melanoma subungueal in situ tratado com cirurgia...

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Diagn Tratamento. 2012;17(1):14-7. Dermatologia Melanoma subungueal in situ tratado com cirurgia funcional Hamilton Ometto Stolf I , Hélio Amante Miot I , Nilton de Ávila Reis II Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Universidade Estadual Paulista (Unesp) INTRODUÇÃO O melanoma subungueal representa aproximadamente 2% a 3% dos melanomas cutâneos em pacientes caucasianos 1 e 20% em pacientes negros 2 ou asiáticos. 3 A exposição solar, tida com principal fator de risco para o melanoma cutâneo, 4 parece desempenhar papel secundário no desenvolvimento da variante subungueal, 5 uma vez que a ra- diação ultravioleta dificilmente penetra no leito ungueal. Além disso, nevos subungueais como lesões precursoras são extrema- mente raros. 6 Os polegares e háluces são os mais acometidos, sendo o po- legar responsável por 56% dos casos entre todos os dedos e o hálux por 86% dos dedos dos pés. 7 A confirmação do diagnóstico é feita a partir do exame ana- tomopatológico da lesão, geralmente localizada na matriz ou leito ungueal. A verificação histológica do melanoma subun- gueal é frequentemente postergada por conta do atraso no diag- nóstico clínico, 8-10 gerando piora do prognóstico. O prognóstico geralmente é ruim: as taxas de sobrevida real de cinco anos variam entre 16% a 20%, podendo atingir até 80% se consideradas taxas de sobrevida estimada. 2,3,11-18 RELATO DE CASO Paciente de 44 anos, do sexo feminino, professora, com quei- xa de aparecimento de mancha na unha do hálux direito há cin- co anos. Relata aumento progressivo lento na largura da faixa. Ao exame dermatológico, apresentava faixa de melanoníquia extensa, irregular, bordas mal definidas e estria de pigmentação mais acentuada em uma das margens do leito ungueal do hálux direito (Figura 1). Exame dermatoscópico (aparelho Dermalite II Pro, aumento de 10 vezes) confirmou faixas irregulares e co- res variadas de hiperpigmentação. Foi realizada a avulsão parcial da lâmina ungueal e incisão na prega ungueal lateral para visualização do local da origem da pigmentação no leito ungueal, onde se procedeu a biópsia cutânea (Figura 2). O resultado anatomopatológico foi de me- lanoma in situ. I Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Botucatu. II Clínica privada em São Paulo. Figura 1. Melanoníquia estriada no hálux e detalhe com aumento de 10 vezes com dermatoscópico. Notar irregularidade das faixas de hiperpigmentação e suas variações nas cores (cinza, marrom escuro e negro). Figura 2. Avulsão parcial da lâmina ungueal, incisão na prega ungueal e biópsia elíptica com bisturi lâmina 15 da região enegrecida do leito ungueal (A). Sutura da prega ungueal com fio mononylon 5/0 após a retirada do fragmento de biópsia (B).

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Diagn Tratamento. 2012;17(1):14-7.

Dermatologia

Melanoma subungueal in situ tratado com cirurgia funcionalHamilton Ometto StolfI, Hélio Amante MiotI, Nilton de Ávila ReisII

Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Universidade Estadual Paulista (Unesp)

INTRODUÇÃOO melanoma subungueal representa aproximadamente 2% a

3% dos melanomas cutâneos em pacientes caucasianos1 e 20% em pacientes negros2 ou asiáticos.3

A exposição solar, tida com principal fator de risco para o melanoma cutâneo,4 parece desempenhar papel secundário no desenvolvimento da variante subungueal,5 uma vez que a ra-diação ultravioleta dificilmente penetra no leito ungueal. Além disso, nevos subungueais como lesões precursoras são extrema-mente raros.6

Os polegares e háluces são os mais acometidos, sendo o po-legar responsável por 56% dos casos entre todos os dedos e o hálux por 86% dos dedos dos pés.7

A confirmação do diagnóstico é feita a partir do exame ana-tomopatológico da lesão, geralmente localizada na matriz ou leito ungueal. A verificação histológica do melanoma subun-gueal é frequentemente postergada por conta do atraso no diag-nóstico clínico,8-10 gerando piora do prognóstico.

O prognóstico geralmente é ruim: as taxas de sobrevida real de cinco anos variam entre 16% a 20%, podendo atingir até 80% se consideradas taxas de sobrevida estimada.2,3,11-18

RELATO DE CASOPaciente de 44 anos, do sexo feminino, professora, com quei-

xa de aparecimento de mancha na unha do hálux direito há cin-co anos. Relata aumento progressivo lento na largura da faixa. Ao exame dermatológico, apresentava faixa de melanoníquia extensa, irregular, bordas mal definidas e estria de pigmentação mais acentuada em uma das margens do leito ungueal do hálux direito (Figura 1). Exame dermatoscópico (aparelho Dermalite II Pro, aumento de 10 vezes) confirmou faixas irregulares e co-res variadas de hiperpigmentação.

Foi realizada a avulsão parcial da lâmina ungueal e incisão na prega ungueal lateral para visualização do local da origem da pigmentação no leito ungueal, onde se procedeu a biópsia cutânea (Figura 2). O resultado anatomopatológico foi de me-lanoma in situ.

IDepartamento de Dermatologia e Radioterapia, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Botucatu.IIClínica privada em São Paulo.

Figura 1. Melanoníquia estriada no hálux e detalhe com aumento de 10 vezes com dermatoscópico. Notar irregularidade das faixas de hiperpigmentação e suas variações nas cores (cinza, marrom escuro e negro).

