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ACADEMIA DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO CUIDADOS PALIATIVOS: - CIÊNCIA E PROTEÇÃO AO FIM DA VIDA - Memória apresentada à Academia de Medicina do Rio de Janeiro para concorrer a uma vaga na Secção de Medicina CLAUDIA BURLÁ Rio de Janeiro 2010

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ACADEMIA DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO

CUIDADOS PALIATIVOS: - CIÊNCIA E PROTEÇÃO AO FIM DA VIDA -

Memória apresentada à Academia de Medicina do Rio de Janeiro para concorrer a uma vaga na Secção de Medicina

CLAUDIA BURLÁ

Rio de Janeiro

2010

2

Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano

do outro torna-se um radar de alta sensibilidade,

se humaniza no processo e, para além do

conhecimento científico, tem a preciosa chance

e o privilégio de crescer em sabedoria.

Leo Pessini

3

CUIDADOS PALIATIVOS:

- CIÊNCIA E PROTEÇÃO AO FIM DA VIDA -

SUMÁRIO

RESUMO 4

INTRODUÇÃO 5

PERCURSO HISTÓRICO DA PALIAÇÃO 10

CONCEITO 16

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS 19

VELHICE E TERMINALIDADE DA VIDA 22

CUIDADOS PALIATIVOS COMO MODALIDADE DE INTERVENÇÃO 32

CONFLITOS ÉTICOS AO FIM DA VIDA 37

BIOÉTICA: UM CAMPO DE REFLEXÃO E PRÁTICA 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50

4

RESUMO

A alta tecnologia afeta todas as áreas do conhecimento humano,

impactando significativamente as individualidades e subjetividades. Na

atualidade presencia-se o desdobramento de situações geradoras de

conflitos, pois que os avanços biotecnológicos voltam-se mais para os

aspectos científicos do que para o ser humano considerado de maneira

holística, ao mesmo tempo senhor e paciente das novas tecnologias

desenvolvidas. Tal fato impõe um profundo questionamento ético. Escutar

os pacientes, estender sobre eles o pálio de proteção e cuidado, tocá-los e

ser tocados por eles à porta da morte na intimidade pode vir a ser o que

anda faltando para um aprendizado que venha a iluminar o caminho

existencial dos profissionais, impulsionando-os a novos projetos, novas

perspectivas, novas realizações.

ABSTRACT High technology affects all fields of human knowledge, with a

significant impact on individualities and subjectivities. Currently, one

notices conflict-generating situations, as biotechnological advancements

have a focus on the scientific aspect rather than on the human being seen

as a whole, master and subject of the newly developed technologies. A

deep ethical questioning then unfolds. Listening to patients, placing upon

them the mantle of protection and care, touching them and being touched

by them at the edge of death may be what practitioners lack to develop

and understanding that sheds light on their existential path, impelling

them towards new projects, new perspectives, new accomplishments.

5

INTRODUÇÃO

Uma conquista admirável do século XX foi o aumento da

longevidade, produto de um continuum de mudanças nos índices de alta

fecundidade/alta mortalidade, chegando à baixa fecundidade/baixa

mortalidade. Esse fenômeno, chamado transição demográfica, que de

certa maneira reflete o triunfo da vida sobre o tempo, tem suas fases

descritas por Omran (1971) e revistas por Olshansky & Ault (1986),

demonstra o impacto do envelhecimento no mundo todo, e mostra o

Brasil com elevado e progressivo aumento da população idosa.

O envelhecimento populacional é sinal de desenvolvimento de um

país e traz consigo uma série de desafios para a sociedade. O aumento da

esperança de vida ao nascer vem se sustentando em quase todo o mundo

desde a Segunda Guerra Mundial, e consequentemente um número mais

expressivo de pessoas irá atingir idades mais avançadas.

À transição demográfica alia-se o tremendo desenvolvimento

científico e tecnológico experimentado no século passado, desde técnicas

de imunização e da implantação de saneamento básico ao

desenvolvimento de fármacos e de toda uma aparelhagem tecnológica,

que permitiram que muitas doenças anteriormente fatais passassem a ser

controladas e se tornassem crônicas e de caráter degenerativo, ainda que

compatíveis com a vida. Esse processo se ampliará ainda mais em

decorrência dos avanços nos conhecimentos da engenharia genética e da

biotecnologia, alterando ainda mais, em um futuro próximo, não apenas

indicadores demográficos, como a expectativa de vida, mas

principalmente o próprio limite do tempo de vida ou relógio biológico.

(Fries & Crapo, 1981).

O fato é que são alarmantes os números de mortes em

consequência de longos processos de enfermidade. A Organização Mundial

da Saúde (OMS) estima que 58 milhões de pessoas morrem por ano em

6

todo o mundo. Os registros evidenciam que apenas cerca de 10% de

todas essas mortes são por causas agudas, acidentes, doenças fatais e

catástrofes. Os outros 90% são decorrentes das doenças agudas

incapacitantes e das enfermidades cronicodegenerativas que podem

evoluir com um lento e longo processo de morrer, dependendo da doença

e das comorbidades envolvidas. (Doyle & Woodruff, 2010).

O câncer e as doenças cardiovasculares são os grandes

responsáveis pelos elevados índices de morbidade e mortalidade entre os

idosos; as doenças neurodegenerativas e osteoarticulares estão na base

da incapacidade que acomete esta população, comprometendo sua

autonomia com um enorme prejuízo funcional e um alto grau de

dependência para as atividades do dia-a-dia.

A partir de estudos e investigações sistemáticas, a OMS faz um

grave alerta, referindo-se ao final da vida de pessoas doentes no mundo

inteiro: em países desenvolvidos e em desenvolvimento, pessoas estão

vivendo e morrendo sozinhas e cheias de medo, com suas dores não

mitigadas, sintomas físicos não controlados e as questões psicossociais e

espirituais não atendidas (WHO, 2010). Há que se considerar, ainda, que

especialmente no seu prolongado caminho para o fim da vida, os

pacientes não se beneficiam dos recursos da alta biotecnologia, ainda que

estes estejam disponíveis. O avanço da doença faz com que a morte seja

inevitável, e qualquer terapêutica curativa instituída em uma doença

crônica em fase avançada pode ser considerada fútil e irrazoável.

É neste contexto que a OMS reconhece os Cuidados Paliativos

como a modalidade de atendimento e assistência indicada para as pessoas

portadoras de doenças incuráveis e em fase avançada de evolução para as

quais todos os recursos de possibilidade de cura foram esgotados, sendo o

foco do tratamento a pessoa e não a doença.

Baseada em técnicas desenvolvidas especificamente para pacientes

7

com doenças em fase avançada, terminais, sem qualquer possibilidade de

cura, a Medicina Paliativa pode proporcionar uma alta qualidade da

sobrevida, já que sua proposta terapêutica não é a mudança do curso

natural dos problemas e sim das complicações consequentes, das

intercorrências e de qualquer sintoma que cause sofrimento durante a

evolução da doença. O seu principal objetivo é o controle adequado dos

sintomas que surgem. Os sintomas que causam qualquer tipo de

sofrimento irão influenciar na qualidade do final da vida e a forma de

morrer.

Na última década, muito se tem falado sobre qualidade de vida;

trata-se hoje de uma expressão muito comum. A maioria das ações

humanas visa melhorar a qualidade de vida, seja do indivíduo ou da

comunidade, e, em última instância, é esse conceito que regula as

políticas públicas e as ações privadas. Avanços na área da Saúde foram

responsáveis pelos ganhos mais significativos de qualidade de vida no

passado recente: está bem aceito que os indivíduos estão (em média),

vivendo mais e com mais saúde que nunca antes. Mas “qualidade de

morte” é outra questão. A morte, apesar de inevitável, gera angústia ao

ser cogitada, e, em muitas culturas, constitui-se num tabu. Mesmo

quando pode ser discutida abertamente, as obrigações implícitas no

juramento hipocrático – que são o ponto de partida para toda a medicina

curativa – não se encaixam com as demandas para cuidados paliativos ao

fim da vida, quando é improvável que o paciente se recupere e compete

ao médico (ou mais frequentemente ao cuidador) minimizar o sofrimento

à medida que a morte se aproxima. Mas esse tipo de assistência

raramente existe: de acordo com a Aliança Mundial de Cuidados

Paliativos, mais de 100 milhões de pessoas se beneficiariam de cuidados

paliativos e de hospice por ano (incluindo familiares e cuidadores que

precisam de ajuda e orientação para cuidar), entretanto menos de 8%

delas têm acesso a eles. (Economist, 2010).

8

Poucos países, incluindo países desenvolvidos, com sistemas de

saúde de ponta, incorporam a estratégia dos cuidados paliativos na sua

política geral de saúde – apesar de, em muitos desses países, o aumento

da longevidade e da população idosa significar um provável aumento

muito significativo da demanda por cuidados ao fim da vida. Em termos

globais, a formação em cuidados paliativos é raramente incluída no

currículo das profissões da área da saúde. Instituições especializadas na

provisão de cuidados paliativos e de cuidados ao fim da vida

frequentemente não fazem parte de sistemas nacionais de saúde e muitas

dependem de trabalho voluntário ou têm condição de filantrópicas.

A morte é um evento inevitável: todo ser vivo um dia vai morrer.

Para muitos, trata-se de uma perspectiva angustiante, e muitas culturas a

consideram um tabu. Para os médicos, treinados na arte de curar, a morte

de um paciente é o fracasso de sua atuação profissional.

O juramento hipocrático reza a aplicação “dos regimes para o bem

do doente”, que fundamenta a medicina curativa, mas, muitas vezes, não

se coaduna com as necessidades dos pacientes em vista da

improbabilidade da melhora pelo avanço da doença. Nesses casos, a

tarefa do médico é não a de curar, mas de minimizar o sofrimento à

medida que a morte de aproxima. Sucede que vivemos hoje a

“medicalização” da morte: a tecnologia chegou a tal ponto que se pode

dizer que um paciente internado em uma unidade de terapia intensiva de

um hospital de ponta pode ter sua vida prolongada por muito tempo. Os

avanços tecnológicos na área médica fizeram com que não só os médicos,

mas a sociedade como um todo, perdesse a noção de que a vida é finita.

