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0 MEMÓRIA DOS PROFESSORES NEGROS E NEGRAS DA UNILAB: Tecendo Saberes e Práxis Antirracistas MARIA LUCIA DA SILVA SÃO PAULO 2016

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  • 0

    MEMRIA DOS PROFESSORES NEGROS E

    NEGRAS DA UNILAB:

    Tecendo Saberes e Prxis Antirracistas

    MARIA LUCIA DA SILVA

    SO PAULO

    2016

  • 1

    MARIA LUCIA DA SILVA

    MEMRIA DOS PROFESSORES NEGROS E NEGRAS DA UNILAB:

    Tecendo Saberes e Prxis Antirracistas

    Tese de doutorado apresentada ao curso de doutorado em Educao do Programa de Ps-Graduao Educao da Universidade Nove de Julho PPGE/UNINOVE. rea de Concentrao: Teorias e Polticas em Educao Linha de pesquisa: Educao Popular e Culturas LIPEPCULT Orientador: Prof. Doutor Mauricio Pedro da Silva

    SO PAULO

    2016

  • 2

    Silva, Maria Lucia da. Memria dos professores negros e negras da UNILAB: tecendo saberes e prxis antirracistas. / Maria Lcia da Silva. 2016. 179 f. Tese (doutorado) Universidade Nove de Julho - UNINOVE, So Paulo, 2016. Orientador (a): Prof. Dr. Maurcio Pedro da Silva.

    1. Cosmoviso africana. 2. Educao superior. 3. Invisibilidade do Professor negro. 4. Racismo acadmico. 5. UNILAB.

    I. Silva, Maurcio Pedro da. II. Titulo

    CDU 37

  • 3

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________________________

    Professor Doutor Mauricio Pedro da Silva UNINOVE/SP

    Orientador

    Professor Doutor Adriano Salmar Nogueira Taveira UNINOVE/SP

    Examinador

    ___________________________________________________________________

    Professora Doutora Edileuza Penha de Souza UnB/DF

    Examinadora

    __________________________________________________________________

    Professor Doutor Jos Eduardo de Oliveira Santos UNINOVE/SP

    Examinador

    ___________________________________________________________________

    Professor Doutor Marcos Ferreira-Santos USP/SP

    Examinador

    ___________________________________________________________________

    Professora Doutora Sofia Lerche Vieira UNINOVE/SP

    Suplente

  • 4

    Dedico este trabalho aos meus ex-alunos e alunos.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Chegar at aqui no foi fcil, principalmente quando percebo todo meu processo,

    todos os obstculos que enfrentei para conseguir vencer. Agora entender toda a

    trajetria e procurar palavras para falar de agradecimento e gratido para dizer para

    todas e todos que me ajudaram muito, muito obrigada.

    Agradeo a Deus, aos meus orixs, a minha me Benedita Percilia da Conceio

    Silva e ao meu pai Arnbio Silva (in memoriam) por tudo, famlia, amor, equilbrio,

    respeito, humor, coragem e autoestima.

    Agradeo ao meu orientador professor Mauricio Pedro da Silva, muito obrigada.

    Obrigada pelo olhar encorajador, calma, silncios, sorrisos que sempre o

    acompanham. Agradeo tambm pelas orientaes, rigor cientfico e contribuies

    ao meu trabalho de pesquisa e ao meu crescimento intelectual.

    Agradeo professora Edileuza Penha de Souza pela participao na banca de

    qualificao e na defesa, suas contribuies foram fundamentais para a concluso

    deste trabalho, pela pesquisadora e professora experiente que , pelo conhecimento

    que tem da questo tnico-racial brasileira e dos movimentos sociais negros, pela

    sabedoria e amor que me arguiu na qualificao.

    Agradeo ao professor Jos Eduardo Oliveira Santos pela participao na

    qualificao e na defesa com provocaes que me tiram da zona de conforto e me

    cobrou mais eficincia. Obrigada pelo carinho, gentileza e sorrisos.

    Agradeo aos professores Marcos Ferreira-Santos e Adriano Salmar Taveira

    Nogueira pela participao na banca de defesa. Obrigado por seu carinho,

    solidariedade e generosidade.

    Agradeo aos interlocutores fundamentais desta tese: os professores negros e

    negras da UNILAB que me concederam entrevista, carinho, disponibilidade e me

    estimularam ao no se furtar em que contar suas histrias de vida e profissional.

    Agradeo aos meus professores das disciplinas do doutorado: Adriano Salmar

    Taveira Nogueira, Ana Maria Haddad Baptista, Celso Carvalho, Edgar Coelho,

    Dirceu Beninc, Jason Ferreira Mafra, Marcos Lorieri, Mnica Todaro, Magali Rosa

  • 6

    de SantAnna, Manuel Tavares e Sofia Lerche Vieira, por possibilitar o dilogo franco

    e amoroso.

    Muito obrigada especial as minhas tias Janana, Georgina e Genoveva que nunca

    me deixaram abandonar um sonho e nunca saram por um s instante do meu lado.

    Obrigada pelo amor.

    Muito obrigada aos meus irmos que fazem tudo por mim Robson Carlos, Lucimara,

    Andrea Cristina e Carlos Andr e aos nossos filhos Ully, Vitor, Gabriel, Mateus,

    Felipe, Katharina, Barbara e aos meus cunhados Paulinho, Daniele e Ana.

    Agradeo a minha famlia capixaba em So Paulo: Dulce Massariol, Robson Ruy,

    Valentino Massariol Ruy, Leon Massariol Ruy, pelo colo, casa, humor, inteligncia,

    trabalhos, viagens, almoos e amigos.

    Muito obrigada aos meus amigos capixabas e apoiadores desse sonho do

    doutorado: Luiz Claudio Moiss Ribeiro, Ana Cristina Lacourt, Tania Caj, Sandra

    Brito, Lvia Assis Patriota, Carlina Lopes, Maria Jos Depollo, Elias Coelho, Eliseu

    Coelho, Samir Caetano, Johnny Camello, Maria Celeste Pupa.

    Agradeo tambm aos amigos que contriburam para que todos os obstculos que

    apareceram no paralisassem o meu caminhar como: Alcione Dias, Fabio Carvalho,

    Val Andrelino, Ariane Meirelles, Antonio Carlos Moraes, Ligia Lobo Azevedo, Maria

    Ins Pupa, Marcelo Siano, Arlindo Villaschi, Julia Lucia Albano Oliveira, Hermano

    Mattos Souza, Delza Massariol, Romildo Luiz Monteiro Andrade, Clara Luiza

    Miranda, Erica Neves, Renata Gomes, Marlia Polleti e Natalia Duarte.

    Muito obrigada tambm aos amigos capixabas que encontrei por aqui, como a Rita

    Paste, Denilson Reis, Guilherme Espindula Rocha, Solon Kretli e me ajudaram

    sempre.

    Agradeo s amigas e amigos que fiz no Centro de Informao da Mulher (CIM) que

    me receberam na equipe com carinho e generosidade: Marta Baio, Cleone, Neuza,

    Ana Claudia, Izabel, Hlio e Mauro.

    Agradeo aos amigos paulistas pelo carinho, fora, risadas: Leila Garcia, Renata

    Modesto, Julio Oliveira, Mareu Nitschke, Ricardo Iazzetta, Flvio Sadalla, Cesar

    Dante, Marcelo Bicudo, Hlio Silva, Sr. Hlio, Selma Moreira dos Santos, Mrcia dos

  • 7

    Santos, Carla Rabello Rodrigues, Enio Moraes Junior, Murilo Jardelino, Rejane

    Nobrega, Las De Figueiredo Lopes, Jeff Baffica e Eliane Vidigal.

    Agradeo aos meus amigos pela solidariedade fundamental para estar em So

    Paulo morando bem: Gerlene Colares, Ricardo Alberto DAvila e Luciano Santos.

    Agradeo aos colegas do doutorado pela oportunidade do debate em sala de aula:

    Fernando, Reinaldo, Daniel, Eliane Dolce, Eliabe, Kelly, Neide, Regina, Antonio,

    Telma e Maria Jos.

    Agradeo aos colegas do Ncleo de Estudos Yl Educare pela oportunidade de

    construirmos formao de professores para educao das relaes tnico-raciais:

    Neide, Cludia, Fernando, Francisca, Mnica, Thiago, Antonio, Telma, Vanda, Maria

    Jos, Sandra e Raquel.

    Agradeo aos meus colegas professores da FIAMFAAM- Centro Universitrio pela

    troca e dilogo e aos Coordenadores e Diretora pela confiana, muito obrigada.

    Agradecimento especial s colegas Claudia Oliveira, Fbia Silva, Claudia Nonato e

    Francisca Monica Rodrigues que, atentas ao meu desespero em finalizar a tese,

    colaram em mim.

    Agradecimento aos amores: Renata, Lorena, Renan, Ricardo, Maria Laura, Miguel,

    Ylnia, Leonardo, Sabrina, Rafael e Nina.

    Agradecimento a Geziel dos Santos, Edna, Heloisa, Manuela e Thais pelo carinho e

    generosidade que ajudaram a aplacar demasiada saudade da famlia.

    Agradecimento aos integrantes do Ncleo Relaes Raciais: Memria, Identidade e

    Imaginrio da PUC/SP e Profa. Teresinha Bernardo pelo debate sobre educao

    das relaes tnico-raciais.

    Obrigada a todos do fundo do corao.

  • 8

    Ponto de sustentao da orix Oxum

    Minha me Oxum, aiei, iei, bis

    Minha me Oxum, aiei, ah! bis refro

    Quando ela chega,

    ilumina o conga

    E traz flores de aruanda bis

    pra seus filhos perfumar

    Refro

    Quando ela dana

    distribui o seu tesouro,

    seu amor doce Me bis

    e sua luz feita de ouro.

    Refro

    (Lourdes Vieira)

  • 9

    RESUMO

    A luta por uma educao antirracista est entre as reivindicaes dos movimentos sociais negros que culminaram e definiram os programas de aes afirmativas desenvolvidas pelo governo brasileiro, incluindo alunos, professores e instituies no mbito da educao superior. Esta pesquisa investiga invisibilidade dos professores (as) negros (as) na universidade pblica brasileira, tendo como territrio a Universidade da Integrao Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), criada em 2010, com o propsito de incluso de alunos e professores brasileiros e africanos. Para encontrar resposta para a questo central desta pesquisa, fez-se necessrio conhecer a histria de vida de seis professores negros brasileiros e africanos que atuam na UNILAB, com objetivo de compreender sua trajetria dos professores (as) negros (as) e negras, a fim de saber se essa presena nfima produzida pelo racismo. Alm disso, buscamos conhecer tambm se a UNILAB est incluindo mais professores negros que a mdia nacional das universidades, que no ultrapassa 1,0%. Nossa concluso que a UNILAB deve manter-se comprometida e autnoma para dar voz s demandas dos afro-brasileiros e africanos silenciadas pelo colonialismo, capitalismo e racismo, produzindo crticas ao eurocentrismo e socializando conhecimentos emancipatrios com base em epistemologias descolonizadoras.

