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CAPÍTULO VIII
MARSHALL MCLUHAN: O DECLÍNIO DO CONTEÚDO
No que concerne ao pensamento em torno da comunicação, os anos 60 e início dos anos
70 estão marcados pelo surgimento da figura do pensador canadense Marshall McLuhan (1911-
1980). De modo análogo aos teóricos críticos, os quais estenderam sua influência do meio
acadêmico para o político, McLuhan expandiu sua influência para o cenário das entrevistas, das
notícias e das conferências. Na verdade, McLuhan não é muito parecido com os acadêmicos
típicos do ambiente universitário, nem no modo de escrever nem no modo de promover ideias.
Talvez por isso mesmo é que as reações às suas ideias variaram entre a admiração incondicional
e o repúdio implacável. Palhaço para alguns, gênio para outros, McLuhan se conduzia em
ambientes de comunicação com uma familiaridade raramente observável em um típico
professor. Essa diferença ajuda a explicar o porquê da maioria dos manuais de comunicação
tender a ignorá-lo ou a fazer referências mínimas às suas concepções (Wolf, 1985).
Originalmente Doutor em Literatura pela Universidade de Cambridge e professor de
inglês da Universidade de Saint Louis entre 1937 e 1944, McLuhan se tornou, em 1963, diretor
do Centro de Cultura e Tecnologia da Universidade de Toronto, no Canadá. Esse foi seu centro
de operações como pensador das comunicações. Entre 1953 e 1959, McLuhan dirigiu a revista
Explorations, cujos sucessivos números reuniram uma variedade de autores atualmente
reconhecidos em suas respectivas áreas e que McLuhan soube congregar (McLuhan e Carpenter
1960). Não há divergências na hora de reconhecer que McLuhan foi amplamente influenciado
pela obra de Harold Innis (1894-1952), um historiador canadense da economia que colocou o
fenômeno da comunicação no centro de suas análises (Innis 1951, Innis 1972).
Com a ampla compreensão dos fatos que só o passar do tempo é capaz de proporcionar,
cabe ressaltar, desde logo, que McLuhan é um pensador original, distinto de outros, responsável
por um modo de pensar os meios de comunicação que se mostra claramente divergente em
relação à reflexão desenvolvida, pelo menos, até agora. Com McLuhan, estamos diante de uma
grande mudança, uma mudança drástica de perspectiva, de tal natureza que se compararmos
sua tese com as de Lazarsfeld e de Adorno, essas se mostram mais semelhantes entre si do que
em relação às concepções de McLuhan. Se seu pensamento tinha ficado aparentemente
ancorado nos anos 60, a publicação póstuma de algumas de suas obras reavivou sua importância
e o trouxe de volta a discussão atual.
A própria expressão “meios de comunicação” é uma bom pretexto para entrar no debate
que McLuhan gerou com suas teses. Por um lado, enquanto costuma-se falar de “meios de
comunicação” retrocedendo, no máximo, até o jornal, o pensador canadense amplia
substantivamente seu escopo, incluindo a estrada, o dinheiro, o relógio, a vestimenta, a
impressão, a roda ou o alfabeto fonético. Desse modo, todos os artefatos humanos acabam
sendo “meios de comunicação”. Trata-se aí de um deslocamento crucial. O que, estritamente,
McLuhan reprovou nas concepções habituais da comunicação é o fato dessas ignorarem que
todos os meios de comunicação são tecnologias. Essa ignorância decorre, principalmente, do
fato de que todas essas concepções padecem de uma obsessão pelo conteúdo, o qual atribuem
uma importância única e exclusiva. Em tal perspectiva, a abordagem comunicacional se volta
essencialmente à análise de conteúdo. Por seu lado, compreendendo os meios de comunicação
como tecnologias, McLuhan fundamenta sua teoria da comunicação em uma teoria da
tecnologia.
[...]
A questão tecnológica se converte em um ponto fundamental. Ao passo que enfatizaram
a análise de conteúdo, os modelos convencionais da comunicação não requereram mais que
uma noção vulgar da tecnologia; no essencial, essa noção pode ser identificada enquanto uma
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“concepção instrumental” da tecnologia e afirma que essa não provoca nada por si mesma, que
os efeitos de uma tecnologia são decididos pelo usuário de acordo com sua própria vontade.
