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Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 96 MEMÓRIA, CRENÇAS, EXPERIÊNCIAS E ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM DE VOCABULÁRIO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA (INGLÊS) POR ADULTOS LONGEVOS Mariney Pereira CONCEIÇÃO UnB Universidade de Brasília Mailce Borges MOTA UFSC Universidade Federal de Santa Catarina RESUMO Este estudo de natureza qualitativa investiga a cognição de adultos longevos, revelando importantes relações entre a memória, experiências, crenças e estratégias de aprendizagem utilizadas por alunos da Terceira Idade para lidar com a tarefa de aprender vocabulário em língua estrangeira (inglês). Palavras-chave: cognição de adultos longevos; crenças; estratégias de aprendizagem. ABSTRACT This qualitative study investigates the cognition of elderly students, revealing significant relationships between memory, experiences, beliefs and learning strategies used to handle the task of learning vocabulary in a foreign language (English). Key-words: elderly citizens; beliefs; language learning strategies. Introdução

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Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 96

MEMÓRIA, CRENÇAS, EXPERIÊNCIAS E ESTRATÉGIAS DE

APRENDIZAGEM DE VOCABULÁRIO EM LÍNGUA

ESTRANGEIRA (INGLÊS) POR ADULTOS LONGEVOS

Mariney Pereira CONCEIÇÃO

UnB – Universidade de Brasília

Mailce Borges MOTA

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO

Este estudo de natureza qualitativa investiga a cognição de adultos longevos,

revelando importantes relações entre a memória, experiências, crenças e estratégias

de aprendizagem utilizadas por alunos da Terceira Idade para lidar com a tarefa de

aprender vocabulário em língua estrangeira (inglês).

Palavras-chave: cognição de adultos longevos; crenças; estratégias de

aprendizagem.

ABSTRACT

This qualitative study investigates the cognition of elderly students, revealing

significant relationships between memory, experiences, beliefs and learning

strategies used to handle the task of learning vocabulary in a foreign language

(English).

Key-words: elderly citizens; beliefs; language learning strategies.

Introdução

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 97

Nos últimos anos, alguns estudiosos (CARTER, 1998; SCHMITT,

2000) têm procurado analisar a aprendizagem de vocabulário de forma mais

abrangente, buscando investigar, através de uma perspectiva integrada de

pesquisa, aspectos cognitivos e afetivos que poderiam influenciar a

aprendizagem de itens lexicais, dentre os quais a motivação, estilos

individuais de aprendizagem e as estratégias utilizadas pelos alunos. Dentre

essas estratégias, a consulta ao dicionário tem sido especialmente apontada

como uma estratégia eficaz no que se refere à aprendizagem de vocabulário

(HULSTIJN, HOLLANDER & GREIDANUS, 1996).

Os estudos na área de aprendizagem de vocabulário através do

dicionário (BENSOUSSAN, SIM, & WEISS, 1984), entretanto, têm se

limitado a investigar o produto, a retenção de itens lexicais na memória,

deixando de considerar o processo na aprendizagem. Além disso, uma outra

deficiência em relação a essas pesquisas residiria no fato de que a grande

maioria dos estudos na área apontam os benefícios da utilização do

dicionário para a retenção de palavras na memória de curto prazo, gerando

uma lacuna no que se refere às contribuições do uso dessa estratégia para a

retenção por um período maior de tempo.

Neste estudo, propomos uma discussão acerca da importância do

vocabulário na aprendizagem de língua estrangeira (LE). Numa perspectiva

abrangente de investigação desse importante aspecto na aprendizagem de

uma língua, abordamos questões como o papel da memória na aprendizagem

de vocabulário, crenças e experiências de aprendizagem de vocabulário e

estratégias utilizadas para a aprendizagem de itens lexicais. Um aspecto de

grande relevância, entretanto, torna a discussão a respeito do vocabulário

aqui proposta especial: o contexto das reflexões apresentadas envolvem a

aprendizagem de vocabulário por adultos longevos.

Segundo Schmitt (2000), o processo de aprendizagem de

vocabulário no processo de aprendizagem de LE é ainda uma espécie de

mistério. No entanto, segundo o autor, uma coisa a respeito da qual

podemos estar certos é que as palavras não são instantaneamente adquiridas,

pelo menos não por adultos aprendendo uma segunda língua.

Conforme dados da United Nations Statistics Division1, o número de

pessoas com idade acima de sessenta anos no mundo passará de 590 milhões

no ano 2000, para 1.100 milhões no ano 2025. Esses dados apontam para a

necessidade cada vez mais urgente do estabelecimento de bases sociais que

se adaptem a este novo perfil demográfico mundial. A Organização das

Nações Unidas, através do International Plan of Action on Ageing2,

conclama os países ao desenvolvimento de ações no sentido de educar e

1 Cf. página oficial da Organização das Nações Unidas na Internet, url : www.un.org

2 Resolução 47/05 da Assembléia Geral das Nações Unidas, 1999, url : www.un.org

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informar o público, desmistificando o estereótipos da velhice e promovendo

a participação ativa das pessoas de mais idade na sociedade. O plano

recomenda, entre diversas medidas a serem tomadas frente a esta nova

realidade mundial, o estabelecimento de políticas e programas educacionais

de cooperação internacional que incentivem o desenvolvimento de

pesquisas na área.

Apresentamos, neste artigo, os resultados de uma investigação

acerca da cognição de adultos longevos, envolvendo aspectos como

memória, experiências, crenças e estratégias de aprendizagem de

vocabulário em LE (inglês). O estudo, que se circunscreve em uma

perspectiva integrada de investigação da aprendizagem de vocabulário que

leva em consideração os aspectos cognitivos e sociais na aprendizagem.

Compreendendo a aprendizagem como um processo social, que ocorre

dentro de um contexto social (WILLIAMS & BURDEN, 1999), propomos,

neste trabalho, uma investigação da aprendizagem de vocabulário por

adultos longevos, na qual as experiências de aprendizagem de LE dos

participantes, suas crenças a respeito do papel da memória e as estratégias

para a aprendizagem de vocabulário são consideradas. Os seguintes

objetivos foram estabelecidos neste estudo: 1)levantar relatos das

experiências de aprendizagem de LE (inglês) de adultos longevos;

2)identificar as crenças de aprendizagem dos alunos nessa faixa etária;

3)investigar as estratégias de aprendizagem por eles utilizadas na

aprendizagem de vocabulário;4)analisar a retenção de itens lexicais na

memória dos participantes.

Este artigo está organizado em quatro seções. Na seção inicial,

apresentamos a fundamentação do estudo, discorrendo acerca do papel da

memória, experiências, crenças e estratégias na aprendizagem de

vocabulário em LE. Discutimos, também, nessa seção, questões

relacionadas à aprendizagem de adultos longevos. Nas seções seguintes,

apresentamos a metodologia da pesquisa, a discussão e análise dos dados, e,

finalmente, as conclusões do estudo.

Fundamentação Teórica

Para Nation (1990), o vocabulário de uma língua diz respeito

às palavras daquela língua. Alguns autores, entretanto, fazem diferença entre

léxico e vocabulário, entendendo léxico como o conjunto das palavras de

uma língua e vocabulário como uma parte do léxico que representaria uma

área de conhecimento (LEFFA, 2000). Várias questões dificultam essa

definição, como, por exemplo, as várias nuances de significado que uma

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palavra pode possuir ou a fusão de duas ou mais palavras para expressar um

único significado (DUBOIS et al, 1993). Neste trabalho, consideramos

palavra como uma unidade de língua independente, que possui significado

(NATION, 1990). Os termos item lexical e palavra são usados com o mesmo

sentido, já que, de acordo com Lewis (1993), um item lexical é definido

como uma palavra – uma unidade independente, utilizada como uma unidade

mínima para determinados propósitos sintáticos – ou, como define Nation

(op. Cit.), qualquer item que funcione como uma unidade no vocabulário de

uma língua. Nessa mesma perspectiva, léxico e vocabulário são utilizados

aqui com o mesmo sentido, referindo-se ao conjunto de palavras de uma

língua.

Segundo Zimmerman (1997:17), o ensino e a aprendizagem de

vocabulário têm sido desvalorizados na área de aquisição de segunda língua.

Nas palavras do autor,

Até recentemente [...] pouca ênfase tem sido conferida à

aquisição de vocabulário; apesar de o léxico constituir

um aspecto central na aquisição e uso de uma língua, o

ensino de vocabulário não tem constituído uma

prioridade na pesquisa em aquisição de segunda língua3.

A partir da década de 70, no entanto, um interesse crescente pelo

léxico passa a delinear importantes mudanças teóricas e práticas em se

tratando do ensino e aprendizagem de vocabulário (CARTER, 1998). A

importância do vocabulário no processo de aquisição de uma língua torna-se

consenso entre os pesquisadores de SLA (HUCKIN & COADY, 1999;

SCHMITT, 1999, 2000) e o vocabulário, antes negligenciado, é hoje visto

como um aspecto central na pesquisa em aquisição de segunda língua.

No Brasil, vários autores têm também se dedicado ao tema,

abordando questões como o papel do léxico na compreensão em leitura em

LE (SCARAMUCCI, 1995b), aspectos externos e internos da aquisição

lexical (LEFFA, 2000), o papel do dicionário na aprendizagem de línguas

(COURA SOBRINHO, 2000), entre outros. Segundo Leffa (op. cit.), por

exemplo, os recursos da informática, cada vez mais presentes no ensino de

3 “Until recently, however, there has been little emphasis placed on the acquisition

of vocabulary; although the lexicon is arguably central to language acquisition and

use, vocabulary instruction has not been a priority in second language acquisition

research or methodology.”

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línguas, transformaram o vocabulário em um dos aspectos mais importantes

na aprendizagem de LE, revertendo a hierarquia dos componentes

linguísticos na aprendizagem e subordinando aspectos como a sintaxe, a

fonologia, a morfologia e a pragmática ao léxico.