    Palavras-chave: Cosmoviso Africana. Educao Superior. Invisibilidade do Professor Negro. Racismo Acadmico. UNILAB.

  • 10

    RESUMEN

    La lucha por una educacin anti-racista est entre las reivindicaciones de los movimientos sociales negros que culminaron y definieron los programas de acciones afirmativas desarrolladas por el gobierno brasileo, incluyendo alumnos, profesores e instituciones en el mbito de la educacin superior. Esta pesquisa investiga la invisibilidad del profesor negro y negra en la universidad pblica brasilea, teniendo como territorio la Universidade da Integrao Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), creada en 2010, con el propsito de inclusin e integracin de alumnos y profesores brasileos y africanos. Para encontrar respuesta para la cuestin central de esta pesquisa, se hizo necesario conocer la historia de vida de seis profesores negros brasileos y africanos que actuaron en la UNILAB, con el objetivo de comprender la trayectoria de los profesores negros y negras, a fin de saber si esa presencia nfima es producida por el racismo. Adems de eso, buscamos saber tambin si la UNILAB est incluyendo ms profesores negros que el promedio nacional de las universidades que no ultrapasan 1%. Nuestra conclusin es que la UNILAB debe mantenerse comprometida y autnoma para dar voz a las demandas de los afro-brasileos y africanos silenciadas por el colonialismo, capitalismo y racismo, produciendo crticas al eurocentrismo el socializando conocimientos emancipadores con base en epistemologas descolonizadoras.

    Palabras-llave: Cosmovisin Africana. Educacin Superior. Invisibilidad del Profesor Negro. Racismo Acadmico. UNILAB.

  • 11

    ABSTRACT

    The struggle for an antiracist education has been among the claims of the black social movements that has culminated and defined the affirmative action programs developed by the Brazilian government, including students, professors and institutions in the college education ambit. This research investigates the invisibility the black male and female professor at the Brazilian state-owned university, using as territory the Universidade da Integrao Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Afro-Brazilian International Lusophony Integration University) UNILAB, founded in 2010, with the purpose of including and integrating Brazilian and African students and professors. In order to find the central question of this research, it was necessary to know the history of the lives of six Brazilian and African male and female professors that acted at UNILAB, with the objective of understanding the path of such professors, as well as to know if this scarce presence is due to racism. Besides that, we are willing to know if UNILAB has been including more black professors than the national average, which dont exceed 1%. Our conclusion is that UNILAB must keep itself committed and autonomous to give voice to the Afro-Brazilians and Africans demands, silenced by colonialism, capitalism, and racism, producing critiques to eurocentrism, socializing emancipatory knowledge based on decolonizing epistemologies.

    Keywords: African Cosmovision. College Education. Invisibility of Black Professor. Academic Racism. UNILAB.

  • 12

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ANDES-SN

    ANPEd

    Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino

    Superior

    Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    Capes

    CNE

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    Cadastro Nacional de Empresas

    CNPq

    COPPE

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    Instituto Alberto Luiz Coimbra de Ps-Graduao e Pesquisa de

    Engenharia

    CPLP

    EAD

    Enem

    FASUBRA

    Comunidade dos pases de Lngua Portuguesa

    Educao a Distncia

    Exame Nacional de Ensino Mdio

    Federao de Sindicatos de trabalhadores e Tcnico-Administrativo

    em Instituio de Ensino Superior Pblicas do Brasil

    Finep Empresa pblica brasileira de fomento cincia, tecnologia e

    inovao

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IES

    IMPA

    Instituio de Ensino Superior

    Instituto de Matemtica Pura e Aplicada

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio

    Teixeira

    IPEA

    ISEB

    LDB

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    Instituto Superior de Estudos Brasileiros

    Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MEC Ministrio da Educao

    MERCOSUL

    MNU

    NACE

    NEAB

    OBEDUC

    Mercado Comum do Sul

    Movimento Negro Unificado

    Ncleo das Africanidades Cearenses

    Ncleo de Estudos Afro-Brasileiro

    Observatrio de Educao

  • 13

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PDI Plano de Desenvolvimento Institucional

    PPI Projeto Pedaggico Institucional

    PPP Projeto- Poltico Pedaggico

    PT Partido dos Trabalhadores

    PROUNI

    REUNI

    RIPES

    Programa Universidade para todos

    Reestruturao e Expanso das Universidades Federais

    Rede de Instituies Pblicas de Educao Superior

    Secad Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e

    Incluso Ministrio da Educao

    SEPPIR Secretaria de Promoo de Polticas da Igualdade Racial

    SISU Sistema de Seleo Unificado

    UDF Universidade do Distrito Federal

    UFC

    UFG

    UFJF

    Universidade Federal do Cear

    Universidade Federal de Gois

    Universidade Federal de Juiz de Fora

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

    UFSCAR Universidade Federal de So Carlos

    UFFS Universidade Federal Fronteira Sul

    UFPA

    UNE

    Universidade Federal do Par

    Unio Nacional de Estudantes

    UNILA Universidade Federal da Integrao Latino-Americana

    UnB Universidade de Braslia

    Unesp Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho

    Unicamp Universidade Estadual de Campinas

    Uniam Universidade Federal da Integrao da Amaznia

    UNILAB Universidade da Integrao Internacional da Lusofonia Afro-

    Brasileira

    USP Universidade de So Paulo

    USAID Agncia norte-americana para Desenvolvimento Internacional

    TEN Teatro Experimental do Negro

  • 14

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Cursos de nvel superior realizados no Brasil no perodo colonial.... 44

    Quadro 2 Projetos de Lei com propostas para inserir nos currculos escolares

    o Ensino das Relaes tnico-raciais, Histria da frica e da

    Cultura Afro-brasileira........................................................................ 107

    Quadro 3 Organismos e temticas de pesquisa................................................ 112

    Quadro 4 Temticas de pesquisa...................................................................... 113

  • 15

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Censo racial de professores.............................................................. 78

    Grfico 2 Atualizao do Censo Racial com dados do INEP............................ 81

    Grfico 3 Acordos de cooperao com Instituies Internacionais................... 130

    Grfico 4 Nmero de professores da UNILAB................................................... 135

    Grfico 5 Pas de origem dos professores estrangeiros.................................... 137

    Grfico 6 Professores (as) negros (as) UNILAB................................................ 138

    Grfico 7 Professores/Gnero UNILAB.......................................................... 139

    Grfico 8 Alunos Graduao Presencial............................................................ 141

    Grfico 9 Alunos na Ps-graduao presencial................................................ 142

    Grfico 10 Alunos EAD...................................................................................... 143

  • 16

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Cartaz da campanha institucional da UFJF......................................... 84

    Figura 2 Cartaz da campanha institucional da UFJF......................................... 85

    Figura 3 Cartaz da campanha institucional da UFJF......................................... 86

    Figura 4 Cartaz da campanha institucional da UFJF......................................... 87

    Figura 5 Luma assinando termo de posse........................................................ 139

    Figura 6 Reitora Nilma Lino Gomes em ato de posse....................................... 140

  • 17

    SUMRIO

    APRESENTAO................................................................................................ 17

    INTRODUO...................................................................................................... 19

    CAPTULO 1 ENSINO SUPERIOR E A UNIVERSIDADE PBLICA................ 39

    1.1 O ensino superior no Brasil............................................................................. 40

    1.2 A universidade pblica e a docncia superior................................................ 54

    1.3 O acesso carreira docente na universidade pblica.................................... 62

    1.4 Invisibilidade do professor negro.................................................................... 71

    CAPTULO 2 A EDUCAO ANTIRRACISTA NO ENSINO SUPERIOR......... 89

    2.1 A colonialidade............................................................................................... 90

    2.2 O racismo brasileira..................................................................................... 94

    2.3 A educao das relaes tnico-raciais e a luta antirracista no ensino

    Superior.......................................................................................................... 101

    2.3.1 A educao das relaes tnico-raciais no ensino superior.................. 102

    2.3.2 Histrico da Lei n 10.639/2003............................................................. 106

    2.3.3 Orientaes da Lei n 10.639/2003 para ensino superior...................... 109

    2.4 A cosmoviso africana como epistemologia descolonizadora....................... 113

    CAPTULO 3 TECENDO SABERES................................................................. 123

    3.1 Apresentando a UNILAB................................................................................ 124

    3.1.1 Internacionalizao do ensino............................................................... 127

    3.1.2 UNILAB: Universidade alternativa/popular ou tradicional?.................... 130

    3.2 Metodologia e anlise de dados..................................................................... 144

    3.3 Conscientizao, opresso e dialogia............................................................ 148

    3.3.1 O papel da UNILAB............................................................................... 151

    3.3.2 O combate ao racismo........................................................................... 152

    3.3.3 O acesso carreira docente.................................................................. 156

    3.3.4 Troca de saberes................................................................................... 159

    3.3.5 Combate invisibilidade........................................................................ 163

    CONCLUSO....................................................................................................... 165

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................... 169

    ANEXOS............................................................................................................... 173

  • 17

    APRESENTAO

    Esprito Santinho

    fui criada na ilha sem ser sozinha

    fui desde pequenininha criada na ilha

    Sem ser ilhada fui a porta, o poeta o porto

    o vivo morto do congo a madrinha da congada

    comi cresci na panela de barro era s eu e ela ela me namora eu namoro ela

    nossa senhora da penha fogo e f, fogo avio lenha

    pra de noite no terreiro orix so Benedito

    o que perdi na fora ganhei no grito

    porque eu fui desde criancinha caula americano

    sulamericano saci, meape siri,alegre

    esprito tanto calor e quente esprito quantum ardente esprito santo com febre

    de sacudir o Brasil pequena ponte sudeste

    pequeno polegar mindinho e mercosul

    merconordeste esperto santo moleque

    capivara lobisomem paneleira deus ensaiando o homem

    menino e boneca de pano sulamrica brasil fui criada na ilha

    com muito sol na virilha amo batalha e vitria

    maria ortiz maria da glria ela me namora eu namoro ela

    sou eu praia da costa eu canto eu encanto

    eu cachoeiro eu praia do canto

    fui criada na ilha desde criancinha minha me vem l de minas

    meu pai nasceu baiano capixaba mesmo s eu que sou

  • 18

    povo mais novinho dos brasis esse pas sabido

    esse pas maneiro e mundano o caula do mundo

    caulamericano

    (LUCINDA, 1997, p.27)

  • 19

    INTRODUO

    Em tempos atuais, quando se discute a educao e, em especial, os negros1

    na educao, ainda se faz necessria a busca de respostas sobre questes como a

    presena nfima de professores (as) negros (as) nas universidades pblicas

    brasileiras. Para se encontrar algumas dessas respostas faz-se necessrio

    conhecer a histria do professor negro na educao superior brasileira, em seus

    aspectos de excluso, resistncia, incluso e exerccio de seus direitos.

