros brasileiros e africanos,
ainda que no sejam majoritrios, pois comparado seu nmero ao de professores
brancos, eles ainda constituem minoria, mesmo a instituio tendo como objetivo a
integrao Brasil/frica.
Da entendermos que o acesso ao ensino superior uma das reas que mais
reala a desigualdade social existente no Brasil. A busca da reduo das
desigualdades socioeconmicas faz parte do processo de democratizao da
universidade e da prpria sociedade. Esse processo no pode se efetivar, apenas,
no acesso educao superior gratuita. Torna-se necessrio refletir sobre a
desigualdade racial com profundidade. E, como afirma Carvalho (2006), a condio
de excluso racial extrema na docncia superior deve ser considerada quando se
reflete sobre os modelos de relaes raciais existentes no Brasil, sobretudo no meio
acadmico.
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Paradoxalmente, foi no ambiente acadmico que se forjaram as principais
teorias que negam a segregao racial na sociedade brasileira. Porm, as
estatsticas revelam o contrrio, bastando observar os dados referentes ao
extermnio de jovens negros, os nmeros de negros no quadro de desemprego,
contraposto queles em postos de comando e um sem nmero de pesquisas que
apontam para uma desigualdade crnica no pas.
O debate sobre essa nfima presena de professores negros nos quadros das
universidades pblicas ressurge em meio discusso de polticas pblicas de ao
afirmativa. Proporcionalmente, quando se analisam os dados conjuntos dos
professores negros de algumas das principais universidades federais do pas (por
exemplo, a Universidade de Braslia/UNB, Universidade Federal do Rio de
Janeiro/UFRJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro/UERJ, Universidade
Estadual de Campinas/Unicamp, Universidade de So Paulo/USP, Universidade
Federal de So Carlos/UFSCAR, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG,
Universidade Federal de Gois/UFG, Universidade Federal do Par/UFPA;
Universidade Federal do Rio Grande do Sul/URGS e a Pontifcia Universidade
Catlica de Minas Gerais/PUC-MG), constata-se que h um contingente de
aproximadamente 18.400 professores (as), a maioria com titulao correspondente
ao doutorado. Esse universo est racialmente dividido entre 18.330 brancos (as) e
70 negros (as), ou seja, entre 99,6% de docentes brancos (as) e 0,4% de docentes
negros (as). (CARVALHO, 2006)
Ressalte-se que a universidade pblica no Brasil no cumpre o seu papel de
promover a diversidade que compe a sociedade brasileira, ao contrrio,
historicamente, valoriza um nico componente civilizatrio branco, masculino e
heterossexual, configurando-se como espao de reproduo, ampliao e
institucionalizao do racismo, conforme Junqueira (2007, p. 18):
Foi na trama de suas prticas educacionais, polticas e administrativas, tecida na articulao com outros setores da sociedade, que ela prestou importante contribuio para a construo social da invisibilidade da diversidade tnica e racial (e no somente essas) da populao brasileira.
A partir de dados histricos, nota-se que os movimentos sociais negros, nos
anos 1980, compreendiam que a autntica democracia racial no incorpora a
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explorao capitalista e, para no repetir vcios histricos de subalternizao e
explorao dos negros, entenderam a real necessidade de ao concreta junto do
Estado. Da o surgimento das polticas de aes afirmativas, que ao reconhecerem e
repararem danos causados pelo racismo buscam eliminar as desigualdades sociais,
e promover justia social e igualdade, alm de compensar as perdas provocadas
por discriminao.
Os movimentos negros brasileiros tm, em sua trajetria, traado polticas de
combate discriminao racial e de reparao de desigualdades na educao. O
salto qualitativo dado ao longo dos anos deve-se, principalmente, ao de
pesquisadores e educadores negros, que colocaram essa discusso nos programas
de suas disciplinas ou em atividades culturais, como o caso de Josildeth Gomes
Consorte, Teresinha Bernardo, Sueli Carneiro, Maria Aparecida Bento, Maria
Aparecida Santos Correa Barreto, Edileuza Penha de Souza, Nilma Lino Gomes,
Petronilha Beatriz Gonalves e Silva, Guerreiro Ramos, Edison Carneiro, Abdias
Nascimento, Luiz Costa Pinto, Clvis Moura, Milton Santos, Henrique Cunha Jr.,
Kabengele Munanga, Marcos Ferreira dos Santos e Eduardo Oliveira, entre tantos
outros.
Assim, esta tese de doutorado, alm de alinhada s ideias dos movimentos
sociais negros, est tambm integrada pesquisa desenvolvida pelo Observatrio
de Educao, Projeto Universidade Popular do Brasil da Universidade Nove de Julho
(UNINOVE), aprovado pela Capes em 2012 e em desenvolvimento no Programa de
Ps-Graduao em Educao dessa instituio. O projeto vincula-se portanto, a
esse universo, que tem como objetivo:
o estudo das matrizes institucionais, da estrutura e do funcionamento das universidades recentemente criadas e implantadas no Brasil (primeira do Sculo XXI), de modo a detectar os diferenciais a que se propem como alternativas s universidades clssicas (modelo humboldtiano e napolenico) da primeira metade do sculo XX. (OBEDUC 2012). (BRASIL, 2014a)
E ainda:
as/s aes inovadoras dessas universidades alternativas, especialmente no que diz respeito : gesto democrtica com participao de no-pares de docentes, processos seletivos de incluso de docentes e discentes, construo participativa de matrizes curriculares alternativas, diversidade cultural incorporada ao
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corpus cientfico e tecnolgico, construo de cincia pblica (interesse de todos), de democracia cognitiva omnilateral (incorporadora de conhecimentos produzidos fora da academia), avaliao dialgica (institucional e da aprendizagem). (OBEDUC 2012). (BRASIL, 2014a)
Nesse sentido, a escolha da UNILAB como territrio de anlise tem por
objetivo pesquisar o universo de atuao dos (as) professores (as) negros (as)
brasileiros e africanos, a fim de conhecer suas memrias e contribuies para o
debate sobre o racismo, a ascenso social do negro, a colonialidade e o racismo
acadmico. Procura ainda, investigar se a presena desses professores (as) propicia
o conhecimento e apropriao da cosmologia dos africanos e dos afro-brasileiros no
espao acadmico.