Pesquisas na área de ensino-aprendizagem de LE têm hoje apontado

o aprendiz como sujeito ativo no processo de aprender, tornando imperativa

a investigação dos processos cognitivos, psicológicos, afetivos e sociais que

envolvem o processo de aprendizagem (EHRMAN, 1996; RILEY, 1997).

Segundo O’Malley e Chamot (1990:01), as estratégias de aprendizagem

seriam processos cognitivos complexos ou “maneiras especiais de processar

a informação que otimizam a compreensão, aprendizagem ou retenção

da informação”4. Oxford (1990:08) define estratégias de aprendizagem

como “ações específicas do aprendiz para tornar a aprendizagem mais fácil,

mais rápida, mais prazerosa, mais auto-direcionada, mais efetiva e mais

facilmente aplicável a situações novas”5.

Aprendizes que gerenciam a maneira como aprendem vocabulário,

assumindo a responsabilidade pela sua aprendizagem, apresentam melhores

resultados na aprendizagem de novos itens lexicais (SANAOUI, 1995).

Alguns autores se dedicaram a identificar as estratégias utilizadas pelos

alunos na compreensão e retenção do vocabulário em LE (SANAOUI, op.

cit.; SCHMITT, 1997). Oxford (1990) descreve várias estratégias que

ajudam a consolidar forma e significado na memória. Essas estratégias

dividem-se em quatro categorias: criação de elos mentais, aplicação de

imagens e sons, revisão e emprego de ação. Muitas das estratégias nessas

categorias relacionam-se ou podem ser aplicadas ao vocabulário. O’Malley

& Chamot (1990) também identificaram estratégias para a aprendizagem de

vocabulário como memorizar listas de palavras, aprender as palavras em

contexto, repetir, utilizar imagens mentais, utilizar o dicionário e revisar

palavras aprendidas.

Em um estudo voltado especificamente para as estratégias utilizadas

na aprendizagem de vocabulário em LE, Schmitt (1997) constatou, através

de um levantamento junto a 687 alunos de diversas nacionalidades, que,

entre um total de 49 estratégias apontadas, a consulta ao dicionário bilíngue

ficou em primeiro lugar, sendo apontada por 93,0% dos alunos. O dicionário

monolíngue foi também apontado por 73,0% dos alunos. A estratégia de

inferência na aprendizagem de vocabulário em LE tem recebido também a

4 “[...]special ways of processing information that enhance comprehension, learning,

or retention of the information.” 5“[ ...]specific actions taken by the learner to make learning easier, faster, more

enjoyable, more self directed, more effective, and more transferrable to new

situations.”

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atenção de alguns autores (GRACE, 1998; NATION & COADY, 1988).

Segundo Nation & Coady (op. cit.), essa estratégia envolveria o uso de

conhecimento e experiência anterior para chegar a conclusões a respeito do

significado da palavra, seguindo alguns passos que incluiriam: identificar a

palavra desconhecida, utilizar o contexto, dividir a palavra em partes e

checar o significado da palavra no dicionário (NATION & COADY, 1988).

Grace (op. cit.) ressalta a importância da estratégia de inferência, destacando

que o processo de elaboração envolvido no uso da estratégia contribui para a

retenção das palavras. Conforme a autora, “A inferência do significado das

palavras leva a uma maior retenção e parece requerer um processamento

mais elaborado” (GRACE, 1998:535)6. A autora reitera, entretanto, que, para

que haja uma maior retenção através do uso da estratégia de inferência, seria

necessário que o aprendiz checasse o significado da palavra inferida,

combinando as duas estratégias, inferência e consulta ao dicionário.

Meireles (2003) investigou as estratégias utilizadas na aprendizagem

de vocabulário entre alunos do ensino médio e superior no Brasil. O autor

observou, em seu estudo, que as estratégias mais utilizadas eram tomar nota

e repetir as palavras. Ainda, entre as estratégias mais utilizadas, destacou-se

o uso do dicionário bilíngue, com uma média de 96,0% de uso entre alunos

do ensino médio e superior. De fato, o uso da estratégia de consulta ao

dicionário tem sido apontada por vários autores (GONZALEZ, 1999;

KNIGHT, 1994) como uma importante estratégia para a aprendizagem de

vocabulário.

Segundo Riley (1997), o processo de seleção e uso de estratégias

seria influenciado pelas crenças de aprendizagem de línguas. É importante

salientar, entretanto, que o uso de estratégias poderia, também, determinar a

formação de determinadas crenças (BARCELOS, 2000). Alguns autores

(BARCELOS, 2001) ressaltam, inclusive, que as crenças não apenas

influenciam as ações, mas as reflexões dos aprendizes em relação às suas

experiências podem mudar e criar outras crenças.

Barcelos (2000) apresenta um resumo dos diferentes termos e

definições de crenças por diversos estudiosos da área de aprendizagem de

LE, sendo estas compreendidas, por exemplo, como (a) crenças a respeito da

maneira como a língua funciona e como é aprendida (ABRAHAM &

VANN, 1987), (b) ideias que os alunos têm a respeito da língua e da

aprendizagem de línguas (MILLER & GINSBERG, 1995) ou (c) um

conjunto de representações, crenças e valores relacionados à aprendizagem

que influenciam diretamente o comportamento dos alunos (RILEY, op. Cit.).

Destacando que as crenças de aprendizes de línguas devem ser

compreendidas dentro do contexto em que estão inseridas, Barcelos (2000)

6“Inferred word meanings lead to greater retention and seem to require deeper processing.”

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lembra que quaisquer investigações a respeito das crenças devem envolver

as experiências dos aprendizes, suas interpretações dessas experiências, o

contexto social e a maneira como os aprendizes utilizam suas crenças nas

situações de aprendizagem. Miccoli (1997) utiliza o termo experiência para

se referir a todas as experiências possíveis pelas quais o aprendiz passa no

processo de aprender uma língua estrangeira. A autora classifica as

experiências de aprendizagem em experiências diretas, que se referem às

experiências vividas em sala de aula e indiretas, relativas às experiências

externas à sala de aula, incluindo as experiências que os alunos tiveram no

passado.

A aprendizagem de língua estrangeira por adultos longevos

Segundo Ellis (1994), a idade figura entre as variáveis mais

discutidas em se tratando das diferenças individuais na aquisição de uma LE.

Conforme destaca o autor, tais discussões concentram-se na forma como a

idade influenciaria o sucesso e o ritmo na aquisição de línguas. Stern (1991:

301) também coloca a questão da idade em relação à aprendizagem de

línguas como um dos assuntos mais discutidos na teoria de ensino de

línguas. Na verdade, estudos na área demonstram, não a superioridade da

criança, mas sim diferenças de ritmo e formas de aprendizagem entre adultos

e crianças (SNOW & HOEFNAGEL-HOLE, 1978; STERN, 1991). O

problema é que tais estudos, muitas vezes, apresentam um caráter empírico e

reforçam a necessidade da realização de pesquisas no que se refere à

construção do processo de aprendizagem de uma língua estrangeira por

adultos e crianças mais especificamente.

Em um estudo de caso de natureza qualitativo-interpretativista,

Oliveira (2011) investigou as crenças e experiências de aprendizagem de

língua estrangeira (inglês) de aprendizes da terceira idade no contexto de um

programa de Educação de Jovens e Adultos de uma escola pública do

interior do estado de Goiás. Para a coleta de dados, o autor utilizou um

questionário, narrativas orais, narrativas visuais, observação de aulas com

registro de notas de campo, diários do pesquisador e entrevistas

semiestruturadas. Os resultados apontaram que existe uma inter-relação entre

experiências e crenças formadas ao longo dos anos de vida escolar dos

participantes. Destacam-se, ainda, atitudes passivas diante da aprendizagem,

por parte dos alunos, segundo o autor, ancoradas em experiências de

aprendizagem com métodos tradicionais de ensino.

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Neste estudo, os termos adulto da terceira idade e adulto longevo

serão usados de forma intercambiável ao nos referirmos a pessoas com idade

acima de 60 anos de idade, conforme a Organização Mundial de Saúde.

Metodologia da pesquisa

Neste estudo, as abordagens qualitativa e quantitativa foram

utilizadas, não como conceitos dicotômicos, mas complementares

(SCARAMUCCI, 1995). A pesquisa qualitativa, segundo Larsen-Freeman &

Long (1991), caracteriza-se por uma preocupação com o comportamento

humano, a partir da referência do próprio indivíduo, através da utilização de

questionários e entrevistas orais. Esse tipo de pesquisa, conhecida como

naturalista ou interpretativa, considera a aquisição não como um fenômeno

isolado, mas inserido nos contextos socioculturais em que ela ocorre

(DAVIS, 1995).

O cenário de realização e coleta de dados para a pesquisa foi um

curso de língua inglesa oferecido por um programa permanente de extensão

de um departamento de Letras de uma universidade federal do Distrito

Federal. O Programa oferece cursos abertos de línguas destinados à

formação continuada para alunos de diferentes áreas de conhecimento da

comunidade universitária e da região do Distrito Federal, atendendo a uma

demanda em torno de 14.000 alunos. O curso de inglês destinado ao público

da terceira idade é destinado a pessoas com idade mínima de 60 anos que

possuam pouco ou nenhum domínio da língua. Esse núcleo permite a

matrícula de alunos que possuam mais de 55 anos, caso solicitem matrícula.