Na mesma linha o ensinamento de Bernard Lown em seu “A arte

perdida de curar”, publicado em 1997, refere que as escolas de medicina

estão formando “gerentes de biotecnologias complexas” e diz,

textualmente, “a realidade mais fundamental é que houve uma revolução

9

biotecnológica que possibilita o prolongamento interminável do ato de

morrer”. (Siqueira, 2002).

Daí a pertinência do ensinamento de Rubem Alves:

Houve um tempo em que nosso poder perante a morte era muito pequeno. E, por isso, os homens e as mulheres dedicavam-se a ouvir a sua voz e podiam tornar-se sábios na arte de viver. Hoje, nosso poder aumentou; a morte foi definida como inimiga a ser derrotada; fomos possuídos pela fantasia onipotente de nos livrarmos de seu toque. Com isso, nós nos tornamos surdos às lições que ela pode nos ensinar.

A paliação é indicada para qualquer paciente que convive ou está

em risco de desenvolver uma doença que ameaça a vida,

independentemente do diagnóstico, prognóstico ou idade, podendo

complementar e até melhorar o tratamento modificador da doença; em

algumas situações, pode mesmo ser o próprio tratamento. Nesse

contexto, a paliação de qualquer sintoma que cause sofrimento busca dar

ao paciente e a seus familiares a melhor qualidade de vida possível.

É frente a essa realidade desafiadora que os Cuidados Paliativos se

apresentam como uma forma inovadora de assistência na área da saúde,

com um atendimento de alta pertinência e eficácia aos pacientes ao fim da

vida, estendendo sua abrangência ao controle dos sintomas, à assistência

psicossocial e espiritual. É curioso como na era da alta biotecnologia, uma

modalidade de atendimento a pessoas que estão morrendo revele uma

intervenção interdisciplinar com ares revolucionários: um olhar apressado

não captura a dimensão do Cuidado Paliativo, uma práxis na área da

saúde que integra conhecimento científico, interpelação bioética e

sensibilidade diante do sofrimento humano.

10

PERCURSO HISTÓRICO DA PALIAÇÃO

O adjetivo ‘paliativo’ tem como radical o substantivo ‘pálio’, no

latim pallium, que significa originalmente a peça principal do vestuário dos

gregos, também adotado pelos romanos. Significado que se estende a

‘manto’, ‘toga ampla’, ou mesmo ‘coberta’, ‘cobertura’, ou simplesmente

‘veste, sobretudo a usada em ocasiões especiais’.

A base etimológica do ‘paliativo’ é ‘pálio’ abarca um amplo círculo

semântico, destacando-se aqui dois blocos que se tangenciam e se

complementam: um diz respeito àquilo que ‘cobre’, ‘protege’, ‘agasalha’,

‘enleva’, ‘alivia’, ‘defende’ e outro se refere à ‘distinção’, ‘singularização’,

‘individualização’ e ‘poder’. Esse último entendido como encargo, missão e

não como dominação ou honra. Como quer que seja, partindo das

considerações etimológicas, ‘Cuidado Paliativo’ não se restringe ao

paciente que é cuidado, mas se estende àquele que cuida. Constitui, pois,

um processo profundamente intersubjetivo, de uma estreita relação

pessoal. Tal relação pressupõe uma radical crença no sofrimento do

doente; uma radical sensibilidade às suas queixas. Uma intensa atitude de

disponibilidade. Sem isso, a avaliação da intensidade e a extensão da dor,

bem como as conotações psicológicas que a cercam, não podem ser

convenientemente consideradas, o que é fundamental para as decisões de

intervenções médicas. (Oliveira, 2010).

A paliação tem origem nos primórdios da Medicina, embora o

movimento dos Cuidados Paliativos date da segunda metade do século

XX. Desde Hipócrates, o médico deve “curar quando possível, aliviar

quando a cura não for possível e consolar quando não houver mais nada a

fazer” (Doyle, 2004). A tentativa de minimizar a dor durante o processo

de morte permeia textos clássicos, como a Ilíada e a Odisséia. Com a

evolução do pensamento ocidental, floresceu a discussão filosófica sobre o

tema. Pensadores como Montaigne, Spinoza, Heidegger e Hegel – cada

um com diferentes percepções a respeito do ‘refletir sobre a morte’–

11

divergem e complementam a discussão sobre a morte, compondo a

multifacetada complexidade de nossa existência.

A pesquisa de Philippe Ariès sobre o modo como as sociedades

ocidentais vêm lidando com a morte ao longo dos últimos séculos está

publicada em “A História da Morte no Ocidente”, onde são definidas quatro

atitudes diante da morte, cada uma correspondendo a um período

histórico. O primeiro, da “morte domada”, tem relação com um

sentimento antigo de familiaridade com a morte. O moribundo está

resignado: sabe que vai morrer e aceita o seu destino, como os cavaleiros

dos mais antigos romances medievais que se deitavam com a cabeça

voltada para o oriente ao pressentirem a aproximação da morte. O quarto

do moribundo está repleto de familiares, amigos e vizinhos que tomam

parte em sua cerimônia pública de despedida. O segundo período inicia-se

na segunda metade da Idade Média e foi denominado “a morte de si

mesmo”, quando o processo de morrer assume uma conotação

ligeiramente mais sombria. O Juízo Final transfere-se para a cabeceira do

moribundo, como ilustram as gravuras do Ars Moriendi, e seu

comportamento nos momentos derradeiros será vital para definir se ele

merece o Céu ou o Inferno. A morte assume um caráter dramático que

antes não possuía. É também o período do surgimento do cadáver

decomposto na arte e na literatura e da individualização das sepulturas,

com a preocupação em conservar a identidade do homem após a morte. O

terceiro período, “a morte do outro”, começa a partir do século XVIII, com

intensa exaltação da morte, manifestações familiares exageradas de luto e

o culto às sepulturas. Cada vez mais, a morte se distancia de um

acontecimento do cotidiano para se tornar motivo de transtorno. O quarto

e último período sugerido por Ariès é o da “morte interdita”, que vem

desde a segunda metade do século XIX até os dias de hoje, com

exacerbação após as duas Grandes Guerras. A morte é encarada como

vergonhosa, um assunto proibido que desbanca o sexo como o principal

tabu das sociedades. Não se diz ao moribundo que ele está prestes a

12

morrer. Existe um pacto de silêncio que busca ocultar a proximidade da

morte a qualquer custo. Já não se morre em casa, mas nos hospitais,

longe dos familiares – o moribundo perdeu a capacidade de presidir sua

cerimônia ritualística. (Ariès, 2002).

Norbert Elias (2001) é um crítico severo de Ariès, talvez mais que

outros. No entanto, o trabalho do historiador francês ainda se sustenta

com a visão abrangente que temos a nosso dispor sobre as mudanças do

lidar com a morte ao longo da história ocidental. Outros estudiosos

confirmam suas impressões sobre a morte nos tempos modernos. A

psiquiatra Elizabeth Kübler-Ross, nascida na Suíça em 1926, lançou, em

1969, um livro essencial chamado “Sobre a Morte e o Morrer” no qual

apresenta suas conclusões após entrevistas com pacientes portadores de

doenças em fase terminal. Ela propõe cinco fases distintas que seriam

atravessadas pelo doente: negação, raiva, barganha, depressão e

aceitação. É um trabalho pioneiro, não apenas pela definição das fases

(até hoje discutidas, em especial pela carência de método científico), mas

principalmente por colocar em evidência um tema tão controverso.

A história dos hospices remonta às construções que ficavam no

caminho das caravanas de peregrinos no século IV. Não eram

propriamente hospitais, pois recebiam viajantes sãos e doentes,

funcionando como abrigos regidos por religiosos. No entanto, as condições

dos deslocamentos eram por vezes brutais, e muitos chegavam a esses

hospices já moribundos. Os hospices vitorianos da segunda metade do

século XIX foram organizados devido a uma necessidade de

encaminhamento da delicada questão dos pobres que morriam – “home

for the dying poor” (Goldin, 1981). Enquanto os mais abastados morriam

nas enfermarias dos hospitais gerais ou em casa, os pobres eram

indesejados nos hospitais gerais britânicos, que se encontravam em

crescente processo de aceitação como centros de cura em uma sociedade

que se secularizava. Havia, portanto, também uma estratégia de

13

ocupação de um espaço pela Igreja na organização destes hospices. Não

está completamente esclarecido pelos historiadores qual foi o primeiro

hospice. Há registros de que tenha sido o St. Vincent’s Hospital, fundado

em 1830 em Sidney, Austrália, pelas irmãs da Congregação São Vicente

de Paulo, que era uma instituição voltada para o cuidado exclusivamente

de pessoas que iam morrer, emergindo com um discurso crítico àquilo que

acontecia com os pacientes com doenças terminais nos hospitais gerais.

Outros hospices foram surgindo pela Europa, como o Our Lady’s Hospice

em Dublin, 1879 e o St. Joseph’s Hospice em Londres, 1905. O Dr.

Howard Barrett, em 1893, começou um trabalho notável no St. Luke’s

Home for the Dying Poor, em Londres, com os primeiros indícios de uma

aproximação maior entre os profissionais de saúde o moribundo. Suas

ideias, inovadoras para a época, delineavam um modo de pensar as

pessoas ali internadas, não como ‘casos’, mas cada um na sua

singularidade, no microcosmo da particularidade de suas características

próprias, na relevância da sua biografia de onde transbordavam as

alegrias e as tristezas, as esperanças e os medos; cada uma daquelas

pessoas era vista absolutamente diferenciada, profundamente importante

não apenas para si mesma, como também para aqueles poucos com quem

estava convivendo na proximidade do fim da vida. (Saunders, 2003).