Assim, uma tecnologia é um instrumento, uma ferramenta, um “meio”. Destarte, um meio de
comunicação é um recipiente através do qual se transmite um conteúdo. O importante é, então,
o conteúdo ou “mensagem”. E se o é, mais fundamental ainda é o usuário, tendo em vista que
esse é quem decide o que é transmitido, qual é o conteúdo a ser comunicado. Assim, aquelas
questões acerca do controle da programação midiática e acerca da propriedade dos meios se
tornam relevantes, o que pode ser claramente verificado ao se examinar as abordagens dos
teóricos críticos da sociedade e as orientações de teor semelhante.
McLuhan não poderia estar mais longe deste modo de pensar. Sua tese principal é,
precisamente, a seguinte: é a natureza dos próprios meios e não seus conteúdos o que tem
consequências psíquicas e culturais. Vejamos essa perspectiva a partir de um exemplo: o livro
impresso. Estamos falando, antes de tudo, de uma tecnologia que permite multiplicar muitas
vezes um mesmo exemplar, que possibilita seu transporte de um lugar a outro por ser portátil,
pequeno e leve. Já não é necessário ir à biblioteca para ler o único exemplar. Agora, o livro vai
com o indivíduo, onde quer que ele vá. Este fato, aparentemente banal, provoca consequências
significativas. Logo surge o leitor individual, que pode formar a sua própria opinião sobre o
conteúdo do livro e não mais depender da interpretação do leitor único. Além disso, a leitura
individual gera a leitura silenciosa e a consequente intimização da experiência de ler. Dessa
forma, a leitura individual envolve o afastamento do leitor, o qual se isola para ler o seu próprio
exemplar. A leitura do próprio exemplar exclui a leitura compartilhada; trata-se, portanto, de
um monólogo. E tudo isso acontece independentemente do conteúdo do livro. De fato, não
importa de que trata o livro, as consequências descritas acima ocorrem igualmente, uma vez
que não têm a ver com o conteúdo, mas com o livro em si, enquanto tecnologia ou meio de
comunicação. O conjunto de consequências causadas por um meio de comunicação, pelo que
ele é em si – independente do conteúdo –, é o que McLuhan chama “mensagem”. Desta maneira,
o próprio “meio” é a mensagem. Todas as teorias precedentes da comunicação, na medida em
que deram importância exclusiva para o conteúdo, estiveram cegas para examinar o meio em
si. Não importa o que se diz nesta ou naquela conversa telefônica, o telefone significa,
simplesmente, o desaparecimento do tempo e do espaço: essa é a sua mensagem. O crucial do
telefone é que podemos conversar com quem quisermos instantaneamente, não importa o quão
distante a pessoa esteja. As fronteiras geográficas desaparecem. Não importa que programa
vemos na tela de nossa TV, o que importa é que este meio torna possível que milhões de pessoas
vejam e ouçam a mesma coisa ao mesmo tempo e no momento em que acontece.
Consequentemente, a mensagem da televisão não é este noticiário, essa telenovela ou aquele
show, mas a simultaneidade e a instantaneidade, as quais, obviamente, tem implicações
psicológicas e sociais profundas sem levar em conta as diferenças étnicas, políticas, religiosas
ou geográficas. Há questões necessárias que se impõem de imediato: por que se produzem tais
consequências? Por que elas têm esse contorno?
O ponto chave está na concepção mcluhiana do que são os “meios” ou “tecnologias”.
McLuhan sustenta que toda tecnologia é uma extensão, amplificação ou alongamento de órgãos
e funções do corpo humano. O livro é uma extensão do olho, assim como os óculos, o
microscópio ou o telescópio; a vestimenta é uma extensão da pele, assim como o dormitório, a
casa ou a cidade; a estrada é uma extensão do pé, assim como a roda, o sapato ou o esqui. O
telefone estende a palavra falada e o ouvido; o mesmo faz o rádio. O jornal estende o olho,
assim como o cinema estende o olho e o ouvido. A televisão estende o sistema nervoso central.