Os conteúdos programáticos são os mesmos dos cursos sequenciais

regulares, diferenciando-se apenas em relação ao público atendido. O curso

de inglês é composto de quinze módulos (níveis), assim distribuídos:

Iniciante 1 e 2, Básico 1, 2 e 3, Pré-Intermediário 1, 2 e 3, Intermediário 1, 2

e 3, Avançado 1, 2 e 3 e Conversação. Cada módulo (ou nível) compreende

45 horas-aula. Os participantes do estudo foram 05 adultos com idade média

de 60 anos, alunos do Curso de Língua Inglesa para a Terceira Idade da

Escola de Idiomas de uma universidade pública do Distrito Federal,

cursando o nível pré-intermediário. Os seguintes instrumentos de coleta de

dados foram utilizados na pesquisa: narrativa escrita, pré-teste de

vocabulário, tarefa de leitura em língua inglesa, questionário retrospectivo,

questionário escrito, inventário de depressão de Beck, questionário de

informações clínicas e teste de retenção. Descrevemos, na sequência, cada

um dos instrumentos utilizados.

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A Narrativa Escrita

Segundo Clandinin & Connelly (2000) e Johnson & Golombek

(2000), as narrativas têm sido amplamente utilizadas na pesquisa qualitativa,

como forma de acessar experiências de aprendizes e professores de línguas.

Nesse sentido, o ato de narrar contribuiria para a estruturação da experiência

humana, uma vez que pessoas organizam suas experiências e memórias

principalmente através da narrativa. Para Barcelos (2001), o uso da narrativa

possibilita a inferência das crenças através dos significados que o indivíduo

atribui às suas experiências. Na coleta, foi explicitado aos participantes,

oralmente e por escrito, que deveriam escrever um texto relatando sua

experiência de aprendizagem de língua inglesa. A Narrativa Escrita (NE) foi

o primeiro instrumento de coleta aplicado, pois desejávamos que a redação

fosse livre e os alunos se sentissem à vontade para relatar aspectos que

julgavam realmente importantes em sua história de aprendizagem, sem que

fossem induzidos por quaisquer outros procedimentos ou questões que

pudessem ser abordadas na aplicação dos demais instrumentos.

O pré-teste de vocabulário

Ainda na primeira semana da coleta de dados foi aplicado, no

horário normal da aula, um pré-teste de vocabulário. A aplicação do teste

teve o objetivo de verificar se os participantes conheciam itens lexicais

contidos em um texto em língua inglesa a ser utilizado em uma tarefa de

leitura que seria posteriormente aplicada como parte da coleta de dados.

Para o pré-teste, foram selecionados itens de frequência menor de ocorrência

na língua inglesa os quais poderiam, por ventura, ser consultados no

dicionário pelos alunos, para uma posterior verificação da retenção desses

itens lexicais na memória dos participantes após um período de três semanas.

A tarefa de leitura em língua inglesa

Na aula que se seguiu, foi aplicada uma tarefa de leitura (TL) em

língua inglesa. Solicitou-se aos alunos que lessem um texto de

aproximadamente 500 palavras em inglês e respondessem a questões de

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compreensão relativas ao texto. A tarefa foi aplicada pelas pesquisadoras e,

durante os momentos que antecederam a realização da tarefa, não foram

feitas quaisquer observações a respeito do uso de estratégias ou consulta de

itens lexicais desconhecidos no dicionário. Foi esclarecido aos participantes

que a tarefa não seria avaliada para fins de promoção ou aprovação no curso

e que os alunos poderiam trabalhar em seu próprio ritmo e que poderiam

utilizar o dicionário, caso desejassem. Não foi estabelecido um limite de

tempo para a realização da tarefa. Os participantes levaram, em média, 50

minutos para realizá-la. O texto utilizado na tarefa foi de nível de dificuldade

compatível com o nível de dificuldade dos textos a serem lidos nas aulas do

curso, contidos no livro didático adotado, sendo a adequação do texto

julgada em relação a uma aula regular do curso. O texto continha, em sua

maioria, palavras de alta frequência na língua inglesa, bem como algumas

palavras de uma frequência menor, cujo significado poderia ser inferido ou

consultado no dicionário pelos alunos. O assunto era de interesse ou

conhecimento geral, tendo sido evitado tópico que pudesse constituir motivo

de controvérsias como aqueles envolvendo política ou religião. O texto

utilizado foi “I survived nine days alone in plane of death”, do livro Life

Lines, da Editora Oxford, página 19.

O Relato Retrospectivo

Logo após a tarefa de leitura, os alunos realizaram um relato

retrospectivo (RR) por escrito, no qual deveriam procurar descrever a forma

como haviam realizado a tarefa de leitura, descrevendo sentimentos e

dificuldades encontradas e procurando descrever, ainda, o que haviam feito

ao se depararem com palavras desconhecidas no texto e se haviam utilizado

alguma estratégia para aprenderem palavras através da realização da tarefa.

O Questionário Retrospectivo

Após a redação do Relato Retrospectivo, foi solicitado aos alunos

que preenchessem um questionário por escrito (QR), incluindo questões

relacionadas à realização da tarefa de leitura. O alunos deveriam registrar os

procedimentos utilizados na leitura do texto, se haviam utilizado o dicionário

durante a tarefa de leitura, o tipo de dicionário utilizado, o processo de

utilização ou forma como haviam utilizado o dicionário e se teriam utilizado

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estratégias antes e após a consulta ao dicionário. O alunos deveriam, ainda,

apontar as palavras consultadas no dicionário bem como avaliar o seu

desempenho na realização da tarefa de leitura. Na tabulação dos resultados

do QR, as respostas foram agrupadas em categorias, tabulando-se o número

de alunos que as responderam ou o número de vezes que cada tipo de

resposta foi mencionada.

O Questionário Escrito

Na terceira semana da coleta, foi aplicado um questionário escrito

(QE), com o objetivo de levantar as experiências de aprendizagem dos

alunos e crenças em relação à aprendizagem de língua inglesa como um

todo e em relação ao vocabulário e uso de estratégias. Foram levantados,

ainda, através deste questionário, dados biográficos dos alunos, com o

objetivo de traçar um perfil dos participantes, o que julgávamos ser de

grande relevância, considerando-se o caráter da pesquisa a ser conduzida. O

questionário foi elaborado pelas pesquisadoras e incluiu questões abertas e

fechadas, sendo dividido em duas partes. A primeira parte do questionário

incluiu o levantamento de dados que permitissem uma caracterização

detalhada do perfil dos participantes, sua experiência anterior com a língua,

incluindo questões abertas a respeito da aprendizagem, para o mapeamento

das crenças. A segunda parte do questionário foi constituída de 11

afirmações envolvendo a aprendizagem da língua e estratégias para a

aprendizagem de vocabulário. Os alunos deveriam indicar seu grau de

concordância com as afirmações, utilizando uma escala do tipo Likert, como

descrito a seguir: 1 indicaria concordância plena, 2) concordância, 3)

neutralidade, 4) discordância e 5) discordância plena. É importante

destacarmos, aqui, que temos consciência das várias questões envolvidas na

coleta de dados sobre crenças por meio de questionários com escala Likert,

considerando-se, como tem destacado Barcelos (2000, 2001) que os

participantes podem ser induzidos em suas respostas ao se depararem com

assertivas pré-determinadas. Soma-se a essa crítica, ainda, o fato de que tal

tipo de instrumento não permita que o participante se expresse com

liberdade, anulando-se, de certa forma, o caráter êmico da pesquisa. No

entanto, é preciso ressaltar que esse foi apenas mais um dos instrumentos

utilizados para a triangulação dos dados. O estudo primou pela utilização de

diversos outros meios de coleta de dados, objetivando-se dar voz aos

participantes, como narrativas, questionários e relatos retrospectivos.

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O Inventário de Depressão de Beck e o Questinário de Informações

Clínicas

Como já dissemos, considerando-se a natureza qualitativa do estudo

e por se tratar de uma pesquisa envolvendo participantes de uma faixa etária

com idade mais avançada, ainda carente de estudos acerca do ensino e

aprendizagem de uma língua estrangeira, especialmente em se tratando de

um aspecto específico, a aprendizagem de vocabulário, julgamos que seria

essencial que se traçasse um perfil detalhado dos participantes. Dessa forma,

decidimos incluir, entre os instrumentos de coleta de dados, um inventário de

depressão. O inventário (ID), criado por Aaron Beck, consiste em um

questionário de autorrelato com 21 itens de múltipla escolha, constituindo-

se, atualmente, em um dos instrumentos mais utilizados para medir a

severidade de episódios depressivos. Na versão aplicada neste estudo, o

questionário é desenhado para pacientes acima de 13 anos de idade e é

composto de diversos itens relacionados aos sintomas depressivos como

desesperança, irritabilidade e cognições como culpa ou sentimentos de estar

sendo punido, assim como sintomas físicos como fadiga, perda de peso e

diminuição da libido. Neste inventário, para a avaliação do resultado, um

valor de 0 a 3 é determinado para cada resposta e o resultado final é

comparado a uma chave para determinar a severidade do quadro depressivo.

Os valores básicos são: 0-9 indicam que o indivíduo não está deprimido, 10-

18 indicam depressão leve a moderada, 19-29 indicam depressão moderada a

severa e 30-63 indicam depressão severa. Valores maiores indicam maior

severidade dos sintomas depressivos. Nesse mesmo sentido, em busca de um

maior detalhamento do perfil dos participantes envolvidos no estudo,

acrescentamos, ainda, à coleta dos dados, um questionário de avaliação

clínica (QAC), cujo objetivo foi mapear questões como a utilização de

medicamentos antidepressivos, situações médicas graves ou diagnóstico de

distúrbios. Os dois instrumentos foram aplicados no mesmo dia da aplicação

do QE.

