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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO MAURIVAN BATISTA DA SILVA TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha JOÃO PESSOA – PB 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE TECNOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

MAURIVAN BATISTA DA SILVA

TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na

atividade de radiopatrulha

JOÃO PESSOA – PB 2007

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MAURIVAN BATISTA DA SILVA

TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na

atividade de radiopatrulha

Dissertação submetida à apreciação da banca examinadora do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba para obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção.

Área de concentração: Gestão da Produção.

Subárea: Tecnologia, Trabalho e Organizações.

Professor orientador: Prof.ª Sarita Brazão Vieira, DSc.

JOÃO PESSOA-PB 2007

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MAURIVAN BATISTA DA SILVA

TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na

atividade de radiopatrulha

Dissertação submetida à apreciação da banca examinadora do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba para obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção.

Área de concentração: Gestão da Produção.

Subárea: Tecnologia, Trabalho e Organizações.

JOÃO PESSOA – PB

2007

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S586t SILVA, Maurivan Batista da TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE

MENTAL: Um estudo de caso sobre o sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha/ Maurivan Batista da Silva. João Pessoa, 2007.

125 páginas Orientadora: Sarita Brazão Vieira, Drª Dissertação (Mestrado) – UFPB/CT 1. Gestão da Produção. 2. Qualidade no trabalho. 3. Policial

militar - radiopatrulha. 4. Prazer no trabalho. 5. Trabalho – aspectos psicológicos.

UFPB/BC 685.3(043)

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MAURIVAN BATISTA DA SILVA

TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na

atividade de radiopatrulha

Dissertação julgada e aprovada em 02 de abril de 2007 para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia de Produção no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção pela Universidade Federal da Paraíba. Área de concentração: Gestão da produção Subárea: Tecnologia, Trabalho e Organizações.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Sarita Brazão Vieira, DSc. Universidade Federal da Paraíba

Orientadora

Prof. José Ernesto Pimentel Filho, DSc. Universidade Federal da Paraíba

Examinador externo

Prof. Paulo José Adissi, DSc. Universidade Federal da Paraíba

Examinador

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Ao meu filho Victor Israfel, cuja vida dá sentido a minha existência.

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MINHA GRATIDÃO

Quando me dispus a realizar este trabalho, exigindo-me o esforço diuturno à sua

concretização, percebi que sozinho não seria possível fazê-lo. Por conseguinte, reconheço a

importância das pessoas que ser tornaram grandes em seus gestos, e instituições que se mostraram

parceiras na construção desta pesquisa. Por isso, a minha gratidão:

A Universidade Federal da Paraíba, por contribuir na construção do conhecimento de modo

a melhorar a vida em sociedade.

A CAPES, pela concessão da bolsa de estudos.

Ao Comando Geral da Polícia Militar, 1º Batalhão de Polícia Militar, bem como a Junta

Médica que terminaram por reconhecer a importância deste estudo e autorizaram a realização do

mesmo.

Ao Prof. Paulo Adissi, por sua vontade e esforço em procurar agir sempre com justiça, e

pelas recomendações pertinentes que me foram dirigidas.

Ao Prof. Ernesto Pimentel, pela sua prodigalidade em atender ao meu convite de

examinador externo e por sua simplicidade.

À Profª. Sarita B. Veira, pela orientação traduzida em entusiasmo, rigor e criticidade que

levarei sempre na minha trajetória profissional.

À Elvia, Sônia, Tânia, Socorro, pelos momentos mútuos de consolo, incentivo, alegrias e

trocas de experiência.

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À Wal e à Lívia, pela contribuição generosa e fraterna que me foram dadas na confecção do

abstract.

À Rosângela, pelas palavras de otimismo ditas mansamente: “vai, não custa nada tentar”.

Aos PMs da RP que gentilmente participaram desta pesquisa, pelas entrevistas sinceras e

desconfiadas que deram, e por compartilhar do desejo de fazerem uma Polícia cada vez melhor.

Aos meus irmãos: Rizomar, Josomar, Reginaldo, Jorge, Reinaldo, Marcos e Marcio.

Minha terna e eterna gratidão aos co-criadores da minha presença e permanecia neste

mundo: minha mãe Geralda e ao meu pai Elias.

A minha Dinda, pelo seu amor, compreensão e companheirismo que, junto comigo,

compartilhou a dor a alegria de construir esta dissertação.

Aos acidentalmente esquecidos e inúmeros anônimos.

Por tudo isto, genuflexo e contrito... minha gratidão a Deus.

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Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.

(Chico Xavier)

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RESUMO

Esta dissertação se propôs identificar as situações geradoras de sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha da 2ª Companhia, vinculada ao 1º Batalhão de Polícia Militar em João Pessoa/PB. A caracterização desta pesquisa se enquadra em um estudo de caso descritivo-analítico, fundamentado nas abordagens teórico-metodológicas da ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho. Os instrumentos técnicos adotados foram: observação, entrevista coletiva, instrução ao sósia e pesquisa documental. Os achados desta investigação demonstraram a presença de sofrimento psíquico proveniente das situações de trabalho, a saber: ausência de serviços de promoção de saúde e social na unidade; estrutura de trabalho precária; tipo de trabalho de exposição ao risco de vida; excesso de cobranças; auto-percepção de impotência na atividade; falha de comunicação no trabalho; por fim, sofrem quando a sociedade, e, sobretudo, a instituição militar, não reconhecem o que eles fazem. Por outro lado, identificou-se a formação de um coletivo de trabalho em determinadas situações, que quando pode, revela-se tanto como regulador da atividade como dispositivo de preservação da integridade psíquica. Constatou-se a existência de ínfima redução no quadro de licenças médicas para tratamento de saúde dos policiais entre 2003 e 2005, embora a situação continue preocupante, por revelar um patamar quase que inalterado dessas licenças. Quanto às reformas involuntárias, constatou-se que a morbidade psiquiátrica sempre se destaca como sendo uma das principais causas de aposentaria por invalidez no período pesquisado. Todavia, mesmo diante das situações adversas de trabalho, a radiopatrulha ainda encontra prazer em sua atividade, principalmente quando os profissionais se identificam com o que fazem e quando percebem a importância que a polícia militar tem na manutenção da segurança pública da sociedade.