    Assim nasce esta pesquisa: com objetivo de compreender essa trajetria na

    Universidade da Integrao da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), apresenta-se a

    tese Memria dos Professores Negros e Negras da UNILAB: Tecendo Saberes e

    Prxis Antirracistas.

    A escolha por essa temtica ocorreu depois da reviso bibliogrfica sobre

    educao de afro-brasileiros produzida no perodo de 2003 a 2016, em que foi

    encontrada quantidade expressiva de trabalhos cientficos que abordam temas

    como: Sistema de Escravido, Populao Negra, Religies de Matriz Africana,

    Gnero, Etnia e Raa, Lei n 10.639/2003, Aes Afirmativas, entre outros. Essa

    escolha ganhou fora a partir do ano de 2003, com a apropriao de textos nos

    quais so apresentados dados, conceitos e crticas hegemonia instalada no

    ambiente acadmico das universidades pblicas, conforme o pensamento de

    Carvalho (2003):

    A luta pelas cotas para negros no ensino superior brasileiro tem aberto inmeras questes sobre as relaes raciais no Brasil que haviam sido silenciadas quase totalmente ao longo de todo o sculo vinte. Entre tantas questes, revela-se agora o quanto nossa classe acadmica esteve impune pela excluso racial que se instalou no nosso meio desde a consolidao das primeiras universidades pblicas na dcada de trinta. a essa impunidade e a esse silenciamento crnico que dou o nome de racismo acadmico. (CARVALHO, 2003, p. 2)

    Uma das justificativas apresentadas por esse autor para ampliar o

    entendimento acerca da importncia e da necessidade de professores (as) negros

    (as) no quadro das universidades a ausncia desses profissionais como modelos

    1 Para definio da categoria negro ser utilizado o termo proposto pelo Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica (IBGE), sabendo que tal designao abrange pessoas pretas e pardas, segundo autodeclarao.

  • 20

    para alunos que tambm so negros, alm de muitas vezes pobres, de tal modo que

    esses alunos no encontram nas universidades modelos que os ajude na construo

    simblica da sua autoimagem positiva, o que poderia colaborar no enfrentamento

    dos embates que normalmente sofrem no meio acadmico.

    Os dados quantitativos a respeito do baixo ndice de professores (as) negros

    (as), como sero mostrados a seguir, reforam a tese de Carvalho (2006, p. 3):

    [...] quantos colegas negros tenho e quantos negros fazem parte do quadro de docentes da UnB? Aps constatar que convivia h mais de uma dcada com 60 colegas brancos no Instituto de Cincias Sociais da UnB decidi realizar, em 1999, um censo racial informal, com ajuda de colegas e estudantes negros. Chegamos a uma concluso que ainda me estarrece: a UnB, que havia sido inaugurada em 1961 com pouco mais de duzentos professores e que ao longo de dcadas havia ampliado esse nmero para 1.500, conta com apenas 15 professores negros. Ou seja, aps 45 anos de expanso constante do seu quadro de docente, a universidade que foi concebida como modelo de inovao e de integrao do pas e com o continente latino-americano ainda no absorveu mais que 1% de acadmicos negros.

    No entanto, essa no uma realidade apenas da Universidade de Braslia

    (UnB). Na tese de doutorado de Maria Solange Pereira Ribeiro (2001), defendida na

    Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, sobre os docentes negros

    das universidades pblicas do estado de So Paulo (Universidade Estadual de

    Campinas/Unicamp, Universidade Federal de So Carlos/UFSCAR, Universidade de

    So Paulo/USP e Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho/Unesp),

    todas as dificuldades em conseguir identificar 17 professores negros nessas

    universidades.

    Outra pesquisa, que tambm demonstra resultado semelhante, foi

    apresentada no GT Currculo, na Associao Nacional de Ps-Graduao e

    Pesquisa em Educao (ANPED), com o tema A trajetria de um professor negro

    na Universidade questes culturais e currculo. As autoras Thais Silva, Rebeca

    Rosa e Simone Costa relatam a invisibilidade da presena de um professor negro

    na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

    A obra Trajetrias de docentes do ensino superior: aes afirmativas no

    contexto da Universidade Federal de Minas Gerais tambm d referncia terica na

    reviso de literatura desta pesquisa. Nessa obra, a autora Ana Amlia Laborne, que

  • 21

    professora da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Minas Gerais

    (UFMG), relata sua dificuldade na obteno de dados que corroborassem suas

    hipteses.

    Diante da inexistncia de dados sobre a classificao racial dos professores da UFMG foi necessrio, em um primeiro momento, realizar uma coleta de dados quantitativos que pudesse facilitar o contato com esses sujeitos. Dentre os 224 (duzentos e vinte e quatro) docentes que responderam ao questionrio aplicado nas faculdades que compuseram a amostra, a saber: Faculdade de Medicina, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Geocincias e Faculdade de Letras, 181 (cento e oitenta e um) se declararam brancos, 29 (vinte e nove) pardos, e apenas 1 (um) se declarou preto. (LABORNE, 2009, p. 61)

    Laborne (2009) conclui seu texto afirmando que a emergncia e a

    necessidade de uma ampla pesquisa do perfil tnico-racial na UFMG ajudaro a

    produzir polticas concretas de incluso racial. E que mesmo com status de ser

    professor universitrio, essa credencial no impede que os professores (as) vivam

    situaes declaradas de preconceito no meio acadmico.

    Todavia, foi o artigo do professor da Universidade de Braslia (UnB), Nelson

    Olokof Inocncio, no qual narra seu percurso acadmico e poltico, que constituiu o

    referencial principal desta tese. Ao fazer referncia construo do intelectual

    negro, Inocncio (2006) assinala a importncia dos movimentos sociais negros para

    ajudar na compreenso da identidade racial e na luta a ser travada no ambiente

    universitrio.

    Na anlise que produz sobre o acesso e permanncia de jovens negros na

    universidade, Gomes (2004) toma como base o relatrio do Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada (IPEA), de 2001, que apresenta dados da pesquisa na qual

    apenas 2% da populao negra consegue ingressar na universidade. Esse relatrio

    aponta dados alarmantes sobre a desigualdade racial no Brasil e no ensino superior,

    tanto que essa autora indaga que no basta apenas nos perguntarmos o que fazer

    com os 98% que no entram, mas preciso indagar o que tem sido feito com os 2%

    que conseguem entrar.. (GOMES, 2004, p. 40)

    Segundo esse autor, a universidade pblica brasileira tem que contemplar a

    diversidade tnico-racial da populao em todos os seus cursos e no pode se

    concentrar apenas em algumas reas. Para isso, temos que criar condies para

  • 22

    que jovens negros e pobres entrem e permaneam com sucesso dentro da

    universidade.. (GOMES, 2004, p. 41)

    Desse modo, ao compreendermos que a UNILAB constitui um caso nico no

    Brasil, que atende aos apelos histricos e s pautas pelas quais lutou o Movimento

    Negro durante o sculo XX, e tambm por ser a primeira universidade fundada com

    a inteno de integrao dos pases membros da Comunidade dos Pases de

    Lngua Portuguesa (CPLP), relao essa que salutar no sentido de recompor a

    malha educacional e histrica da formao nacional brasileira, acreditamos que esta

    pesquisa poder contribuir para enriquecer o entendimento sobre a universidade

    pblica, sobretudo porque se parte da hiptese de que a UNILAB constituiria um

    lugar privilegiado para que um debate profundo acerca das desigualdades

    estruturais brasileiras se estabelecesse e conduzisse no rumo da equidade clamada

    h muito pelos movimentos sociais.

    Compreendemos, tal como Catani (2008, p. 5-7), que o tema da

    universidade, hoje, um dos mais candentes e de grande relevncia social. [...] Em

    suma, ocorreu (e est ocorrendo) um profundo processo de renovao no campo da

    educao superior brasileira.. Contemplando a UNILAB como um desses casos de

    renovao, embora constitua uma das maiores inovaes no campo educacional

    desde que a instituio universitria se produziu no Brasil, compreende-se que a voz

    do (a) professor (a) negro (a) da UNILAB pode trazer luz sobre um debate que h

    muito reclama ateno.

    pergunta onde est o professor (a) negro (a) na universidade se responder

    com as vozes desses profissionais, apresentando suas histrias, trajetrias,

    vicissitudes e enfrentamentos. Desse modo, compreende-se que no se perguntar

    mais onde ele est, porque a invisibilidade de que foi e alvo s pode ser

    apagada se sua materialidade se fizer presente.

    A trajetria educacional no pas, quando retomada, leva constatao de que

    a universidade brasileira foi criada para formar as elites aristocrticas e de mrito.

    No entanto, estamos em novos tempos e a [...] universidade necessita abranger

    toda uma diversidade de comportamentos e de concepes [...] Deve estar

    preparada para dialogar com a sociedade que a financia. (CATANI, 2008, p. 12-13).

    Acrescente-se a esse pensamento que, mais que dialogar, a Universidade tem a

  • 23

    funo de educar para a compreenso histrica da sociedade em que est inserida,

    produzindo crticas e sinalizando com mudanas. No caso brasileiro, faz-se

    necessrio compreender o que se produziu nas relaes sociais do pas e, por

    consequncia como o racismo influenciou nas diferentes oportunidades oferecidas

    aos para negros.

