may louis pratt - resenha

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    Bauru, EDUSC, 1999, 394p.

    O livro de Mary Louise Pratt,Imperial Eyes. Travel Writing and Trans -

    culturation. L o n d res/Nova Iorque , Routledge, 1992, q ue aparece agoraem verso para o po rtugus, com o ttulo de Os Olhos do Imprio. Rela -tos de Viagem e Transculturao , traduzido por Jzio Gutierre e com re-viso tcnica desta autora e de Carlos Val e ro, Bauru, EDUSC, 1999, umtrabalho de grande peso intelectual, que vem sendo profusamente discu-tido nas universidades norte-americanas, latino-americanas e, em menorescala, no meio acadmico b rasileiro. A presente traduo, facilitando oacesso ao livro, deve sanar esta lacuna.

    Obra de grande impacto acadmico, com discusses tericas inova-

    doras e anlise minuciosa de uma ampla gama de relatos de viagem, o li-v ro de Mary Pratt en contra-se na interseco da anlise de texto e crticaideolgica. Procurando desvendar no apen as os mecanismos ideolgi-cos e semn ticos por meio do s quais os viajantes eu ropeus, a partir demead os d o sculo XVIII, criaram um novo campo discursivo, forjandouma conscincia planetria a respeito do outro colonial e suas culturas, aautora associa estes escritos e seus tro p o s s d iferentes fases do expan-sionismo capitalista e suas conquistas dos territrios interiores do mundocolonial. Neste sentido, este livro hoje considerado fundamental para areavaliao d os processos de constituio d e um reper trio semntico-cognitivo imperialista que se construiu a partir dos anos de 1750, entrela-ando as amplas dinmicas da expanso d o capitalismo em d ireo s reas coloniais p roduo de um saber que vai criativamente rei n v e nt a ra realidade colonial, produzindo os n ovos paradigmas e o repertrio de

    Revista Brasileira de Histria. So Paulo , v. 20, n 39, p. 281-289. 2000

    PRATT, Mary Louise. Os Olhos do

    Imprio . Relat os de viagem e

    transculturao.

    Maria Helena Pereira Toledo MachadoUniversidade de So Paulo

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    imagens por meio dos quais estas novas dinmicas pude ram ser efetiva-mente realizadas e implementadas.

    Como nota a autora em sua introduo, este livro foi escrito no am-biente acadmico norte-americano da dcada de 1980, como parte de umamplo esforo de resistncia onda conservadora que ento se impunha,e como exerccio de descolonizao do conhecimento. Embora se encon-t re estruturado nos moldes dos estudos acad micos, neste trabalho MaryPratt no se furta discusso poltica em seu sen tido mais profundo , es-tabe lecendo alguns marcos tericos para resistncia intelectual s anli-ses globalizantes. Conceitos largamente desprezado s pe las anlises detexto p s-modernas, como os de imperialismo e descolonizao, apare-cem neste livro contextualizados num recorte terico afinado com as dis-cusses mais atuais, tornan do este u m livro que se localiza nu ma pers-

    pectiva interdisciplinar, til aos estudos da literatura, antropologia, histriae outras disciplinas.

    Valendo-se da anlise de texto e da crtica ideolgica, Mary LouisePratt analisa a literatura de viagem relativa frica no mo men to em queos europeus lutavam por superar os obstculos que se antepunham con-quista do territrio interior do continente, possibilitando o enraizamentodos interesses polticos e comerciais. A autora se volta igualmen te para aanlise da literatura de viagem sobre a Amrica do Sul, com algumas in-curses sobre o Mxico, ressaltando exatamente sua coincidncia com oque se convencionou denominar como crise do sistema colonial, eclosodos movimentos de independ ncia e rearticulao desta rea divisoi n t e rnacional do trabalho da era imperialista. Neste empreendimento aautora vai propo r uma n ova viso das relaes en tre a me trp ole e asreas coloniais, entre o saber europeu e o saber nativo, entre visitantes evisitados, entre viajantes e viajados (neo logismo que a autora lana mopara sublinhar o carter interativo destes encontros). A dimenso da au-tora global mas no globalizante e , sobretudo, relacional e intera-

    tiva, desprezando as anlises unilaterais e pretensamente imparciais masque tomam, po r princpio, o o lhar imperial e o ponto de vista d ifusion is-ta como verdade neutra e marco zero analtico. Novos recortes temticos,novos conceitos e releituras reno vadas da literatura imperial perm i t e mque a autora coloque literalmente de cabea para baixo as interpre t a esclssicas deste tema, sempre por meio da desconstruo de um u niversosemntico aparentamente neutro e objetivo. Para tal, alguns conceitos sofundamentais e eu vou apenas nome-los rapidamente.