Palavras-chaves: sofrimento psíquico e prazer, trabalho de radiopatrulha, polícia militar.

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ABSTRACT

The objective of this work is to identify the generating causes of physic suffering and pleasure in the second company’s patrol-radio activities, affiliated with the first Battalion of military police, in João Pessoa/PB. This research’s characteristics fit in a descriptive-analytical case of study, supported by the theories and methodologies’ approaches from activity ergonomics and work psychodynamics. The technical instruments used were: observation, collective interview, instructions to second-self and documentary research. The results of this investigation demonstrate the presence of psychic suffering coming from work-related circumstances, for instance: lack of health and social cares promoted by the institution; precarious work conditions; life exposure to danger; excessive claims; self-perception of powerless while performing the activities; communication flaws at work; and last, there is suffering when the society, and specially the institution, does not appreciate their work. On the other hand, it was possible to notice the formation of a collective work in some situations, when possible, as the regulatory function of their own activity, as well as the contrivance of psychic integrity preservation. Equally, it was revealed that there was a tiny decrease about medical licenses requested to health treatments between 2003 and 2005, but, indeed, it presents a worrying situation, because it demonstrates that this has an almost unaltered rate. About involuntary reforms, it was verified that psychical morbidity is one of the main causes of disability-related retirement, during the research time. However, even facing adverse situations at work, the patrol-radio’s professionals still find pleasure doing this labor, especially when they like what they do, and when they realize the important responsibility of the military police in the society. Key words: psychic suffering and pleasure, patrol- radio the work, military police.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro I – Divisão dos bairros por setores de patrulhamento..........................................................37 Quadro II - Caracterização dos participantes da pesquisa................................................................55 Quadro III - Atividade de radiopatrulha...........................................................................................67 Quadro IV - Motivos das reformas por invalidez segundo as graduações, as unidades e as etiologias entre 2003 e 2005.............................................................................................................101 Gráfico I – Incapacidade parcial entre 2003 e 2005..........................................................................97

Gráfico II – Causas das reformas por invalidez em 2003.................................................................99

Gráfico III – Causas das reformas por invalidez em 2004..............................................................100

Gráfico IV – Causas das reformas por invalidez em 2005..............................................................100

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LISTA DE TABELAS

Tabela I – Registros das licenças para tratamento de saúde entre 2003 e 2005...............................95

Tabela II – Registros das incapacidades parciais para o trabalho entre 2003 e 2005.......................96

Tabela III – Registros das reformas por invalidez entre 2003 e 2005..............................................98

Tabela IV – Reformas em 2003 segundo a graduação e a morbidade psiquiátrica .......................102

Tabela V – Reformas em 2005 segundo a graduação e a morbidade psiquiátrica .........................102

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

1º EPEMON – 1º Esquadrão de Polícia Montada

BPM – Batalhão de Polícia Militar

CB – Cabo

CCB – Comando do Corpo de Bombeiros.

CIA – Companhia de Polícia Militar.

CIOP – Centro Integrado de Operações Policiais

CPU – Coordenação de Policiamento da Unidade

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

QCG – Quartel de Comando Geral

MP – Morbidade Psiquiátrica

OMs – Outras Morbidades

PB - Paraíba

PM – Policial Militar

PMs – Policiais Militares

PM – Polícia Militar

RP – Radiopatrulha

SD – Soldado

SGT - Sargento

ST – Subtenente

Senasp – Secretaria Nacional de Segurança Pública

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SUMÁRIO

CAPITULO I - INTRODUÇÃO .................................................................................................... 15 1. 1 DEFINIÇÃO DO TEMA ........................................................................................................... 15

1. 2 JUSTIFICATIVA ....................................................................................................................... 20

1. 3 OBJETIVOS............................................................................................................................... 28

1. 3. 1 OBJETIVO GERAL.............................................................................................................. 28

1. 3. 2 OBJETOS ESPECIFÍCOS ..................................................................................................... 28

CAPITULO II – CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS & CONSTRUÇÃO DE EXPERIÊNCIA. 29 2. 1 ESTADO, PODER E POLÍCIA ................................................................................................. 29

2. 2 A PM: NORMAS DE RELAÇÕES E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO........................ 33

2. 2. 1 PM: destinação, missão e subordinação ................................................................................ 33

2. 2. 2 Organização básica da PM .................................................................................................... 34

2. 2. 3 Policiamento Motorizado (Radiopatrulha – RP) ................................................................... 35

2. 3 O TRABALHO: SENTIDO E CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA ................................... 38

2. 4 ERGONOMIA DA ATIVIDADE............................................................................................. 43

2. 5 PSICODINÂMICA DO TRABALHO...................................................................................... 46

CAPITULO III - CARACTERIZAÇÃO METODOLÓGICA ................................................... 50 3. 1 ASPECTOS METODOLÓGICOS..............................................................................................50

3. 2 TIPO E NATUREZA DA PESQUISA........................................................................................51

3. 3 O MÉTODO NAS ABORDAGENS.......................................................................................... 53

3. 4 O PERFIL DOS PARTICIPANTES ..........................................................................................54

3. 5 TÉCNICAS DE PESQUISA ...................................................................................................... 56

3. 6 TECNOLOGIA DE ANÁLISE.................................................................................................. 59

3. 7 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS............................................................. 60

CAPÍTULO IV - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ........................................................61 4 . 1 AS DIMENSÕES DO SOFRIMENTO PSIQUICO NA RP..................................................... 61