O Teste de Retenção de Itens Lexicais

Foi elaborado um teste com o objetivo de verificar a retenção de

itens de vocabulário na memória dos participantes. O Teste de Retenção

(TR) foi aplicado após 03 (três) semanas decorridas da realização da tarefa,

procurando-se avaliar a retenção das palavras dentro de um período maior de

tempo. Com base em Read (2000), segundo o qual conhecer uma palavra

significa conhecer o seu valor semântico, e, como o objetivo do teste foi

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verificar não o uso, mas sim o reconhecimento dos itens lexicais dentro do

mesmo contexto em que estes apareceram no texto utilizado na tarefa de

leitura, foi feita uma opção por um tipo de teste em que foi solicitado aos

alunos que apontassem um sinônimo, tradução ou definição que pudesse

explicitar o significado dos itens de vocabulário. No teste, foram incluídos os

mesmos itens lexicais que os alunos apontaram haver consultado no

dicionário quando do preenchimento do QR. As palavras, como mencionado

anteriormente, estavam contidas no texto da tarefa de leitura e constituem

palavras de menor frequência na língua inglesa. Os alunos consultaram um

total de 22 palavras no dicionário, tendo sido as 12 palavras apontadas com

maior frequência sido selecionadas para o TR. Os participantes deveriam

demonstrar seu nível de conhecimento das palavras circulando as opções de

1 a 4, sendo 1) não me lembro de ter visto esta palavra antes, 2) já vi esta

palavra antes mas não sei o que ela significa, 3) já vi esta palavra antes e

acho que ela significa __________ e 4) eu conheço esta palavra e ela

significa _______________. Para os itens 3 e 4 os participantes deveriam

apresentar um sinônimo, definição ou tradução do item lexical.

A Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada no período de um semestre de curso,

durante o primeiro semestre de 2012. Foi aplicado, inicialmente, a NE, e, na

sequência, o pré-teste de vocabulário. Na semana seguinte à aplicação do

pré-teste de vocabulário, foi aplicada a tarefa de leitura em língua inglesa.

Imediatamente após a realização da tarefa, os alunos redigiram o RR e

responderam ao QR, registrando dados relacionados à realização da tarefa

de leitura. Na sequência, foi aplicado o QE, por meio do qual foram

levantados dados biográficos dos participantes, suas experiências, assim

como crenças e dados envolvendo o uso de estratégias de aprendizagem. Na

sequência, foram aplicados o Questionário de Depressão de Beck e o

Questionário de Avaliação Clínica. Os instrumentos de coleta foram

aplicados no horário das aulas, inseridos dentro das atividades normais do

curso. Foi aplicado, ainda, , um teste de retenção, com o objetivo de verificar

a aprendizagem dos itens de vocabulário consultados no dicionário pelos

participantes. O teste foi aplicado após três semanas da realização da tarefa

de leitura , uma vez que os estudos relacionados à aprendizagem de

vocabulário em LE apresentam uma lacuna no que se refere à investigação

da retenção de itens consultados na memória a longo prazo, priorizando a

aplicação de testes de retenção imediatamente após a leitura do texto.

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 109

Procedimentos para a análise dos dados

A tarefa inicial de análise em uma pesquisa qualitativa foi a

organização, classificação e codificação dos dados. Essa categorização dos

dados ocorreu a partir da classificação dos dados selecionados, delineando-

se unidades-base de análise. Os pesquisadores privilegiaram os itens que

contemplavam o referencial base da pesquisa. As narrativas foram analisadas

qualitativamente, buscando-se investigar as experiências, crenças e

estratégias utilizadas pelos participantes. Os dados foram catalogados,

inferindo-se as crenças dos alunos a partir de suas afirmações. As categorias

levantadas a partir das narrativas e questões abertas nos questionários foram

agrupadas e revistas, sendo a literatura a respeito do assunto observada, com

o intuito de focalizar a análise, identificando-se e catalogando-se as

experiências, as crenças e as estratégias utilizadas pelos alunos. Os

resultados do TR foram tabulados quantitativamente, buscando-se verificar a

retenção dos itens lexicais na memória dos aprendizes após consulta ao

dicionário, considerando-se o prazo de três semanas. O TR foi corrigido,

atribuindo-se um ponto para cada reposta correta, verificando-se a retenção

dos itens consultados no dicionário, procurando-se estabelecer uma relação

entre o uso da estratégia de consulta ao dicionário e a retenção desses itens.

Discussão e análise dos dados

Nesta seção, apresentamos os resultados do estudo. Iniciamos com o

detalhamento do perfil dos participantes da pesquisa. Os cinco participantes

deste estudo são brasileiros, sendo 04 do sexo feminino e 01 do sexo

masculino, todos aposentados. Com exceção de um dos participantes que é

divorciado, todos os demais são casados, tendo todos já viajado ao exterior e

realizado no mínimo 02 anos de curso de inglês em outros cursos de idiomas

anteriormente. Todos possuem nível superior, sendo um mestre. Os alunos

relataram dedicar, em média, três horas à aprendizagem da língua, em

atividades fora da sala de aula.

Resultados do Inventário de Depressão de Beck e do Questionário de

Avaliação Clínica

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 110

Os resultados apontaram uma média de 8,0 pontos no Inventário de

Depressão de Beck, demonstrando que os participantes do estudo não

apresentam um quadro depressivo. Como mencionado anteriormente, para a

avaliação do resultado, um valor de 0 a 3 foi determinado para cada resposta

dos participantes ao inventário e o resultado final foi comparado a uma

chave para determinar a severidade de possíveis quadros depressivos. Os

valores encontrados, dentro da escala de 0-9 indicam que os indivíduos não

estão deprimidos. De fato, como destacaram no Questionário de Avaliação

Clínica, os participantes não estão tomando medicamento para depressão.

Ainda conforme os dados registrados no QAC, nenhum dos participantes do

estudo foi diagnosticado como portador de algum distúrbio ou situação

médica grave ou passou por cirurgia no cérebro, terapia eletroconvulsiva ou

qualquer tipo de procedimento cerebral invasivo. Nenhum dos participantes

relatou estar tomando medicamento para depressão.

As experiências de aprendizagem

Segundo Míccoli (2007), uma análise da experiência de

aprendizagem dos alunos permite uma compreensão mais clara dos eventos

no complexo processo de aprender uma língua estrangeira. Para a autora, a

aprendizagem de uma língua deve ser compreendida como uma construção e

interpretação das experiências de aprendizagem. A autora ressalta, ainda,

que, conhecendo as experiências de aprendizagem de seus alunos, o

professor pode desenvolver uma compreensão das questões com as quais

estes se defrontam na aprendizagem, podendo assim, adaptar o ensino

conforme as necessidades de seus alunos.

Os dados coletados neste estudo demonstraram que a experiência de

aprendizagem de língua inglesa dos participantes teve início nos tempos do

colégio, como destacam os excertos a seguir, retirados das NEs.

[1]“Comecei a estudar no antigo ginásio. Nesse período eu

não gostava de estudar a língua.” Anne-NE

[2]“ Naquela época, era difícil para mim lidar com a

obrigatoriedade da matéria” Nina-NE

[3]“Comecei a estudar a língua como a grande maioria,

ainda na época do colégio.” Melvio-NE

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 111

[4]“A língua inglesa nem sempre me traz boas recordações;

quando me lembro tenho calafrios!” Lucy-NE

Como se pode observar, os excertos parecem sugerir um certo

desconforto com a experiência de aprendizagem da língua. Há referências à

obrigatoriedade do estudo e a recordações ruins em relação à experiência. A

análise dos dados permitiu uma caracterização dessas experiências anteriores

de aprendizagem, revelando as principais atividades realizadas em sala de

aula à época, como demonstramos no quadro a seguir:

Quadro 1 – Atividades em Sala de Aula na Experiência Anterior Atividades Número de menções

Exercícios gramaticais 5

Memorização de listas de palavras 2

Interpretação de textos 2

Tradução de textos 1

Repetição de frases 1

A partir do quadro, podemos observar que as atividades relatadas

com maior frequência pelos alunos coincidem com uma prática de ensino

tradicional, possivelmente ligada ao Método Gramática e Tradução, vigente

nos tempos em que os participantes do estudo frequentaram o colégio.

Destacam-se, assim, atividades como exercícios gramaticais, memorização

de listas de palavras, interpretação e tradução de textos. Em suas narrativas,

os participantes destacaram, ainda, que, depois de anos dedicados ao

trabalho e à criação de filhos, voltaram a estudar a língua após a

aposentadoria, e, em especial, devido às viagens ao exterior, as quais se

tornaram então possíveis, segundo eles, nesse momento de suas vidas.

[5]“Desde o ano passado, então com 61 anos e aposentada,

retornei o estudo e estou empenhada em aprender,

principalmente para viajar.” Nina-NE

[6]“Agora, após minha aposentadoria, resolvi recomeçar.”

Melvio-NE

[7]“Após me aposentar, comecei a assistir mais TV a cabo

e, sem perceber, meu listening foi melhorando.” Lucy-NE

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 112

Em relação à aprendizagem da língua e às viagens para o exterior,

alguns dos alunos destacaram:

[8]“Viajei para o exterior e verifiquei a necessidade de

conhecer mais a língua inglesa para ter mais habilidade e

comunicação, além de mais liberdade para usufruir os

lugares visitados” Nina-NE

[9]“Eu quero viajar por todo o mundo e tenho visto que a

língua inglesa é essencial.” Anne-NE

Pudemos observar, ainda, um caso em que a interação com a família

constituiu-se na grande motivação para o retorno ao estudo da língua:

[10]“Um dia, uma de minhas filhas me disse que ela e o

namorado dinamarquês passariam as festas de fim de ano

conosco no Brasil. Voltei a procurar novamente por um

curso de inglês com o objetivo de falar e entender muito bem

e “a jato” [sic] afim de estabelecer um bom diálogo com

meu futuro genro.” Lucy-NE

Conceição (1999) registra também em seu estudo, o mesmo desejo

dos alunos de buscar contato social por meio da aprendizagem da língua.