    A temtica de incluso do (a) professor (a) negro (a) como objeto do projeto

    de doutorado apresenta, por tais motivos, extrema relevncia social, pois atende

    aos reclamos sociais, histricos e culturais de um novo tempo que se configura. A

    escolha pela instituio Universidade Integrao Internacional da Lusofonia Afro-

    Brasileira (UNILAB) como campo de pesquisa, no entanto, posterior definio de

    nosso objeto. Inicialmente, aventava-se a hiptese do territrio de desenvolvimento

    da pesquisa ser a Universidade Federal do Esprito Santo/UFES, local de minha

    graduao e de experincia como professora substituta em cursos de graduao,

    ps-graduao e atividades de extenso. No entanto, dois fatores foram

    determinantes para a mudana do campo: conhecer o Observatrio de Educao

    (OBEDUC) e a pesquisa intitulada Projeto Universidade Popular do Brasil, que tem

    como objeto de estudo as universidades recentemente criadas e implantadas no

    Brasil (primeira do sculo XXI), de modo a detectar os diferenciais a que se propem

    como alternativas s universidades clssicas (modelo humboldtiano e napolenico)

    da primeira metade do sculo XX (OBEDUC, 2012). (BRASIL, 2014a)

    Assim, adotamos como territrio de pesquisa, a partir daquele momento, a

    UNILAB, uma vez que se poderia, teoricamente, encontrar quantitativamente a

    diversidade tnica e de gnero de professores, em especial, encontrar os negros

    brasileiros, africanos, portugueses, orientais e indgenas, todos trabalhando em uma

    instituio que se prope integrao de povos, culturas e saberes em torno da

    lusofonia.

    Mas o que justificaria o foco no (a) professor (a) negro (a)? O Brasil o pas

    fora do continente africano que tem a maior populao negra do mundo e, ao longo

    de sua histria, vem produzindo um quadro de extrema desigualdade entre negros e

    brancos. Cavalleiro (2005, p. 9) amplia o debate dizendo que at bem pouco tempo

    o Estado brasileiro no incorporava as categorias racismo e discriminao racial

  • 24

    para explicar o fato de os negros responderem pelos mais baixos ndices de

    desenvolvimento humano, e os brancos pelos mais elevados.

    A reduo desse quadro de desigualdade torna-se emergencial para ns

    negros (as) brasileiros (as). E uma das formas encontradas pelo movimento negro

    brasileiro para combater o racismo tem sido a educao, mesmo tendo observado, a

    falncia da escola como espao democrtico de socializao e incluso social,

    porque os movimentos sabem que a educao um direito social e que oportuniza

    mudanas profundas. Apesar de, efetivamente, no estar garantindo incluso com

    dignidade para os negros e os pobres brasileiros, ainda assim a educao o

    principal canal de ascenso social para essas populaes negra, e o acesso

    possibilita sua participao na vida social e na economia. Por integrao econmica,

    compreende-se o acesso aos bens culturais e sociais que, por sua vez, deveriam ser

    consequncia natural da ascenso social, como o para outras raas.

    No entanto, como j dito, as universidades so instituies que sempre

    tiveram o ensino voltado para a elite, tornando-se pouco acessveis s camadas

    populares. Dessa forma, a integrao econmica no garante, como suposto, a

    incluso educacional dos negros, da a sua nfima presena nos quadros de

    professorados, pois se mal conseguem integrar os quadros discentes, que dir os

    quadros docentes. Na UNILAB, porm, por meio de uma observao preliminar, foi

    possvel perceber a presena de alguns professores negros brasileiros e africanos,

    ainda que no sejam majoritrios, pois comparado seu nmero ao de professores

    brancos, eles ainda constituem minoria, mesmo a instituio tendo como objetivo a

    integrao Brasil/frica.

    Da entendermos que o acesso ao ensino superior uma das reas que mais

    reala a desigualdade social existente no Brasil. A busca da reduo das

    desigualdades socioeconmicas faz parte do processo de democratizao da

    universidade e da prpria sociedade. Esse processo no pode se efetivar, apenas,

    no acesso educao superior gratuita. Torna-se necessrio refletir sobre a

    desigualdade racial com profundidade. E, como afirma Carvalho (2006), a condio

    de excluso racial extrema na docncia superior deve ser considerada quando se

    reflete sobre os modelos de relaes raciais existentes no Brasil, sobretudo no meio

    acadmico.

  • 25

    Paradoxalmente, foi no ambiente acadmico que se forjaram as principais

    teorias que negam a segregao racial na sociedade brasileira. Porm, as

    estatsticas revelam o contrrio, bastando observar os dados referentes ao

    extermnio de jovens negros, os nmeros de negros no quadro de desemprego,

    contraposto queles em postos de comando e um sem nmero de pesquisas que

    apontam para uma desigualdade crnica no pas.

    O debate sobre essa nfima presena de professores negros nos quadros das

    universidades pblicas ressurge em meio discusso de polticas pblicas de ao

    afirmativa. Proporcionalmente, quando se analisam os dados conjuntos dos

    professores negros de algumas das principais universidades federais do pas (por

    exemplo, a Universidade de Braslia/UNB, Universidade Federal do Rio de

    Janeiro/UFRJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro/UERJ, Universidade

    Estadual de Campinas/Unicamp, Universidade de So Paulo/USP, Universidade

    Federal de So Carlos/UFSCAR, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG,

    Universidade Federal de Gois/UFG, Universidade Federal do Par/UFPA;

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul/URGS e a Pontifcia Universidade

    Catlica de Minas Gerais/PUC-MG), constata-se que h um contingente de

    aproximadamente 18.400 professores (as), a maioria com titulao correspondente

    ao doutorado. Esse universo est racialmente dividido entre 18.330 brancos (as) e

    70 negros (as), ou seja, entre 99,6% de docentes brancos (as) e 0,4% de docentes

    negros (as). (CARVALHO, 2006)

    Ressalte-se que a universidade pblica no Brasil no cumpre o seu papel de

    promover a diversidade que compe a sociedade brasileira, ao contrrio,

    historicamente, valoriza um nico componente civilizatrio branco, masculino e

    heterossexual, configurando-se como espao de reproduo, ampliao e

    institucionalizao do racismo, conforme Junqueira (2007, p. 18):

    Foi na trama de suas prticas educacionais, polticas e administrativas, tecida na articulao com outros setores da sociedade, que ela prestou importante contribuio para a construo social da invisibilidade da diversidade tnica e racial (e no somente essas) da populao brasileira.

    A partir de dados histricos, nota-se que os movimentos sociais negros, nos

    anos 1980, compreendiam que a autntica democracia racial no incorpora a

  • 26

    explorao capitalista e, para no repetir vcios histricos de subalternizao e

    explorao dos negros, entenderam a real necessidade de ao concreta junto do

    Estado. Da o surgimento das polticas de aes afirmativas, que ao reconhecerem e

    repararem danos causados pelo racismo buscam eliminar as desigualdades sociais,

    e promover justia social e igualdade, alm de compensar as perdas provocadas

    por discriminao.

    Os movimentos negros brasileiros tm, em sua trajetria, traado polticas de

    combate discriminao racial e de reparao de desigualdades na educao. O

    salto qualitativo dado ao longo dos anos deve-se, principalmente, ao de

    pesquisadores e educadores negros, que colocaram essa discusso nos programas

    de suas disciplinas ou em atividades culturais, como o caso de Josildeth Gomes

    Consorte, Teresinha Bernardo, Sueli Carneiro, Maria Aparecida Bento, Maria

    Aparecida Santos Correa Barreto, Edileuza Penha de Souza, Nilma Lino Gomes,

    Petronilha Beatriz Gonalves e Silva, Guerreiro Ramos, Edison Carneiro, Abdias

    Nascimento, Luiz Costa Pinto, Clvis Moura, Milton Santos, Henrique Cunha Jr.,

    Kabengele Munanga, Marcos Ferreira dos Santos e Eduardo Oliveira, entre tantos

    outros.

    Assim, esta tese de doutorado, alm de alinhada s ideias dos movimentos

    sociais negros, est tambm integrada pesquisa desenvolvida pelo Observatrio

    de Educao, Projeto Universidade Popular do Brasil da Universidade Nove de Julho

    (UNINOVE), aprovado pela Capes em 2012 e em desenvolvimento no Programa de

    Ps-Graduao em Educao dessa instituio. O projeto vincula-se portanto, a

    esse universo, que tem como objetivo:

    o estudo das matrizes institucionais, da estrutura e do funcionamento das universidades recentemente criadas e implantadas no Brasil (primeira do Sculo XXI), de modo a detectar os diferenciais a que se propem como alternativas s universidades clssicas (modelo humboldtiano e napolenico) da primeira metade do sculo XX. (OBEDUC 2012). (BRASIL, 2014a)

    E ainda:

    as/s aes inovadoras dessas universidades alternativas, especialmente no que diz respeito : gesto democrtica com participao de no-pares de docentes, processos seletivos de incluso de docentes e discentes, construo participativa de matrizes curriculares alternativas, diversidade cultural incorporada ao

  • 27

    corpus cientfico e tecnolgico, construo de cincia pblica (interesse de todos), de democracia cognitiva omnilateral (incorporadora de conhecimentos produzidos fora da academia), avaliao dialgica (institucional e da aprendizagem). (OBEDUC 2012). (BRASIL, 2014a)

    Nesse sentido, a escolha da UNILAB como territrio de anlise tem por

    objetivo pesquisar o universo de atuao dos (as) professores (as) negros (as)

    brasileiros e africanos, a fim de conhecer suas memrias e contribuies para o

    debate sobre o racismo, a ascenso social do negro, a colonialidade e o racismo

    acadmico. Procura ainda, investigar se a presena desses professores (as) propicia

    o conhecimento e apropriao da cosmologia dos africanos e dos afro-brasileiros no

    espao acadmico.

    Para tanto, como o projeto Universidade Popular do Brasil, sero mantidos os

    referenciais tericos da pesquisa buscando os autores que tm desenvolvido

    fundamentos, metodologias e tcnicas de abordagem da educao superior sob o

    olhar da teoria crtica e contra-hegemnica, dentre os quais se destacam Anbal

    Quijano, Boaventura de Sousa Santos e Paulo Freire.

    Parte-se do pressuposto de que h pouca representatividade de professores

    (as) negros (as) nas universidades brasileiras e da populao negra no segmento

    acadmico, supondo-se que o nmero de professores (as) negros (as) na UNILAB

    seria maior que as demais universidades federais, que tm um efetivo em torno de

    0,5% (meio por cento), entendendo-se que esse nmero mnimo de professores (as)

    negros (as) provoca danos irreparveis aos alunos (as) negros (as) que adentram a

    universidade, cujos currculos vm privilegiando uma cultura eurocntrica, que em

    nada valoriza as culturas das ditas minorias tnicas. Assim, a primeira hiptese

    que o aumento do nmero de professores (as) negros (as) e nas universidades

    pblicas contribuiria para ampliar o debate da questo racial e combater o racismo

    acadmico.