4. 1. 1 Serviços de promoção de saúde e social ................................................................................ 61

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4. 1. 2 Tipo de atividade na RP..........................................................................................................64

4. 1. 2. 1 A dimensão coletiva: a intersubjetividade no trabalho de RP............................................72

4. 1. 2. 2 Quando os pares são impares: o coletivo ameaçado..........................................................75

4. 1. 3 Controle do trabalho: "Só fazem cobrar, cobrar, cobrar".....................................................77

4. 1. 4 Estrutura do trabalho..............................................................................................................81

4. 1. 5 Sujeito na atividade: "Ser camaleão na RP"...........................................................................87

4. 1. 6 Comunicação no policiamento ostensivo: a intra e a intercomunição na RP........................89

4.1. 7 O (Não)Reconhecimento na trabalho policial.........................................................................91

4. 2 LEVANTAMENTO DO PERFIL DE MORBIDADE DOS PMs DA PB.................................94

4. 3 AS VIVÊNCIAS DE PRAZER: o riso depois da dor na modalidade de RP ......................... .104

CAPITULO V - CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÕES. ....................................... 108 REFERÊNCIAS.............................................................................................................................112 APÊNDICE A – Roteiro da entrevista............................................................................................120

APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido........................................................122

ANEXO A – Folha de rosto para pesquisa envolvendo seres humanos..........................................124

ANEXO B – Formulário de encaminhamento ao Comitê de Ética.................................................125

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CAPITULO I – INTRODUÇÃO

O presente capítulo apresenta a primeira parte desta pesquisa de dissertação na seguinte

forma: definição do tema, que aborda os principais conceitos da pesquisa dentro de uma delimitação

teórica, cuja apresentação consta em forma de pergunta no final deste item; a justificativa do tema

eleito, que evidencia a importância e a originalidade deste estudo; e por fim, os objetivos do

referente trabalho.

1. 1 DEFINIÇÃO DO TEMA

Ao introduzir o tema da presente investigação sobre a relação entre trabalho de polícia

militar e saúde mental, faz-se necessário discorrer acerca das especificidades conceituais pertinentes

ao desenvolvimento do referente estudo, a saber: sofrimento psíquico e prazer na situação de

trabalho.

A situação de trabalho do PM se caracteriza por diversos elementos circunstanciais, cuja

variabilidade não se consegue predizer em sua totalidade. Vidal (2003) diz que a situação de

trabalho é o cenário onde a atuação de fatores internos (estado orgânico, competência,

personalidade) e externos (normas, meio de trabalho e mobília) se combina de forma singular.

É nesse espaço que emerge a dinâmica relacional entre tarefa e atividade. Daí surge um

cenário caracterizado por desafios enigmáticos que, para decifrar, exige do policial a mobilização

de recursos psicofísicos elaborados na sua história de vida enquanto sujeito.

Guérin et al (2004) conceitua atividade como a realização efetiva do trabalho,

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diferenciando-a da tarefa, sendo que esta se reporta à forma preditiva do trabalho, ou seja, ao que é

prescrito. A concepção de atividade permite apreender quais as implicações existentes entre riscos,

saúde e a produção; bem como as causas dos tipos de competências, variabilidade, regulações e os

apontamentos mais consistentes para compreender o trabalho e transformar uma dada situação.

O trabalho do militar estadual da RP consiste em praticar uma modalidade de policiamento

cujo propósito é de coibir, ou prevenir o crime. No exercício dessa prática, vê-se um constante

embate psicofísico que expõe diretamente esses profissionais à violência social. É o que os dados

percentuais apontam.

O espaço de atuação dos profissionais da segurança pública mostra uma estatística

preocupante de violência social. No Brasil esse índice se mostra muito significativo. Somente na

década de 1990, os homicídios cresceram 29%, entre os jovens esse índice atingiu 48%. Com 3%

da população mundial, o Brasil concentra 9% dos homicídios cometidos no planeta. Outros

elementos também compõem essa atmosfera de insegurança, tais como roubos, furtos e seqüestros

longos e relâmpagos (SILVA FILHO, 2005).

Não existe uma uniformidade quanto aos custos dessa violência para o Brasil, todavia, sabe-

se que se trata de cifras bastante significativas. Para Silva Filho (2005), esses custos chegam a R$

300 milhões por dia, o equivalente orçamentário anual do Fundo Nacional de Segurança Pública.

Para reforçar esses dados, Minayo (2006) diz que há cálculos do Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), cujos quais cerca de 10,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil são

gastos com os custos (in)diretos da violência, ocasionando também transferências de recursos

devido a esse problema.

Segundo Teixeira (2005), pesquisador da Fundação Getulio Vargas – RJ, os setores público

e privado desembolsaram em 2004 aproximadamente R$ 37 bilhões para se proteger de crimes, e

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mais, a violência chega gerar aproximadamente um prejuízo à economia brasileira de 6% a 7% do

PIB.

Dentro dessa discussão preocupante da violência no Brasil, a Paraíba não fica distante. Pois,

o tema da segurança pública, acompanhado do desemprego e a saúde, correspondem aos problemas

que mais atormentam os paraibanos. 43% consideram que o mais grave é o desemprego, para 18,9%

é a saúde e 15,1% apontam a falta de segurança pública como o mais sério problema estadual. Nas

duas maiores cidades do estado, os dados apontam que na grande João Pessoa esse problema

representa 18,6% e em Campina Grande esse número chega a 26,3% (CORREIO DA PARAÍBA,

2005).

Ao considerar essa instabilidade gerada pela insegurança, a polícia é sempre acionada para

tentar estabelecer a ordem, pois é ela que está na linha de frente da manifestação da força pública do

Estado. Segundo Silva, Vieira e Gomes (2006), os PMs são alvos de uma conjugação de pressões

advindas tanto da sociedade aflita, quanto da organização do trabalho rígida, como das condições de

precarização do trabalho. Tal situação delineia um quadro de sofrimento vivido por esses

profissionais.