Para tanto, como o projeto Universidade Popular do Brasil, sero mantidos os
referenciais tericos da pesquisa buscando os autores que tm desenvolvido
fundamentos, metodologias e tcnicas de abordagem da educao superior sob o
olhar da teoria crtica e contra-hegemnica, dentre os quais se destacam Anbal
Quijano, Boaventura de Sousa Santos e Paulo Freire.
Parte-se do pressuposto de que h pouca representatividade de professores
(as) negros (as) nas universidades brasileiras e da populao negra no segmento
acadmico, supondo-se que o nmero de professores (as) negros (as) na UNILAB
seria maior que as demais universidades federais, que tm um efetivo em torno de
0,5% (meio por cento), entendendo-se que esse nmero mnimo de professores (as)
negros (as) provoca danos irreparveis aos alunos (as) negros (as) que adentram a
universidade, cujos currculos vm privilegiando uma cultura eurocntrica, que em
nada valoriza as culturas das ditas minorias tnicas. Assim, a primeira hiptese
que o aumento do nmero de professores (as) negros (as) e nas universidades
pblicas contribuiria para ampliar o debate da questo racial e combater o racismo
acadmico.
A segunda hiptese que a UNILAB, com sua proposta inovadora de
integrao de professores (as) afro-brasileiros e africanos, produziria novas formas
de convivncia entre povos e culturas, dando voz aos sujeitos que sempre tiveram
suas histrias silenciadas.
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Para a discusso dessa problemtica consideraram-se ainda os seguintes
questionamentos derivantes: Como os (as) professores (as) negros (as) da UNILAB
esto contribuindo para aes antirracistas? Como os professores (as) negros (as)
brasileiros (as), em integrao com os (as) negros (as) africanos (as), esto
construindo novos modos culturais de ensinar e aprender? Se existe diversidade de
gnero? Como o (a) professor (a) negro (a) compreende seus processos identitrios
(cultura e subjetivaes)? E, por fim, que modelo de poltica pblica est incluindo
mais professores (as) negros (as) nas instituies federais de ensino superior?
Buscando compreender a questo central desta pesquisa, que so analisadas
por intermdio da memria dos professores (as) negros (as) sobre suas trajetrias
de vida e profissional, encontra-se suporte conceitual a partir de levantamento
bibliogrfico, cuja fundamentao terica baseia-se em Teresinha Bernardo (1990,
1998, 2007), Boaventura Sousa Santos (2004, 2010), Afrnio Catani (2008), Jos
Jorge de Carvalho (2003, 2005, 2006, 2010), Maria Lourdes de A. Fvero (2006),
Paulo Freire (1987, 1996), Antonio Sergio Guimares (1995, 2004, 2005), Marcos
Ferreira-Santos (2002, 2005, 2006), Mauricio Halbwachs (1990), Kabengele
Munanga (2003), Eduardo Oliveira (2006), Michael Pollak (1992), Anibal Quijano
(2005, 2010), no entanto, no nos furtaremos meno de outros tericos quando
necessrio.
Assim, esta pesquisa organiza-se na seguinte estrutura:
1 - Questo central: a invisibilidade, ou seja, a presena nfima do professor
negro produzida pelo racismo acadmico?
Para respond-la, como objetivo geral desta pesquisa, elegemos
compreender se a representatividade, tomando-a como existncia e
visilibilidade, contribuiria para ampliar o debate sobre a questo racial e se
combateria o racismo acadmico.
2 - A partir dessa questo central, apresentamos as questes derivantes:
a) Como os professores negros brasileiros e africanos esto construindo
novos modos culturais de ensinar e aprender?
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b) Como os professores negros compreendem seus processos identitrios
(cultura e subjetivaes)?
c) Que tipo de poltica pblica ampliar a representatividade do contingente
de professores negros na Universidade?
Ao tomarmos a UNILAB como objeto de estudo, partimos da hiptese de que
a instituio, com sua proposta inovadora de integrao de professores (as)
brasileiros (as) e africanos negros, produziria novas formas de convivncia entre
povos e as culturas dando voz aos sujeitos que sempre tiveram suas histrias
silenciadas.
Para respondermos s questes e verificar as hipteses aventadas,
estruturamos as anlises em trs categorias:
Colonialidade: com essa categoria abordaremos um breve histrico da
educao superior com foco na universidade pblica, o acesso carreira docente e
discutiremos a invisibilidade do professor negro e as prticas do racismo acadmico.
Cosmoviso: com essa categoria abordaremos a prxis para a educao
antirracista, a descolonizao, a Lei n 10.639/2003, de modo que a cosmoviso
africana seja o embasamento para a descolonizao de prticas e pensamentos.
Memria e representao: discutiremos a instituio UNILAB como
possibilidade de poltica afirmativa que, efetivamente, est em prtica no Brasil e de
seu projeto de vanguarda, ao propor a integrao de estudantes e professores dos
pases da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP). Para tanto,
utilizaremos as tcnicas de Histria de vida para problematizar a memria individual
e coletiva. Finalizaremos tais anlises com as categorias oprimido, conscientizao e
dialogia, por meio das quais intentamos dialogar com os anseios de setores
excludos da sociedade, especificamente, pelas prticas racializadas introjetadas na
estrutura da Universidade, tal como denuncia Carvalho (2003, p. 11):
Se pararmos um pouco de pensar nos estudantes e pensarmos nos professores que, em ltima instncia, votaro nos Conselhos Acadmicos as propostas de incluso racial, descobriremos que 99% deles so brancos. A primeira realidade que devemos ter em mente que ainda muito mais alta a porcentagem de professores brancos do que a de alunos brancos nas universidades.