    A segunda hiptese que a UNILAB, com sua proposta inovadora de

    integrao de professores (as) afro-brasileiros e africanos, produziria novas formas

    de convivncia entre povos e culturas, dando voz aos sujeitos que sempre tiveram

    suas histrias silenciadas.

  • 28

    Para a discusso dessa problemtica consideraram-se ainda os seguintes

    questionamentos derivantes: Como os (as) professores (as) negros (as) da UNILAB

    esto contribuindo para aes antirracistas? Como os professores (as) negros (as)

    brasileiros (as), em integrao com os (as) negros (as) africanos (as), esto

    construindo novos modos culturais de ensinar e aprender? Se existe diversidade de

    gnero? Como o (a) professor (a) negro (a) compreende seus processos identitrios

    (cultura e subjetivaes)? E, por fim, que modelo de poltica pblica est incluindo

    mais professores (as) negros (as) nas instituies federais de ensino superior?

    Buscando compreender a questo central desta pesquisa, que so analisadas

    por intermdio da memria dos professores (as) negros (as) sobre suas trajetrias

    de vida e profissional, encontra-se suporte conceitual a partir de levantamento

    bibliogrfico, cuja fundamentao terica baseia-se em Teresinha Bernardo (1990,

    1998, 2007), Boaventura Sousa Santos (2004, 2010), Afrnio Catani (2008), Jos

    Jorge de Carvalho (2003, 2005, 2006, 2010), Maria Lourdes de A. Fvero (2006),

    Paulo Freire (1987, 1996), Antonio Sergio Guimares (1995, 2004, 2005), Marcos

    Ferreira-Santos (2002, 2005, 2006), Mauricio Halbwachs (1990), Kabengele

    Munanga (2003), Eduardo Oliveira (2006), Michael Pollak (1992), Anibal Quijano

    (2005, 2010), no entanto, no nos furtaremos meno de outros tericos quando

    necessrio.

    Assim, esta pesquisa organiza-se na seguinte estrutura:

    1 - Questo central: a invisibilidade, ou seja, a presena nfima do professor

    negro produzida pelo racismo acadmico?

    Para respond-la, como objetivo geral desta pesquisa, elegemos

    compreender se a representatividade, tomando-a como existncia e

    visilibilidade, contribuiria para ampliar o debate sobre a questo racial e se

    combateria o racismo acadmico.

    2 - A partir dessa questo central, apresentamos as questes derivantes:

    a) Como os professores negros brasileiros e africanos esto construindo

    novos modos culturais de ensinar e aprender?

  • 29

    b) Como os professores negros compreendem seus processos identitrios

    (cultura e subjetivaes)?

    c) Que tipo de poltica pblica ampliar a representatividade do contingente

    de professores negros na Universidade?

    Ao tomarmos a UNILAB como objeto de estudo, partimos da hiptese de que

    a instituio, com sua proposta inovadora de integrao de professores (as)

    brasileiros (as) e africanos negros, produziria novas formas de convivncia entre

    povos e as culturas dando voz aos sujeitos que sempre tiveram suas histrias

    silenciadas.

    Para respondermos s questes e verificar as hipteses aventadas,

    estruturamos as anlises em trs categorias:

    Colonialidade: com essa categoria abordaremos um breve histrico da

    educao superior com foco na universidade pblica, o acesso carreira docente e

    discutiremos a invisibilidade do professor negro e as prticas do racismo acadmico.

    Cosmoviso: com essa categoria abordaremos a prxis para a educao

    antirracista, a descolonizao, a Lei n 10.639/2003, de modo que a cosmoviso

    africana seja o embasamento para a descolonizao de prticas e pensamentos.

    Memria e representao: discutiremos a instituio UNILAB como

    possibilidade de poltica afirmativa que, efetivamente, est em prtica no Brasil e de

    seu projeto de vanguarda, ao propor a integrao de estudantes e professores dos

    pases da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP). Para tanto,

    utilizaremos as tcnicas de Histria de vida para problematizar a memria individual

    e coletiva. Finalizaremos tais anlises com as categorias oprimido, conscientizao e

    dialogia, por meio das quais intentamos dialogar com os anseios de setores

    excludos da sociedade, especificamente, pelas prticas racializadas introjetadas na

    estrutura da Universidade, tal como denuncia Carvalho (2003, p. 11):

    Se pararmos um pouco de pensar nos estudantes e pensarmos nos professores que, em ltima instncia, votaro nos Conselhos Acadmicos as propostas de incluso racial, descobriremos que 99% deles so brancos. A primeira realidade que devemos ter em mente que ainda muito mais alta a porcentagem de professores brancos do que a de alunos brancos nas universidades.

  • 30

    Para fins de coleta de dados, a pesquisa quantitativa foi o primeiro passo da

    etapa de campo, assim como fez Carvalho (2003, 2006), que realizou um censo

    informal nas seguintes universidades pblicas: UnB, USP, UFRJ, UFMG, UFSCAR,

    Unicamp, URGS, UFG, UERJ e UFPA. Nele, constatou-se que o percentual de

    professores negros nessas instituies nunca alcanou o patamar de 1% em relao

    ao nmero de professores brancos, o que corroborou sua tese da existncia do

    racismo acadmico.

    Os escritos de Munanga (2003, p. 118) deram subsdio para a compreenso

    do que ser professor negro, pois, como africano, professor, pensador e militante,

    defende [...] as cotas e as polticas de aes afirmativas como sadas para os

    problemas de insero, integrao e permanncia do negro no Ensino Superior,

    antes racial do que econmico [...]. Entende-se que o empirismo do antroplogo

    ultrapassa as fronteiras da sala de aula e possibilita uma forma diferenciada de ver a

    realidade brasileira, sobretudo por no ser brasileiro, mas docente de uma

    universidade brasileira.

    Conhecer o professor Kabengele Munanga, na Universidade de So Paulo

    (USP), no incio dos anos 2000, foi determinante para a escolha do tema deste

    doutorado. A trajetria desse professor africano do Zaire, atual Congo, que chegou

    USP em 1975, a partir de convnio entre a Instituio e o Itamaraty com as

    universidades africanas, para fazer doutorado, tem entusiasmado alunos negros de

    todo o Brasil a estenderem seus estudos alm da graduao, abordando, inclusive,

    as questes tnico-raciais. Munanga graduou-se em Cincias Sociais, estudando

    antropologia cultural africana no Congo. Mais tarde, foi para a Blgica estudar

    Cincias Polticas, na Universidade de Louvain2, local onde conheceu o professor

    Fernando Augusto Albuquerque Mouro, fundador do Centro de Estudos Africanos

    da USP, e tomou conhecimento do convnio que o trouxe como bolsista ao Brasil.

    Em entrevista a Viviane Silva (2013, p. 49)3, Munanga diz que:

    [...] em 77, voltei para o Congo para integrar minha universidade, para prestar servio ao meu pas, mas como lhe falei a conjuntura

    2 A Universidade Catlica de Louvaina localiza-se na Blgica. Fundada em 1425, desmembrou-se

    em outras duas no ano de 1968: a Katholieke Universiteit Leuven, de fala holandesa, e a Universit Catholique de Louvain, de fala francesa. 3 Entrevista concedida a Viviane Anglica Silva, aluna de doutorado em educao da FE/USP, para

    pesquisa de doutorado em andamento.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%A9lgicahttps://pt.wikipedia.org/wiki/1425https://pt.wikipedia.org/wiki/1968https://pt.wikipedia.org/wiki/Katholieke_Universiteit_Leuvenhttps://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_neerlandesahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Universit%C3%A9_Catholique_de_Louvainhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Universit%C3%A9_Catholique_de_Louvainhttps://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_francesa
  • 31

    poltica e ditadura militar, questes srias polticas, eu acabei abandonando meu emprego, fui desertor mesmo e voltei ao Brasil. Tive um contrato de professor visitante na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no programa de mestrado em Cincias Sociais. Ento atuei naquela universidade de setenta e nove a oitenta.

    Logo que entrou na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),

    apresentou um projeto sobre a realidade do negro brasileiro e com o mesmo projeto

    prestou concurso para a USP, em 1981. Assim relata sua histria de envolvimento

    com a questo racial:

    Eu diria na realidade, que atuei tanto na academia, quanto no movimento negro. Eu costumo dizer que o meu trabalho foi como uma dana de valsa, um para frente, a comunidade, outro atrs na academia. Isso que fez de mim um intelectual diferenciado. As pessoas que me leem acham que eu escrevo coisas diferentes, que sou acessvel aos outros, porque quando escrevo sobre a questo do negro, a primeira coisa , escrevo para eu atender as pessoas da minha comunidade, qual eu perteno historicamente, apesar de ter nascido na frica. Se eu no entendi o que escrevo, ento os outros no vo entender. Ento essa uma maneira de atuar. Quando nasceu a Lei 10.639, uma das pessoas que viajou em vrios estados a convite da SECAD, da Educao para fazer a conferncia de abertura sobre a Lei 10.639 fui eu. (SILVA, V., 2013, p. 54)

    Outra referncia para esta tese a anlise que Guimares (2004, p. 281) faz

    sobre questo racial brasileira, quando afirma que, tradicionalmente, o pensamento

    social brasileiro negro vem se ocupando em

    [...] denunciar o isolamento moral e social dos negros, induzido pela esttica e pela cincia europeias; tratar os africanos como colonizadores do Brasil; entender o pas como produto do trabalho negro; ver a classe trabalhadora brasileira como originria dos escravos africanos, dos artesos e artistas negros e mestios; entender a cultura e os costumes dos africanos como base de nossa cultura popular.

    A problematizao do conceito de racismo tambm encontra eco em

    Guimares (2004), sobretudo ao fazer referncia aos significados que esse conceito

    vem recebendo no campo cientfico. Segundo o pesquisador, trata-se de uma

    palavra com significados diferentes, ainda que correlatos, podendo ser

    compreendida como um corpo de atitudes, preferncias e gostos instrudos pela

    ideia de raa e de superioridade racial, seja no plano moral, esttico, fsico ou

    intelectual, ou at mesmo como doutrina que, ao pregar a existncia de raas

    humanas, faz referncias a diferentes qualidades e habilidades e as coloca em uma

    hierarquia (GUIMARES, 2004, p. 7). Tambm traz em sua obra o significado do

  • 32

    conceito preconceito, e o especifica dizendo que no Brasil seria uma reao das

    elites brancas (e no do povo) s novas relaes sociais prprias ordem social

    competitiva (GUIMARES, 2005, p. 92). E diz que o potencial revolucionrio dos

    negros que poder livrar a burguesia emergente dos privilgios, desigualdades

    econmicas e de outras amarras.