Segundo Dejours (1987; 1992), o sofrimento psíquico no trabalho se define como uma luta

constante entre os fatores patogênicos advindo da organização do trabalho e as condutas defensivas

individuais e/ou coletivas dos trabalhadores que buscam um “equilíbrio instável”, que antecede a

doença mental.

O autor alarga a discussão e diz que dinâmica do sofrimento não se restringe apenas ao

espaço de luta contra a organização do trabalho. Pois, dessa forma o sofrimento é visto apenas pelo

enfoque negativo (patogênico). Todavia essa concepção foi ampliada para alcançar, também, o

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âmbito do sofrimento criativo que se presta à aplicação dos recursos necessários pelo sujeito para,

concomitantemente, promover a saúde, o prazer e garantir a produção com eficiência.

Dejours (1987) assim expressa:

“O sofrimento começa quando a relação homem-organização do trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetiva, de aprendizagem e de adaptação. Quando o trabalhador usou tudo do que se dispunha de saber e poder na organização do trabalho e quando ele não pode mais mudar a tarefa; isto é, quando foram esgotados os meios de defesa contra a exigência física. (...) A certeza de que o nível de insatisfação não pode mais diminuir, marca o começo do sofrimento”.

O autor citado, ainda concebe o prazer como um componente do desejo – dado

irredutivelmente subjetivo – e seu estudo se fundamenta na análise do processo de sublimação. Este

processo consiste em tomar o campo social, em particular o trabalho, como um espaço de

representação (teatro) onde os desejos, que não encontraram na sexualidade as condições propícias

a sua realização, são postos em cena. Desta forma o trabalho se coloca como um dos mediadores

entre o inconsciente e o campo social, que em certas condições oferece uma solução satisfatória ao

desejo, colocando-se como um dos instrumentos propícios de economia psíquica e de saúde mental.

Nessa situação é que se diz que o trabalho é estruturante.

Segundo Melo (1991), uma das funcionalidades do prazer é que ele se constitui em um

antídoto contra o cansaço. Pois o prazer estimula, proporciona mais energia e disposição para o

trabalho e faz relativizar o tempo, tornando-o mais rápido. No entanto, para que isso aconteça é

preciso que a organização do trabalho se estruture de tal forma que permita ao trabalhador lançar

mão das suas potencialidades, significa do mesmo modo dizer da necessidade do trabalhador

utilizar o seu corpo físico com mobilidade (isto no plano físico). Por outro lado, faz-se mister a

necessidade do trabalhador ser capaz de aprender com o que realiza e ter a liberdade de colaborar

com a sua experiência no melhoramento do seu trabalho.

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Pensar essas questões na atividade de PM, na qual a organização do trabalho está fincada em

dois pilares básicos: a hierarquia e a disciplina – dentro de uma cultura militarizante, representa um

desafio para os gestores de segurança pública. Com o propósito de contribuir, mesmo que de forma

singela, na construção dessas ferramentas e nesse debate, é importante falar sobre a promoção de

saúde desses profissionais dentro de um recorte de sofrimento e prazer no trabalho. Há estudos

sobre a violência e a segurança pública através de diferentes enfoques teóricos, outros sobre as

condições de trabalho do PM, todavia a literatura é deficitária quando se trata da promoção de saúde

desses profissionais.

Por isso, ao delimitar a presente pesquisa, definiu-se como unidade de estudo a 2ª CIA do 1º

BPM em João Pessoa, evidenciando que nesse campo, a contribuição acadêmica é ainda restrita,

vale salientar que este estudo não impede a existência de outros trabalhos semelhantes

desenvolvidos com PMs.

Ao considerar o exposto, ainda resta uma questão basilar que precisa de esclarecimento, e

que acompanhou todo o processo desta pesquisa: Quais as situações de trabalho geradoras de

sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha?

1. 2 JUSTIFICATIVA

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A opção por trabalhar com esta temática teve início quando comecei a estabelecer contatos

com disciplinas do mundo do trabalho no curso de Psicologia da UFPB1. Essa experiência

proporcionou o reconhecimento e a importância de se estudar a relação entre saúde e trabalho e suas

implicações na dimensão psíquica do trabalhador.

Nesse ínterim, comecei a participar também do Grupo Subjetividade e Trabalho (GPST).

Um dos projetos desenvolvido pelo grupo intitulava-se: “Programa de Formação de Formadores em

Relação de Gênero, Precarização do trabalho e Saúde em Escolas Públicas” 2.

Através dessa experiência, foi possível realizar um diagnóstico das condições de trabalho e

saúde dos profissionais da educação municipal com objetivo de levantar dados sobre a situação de

trabalho, em particular das merendeiras e serventes, visto que outros integrantes do grupo

trabalhavam com outras categorias. Desde então, optei por continuar nesse campo de estudo e, nesta

pesquisa de mestrado, resgatei a temática da relação entre saúde mental e atividade de policiamento

militar motorizado (Radiopatrulha – RP). É preciso considerar que todo trabalho deve ser

desenvolvido em condições humanas e acobertados de garantias que visem preservar a saúde e a

vida do trabalhador, e o trabalho policial precisa ser visto nessa perspectiva.

A PM – enquanto construção institucional – confunde-se com a história do Brasil. Isso

porque ao estudá-la, é possível remontar ao tempo do Império, quando no governo de D. Pedro I, os

presidentes das províncias não dispunham de meios apropriados à manutenção da ordem pública3. A

1 Por motivos de escolha e recomendação acadêmica, optei por escrever este trabalho na 3ª pessoa do verbo. Todavia, iniciarei este item na 1ª pessoa com objetivo de narrar como se deu a minha aproximação com a temática trabalho e promoção de saúde. 2O trabalho consistia em uma parceria da Universidade Federal da Paraíba – UFPB; Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP e o Sindicato de Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa – SINTEM.