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Para fins de coleta de dados, a pesquisa quantitativa foi o primeiro passo da
etapa de campo, assim como fez Carvalho (2003, 2006), que realizou um censo
informal nas seguintes universidades pblicas: UnB, USP, UFRJ, UFMG, UFSCAR,
Unicamp, URGS, UFG, UERJ e UFPA. Nele, constatou-se que o percentual de
professores negros nessas instituies nunca alcanou o patamar de 1% em relao
ao nmero de professores brancos, o que corroborou sua tese da existncia do
racismo acadmico.
Os escritos de Munanga (2003, p. 118) deram subsdio para a compreenso
do que ser professor negro, pois, como africano, professor, pensador e militante,
defende [...] as cotas e as polticas de aes afirmativas como sadas para os
problemas de insero, integrao e permanncia do negro no Ensino Superior,
antes racial do que econmico [...]. Entende-se que o empirismo do antroplogo
ultrapassa as fronteiras da sala de aula e possibilita uma forma diferenciada de ver a
realidade brasileira, sobretudo por no ser brasileiro, mas docente de uma
universidade brasileira.
Conhecer o professor Kabengele Munanga, na Universidade de So Paulo
(USP), no incio dos anos 2000, foi determinante para a escolha do tema deste
doutorado. A trajetria desse professor africano do Zaire, atual Congo, que chegou
USP em 1975, a partir de convnio entre a Instituio e o Itamaraty com as
universidades africanas, para fazer doutorado, tem entusiasmado alunos negros de
todo o Brasil a estenderem seus estudos alm da graduao, abordando, inclusive,
as questes tnico-raciais. Munanga graduou-se em Cincias Sociais, estudando
antropologia cultural africana no Congo. Mais tarde, foi para a Blgica estudar
Cincias Polticas, na Universidade de Louvain2, local onde conheceu o professor
Fernando Augusto Albuquerque Mouro, fundador do Centro de Estudos Africanos
da USP, e tomou conhecimento do convnio que o trouxe como bolsista ao Brasil.
Em entrevista a Viviane Silva (2013, p. 49)3, Munanga diz que:
[...] em 77, voltei para o Congo para integrar minha universidade, para prestar servio ao meu pas, mas como lhe falei a conjuntura
2 A Universidade Catlica de Louvaina localiza-se na Blgica. Fundada em 1425, desmembrou-se
em outras duas no ano de 1968: a Katholieke Universiteit Leuven, de fala holandesa, e a Universit Catholique de Louvain, de fala francesa. 3 Entrevista concedida a Viviane Anglica Silva, aluna de doutorado em educao da FE/USP, para
pesquisa de doutorado em andamento.
https://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%A9lgicahttps://pt.wikipedia.org/wiki/1425https://pt.wikipedia.org/wiki/1968https://pt.wikipedia.org/wiki/Katholieke_Universiteit_Leuvenhttps://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_neerlandesahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Universit%C3%A9_Catholique_de_Louvainhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Universit%C3%A9_Catholique_de_Louvainhttps://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_francesa -
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poltica e ditadura militar, questes srias polticas, eu acabei abandonando meu emprego, fui desertor mesmo e voltei ao Brasil. Tive um contrato de professor visitante na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no programa de mestrado em Cincias Sociais. Ento atuei naquela universidade de setenta e nove a oitenta.
Logo que entrou na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
apresentou um projeto sobre a realidade do negro brasileiro e com o mesmo projeto
prestou concurso para a USP, em 1981. Assim relata sua histria de envolvimento
com a questo racial:
Eu diria na realidade, que atuei tanto na academia, quanto no movimento negro. Eu costumo dizer que o meu trabalho foi como uma dana de valsa, um para frente, a comunidade, outro atrs na academia. Isso que fez de mim um intelectual diferenciado. As pessoas que me leem acham que eu escrevo coisas diferentes, que sou acessvel aos outros, porque quando escrevo sobre a questo do negro, a primeira coisa , escrevo para eu atender as pessoas da minha comunidade, qual eu perteno historicamente, apesar de ter nascido na frica. Se eu no entendi o que escrevo, ento os outros no vo entender. Ento essa uma maneira de atuar. Quando nasceu a Lei 10.639, uma das pessoas que viajou em vrios estados a convite da SECAD, da Educao para fazer a conferncia de abertura sobre a Lei 10.639 fui eu. (SILVA, V., 2013, p. 54)
Outra referncia para esta tese a anlise que Guimares (2004, p. 281) faz
sobre questo racial brasileira, quando afirma que, tradicionalmente, o pensamento
social brasileiro negro vem se ocupando em
[...] denunciar o isolamento moral e social dos negros, induzido pela esttica e pela cincia europeias; tratar os africanos como colonizadores do Brasil; entender o pas como produto do trabalho negro; ver a classe trabalhadora brasileira como originria dos escravos africanos, dos artesos e artistas negros e mestios; entender a cultura e os costumes dos africanos como base de nossa cultura popular.
A problematizao do conceito de racismo tambm encontra eco em
Guimares (2004), sobretudo ao fazer referncia aos significados que esse conceito
vem recebendo no campo cientfico. Segundo o pesquisador, trata-se de uma
palavra com significados diferentes, ainda que correlatos, podendo ser
compreendida como um corpo de atitudes, preferncias e gostos instrudos pela
ideia de raa e de superioridade racial, seja no plano moral, esttico, fsico ou
intelectual, ou at mesmo como doutrina que, ao pregar a existncia de raas
humanas, faz referncias a diferentes qualidades e habilidades e as coloca em uma
hierarquia (GUIMARES, 2004, p. 7). Tambm traz em sua obra o significado do
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conceito preconceito, e o especifica dizendo que no Brasil seria uma reao das
elites brancas (e no do povo) s novas relaes sociais prprias ordem social
competitiva (GUIMARES, 2005, p. 92). E diz que o potencial revolucionrio dos
negros que poder livrar a burguesia emergente dos privilgios, desigualdades
econmicas e de outras amarras.
Faz-se necessrio reconhecer que na prtica social que se acumula fora
para transformar a sociedade. com o acesso aos bens culturais que se garante
vida digna e uma nova possibilidade histrica. Para tanto, fundamental que se
desenvolvam as condies objetivas sintonizadas com os movimentos sociais de
resistncia em uma ao altamente responsvel e voluntariamente assumida por
todos.