Segundo a autora, isolados dentro do próprio ambiente familiar, os alunos

procuravam se aproximar de outras pessoas. A família, os filhos e os netos,

especialmente, pareciam ocupar um lugar de muita importância afetiva para

os idosos. Justamente com estas pessoas que lhes eram caras é que os

participantes da pesquisa, como demonstra a autora, procuravam encontrar,

através da língua inglesa, uma oportunidade de contato social. A experiência

de aprender juntamente com alunos da mesma faixa etária, de forma

prazerosa e a aprendizagem como busca de contato social revelado em

Conceição (1999), parece ser também uma realidade para Lucy, participante

deste estudo:

[11]“Preferi ficar com esta turma, pois ela tem um perfil de

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 113

interesses e vivências mais comuns aos meus; e afinal, meu

objetivo não é o diploma, quero continuar tendo o contato

com a língua, mas de uma forma gostosa, divertida, sem

estresse, e enquanto isso, estou recordando coisas já

estudadas, aprendendo coisas novas e me relacionando com

pessoas interessantes.” Lucy-NE

Os participantes parecem relacionar a volta aos estudos da língua

com o cumprimento de um velho sonho. O desejo e a motivação para dar

continuidade aos estudos se revelam nos excertos que apresentamos a seguir.

Uma das alunas registra, inclusive que, mesmo tendo sido obrigada a

interromper os estudos devido a dificuldades com a conciliação entre o

trabalho e a criação de filhos, sabia que retornaria um dia.

[12]“Tive dificuldades para conciliar os estudos, o

trabalho e os três filhos adolescentes. Parei consciente de

que retornaria.” Nina-NE

[13]“Encontrei a oportunidade de realizar o velho sonho de

aprender a língua inglesa.” Melvio-NE

Destaca-se, assim, uma atitude positiva em relação à aprendizagem

da língua e uma alegria em poder voltar à sala de aula:

[14] “A alegria é poder voltar à sala de aula depois de

tanto tempo e ver que ainda existe a possibilidade de

aprender a língua inglesa, o que me deixa bastante

motivado.” Melvio- NE

Observa-se, ainda, um registro de motivação para a aprendizagem da

língua relacionado ao mercado de trabalho para falantes de inglês durante a

realização da Copa do Mundo no Brasil no ano de 2014:

[15]“Pretendo voltar ao mercado de trabalho até a Copa do

mundo de 2014, falando fluentemente o idioma.” Melvio-NE

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 114

É interessante também notar que os participantes da pesquisa

demonstraram uma atitude positiva em relação à aprendizagem da língua,

mesmo em face às limitações enfrentadas devido às degenerescências

inerentes à idade:

[16]“Eu gostaria de falar inglês fluentemente no futuro.

Apesar de todas as minhas limitações, sou uma pessoa

teimosa. Talvez algum dia eu possa falar a língua melhor do

que agora.” Anne-NE

Nem mesmo as limitações relacionadas à qualidade ruim dos

equipamentos, dificultando a compreensão dos textos orais, já que a perda da

audição é também um problema para os alunos nessa faixa de idade, parece

desanimar os participantes:

[17]“O equipamento de som é da pior qualidade, o que

dificulta o entendimento dos diálogos. Mas ainda assim

pretendo continuar no próximo semestre.” Isabel-QE

O participante Mélvio faz menção à frustração que seria não

conseguir acompanhar o curso, mas, ainda assim, sua fala revela a crença de

que será capaz de aprender e o aluno toma para si mesmo essa

responsabilidade.

[18]“A frustração será se eu não conseguir acompanhar o

desenvolvimento do curso, mas como depende só de mim,

creio que conseguirei.” Melvio-NE

Conceição (1999) destacou ter observado, nos dados obtidos em seu

estudo, uma atitude à primeira vista, de certa forma negativa em relação à

aprendizagem da língua, expressa na dúvida quanto à possibilidade de os

alunos aprenderem a língua, em relatos como “Não sei se vou aprender” ou

“Talvez eu não consiga ter um bom aproveitamento.” No entanto, como

destaca a autora, ao mesmo tempo em que os alunos demonstravam, muitas

vezes, um medo do insucesso, estes tomavam a aprendizagem como um

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 115

grande desafio, o qual, apesar das dificuldades, acreditavam capazes de

vencer.

Em relação às experiências de aprendizagem dos participantes deste

estudo, pudemos notar, assim, que os alunos tomavam a aprendizagem

como um desafio e é possível que, como registra Conceição (op. Cit), haja,

entre alunos nesta faixa etária, uma preocupação com a imagem o que, como

entendemos, pode estar ligado ao fato de que os adultos da terceira idade se

vejam como exemplos para os mais jovens. Ainda, as cobranças que a

sociedade impõe a esses indivíduos pode fazer com que se sintam na

obrigação de mostrar que são capazes e devem ser aceitos por essa

sociedade. É interessante notar, aqui, que estudos (Conceição, 2004)

relativos a crenças em relação à responsabilidade da aprendizagem com

participantes jovens demonstram que esses participantes imputam ao

professor, e não a eles mesmos, essa responsabilidade, ao contrário do que

faz Mélvio, participante deste estudo, como discutimos anteriormente.

As crenças de aprendizagem de línguas

Como destaca Barcelos (2001), as crenças devem ser inferidas a

partir das falas dos participantes. Sendo assim, segundo a autora, é

importante que estudos nessa área busquem cada vez mais priorizar o uso de

instrumentos de coleta que deem voz aos alunos, permitindo que as crenças

sejam mapeadas por meio dos registros coletados. Neste estudo, os dados

relativos às crenças foram coletados a partir das narrativas e respostas a

questões abertas no questionário escrito, assim como por meio de

questionário fechado. Os dados que emergiram da coleta revelaram as

crenças dos participantes, as quais foram agrupadas nas seguintes categorias:

Crenças a respeito da importância da língua inglesa

Em relação à importância da língua inglesa, os participantes

destacaram:

[19] “A língua inglesa é a língua mais importante do

planeta.” Melvio-QE

[20] “É essencial para todos”. Anne-QE

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 116

Emergiram também dos dados, crenças relativas aos aspectos mais

difíceis na aprendizagem da língua inglesa. Alguns dos aspectos

considerados mais difíceis pelos alunos foram:

[21] “Entender o que os nativos falam.” Isabel-QE

[22] “Ouvir e falar”. Anne-QE

[23] “Memorização e audição”. Mélvio-QE

[24] “Me expressar”. Lucy-QE

[25] “Gramática – sempre tive dificuldade com ela. Erro

principalmente quando escrevo. Acho que o fato de pensar

em português, traduzir para escrever em inglês um texto,

este acaba ficando bem “aportuguesado”. Lucy-QE

Lucy aponta também essa mesma dificuldade com a gramática em

sua narrativa escrita:

[26] “Não me lembrava do quanto eu era deficiente com a

gramática.” Lucy-QE

A triangulação dos dados, considerando-se o questionário escrito e

as narrativas é também possível com referência aos aspectos acima

mencionados, como dificuldades em se expressar e pronunciar as palavras:

[27] “No início da minha aprendizagem eu me sentia

insegura, pois eu não pronunciava bem as palavras.” Anne

– NE

[28] “Gosto muito, embora os sons sejam difíceis de

reproduzir”. Isabel-NE

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 117

Foram também registradas crenças em relação às dificuldades em

aprender o idioma na terceira idade. Crenças relativas às dificuldades

oriundas das degenerescências físicas comuns nessa idade, como a

deficiência auditiva foram mencionadas:

[29] “Uma das dificuldades encontradas na terceira idade

é a capacidade auditiva.” Melvio-NE

Crenças em relação às dificuldades nas relações e interações entre os

alunos emergiram também dos dados, como podemos observar no relato

escrito de Isabel:

[30] “Demora-se um pouco mais para fazer amizades, pois

as pessoas em geral são mais fechadas. Mas agora estamos

mais próximos.” Isabel-NE

O registro dessa crença pode, inicialmente, nos parecer prejudicial

ao processo de aprendizagem de línguas nesse contexto, já que consideramos

a aprendizagem como um processo não apenas cognitivo, mas também

social, já que aprendemos na presença de outros. Há que se notar, no entanto,

aqui, a mesma atitude positiva dos alunos frente ao desafio de aprender a

língua, na afirmação da aluna Isabel: “Mas agora estamos mais próximos”.

Observa-se, assim, que a dificuldade nas interações, inerentes à idade,

segundo a aluna, não parece constituir um empecilho para a aprendizagem.

Ao contrário, possivelmente, o desejo de aprender e até mesmo a

possibilidade de contato social que a sala de aula representa para alunos já há

algum tempo afastados do ensino formal, parecem ser fundamentais para a

solução do impasse.

Crenças em relação ao papel da memória na aprendizagem

As crenças em relação ao papel da memória na aprendizagem da

língua nos interessavam de forma especial neste estudo. Para Stevick (1976)

e Smith (1982), o sistema de memória humano seria um processo complexo

em que um grande número de estruturas cognitivas diferentes seriam

responsáveis por diferentes formas de processamento e armazenamento de

informações. Segundo esses autores, vários fatores podem atrasar ou impedir

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 118

o armazenamento de informações na memória e, ainda, as diferenças

individuais no que se refere às habilidades relacionadas à memória devem

ser consideradas.