3 Após a abdicação de D. Pedro I e a menoridade de D. Pedro II, o Brasil passou a ser governado por Regentes, que na concepção popular, não dispunham de legitimidade para tal exercício. A partir de então emergiram vários movimentos

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propósito, foi decretada em 10 de outubro de 1831 a criação do Corpo de Guardas Municipais

Permanentes do Rio de Janeiro, capital do Império. O Decreto regencial também autorizava aos

demais presidentes criarem suas guardas. A Paraíba criou a sua efetivamente em 23 de outubro de

18324, o que faz dela o mais antigo órgão público em atividade até hoje (LIMA, s.d; TAVARES,

1982).

O surgimento e atuação da polícia sempre foi objeto de discussão e falta de consenso,

criando com isso muitas resistências na sociedade. Pois, sempre se questionou quanto ao alvo e os

interesses verdadeiramente atendidos pela polícia, principalmente quando se refere à igualdade de

direitos perante a lei (SOUZA & MINAYO, 2005).

As instituições policiais no Brasil, tanto civil quanto militar, sofreram fortes influências da

Europa Ocidental dos séculos XVIII e XIX, que concebia a segurança pública como um serviço

garantido pelo Estado para resguardar os direitos e o assentamento da autoridade. Por outro lado,

havia um outro tipo de representação que considerava a polícia uma estrutura criada para manter o

status quo extremamente hierárquico e elitista voltada à preservação dos interesses das classes

abastadas. Esse tipo de percepção negativa perdura até hoje (TAVARES SANTOS, 1997; SOUZA,

MINAYO & ASSIS, 2003).

Segundo Sette Câmara (2002), ficou para a PM, na década de 1960, a exclusividade do

policiamento ostensivo fardado - e como força pública - assegurar as instituições; garantir a ordem

nos estados; atuar de maneira preventiva e/ou repressiva; atender as convocações, inclusive do

revolucionários que comprometiam a ordem pública e colocava em risco a manutenção do Império e integridade territorial 4O Decreto emitido pelo conselho provincial foi votado e aprovado em 03 de fevereiro de 1832, sua implantação ocorreu meses mais tarde. Tinha um de efetivo 50 homens, sendo que 15 a cavalo e 35 a pé. As primeiras missões consistiam em guardar as prisões e as realizações de rondas no centro da cidade.

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governo federal, em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir graves perturbações

internas. Atribuições essas previstas na Constituição Federal de 1988, Art.144.

A corporação militar da Paraíba tem um efetivo aproximado de nove mil e sete membros,

incluindo o corpo de bombeiros e o quadro de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliar de

enfermagem). O número de PMs em atividade fim por meio de policiamento a pé, montado e

motorizado, é de cerca de seis mil integrantes distribuídos em todo o Estado. Ao considerar Kahn

(2002), a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) recomenda uma proporção de um

policial para 300 habitantes, na Paraíba estima-se uma proporção média de um policial para 426

habitantes, ou seja, a Paraíba está abaixo da média recomendada.

A importância da referente investigação se mostra não somente pelo contingente expressivo

desses profissionais, mas também pela função social que a corporação militar tem em garantir a

segurança e a ordem pública e, sobretudo, pela carência de pesquisas nessa área5, principalmente

quando se trata de promoção de saúde e segurança pessoal desses trabalhadores.

A segurança pessoal também se relaciona com mundo do trabalho, tem um sentido ordenado

de direitos e consiste “no conjunto de normas destinadas a prevenir acidentes, quer eliminando

condições inseguras do trabalho, quer prevenindo desastres ocupacionais” (SOUZA & MINAYO,

2005, pág. 919). Desta forma fica possível pensar e analisar os PMs da RP como trabalhadores que

têm seus direitos resguardados pela Constituição que lhes asseguram a integridade física e psíquica

no exercício de suas atividades.

5 Segundo Bayley, D. H. (2002) a polícia, enquanto objeto de estudo acadêmico, passou longo período sem investigações cientificas. Se a polícia representa o aparelho do governo para a manutenção da ordem, pois essa é a sua função essencial, então porque a atenção dada a ela e bastante restrita? Existem quatro fatores para isso: 1) raramente a polícia desempenha papeis importantes nos grandes eventos históricos; 2) a polícia não é uma atividade de status; 3) a atividade policial é repugnante moralmente porque representa o uso da força da sociedade contra ela mesma e 4) dificuldade de ter acesso à polícia, bem como a falta de material disponibilizado em bibliotecas.

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Os policiais em atividade fim - sejam eles civis e/ou militares - caminham na maioria das

vezes no limiar da vida. Isso acontece porque eles estão constantemente expostos ao risco de perdê-

la, seja na área rural, devido ao alto índice dos conflitos sociais/agrários, ou nas cidades, por causa

da violenta criminalidade urbana (TAVARES SANTOS, 1997).

Segundo Senasp (2006) a violência social, objeto da ação do Estado com o propósito de

coibi-la e garantir a tranqüilidade pública, no ano de 2003 foram registradas pelas policias civis

6.707.955 ocorrências criminais nos estados, e 2.264.829 nas capitais brasileira.

Em entrevista a um jornal local (O NORTE, 2005) o então subcomandante do 1º BPM disse

que de janeiro até 03 de dezembro de 2004 foram efetuadas 68.177 ocorrências pelo telefone 190

em toda a Paraíba. Destas, somente em João Pessoa, foram 51.019.

Esse quadro faz com que os policiais se debrucem diariamente sobre situações diversas de

crimes e violência no estado. E quando são os próprios policiais que são alvos dessa violência

conforme notificação da impressa televisiva e escrita? É nesse universo, composto de elementos,

reais e imaginários onde os PMs exercem suas atividades.