Consequentemente, cada tecnologia estende um certo modo de ver, sentir e fazer as coisas, uma
certa proporção da percepção. Cada tecnologia implica, consequentemente, uma reestruturação,
um novo equilíbrio do conjunto dos sentidos do homem. Diz McLuhan: “Qualquer inovação
ameaça o equilíbrio da organização existente. A exteriorização ou prolongamento de nosso
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corpo e sentidos, contida em uma ‘nova invenção’, obriga a totalidade dos sentidos a ocupar
novas posições para conservar o equilíbrio. Em todos nossos órgãos e sentidos, privados e
públicos, se produz um novo ‘fecho’ como resultado de qualquer nova invenção. A visão e a
audição assumem novas posições tal como o fazem as demais faculdades” (1964, 307).
Portanto, cada readaptação modifica nossos sentidos e significa um modo diferente de perceber
o mundo, o que tem profundas consequências para as interações e instituições, para a cultura
como um todo. Essas consequências constituem a “mensagem” de um meio, e não o conteúdo
transmitido através dele. Todas as consequências psíquicas e sociais geradas por um meio de
comunicação são referidas por McLuhan mediante a expressão “meio ambiente”. Abaixo,
apresentamos uma exposição das diversas formulações que McLuhan faz, através de seus livros,
acerca da proposição “o meio é a mensagem”.
COUNTERBLAST
Os efeitos dos meios são novos ambientes.
Cada novo ambiente é uma reprogramação da vida sensorial.
Qualquer modificação nos meios produz uma cadeia de consequências totais em todos os níveis da cultura e da
política.
Não pode haver nenhuma mudança tecnológica ou física nos meios de comunicação que não seja acompanhada
por uma espetacular mudança social.
GUERRA E PAZ NA ALDEIA GLOBAL
Todas as mudanças sociais são o efeito que novas tecnologias provocam sobre a ordem das nossas vidas
sensoriais.
Toda inovação técnica perturba nossas vidas.
Com o surgimento dos novos ambientes tecnológicos se opera uma revolução radical em nossos sentidos.
Cada inovação tecnológica é, literalmente, uma amputação de nós mesmos.
O impacto físico e social das novas tecnologias e seu resultante meio ambiente inverterá todas as consequências
psíquicas e sociais características das antigas tecnologias.
A nova tecnologia perturba a imagem, tanto privada quanto coletiva, em toda sociedade.
Uma nova tecnologia agita uma sociedade.
O MEIO É A MENSAGEM
As sociedades sempre foram moldadas mais pela natureza dos meios pelos quais os homens se comunicam do
que pelo conteúdo da comunicação.
O prolongamento de qualquer sentido modifica nossa maneira de pensar e de agir, a nossa maneira de perceber
o mundo.
OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO COMO EXTENSÕES DO HOMEM
Qualquer prolongamento ou extensão afeta todo o complexo psíquico e social.
Os efeitos da tecnologia não se dão ao nível das opiniões ou dos conceitos, mas alteram as proporções dos
sentidos ou os padrões de percepção, de forma contínua e sem qualquer resistência.
O poder formador dos meios são os próprios meios.
Os meios instituem novas proporções não somente entre os nossos sentidos particulares, mas também entre os
próprios meios de comunicação quando estabelecem ações recíprocas entre eles.
A GALÁXIA DE GUTEMBERG
Os distintos meio ambientes tecnológicos, não são meros receptáculos passivos das pessoas, são, ao contrário,
processos ativos que reformulam tanto o homem como as outras tecnologias.
Se uma tecnologia é introduzida, seja a partir de dentro ou a partir de fora, em uma cultura, e dá nova
importância ou ascendência a um ou outro de nossos sentidos, o equilíbrio ou proporção entre todos eles é
alterado.
Se uma nova tecnologia estende um ou mais dos nossos sentidos, para além de nós mesmos, em um mundo
social, aparecem nessa cultura particular novas proporções entre todos os nossos sentidos.
Toda tecnologia inventada e “exteriorizada” pelo homem tem o poder de anestesiar a consciência humana
durante o período de sua primeira interiorização.