    Faz-se necessrio reconhecer que na prtica social que se acumula fora

    para transformar a sociedade. com o acesso aos bens culturais que se garante

    vida digna e uma nova possibilidade histrica. Para tanto, fundamental que se

    desenvolvam as condies objetivas sintonizadas com os movimentos sociais de

    resistncia em uma ao altamente responsvel e voluntariamente assumida por

    todos.

    Outro conceito que nos apoiamos para analisar o racismo a colonialidade.

    Para entender a colonialidade de saber apoiamo-nos Anibal Quijano que interpreta,

    que essa perspectiva tem base no Eurocentrismo, ao afirmar que ela nasceu em

    meados do sculo XVII na Europa Ocidental e se tornou hegemnica com o

    nascimento da Europa burguesa. Afirma ainda que essa perspectiva est associada

    especfica secularizao burguesa do pensamento europeu e experincia e s

    necessidades do padro mundial de poder capitalista, colonial/moderno,

    eurocentrado, estabelecido a partir da Amrica. (QUIJANO, 2005 p. 239). No

    entanto, continua Quijano (2005), essas razes do Eurocentrismo so sem dvidas

    mais antigas do que o momento em que se tornou mundialmente hegemnica. Pois

    essa no a histria cognoscitiva que prevaleceu para todos os europeus e em

    todas as pocas. Essa racionalidade ou perspectiva de conhecimento transformou-

    se em mundialmente hegemnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais,

    prvias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos, tanto na Europa

    como no resto do mundo. (QUIJANO, 2005, p. 239)

    Para contrapor hegemonia da colonialidade do saber imposta pelos europeus

    Amrica Latina e frica, trabalhamos com os textos de Oliveira (2006, p. 25), que

    nos conduziu ao entendimento da cosmologia dos africanos e seus descendentes,

    por ele conceituado como sistema de valores e princpios que, apesar do sofrimento

    sempre emergiu das runas promovendo a vida, a diversidade, a integrao e o

    respeito pelo seu passado..

  • 33

    Com Oliveira (2006, p. 155) problematizaram-se os conceitos de identidade e

    cultura brasileira, pois, como ele cita:

    discutir a identidade negra num pas formado a partir da mistura (seria melhor dizer, conflito) entre vrias etnias, provindo de diversas regies geopolticas diferentes e, consequentemente, de culturas dspares, no um problema meramente cultural, mas de alcance poltico e social relevantes. At porque o que define a identidade racial so as relaes de poder entre os povos. No existe uma substncia geogrfica, biolgica ou cultural que define identidade racial. So as relaes de poder que a definem (relaes de dominao).

    Outro conceito que utilizamos o de autonomia, proposto por Freire, que tem

    como marca estar centrado em experincias que estimulam a tomada de

    conscincia e que tenham base na responsabilidade, vale dizer, em experincias

    respeitosas da liberdade.. ( Freire, 1996, p. 67). Tambm utilizaremos desse autor o

    conceito de oprimido, em que ele procura conscientizar o professor sobre sua prxis

    educativa e alinha-se necessidade de evidenciar os mecanismos da opresso

    como cerceadores do processo de humanizao, de construo do ser:

    a violncia dos opressores, que os faz tambm desumanizados, no instaura uma outra vocao a do ser menos. Como distoro do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua humanidade, que uma forma de cri-la, no se sentem idealisticamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E a est a grande tarefa humanista e histrica dos oprimidos libertar-se a si e aos opressores. (FREIRE, 1987, p. 16)

    O conceito de educao popular que encontramos na obra de Freire

    transformou-se em nossa palavra geradora, como se evidencia em sua

    epistemologia, por ter nos conscientizado sobre o caminho que queramos com o

    doutorado. Entender um pouco mais esse conceito na obra de Freire mudou o rumo

    desse doutorado, que iniciamos nas cincias sociais e passamos para a educao,

    pois nos fez optar por realiz-lo em outra instituio que pesquisa o impacto e

    atualidade do pensamento freiriano nos aspectos poltico-pedaggicos do ensino

    superior.

    Todas essas mudanas sinalizaram o caminho para a anlise que produzimos

    sobre ensino superior e universidade. Por entend-la como educao libertadora, tal

  • 34

    como afirmam Gadotti e Stangherlim (2013), quando tratam dos princpios que

    originaram a educao popular, podemos dizer que esto: orientados por uma

    perspectiva de libertao que aposta na capacidade das pessoas de problematizar

    a realidade social em que esto inseridas, conscientizando-se de suas condies

    objetivas de vida.. (GADOTTI; STANGHERLIM, 2013, p. 24)

    Outro conceito imprescindvel o de universidade popular, ou melhor, como

    conceitua Romo (2013), universidade de caractersticas populares, que so

    instituies de ensino superior que adotam prticas de educao popular e que na

    ltima dcada vimos surgir no Brasil, como o caso da UNILAB, cujas novas

    orientaes apresentadas em suas matrizes institucionais e curriculares so as

    perspectivas mais esperanosas que detectamos como forma de descolonizao

    das ideias que circulam nesses ambientes de formao e por se apresentarem

    como antdoto aos (des) caminhos corporativos e de baixa incluso que

    historicamente, marcaram o setor.. (SANTOS; MAFRA; ROMO, 2013, p. 13). A

    contribuio dos textos coordenados por Santos, Mafra e Romo foi fundamental

    para compreendermos algumas premissas da educao popular e de sua prxis no

    ensino superior brasileiro, e compreender quais so os desafios para a construo

    de uma universidade que se prope ter a educao popular como modelo, cujos

    objetivos compreendem:

    [...] tanto a ampla diversidade de saberes quanto os novos contingentes que acorrem universidade; que no discriminem, incorporando os diferentes; que no se elitizem, produzindo para e com o povo sem qualquer estratificao social, poltica, tnica ou cultural; que ampliem o cabedal da cincia, abarcando a criatividade das pessoas e as perspectivas cognitivas das gentes; que promovam a conceptualizao em chave cientifica, sem esquecer das inovaes tanto tericas quanto prticas resultantes dos saberes de experincias feitas. (SANTOS; MAFRA; ROMO, 2013, p 15)

    Para analisar a UNILAB tambm utilizamos a proposta emancipatria de

    universidade de Boaventura Sousa Santos (2004), que afirma que a educao

    superior vem passando por profundas transformaes, entre elas o predomnio da

    mercantilizao, como aconteceu nas ltimas dcadas, com transformaes que

    atingiram tambm os processos de conhecimento e sua contextualizao social.

    Avalia esse autor que a resistncia tem de envolver a promoo de alternativas de

    pesquisa, de formao, de extenso e de organizao que apontem para a

    democratizao do bem pblico universitrio.. (SANTOS, 2004, p. 44)

  • 35

    Os textos de Cunha (1986) referenciam a histria do ensino superior e da

    universidade pblica. Segundo ele, o ensino superior atual nasceu com o Estado

    Nacional e com funes prprias deste. Os colonizadores portugueses protelaram a

    criao da universidade no Brasil, fundando-a tardiamente. Quatro sculos depois

    de instalada a primeira universidade na Amrica espanhola (So Domingos, em

    1538). Cunha tambm afirma que Portugal optava por dar bolsas de estudos para

    que os brasileiros fossem estudar na universidade de Coimbra e que esse era um

    dos mais fortes vnculos que sustentava a dependncia das colnias.. (CUNHA,

    1986, p. 12)

    Em virtude do objeto selecionado, o caminho metodolgico que emergiu, num

    primeiro momento, foi o levantamento bibliogrfico relativo ao eixo temtico e s

    reas de investigao, bem como o levantamento da documentao da UNILAB

    (estatuto, regulamento, Plano de Desenvolvimento Institucional) e do que foi

    produzido sobre elas (relatrios de pesquisa, ensaios e levantamentos).

    A tcnica de histria de vida com a teoria da memria norteou a coleta de

    dados desta pesquisa. Com a memria analisamos as lembranas dos professores

    negros da UNILAB, com vistas a entender seus processos identitrios (cultural e

    subjetivo), seus sentimentos, suas construes de afetividades e suas aes

    afirmativas no ambiente de trabalho, como tambm discutir o racismo sofrido. Tal

    como exemplifica Bernardo (1998), a memria vai dar transparncia porque deve

    permitir que se descortinem situaes conflitivas e discriminaes. E que as

    histrias de vida apresentam um ncleo duro, que sofre menos modificaes. Esse

    ncleo um elemento da memria que constitui as identidades, no caso analisado, a

    dos professores negros da UNILAB.

    Segundo Pollak (1992, p. 204), a memria um elemento constituinte do

    sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva, porque, constata ele, [...]

    um fenmeno construdo social e individualmente.. E quanto identidade, a sua

    construo um fenmeno que se produz em referncia aos outros, em referncia

    aos critrios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por

    meio da negociao direta com outros.. Analisando as palavras de Pollak, entende-

    se que memria e identidade devem ser compreendidas como fenmenos sociais de

    uma pessoa ou de um grupo.

  • 36

    Nesse esforo de pensar o conceito de memria, tornou-se fundamental o

    retorno s ideias de Halbwachs, que:

    [...] nos anos 20-30, j havia sublinhado que a memria deve ser entendida tambm ou, sobretudo, como um fenmeno coletivo e social, ou seja, como um fenmeno construdo coletivamente e submetido a flutuaes, transformaes, mudanas constantes. (POLLAK, 1992, p. 201)

    Como instrumento metodolgico, a histria de vida contribuiu para um

    conhecimento mais profundo do cotidiano dos (as) professores (as) negros (as) na

    UNILAB. Afinal, a abordagem promoveu a compreenso da dinmica das relaes

    que se estabeleceram no cotidiano, pois esse universo no quantificvel.

    O carter fenomenolgico nesta pesquisa se apresentou mais enftico

    quando fomos a campo e compreendemos particularidades das experincias desses

    professores negros quanto s suas prxis e a troca de saberes nos ambientes da

    UNILAB. Investigar tal fenmeno somente foi possvel porque esses professores se

    dispuseram a falar sobre suas vivncias como negros, suas experincias no

    combate ao racismo, suas trajetrias profissionais como educadores e a opo de

    trabalhar em uma universidade que tem como perfil a promoo da igualdade e da

    diversidade cultural e racial. Nesse sentido, a fenomenologia que oferece

    epistemologia para orientar quem busca compreender fenmenos enquanto

    ocorrem. Como diz Severino (2007), a experincia eidtica, momento da intuio

    originria.