Essa variedade de componentes torna a violência social um fenômeno complexo e isso

dificulta sua definição. Ela vai além da sua ocorrência real e gera no imaginário coletivo um

sentimento de medo e insegurança. Isso cria uma alteração perceptível que confunde crimes reais

dos riscos de ser vítimas da criminalidade. Essa discrepância cria uma falsa percepção do aumento

da violência, o que nem sempre corresponde a realidade (SOUZA & MINAYO, 2005).

Os PMs ao enfrentarem a violência do mundo moderno, onde as cidades cresceram de forma

desestruturada e sem políticas públicas adequadas, vivem expostos a um conjunto de pressões da

organização do trabalho e as exigências da população aflita. Eles são os primeiros a sentir os efeitos

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dessas exigências sobre a saúde física e mental, o que compromete a regularidade da produção de

serviços e produz o sofrimento psíquico. Essa situação eleva o quadro de morbidade e de mortes a

níveis significativos.

Souza & Minayo (2005) revelam que o número médio de oficiais com licenças para

tratamentos de saúde no Rio de Janeiro cresceu 95,5% entre 1994 a 2004, enquanto que no mesmo

período o número de licença dos praças chegou a 108,3%. Os dados demonstram que os

afastamentos dos praças são maiores em 20 vezes aos dos oficiais. Quando se trata de incapacidades

físicas parciais, os números são mais assustadores, pois evidencia que no mesmo período os praças

configuram 93% dos incapacitados físicos readaptados aos serviços internos.

Ao prosseguir em suas análises, as autoras afirmam que dos 4.518 PMs mortos e feridos

entre 2000 a 2004 no Rio de Janeiro, 758 foram mortos, destes somente 173 estavam trabalhando.

Os que morreram em serviço por ação da violência, essa proporção sobe à 26,8%. Os números de

PMs que morreram em serviço durante o ano de 2004 foram 2.5 vezes mais do que em 2000.

Outro fator incorporado a essas pressões é a rejeição social da polícia militar. Pois, trata-se

da segunda maior categoria de profissionais que merece os piores adjetivos, perdendo somente para

os garis (FOLHA DE SÃO PAULO, 1996). Isso termina por incidir negativamente na auto-

percepção desses profissionais, e até mesmo, na relação com a sociedade, criando obstáculos ao seu

trabalho.

Segundo os jornais locais6 as lideranças militares da Paraíba têm se preocupado com o alto

índice de PMs com dependência química, estresse, depressão e o elevado índice de suicídios entre

eles. Segundo o presidente da Associação de Cabos e Soldados, o aumento de alcoolistas é devido

6 Jornal ContraPonto (2005) e Correio Da Paraíba (2006).

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às pressões do trabalho policial. Situação essa que se agrava com a falta de um centro de

atendimento psicossocial voltado ao atendimento dos PMs do estado. Conforme a diretoria de saúde

da PM, localizada em João Pessoa no Hospital Edson Ramalho, no período da entrevista, fazia

quase seis meses que a unidade estava sem psiquiatra, e os psicólogos da unidade não atendiam

somente os PMs que carecem de acompanhamento psicológico.

O percentual de reformas por invalidez devido a transtornos psiquiátricos homologadas pela

junta médica da PMPB em 1998 equivale a 25,5%. Um outro dado importante é que cerca de 75,8%

de reformados estão entre 20 a 29 anos, ou seja, entre profissionais jovens praticamente em início

de carreira. Considerando o escalonamento hierárquico da PM, verifica-se que 73,2% dos mais

afetados são os soldados e cabos. Entre o período de 1995 - 1998 a junta médica da PM homologou

74 reformas por invalidez, desses 41,9% foram por motivo de ordem mental (PAIXÃO, 1998;

ASSUNÇÃO, 1998).

Esses números reforçam a necessidade deste estudo que visa conhecer a atividade policial,

de modo a identificar quais as situações de trabalho que representam ameaças à saúde dos PMs, em

particular da RP, e, sobretudo, saber qual é a relação entre trabalho policial e sofrimento psíquico.

Comumente os PMs da RP são acionados a irem onde o conflito está, bem como fazer a

ronda para garantir – quando possível – a inibição da violência e a criminalidade. Eles são

designados a atuarem nas áreas/situações de conflitos que podem ser do estado contra a sociedade, e

vice-versa e/ou entre os próprios cidadãos que compõem esta sociedade.

Conforme relato de entrevistas preliminares, a modalidade de policiamento de RP é que

mais expõe os policiais a situações perigosas, porque para está na rua o policial se desdobra. Por

isso, entre as modalidades de policiamento ostensivo fardado: de choque, de guarda, normal (geral)

e trânsito urbano, privilegiou-se para a presente pesquisa a RP.

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Segundo Sette Câmara (2002), quando uma RP é acionada com fins de atendimento à

ocorrência, é como se entrasse em um terreno movediço, essa percepção acontece porque se trata de

uma situação de conflitos envolvendo pessoas. Quando o PM chega ao local logo se depara com um

cenário complexo: quem é o bandido, o infrator ou a vítima? Quem está certo ou errado? O motivo

que o suscitou trata de um ato ilícito? E se for preciso utilizar a força – ou a arma – qual o limite?

Qual o melhor procedimento a valer-se? Tudo isso é decidido rapidamente. Um erro de avaliação

pode ser fatal ou capaz de induzir o PM a uma ação equivocada.

A situação de trabalho policial é marcada por contradições sociais e políticas. Pois, muito

embora, a população espere dos gestores públicos medidas de combate à violência, é a polícia que é

vista como instrumento primário capaz de coibir e promover a ordem pública. Porque, além de ser

responsabilizada pela falta de segurança, ainda tem que corresponder às expectativas da sociedade.