Quando varia a proporção entre os sentidos, o homem varia. A proporção entre os sentidos muda quando
qualquer um deles ou qualquer função corporal ou mental é exteriorizada sob a forma tecnológica.
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Se nos determos, por um momento, nesta concepção de McLuhan sobre os meios
enquanto extensões do homem, parece decorrer dela que nestes processos não há muito espaço
para a vontade ou decisão humanas. As tecnologias teriam uma dinâmica determinista, uma
lógica de desenvolvimento que escapa do controle humano. Naturalmente, a partir de tal
formulação pode tecer-se muitos discursos do tipo que estabelece uma oposição entre o homem
e a “máquina”. Mas isso seria profundamente antimcluhiano. Na verdade, McLuhan defende
que as tecnologias são o próprio homem estendido. Por conseguinte, não faz sentido colocar
estas partes em oposição. A razão pela qual as consequências dos meios escapam ao controle
humano, ou, como McLuhan dizia, “os ambientes são invisíveis”, não tem nada a ver com uma
autonomia definitiva das tecnologia em seu desenvolvimento, mas com um fenômeno distinto.
Ocorre que cada extensão tecnológica de um órgão ou função do corpo provoca uma irritação
ou uma lesão do sistema sensorial, que o obriga a reorientar-se, a reconfigurar-se. A reação
automática do sistema em relação a essa ruptura do equilíbrio prevalecente consiste em
anestesiar-se. Como resultado dessa narcose, a sociedade afetada por uma nova tecnologia fica
impossibilitada de perceber as novas transformações. Essas lhe serão visíveis quando já se
mostrarem um fato consumado. Então, em termos mcluhianos, a alternativa de controlar esse
processo é praticamente uma ilusão. Outra implicação desse estado de sonambulismo é que o
homem não se reconhece em suas próprias extensões e experimente a presença tecnológica
como algo que lhe é estranho e alheio.
As diferentes sociedades que surgiram ao longo da história humana têm sido moldadas
pela natureza dos meios que elas têm desenvolvido. Entre esses meios, McLuhan atribui
especial importância ao alfabeto fonético, à escrita, à imprensa e às tecnologias elétricas,
tecnologias as quais ele acredita ter conformado sociedades e culturas bastante duradouras.
Deve-se notar que, ao contrário da maioria das outras teorias conhecidas da comunicação –
extremamente pobres em seu alcance teórico – as concepções mcluhianas atingem a forma de
uma completa visão da história e das sociedades humanas em função dos impactos tecnológicos.
Existem algumas outras teses do pensador canadense que é necessário ainda apontar. A
irrelevância dos conteúdos é complementada pela afirmação de McLuhan de que o conteúdo de
um meio é um outro meio, mais precisamente, o meio que lhe é anterior. Assim, o conteúdo do
cinema é a fotografia; o conteúdo do livro impresso é a escrita; a TV contém diversos meios: o
rádio, o cinema, a fotografia, a palavra falada, a escrita. Quando dizemos, por exemplo, “cinema
da meia-noite” para se referir a um espaço na programação televisiva, caímos no equívoco
característico de não ver o meio porque estamos somente abordando o conteúdo. Na verdade, o
que vemos não é cinema, mas televisão. A tese do meio antigo como conteúdo do meio novo
aponta para outra ideia mcluhiana, igualmente distinta do pensamento prévio acerca da
comunicação. Dizer que um meio contém um outro é afirmar que a existência desse último foi
necessária para que o outro fosse possível; há, portanto, uma sequência dos meios. O filme não
poderia preceder a fotografia, e o livro não poderia preceder a escrita, por exemplo. Além da
sequência, tem-se ainda a hibridação dos meios. As consequências da tecnologia televisiva não
podem ser as mesmas para uma sociedade que não conheceu a imprensa ou o cinema, ou que
passou diretamente do livro para o rádio e, daí, para a televisão. Estas diversas possibilidades
culturais significam um cruzamento peculiar de ambientes tecnológicos.
A grande diversidade dos meios pelos quais o homem se estendeu através da história é
classificada por McLuhan da seguinte maneira: meios mecânicos e meios elétricos.