Foram esses os antecedentes históricos de Dame Cicely Saunders

(1918 – 2005), enfermeira, assistente social e médica, considerada a

figura principal do hospice moderno. Percebendo que as necessidades dos

moribundos não estavam sendo atendidas nos hospitais tradicionais

ingleses, e após um contato transformador com David Tasma, um de seus

pacientes, ela reuniu esforços para fundar em Londres o St. Christopher’s

Hospice que, desde a sua abertura em 1967, se tornou instituição de

referência no campo dos Cuidados Paliativos e representa o início formal

do ‘moderno movimento hospice’. Saunders impulsionou os estudos na

área da Paliação, abordando a otimização da analgesia, o suporte aos

familiares e o atendimento domiciliar. Era um novo conceito de

14

tratamento com ênfase na qualidade de vida, embasada na valorização da

identidade pessoal:

Você importa porque você é você, e você importa até o último momento de sua vida. Nós faremos o que pudermos para ajudar você a morrer em paz, mas também a viver até o momento da morte.

Saunders cunhou também a expressão ‘dor total’, um sintoma

intolerável que acomete os moribundos. Não é somente dor física, mas

também psicológica, espiritual e até social – exigindo um tratamento

holístico para atingir “a melhor morte possível”. (Saunders, 1966).

A proposta dos conceitos de Cuidados Paliativos difundiu-se pelo

mundo, com grandes centros localizados no Reino Unido, na França, no

Canadá, nos Estados Unidos, na Austrália e Nova Zelândia. Em 1987, a

Medicina Paliativa foi reconhecida como especialidade médica no Reino

Unido. Existe uma forte tendência de crescimento nessa área, o que

traduz a inquietação da sociedade e, sobretudo, dos profissionais de

saúde, no que diz respeito a como lidar com a morte no seu cotidiano.

(Doyle, 2004).

De acordo com informações da Academia Nacional de Cuidados

Paliativos (ANCP), podemos considerar a década de 80 como a do início

dos Cuidados Paliativos no Brasil, com uma expansão mais significativa a

partir do ano 2000. Atualmente, existem pelo menos 40 iniciativas de

provisão de Cuidados Paliativos no Brasil (número que cresce dia a dia),

dentre as quais se destacam os serviços das seguintes instituições:

Hospital Emilio Ribas (SP), Instituto Nacional do Câncer (INCA/RJ),

Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE/SP), Hospital do

Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM/SP), Grupo Interdisciplinar

de Suporte Terapêutico Oncológico (GISTO) do Hospital Erasto Gaertner

(PR), Centro de Estudos e Pesquisas Oncológicas (CEPON/C), Hospital do

15

Câncer de Barretos (SP), Hospital Costa Cavalcanti de Foz do Iguaçu (PR),

Hospital do Câncer de Londrina (PR), entre outros (Matsumoto, 2009).

O Conselho Federal de Medicina (CFM), atento à urgência e à

emergência da paliação no Brasil, instituiu a Câmara Técnica de

Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos, em 2006, reunindo médicos

de diferentes especialidades com experiência em paliação, profissionais

juristas e de outras áreas da saúde.

Mais recentemente a Associação Médica Brasileira (2010) organizou

a Comissão Nacional de Medicina Paliativa, representada pelas

especialidades de Clínica Médica, Pediatria, Geriatria, Cancerologia,

Medicina de Família e Comunidade, cujo objetivo é incentivar a criação da

área de atuação em Medicina Paliativa.

16

CONCEITO

O conceito de Cuidados Paliativos evoluiu ao longo do tempo

acompanhando o desenvolvimento dessa modalidade de assistência em

muitas regiões do mundo. O mais instigante em relação ao conceito dos

Cuidados Paliativos é que a referência é a pessoa doente, suas

necessidades especiais e as de sua família, e não o órgão comprometido,

a idade ou o tipo de doença. Tradicionalmente, os Cuidados Paliativos

eram vistos como sendo aplicáveis exclusivamente no momento em que a

morte era iminente. Hoje, os Cuidados Paliativos são oferecidos no estágio

inicial do curso de uma determinada doença progressiva, avançada e

incurável. (Pessini, 2005).

A OMS começou a dar especial atenção aos Cuidados Paliativos em

1982, quando criou um comitê incumbido de definir políticas para

tratamento e alívio da dor em pacientes com câncer. O documento foi

publicado em 1986 sob o título Cancer Pain Relief (WHO, 1986). Em

1990, esse comitê elaborou o primeiro conceito de cuidado paliativo,

centrado no tratamento de pessoas com câncer (WHO, 1990). Em 1997, a

OMS publica o documento Conquering Suffering, Enriching Humanity, cujo

foco são as doenças não-comunicáveis. Diz o documento:

É inevitável: um dia a vida acaba. Temos que fazer com que isto ocorra de forma mais digna, cuidadosa e menos dolorosa possível. Essa preocupação não é só da área médica per se, mas sim de toda a Sociedade.

Os Cuidados Paliativos são uma abordagem voltada para a

qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares frente a

problemas associados a doenças que põem em risco a vida. A atuação

busca a prevenção e o alívio do sofrimento, através do reconhecimento

precoce, de uma avaliação precisa e criteriosa e do tratamento da dor e

de outros sintomas, e das demandas quer física quer psicossocial ou

espiritual. (WHO, 2002).

17

Digno de nota é a inclusão, nesta definição, dos familiares de

pacientes como também beneficiários dos cuidados e a extrapolação, para

além dos aspectos físicos exclusivamente, do atendimento das demandas

psicossociais e espirituais.

A OMS, atenta à atualidade, à importância e à pertinência do tema,

toma uma posição em relação ao cuidado paliativo, oferecendo-nos um

detalhamento explicativo com ênfase nos aspectos cruciais à

especificidade da sua aplicação (WHO, 2010):

Cuidado Paliativo:

� Promove o alívio da dor e de outros sintomas que geram sofrimento;

� Reafirma a vida e vê a morte como um processo natural;

� Não pretende antecipar e nem postergar a morte;

� Integra aspectos psicossociais e espirituais ao cuidado;

� Oferece um sistema de suporte que auxilia o paciente a viver tão ativamente quanto possível até a morte;

� Oferece um sistema de suporte que auxilia a família e entes queridos a sentirem-se amparados durante todo o processo da doença e no luto;

� Utiliza os recursos de uma equipe multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindo acompanhamento no luto;

� Melhora a qualidade de vida e influencia positivamente no curso da doença;

� Deve ser iniciado o mais precocemente possível, junto a outras medidas de prolongamento de vida – como a quimioterapia e a radioterapia – e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreensão e abordagem dos sintomas.

18

É neste contexto da medicina contemporânea, submersa em uma

espécie de imperativo tecnológico, que domina o seu fazer cotidiano, que

surge o moderno movimento hospice, dentro do qual se inserem os

Cuidados Paliativos (Dunlop, 1998; Twycross, 1998). Tal movimento

emerge em um ethos que se fundamenta na compaixão e no cuidado do

paciente como um todo e no suporte às necessidades da família deste

paciente, enfocados como uma unidade, numa busca ativa de medidas

que aliviem os sintomas angustiantes - em especial a dor - e que possam

dar continente ao seu sofrimento, encarando a morte como parte de um

processo natural da biografia humana e não como um inimigo a ser

enfrentado (Campbell, 1995).

19

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS Em todo o mundo, o contingente de pessoas com idade igual ou

superior a 60 anos tem crescido rapidamente. No final do século passado

eram estimados 590 milhões de indivíduos nessa faixa etária; projeções

apontam para 1 bilhão e 200 milhões em 2025, chegando-se aos 2 bilhões

em 2050. Será então que, pela primeira vez na história da humanidade,

as pessoas com 60 anos ou mais superarão as crianças com idade entre 0

e 14 anos, correspondendo, respectivamente, a 22,1% e 19,6% da

população mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde. (WHO,

2008). A certeza da continuação nos ganhos em anos vividos é

acompanhada pela incerteza a respeito das condições de saúde, renda e

cuidado que experimentarão os longevos.

O envelhecimento da população brasileira também vem ocorrendo

num ritmo acelerado, em que o número de idosos (60 anos ou mais)

passou de 3 milhões em 1960 para 7 milhões em 1975 e 14 milhões em

2002, o que dá um aumento de 500% em quarenta anos. As estimativas

apontam para 32 milhões em 2020, correspondendo à sexta maior

população idosa do mundo. (Veras, 2003).

Em menos de 40 anos, o Brasil passou de um perfil de mortalidade

típico de uma população jovem para um quadro caracterizado por

enfermidades complexas e onerosas, próprias das faixas etárias mais

avançadas. (Gordilho, 2000). Em geral, as doenças dos idosos são

crônicas e múltiplas, perduram por vários anos e exigem

acompanhamento médico constante e medicação contínua. Além disso, a

abordagem médica tradicional, focada em uma queixa principal, e o hábito

médico de reunir as queixas e os sinais em um único diagnóstico pode ser

adequado ao adulto jovem, mas não ao idoso. (Veras, 2003).

Camarano (2006) mostra que o envelhecimento populacional

representa, por um lado, o êxito da saúde pública, que por meio da

20

atuação curativa e preventiva é capaz de modificar a mortalidade e

aumentar a expectativa de vida. Por outro lado, sob o ponto de vista da

economia, principalmente em relação ao impacto previdenciário e nos

custos da assistência à saúde, representa significativo impacto na política

financeira, fazendo com que as questões ligadas à maior expectativa de

vida obriguem uma importante mudança na conduta econômica e social.

Envelhecimento populacional significa um crescimento maior da população

idosa comparativamente aos demais grupos etários.

Assim, qualquer trabalho científico que tenha como objeto central a

preocupação com o idoso se mostra bem-vindo e atual.

O interessante neste cenário é que o envelhecimento populacional

tem sido acompanhado pelo envelhecimento da própria população idosa e

por transformações acentuadas nos arranjos familiares. As perspectivas

para o futuro próximo são de crescimento da população idosa e muito

idosa pela redução da mortalidade nas idades avançadas. Apesar de esse

crescimento vir acompanhado de uma melhoria nas condições de saúde

desse grupo etário, o número de idosos com fragilidades físicas e/ou

mentais tende a crescer, aumentando a demanda por cuidados específicos

para atender as necessidades específicas. (Camarano, 2006).