Para Thompson (1987), a questão da memória é central em se

tratando da aprendizagem de LE. Contudo, segundo a autora, a maior parte

das pesquisas relacionadas ao papel da memória na aprendizagem restringe-

se à língua materna. Um dos estudos envolvendo a memória e a

aprendizagem de LE é o trabalho de Oxford (1990), que menciona várias

estratégias de memória utilizadas por aprendizes, sendo que a maioria dessas

estratégias relaciona-se à consolidação de itens lexicais. A autora destaca a

importância da memória na aprendizagem de LE, destacando que as

estratégias de memória podem ser utilizadas na aprendizagem de

vocabulário, um aspecto que, conforme reitera a autora, constituiria uma das

grandes dificuldades para os aprendizes na aprendizagem de línguas. No

contexto de ensino e aprendizagem de línguas por adultos longevos, o tema

assume especial atenção. Como educadores, precisamos conhecer as crenças

a respeito da memória que os alunos nessa faixa etária trazem para a sala de

aula, buscando analisar a forma como essas crenças podem influenciar a

aprendizagem desses alunos. Nesse sentido, apresentamos a seguir, alguns

excertos retirados do questionário escrito, os quais revelam a importância

que os participantes imputam à memória. Os alunos compararam sua

memória à de alunos mais jovens:

[31]“Temos uma memorização um tanto quanto reduzida, se

comparada com a condição de um jovem aluno.” Melvio-QE

Destacam, ainda, dificuldades em relação ao acompanhamento do

curso, registrando que a memória não acompanha a rapidez com o que o

curso é ministrado:

[32] “A dificuldade maior é com a rapidez do curso e a

constante mudança de páginas durante a aula. A gente

acaba se perdendo. A matéria é dada muito depressa.

Embora a professora seja boa é difícil acompanhar pois

nossa memória não é boa.” Isabel-QE

Os participantes registram, assim, que precisam se dedicar mais do

que se dedicavam ao estudo da língua quando eram jovens, por considerarem

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 119

que sua memória não é mais tão boa, como demonstram as palavras da

participante Isabel a seguir:

[33] “Percebo que a minha memória não é tão boa como

era e que tenho que estudar o dobro do que estudava

quando era mais jovem. Mas sinto-me feliz em poder estudar

inglês.” Isabel-QE

Observa-se, no entanto, no excerto acima, a mesma atitude positiva

em relação à aprendizagem, mesmo em face das dificuldades imputadas à

memória com as quais os alunos parecem se deparar. Outros estudos

(Conceição 1999), como já mencionamos aqui, reportam essa mesma

dificuldade em relação à memória e, em reposta a essa dificuldade, uma

atitude positiva em relação à capacidade de aprender, apesar das

degenerescências impostas pela idade.

O Questionário Escrito

Como já destacamos, neste estudo, as crenças foram mapeadas por

meio de instrumentos que dessem voz aos participantes, permitindo a eles

que pudessem falar de suas crenças, expressando-se livremente durante a

coleta dos dados. Foi também utilizado, para a triangulação dos dados, um

questionário. O questionário fechado constituiu-se de questões abertas e

fechadas, sendo o seu objetivo o levantamento de um perfil dos

participantes, assim como um mapeamento de suas experiências de

aprendizagem de língua inglesa e suas crenças. A última parte do

questionário escrito, como já destacamos, apresentou 11 afirmações a

respeito da aprendizagem da língua inglesa, incluindo questões relativas às

crenças e estratégias de aprendizagem. Os alunos deveriam indicar seu grau

de concordância com as afirmações, utilizando uma escala do tipo Likert. O

primeiro passo na análise dos dados obtidos por meio do questionário foi a

elaboração de uma lista com todas as respostas de todos os informantes. As

respostas a cada uma das afirmações foram tabuladas e organizadas em

categorias, conforme suas especificidades, registrando-se o grau de

concordância do grupo como um todo, no caso das respostas às afirmações à

escala Likert. Destacamos, na sequência, os resultados em relação a cada

uma das assertivas:

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 120

A língua inglesa é uma língua difícil de aprender

Entre os cinco participantes, dois destacaram concordar, dois se

mostraram neutros e um destacou discordar, o que demonstra que o grupo

não acredita, necessariamente, que a língua inglesa seja uma língua difícil

de aprender. Talvez possa se observar aqui, mais uma vez, a atitude positiva

dos participantes em relação à aprendizagem e sua capacidade de enfrentar

esse desafio, mesmo na idade em que se encontram como já discutido aqui,

corroborando o estudo de Conceição (1999), no qual os alunos também se

mostraram bastante otimistas em relação à aprendizagem da língua, não

apresentando a crença de que esta seria difícil de aprender.

O aspecto mais difícil na aprendizagem de LE (inglês)

O segundo grupo de afirmações referia-se a possíveis dificuldades na

aprendizagem de uma língua, apontando dois aspectos principais, a

gramática e o vocabulário. É interessante destacar que, tanto o aspecto

vocabulário, quanto a gramática concentraram o maior número de respostas

no nível 2. Os resultados mostram que os alunos acreditam que tanto o

vocabulário, quanto a gramática constituem aspectos difíceis na

aprendizagem de língua, como se pode observar nos relatos obtidos por meio

das narrativas, nas quais alguns dos participantes apresentaram crenças de

que a gramática seria realmente um aspecto difícil.

A melhor maneira de aprender vocabulário

Foram também incluídas no questionário questões relativas à melhor

maneira de aprender vocabulário, incluindo afirmações contendo estratégias

como: ler vários textos em inglês, utilizar um dicionário, repetir as palavras,

pronunciar as palavras várias vezes, escrever frases com palavras novas, usar

rimas para lembrar as palavras, traduzir e repetir e escrever palavras novas

várias vezes.

Em grupo de 11 afirmações incluindo diferentes estratégias para a

aprendizagem de vocabulário em língua inglesa, apenas uma, a estratégia

“usar rimas para lembrar as palavras” concentra respostas em três diferentes

níveis (neutralidade, discordância e discordância plena), revelando a crença

de que esta não seria uma estratégia eficaz para os participantes. As demais

Revista Contexturas, n. 22, p. 96 - 135, 2014. ISSN: 0104-7485 121

estratégias, talvez por envolverem práticas comuns durante a experiência

anterior de aprendizagem dos participantes, concentram as respostas nos

níveis 1 e 2 (concordo e concordo plenamente).

Os resultados relativos às crenças dos alunos longevos participantes

deste estudo nos parecem bastante encorajadores. Os alunos apresentam uma

percepção em relação à importância da aprendizagem da língua inglesa e não

consideram que esta seja uma língua difícil de aprender. Há importantes

registros em relação às dificuldades impostas pela memória, destacando-se

dificuldades com o processo de audição e memorização e ainda com a

gramática. As crenças relativas à melhor forma de se aprender vocabulário

remontam as práticas de ensino do Método Gramática e Tradução vigente à

época em que os participantes estudavam a língua. No entanto, uma atitude

bastante positiva diante da aprendizagem se revela entre os participantes,

presentes em relatos de dificuldades já sanadas, ou em relatos de que os

alunos acreditam, de fato, que as dificuldades podem vir a ser vencidas. A

análise dos dados aqui apresentada reforça nossa grande responsabilidade

como linguistas aplicados e educadores interessados em possibilitar a

experiência de aprendizagem de uma língua estrangeira e a inserção social,

independente de idade ou faixa etária. Os avanços na medicina e melhoria na

qualidade de vida dos brasileiros atestam sua volta aos bancos escolares o

que nos desperta para a necessidade de que estejamos preparados para

receber esses alunos nos diferentes âmbitos do ensino formal. Nesse sentido,

o estudo das crenças de ensino e aprendizagem de línguas desses alunos

trazem à tona suas expectativas, dificuldades e necessidades, contribuindo

para a preparação de um currículo e um quadro de procedimentos de ensino

que venham ao encontro das especificidades do processo de aprendizagem

de uma língua nessa faixa etária.

As estratégias utilizadas para a aprendizagem de vocabulário

Para o mapeamento das estratégias utilizadas pelos participantes

para aprender vocabulário foram utilizados os dados dos seguintes

instrumentos: a narrativa escrita, o relato retrospectivo e os questionários

escrito e retrospectivo. Em resposta à pergunta “O que você faz para

aprender vocabulário?” os alunos apontaram, entre outras, as seguintes

estratégias: assistir televisão, memorizar através de listas de palavras,

associar a palavra com a imagem. Em relação ao uso dessa estratégia, Lucy

destacou:

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[34]“Só tem que ter cuidado para que a imagem

corresponda à palavra, para não incorrer em erros.” Lucy

QE

A aluna Anne destacou agrupar as palavras em ordem

alfabética, buscando formar palavras com as iniciais das palavras:

[35]“Agrupo em ordem alfabética, formando uma palavra

com as iniciais das mesmas”. Anne QE

A aluna Isabel relatou utilizar o dicionário:

[36] “Vou lendo um texto e quando não sei alguma palavra,

olho o significado no dicionário.” Isabel –QE

De fato, através dos dados coletados por meio do QR observamos

que esta aluna relata haver consultado as palavras desconhecidas no

dicionário e anotado seu significado. Dados revelam também que os alunos

utilizam recursos tecnológicos para a aprendizagem, recorrendo à internet

para a aprendizagem de vocabulário:

[37] “Pesquiso na Internet”. Melvio- QE

A utilização do dicionário bilíngue é também apontada pelos

participantes:

[38] “Tento entender as palavras no contexto. Quando não

consigo, recorro ao dicionário bilíngue.” Nina- QE

Embora se possa registrar o uso de estratégias mais tradicionais para

a aprendizagem, o que possivelmente evoca práticas do ensino tradicional o

qual permeou a experiência de aprendizagem dos alunos, como memorizar

listas de palavras, observa-se, por outro lado, o uso de diferentes estratégias

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como a associação da palavra com a imagem, agrupamento de palavras

conforme suas iniciais e formação de palavras, assistir TV e mesmo recorrer

à internet. Os alunos demonstram criatividade na aplicação das estratégias,

revelando alguma inserção em práticas mais atuais em se tratando do uso de

estratégias e o constante avanço das tecnologias de informação. Os

resultados quanto à utilização de estratégias revelam também o desejo de

aprender dos participantes e a busca da instrumentalização para esse desafio.