    Os dados foram coletados em campo, por meio de entrevistas desenvolvidas

    com um roteiro composto por questes semiestruturadas. Mesmo cientes da eficcia

    da tcnica de histria de vida, que ajuda a apreender eficientemente a subjetividade

    que esta pesquisa exige, deu-se liberdade ao entrevistado para que falasse o mais

    livremente possvel sobre sua experincia pessoal. A histria de vida apresenta o

    retrato oficial do sujeito, em que a verdade est na formatao oferecida por ele,

    que soberano para revelar ou ocultar casos, situaes ou pessoas.

    O momento de ir a campo se apresenta na forma de uma abordagem

    fenomenolgica com o propsito de transferir o (a) pesquisador (a) para o ambiente

    que no lhe familiar, fazendo com que ele (a) experimente o mesmo contexto da

    populao pesquisada.

  • 37

    A jornada interpretativa e, precisamente, esse argumento antropolgico em que eu deixo o gabinete, a comodidade do lugar-comum, o meu lugar, o meu lcus (lugar) e domus (lar) e, ento, viajo. Vou contemplar essa paisagem desde o seu interior, vou dialogar com as pessoas concretas l. E a ento, nessa exploso de sentidos, que se do as descobertas da constituio de nossa alteridade, me levam ao caminho de mim mesmo, ao mais especifico de mim, numa reconstituio pessoal de sentidos. (FERREIRA-SANTOS, 2006, p. 67)

    A primeira ao em campo foi quantificar os (as) professores (as) (com corte

    racial e de gnero) junto Pr-Reitoria Administrativa, por entender que esse dado

    evidenciava uma de nossas hipteses. E, para chegar ao quantitativo de professores

    (as) negros (as), nos certificamos a partir da autodeclarao4 do (a) professor (a).

    O corte quantitativo ajudou com os pressupostos e as hipteses trabalhados

    na investigao, pois foram reformulados, ajustados e reencaixados medida que

    desenvolvemos o trabalho de campo. A metodologia quantitativa inscreve-se em

    uma dimenso epistemolgica especfica, cuja inteno, no primeiro momento,

    conhecer os dados, para s depois avali-los. (RUIZ, 1996)

    Por fim, uma vez coletados os dados, intentamos promover sua anlise e

    propor o debate que problematize o levantamento bibliogrfico acerca da histria da

    universidade, dos meandros do acesso carreira docente e da invisibilidade do (a)

    professor (a) negro (a) contrapostos ao que denominamos de educao

    antirracista, por meio da qual postulamos novas prxis, novos olhares, baseados

    em uma cosmoviso africana.

    Acreditamos que o momento que se originou a partir da Lei n 10.639/2003,

    como marco representativo de uma das tantas frentes pelas quais trabalhou e

    trabalha o Movimento Negro, assim como o advento da UNILAB, com suas amplas

    possibilidades de conhecimento, como se revelam nos dados que apresentaremos,

    iniciam-se uma fase nova para a universidade brasileira, plena de significados e com

    todos os elementos necessrios para propiciar as mudanas paradigmticas

    exigidas para a educao, para as relaes tnico-raciais e para a construo de

    uma sociedade mais justa e igualitria.

    4 A questo da autodeclarao negra, que vem enfrentando problemas de dolo e falsidade

    ideolgica, no ser abordado neste trabalho, por configurar questo bastante sria e profunda, mas que foge ao objeto desta pesquisa; entendemos que essa discusso exige um espao especfico.

  • 38

    CAPTULO 1 ENSINO SUPERIOR E A UNIVERSIDADE PBLICA

    A histria dos colonizados comeava com a chegada dos colonizadores, com sua presena civilizatria; a cultura dos colonizados, expresso da sua forma brbara de compreender o mundo. Cultura, s a dos colonizadores. [...] Por tudo isto que, para os colonizados que passaram pela alienante experincia da educao colonial, a positividade desta educao ou de alguns de seus aspectos s existe quando, independentizando-se, a rejeitam e a superam. Quando, assumindo com seu povo, a sua histria, se inserem no processo de descolonizao das mentes. (FREIRE, 1984, p. 20)

    A gnese da educao brasileira a do colonizador: ela europeia em todos

    os seus nveis. Foram os jesutas portugueses, personificados na Companhia de

    Jesus, os responsveis pelas primeiras atividades nesse sentido. A primeira

    iniciativa educativa ocorrida no Brasil Colnia, em 1549, teve como objetivo a

    catequizao dos ndios. A epgrafe acima constitui, ao mesmo tempo, um norte

    metodolgico para estudar a educao brasileira, com recorte na educao do

    negro, e uma exigncia para analise crtica do modelo de educao hegemnico

    implantado no Brasil.

    Ao aprofundar estudos sobre a histria da educao brasileira, entende-se

    que as etnias - ndios, brancos e negros - que compem a Nao Brasileira tiveram

    tratamento diferente no que diz respeito, tambm, ao acesso e permanncia na

    educao. Problematizando tal aspecto e recorrendo histria da educao para

    compreender a sociedade brasileira,

    possvel afirmar que, desde os tempos coloniais, instituiu-se um projeto de educao voltado para atender aos interesses da elite que deveria comandar este Pas, negando, por outro lado, o acesso educao escolar populao no branca, especialmente ao negro e seus descendentes. (SANTANA; MORAES, 2009, p. 52)

    A historiografia da educao brasileira revelou ainda como a excluso de

    negros e indgenas do sistema educacional estruturou a sociedade brasileira e

    determinou seus ndices de desigualdade.

    O tema educao brasileira, neste trabalho, concentrar-se- no ensino

    superior, pois no se tem a pretenso de historicizar toda sua trajetria,

    considerando os objetivos pretendidos e, principalmente, porque muitos trabalhos j

  • 39

    foram realizados nesse sentido. Mas no se pode deixar de destacar pontos

    pertinentes a esta pesquisa, como estabelecido no recorte: o ensino superior na

    universidade pblica e a carreira de docente, tendo como sujeito o professor e a

    professora negros. Portanto, o que ser apresentado nesta tese diz respeito ao nvel

    da educao em que esto inseridos professores (as) negros (as) brasileiros.

    Este texto apresentar uma breve trajetria do ensino superior, considerando

    o professor e o desenvolvimento de mecanismos para a carreira docente, e

    prosseguir discutindo como essa carreira se desenvolveu no mbito da

    universidade pblica, inserindo nesse debate questes polticas e tcnicas.

    Para contextualizar o ensino superior brasileiro as referncias so as anlises

    histricas produzidas por Cunha (1986) e Fvero (2006). Para questes relativas

    profisso professor, sero utilizadas as anlises de Vieira e Gomide (2008); Catani

    (2009); Nvoa (2009); Vicentini (2009); e Lugli (2009); fontes e dados

    disponibilizados por rgos pblicos sero utilizadas sempre que disponveis e

    necessrias.

    1.1 O ensino superior no Brasil

    A histria da educao no Brasil est divida por perodos, em quatro

    precisamente, conforme textos dos diversos pesquisadores. Optou-se por

    referenciar, inicialmente, Cunha (1986). Em sua histria da universidade brasileira,

    uma das variveis metodolgicas a diviso por perodos, que corresponde, em

    linhas gerais, historiografia brasileira corrente. Como explica Cunha (1986), o

    primeiro perodo (1572-1808) o colonial, em que temos a criao dos primeiros

    cursos superior de artes e teologia, nos colgios dos jesutas da Bahia. Durante o

    segundo perodo (1808-1889), o chamado perodo do imprio, houve a criao de

    um novo modelo ensino superior, que atendesse a demanda de mo de obra

    urgente para suprimento da Corte recm instalada por essas terras. Mas, ser no

    final do perodo da repblica oligrquica (1889-1930), que vamos ter as primeiras

    experincias de criao de universidades ao longo do quarto perodo, o da era

    Vargas (1930-1945), dedicado ao estabelecimento do modelo de ensino superior e

    de instituies que temos at hoje.

  • 40

    Em sua anlise, Cunha (1986) esclarece que essa ordenao de perodos

    no tem limites rgidos, pois os mesmos servem como referncia bsica. Explicita

    ainda que, embora apresente referncias do campo poltico para denominar esses

    perodos, os marcos fundamentais que os delimitam so interiores ao campo

    educacional.. (CUNHA, 1986, p. 13)

    O estudioso esclarece as crticas feitas aos colonizadores portugueses pela

    demora da implantao de uma universidade no Brasil, crticas essas de cunho

    comparativo com os espanhis, que implantaram a universidade na Amrica

    espanhola no incio do processo de colonizao.

    Nas colnias espanholas da Amrica, a universidade no foi uma instituio estranha. Na quarta dcada do sculo XVI foi fundada a primeira universidade no continente americano. Ela surgiu em 1538, em So Domingos, significativamente, na ilha onde Colombo teria tido o primeiro contato com o Novo Mundo. (CUNHA, 1986, p. 11)

    Alm de So Domingos, os espanhis tambm fundaram universidades no

    Mxico, Peru, Chile e Argentina. De modo que ao tempo da nossa independncia,

    havia 26 ou 27 universidades na Amrica espanhola (CUNHA, 1986, p. 11). No

    Brasil, at essa poca, no existia nenhuma universidade, fato que alvo de crticas

    diversas, dentre as quais a de que o Brasil teria se sado melhor se tivesse os

    espanhis como colonizadores. No entanto, o autor (1986) apresenta outros

    argumentos para explicar a razo da empreitada universitria na Amrica

    Espanhola, e no na Amrica Portuguesa:

    [...] a Espanha encontrou nas suas colnias povos dotados de cultura superior, dificultando, assim, a disseminao da cultura dos conquistadores. As universidades teriam recebido, ento, a funo de preparar missionrios conhecedores dos costumes dos nativos, capazes de pregar nas suas lnguas. Isto, alis, os colgios jesutas procuravam fazer no Brasil, com o ensino da lngua geral no lugar do grego e do hebraico previsto pela Ratio Studiorum.