Basicamente, McLuhan diz que a mensagem psicológica e social dos meios mecânicos é a
fragmentação, ao passo que a das tecnologias elétricas é a integração. A diferença é que os
meios mecânicos (como o livro, o relógio, os óculos ou o automóvel) estendem um só sentido
ou órgão de cada vez, gerando como consequência a latência ou submissão dos sentidos
restantes e a predominância quase exclusiva do sentido estendido. Em contraste, os meios
elétricos envolvem a extensão de mais de um sentido, permitindo a integração da sensibilidade.
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Isto é o que leva McLuhan a afirmar que a televisão é um meio integrador e participativo. E
mais: é exatamente isso que o faz sustentar, como consequência lógica de todo esse processo,
que as tecnologias elétricas estão transformando o planeta em uma aldeia global porque
alcançam todos os cantos com sua rede invisível de interação. Tudo isso não está isento de
problemas: “O conflito último entre a visão e o som, entre as formas escritas e orais de
percepção e organização da existência, está ocorrendo agora. Um exemplo disso é o beduíno,
montando seu camelo, carregando um rádio de pilhas. Submergir os indígenas em uma
avalanche de conceitos para os quais não foram preparados é um ato normal de nossa
tecnologia. Mas com os meios elétricos, o próprio homem ocidental sofre exatamente o mesmo
tipo de avalanche que submerge o indígena remoto. Não estamos mais preparados para enfrentar
o rádio e a TV em nosso ambiente alfabetizado do que o indígena de Gana para lidar com a
escrita, a qual lhe retira de seu mundo tribal coletivo e o lança no isolamento individual. No
mundo elétrico, estamos tão desconcertados quanto o indígena que se vê envolvido em nossa
cultura mecânica e ‘alfabética’” (1964, 39).
A oposição entre o mecânico e elétrico, entre o quente e o frio, é integrada por McLuhan
na oposição entre o espaço visual e o espaço acústico. O quadro abaixo mostra algumas das
características desses dois ambientes.
ESPAÇO ACÚSTICO ESPAÇO VISUAL
Estruturado pelo ouvido Estruturado pelo olho
Circular Linear
Integrador Fragmentador
Aberto Fechado
Contínuo Separado
Envolvente Neutro
Sintético Analítico
Processual Estático
Multiforme Uniforme
Tribal Individualista
A palavra escrita e, em seguida, o livro impresso consolidaram uma cultura centrada nos
valores do olho: neutralidade, objetividade, horizontalidade, fragmentação. Em A Galáxia de
Gutenberg, McLuhan desenvolve um completo registro das consequências psíquicas e culturais
da impressa: imposição do modelo de percepção visual, neutralidade e frieza, separação entre
ação e reação, privacidade e isolamento, surgimento do ponto de vista, surgimento do indivíduo,
linearidade, espírito analítico, abstração e repetição, uniformidade e sequencialidade,
fragmentação e conflito das faculdades (coração e cérebro, corpo e alma, razão e intuição),
segmentação do saber, conhecimento especializado, divisão das funções, etc.
Com a sua morte, em 30 de dezembro de 1980, aos 69 anos, o tema “McLuhan”
desapareceu do cenário dos debates sobre a comunicação, o que pareceu dar razão a seus muitos
opositores. Como já dissemos, seu estilo – seu modo de escrever e de produzir livros, sua
maneira de argumentar, o tipo de referências as quais recorria, etc. – lhe acarretaram até o
desprezo por parte das instituições acadêmicas universitárias. Para essas, McLuhan não passava
de um charlatão. Nem sequer lhe era reconhecido o fato dele haver alçado o tema da
“comunicação” à condição de tema obrigatório em todas as áreas. Sem falar da praticamente
explícita pretensão do pensamento mcluhiano de oferecer uma verdadeira teoria da história em
função dos impactos tecnológicos. Ou ainda de sua severa crítica a todos os modos de
pensamento que não se encarregavam, a seu ver, das imensas transformações que estavam
ocorrendo a nível planetário. Em sua opinião, imperava a “mentalidade do espelho retrovisor”,
uma ilustração forte que em um de seus livros vai acompanhada das seguintes afirmações:
“Quando enfrentamos uma situação inteiramente nova, tendemos a ligar-nos aos objetos, ao
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sabor do passado mais recente. Olhamos o presente através de um espelho retrovisor.