Também o processo do envelhecimento, com o declínio natural das

funções orgânicas, propicia o aparecimento de doenças crônicas,

incapacitantes e involutivas, e aponta para a necessidade de aprendermos

a lidar com as sequelas e dependências de nossos pacientes. Doenças

incuráveis, como as cardiopatias, as demências, o câncer, a doença renal

crônica, a doença pulmonar obstrutiva crônica, a Doença de Parkinson e o

diabetes acometem preferencialmente os idosos, e fazem com que o

processo da morte delas decorrente afete diretamente a qualidade do seu

final da vida.

21

Além disso, há um impacto tremendo tanto no contexto familiar,

cujos membros acompanham o declínio do seu entre querido por um

longo período de tempo, quanto para o sistema de saúde, que está

preparado para lidar com doenças agudas que podem ser resolvidas em

curto espaço de tempo, mas que, pela novidade do fenômeno do

envelhecimento, ainda não está preparado para os desafios que ele

impõe.

Temos então o seguinte cenário: uma população que envelhece por

sobreviver às doenças infantis que antes ceifavam a vida de crianças

numa proporção gigantesca e por viver em moradias providas de

saneamento básico, bem como a existência de novas medicações e uma

tecnologia médica avançada que hoje torna crônicas doenças até há

poucas décadas fatais quando agudas. Em decorrência do envelhecimento

populacional, as doenças cronicodegenerativas tomaram um espaço

enorme no cotidiano da prática médica tanto em nível ambulatorial quanto

hospitalar.

Espera-se que o número pessoas que sobrevivem até os 80 ou 90

anos ou até mais aumente drasticamente por conta dos avanços da

medicina e da tecnologia médica, bem como das condições sociais e

ambientais.

22

VELHICE E TERMINALIDADE DA VIDA

David Kuhl, médico paliativista canadense, cita que

Falar sobre morrer é muito difícil. Tememos que falar sobre isso possa atrair a morte. Todos nós sabemos que a morrer é inevitável; a morte nos fascina e nos perturba; mas não queremos que ela aconteça. Talvez – pensamos – se não falarmos sobre a morte ela não nos perceba. Talvez se ignorarmos a morte possamos retardá-la ou mesmo escapar dela. (2002)

Em se tratando de pessoas muito idosas, a proximidade da morte

torna-se real. Estamos caminhando, portanto, em um terreno que é, por

excelência, “estranho”, pois a velhice, associada à doença, à pobreza, ao

abandono e à morte, amedronta e ameaça a psique humana.

Lembramos do filme do diretor japonês Shohei Imamura, de 1983,

Balada de Narayama, baseado numa lei de sobrevivência decorrente da

escassez de comida existente na aldeia de Moto-Mura, no interior do

Japão. De acordo com os costumes ainda medievais dessa comunidade, a

tradição exige que aqueles que atingem setenta anos sejam levados ao

alto da montanha de Narayama, onde habita um deus, e lá devem morrer.

O diretor apresenta de maneira comovente a peregrinação do filho

Tatsuhei com a velha mãe Orin.

Mulher participante, ativa e querida na vida familiar e comunitária,

tendo ajudado esse filho viúvo a criar os três netos, é agora carregada por

ele para o alto da montanha. A tristeza do filho é indisfarçável, laços

amorosos o unem a essa mãe. Na descida da montanha, Tatsuhei vê um

filho largando o pai em uma situação bem distinta da sua: o velho está

amarrado, como um pacote, gritando e se debatendo, até que é lançado

montanha abaixo.

23

O filme retrata, assim, que a subida a Narayama pode significar o

cumprimento de uma exigência integrada na cultura, de forma serena, ao

encontro do deus, como no caso da velha Orin, ou a agonia do velho que

é atirado impiedosamente à morte pelo filho.

O antropólogo inglês Geoffrey Gorer (1965) afirma que a morte no

Ocidente é tratada como se fosse pornográfica. Embora tenha havido a

partir da década de 1970 um relativo progresso em relação aos problemas

da morte e do morrer, essa visão, todavia, permaneceu. Mas, se a morte

é tratada como pornográfica, a velhice também o é, na medida em que a

velhice é a vanguarda da morte. Na verdade, o nosso recuo, a nossa

repulsa frente à velhice não é senão o nosso recuo e a nossa repulsa

diante da morte. Assim, não é de estranhar que ambas precisem ser

negadas, ocultadas, silenciadas e até removidas ou abolidas, através de

estratégias de ocultamento e de camuflagem.

Um exemplo claro é o encaminhamento de pacientes já próximos à

morte para o isolamento das unidades de terapia intensiva, sob o pretexto

de proteger suas vidas; e o confinamento de velhos no isolamento de

instituições, sob o pretexto de protegê-los material e moralmente do

desamparo e da solidão. Obviamente, há indicações precisas para tais

encaminhamentos, e não raro existe uma assistência competente, ética e

humanitária. Pelo seu próprio conceito, a unidade de terapia intensiva

engloba o conjunto de atos médicos, de tecnologia, de procedimentos ou

medicações que permitam manter um paciente gravemente enfermo

estável até que o seu organismo possa reagir naturalmente contra a

agressão cirúrgica, traumática, tóxica ou infecciosa que determinou sua

internação naquela unidade, na expectativa de que o paciente volte a ter

uma vida produtiva. Sucede que nos indivíduos idosos, há uma

prevalência de doenças degenerativas que minam sua resistência, e

culminam com a disfunção e falência de órgãos. Os pacientes idosos

morrem sós, longe de seus entes queridos no desconforto de uma unidade

24

fechada, presos a sondas que lhes invadem o corpo, camuflando a

pretensa ideia de que “fizemos tudo o que foi possível”.

É inequívoco que a visão que o homem tem da morte é investida e

trabalhada pelas experiências da cultura e da sociedade. Entretanto, na

origem dessa visão que na atualidade inspira uma repulsa em relação à

velhice e à morte, não estão somente as razões de ordem social, mas na

base dessa recusa assentam-se razões psicológicas, existenciais e até

biológicas. A morte é visceralmente contrária à natureza humana

biológica, metafísica e psicológica e, portanto, sua origem é misteriosa e

inexplicável.

A rigor, morte e velhice são vivenciadas pelo homem como duas

espécies de “fracassos”, como duas lembranças incômodas, como dois

escândalos intelectuais – psicológicos e metafísicos – tão bem apontados

por Simone de Beauvoir (1970-1990). Pertencem, assim, àquelas

categorias que Sartre chama de “irrealizáveis”, que incluem experiências

que não conseguimos prever ou sequer imaginar em nós mesmos. São,

portanto, duas realidades que o ser humano se vê na contingência de

assumir, embora delas não possa ter uma experiência completa.

Em relação à velhice, para nós, o velho é o outro. A nossa velhice

se apodera de nós de surpresa e através do outro. Quando nos

defrontamos com a velhice, devemos assumir uma realidade que é

inegavelmente nós mesmos, embora essa realidade só nos atinja de fora e

permaneça para nós inatingível. Existe, assim, uma contradição

intransponível entre a evidência subjetiva que assegura a nossa

permanência, a nossa continuidade, e a certeza objetiva da nossa

metamorfose. Nisto é que consiste a crise de identificação da velhice.

É no inconsciente que vamos encontrar as razões profundas dessa

assimetria. Por ser o inconsciente um conjunto estruturado de desejos,

por não distinguir entre o verdadeiro e o falso, por não ser reflexivo, ele

25

ignora a velhice e alimenta a ilusão da eterna juventude. Quando esta

ilusão se vê abalada, a consequência é uma ferida narcísica que resulta

em uma crise depressiva, que pode, inclusive se revestir de aspectos

psicóticos. Aliás, Hanna Segal (1957) sugeriu que o medo inconsciente da

morte está subjacente na maioria dos surtos psicóticos na velhice.

Em relação à morte acontece o mesmo que em relação à velhice.

Embora aceitemos a realidade e a inevitabilidade da morte, não podemos

imaginar nossa própria morte. Não podemos imaginar um mundo onde

nós não existimos. Este é o paradoxo primário, a que Weisman (1972) se

refere e que reflete a nossa incapacidade de pensar o mundo separado de

nosso próprio self. Então, a morte acontece com o outro, não comigo. Esta

é uma crença ilógica, mas persistente. Só me reconheço mortal – da

mesma maneira que só me reconheço velho – adotando o ponto de vista

do outro sobre minha própria pessoa. Minha mortalidade não é objeto de

minha experiência íntima, interna. Não a ignoro, levo-a em conta na

prática, mas não a sinto.

Também para o irrealizável da morte, a explicação dessa

assimetria pode ser buscada no inconsciente que, segundo a psicanálise,

da mesma forma que ignora a velhice, ignora a morte. Como diz Freud

([1919] 1980), ostentamos uma tendência para arquivar a morte, para

eliminá-la da vida. No inconsciente todos estamos convencidos da própria

imortalidade.

Mas essa assimetria que caracteriza a reflexão do homem sobre a

morte, isto é, se saber mortal e se sentir imortal, tem sua explicação não

apenas no inconsciente, mas também nas próprias raízes biológicas e

metafísicas do homem.

Do ponto de vista biológico, de acordo com as teorias científicas

modernas e contemporâneas, pode-se afirmar que o que mais caracteriza

o organismo vivo é a imortalidade e não a morte, uma vez que a célula

26

viva, os seres unicelulares são potencialmente imortais. A morte dos seres

superiores, portanto, não se baseia em uma propriedade original da

substância viva, mas decorre de condições especiais de organização dos

seres evoluídos. Os seres vivos, em sua origem e em sua estrutura

elementar não são heiddegerianos: a vida não é para a morte, a morte

surge como um preço da organização, diferenciação e especialização das

células. Daí o caráter equívoco da morte, ao mesmo tempo normal e

patológica, porque contraria a natureza biológica do homem.