    Outro argumento de Faria aponta para a diferena entre os recursos docentes de ambos os pases colonizadores. [...] sendo a Universidade de Salamanca de grande porte para a poca, com 6 mil alunos e 60 ctedras. Portugal dispunha [...] a de Coimbra, mais tarde a de vora, esta de pequeno porte. A populao espanhola chegava a 9 milhes, enquanto que a portuguesa atingia 1,5 milho de habitantes. Com mais habitantes e mais universidades, a populao letrada espanhola era muito maior do que a portuguesa. Por isso, [...] enquanto que a Espanha podia transferir recursos docentes para as colnias sem, com isso, prejudicar o ensino nas

  • 41

    suas universidades, o mesmo no acontecia com Portugal. (FARIA, 1952, p. 91 apud CUNHA, 1986, p. 13, grifo do autor)

    Cunha (1986) questiona a historiografia que afirma nosso suposto atraso

    universitrio, argumentando que bem provvel que as universidades espanholas

    implantadas na Amrica fossem equivalentes aos colgios jesutas e a outras

    instituies religiosas de ensino superior implantadas no Brasil pelos portugueses, e

    que isso, provavelmente, seja apenas uma questo de nomenclatura.

    Na trajetria do ensino superior, vrios foram os motivos que levaram

    Portugal a retardar a criao da universidade. Entre essas alegaes, encontramos

    uma resposta dada pelo Conselho Ultramarino, em 1768, a um requerimento com

    pretenso de instalar um curso de medicina na regio de Minas, que diz: um dos

    mais fortes vnculos que sustentava a dependncia das colnias, era a necessidade

    de vir estudar a Portugal.. (CUNHA, 1986, p. 12)

    Todavia, os jesutas foram os responsveis pela introduo do ensino

    superior no Brasil. Criaram 17 colgios para desenvolver o ensino religioso, nos

    quais era oferecido o ensino das primeiras letras e o secundrio. Em alguns

    colgios, era ministrado o ensino superior em Artes e Teologia, que muitas vezes

    recebia denominaes de Cincias da Natureza ou Filosofia. Outra experincia

    citada a que ocorreu no Colgio da Bahia, que no sculo XVIII desenvolveu

    estudos de Matemtica a ponto de criar uma faculdade especfica para seu ensino.

    Outros estados como Rio de Janeiro, So Paulo, Pernambuco, Maranho e Par

    tambm ofereciam ensino superior nos colgios jesutas.

    Diante disso, informa Cunha (1986) que o certo que esses colgios

    cumpriam as funes de formar padres para atividade missionria, formar quadros

    para o Estado e ilustrar as classes dominantes locais. Fica evidente que as primeiras

    atividades que marcam a insero de ensino superior no Brasil Colnia resumem-

    se, em um primeiro momento, a cursos de Filosofia e Teologia e, mais tarde, a

    cursos profissionalizantes. Alguns desses cursos conferiam grau de bacharelado e,

    a quem pretendesse exercer o magistrio, de licenciatura. Quanto aos aspectos

    fsicos, os locais onde esses cursos eram ministrados variavam desde colgios e

    escolas at conventos, hospitais, quartis e/ou academias militares.

  • 42

    Os estudos superiores [...], inspirados nas ideias dos educadores renascentistas, eram concebidos como um ensino em humanidades, sendo destinados formao das elites, visando ao poder.

    [...] com forte seletividade para o ingresso e uma pedagogia baseada na ctedra do professor. A moral e os bons costumes so impresses dessa pedagogia, sem revelar os interesses ideolgicos ocultos para fins de dominao, por via da obedincia. [...] outra marca desta pedagogia jesuta era a disciplina rgida, inclusive com aplicao de severos castigos. (MILANESI, 1998, p. 52)

    Todo o sistema educacional implantado pela Companhia de Jesus, no Brasil,

    por meio do Ratio Studiorum, durou mais de dois sculos. Milanesi (1998 apud

    CUNHA, 1986) esclarece ainda que esses estudos eram divididos em estudos

    menores e superiores. Os menores tinham a finalidade de desenvolver estudo das

    primeiras letras e eram dirigidos a ndios e colonos: os estudos superiores tinham

    como objetivo a formao de novos padres e da elite colonial.

    Nesse perodo colonial, padres jesutas so considerados os primeiros

    ensinantes que chegaram ao Brasil, pagos pelo Estado portugus, para catequizar

    os ndios. Esses sacerdotes tinham a misso de divulgar a palavra divina e formar

    novos pregadores para as tarefas pastorais. Segundo Vieira e Gomide (2008, p.

    3.397),

    Os primeiros professores brasileiros receberiam uma formao baseada nos clssicos antigos, voltada a padres da sociedade europia crist que privilegiavam a retrica com a eloqncia ciceroniana como marca na formao de representantes da Companhia de Jesus.

    Alm de seguirem o mesmo plano pedaggico que a Companhia de Jesus

    desenvolvia na Europa, os jesutas no Brasil reproduziam os rituais dos seminrios

    europeus, o que se mostrava totalmente inadequado devido s caractersticas da

    colnia, carente de educadores preocupados com o desenvolvimento das

    habilidades dos indgenas e a compreenso de seu papel na nova sociedade que

    surgia.. (VIEIRA; GOMIDE, 2008, p. 3.837)

    Nesse perodo, os cursos funcionavam em algumas capitanias e com cursos

    determinados, tal como demonstrado no Quadro 1.

  • 43

    Quadro 1 Cursos de nvel superior realizados no Brasil no perodo colonial

    Local Colgios Jesutas/Incio do ensino superior Cursos Bahia Primeiro colgio jesuta (1572), fundado no Brasil e

    que servia de modelo para os demais Humanidades, Artes e Teologia

    Maranho So Luiz (1688) Teologia e Artes

    Minas Gerais Mariana (1753). ltimo colgio antes da expulso dos jesutas

    Filosofia

    Par Belm (1695) Artes e Filosofia

    Pernambuco Olinda (1678) e Recife (1721) Filosofia

    Rio de Janeiro

    Fundado em 1638, atingiu porte superior aos demais.

    Filosofia

    So Paulo So Paulo de Piratininga (1708) e Santos (1708) Teologia e Filosofia

    Fonte: Elaborado pela autora.5

    No Brasil colonial, cursos do ensino superior como artes e teologia conferiam

    o grau de bacharel, licenciado ou doutor, respectivamente. O curso de artes era

    propedutico aos cursos profissionalizantes da Universidade de Coimbra (medicina,

    cnones e direito) e durava em torno de trs anos; foi aberto para atender a

    solicitaes daqueles que no queriam a carreira eclesistica. O curso de teologia

    durava quatro anos e seu currculo tinha como contedo a teologia moral (tica

    relativa s prticas cotidianas) e teologia especulativa (estudo do dogma catlico).

    Esse modelo de educao funcionou no Brasil at 1759, quando o Ministro

    do Rei de Portugal, Marqus de Pombal, fechou os colgios e expulsou os jesutas

    de Portugal e de suas colnias. Ao tomar essa deciso de fechar os colgios, diz

    Cunha (1986), o Marqus no estava preocupado em formar quadros para a Igreja

    Catlica, e sim em preparar as elites para o progresso financeiro de Portugal e de

    seu maior aliado daquele momento, a Inglaterra. Diferentemente do perodo colonial,

    todo referenciado pelos catlicos por meio de seus colgios e pedagogias jesuticas,

    o perodo do Imprio, deu lugar a uma nova pedagogia que transformou currculos,

    mtodos de ensino e estrutura escolar, introduzindo a secularizao e marcando a

    interveno pioneira do Estado portugus.

    Marcado pela influncia do Iluminismo e pela Reforma Protestante, esse

    segundo perodo da historiografia da educao apresentava-se como novo porque

    as ideias iluministas, retomando ideais renascentistas, criaram espao para que

    surgissem doutrinas democrticas, alm de sedimentar as transformaes iniciadas

    pela Reforma Protestante, que organizava a luta burguesa contra a aristocracia

    feudal.

    5 Baseado em Cunha (1986); Vieira e Gomide (2008, p. 3.837).

  • 44

    O ensino, sob regncia do Marqus de Pombal, conhecida tambm como

    poltica educacional pombalina, deu-se por aulas rgias, com a criao de diversas

    Aulas e Cadeiras. Conforme ilustra Cunha (1986, p. 55), foram criadas [...] aulas de

    grego, hebraico, filosofia, teologia, retrica e potica, desenho e figura, aritmtica,

    geometria, francs, quase todas independentes, funcionando em locais distintos..

    No ensino superior, a poltica educacional pombalina introduziu o sistema de

    matrias isoladas e criou novos cursos superiores que passaram a funcionar nos

    prdios antigos dos colgios dos jesutas no Rio de Janeiro e em Pernambuco.

    Quanto seleo de professores para as Aulas Rgias, Vieira e Gomide (2008)

    dizem que, a partir de 1789, ela se fazia por concursos, motivado sempre por

    aposentadorias, novas disciplinas, mortes, sendo que qualquer diploma ou

    comprovante de habilitao eram documentos suficientes para o cargo pretendido.

    As reformas pombalinas inovaram tambm quando construram um sistema

    estatal de ensino, criando um primeiro quadro de professores recrutados e pagos

    pelo Estado. Recife foi a primeira cidade que realizou concursos de professores

    pblicos, em 20 de maro de 1760. Esse concurso inovou porque passou de uma

    seleo discricionria, realizada no interior das congregaes religiosas

    introduzindo-se uma visibilidade fundamentada em provas escritas e orais

    codificadas.. (VIEIRA; GOMIDE, 2008, p. 3.838)

    Outra mudana relacionada carreira de professor a elevao de status,

    que nessa poca considerado nobre, passando da condio de plebeu de

    pessoa honrada, conforme o alvar de 1759; por outro lado, dizem Vieira e Gomide

    (2008, p. 3.839):

    O professor deveria instalar a escola em sua prpria casa, adquirindo o material necessrio para as aulas e arcando com todas as despesas. Sua avaliao de desempenho estava adstrita somente sua conduta pessoal, atestada pelo proco, pelo chefe de polcia e pelos pais de alunos.

    Essa poltica no vingou, pois o governo, ao instituir um imposto para

    financiar esse modelo educacional de conhecimento como o subsdio literrio, no

    organizou a mquina estatal para tal feito e deixou de arrecadar dinheiro suficiente

    para pagar os professores. Esse imposto institudo em 1772, e que visava o

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    financiamento das reformas no campo educao, perdeu sentido tambm pelo

    carter no obrigatrio, segundo afirmam alguns autores. (VIEIRA; GOMIDE, 2008,

    p. 3.839)

    Nessa reforma pombalina, os princpios pedaggicos estavam organizados

    em estudos menores, distribudos nas seguintes disciplinas, o grego, o