Figura 2. Avulsão parcial da lâmina ungueal, incisão na prega ungueal e biópsia elíptica com bisturi lâmina 15 da região enegrecida do leito ungueal (A). Sutura da prega ungueal com fio mononylon 5/0 após a retirada do fragmento de biópsia (B).

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Diagn Tratamento. 2012;17(1):14-7.

Hamilton Ometto Stolf | Hélio Amante Miot | Nilton de Ávila Reis 15

Optou-se por excisão funcional e autoenxertia local (Figu-ra 3), com técnica de retirada em bloco do tumor clinicamente visível, leito e matriz ungueal, com margem lateral inicial de segurança de 5 mm2.7 O defeito cirúrgico da face dorsal da fa-lange distal foi reparado com um enxerto cutâneo retirado da prega inguinal. Após acompanhamento clínico por dois anos (Figura 4) não se observou recorrência locorregional.

DISCUSSÃOHutchinson, que foi o primeiro a descrever o melano-

ma subungueal em 1886, propagou o tratamento da ci-rurgia radical,19 aplicada desde então.10,20-24 O nível das amputações varia desde retiradas dos ossos metacarpo e metatarso,2 das articulações metacarpofalangeanas15 ou metartasofalangeanas15,25,26 até a amputação proximal às articulações interfalangeanas.25-26 No caso de amputação radical do hálux, recomenda-se a preservação, quando pos-sível, da cabeça do osso metatarso a fim de manter a fisio-logia da marcha.25,26 Porém, as amputações dos dedos, em especial dos polegares, resultam em alterações funcionais e cosméticas. Por outro lado, as cirurgias conservadoras podem preservar os dedos o máximo possível sem compro-metimento da margem de segurança. A ressecção funcional envolve a retirada de todo o aparato ungueal com margem de segurança e da porção distal da falange distal (processus unguinatus). Há retirada em bloco do tumor clinicamente visível, leito e matriz ungueal, com margem lateral inicial de segurança de 5 mm. O processus unguinatus é removido com o instrumental de Luer. O defeito cirúrgico da face dorsal da falange distal é coberto por um enxerto cutâ-neo. O procedimento é realizado sob anestesia local e tor-niquete, usado para garantir uma melhor visualização do campo cirúrgico. Ao se considerar a cirurgia funcional para o tratamento do melanoma subungueal in situ, torna-se necessária análise histológica de todas as margens da peça cirúrgica. Não foram observadas diferenças estatísticas na taxa de recorrência local dos melanomas subungueais in situ quando submetidos à cirurgia funcional comparados às amputações.27

A revisão de literatura baseou-se em busca sistemática, uti-lizando os indexadores: “melanoma” e “nail”. Os resultados da busca estão dispostos na Tabela 1 e confirmaram a raridade dos casos de melanoma subungueal.

CONCLUSÃOA excisão conservadora com ressecção parcial da falange

distal oferece melhores resultados cosméticos e funcionais, sem afetar o prognóstico dos pacientes com melanoma in situ subungueal.

Tabela 1. Resultados da busca sistematizada em bases de dados com os descritores em saúde, realizada em 2 de fevereiro de 2012

Base de dados Estratégia de busca Número total de artigos Estudos relacionadosPubMed (“Melanoma” [MeSH]) AND “Nails” [MeSH] 128 12Cochrane Library Melanoma AND Nail 5 0Lilacs Melanoma AND Nail 6 0Embase ‘nail’/exp OR ‘nail’ AND (‘melanoma’/exp OR ‘melanoma’) 645 26

Figura 3. Sétimo dia pós-operatório de cirurgia com a técnica de excisão funcional e autoenxertia local.

Figura 4. Pós-operatório de dois anos do enxerto cutâneo.

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Diagn Tratamento. 2012;17(1):14-7.

Melanoma subungueal in situ tratado com cirurgia funcional16

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27. Moehrle M, Metzger S, Schippert W, et al. “Functional” surgery in subungual melanoma. Dermatol Surg. 2003;29(4):366-74.

INFORMAÇÕESEndereço para correspondência:Hamilton Ometto StolfDepartamento de Dermatologia e Radioterapia, s/no

Campus Universitário de Rubião Jr. Botucatu (SP)CEP 18618-000Tel. (14) 3882-4922E-mail: [email protected]

Fontes de fomento: nenhuma declaradaConflito de interesse: nenhum declarado

Data de entrada: 16 de janeiro de 2012

Data da última modificação: 2 de fevereiro de 2012Data de aceitação: 24 de fevereiro de 2012

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Diagn Tratamento. 2012;17(1):14-7.

Hamilton Ometto Stolf | Hélio Amante Miot | Nilton de Ávila Reis 17

PALAVRAS-CHAVE: Melanoma. Doenças da unha. Procedimentos cirúrgicos menores. Terapêutica. Dermatologia.

RESUMOContexto: O melanoma subungueal representa aproximadamente 2% a 3% dos melanomas cutâneos em pacientes caucasianos.Relato de caso: Descrevemos o caso de uma paciente do gênero feminino, de 44 anos de idade, com lesão subungueal há cinco anos, com diagnóstico histológico de melanoma in situ, submetida a cirurgia funcional. A amputação parcial ou completa na região proximal à articulação interfalangeana dos dedos é o tratamento sugerido. Em casos selecionados, com diagnóstico histológico de melanoma in situ, pode-se optar pela cirurgia conservadora com análise histológica completa das margens.Conclusões: Desde que bem indicada, a excisão conservadora com retirada em bloco do aparato ungueal da falange distal oferece melhores resultados cosméticos e funcionais, sem afetar o prognóstico dos pacientes com melanoma in situ subungueal.