    Primeiro o de transculturao, entendido como um fenmeno da zo-

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    na de contato e que se refere s apropriaes dos materiais nativos peloseuropeus mas tambm maneira pela qual os coloniais se aprop riam dosestilos imperiais, construindo eles prp rios mod os de representao que,abso rvidos pelo olhar imp erial, constituem um un iverso cognitivo quepassa a ser conside rado como originariamente europ eu . O termo trans-culturao foi criado na dcada de 40 por Fernando Ortiz em seu C on -trapu nteo Cubano del Tabaco y el Azcar, e l correlacionado ao uni-verso das trocas culturais. Este mesmo conceito foi, na dcada de 70,utilizado por Ange l Rama no s estudos literrios. No en tanto, pare c e - m eque o uso extensivo do conceito de transculturao em Olhos do Impriorepo rta-se a um universo mais amplo, que o da constituio de re p e r-trios de smbolos, imagens e d iscursos que conformam um modo ou es-tilo cognitivo e um repertrio semntico e imagtico por meio do qual o

    outro colonial passa a ser abordado.O u t ro conceito fundamental ao livro o de zona de contato que

    c o m p reendido como sinnimo de fron teira cultural, enfatizando as di-menses interativas e improvisadas dos encontros coloniais, po ndo emqu esto como os sujeitos coloniais so constitudos nas e pelas re l a e sentre colonizadores e colonizados, ou viajantes e visitados, em termos deinterao e trocas no interior de relaes assimtricas de poder. Frente aesta dimenso a auto ra, invertend o os parad igmas analticos da anliseobjetiva, racionalista e eurocentrada do olhar imperialista, faz a p erguntafundamental que, de fato, norteia sua abordagem: Em que medida as cons-trues europias a respeito do outro sub ordinado teriam sido mo ldadaspe los p rprios subo rdinados atravs da construo de si prp rios e d eseu ambiente tal como eles os prprios coloniais os apresentaram aoseuropeus? Refletindo sobre a constituio do paradigma imperialista, Prattressalta a importncia da viagem e da literatura de viagem rom nti co - na-turalista como experincia daquilo qu e se convencionou denominar dem o d e rnidade , propon do a crtica aos conceitos reificado s que norteiam

    estas anlises e qu e igualmen te legitimam a utilizao acrtica do s con-ceitos da ps-modernidade.M a rcadas por processos culturais complexos no rteados pelo racio-

    nalismo, pela cincia, pelo romantismo, pe la constituio de um selfi n-dividualizado e pelas teorias raciais, a experincia da viagem e da litera-tura de viagem se apresentavam como espao privilegiado para aarticulao do novo paradigma imperial. Possibilitando, por meio do des-locamento, a que viajantes e seu pblico as sociedades envolvidas comos desafios da modernidade refletissem a respe ito de si prprias, a lite-

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    ratura de viagem, ao mesmo tempo, abria espao para a construo, porop osio, de um d iscurso sobre a alteridade e sobre o papel do ociden teno domnio, condu o e absoro das sociedades no -ociden tais. En-quanto exp erincia ind ividual do sujeito-viajante s po rtas da mode rn i-dade, a viagem para terras longnquas surgia claramen te como me tforada viagem interior, suportando experincias pioneiras de subjetividade eauto-conhecimento. Enquanto discurso auto-reflexivo do homem que, aov i a j a r, observa, re flete e cataloga terras estranh as e povos selvagens, aviagem realizava uma aprop riao d iscursiva das reas coloniais, dandoorigem a uma configurao nova, porm extremamen te e fetiva de con -quista, que Mary Lou ise Pratt denominou de anti-conquista, em alusoao carter aparentemente pacfico e reflexivo do viajante-naturalista e scaractersticas abstratas da apropriao catalagadora por ele p romovida.

