meios de prova no digital

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O agregador da advocacia 16 Junho de 2011 www.advocatus.pt Cibercrime “Na sua parte processual a Lei do Cibercrime dirige-se à criminalidade informática em sentido amplo, prevendo um conjunto de disposições processuais de obtenção de prova específicas para o ambiente digital, mas aplicáveis à generalidade dos crimes passíveis de serem praticados através das TIC” Pedro Dias Venâncio Advogado, docente convidado do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, é autor da obra “Lei do Cibercrime – Anotada e Comentada”, editada pela Coimbra Editora, grupo Wolters Kluwer Meios de prova no digital A Lei do Cibercrime será o instrumento processual de obtenção de prova por excelência da instrução criminal no futuro próximo. Não foram apenas os agentes e actos criminosos que se deslocaram para o ambiente digital, os meios de prova também! Numa aproximação ao conceito, é usual distinguir a criminalidade informática em sentido amplo, aquela que abarca todos os actos ilícitos criminais praticados através das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e aqueles que visam a violação de bens digitais, independentemente do seu tipo legal o prever, da criminalidade informática em sentido restrito, respeitante apenas àqueles cri- mes cujo tipo legal inclui necessa- riamente a prática do acto punível através de meios informáticos ou contra um bem informático. Na sua face mais visível, a crimi- nalidade informática respeita es- sencialmente ao sentido amplo supra referido. A contrafacção de marcas, a usurpação de obras protegidas por direitos de autor, os crimes contra a honra, a porno- grafia infantil, entre tantos outros, são crimes em que as TIC surgem apenas como um meio para a prá- tica de um crime passível de ser praticado por outros meios que não digitais, embora este seja po- tencialmente mais danoso. Acresce que a generalização da utilização das comunicações elec- trónicas, dos documentos electró- nicos e das bases de dados elec- trónicas transferiu para o ambiente digital os elementos de prova não só dos actos criminalmente puní- veis, mas também da maioria dos actos instrumentais da prática do crime (a aquisição de instrumen- tos utilizados na prática do cri- me, as conversas preparatórias, a pesquisa de informações do alvo, etc.). Dito por outras palavras, não fo- ram apenas os agentes e actos criminosos que se deslocaram para o ambiente digital, os meios de prova também! “A criminalidade informática em sentido restrito respeita apenas àqueles crimes cujo tipo legal inclui necessariamente a prática do acto punível através de meios informáticos ou contra um bem informático” Na verdade, a Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, com a apro- vação da Lei do Cibercrime, mais do que rever os tipos legais subs- tantivos de crimes informáticos, anteriormente previstos na Lei da Criminalidade Informática (Lei n.º 109/91, de 17/08), veio essencial- mente introduzir novos dispositi- vos processuais específicos para o combate à criminalidade infor- mática, na senda da transposi- ção das medidas consagradas na Convenção sobre o Cibercrime do Conselho da Europa, adoptada em Budapeste em 23 de Novembro de 2001. Sendo precisamente nas matérias relativas aos dispositivos processuais e meios de prova que a ratificação desta convenção se torna mais significativa. Assim, se na sua parte substantiva a Lei do Cibercrime se cinge à cri- minalidade informática em sentido estrito (nem sequer a abarcando na sua totalidade, pois persistem crimes informáticos em sentido estrito previstos noutros diplo- mas legais, como por exemplo a “burla informática” cuja previsão se mantém no Código Penal), na sua parte processual a Lei do Cibercrime dirige-se à criminalida- de informática em sentido amplo, prevendo um conjunto de disposi- ções processuais de obtenção de prova específicas para o ambien- te digital, mas aplicáveis à gene- ralidade dos crimes passíveis de serem praticados através das TIC (com algumas diferenças de âmbi- to entre as medidas destinadas ao acesso a “dados informáticos” – artigos 12.º a 17.º – e as medidas de intercepção de comunicações e acções encobertas – artigos 18.º e 19.º). Em conclusão saliento que, da conjugação do irreversível fenó- meno social de transferência de comportamentos para os meios digitais com a transposição das disposições processuais previstas na Convenção sobre Cibercrime para o nosso Direito interno, es- tou convicto de a que a Lei do Cibercrime será o instrumento processual de obtenção de prova por excelência da instrução crimi- nal no futuro próximo.