Outro conceito que nos apoiamos para analisar o racismo a colonialidade.
Para entender a colonialidade de saber apoiamo-nos Anibal Quijano que interpreta,
que essa perspectiva tem base no Eurocentrismo, ao afirmar que ela nasceu em
meados do sculo XVII na Europa Ocidental e se tornou hegemnica com o
nascimento da Europa burguesa. Afirma ainda que essa perspectiva est associada
especfica secularizao burguesa do pensamento europeu e experincia e s
necessidades do padro mundial de poder capitalista, colonial/moderno,
eurocentrado, estabelecido a partir da Amrica. (QUIJANO, 2005 p. 239). No
entanto, continua Quijano (2005), essas razes do Eurocentrismo so sem dvidas
mais antigas do que o momento em que se tornou mundialmente hegemnica. Pois
essa no a histria cognoscitiva que prevaleceu para todos os europeus e em
todas as pocas. Essa racionalidade ou perspectiva de conhecimento transformou-
se em mundialmente hegemnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais,
prvias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos, tanto na Europa
como no resto do mundo. (QUIJANO, 2005, p. 239)
Para contrapor hegemonia da colonialidade do saber imposta pelos europeus
Amrica Latina e frica, trabalhamos com os textos de Oliveira (2006, p. 25), que
nos conduziu ao entendimento da cosmologia dos africanos e seus descendentes,
por ele conceituado como sistema de valores e princpios que, apesar do sofrimento
sempre emergiu das runas promovendo a vida, a diversidade, a integrao e o
respeito pelo seu passado..
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Com Oliveira (2006, p. 155) problematizaram-se os conceitos de identidade e
cultura brasileira, pois, como ele cita:
discutir a identidade negra num pas formado a partir da mistura (seria melhor dizer, conflito) entre vrias etnias, provindo de diversas regies geopolticas diferentes e, consequentemente, de culturas dspares, no um problema meramente cultural, mas de alcance poltico e social relevantes. At porque o que define a identidade racial so as relaes de poder entre os povos. No existe uma substncia geogrfica, biolgica ou cultural que define identidade racial. So as relaes de poder que a definem (relaes de dominao).
Outro conceito que utilizamos o de autonomia, proposto por Freire, que tem
como marca estar centrado em experincias que estimulam a tomada de
conscincia e que tenham base na responsabilidade, vale dizer, em experincias
respeitosas da liberdade.. ( Freire, 1996, p. 67). Tambm utilizaremos desse autor o
conceito de oprimido, em que ele procura conscientizar o professor sobre sua prxis
educativa e alinha-se necessidade de evidenciar os mecanismos da opresso
como cerceadores do processo de humanizao, de construo do ser:
a violncia dos opressores, que os faz tambm desumanizados, no instaura uma outra vocao a do ser menos. Como distoro do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua humanidade, que uma forma de cri-la, no se sentem idealisticamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E a est a grande tarefa humanista e histrica dos oprimidos libertar-se a si e aos opressores. (FREIRE, 1987, p. 16)
O conceito de educao popular que encontramos na obra de Freire
transformou-se em nossa palavra geradora, como se evidencia em sua
epistemologia, por ter nos conscientizado sobre o caminho que queramos com o
doutorado. Entender um pouco mais esse conceito na obra de Freire mudou o rumo
desse doutorado, que iniciamos nas cincias sociais e passamos para a educao,
pois nos fez optar por realiz-lo em outra instituio que pesquisa o impacto e
atualidade do pensamento freiriano nos aspectos poltico-pedaggicos do ensino
superior.
Todas essas mudanas sinalizaram o caminho para a anlise que produzimos
sobre ensino superior e universidade. Por entend-la como educao libertadora, tal
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como afirmam Gadotti e Stangherlim (2013), quando tratam dos princpios que
originaram a educao popular, podemos dizer que esto: orientados por uma
perspectiva de libertao que aposta na capacidade das pessoas de problematizar
a realidade social em que esto inseridas, conscientizando-se de suas condies
objetivas de vida.. (GADOTTI; STANGHERLIM, 2013, p. 24)
Outro conceito imprescindvel o de universidade popular, ou melhor, como
conceitua Romo (2013), universidade de caractersticas populares, que so
instituies de ensino superior que adotam prticas de educao popular e que na
ltima dcada vimos surgir no Brasil, como o caso da UNILAB, cujas novas
orientaes apresentadas em suas matrizes institucionais e curriculares so as
perspectivas mais esperanosas que detectamos como forma de descolonizao
das ideias que circulam nesses ambientes de formao e por se apresentarem
como antdoto aos (des) caminhos corporativos e de baixa incluso que
historicamente, marcaram o setor.. (SANTOS; MAFRA; ROMO, 2013, p. 13). A
contribuio dos textos coordenados por Santos, Mafra e Romo foi fundamental
para compreendermos algumas premissas da educao popular e de sua prxis no
ensino superior brasileiro, e compreender quais so os desafios para a construo
de uma universidade que se prope ter a educao popular como modelo, cujos
objetivos compreendem:
[...] tanto a ampla diversidade de saberes quanto os novos contingentes que acorrem universidade; que no discriminem, incorporando os diferentes; que no se elitizem, produzindo para e com o povo sem qualquer estratificao social, poltica, tnica ou cultural; que ampliem o cabedal da cincia, abarcando a criatividade das pessoas e as perspectivas cognitivas das gentes; que promovam a conceptualizao em chave cientifica, sem esquecer das inovaes tanto tericas quanto prticas resultantes dos saberes de experincias feitas. (SANTOS; MAFRA; ROMO, 2013, p 15)
Para analisar a UNILAB tambm utilizamos a proposta emancipatria de
universidade de Boaventura Sousa Santos (2004), que afirma que a educao
superior vem passando por profundas transformaes, entre elas o predomnio da
mercantilizao, como aconteceu nas ltimas dcadas, com transformaes que
atingiram tambm os processos de conhecimento e sua contextualizao social.