    A literatura de viagem naturalista masculina, eurocntrica, com tra-os edipianos, da dedicao dos filhos viajantes ao pai Lineu, ou mais tar-de ao p ai Humboldt, ou no caso do Brasil, a Martius e seu ob jetivo deestabelecer um a p osse intelectual e abstrata de um saber e da nature z a ,traos sugestivos da idealizao e impo tncia do filho edipiano, exp ressaum desejo de posse a ser realizado sem violncia, que caracterizaria a an-ti-conquista. Note-se que um dos objetivos explcitos de Olhos do Imprio o de discutir as relaes entre a viagem, sua literatura e a questo de g-nero. Para tal Mary Pratt no apenas sublinhou o carter androcntrico daviagem naturalista como dedicou todo um cap tulo s viagens re a l i z a d a se relatadas por mulhe res, p rocurando determinar as particularidades doolhar feminino sobre as reas coloniais, bem como sua insero na cons-truo de formas especficas e variadas da abordagem imperial.

    Os estudos acadmicos sobre o Iluminismo, fortemente euroc entra-dos, tm freqentemente negligenciado o pap el dos agressivos empre en-dimentos coloniais e comerciais europeus que funcionaram como mode -lo, inspirao e base de teste para formas de disciplina social que,

    re-importadas para a Europa nos finais sculo XVIII e incios do XIX, tor-naram-se importantes mecanismos sociais na construo da ordem b ur-guesa. preciso igualmen te lembrar q ue a sistematizao da nature z acoincidiu com o ap ogeu do trfico de escravos, com o sistema deplanta -ti o n , com o genocdio colonial na Amrica do Norte e na frica do Sul,com as rebelies de ndios e e scravos nos Andes, Caribe e Am rica doNorte e nou tras partes do globo. Na seqncia, Mary Pratt faz uma apro-ximao entre a clebre acumulao primitiva de capital e a sistematiza-o da natureza que , nela inspirando-se, conduziu a idia de acumula-

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    o a um extremo totalizante. Enqu anto base de um gnero literrio a li-teratura de viagem serviu para sup rir as necessidades de cu ltura, educa-o e lazer das nascentes classes mdias europias e n orte-americanas,construindo, en tre outras coisas, um repertrio comum a respeito dos po-vos selvagens e um consenso sobre a necessidade da interveno do ho-mem branco no mundo ps-colonial que ento se esboava.

    Por meio da crtica ideolgica e da de sconstruo dos textos na tu-ralistas, a autora tambm reelabora o conceito de natureza. Segundo no-ta Mary Pratt, nos escritos de viagem do p erodo , natureza significa antesde tudo regies e ecossistemas no dominados por europeus, embora in-cluindo muitas regies da entidade geogrfica conh ecida como Euro p a .A histria natural imps uma autoridade urbana, letrada e masculina so-b re todo o p laneta, e labo rando um entendimento racionalizador, extrati-

    vo e dissociativo, que suprimiu as relaes funcionais e experenciais en-tre as pessoas, plantas e animais. O resultado deste processo concretizou-sena p refigurao de uma certa forma de hegemonia global, que deu ori-gem a um paradigma descritivo e uma aprop riao do planeta apare n t e-mente benigna e totalmente abstrata, produzindo uma viso utpica einocente da autoridade mundial europ ia, a qual a autora se ref ere comoa de anti-conquista.

    C o n f o rme sublinha Os Olhos do Imprio,a literatura de viagem an-terior ao p aradigma na turalista segue o mode lo do antigo relato de via-gem martimo. Neste, o enredo gira em torno das narrativas de aven turae sobrevivncia (catstrofes, naufrgios, lutas pela sobrevivncia em ter-ras estrangeiras) nas quais a perspectiva analtica interativa e os nativospodem ainda ser inclusos no mesmo universo institucional dos europeus.Acrescente-se que nesta literatura o marco divisrio a partir do qual o eu-ropeu julga e classifica a sociedade nativa a escravido que estabelecea diviso bsica entre o eu e o ou tro, sendo os escravizados perc e b i d o scomo brutais e inferiores, mesmo qu ando o observador, homem, euro-

    peu e branco, re f ere-se s sociedades africanas e escravido tradicionale domstica nelas existente.Por seu turno , a literatura de viagem que comea a se concre t i z a r

    com a expedio do gegrafo Charles de la Condamine Amrica do Sulem 1735 e com as viagen s realizadas tambm em meados do XVIII fri-ca, reflete um empreendimento narrativo, de carter cumu lativo e o rg a-nizacional, na qual a geografia minuciosamente documentada e o mun-do humano naturalizado. Aqui se reencena Ado no Jardim do denno meando a natureza. A paisagem de scrita como inab itada, devoluta,