Caminhamos de costas em direção ao futuro” (1967, 64).
No final dos anos oitenta e início dos anos 90, a situação mudou. Uma releitura crescente
de seu trabalho o trouxe de volta e significou uma valorização inegável do seu pensamento.
Mas, sem dúvida, um fator importante nesta redescoberta foi a publicação póstuma de dois
livros que McLuhan estava trabalhando em vida: As leis dos meios, de 1988, em coautoria com
seu filho Eric, e A aldeia global, de 1989, escrito em colaboração com a B. R. Powers e
desenvolvido entre 1976 e 1984.
A rigor, ambos os livros têm o mesmo tema: propõem um modelo para compreender o
impacto estrutural das tecnologias na sociedade. De acordo com esse modelo, todos os meios
de comunicação desenvolveram consequências que podem ser sintetizadas em uma estrutura
tetrádica. No prefácio de As leis dos meios, Eric McLuhan comenta como seu pai montou a
ideia completa: “... ele começou com as seguintes perguntas: Que afirmações podemos fazer
sobre os meios informativos que qualquer um possa pôr à prova – seja para confirmar ou refutar
– por si mesmo? O que tem em comum todos os meios de informação? O que eles fazem?.
Esperávamos encontrar, mais ou menos, uma dúzia de tais afirmações. Em uma tarde, havíamos
localizado três com relativa facilidade: todas elas presentes em Understanding Media.
Primeiramente, a extensão: como ‘extensão do homem’ (o subtítulo do referido livro), cada
tecnologia estende ou amplifica algum órgão ou faculdade do usuário. Em seguida, o
correspondente ‘fecho’: tendo em vista que há um equilíbrio na sensibilidade, quando um
sentido se eleva, outro é diminuído ou embotado. Então, questionou-se: Isso se sustenta em
todos os casos? Sim. Qualquer pessoa pode, a qualquer hora, em qualquer lugar, verificar tais
afirmações por meio de observação direta? Sim. Algumas horas depois, chegou-se a uma
terceira afirmação, presente num capítulo inteiro de Understanding Media (‘a inversão do meio
superaquecido’): cada meio, levado ao limite de seu potencial, inverte suas características. (Seu
mais recente livro, Take Today, tratava justamente de inversões). No entanto, mais uma vez, é
possível se sustentar tal afirmação em cada caso? Sim. E, para nossa surpresa, as coisas
estacionaram aí por cerca de três semanas. Depois, veio a quarta afirmação: a recuperação.
Precisamos de um bom tempo para entender que isso também havia sido tema de um livro,
From Cliché to Archetype. A princípio, pensamos que a recuperação somente envolvia a
reorganização de tudo aquilo que formou o conteúdo do novo meio. Envolvia isso (o conteúdo
de qualquer meio é um meio mais velho) e muitas outras coisas. Encontramos essas quatro
afirmações sobre os meios... e nada mais. Meu pai passou o resto de sua vida procurando uma
quinta, caso essa existisse, e ao mesmo tempo tentando descobrir um único caso em que não se
aplicaria nenhuma das outras quatro afirmações” (1988, 10).
Aplicado ao automóvel, por exemplo, o resultado da análise tetádrica é o seguinte: “...
o automóvel ampliou nossa capacidade de percorrer uma distância com maior rapidez e, em
certa medida, de transportar uma carga. No entanto, praticamente desde sua origem, essa
invenção afetou a relação do homem com o tempo e o espaço, tornando obsoletas as formas de
organização social enraizadas nas tradições pedestres e equestres. O município e o bairro se
dissolveram. A periferia foi deixada ao desenvolvimento a escala não-humana, enquanto que o
espaço da cidade, que havia sido destinado à moradia, foi deslocado para os subúrbios. O
automóvel à gasolina trouxe de volta um senso de identidade privada e independência que,
inicialmente, havia surgido na fronteira norte-americana e, em menor grau, tal como nos revela
Mark Twain, nos segmentos sociais da fazenda e do povoado. Levado ao extremo, a desordem,
o congestionamento e a poluição urbanas, o automóvel se converte no mini automóvel elétrico
e estimula a prática renovada de corridas, de ciclismo e de percorrer as reservas naturais
urbanas” (McLuhan e Powers 1989, 28).