Avalia esse autor que a resistncia tem de envolver a promoo de alternativas de
pesquisa, de formao, de extenso e de organizao que apontem para a
democratizao do bem pblico universitrio.. (SANTOS, 2004, p. 44)
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Os textos de Cunha (1986) referenciam a histria do ensino superior e da
universidade pblica. Segundo ele, o ensino superior atual nasceu com o Estado
Nacional e com funes prprias deste. Os colonizadores portugueses protelaram a
criao da universidade no Brasil, fundando-a tardiamente. Quatro sculos depois
de instalada a primeira universidade na Amrica espanhola (So Domingos, em
1538). Cunha tambm afirma que Portugal optava por dar bolsas de estudos para
que os brasileiros fossem estudar na universidade de Coimbra e que esse era um
dos mais fortes vnculos que sustentava a dependncia das colnias.. (CUNHA,
1986, p. 12)
Em virtude do objeto selecionado, o caminho metodolgico que emergiu, num
primeiro momento, foi o levantamento bibliogrfico relativo ao eixo temtico e s
reas de investigao, bem como o levantamento da documentao da UNILAB
(estatuto, regulamento, Plano de Desenvolvimento Institucional) e do que foi
produzido sobre elas (relatrios de pesquisa, ensaios e levantamentos).
A tcnica de histria de vida com a teoria da memria norteou a coleta de
dados desta pesquisa. Com a memria analisamos as lembranas dos professores
negros da UNILAB, com vistas a entender seus processos identitrios (cultural e
subjetivo), seus sentimentos, suas construes de afetividades e suas aes
afirmativas no ambiente de trabalho, como tambm discutir o racismo sofrido. Tal
como exemplifica Bernardo (1998), a memria vai dar transparncia porque deve
permitir que se descortinem situaes conflitivas e discriminaes. E que as
histrias de vida apresentam um ncleo duro, que sofre menos modificaes. Esse
ncleo um elemento da memria que constitui as identidades, no caso analisado, a
dos professores negros da UNILAB.
Segundo Pollak (1992, p. 204), a memria um elemento constituinte do
sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva, porque, constata ele, [...]
um fenmeno construdo social e individualmente.. E quanto identidade, a sua
construo um fenmeno que se produz em referncia aos outros, em referncia
aos critrios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por
meio da negociao direta com outros.. Analisando as palavras de Pollak, entende-
se que memria e identidade devem ser compreendidas como fenmenos sociais de
uma pessoa ou de um grupo.
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Nesse esforo de pensar o conceito de memria, tornou-se fundamental o
retorno s ideias de Halbwachs, que:
[...] nos anos 20-30, j havia sublinhado que a memria deve ser entendida tambm ou, sobretudo, como um fenmeno coletivo e social, ou seja, como um fenmeno construdo coletivamente e submetido a flutuaes, transformaes, mudanas constantes. (POLLAK, 1992, p. 201)
Como instrumento metodolgico, a histria de vida contribuiu para um
conhecimento mais profundo do cotidiano dos (as) professores (as) negros (as) na
UNILAB. Afinal, a abordagem promoveu a compreenso da dinmica das relaes
que se estabeleceram no cotidiano, pois esse universo no quantificvel.
O carter fenomenolgico nesta pesquisa se apresentou mais enftico
quando fomos a campo e compreendemos particularidades das experincias desses
professores negros quanto s suas prxis e a troca de saberes nos ambientes da
UNILAB. Investigar tal fenmeno somente foi possvel porque esses professores se
dispuseram a falar sobre suas vivncias como negros, suas experincias no
combate ao racismo, suas trajetrias profissionais como educadores e a opo de
trabalhar em uma universidade que tem como perfil a promoo da igualdade e da
diversidade cultural e racial. Nesse sentido, a fenomenologia que oferece
epistemologia para orientar quem busca compreender fenmenos enquanto
ocorrem. Como diz Severino (2007), a experincia eidtica, momento da intuio
originria.
Os dados foram coletados em campo, por meio de entrevistas desenvolvidas
com um roteiro composto por questes semiestruturadas. Mesmo cientes da eficcia
da tcnica de histria de vida, que ajuda a apreender eficientemente a subjetividade
que esta pesquisa exige, deu-se liberdade ao entrevistado para que falasse o mais
livremente possvel sobre sua experincia pessoal. A histria de vida apresenta o
retrato oficial do sujeito, em que a verdade est na formatao oferecida por ele,
que soberano para revelar ou ocultar casos, situaes ou pessoas.
O momento de ir a campo se apresenta na forma de uma abordagem
fenomenolgica com o propsito de transferir o (a) pesquisador (a) para o ambiente
que no lhe familiar, fazendo com que ele (a) experimente o mesmo contexto da
populao pesquisada.
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A jornada interpretativa e, precisamente, esse argumento antropolgico em que eu deixo o gabinete, a comodidade do lugar-comum, o meu lugar, o meu lcus (lugar) e domus (lar) e, ento, viajo. Vou contemplar essa paisagem desde o seu interior, vou dialogar com as pessoas concretas l. E a ento, nessa exploso de sentidos, que se do as descobertas da constituio de nossa alteridade, me levam ao caminho de mim mesmo, ao mais especifico de mim, numa reconstituio pessoal de sentidos. (FERREIRA-SANTOS, 2006, p. 67)
A primeira ao em campo foi quantificar os (as) professores (as) (com corte
racial e de gnero) junto Pr-Reitoria Administrativa, por entender que esse dado
evidenciava uma de nossas hipteses. E, para chegar ao quantitativo de professores
(as) negros (as), nos certificamos a partir da autodeclarao4 do (a) professor (a).
O corte quantitativo ajudou com os pressupostos e as hipteses trabalhados
na investigao, pois foram reformulados, ajustados e reencaixados medida que
desenvolvemos o trabalho de campo. A metodologia quantitativa inscreve-se em
uma dimenso epistemolgica especfica, cuja inteno, no primeiro momento,
conhecer os dados, para s depois avali-los. (RUIZ, 1996)
Por fim, uma vez coletados os dados, intentamos promover sua anlise e
propor o debate que problematize o levantamento bibliogrfico acerca da histria da
universidade, dos meandros do acesso carreira docente e da invisibilidade do (a)
professor (a) negro (a) contrapostos ao que denominamos de educao
antirracista, por meio da qual postulamos novas prxis, novos olhares, baseados
em uma cosmoviso africana.