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    sem histria e desocupada, at mesmo pelo prprio viajante. A atividadede descrever a geo grafia e identificar a flora e a fauna estrutura uma nar-rativa a-social em que a presena europia ou nativa absolutamentem a rginal, ainda que fosse e ste, evidentemen te, um aspecto constante eessencial da viagem em si. Neste sen tido, con forme aponta Mary Pratt, fcil relacionar esta literatura e sua p roduo de um corpo sem d iscurso,desnudo e biologizado com a fora de trabalho desenraizada , despojadae d ispo nvel criada pelo colonialismo. Nestas descries, as mudanasso naturalizadas e descritas como lacunas, a historicidade das socieda-des locais desaparece e o estado em que os viajantes encontram estas so-ciedades muitas vezes j pro fundamente deterioradas pe la influnciacolonial descrito como eterno e atemporal.

    Em sua anlise, a autora reflete sobre os princpios da anti-conquis-

    ta mostrando a maneira pela qual esta se legitimava ideologicamente ar-gumentando a existncia de uma re c i p rocidade en tre europeus e as so-ciedades coloniais, entre viajantes e viajados . Utilizand o-se de conceitosderivados do discurso das nascentes ideo logias liberais e capitalistas, po-rm contextualizado-os na anlise de texto, a autora aponta p ara a fal-cia desta suposta troca, que legitimaria a interveno classificatria do s-bio europeu nas reas coloniais, aqui denominada como zona de contato.Mary Pratt forja o conceito da mstica da re c i p rocidade mostrand o que aliteratura de viajem naturalista assenta-se sobre as mesmas bases ideol-gicas e discursivas do capitalismo. Int eressante notar que uma parcela dol i vro concentra-se no enfoque da literatura de viagem sobre a frica, co-mo a realizada por Mungo Park e relatada em seu livro Travels in the In -terior of Africa, publicado em 1799 (por sinal, lido e citado po r Southeyquando escrevia aHistria do Brasil ), bem como sobre muitas outras, quea p a recem vinculadas aos interesses europeus comerciais e de conquistado interior da frica. Entre e stas destacam-se as que objetivavam delimi-tar o curso, direo, nascente e desaguadou ro do Rio Niger, com vistas a

    estabelecer rota transcontinental mediterrnea, que atravessasse a frica,supostamente desaguando no Nilo. Por meio da anlise destes textos,constri a autora uma taxionomia da literatura de viagem e das fases daconquista da frica. Assim, o viajante naturalista que lana mo d a cin-cia se associa ao aparato estatal e panptico da vigilncia, absorvendo asambies territoriais dos imprios. Por seu tu rno, a viagem sentimental(associada s qualidades da domesticidade, interioridade e privacidade),alia-se aos ideais do comrcio e da iniciativa privada. Conclui a autora quea m stica da re c i p rocidade na literatura de viagem remonta mstica da

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    re c i p rocidade das relaes capitalistas, embora saiba-se que o capitalis-mo tem como base exatamente a negao de ste princpo na prpria basedas relaes sociais. Neste sentido, a viagem sentimental identifica-se coma fase de tentativa de conquista da frica e seus autores com a misso ci-vilizadora que , em essncia, o contrrio ideolgico e simblico da reci-procidade

    Numa ope rao ainda mais ousada, Mary Louise Pratt percebe nosconflitos en tre raa, relaes raciais e movimentos abolicionistas dos fi-nais do XVIII e incios do XIX nas Amricas, os motivos de uma literaturade viagem sentimental, que e m seus enredos e solues narrativas esta-be lece as relaes sentimentais entre homens b rancos e mulheres nati-vas, com a bvia submisso d estas ltimas, como codificadora de umanova soluo racial. Isto , na realidade, as solues narrativas desta lite-

    ratura do fo rma a uma proposta p oltica re f o rmista e m ascenso nestaconjutura, que prope uma sada humanitria ao problema da escravidoe da assimetria das raas, que seria o d a abolio com a m anuteno dasubservincias das culturas nativas e afroamericanas ao homem branco.Seria o romantismo criao da zona de contato e expresso destas expe-rincias inusitadas de encontros culturais assimtricos e, recambiado pa-ra a metrpole, seria apropriado como a mais pura expresso do espritoeuropeu?