Embora seja possível rastrear essa ideia dos efeitos tetrádicos dos meios de comunicação
na produção mcluhiana anterior – assim como foi apontado – é claro que há uma evolução na
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ênfase com que tal ideia é proposta. Em textos como A Galáxia de Gutenberg (1962), Os meios
de comunicação como extensões do homem (1964) e O meio é a mensagem (1967), McLuhan
reitera claramente a sua afirmação de que as consequências tecnológicas operam
independentemente da vontade humana e que, portanto, os ambientes psíquicos e sociais assim
gerados são invisíveis. Ele atribuí apenas aos poetas e artistas a intuição ou capacidade de captar
“no ambiente” a ocorrência de significativas transformações culturais no momento em que essas
estão ocorrendo; o resto da sociedade está, literalmente, anestesiado por tais transformações.
Daí McLuhan ter formulado juízos irônicos e até sarcásticos sobre todas as tentativas de
“controle” dos meios de comunicação, particularmente aquelas que se dão pela intervenção nos
conteúdos midiáticos ou pela obtenção da propriedade econômica do meio. É neste sentido que
os textos póstumos apresentam uma mudança enfática ao se desviar da temática da
invisibilidade dos ambientes tecnológicos. Através da análise tetrádica é possível identificar as
transformações que as mais recentes tecnologias estão produzindo, bem como prever e
antecipar as mudanças que as novas tecnologias provocarão. De fato, ao mesmo tempo que
McLuhan e Powers analisam tecnologias do passado como o espelho, a palavra escrita, a roda,
o telégrafo ou o telefone, fazem o mesmo com o computador, a televisão à cabo, o teletexto, o
banco de dados, o satélite ou a multimídia. De qualquer forma, o ponto fundamental se manteve:
McLuhan desenvolveu uma compreensão dos meios de comunicação que rompeu
drasticamente com a tradição. Isto pode ser constatado, mais uma vez, quando ele se refere ao
modelo de Shannon e Weaver, atribuindo-o uma inusitada importância. McLuhan argumenta:
“O modelo de comunicação de Shannon-Weaver, base de todas as teorias ocidentais
contemporâneas dos meios informativos e de comunicação, representa a tendência linear do
hemisfério esquerdo. Esta é uma espécie de modelo de canalização de um recipiente de
hardware para um conteúdo software. Ele enfatiza a ideia de ‘dentro’ e ‘fora’ e pressupõe que
a comunicação é uma espécie de reprodução efetiva e não de criação ressonante. (...) O modelo
de Shannon-Weaver e seus derivados seguem o padrão linear da causa eficiente: a única forma
sequencial de causalidade” (1999, 99-100).
McLuhan atribuí à teoria da informação a responsabilidade de gerar uma interpretação
particular dos fenômenos comunicacionais em termos de um transporte sequencial e linear de
dados, enquanto simples conteúdos destacados, ignorando completamente o âmbito dos
usuários e da sensibilidade. Ele também questiona o fato da teoria da informação ter condenado
ao esquecimento todos os efeitos colaterais que sempre tem um sistema de comunicação,
alegando que um canal pode ser concebido como um recurso neutro. Os três conceitos que
McLuhan utiliza com mais frequência para qualificar o legado de Shannon e Weaver são
“linear”, “sequencial” e “lógico”. Em uma conversa com o Professor Manuel Jofre, em 1979,
pouco antes de sua morte, McLuhan resumiu sua posição usando uma metáfora muito explícita:
“O modelo de comunicação dos matemáticos Shannon e Weaver é um tubo. Nossa teoria da
comunicação no Ocidente, no primeiro mundo, é a do tubo. A informação é colocada em um
lado e empurrada até surgir no outro. Os efeitos colaterais desse tubo são chamados de ruídos.