Acreditamos que o momento que se originou a partir da Lei n 10.639/2003,
como marco representativo de uma das tantas frentes pelas quais trabalhou e
trabalha o Movimento Negro, assim como o advento da UNILAB, com suas amplas
possibilidades de conhecimento, como se revelam nos dados que apresentaremos,
iniciam-se uma fase nova para a universidade brasileira, plena de significados e com
todos os elementos necessrios para propiciar as mudanas paradigmticas
exigidas para a educao, para as relaes tnico-raciais e para a construo de
uma sociedade mais justa e igualitria.
4 A questo da autodeclarao negra, que vem enfrentando problemas de dolo e falsidade
ideolgica, no ser abordado neste trabalho, por configurar questo bastante sria e profunda, mas que foge ao objeto desta pesquisa; entendemos que essa discusso exige um espao especfico.
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CAPTULO 1 ENSINO SUPERIOR E A UNIVERSIDADE PBLICA
A histria dos colonizados comeava com a chegada dos colonizadores, com sua presena civilizatria; a cultura dos colonizados, expresso da sua forma brbara de compreender o mundo. Cultura, s a dos colonizadores. [...] Por tudo isto que, para os colonizados que passaram pela alienante experincia da educao colonial, a positividade desta educao ou de alguns de seus aspectos s existe quando, independentizando-se, a rejeitam e a superam. Quando, assumindo com seu povo, a sua histria, se inserem no processo de descolonizao das mentes. (FREIRE, 1984, p. 20)
A gnese da educao brasileira a do colonizador: ela europeia em todos
os seus nveis. Foram os jesutas portugueses, personificados na Companhia de
Jesus, os responsveis pelas primeiras atividades nesse sentido. A primeira
iniciativa educativa ocorrida no Brasil Colnia, em 1549, teve como objetivo a
catequizao dos ndios. A epgrafe acima constitui, ao mesmo tempo, um norte
metodolgico para estudar a educao brasileira, com recorte na educao do
negro, e uma exigncia para analise crtica do modelo de educao hegemnico
implantado no Brasil.
Ao aprofundar estudos sobre a histria da educao brasileira, entende-se
que as etnias - ndios, brancos e negros - que compem a Nao Brasileira tiveram
tratamento diferente no que diz respeito, tambm, ao acesso e permanncia na
educao. Problematizando tal aspecto e recorrendo histria da educao para
compreender a sociedade brasileira,
possvel afirmar que, desde os tempos coloniais, instituiu-se um projeto de educao voltado para atender aos interesses da elite que deveria comandar este Pas, negando, por outro lado, o acesso educao escolar populao no branca, especialmente ao negro e seus descendentes. (SANTANA; MORAES, 2009, p. 52)
A historiografia da educao brasileira revelou ainda como a excluso de
negros e indgenas do sistema educacional estruturou a sociedade brasileira e
determinou seus ndices de desigualdade.
O tema educao brasileira, neste trabalho, concentrar-se- no ensino
superior, pois no se tem a pretenso de historicizar toda sua trajetria,
considerando os objetivos pretendidos e, principalmente, porque muitos trabalhos j
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foram realizados nesse sentido. Mas no se pode deixar de destacar pontos
pertinentes a esta pesquisa, como estabelecido no recorte: o ensino superior na
universidade pblica e a carreira de docente, tendo como sujeito o professor e a
professora negros. Portanto, o que ser apresentado nesta tese diz respeito ao nvel
da educao em que esto inseridos professores (as) negros (as) brasileiros.
Este texto apresentar uma breve trajetria do ensino superior, considerando
o professor e o desenvolvimento de mecanismos para a carreira docente, e
prosseguir discutindo como essa carreira se desenvolveu no mbito da
universidade pblica, inserindo nesse debate questes polticas e tcnicas.
Para contextualizar o ensino superior brasileiro as referncias so as anlises
histricas produzidas por Cunha (1986) e Fvero (2006). Para questes relativas
profisso professor, sero utilizadas as anlises de Vieira e Gomide (2008); Catani
(2009); Nvoa (2009); Vicentini (2009); e Lugli (2009); fontes e dados
disponibilizados por rgos pblicos sero utilizadas sempre que disponveis e
necessrias.
1.1 O ensino superior no Brasil
A histria da educao no Brasil est divida por perodos, em quatro
precisamente, conforme textos dos diversos pesquisadores. Optou-se por
referenciar, inicialmente, Cunha (1986). Em sua histria da universidade brasileira,
uma das variveis metodolgicas a diviso por perodos, que corresponde, em
linhas gerais, historiografia brasileira corrente. Como explica Cunha (1986), o
primeiro perodo (1572-1808) o colonial, em que temos a criao dos primeiros
cursos superior de artes e teologia, nos colgios dos jesutas da Bahia. Durante o
segundo perodo (1808-1889), o chamado perodo do imprio, houve a criao de
um novo modelo ensino superior, que atendesse a demanda de mo de obra
urgente para suprimento da Corte recm instalada por essas terras. Mas, ser no
final do perodo da repblica oligrquica (1889-1930), que vamos ter as primeiras
experincias de criao de universidades ao longo do quarto perodo, o da era
Vargas (1930-1945), dedicado ao estabelecimento do modelo de ensino superior e
de instituies que temos at hoje.
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Em sua anlise, Cunha (1986) esclarece que essa ordenao de perodos
no tem limites rgidos, pois os mesmos servem como referncia bsica. Explicita
ainda que, embora apresente referncias do campo poltico para denominar esses
perodos, os marcos fundamentais que os delimitam so interiores ao campo
educacional.. (CUNHA, 1986, p. 13)
O estudioso esclarece as crticas feitas aos colonizadores portugueses pela
demora da implantao de uma universidade no Brasil, crticas essas de cunho
comparativo com os espanhis, que implantaram a universidade na Amrica
espanhola no incio do processo de colonizao.