    Analisando a literatura de viagem sobre a Amrica hispnica, a au-tora chama a ateno para a reiveno da Amrica enquanto nature z a ,op erao esta que se concretizou por meio da reatualizao do deslum-bramento dos primeiros cronistas, sobretudo de Colombo, como se trssculos de colonizao no houvessem ocorrido. O grande inspiradordesta vertente foi Alexander von Humbo ldt e, no caso d o Brasil, este lu-gar foi ocup ado p or Martius. A autora aponta para a historicidade destareinveno, po is a Amrica reinventada como natureza p rimal e o es-panto e deslumbramento inicial so reatualizados como ato histrico, em-

    bora a infraestrutura colonial a partir da qual os viajantes se valem p ararealizar a viagem esteja l, bem p resente, emb ora completamente eludi-da nos relatos de viagem. Assim, por exemp lo, as solides andinas, queconstituem uma imagem extremamente valorizada por Humboldt, que asd e s c reve em cenas carregadas de dramaticidad e. No en tan to, sabemosque nesta mesma solido que vive a maior parte d a pop ulao indge-na do Peru, tendo sido inclusive o cen tro de gravidade de grandes civili-zaes.

    A autora descontri o discurso naturalista, analisando a historicida-

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    de da produo do texto em todas as suas instncias de produo, circ u-lao e ap ropriao. Ao mesmo tempo, e este me p arece outro aspectoext remamente importante a ser ressaltado, o fato de que o saber que osnaturalistas prod uzem na verdade fruto da ap ropriao do saber nati-vo. Mais ainda , as relaes sociais estabelecidas entre o viajante e as po-pulaes coloniais, sejam elas compostas de ndios, escravos, autorida-des coloniais ou fazendeiros, apenas surgem no texto exercendo funesinstrumen tais, de informantes, guias ou hosped eiros do viajante. Destamaneira, como ap onta Mary Pratt, as pop ulaes coloniais surgem no tex-to em um estado de disponibilidade, que em si a essncia das re l a c e scoloniais. Assim, a n atureza ahistrica, as populaes instrumentalizadase despersonalizadas e o processo histrico colonial elidido (e acresce nte-se para o caso das antigas civilizaes, do Mxico e Peru, a arqu eo logiza-

    o da cultura, que desconhece os elos entre aqueles ndios decados queca rregam as malas e os instrumentos e os pro d u t o res das maravilhas dasantigas civilizaes) forjam um sabe r que , vazado num estilo da cinciado XIX, conforma aqu ilo que con vencionamo s chamar de literatura deviagem ilustrada e naturalista. Refazendo estes circuito, Pratt perg u n ta -s ese o romantismo foi, de fato, concebido na Europ a e da transplantadopara a Amrica ou na verdade foi ele um, entre tantos processos originaisprodu zidos nas e pelas Amricas e, transculturado para Europa, ali trans-formou-se na concretizao mais sutil e sublime do esp rito europ eu.

    I n t e ressante sublinhar q ue a autora no pra a, isto , no desvela-men to da historicidade e n a crtica ideolgica da escrita de viagem e dosaber cientfico naturalista, mas refaz o circuito mostrando como a pro-duo e publicao da literatura de viagem ir realimentar um sistemaque tem como elo final a volta Amrica. Nela, esta mesma literatura se -r aprop riada pe las elites criou las do XIX, mas no d e forma mecn ica.Na verdade o que vai ocorrer uma apropriao seletiva que vai justifi-car uma nova insero da Amrica no contexto imperial, no p rocesso de

    descolonizao e nos movimentos de independncia. Movimentos novose essencialmente americanos, como sublinharam Benedict Anderson e aprp ria autora (embora Pratt no parea comp artilhar da mesma concep -o de comunidade imaginada de Anderson), estes sero apropriados pe-las elites crioulas europ eizantes em busca de sua auto-justificao e legi-timidade. Todas estas idias esto minuciosamente discutidas e analisadasno texto propondo n ovas formas de se pensar estas questes fundamen-tais para nossa histria. Embora o Brasil no seja o tema deste livro, as in-terpretaes e debates aqui discutidos tm para ns grande interesse.

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    Finalmente, chamo ateno p ara um erro que aparece na pgina 42da traduo portuguesa, na qual Carl Linn citado como naturalistafrancs, embora no livro Os Olhos do Imp rio, em sua verso original,inglesa e na traduo em espanhol, ele aparea corretamente denomina-do como de origem sueca.

    Resenha recebida em 09/1999. Aprovada em 11/1999.

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