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O agregador da advocacia16 Junho de 2011

www.advocatus.ptCibercrime

“na sua parte processual a lei do Cibercrime

dirige-se à criminalidade informática em sentido

amplo, prevendo um conjunto de disposições processuais de obtenção

de prova específicas para o ambiente digital,

mas aplicáveis à generalidade dos crimes

passíveis de serem praticados através

das tiC”

Pedro Dias Venâncio

Advogado, docente convidado do Instituto Politécnico do Cávado e do

Ave, é autor da obra “Lei do Cibercrime – Anotada e Comentada”, editada pela Coimbra Editora, grupo Wolters Kluwer

Meios de prova no digitalA Lei do Cibercrime será o instrumento processual de obtenção de prova por excelência da instrução criminal no futuro próximo. Não foram apenas os agentes e actos criminosos que se deslocaram para o ambiente digital, os meios de prova também!

Numa aproximação ao conceito, é usual distinguir a criminalidade informática em sentido amplo, aquela que abarca todos os actos ilícitos criminais praticados através das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e aqueles que visam a violação de bens digitais, independentemente do seu tipo legal o prever, da criminalidade informática em sentido restrito, respeitante apenas àqueles cri-mes cujo tipo legal inclui necessa-riamente a prática do acto punível através de meios informáticos ou contra um bem informático.Na sua face mais visível, a crimi-nalidade informática respeita es-sencialmente ao sentido amplo supra referido. A contrafacção de marcas, a usurpação de obras protegidas por direitos de autor, os crimes contra a honra, a porno-grafia infantil, entre tantos outros, são crimes em que as TIC surgem apenas como um meio para a prá-tica de um crime passível de ser praticado por outros meios que não digitais, embora este seja po-tencialmente mais danoso. Acresce que a generalização da utilização das comunicações elec-trónicas, dos documentos electró-nicos e das bases de dados elec-trónicas transferiu para o ambiente digital os elementos de prova não só dos actos criminalmente puní-veis, mas também da maioria dos actos instrumentais da prática do crime (a aquisição de instrumen-tos utilizados na prática do cri-me, as conversas preparatórias, a pesquisa de informações do alvo, etc.).Dito por outras palavras, não fo-ram apenas os agentes e actos criminosos que se deslocaram para o ambiente digital, os meios de prova também!

“A criminalidade informática em sentido

restrito respeita apenas àqueles crimes

cujo tipo legal inclui necessariamente a

prática do acto punível através de meios

informáticos ou contra um bem informático”

Na verdade, a Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, com a apro-vação da Lei do Cibercrime, mais do que rever os tipos legais subs-tantivos de crimes informáticos, anteriormente previstos na Lei da Criminalidade Informática (Lei n.º 109/91, de 17/08), veio essencial-mente introduzir novos dispositi-vos processuais específicos para o combate à criminalidade infor-mática, na senda da transposi-ção das medidas consagradas na Convenção sobre o Cibercrime do Conselho da Europa, adoptada em Budapeste em 23 de Novembro de 2001. Sendo precisamente nas matérias relativas aos dispositivos processuais e meios de prova que a ratificação desta convenção se torna mais significativa.Assim, se na sua parte substantiva a Lei do Cibercrime se cinge à cri-minalidade informática em sentido estrito (nem sequer a abarcando na sua totalidade, pois persistem crimes informáticos em sentido estrito previstos noutros diplo-mas legais, como por exemplo a “burla informática” cuja previsão se mantém no Código Penal), na sua parte processual a Lei do Cibercrime dirige-se à criminalida-de informática em sentido amplo, prevendo um conjunto de disposi-ções processuais de obtenção de prova específicas para o ambien-te digital, mas aplicáveis à gene-ralidade dos crimes passíveis de serem praticados através das TIC (com algumas diferenças de âmbi-to entre as medidas destinadas ao acesso a “dados informáticos” – artigos 12.º a 17.º – e as medidas de intercepção de comunicações e acções encobertas – artigos 18.º e 19.º).Em conclusão saliento que, da conjugação do irreversível fenó-

meno social de transferência de comportamentos para os meios digitais com a transposição das disposições processuais previstas na Convenção sobre Cibercrime para o nosso Direito interno, es-tou convicto de a que a Lei do Cibercrime será o instrumento processual de obtenção de prova por excelência da instrução crimi-nal no futuro próximo.