Aliás, da mesma maneira, a velhice. A rigor, a biologia não

encontrou uma explicação para a causa do envelhecimento. As diversas e

aprofundadas teorias atuais permitem ver como a velhice se manifesta no

indivíduo, isto é, explicam o efeito, mas não a causa.

Do ponto de vista metafísico, em oposição ao pensamento

heiddegeriano, podemos também dizer que a pessoa humana em sua

essência não é existência para a morte. Se a estrutura fundamental de

nosso ser não contivesse o postulado existencial de “um outro lado”, a

morte seria certamente um fato do futuro, bastante penoso, mas sem

nenhuma ameaça de ordem metafísica. Portanto, é a própria angústia

diante da morte que nos revela que a morte e o nada se opõem à

tendência mais profunda e inevitável do nosso ser – a imortalidade. A

necessidade de imortalidade é uma reivindicação do homem e nenhuma

necessidade pode ser absurda, pois traz e supõe sempre uma

possibilidade, ainda que infinitamente precária, ainda que infinitamente

distante, de resposta.

Apesar de incômodas e escandalosas, lembrando uma espécie de

fracasso, a morte e a velhice funcionam como fatores propulsores do

desenvolvimento humano. Aliás, talvez uma das mais importantes

descobertas do pensamento moderno é que a ideia da morte é a grande

propulsora das atividades humanas, tanto no âmbito individual quanto no

27

coletivo. Nenhum projeto individual ou coletivo se realiza sem a ideia de

morte. Portanto, a ideia da morte é um fator propulsor do

desenvolvimento, em todas as etapas e em todos os níveis, mas

principalmente nos momentos críticos de passagem.

Finalmente, chegamos à última etapa do desenvolvimento da vida

humana, a velhice e o papel que, também nesta etapa, a morte

desempenha como fator do desenvolvimento.

O fator decisivo de mudança nessa etapa não é somente a

consciência da morte pessoal, mas a consciência da proximidade da morte

pessoal e, consequentemente, da ausência da perspectiva de futuro. A

experiência de envelhecer, do ponto de vista fenomenológico, é como uma

pressão do passado que cresce, enquanto diminui a possibilidade de

futuro. Compreende-se, portanto, o medo da velhice, detectado como

medo da morte, nosso receio e nossa repulsa diante dela.

É evidente que perder funções e capacidades é doloroso, é contra a

natureza, mas, ainda assim, é possível manter a dignidade pessoal, é

necessário continuar mantendo o domínio ativo em relação à própria vida,

fundamental para a solução da crise dessa etapa.

Na literatura dramática, o Rei Lear, de Shakespeare, por ser uma

das únicas obras do dramaturgo em que o herói é um velho, é um belo

exemplo da atitude ativa diante da vida (Grinstein, 1973). Na peça, Lear

está com 80 anos e ciente de que sua morte se aproxima. Esse

conhecimento é um determinante em sua decisão de dividir o reino com

as filhas. Através deste gesto, ele procura dominar seu medo de

passividade. Em vez de permitir que seu reino – sua vida – seja dividido e

destroçado por terceiros após sua morte, Lear ativamente se antecipa,

evitando que isso possa ser feito por outros que não ele mesmo. Este

domínio ativo que o leva ao abandono do poder é uma etapa construtiva

para a aceitação de sua morte inevitável.

28

A capacidade de lidar ativamente com as situações em que é

colocado, acompanha Lear até o final da peça. É por este motivo que ele

não atende ao pedido de sua filha Goneril para desfazer-se de seus

cavaleiros, pois eles são uma expressão visível de seu status de monarca

vivo. Ele não permite que sua filha o transforme, ainda vivo, em um

monarca morto.

Da mesma forma que as filhas de Lear, a sociedade negadora da

morte tende a marginalizar o velho, não lhe permitindo manter o domínio

ativo de sua vida. Pelo contrário, lhe impõe uma série de pressões que o

levam à adoção de atitudes de passividade que acabam por vulnerabilizá-

lo e anulá-lo na última etapa do seu desenvolvimento.

Não obstante, manter o domínio ativo é tão importante que, como

fica demonstrado na peça, é a ameaça de perder o controle de sua própria

vida e, portanto, de sua própria morte que, intensificando seu medo da

morte, provoca a “loucura” de Lear. “Loucura” que não deve ser vista

como uma entidade psiquiátrica, pois serve, pelo contrário, como uma

função reparadora do ego frustrado; uma regressão a serviço do ego. As

regressões, tão comuns nos idosos, podem, portanto, estar também a

serviço do ego e ocorrer independente ou concomitantemente com

mudanças orgânicas.

Na peça, a cena da tempestade simboliza a catástrofe interna de

Lear. Mas é importante dizer que, apesar de todas as pressões, ele

prossegue lidando ativamente com as situações. Nesta cena, mais uma

vez ele se despe de todos os seus pertences, em vez de permitir que os

outros façam isto por ele.

Só depois de ter se perdido na floresta e enfrentado a tempestade,

de ter se despojado de suas roupas (ele fica nu na tempestade, isto é,

diante de si mesmo, de suas próprias fraquezas, de sua agressividade e

de suas culpas), é que Lear se torna capaz de perceber e denunciar as

29

falsas aparências que até então o haviam aprisionado. E, assim, ele atinge

a verdadeira compreensão da vida humana, condição para a autêntica

libertação que deve ser a meta dessa última etapa de desenvolvimento.

Podemos, então, dizer que só depois de enfrentarmos a

tempestade é que, como Lear disse à sua filha Cordélia:

Juntos cantaremos, narraremos um ao outro velhos contos; haveremos de rir quando virmos as borboletas douradas; nos permitiremos explicar o segredo das coisas como se fôssemos espiões dos deuses.

Mas, para nos transformarmos em espiões dos deuses que riem

das borboletas douradas, é preciso a coragem de Lear, porque a liberdade

– assim como a verdade – sempre intimida e, por isso mesmo, quase

sempre é recusada. (Grinstein, 1973).

Ao se falar sobre envelhecimento e morte, vem a mente a imagem

de pessoas idosas que estão chegando ao fim da vida, experimentando a

mais pura solidão diante da sua morte que ninguém nem nada pode

evitar. É uma cena perturbadora: a chegada da morte na velhice,

mostrando-se a nós como se fosse um espelho da nossa própria

caminhada até o fim da nossa vida. Chega a dar medo. Um medo que a

humanidade experimenta há tempos, o medo da velhice confundido com

medo da morte. A velhice é entendida como decadência, perda de

capacidades, de vigor e beleza. Quanto à morte, dela nada sabemos;

quando nos deparamos com a realidade da morte, nós costumamos entrar

na mais profunda solidão, ficamos tristemente entregues aos nossos

pensamentos que podem voar para muito longe, até as pessoas que mais

amamos, que nos dá arrepios ao pensá-las fora de nós. E aí? O que é isso,

a vida? Para que vivê-la, se vamos perdê-la? Eis aí um grande mistério da

existência humana: a certeza absoluta da nossa finitude e o esquecimento

necessário desta condição de mortalidade, para darmos vazão aos planos

para o futuro, aos sonhos, aos triunfos do prazer e do amor sobre o

30

inevitável sofrimento e os destroços dos pedaços da nossa vida deixados

pelo ódio.

Ficamos pensando, também, que tudo o que ganhamos vamos

perder, desde a nossa vida que recebemos gratuitamente no nascimento,

até a hora da nossa morte, quando vamos perder a própria vida; que

perdemos a infância, a juventude, os amores, o trabalho, os familiares, os

amigos ... E aí, ao fim e ao cabo, o que nós ganhamos com isso? Não, não

ganhamos mesmo, de novo, o que perdemos: “o que passou, passou”,

cantamos no samba. Mas, se perder é inevitável, que tal nos colocarmos à

tarefa de ir ganhando o tempo todo, como que enchendo o nosso

reservatório de ganhos para nós termos o que perder. Talvez a pior

situação humana seja a daquela pessoa que não tem o que perder,

porque jamais ganhou.

E, pensando ainda na velhice e na finitude, é bom lembrarmos de

que essas preocupações só têm sentido porque pensamos no futuro, nós

nos projetamos para além do momento presente do dia de hoje,

vislumbrando o que vamos fazer amanhã, depois de amanhã, nos dias

que ainda vêm, no tempo futuro. Aliás, o tempo passado tem também

uma grande importância, especialmente na velhice, porque ao longo da

vida, nós acumulamos experiências que vão dando “dicas”, um tipo de

apoio ao que fazemos e ao que planejamos fazer ainda, porque podemos

nos basear em experiências já vividas, com prazer ou sofrimento, coisas

que já experimentamos e já vimos os outros experimentarem. É isso, nós

vamos atravessando o nosso tempo de vida junto com outras pessoas,

aprendendo sempre, projetando um futuro que queremos ver acontecer.

Mas ... “quanto tempo tenho?” Não sabemos responder a essa pergunta e

ninguém pode nos dar a resposta. Na verdade, não temos garantia

alguma de que vamos estar vivos daqui a pouco. É pensando nisso, que

se torna tão importante a questão do limite da vida. É importante para

que nós, na certeza de que somos finitos, possamos buscar uma

31

significação para a nossa vida. Afinal, se ela não dura para sempre, então,

ela é valiosa. Vai acabar e nós, que não temos responsabilidade alguma

pelo fato de termos nascidos, acabamos sendo responsáveis por fazer

alguma coisa pela a nossa vida, que justifique a nossa passagem por ela.

Ao acompanharmos gente envelhecida morrendo, temos a

oportunidade excelente de reparar nos detalhes da solidariedade, nas

possibilidades de expansão do cuidado que prestamos, na nossa

capacidade de fazer e contar histórias de amor ao próximo, aquele que ali

está tão junto de nós, como um representante da humanidade inteira e

que depende de nós para suprir as mínimas necessidades de um ser

humano.

A finitude, ao vivo e a cores esmaecidas na cena da morte das

pessoas idosas, nos leva a perceber as dificuldades das relações

familiares, onde a vida começa, mas nem sempre é o cenário para acabar.