O ruído é eliminado aumentando o volume de informação, dando-lhe mais poder. O ruído é
algo que não deveria estar aí. E aumentando o potencial informacional, ele se sobressai sobre o
ruído” (Jofre, 1995).
A tese de McLuhan sobre a necessidade de compreender os meios por eles mesmos pôs
em xeque o caráter monopolista da análise de conteúdo na qual estavam imersos todos os
modelos interpretativos anteriores. Tal tese, de uma forma ou de outra, já adquiriu legitimidade
no campo de estudos da comunicação.
A partir da segunda metade dos anos 80, a obra de McLuhan ganha uma importante
releitura com a publicação de No Sense of Place, de autoria de Joshua Meyrowitz, professor
estadunidense de comunicação da Universidade de New Hampshire. Meyrowitz propõe uma
distinção fundamental para situar a obra de McLuhan e a sua própria: teóricos de primeira e
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segunda geração entre aqueles que questionam a análise de conteúdo e privilegiam uma
compreensão dos meios de comunicação em termos de características independentes dos
conteúdos (ou “mensagens”) transmitidos. Harold Innis e Marshall McLuhan foram teóricos da
primeira geração, aqueles pensadores que desenvolveram teorias dos meios de comunicação e
não teorias de comunicação de massa baseadas na análise de conteúdo; esses autores tiveram
uma visão à escala macro social das transformações geradas pelos meios de comunicação. Essa
capacidade generalista tem como sua contrapartida uma fraqueza conceitual no que diz respeito
à compreensão de fenômenos específicos, a nível micro social. Diz Meyrowitz, em um artigo
posterior: “Uma dimensão que falta na primeira geração da teoria do meio de comunicação é
uma tentativa precisa de vincular essa perspectiva teórica com as análises da interação
cotidiana” (1996, 29). A fim de superar os limites da explicação dos teóricos da primeira
geração, Meyrowitz se propõe a complementar as ideias de McLuhan com as do sociólogo
Erving Goffman; mas não se trata somente de enriquecer McLuhan com Goffman, mas,
igualmente, de superar as deficiências do próprio Goffman: “Sugiro que Goffman e McLuhan
têm pontos fortes e fracos complementares, Goffman se centra somente no estudo das interações
face-a-face e ignora a influência e os efeitos dos meios sobre as variáveis que descreve;
McLuhan se centra nos efeitos dos meios e ignora os aspectos estruturais da interação face a
face” (1985, 4).
Desperta profundamente a atenção de Meyrowitz o fato dessas duas linhas de
pensamento terem se desenvolvido paralelamente e sem convergência. Em No Sense of Place,
ele se propõe a estabelecer uma ponte entre essas áreas de estudo e acredita ter encontrado uma
particularmente apropriada: a estrutura das situações sociais. Na verdade, a necessidade de
orientar as referidas linhas de pensamento em uma direção comum foi feita por Katz e
Lazarsfeld na década de 50 (Katz e Lazarsfeld 1955, Katz 1959), com a ressalva de que esses
pesquisadores trabalhavam no universo de compreensão dos efeitos dos meios de comunicação
em função dos conteúdo transmitidos. Meyrowitz não faz referência a esse ponto coincidente.
Entre os modelos que se enquadram na categoria de teorias que se fundamentam na análise de
conteúdo, Meyrowitz identifica a “análise da cultivação” de Gerbner, os usos e gratificações da
audiência e a análise de propriedade e controle dos meios de comunicação. Ele afirma: “Uma
vez que todas estas análises de conteúdo têm muita significação social, é surpreendente que
apenas raramente outras perguntas sobre os meios tenham sido feitas” (1985, 15). A fim de
superar as limitações já mencionadas, Meyrowitz deseja explorar como as mudanças que
ocorrem nos meios de comunicação podem modificar os ambientes sociais e que efeitos podem
ter essas mudanças ambientais na conduta dos indivíduos. Assim, pode superar-se a carência
fundamental dos estudos sobre os meios de comunicação mediante a análise da estrutura e
dinâmica da interação social cotidiana.
Referência
Texto extraído de BELLO, Edison Otero. Teorías de la comunicación. 2. ed. Santiago:
Universitaria, 2004, pp. 103-115 (Tradução: Welkson Pires).