Nas colnias espanholas da Amrica, a universidade no foi uma instituio estranha. Na quarta dcada do sculo XVI foi fundada a primeira universidade no continente americano. Ela surgiu em 1538, em So Domingos, significativamente, na ilha onde Colombo teria tido o primeiro contato com o Novo Mundo. (CUNHA, 1986, p. 11)
Alm de So Domingos, os espanhis tambm fundaram universidades no
Mxico, Peru, Chile e Argentina. De modo que ao tempo da nossa independncia,
havia 26 ou 27 universidades na Amrica espanhola (CUNHA, 1986, p. 11). No
Brasil, at essa poca, no existia nenhuma universidade, fato que alvo de crticas
diversas, dentre as quais a de que o Brasil teria se sado melhor se tivesse os
espanhis como colonizadores. No entanto, o autor (1986) apresenta outros
argumentos para explicar a razo da empreitada universitria na Amrica
Espanhola, e no na Amrica Portuguesa:
[...] a Espanha encontrou nas suas colnias povos dotados de cultura superior, dificultando, assim, a disseminao da cultura dos conquistadores. As universidades teriam recebido, ento, a funo de preparar missionrios conhecedores dos costumes dos nativos, capazes de pregar nas suas lnguas. Isto, alis, os colgios jesutas procuravam fazer no Brasil, com o ensino da lngua geral no lugar do grego e do hebraico previsto pela Ratio Studiorum.
Outro argumento de Faria aponta para a diferena entre os recursos docentes de ambos os pases colonizadores. [...] sendo a Universidade de Salamanca de grande porte para a poca, com 6 mil alunos e 60 ctedras. Portugal dispunha [...] a de Coimbra, mais tarde a de vora, esta de pequeno porte. A populao espanhola chegava a 9 milhes, enquanto que a portuguesa atingia 1,5 milho de habitantes. Com mais habitantes e mais universidades, a populao letrada espanhola era muito maior do que a portuguesa. Por isso, [...] enquanto que a Espanha podia transferir recursos docentes para as colnias sem, com isso, prejudicar o ensino nas
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suas universidades, o mesmo no acontecia com Portugal. (FARIA, 1952, p. 91 apud CUNHA, 1986, p. 13, grifo do autor)
Cunha (1986) questiona a historiografia que afirma nosso suposto atraso
universitrio, argumentando que bem provvel que as universidades espanholas
implantadas na Amrica fossem equivalentes aos colgios jesutas e a outras
instituies religiosas de ensino superior implantadas no Brasil pelos portugueses, e
que isso, provavelmente, seja apenas uma questo de nomenclatura.
Na trajetria do ensino superior, vrios foram os motivos que levaram
Portugal a retardar a criao da universidade. Entre essas alegaes, encontramos
uma resposta dada pelo Conselho Ultramarino, em 1768, a um requerimento com
pretenso de instalar um curso de medicina na regio de Minas, que diz: um dos
mais fortes vnculos que sustentava a dependncia das colnias, era a necessidade
de vir estudar a Portugal.. (CUNHA, 1986, p. 12)
Todavia, os jesutas foram os responsveis pela introduo do ensino
superior no Brasil. Criaram 17 colgios para desenvolver o ensino religioso, nos
quais era oferecido o ensino das primeiras letras e o secundrio. Em alguns
colgios, era ministrado o ensino superior em Artes e Teologia, que muitas vezes
recebia denominaes de Cincias da Natureza ou Filosofia. Outra experincia
citada a que ocorreu no Colgio da Bahia, que no sculo XVIII desenvolveu
estudos de Matemtica a ponto de criar uma faculdade especfica para seu ensino.
Outros estados como Rio de Janeiro, So Paulo, Pernambuco, Maranho e Par
tambm ofereciam ensino superior nos colgios jesutas.
Diante disso, informa Cunha (1986) que o certo que esses colgios
cumpriam as funes de formar padres para atividade missionria, formar quadros
para o Estado e ilustrar as classes dominantes locais. Fica evidente que as primeiras
atividades que marcam a insero de ensino superior no Brasil Colnia resumem-
se, em um primeiro momento, a cursos de Filosofia e Teologia e, mais tarde, a
cursos profissionalizantes. Alguns desses cursos conferiam grau de bacharelado e,
a quem pretendesse exercer o magistrio, de licenciatura. Quanto aos aspectos
fsicos, os locais onde esses cursos eram ministrados variavam desde colgios e
escolas at conventos, hospitais, quartis e/ou academias militares.
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Os estudos superiores [...], inspirados nas ideias dos educadores renascentistas, eram concebidos como um ensino em humanidades, sendo destinados formao das elites, visando ao poder.
[...] com forte seletividade para o ingresso e uma pedagogia baseada na ctedra do professor. A moral e os bons costumes so impresses dessa pedagogia, sem revelar os interesses ideolgicos ocultos para fins de dominao, por via da obedincia. [...] outra marca desta pedagogia jesuta era a disciplina rgida, inclusive com aplicao de severos castigos. (MILANESI, 1998, p. 52)
Todo o sistema educacional implantado pela Companhia de Jesus, no Brasil,
por meio do Ratio Studiorum, durou mais de dois sculos. Milanesi (1998 apud
CUNHA, 1986) esclarece ainda que esses estudos eram divididos em estudos
menores e superiores. Os menores tinham a finalidade de desenvolver estudo das
primeiras letras e eram dirigidos a ndios e colonos: os estudos superiores tinham
como objetivo a formao de novos padres e da elite colonial.
Nesse perodo colonial, padres jesutas so considerados os primeiros
ensinantes que chegaram ao Brasil, pagos pelo Estado portugus, para catequizar
os ndios. Esses sacerdotes tinham a misso de divulgar a palavra divina e formar
novos pregadores para as tarefas pastorais. Segundo Vieira e Gomide (2008, p.