Tantas e tantas pessoas velhas morrem sem um membro sequer da sua

família. Os cuidadores assumem o papel da “família”, uma família criada

no cenário da dependência e da morte, porque ouvir e falar de

envelhecimento e morte faz compreender a esperança e fortalece a fé.

É bom lembramos que a finitude, ao nos mostrar os limites

inexoráveis da vida, nos mostra também os saltos que podemos ir dando

para não desistirmos da busca de um sentido para a nossa vida. Temos

muito incentivos para construir a nossa competência profissional, mas

talvez precisemos dar um jeito de nos motivar para desenvolvermos uma

competência existencial, de tal modo que, vivendo à procura de um

sentido, façamos da nossa vida algo que realmente valha a pena.

32

CUIDADOS PALIATIVOS COMO MODALIDADE DE INTERVENÇÃO

Com o avanço da biotecnologia, doenças que levavam à morte sem

qualquer possibilidade terapêutica podem, hoje, ser tratadas e

controladas. Porém, não são passíveis ainda de serem curadas,

acarretando, como consequência para a pessoa acometida, sequelas que

podem gerar incapacidades, criando graus variáveis de dependência para

as suas necessidades básicas, como alimentação, higiene, gerência

administrativa e financeira. Nesse momento, a perda da autonomia se

estabelece e a pessoa, particularmente a de mais idade, se torna um ser

dependente. (Burlá, 2006).

Vale lembrar que cada pessoa possui um código pessoal de

conceitos, desenvolve o seu próprio processo de adoecimento e mantém

uma relação peculiar com a sua doença e com a aproximação da sua

morte. (Burlá & Py, 2004).

Para fazer frente às necessidades de pacientes que perdem

qualquer possibilidade de tratamento voltado para a cura, surgem os

Cuidados Paliativos, com ações destinadas ao bem-estar físico e espiritual,

com alívio da dor e de outros sintomas, oferecendo-lhes conforto e

maiores possibilidades de aproximação dos seus familiares e amigos.

Esse cenário veio provocar mudanças significativas na abordagem

terapêutica das pessoas doentes, especialmente quando portadoras de

doenças crônicas em fase avançada. Os médicos são treinados para salvar

vidas, e a morte de um paciente representa o fracasso profissional do

médico: a morte é um inimigo a ser derrotado. Há, então, o choque –

profissional, ético, moral – quando o médico, treinado para fazer todo o

possível para manter seu paciente vivo, se vê diante de um indivíduo

idoso com doença crônica em fase avançada, que já não mais responde a

qualquer terapêutica curativa. Mais do que o conhecimento técnico, é

essencial a competência humanística com humildade para perceber o

33

processo de terminalidade da vida. Neste momento a atuação profissional

não visa medidas de prolongamento artificial da vida, mas sim

proporcionar o maior conforto possível para que a pessoa doente consiga

viver até o momento da sua morte. (Burlá, 2006).

Na área da paliação, é preciso observar a diferença entre Cuidados

Paliativos e Cuidados ao Fim da Vida. Cuidados Paliativos devem ser

aplicados ao paciente num continuum, par e passo com outros

tratamentos pertinentes ao seu caso, desde a definição de uma doença

incurável e progressiva. Os Cuidados ao Fim da Vida são uma parte

importante dos Cuidados Paliativos, referindo-se à assistência que um

paciente deve receber durante a última etapa de sua vida, a partir do

momento em que fica claro que ele se encontra em um estado de declínio

progressivo e inexorável, aproximando-se da morte (Watson, 2009).

Vemos que é notória a expansão dos Cuidados Paliativos no mundo

inteiro, também se fazendo presente no Brasil. A esse respeito, fala-nos

Floriani (2009):

Tal difusão parece, de fato, ser irreversível e configura-se como uma necessidade não só técnica, relativa ao saber-fazer dos profissionais envolvidos, mas também moral, devido às situações de abandono pelas quais passam os pacientes que necessitam de intervenções que sejam consistentes com a busca de alívio de seus sofrimentos no fim da vida.

A intervenção paliativa constitui-se numa modalidade terapêutica

interdisciplinar que objetiva o alívio do sofrimento e a melhora da

qualidade de vida de pessoas com doença incurável, em evolução para a

morte. É específica para aplicação em situações em que existe uma

expectativa de vida limitada pela própria progressão da doença e as

intervenções não irão influenciar no tempo de vida da pessoa, mas, sim,

34

na sua qualidade, aliviando qualquer sintoma que acarrete sofrimento.

(Cherny, 2004).

O principal objetivo da paliação é o controle adequado dos

sintomas presentes no avanço da doença incurável que está evoluindo

para a morte. Os sintomas que causam qualquer tipo de sofrimento

influenciam na qualidade de vida e no estilo de morte que a pessoa terá.

Os Cuidados Paliativos apresentam uma dimensão ampla e devem ser

iniciados já a partir do diagnóstico de uma doença incurável. A evolução

da doença crônica, degenerativa e progressiva é caracterizada por um

declínio funcional dos órgãos acometidos, culminando com a falência

orgânica. Esse estado de falência é decorrente de uma evolução

declinante da função e faz com que o organismo, em pleno estado

catabólico, não mais consiga responder a nenhum estímulo externo, o que

dificulta enormemente a abordagem medicamentosa. (Twycross, 1995;

Burlá, 2006).

A concretização dos Cuidados Paliativos acontece na dinâmica

interdisciplinar. Para melhor assimilarmos essa modalidade de

intervenção, faz-se necessária uma visita aos cânones da

interdisciplinaridade.

A interdisciplinaridade é o estatuto da insuficiência dos saberes

isolados. Nenhuma ciência, nenhuma área do conhecimento retém o

patrimônio da verdade, ou é fonte de todos os valores. É que a

interdisciplinaridade pressupõe a capacidade de transformar um tema em

problema, em procura, em vida.

Tratar de interdisciplinaridade ou de multidisciplinaridade é

reconhecer como fonte de inspiração as articulações da Epistemologia. E a

preocupação fundamental de uma reflexão epistemológica é a de “situar

os problemas tais como eles se colocam ou se omitem, se resolvem ou

desaparecem na prática efetiva dos cientistas”. É a de permitir que as

35

ciências ou os saberes dialoguem entre si, entrem em confrontação

mútua, ou até mesmo em um sadio conflito. É a de tomar as ciências ou

os saberes em sua historicidade, não admitindo sua neutralidade, mas

discutindo sua origem e sua destinação. E aí se encontra o homem.

(Japiassu, 1976).

O objetivo, sem dúvida, utópico da interdisciplinaridade se volta à

unidade do saber, mas não só; volta-se também à unidade do fazer. Com

certeza, quando se fragmenta o saber e o fazer, fragmenta-se a pessoa,

sujeito destes processos.

Da mesma forma que não há um saber nem um conhecimento

mais alto, ou mais nobre, ou mais importante que os demais, não há

também um participante do processo que se sobreponha aos outros.

Pode-se dizer que, sob este aspecto, a interdisciplinaridade se

constitui em um grande acordo, que prevê relações bem transitivas e

estreitas alianças entre os participantes do processo, incluindo-se aí, o

idoso.

É claro que tudo isso é problemático. A conjugação de saberes e de

fazeres é fruto de muita atenção e esforço. É uma conquista a cada dia

acontecida (Oliveira, 2010).

A superação dos conflitos inerentes ao ser humano e à sociedade e

o dimensionamento dos comportamentos pessoais e coletivos, no sentido

da construção da vida feliz numa sociedade justa são obra de todo o

horizonte do saber. É esta a raiz da interdisciplinaridade. Ninguém – ou

nenhum conhecimento – tem uma ética só para si, mas a tem em relação

aos outros e ao mundo exterior (Pegoraro, 1995). Portanto, a ética não

deve se limitar à prescrição de comportamentos aplicados a uma

determinada disciplina, mas avalia, em termos interdisciplinares, com

igual importância, a dimensão geral do saber, para o qual não apenas o

36

intelecto humano, mas também o seu coração, se dirige. Distanciar-se da

esfera das ações individualizadas, departamentalizadas, fragmentadas

entre diversos profissionais é o grande horizonte da interdisciplinaridade.

A impessoalidade que rege a prática médica atual, diante das

múltiplas demandas e carências do indivíduo, particularizando-se o idoso

com doença cronicodegenerativa em fase avançada, torna sua aplicação

insuficiente e ineficaz.

A proposta dos Cuidados Paliativos, especialmente no cenário da

terminalidade da vida, vem provocar uma transformação no atendimento

médico, ampliando o horizonte do campo da saúde, enfatizando a relação

profissional-paciente-familiares, no contexto da interdisciplinaridade e,

ousadamente, trazendo para o centro da atenção o ser humano na sua

integralidade. (Burlá & Py, 2005). Pode-se, então, dizer:

É assim que a paliação, aliada à Bioética, inaugura uma nova concepção de investigação e intervenção em pacientes na situação de adoecimento fatal que, confrontando paradigmas estabelecidos e sacralizados na cultura médica contemporânea, propõe novidades na competência de uma medicina mais humana.

Escutar os pacientes, estender sobre eles o pálio de proteção e

cuidado, tocá-los e ser tocados por eles à porta da morte na intimidade

pode vir a ser o que anda faltando para um aprendizado que venha a

iluminar o caminho existencial dos profissionais, impulsionando-os a novos

projetos, novos sonhos, novas realizações.

37

CONFLITOS ÉTICOS AO FIM DA VIDA

Para muitos, luta contra a morte é um dos objetivos da medicina,

mas é imperiosa a existência de uma tensão entre esse combate e o dever

da medicina de aceitar a morte como destino de todos os seres humanos.