Por isso, algumas questões sem respostas imediatas podem ser feitas, por exemplo: como é

para os PMs exercerem uma atividade de controle em meio à violência urbana? Como é dar conta

de sua atividade e responder aos anseios da sociedade, sendo eles também membros dessa mesma

sociedade? Existe descontentamento com a organização e as condições de trabalho? Até que ponto

essa insatisfação compromete o serviço policial? Quais as estratégias individuais e coletivas que os

PMs da RP empregam na realização da tarefa? Qual o sofrimento e o prazer na atividade? Como é

ser policial e morar em locais em situação de risco social? A corporação os preparou para essa

situação? Estas questões fomentaram a idealização e o desenvolvimento do presente estudo.

Ademais, são esses profissionais que estão na linha de frente da manifestação da força pública e

legal do Estado.

Mesmo dentro desse panorama nebuloso, o trabalho é considerado neste estudo como um

elemento contributivo na estruturação da identidade do sujeito. Em nossa sociedade o trabalho tem

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uma série de significados e valores que reportam tanto à subsistência, quanto à realização pessoal e

status social na vida das pessoas, portanto dos trabalhadores. Por isso, quando o trabalho não

possibilita condições favoráveis a sua execução, o trabalhador sempre manifestará matizes de

sofrimento que podem comprometer-lhe a saúde.

Algumas pesquisas abordam a prática policial como objeto de estudos, a autonomia policial,

entre outros, com ênfase em análises jurídicas, históricas, em áreas humanas com perspectivas

sociológicas. Todavia, nesta investigação, o propósito é alargar essa discussão por meio da

ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho.

O presente estudo poderá se constituir em uma ferramenta importante para a administração

de segurança pública. Na medida em que tem como foco a dinâmica do sofrimento psíquico e

prazer no na modalidade de RP.

A pesquisa colaborará na compreensão da natureza do mandato policial, de forma sustentada

com um propósito de auto-análise e autocrítica. Isso poderá possibilitar um espaço fomentador de

estudo e pesquisa direcionada à prevenção e promoção de saúde. A repercussão desse estudo

pretende ainda mostrar a valorização e a importância do trabalho policial na medida em que

apontará a complexidade do trabalho rotineiro dos PMs da RP, sobretudo, colaborar na visibilidade

das principais situações de trabalho que afetam a saúde mental dos PMs e contribuir na promoção

de saúde e melhoria de suas condições de trabalho.

1. 3 OBJETIVOS

1. 3.1 Objetivo geral:

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Identificar as situações geradoras de sofrimento psíquico e prazer na modalidade de

radiopatrulha da polícia militar.

1. 3. 2 Objetivos específicos:

Analisar a atividade de RP da PM.

Apontar quais são as condições de trabalho que representam danos à integridade psíquica

desses profissionais.

Verificar o índice de morbidade dos PMs da Paraíba.

Descrever as estratégias que os PMs da RP empregam para promoção de saúde e segurança

no trabalho.

CAPÍTULO II – CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS & CONSTRUÇÃO DE EXPERIÊNCIA

O referencial teórico adotado na presente pesquisa articula diferentes enfoques com o

propósito de compreender o trabalho do PM da RP e sua influência na promoção de saúde, no

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desenvolvimento humano e no desempenho de sua atividade. Dentro dessa perspectiva, as bases

teórico-metodológicas adotadas foram: a ergonomia da atividade e a psicodinâmica do trabalho.

Pois são áreas que estudam a dinâmica do trabalho e seus aspectos comunicacionais e de

variabilidade, bem como, enfatizam os processos das relações intersubjetivas frente às situações de

trabalho. Mas antes de nos debruçar sobre as discussões teóricas, é importante tecer algumas

considerações sobre a segurança pública7 no contexto da PM, bem como resgatar alguns aspectos

do sentido do trabalho e o que ele tem sido nas sociedades ocidentais contemporâneas.

2. 1 ESTADO, PODER E POLÍCIA

Nas sociedades primitivas era comum a situação de desordem causada pela utilização

arbitrária da força física em detrimento da ordem pública, instalando dessa forma um clima

generalista de insegurança. Somente no período moderno é que surge uma força organizada do meio

social com bases no Estado. A partir de então essa força se denominou polícia, cujo propósito é o

controle social e garantia da ordem, da segurança pública, bem como, livrar os cidadãos da vis

inquietativa que por ventura cause-lhe dificuldades à vida e ao trabalho. Porque o que constitui

ameaça para uma pessoa implica em perigo para a coletividade, e isso deve ser coibido

(CRETELLA JUNIOR, 2000).

Elias (1994), ao analisar os efeitos da formação do Estado sobre os costumes e a moral dos

indivíduos, diz que o controle social da agressividade, como em outras áreas emocionais, sofreu

processos históricos de refinamento e civilização por meio de inúmeras regras e proibições. O

padrão de agressividade – seu tom e intensidade – era evidente durante a Idade Média em

7 Mesmo que o foco da presente pesquisa não seja esse, é pertinente contextualizar o nosso objeto de estudo que se dá no âmbito da segurança pública. Para pensar esse aspecto é necessário remeter ao nascedouro da polícia, em particular a militar, e como a mesma se configura hoje.

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comparação com os tempos modernos. Nesse período, a superioridade física exposta na crueldade e

no contentamento em destruir e atormentar outrem, foram postos sobre um controle social mais

dominante, cujo amparo se deu no âmbito da organização do Estado.

Souza, Minayo & Assis (2003) expressam que os conceitos são historicamente construídos e

para apreendê-lo é necessário considerar a cultura, as ideologias e os modos de dominação.

Norteado por essa concepção, é preciso elucidar as origens da instituição policial, mesmo que de

forma sumária.