3.397),
Os primeiros professores brasileiros receberiam uma formao baseada nos clssicos antigos, voltada a padres da sociedade europia crist que privilegiavam a retrica com a eloqncia ciceroniana como marca na formao de representantes da Companhia de Jesus.
Alm de seguirem o mesmo plano pedaggico que a Companhia de Jesus
desenvolvia na Europa, os jesutas no Brasil reproduziam os rituais dos seminrios
europeus, o que se mostrava totalmente inadequado devido s caractersticas da
colnia, carente de educadores preocupados com o desenvolvimento das
habilidades dos indgenas e a compreenso de seu papel na nova sociedade que
surgia.. (VIEIRA; GOMIDE, 2008, p. 3.837)
Nesse perodo, os cursos funcionavam em algumas capitanias e com cursos
determinados, tal como demonstrado no Quadro 1.
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Quadro 1 Cursos de nvel superior realizados no Brasil no perodo colonial
Local Colgios Jesutas/Incio do ensino superior Cursos Bahia Primeiro colgio jesuta (1572), fundado no Brasil e
que servia de modelo para os demais Humanidades, Artes e Teologia
Maranho So Luiz (1688) Teologia e Artes
Minas Gerais Mariana (1753). ltimo colgio antes da expulso dos jesutas
Filosofia
Par Belm (1695) Artes e Filosofia
Pernambuco Olinda (1678) e Recife (1721) Filosofia
Rio de Janeiro
Fundado em 1638, atingiu porte superior aos demais.
Filosofia
So Paulo So Paulo de Piratininga (1708) e Santos (1708) Teologia e Filosofia
Fonte: Elaborado pela autora.5
No Brasil colonial, cursos do ensino superior como artes e teologia conferiam
o grau de bacharel, licenciado ou doutor, respectivamente. O curso de artes era
propedutico aos cursos profissionalizantes da Universidade de Coimbra (medicina,
cnones e direito) e durava em torno de trs anos; foi aberto para atender a
solicitaes daqueles que no queriam a carreira eclesistica. O curso de teologia
durava quatro anos e seu currculo tinha como contedo a teologia moral (tica
relativa s prticas cotidianas) e teologia especulativa (estudo do dogma catlico).
Esse modelo de educao funcionou no Brasil at 1759, quando o Ministro
do Rei de Portugal, Marqus de Pombal, fechou os colgios e expulsou os jesutas
de Portugal e de suas colnias. Ao tomar essa deciso de fechar os colgios, diz
Cunha (1986), o Marqus no estava preocupado em formar quadros para a Igreja
Catlica, e sim em preparar as elites para o progresso financeiro de Portugal e de
seu maior aliado daquele momento, a Inglaterra. Diferentemente do perodo colonial,
todo referenciado pelos catlicos por meio de seus colgios e pedagogias jesuticas,
o perodo do Imprio, deu lugar a uma nova pedagogia que transformou currculos,
mtodos de ensino e estrutura escolar, introduzindo a secularizao e marcando a
interveno pioneira do Estado portugus.
Marcado pela influncia do Iluminismo e pela Reforma Protestante, esse
segundo perodo da historiografia da educao apresentava-se como novo porque
as ideias iluministas, retomando ideais renascentistas, criaram espao para que
surgissem doutrinas democrticas, alm de sedimentar as transformaes iniciadas
pela Reforma Protestante, que organizava a luta burguesa contra a aristocracia
feudal.
5 Baseado em Cunha (1986); Vieira e Gomide (2008, p. 3.837).
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O ensino, sob regncia do Marqus de Pombal, conhecida tambm como
poltica educacional pombalina, deu-se por aulas rgias, com a criao de diversas
Aulas e Cadeiras. Conforme ilustra Cunha (1986, p. 55), foram criadas [...] aulas de
grego, hebraico, filosofia, teologia, retrica e potica, desenho e figura, aritmtica,
geometria, francs, quase todas independentes, funcionando em locais distintos..
No ensino superior, a poltica educacional pombalina introduziu o sistema de
matrias isoladas e criou novos cursos superiores que passaram a funcionar nos
prdios antigos dos colgios dos jesutas no Rio de Janeiro e em Pernambuco.
Quanto seleo de professores para as Aulas Rgias, Vieira e Gomide (2008)
dizem que, a partir de 1789, ela se fazia por concursos, motivado sempre por
aposentadorias, novas disciplinas, mortes, sendo que qualquer diploma ou
comprovante de habilitao eram documentos suficientes para o cargo pretendido.
As reformas pombalinas inovaram tambm quando construram um sistema
estatal de ensino, criando um primeiro quadro de professores recrutados e pagos
pelo Estado. Recife foi a primeira cidade que realizou concursos de professores
pblicos, em 20 de maro de 1760. Esse concurso inovou porque passou de uma
seleo discricionria, realizada no interior das congregaes religiosas
introduzindo-se uma visibilidade fundamentada em provas escritas e orais
codificadas.. (VIEIRA; GOMIDE, 2008, p. 3.838)
Outra mudana relacionada carreira de professor a elevao de status,
que nessa poca considerado nobre, passando da condio de plebeu de
pessoa honrada, conforme o alvar de 1759; por outro lado, dizem Vieira e Gomide
(2008, p. 3.839):
O professor deveria instalar a escola em sua prpria casa, adquirindo o material necessrio para as aulas e arcando com todas as despesas. Sua avaliao de desempenho estava adstrita somente sua conduta pessoal, atestada pelo proco, pelo chefe de polcia e pelos pais de alunos.
Essa poltica no vingou, pois o governo, ao instituir um imposto para
financiar esse modelo educacional de conhecimento como o subsdio literrio, no
organizou a mquina estatal para tal feito e deixou de arrecadar dinheiro suficiente
para pagar os professores. Esse imposto institudo em 1772, e que visava o
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financiamento das reformas no campo educao, perdeu sentido tambm pelo
carter no obrigatrio, segundo afirmam alguns autores. (VIEIRA; GOMIDE, 2008,
p. 3.839)
Nessa reforma pombalina, os princpios pedaggicos estavam organizados
em estudos menores, distribudos nas seguintes disciplinas, o grego, o