Assim, o tratamento médico deve ser tal que possibilite a ocorrência de

uma morte “em paz”, com dignidade, num ambiente de acolhimento e

tranquilidade, minimizando-se ao máximo a dor e o sofrimento. Se a

medicina não pode garantir uma morte “em paz”, também não pode

considerá-la um acidente biológico evitável ou uma falha do profissional. A

morte é resultado do nascer e vem para todos, mais cedo ou mais tarde,

independente do tratamento médico oferecido. Ao considerar a morte uma

inimiga a ser derrotada, o arsenal médico contemporâneo consegue, pelo

que se pode chamar de tratamento fútil ou obstinação terapêutica,

estender a vida para além de qualquer benefício do paciente, privilegiando

o emprego do aparato tecnológico em detrimento do cuidado humano

àquele que está morrendo.

Os tratamentos nunca são fúteis por si sós, mas devem ser

considerados relativamente ao objetivo que almejam. O enfoque não é

sobre as qualidades ou defeitos inerentes à intervenção, mas sim qual a

efetiva utilidade da intervenção. Trata-se de questão controversa, pois

segundo B. Phillips, “existe desacordo quanto à seleção de objetivos,

precisamente porque o ato de escolher em si mesmo representa uma

escolha de valores sobre os quais as pessoas têm pontos de vista

diferentes e portanto discordam. Por essa razão, a busca de uma fórmula

comum em relação à qual os tratamentos podem ser considerados fúteis,

ou por uma única definição de futilidade, é condenada ao fracasso.”

(Pessini, 2001).

Compete à sociedade, à luz do arsenal terapêutico hoje disponível,

estabelecer padrões morais, éticos e médicos para a cessação da

terapêutica prolongadora da vida em pacientes com doença em fase

38

terminal. Tal decisão, entretanto, não é do corpo clínico exclusivamente. É

absolutamente essencial ouvir os desejos do paciente e de seus familiares.

Ao tomar a decisão de renunciar a determinados tratamentos, deve-se

levar em conta o quanto de angústia e aflição a terapêutica a ser

empregada causa no paciente, seu benefício em proporcionar uma

qualidade de vida (que pressupõe uma vida digna) aceitável ao paciente e

a disponibilidade de recursos que permitam levar a cabo os tratamentos

pretendidos. Compete ao médico, a quem é conferido grande poder nessa

circunstância, equilibrar as necessidades do paciente com uma prática

clínica ética e íntegra, de tal forma que a vida não seja abreviada, e que a

morte ocorra natural e tranquilamente.

O aparente conflito ético que se instala no médico vem da sua

formação em curar, em “proporcionar vida”, não em deixar morrer. A

morte, como dito anteriormente, representa o fracasso da atuação

profissional. Aliado a esse conflito ético, existem considerações legais a

serem observadas. A vida é considerada o bem mais precioso do homem,

e as leis, ao longo dos anos, vêm conferindo-lhe grande proteção, seja

relativamente a atos comissivos quanto a atos omissivos. O código penal

brasileiro considera crime tanto o homicídio (art. 121, “matar alguém”)

quanto à omissão de socorro (art. 135, “deixar de prestar assistência,

quando possível fazê-lo sem risco pessoal... à pessoa inválida ou ferida...

em grave e iminente perigo de vida”, sendo a pena triplicada em caso de

morte). Se a eutanásia (matar o paciente frágil e debilitado para poupar-

lhe dor e sofrimento extremos) pode se encaixar no primeiro grupo, a lei

protege – e pode-se dizer mesmo que prescreve – a prática da distanásia

(o prolongamento obstinado da vida para além do seu limite natural,

acompanhada de dor e sofrimento).

Um grande avanço na área foi proporcionado pela Constituição

Federal brasileira de 1988, ao contemplar o princípio da Dignidade da

Pessoa Humana (art 1º, III). A partir daí, o conceito de “vida digna”

39

ganhou corpo nas discussões jurídicas em nosso país. Ao direito à vida

equipara-se o direito à dignidade humana. Trata-se de uma discussão

ainda incipiente em nosso país, eis que arraigada na cultura social, com

reflexo na prática médica, a noção de que tudo deve ser feito para

preservar a vida. Na esteira dessa discussão, alguns institutos presentes

em legislações estrangeiras, notadamente na dos Estados Unidos e na de

alguns países europeus, vêm sendo considerados e discutidos, apesar de

ainda não formalmente regulamentados.

Um deles é o das “diretivas antecipadas”. Trata-se de um

documento redigido por uma pessoa capaz dispondo sobre suas vontades

relativamente a tratamentos que venham a ser necessários no futuro.

Subdivide-se em “testamento vital”, em que a pessoa determina, de

forma escrita, que tipo de tratamento ou não-tratamento deseja se e

quando se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz

de manifestar sua vontade; e no mandado duradouro, pelo qual o

paciente escolhe uma pessoa que deverá tomar decisões em seu nome

quando ele não mais puder exprimir sua vontade. (Bostiancic & Dadalto,

2010).

Importa, portanto que saibamos como define com muita precisão o

bioeticista espanhol Miguel A. Sãnchez González, que

As diretivas antecipadas devem servir primordialmente para que o paciente tome consciência de suas alternativas de tratamento, envolva-se em certas escolhas e controle, tanto a assistência médica que lhe é prestada, como a maneira que se dará a sua morte, tudo de acordo com seus próprios valores e objetivos de vida. (2005)

O outro documento em pauta é a ordem de não reanimar. Trata-se

de uma decisão tomada pelo paciente ou seus familiares em comum

acordo com a equipe médica para que não sejam implementadas medidas

de reanimação caso aquele paciente venha a sofrer uma parada

cardiorrespiratória. Tal decisão é tomada considerando-se que a atenção

40

do médico é a saúde do ser humano; que o prolongamento do processo

de morte gera sofrimento para o paciente, seus familiares e para a equipe

clínica; e que é dever do médico informar ao paciente o diagnóstico, o

prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento. A parada

cardiorrespiratória deve ser considerada o evento final de um paciente

com doença terminal e a ordem de não reanimar deve ser registrada pelo

médico no prontuário do paciente.

O Conselho Federal de Medicina, órgão máximo no País, que regula

o exercício profissional dos médicos que atuam no Brasil, iniciou, no final

de 2007, um processo de revisão do código de ética médica vigente, que

data de 1988. Passados vinte anos, muita coisa mudou na área dos

cuidados da saúde, seja em termos de consciência cidadã ou no

comportamento ético da população e dos profissionais. O Código de Ética

Médica (Resolução CFM 1931/2009) recém publicado, traz novidades

como a previsão de Cuidados Paliativos, o reforço à autonomia do

paciente e regras para reprodução assistida e manipulação genética. O

objetivo, segundo os formuladores, foi construir um código atento aos

avanços tecnológicos e científicos, à autonomia e ao esclarecimento do

paciente, além de reconhecer claramente o processo de “terminalidade”

da vida humana.

A autonomia tem sido um dos itens de maior destaque. O

documento diz que o médico deverá aceitar as escolhas de seus pacientes,

desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas, ou seja, no

processo de tomada de decisões profissionais, “o médico aceitará as

escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e

terapêuticos”. Além disso, o paciente tem direito a uma segunda opinião e

de ser encaminhado a outro médico. Ao mesmo tempo, o médico não

pode desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente determinados

por outro médico. A exceção é quanto houver situação de indiscutível

41

benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao

médico responsável (CFM, 2010).

Dentre os Princípios Fundamentais, o Código de Ética Médica diz

que

VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará

sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para

causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano

ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e

integridade.

XXII – Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico

evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos

desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os

cuidados paliativos apropriados.

Sabemos todos que não há vida sem morte. Como disse o poeta

indiano Tagore, “morrer pertence à vida como o nascer ... a morte não

pode roubar nada do que a nossa alma tiver conquistado porque suas

conquistas se identificam com a própria vida.” Dentro desse contexto, a

morte é vista como parte integrante da vida, e não a “indesejável das

gentes” de Manuel Bandeira.

Diante do fenômeno do envelhecimento populacional e do arsenal

tecnológico desenvolvido na área da saúde, várias questões de natureza

ética se impõem aos profissionais da área, notadamente aos que lidam

com pessoas idosas ao final da sua vida.

42

BIOÉTICA: UM CAMPO DE REFLEXÃO E PRÁTICA

A Bioética, uma ética da vida, surge no universo da tecnociência e

das práticas de intervenção para orientar e balizar modos de pensar e agir

em todas as circunstâncias em que a ação humana incide sobre

fenômenos críticos da vida, como no processo da terminalidade da vida

humana. No contexto científico, como uma reflexão sobre tudo o que

interfira no respeito à qualidade e dignidade da vida, representando o

resgate da ética, da condição plena de cidadania e do respeito às

diferenças. Na definição de Kottow (1995), trata-se do "conjunto de

conceitos, argumentos e normas que valorizam e legitimam eticamente os

atos humanos, que podem ter efeitos irreversíveis sobre fenômenos

vitais".

Na introdução de seu livro Bioethics: bridge to the future, Van

Rensselaer Potter diz que "se existem duas culturas que parecem

incapazes de dialogar - as ciências e as humanidades - e se isto se

apresenta como uma razão pela qual o futuro se mostra duvidoso, então,

possivelmente, poderíamos construir uma ponte para o futuro,

construindo a Bioética como uma ponte entre as duas culturas. No termo

bioética (do grego "bios", vida, e "ethos", ética) "bios" representa o

conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e "ethos" representa

o conhecimento dos valores humanos". Considerando que a “universidade

deveria ser o lugar de permanente busca da verdade orientada para o

futuro visando transmitir às gerações de acadêmicos não só

conhecimentos, mas também, juízos de valores”, Potter sugere que para

superar os exíguos limites reflexivos das disciplinas, há que se elaborar a

construção do saber em perspectivas interdisciplinares na busca de uma

“ciência da sobrevivência” para a espécie humana. (Potter, 1971).

A Bioética vem refletir sobre problemas que surgiram por conta dos

avanços científicos e tecnológicos e seu impacto sobre o agir. Até que

43

ponto os avanços científicos representam uma avanço no que diz respeito

à dignidade, autonomia e independência do ser humano? A Bioética lança

seu olhar sobre todo o espectro da existência humana, desde a concepção

e o nascimento (reprodução assistida, clonagem, aborto, terapia gênica,

pesquisas com células-tronco embrionárias), passando pelo viver

(autonomia e responsabilidade pelas ações, escolhas e consequências no

que diz respeito à utilização de tecnologias especialmente em pesquisas

com seres humanos, e na aplicação justa dos recursos) e chegando ao

final da vida, o morrer, em que emergem situações relacionadas à

eutanásia, distanásia, mistanásia e ortotanásia.