Observa-se o esforço de alunos que tomam para si a responsabilidade pela

sua própria aprendizagem, revelando um certo grau de gerenciamento do

próprio processo de aprender uma língua nessa faixa etária, a despeito das

dificuldades impostas pela idade. Nota-se, no entanto, que o uso de

estratégias por parte dos participantes é ainda limitado, não tendo sido

reportado um grande número de estratégias, o que demonstra a necessidade

de estudos envolvendo participantes dessa faixa etária, focando o

desenvolvimento do uso de estratégias para uma maior autonomia no

processo de aprendizagem de alunos longevos.

Ainda em relação às estratégias utilizadas pelos participantes, tendo

em vista uma maior confiabilidade do estudo, foram também aplicados na

pesquisa, logo após a realização da tarefa de leitura, um relato retrospectivo

e um questionário retrospectivo. Apresentamos, na sequencia, os resultados

do RR e QR.

O Relato Retrospectivo

Logo após a tarefa de leitura, os alunos realizaram um relato

retrospectivo (RR) por escrito, no qual descreveram a forma como haviam

realizado a tarefa de leitura, apontando o que haviam feito ao se depararem

com palavras desconhecidas no texto e se haviam utilizado alguma estratégia

para aprenderem palavras através da realização da tarefa.

Os alunos destacaram haver realizado uma primeira leitura para

compreensão geral do texto:

[39] “Li o texto todo para tentar entendê-lo.” Nina- RR

[40] “Eu li todo o texto e procurei entender sua essência.”

Isabel- RR

Destacaram, ainda, durante uma segunda leitura, haver assinalado,

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no texto, as palavras por eles desconhecidas:

[41] “Reli e marquei as palavras que não sabia.” Nina- RR

As palavras foram então, segundo apontam os relatos, consultadas

em um dicionário bilíngue.

[42] “Consultei o dicionário para traduzir as palavras que

não conhecia.” Isabel RR

Observe-se que a participante utiliza o termo “traduzir”, evocando,

mais uma vez, uma prática comum na metodologia provavelmente vigente

quando ela estudava formalmente a língua.

Colocar-se na situação do personagem principal do texto foi também

uma estratégia apontada pelos participantes:

[43] “Imaginei a cena e me senti profundamente tocada com

o sofrimento de Monica. Fiquei impressionada com sua

coragem e força para sobreviver.” Isabel – RR

[44] “Procurei me colocar na situação em que encontrava

Monica e como eu faria para sobreviver.” Melvio – RR

[45] “Achei interessante o aprendizado e fiquei pensativa

com relação ao fato ocorrido com Monica. Achei a minha

vida boa.” Nina- RR

A utilização desse tipo de estratégia nos parece uma especificidade

no processo de aprendizagem dos participantes desta pesquisa,

possivelmente devido à sua faixa etária, considerando que a identificação

com a personagem principal de um texto em busca de uma melhor

compreensão do mesmo não parece ser comumente reportada em estudos

com aprendizes de uma faixa etária mais jovem.

Ainda se referindo à sua dificuldade com a memória, os participantes

destacaram que tinham que ler o texto várias vezes para compreendê-lo, o

que foi citado por eles como uma dificuldade relativa à idade.

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[46]“Li o texto várias vezes”. Melvio- RR

[47]“É preciso fazer o exercício com tempo porque preciso

fazer a leitura pelo menos 3 vezes.” Lucy-RR

Foram ainda registrados relatos de busca das palavras desconhecidas

na internet, destacando-se, inclusive, a busca de frases contendo as palavras

desconhecidas para entender o texto.

[48]“Busquei na Internet frases contendo as palavras

desconhecidas para entender o texto.” Melvio-RR

Outra estratégia mencionada foi a formação de frases com as

palavras novas do texto:

[49]“Usei a construção de frases utilizando palavras

desconhecidas” Melvio- RR

Uma análise dos dados coletados por meio do QR nos sugere que os

participantes utilizaram um número limitado de estratégias para a

aprendizagem de vocabulário, conforme sugere o estudo de Conceição

(1999), que destaca o uso de poucas estratégias de aprendizagem pelos

participantes. Foram reportadas pelos participantes deste estudo a leitura

para compreensão geral do texto, assinalar palavras desconhecidas, busca da

compreensão pelo contexto, utilização do dicionário, anotação das palavras

desconhecidas, redação de frases com as novas palavras e colocar-se na

posição do personagem principal do texto.

O Questionário Retrospectivo

Após a redação do Relato Retrospectivo, foi solicitado aos alunos

que preenchessem um questionário escrito (QR), no qual os alunos

registraram novamente, para triangulação dos dados, os procedimentos

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utilizados na leitura do texto, se haviam utilizado o dicionário durante a

tarefa de leitura, o tipo de dicionário utilizado, o processo de utilização ou

forma como haviam utilizado o dicionário e se teriam utilizado estratégias

antes e após a consulta ao dicionário. Os alunos apontaram, ainda, nesse

questionário, as palavras consultadas no dicionário. Na tabulação dos

resultados do QR, as respostas foram agrupadas em categorias, tabulando-se

o número de alunos que as responderam ou o número de vezes que cada tipo

de resposta foi mencionada. O quadro abaixo apresenta as estratégias

utilizadas pelos participantes na realização da tarefa de leitura, conforme os

resultados do QR.

Quadro 2 - Estratégias utilizadas durante a realização da tarefa de

leitura Estratégia Menções

Leitura para compreensão geral do texto 5

Realizar várias leituras do texto 5

Buscar o significado das palavras

desconhecidas no dicionário

5

Assinalar palavras desconhecidas 4

Inferir o significado das palavras

utilizando o contexto

2

Anotar o significado das palavras

consultadas

1

Como se pode observar, os resultados do QR corroboram os

resultados do RR, apontando um uso limitado de estratégias, destacando-se,

inclusive, a necessidade de realização de várias leituras do texto, conforme já

haviam destacado os participantes, ao se referirem, no RR, às dificuldades

em relação à memória, inerentes à sua faixa etária.

Tendo apresentado os dados relativos às crenças e estratégias de

aprendizagem utilizadas pelos participantes, passamos aos dados referentes à

retenção dos itens lexicais na memória.

A retenção dos itens lexicais na memória

Como foi explicitado na seção da metodologia adotada para o

estudo, na primeira semana da coleta de dados foi aplicado um pré-teste de

vocabulário. A aplicação do teste teve o objetivo de verificar se os

participantes conheciam itens lexicais contidos em um texto em língua

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inglesa o qual seria utilizado em uma tarefa de leitura a ser aplicada como

parte da coleta de dados. Para o pré-teste, foram selecionados itens de

menor frequência de ocorrência na língua inglesa os quais poderiam,

porventura, vir a ser consultados no dicionário pelos alunos. Essas mesmas

palavras foram utilizadas posteriormente para verificação da retenção dos

itens lexicais na memória após um período de três semanas. As seguintes

palavras foram selecionadas para o pré-teste: soggy, squeeze, lung, jaw,

survive, aisle, fuselage, swamp, wreckage, tore, scoop, spare. A tabulação

dos dados do pré-teste demonstrou que os alunos não tinham conhecimento

de grande parte das palavras. Entre os doze itens de vocabulário, apenas três

foram marcados pelos alunos. Os participantes apresentaram respostas

corretas apenas para os seguintes itens lexicais, conforme quadro a seguir:

Quadro 3 – Resultados do Pré-teste Itens lexicais Número de respostas corretas

Survive 5

Fuselage 3

Lung 2

O teste de retenção

No teste de retenção, os informantes deveriam marcar as respostas

de 01 (um) a 04 (quatro), conforme a Tabela 3 a seguir, de acordo com seu

conhecimento de cada uma das palavras testadas. O TR foi corrigido

conforme proposto pelos autores (PARIBAKHT & WESCHE, 1993).

Apresentamos, a seguir, as categorias do teste de retenção:1 – Não me

lembro de ter visto esta palavra antes; 2 – Já vi esta palavra antes, mas não

sei o que ela significa; 3 – Já vi esta palavra antes e acho que ela significa...;

4 – Eu conheço esta palavra. Ela significa...

Foi atribuída a cada questão do teste (palavra testada), uma

pontuação que variava de 01 (um) a 03 (três). Os pontos foram atribuídos

conforme os seguintes critérios, determinados pelos autores (op. Cit.):

1 ponto - 1 ponto para a categoria 1(nunca vi esta palavra antes);

2 pontos - 2 pontos para a categoria 2 (já vi esta palavra antes, mas não sei o

que ela significa) e para a categoria 3 (já vi esta palavra antes e acho que ela

significa), quando os informantes declaravam que já haviam visto a palavra

antes e achavam que conheciam seu significado, mas, no entanto, apontavam

um significado incorreto;

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3 pontos - 3 pontos para a categoria 3 (já vi esta palavra antes e acho que ela

significa), quando os informantes realmente apontavam o significado correto

da palavra e para a categoria 4 (eu conheço esta palavra e ela significa),

quando o significado apontado era correto. Quando os informantes

marcavam a categoria 4 (afirmando conhecer o significado da palavra, mas,

contudo, apontavam um significado incorreto, a pontuação 2 era dada).

Observa-se, nessa pontuação, que o teste avalia diferentes níveis de

familiaridade com a palavra: o nível 1 indica nenhuma familiaridade,

enquanto o nível 2 indica que há uma certa familiaridade com a palavra, mas

o aluno não é capaz de indicar seu significado correto e o nível 3, indica que

o aluno conhece a palavra.