Desde os princípios estabelecidos em 1978 no documento The

Belmont Report e no clássico, surgido um ano depois, Principles of

Biomedical Ethics, de Beauchamp e Childress, a Bioética vem alcançando

grande repercussão, com um considerável avanço em diferentes áreas do

conhecimento. A obra de 1978 estabelece os seguintes princípios básicos

na pesquisa com seres humanos:

� Autonomia: garantir a autodeterminação e o autogoverno

� Beneficência: praticar o bem

� Justiça: assegurar a liberdade e a equidade

Beauchamp & Childress (1979) estendem os princípios contidos no

The Belmont Report para a clínica médica, retrabalhando-os e,

desdobrando o “princípio da beneficência”, criam um quarto princípio, a

“não-maleficência”: não causar danos.

O princípio da autonomia visa garantir a autodeterminação e o

autogoverno do paciente nas decisões sobre o tratamento que lhe deva

ser dispensado. Há casos, porém, de incapacidade do paciente para

exercer esse direito, muito freqüente, por exemplo, nas demências. Nesse

caso, alguém da sua família assume a responsabilidade de estar no lugar

de decisão, em comunicação com os profissionais. (Doll & Py, 2007). E,

44

quando não há familiares, é obrigação ética do profissional,

particularmente do médico, tomar as iniciativas que venham a atender as

necessidades do paciente, na legitimidade dos preceitos da Bioética.

(Drane & Pessini, 2005)

O princípio da beneficência visa à prática do bem. As intervenções

devem pautar-se numa cumplicidade que alie conhecimentos e

solidariedade, onde se incluem os profissionais da equipe de saúde, o

paciente e seus familiares. (Doll & Py, 2007) O cerne da beneficência está

no entendimento de que “sofrer é uma experiência existencial e o alívio

começa com a atenção compassiva à pessoa inteira” (Drane & Pessini,

2005)

O princípio da não-maleficência visa não causar danos ao paciente,

em quaisquer circunstâncias da assistência. (Doll & Py, 2007) É um

princípio importantíssimo na atualidade do avanço acelerado da tecnologia

biomédica que absorve o sonho da imortalidade humana As curas

extraordinárias e o controle alongado de doenças fatais constituem-se, na

visão de Pessini (2001) “numa versão secularizada do milagre religioso.”

O princípio da justiça visa assegurar a equidade na aplicação de

recursos disponíveis para o atendimento às necessidades dos pacientes.

(Doll & Py, 2007) Refere-se à “imparcialidade na distribuição dos riscos e

benefícios [...] os iguais devem ser tratados igualmente.” (Pessini &

Barchifontaine, 2005). Sem desconsiderar a importância deste princípio,

os autores lembram o seu forte caráter de individualização, que

desconsidera a amplitude social da proteção aos mais básicos direitos de

um ser humano:

Qualquer país que respeita o seu próprio povo o faz por meio do princípio de justiça: todos devem ter igual acesso aos benefícios da Medicina. Os recursos para a saúde devem ser distribuídos pelo critério da justiça a fim de que uns não sejam mais beneficiados que outros. No Brasil e na própria América Latina, não seria o clamor

45

pela justiça, presente na vida de milhões de injustiçados sociais, mais convincente que a formulação teórica da Bioética calcada no princípio da autonomia?

A crítica instigante ao processo de construção conceitual da

Bioética, desenvolvida por Pessini e Barchifontaine (1998), a partir do que

denominam “Bioética made in USA”, chama a atenção para as

peculiaridades que devem reger uma Bioética essencialmente latino-

americana. Propõem uma “macrobioética” fundamentada nas questões

socioeconômicas centrais que determinam a política de exclusão na

América Latina, em contraponto à “microbioética” anglo-americana,

principalista, direcionada para casos individuais. Na verdade, esses dois

campos não são excludentes, mas complementares. De acordo com os

autores:

Os problemas bioéticos mais importantes da América Latina e Caribe são aqueles que se relacionam com a justiça, equidade e alocação de recursos na área da saúde [...] Ao princípio da autonomia, tão importante na perspectiva anglo-americana, precisamos justapor o princípio da justiça, equidade e solidariedade.

No texto de Pontes & Schramm (2004), o princípio de proteção

expressa o princípio de responsabilidade, justamente onde a Bioética

aponta para dimensão pública da gestão da saúde. As situações de

desigualdade de acesso são um problema da responsabilidade do Estado

que tem a seu cargo resolvê-lo com o desenvolvimento de políticas

públicas adequadas.

Na terminalidade da vida, especialmente quando se trata de

idosos, no panorama demográfico e epidemiológico atual, com o

prolongamento progressivo e acentuado da vida humana, os referenciais

da Bioética apontam caminhos de ações individuais e sociais que iluminam

a difícil tarefa de cuidar do processo de morrer no campo social da saúde.

46

E não podemos falar de Cuidados Paliativos sem ressaltarmos a

Bioética que perpassa toda estruturação e a dinâmica do Cuidado.

Destacamos, aqui, a Justiça, na exigência de um atendimento equânime à

saúde de todas as pessoas, sem qualquer distinção.

Toda atenção ainda poderá não ser suficiente para o alerta em

relação às possibilidades da “boa morte”. Por exemplo, a crucial questão

da comunicação profissional-paciente, especialmente na relação médico-

paciente, impõe-se como prioridade máxima. Na argumentação de Floriani

(2009), truncamentos nessa comunicação e a consequente desmedida

autoridade profissional na definição das intervenções sobrepõem-se ao

respeito ao paciente, solapando as possibilidades de diálogo em que o

paciente é reconhecido como protagonista do seu processo de morrer.

Triunfa, então, o controle profissional sobre o final da vida de um ser

biográfico.

Algumas enfermidades são devastadoras assumindo características

plurais e muito complexas. E ainda assim, mesmo com todo o arsenal

terapêutico disponível, a doença progride com mais “poder” que o

tratamento e faz com que o paciente fique à mercê do curso evolutivo

sem qualquer benefício dos tratamentos instituídos visando à cura ou ao

prolongamento da sua vida.

Cabe a esses profissionais, e especificamente ao médico, ao se

depararem com o paciente no processo de morrer, uma compreensão da

situação para a organização de uma estratégia realista, visando a um

trabalho convergente e harmônico numa equipe interdisciplinar que se

destine a lidar com as necessidades da pessoa muito doente no final da

vida.

47

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Cuidados Paliativos são uma resposta ativa aos problemas

decorrentes da doença prolongada, incurável e progressiva, na tentativa

de prevenir o sofrimento e proporcionar a máxima qualidade de vida

possível às pessoas doentes e seus familiares. Essa modalidade de

tratamento é altamente intervencionista no que tange ao alívio dos

sintomas que geram qualquer tipo de sofrimento para a pessoa. Combina

harmonicamente a ciência com o humanismo. É essencial que os

profissionais tenham um amadurecimento pessoal para conseguir

perceber as demandas do seu paciente, assim como conhecer

profundamente as doenças envolvidas e as possibilidades de intervenção,

farmacológicas e não-farmacológicas. Os médicos jamais devem perder o

foco da sua atuação: a pessoa doente no seu final da vida, um processo

que pode levar dias, semanas ou meses.

É importante observar que a doença terminal atravessa todas as

faixas etárias, desde o recém-nascido até o idoso frágil. Assim, uma

parcela bastante expressiva da população poderá ser beneficiada quando

o sistema de saúde incorporar essa modalidade de atendimento

diferenciado.

Os Cuidados Paliativos não são cuidados menores no sistema de

saúde, não se resumem a uma intervenção de caridade bem intencionada,

não se destinam a um grupo reduzido de situações, não restringem a sua

aplicação aos moribundos nos últimos dias de vida e, pela especificidade

das intervenções são diferenciados dos cuidados continuados. Os Cuidados

Paliativos não são dispendiosos e não encarecem os gastos dos sistemas

de saúde (na realidade, tendem mesmo a reduzi-los pela melhor

racionalização da assistência).

48

A paliação é centrada na valorização da dignidade da pessoa que,

mesmo doente, vulnerável e limitada, tem o direito de viver sua vida até o

final com o máximo de conforto e qualidade.

Como proposta, há que se destacar:

1- Os Cuidados Paliativos deverão ser parte integrante do sistema de

saúde, promovendo uma intervenção técnica que requer formação e

treinamento específico de todos os profissionais de saúde.

2- Os Cuidados Paliativos, quando corretamente prestados, previnem o

sofrimento desencadeado pelos sintomas (dor, fadiga, dificuldade para

respirar, agitação, entre outros) e pelas múltiplas perdas associadas à

doença crônica e terminal (da potencialidade do corpo às questões

psicológicas), podendo inclusive minimizar o processo de lutos

complicados.

3- Os Cuidados Paliativos são assegurados pela intervenção

interdisciplinar em que a pessoa doente e sua família são o centro

gerador das decisões de uma equipe que idealmente integra médicos,

enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas,

musicoterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais,

nutricionistas,e também profissionais da área do Direito, da Filosofia,

da Teologia. Cada técnico, de posse da sua expertise, será convocado

diante das necessidades específicas do paciente e de seus familiares.

4- Os Cuidados Paliativos auxiliam as pessoas que estão na sua fase final

da vida a viver tão ativamente quanto possível até a sua morte

49

utilizando os recursos técnico-científicos já estabelecidos, acrescidos de

intervenções humanas e criativas por parte dos profissionais

envolvidos.

Por fim cabe ressaltar que os Cuidados Paliativos constituem hoje

uma resposta indispensável aos problemas do final da vida. Em nome da

ética, da dignidade e do bem estar de cada Homem é preciso torná-los

cada vez mais uma realidade.

50

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