Todos os participantes desta pesquisa utilizaram a estratégia de

consulta a um dicionário bilíngue durante a realização da tarefa de leitura,

estratégia essa considerada por muitos estudiosos (GONZALEZ, 1999;

KNIGHT, 1994; LUPPESCU & DAY, 1993), um instrumento eficaz para a

retenção de itens lexicais na memória. Na tabulação dos resultados do TR –

elaborado a partir das palavras apontadas no QR como consultadas no

dicionário pelos participantes – o maior número de respostas concentrou-se

no nível 2, o que significa que, apesar de os alunos não serem capazes de

apontar o significado correto das palavras consultadas, existe uma certa

familiaridade com essas palavras. Esses resultados poderiam ser explicados

por estudos (HATCH & BROWN, 1995; MCCARTHY, 1984; NATION,

1990) que consideram a aprendizagem de vocabulário como um continuum

de conhecimento ou um processo dinâmico, constituído de diferentes

estágios (DALE, 1965; NIST & OLEJNIK, 1995) em que cada encontro

com a palavra proporcionaria um conhecimento mais profundo daquela

palavra (FISCHER, 1994).

Esses estudos apontam a importância do dicionário nesse processo

de pequenos avanços, uma vez que este contribuiria para o processo de

construção de uma representação mental da palavra e seu significado, sendo

que os alunos aprenderiam mais palavras em um nível mais profundo ao se

depararem com a definição das palavras no dicionário (NIST & OLEJNIK,

op. cit.; MCKEOWN’S, 1993). Nessa perspectiva, a consulta ao dicionário

seria um passo inicial na aprendizagem de uma palavra (GONZALEZ, 1999;

MCKEOWN, op. cit.).

A partir dessa análise, poderíamos afirmar que a estratégia de

consulta ao dicionário durante a tarefa de leitura proposta no estudo não teria

contribuído de maneira significativa para a retenção dos itens lexicais na

memória de longo prazo. Tais resultados apontam a necessidade de uma

reflexão acerca da importância das experiências anteriores de aprendizagem

e sua relação com as crenças e estratégias na aprendizagem de vocabulário

por adultos longevos. Os dados coletados por meio do RR e QR não

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apontam uma utilização efetiva de estratégias combinadas ao uso do

dicionário. Destacamos, assim, a necessidade, quando da estruturação de

cursos voltados para esta faixa etária, de uma maior atenção a aspectos que

focalizem o desenvolvimento no uso de estratégias por parte desses alunos, o

que, certamente, redundaria em uma melhor retenção de itens lexicais na

memória dos aprendizes.

Conclusões

A proposta deste trabalho, inserido em uma perspectiva integrada de

investigação da aprendizagem de vocabulário buscou levar em consideração,

não apenas aspectos cognitivos mas também aspectos sociais na

aprendizagem de LE. Os objetivos do estudo foram levantar relatos das

experiências de aprendizagem de LE (inglês) de adultos longevos e, então,

identificar as crenças de aprendizagem, em especial a respeito do papel da

memória na aprendizagem, investigar as estratégias de aprendizagem

utilizadas pelos alunos na aprendizagem de vocabulário e, por fim, analisar a

retenção de itens lexicais na memória de longo prazo dos participantes.

Muitos estudos têm sido realizados no sentido de mapear os passos

necessários para a consolidação de um item lexical na memória. Hatch &

Brown (1995) apresentam cinco passos essenciais para a aprendizagem de

vocabulário, incluindo a consolidação de forma e significado na memória.

Conforme os autores, várias estratégias podem ser utilizadas para a

consolidação entre forma e significado na memória, entre estas, a consulta ao

dicionário. Os resultados deste estudo sugerem que, embora os aprendizes da

terceira idade, participantes da pesquisa, tenham utilizado o dicionário na

realização da tarefa de leitura proposta, poucas estratégias foram por eles

utilizadas, as quais pudessem garantir uma maior consolidação entre forma e

significado na memória de longo prazo.

Uma análise dos resultados do teste de retenção demonstrou que o

maior número de respostas concentrou-se no nível 2, apontando uma

familiaridade dos alunos com as palavras, embora não pudessem ser capazes

de apontar o significado correto das palavras consultadas. Vários estudiosos

(HATCH & BROWN, 1995; MCCARTHY, 1984; NATION, 1990)

consideram a aprendizagem de vocabulário como um continuum de

conhecimento ou um processo dinâmico, constituído de diferentes estágios

(DALE, 1965; NIST & OLEJNIK, 1995) e, nesse sentido, poderíamos

considerar que o uso do dicionário proporcionou um primeiro encontro com

as palavras, constituindo-se em um passo inicial na aprendizagem de uma

palavra (GONZALEZ, 1999; MCKEOWN,1993).

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Quanto às experiências anteriores de aprendizagem dos

participantes, as atividades relatadas com maior frequência pelos alunos

coincidem com uma prática de ensino tradicional, certamente ligada ao

Método Gramática e Tradução, destacando-se atividades como exercícios

gramaticais, memorização de listas de palavras, interpretação e tradução de

textos. A interação com a família e com pessoas da mesma faixa etária

parece constituir a grande motivação para o retorno ao estudo da língua,

corroborando o estudo de Conceição (1999), que registra também o mesmo

desejo dos alunos de buscar contato social por meio da aprendizagem da

língua. Destaca-se, ainda, uma atitude muito positiva em relação à

aprendizagem, mesmo em face das dificuldades encontradas, como aquelas

relativas à memória e a rapidez com que o curso é ministrado, perda da

audição e mesmo questões relacionadas à qualidade dos equipamentos de

som utilizados nas aulas. É interessante notar que também Conceição (1999)

registrou, em seu estudo, por meio dos diários dos alunos, uma certa

dificuldade em acompanhar o ritmo das aulas, apontando essa dificuldade

como proveniente de alguns fatores, como o longo tempo afastado do ensino

formal, o raciocínio mais lento e deficiências visuais e auditivas.

No que se refere às crenças de aprendizagem de línguas, conforme

Barcelos (2001), neste estudo, foram utilizados instrumentos que dessem voz

aos participantes, sendo as crenças inferidas a partir de suas falas nas

narrativas, relatos retrospectivos e questionários. Os alunos apresentam uma

percepção em relação à importância da aprendizagem da língua inglesa e não

consideram que esta seja uma língua difícil de aprender. Há importantes

registros em relação às dificuldades impostas pela memória, destacando-se

dificuldades com o processo de audição e memorização e com a gramática.

Como se pode observar, as crenças relativas à melhor forma de se aprender

vocabulário remontam as práticas de ensino do Método Gramática e

Tradução vigente à época em que os participantes estudavam a língua. No

entanto, uma atitude bastante positiva diante da aprendizagem se revela entre

os participantes, em relatos de dificuldades já sanadas. A análise dos dados

reforça nossa grande responsabilidade em possibilitar a inserção social,

independente da idade ou faixa etária dos aprendizes. Os estudos das crenças

de ensino e aprendizagem de línguas desses alunos trazem à tona suas

expectativas, dificuldades e necessidades, trazendo importantes reflexões

quanto à preparação do currículo e procedimentos de ensino que venham ao

encontro das especificidades do processo de aprendizagem de língua inglesa

nessa faixa etária.

O mapeamento das estratégias utilizadas pelos participantes aponta a

utilização das seguintes estratégias: assistir televisão, memorizar através de

listas de palavras, associar a palavra com a imagem, agrupar as palavras em

ordem alfabética, buscando formar palavras com as iniciais das palavras,

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utilizar o dicionário e pesquisar na Internet. Embora se possa registrar o uso

de estratégias mais tradicionais para a aprendizagem, como memorizar listas

de palavras, observa-se, por outro lado, o uso de estratégias como a

associação da palavra com a imagem, agrupamento de palavras conforme

suas iniciais e formação de palavras, assistir TV e mesmo recorrer à internet.

Os alunos demonstram alguma criatividade na aplicação das estratégias,

revelando inserção em práticas mais atuais em se tratando do uso de

estratégias e o constante avanço das tecnologias de informação.

Os resultados quanto à utilização de estratégias revelam também o

desejo de aprender dos participantes e a busca da instrumentalização para

esse desafio. No entanto, o uso de estratégias por parte dos participantes é

ainda limitado, não tendo sido reportado um grande número de estratégias.

Observa-se, dessa forma, a necessidade de estudos envolvendo participantes

dessa faixa etária, focando o desenvolvimento do uso de estratégias para

uma maior autonomia no processo de aprendizagem. Foram também

registrados relatos de busca das palavras desconhecidas na internet, assim

como a busca de frases contendo as palavras desconhecidas para entender o

texto. Ainda assim os dados sugerem que os participantes utilizaram um

número limitado de estratégias para a aprendizagem de vocabulário,

conforme aponta o estudo de Conceição (1999), em que se detectou também

o uso de poucas estratégias de aprendizagem pelos participantes na mesma

faixa etária.

Como se pôde observar, embora afastados do ensino formal, muitas

vezes rotulados sob o estigma que a velhice representa para nossa sociedade,

as pessoas nessa faixa etária apresentam, tanto quanto outras em outras

faixas de idade, condições e, principalmente, o direito a um espaço na

comunidade social, onde possam se expressar e se desenvolver como

pessoas. Ao contrário do que muitos acreditam, apesar das degenerescências

físicas próprias da idade, os aprendizes longevos são capazes, como vimos,

de desenvolverem estratégias que os auxiliem na aprendizagem de uma

língua estrangeira. O momento é, pois, de reflexão. Tornam-se imperativas

propostas de ações que possam dirimir a obsolência a que estão legados os

“de idade” em nossa sociedade, já que, em tempo próximo, grande parcela

da população brasileira será composta por indivíduos acima de sessenta

anos.

Esperamos, com este trabalho, trazer contribuições para os estudos

na área de aprendizagem de vocabulário, buscando oferecer uma melhor

compreensão da forma como fatores individuais como a memória,

experiências, crenças e estratégias se relacionam no processo de

aprendizagem de vocabulário em LE por adultos longevos. Nosso desejo é

poder auxiliar educadores na tarefa de conduzir aprendizes adultos longevos

a uma maior autonomia e independência no processo de aprendizagem de

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vocabulário em LE, contribuindo para o estabelecimento de bases sociais

que se adaptem ao novo perfil demográfico da população brasileira no

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