Foucault (1998) diz que sempre existiu na Idade Média, e na Antiguidade greco-romana,

tratados cujos objetivos eram orientar – aconselhar – os príncipes quanto ao modo de se comportar,

do exercício de poder, de ser aceito e respeitado pelos súditos. Porém, a partir do século XVI e final

do século XVIII, desenvolvem-se a implantação de tratados com propostas diferentes até então.

Segundo o autor, os tratados passaram a ter uma nova idéia cuja aplicabilidade consistia em

articular ações táticas acerca da soberania (governo); da economia política (como técnica de

intervenção e ciência); e da população (como objeto da técnica do governo). O Estado moderno

lança mão desses dispositivos para poder governar da melhor forma possível, ou seja, a

governamentalidade do estado. É bom lembrar que é a partir da população que os dispositivos de

segurança e disciplina são criados. É por meio dessas operações táticas que o estado moderno se

estrutura para melhor exercer o controle sobre os indivíduos e a coletividade.

A partir da obra de Foucault em “Microfísica do poder”, Souza, Minayo & Assis (2003)

chama essa nova forma de governar de governabilidade, que seria a resultante de toda uma

racionalidade do estado como fruto de um processo histórico estruturado em um tipo de arte, uma

tecnologia aplicada por meio de certas regras de racionalidade para concentrar o capital da força e

dos instrumentos coercitivos (exército e polícia), o capital econômico e o capital simbólico. Este,

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por sua vez, representa o reconhecimento da população que em contrapartida espera a defesa de seu

bem-estar e a sua própria proteção.

Essa estruturação é concebida pelo marxismo como o aparelho (repressivo8) do Estado,

sendo que a polícia corresponde em uma das instituições que compõe esse aparelho que é acrescido

pelo governo, à administração, o exército, os tribunais, às prisões, entre outros. Além dessa

realidade se manifestar junto ao Estado, mas que não pode ser confundida com ele, existe uma outra

realidade denominada de sistemas de aparelhos ideológicos do Estado, a saber: diferentes religiões,

escolas (públicas e privadas), família, jurídico, sindicato, meios de comunicação e a cultura

(ALTHUSSER, 1987).

Althusser considera que essas duas realidades (aparelho do Estado e aparelho ideológico do

Estado) se interatuam e diz que todos os aparelhos do Estado funcionam ora através da repressão

ora em forma de ideologia, diferentemente do aparelho do Estado, que funciona principalmente

através da repressão. O aparelho ideológico do Estado atua, sobretudo por meio da ideologia. As

instituições de caráter público e privado funcionam com o propósito de materializar a ideologia

através da adoção do discurso como prática social.

A polícia enquanto instrumento coercitivo, define-se como “poderes coercitivos, exercidos

pelo Estado, sobre as atividades dos administrados, através de medidas impostas a essas atividades,

a fim de assegurar a ordem pública”. O conceito de polícia será sempre constituído por alguns

elementos: um refere-se ao Estado, que é o sujeito; a tranqüilidade pública, que é o fim; e as

limitações aos atos prejudiciais, que representa o objetivo da ação estatal (CRETELLA JUNIOR,

2000, pág. 263).

8 “Repressivo indica que o aparelho do Estado em questão funciona através da violência – ao menos em situações limites, pois a repressão administrativa, por exemplo, pode revestir-se de formas não físicas” (ALTHUSSER, 1987, pág. 69).

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Segundo o autor a atividade policial está imbricada com a segurança pública e se manifesta

através do poder de polícia, que tem como base a supremacia geral da administração pública em

relação aos administrados.

Consoante Bayley (2002), a palavra polícia irá sempre se referir às pessoas autorizadas para

regular as relações interpessoais dentro de um grupo através de instrumentos próprios e que ela se

caracteriza pelo componente de caráter público, especializado e profissional. Essas três

características são quase sinônimas de policiamento moderno.

Segundo o cientista social Monjardet (2003), a polícia se constitui em um aparelho formado

por três dimensões indissociáveis: institucional, organizacional e a profissional. Essa tripla

determinação não se funde, mas se confronta como lógicas diferentes e concorrentes que facultam o

funcionamento da polícia. O autor ao conceituar a dimensão institucional, adota a mesma presente

no Petit Larousse que a define por um conjunto de regras estabelecidas que visa a satisfação de

interesses coletivos, ou seja, um organismo que visa manter as regras. Os interesses coletivos que a

polícia tem por incumbência cumprir são de duas naturezas, a saber: instrumental (força física) e

substancial (valores e ideologias).

Segundo Bernoux (apud MONJARDET, 2003), a organização é a forma como o trabalho

está estruturado e toda a organização comporta dois lados. O primeiro é o formal: trata-se da divisão

sócio-técnica do trabalho conforme regras que determinam a maneira como a organização pode

operar. O segundo é o informal: diz respeito ao conjunto de comportamentos e normas observáveis

consoantes as quais a organização verdadeiramente funciona.

A dimensão profissional refere-se à mobilização de uma categoria especializada, no caso os

policiais, que como todo grupo profissional, caracteriza-se por interesses e cultura próprios,

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diferenciando-se do não-profissional em que estabelece uma identificação interna, ou seja, cria-se

um principio de identidade (MONJARDET, 2003).

Após considerar o que se foi dito, faz-se mister tecer algumas considerações sobre como a

atividade policial se configura no Brasil, e mais precisamente como a PM se organiza.

2. 2 A PM: NORMAS DE RELAÇÕES E A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO

Conforme a Constituição Federal do Brasil no Art. 144, a atividade policial é pertinente às

polícias: Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civil, Militar e o Corpo de Bombeiros

Militar. Mas a presente investigação se deterá apenas na PM do estado da Paraíba, especificamente

do 1º Batalhão do município de João Pessoa. Ao se firmar o aparato teórico da presente

investigação e antes de apresentar a metodologia, é importante contextualizar a PM e apresentar

algumas de suas normas que regulam as relações e a organização de trabalho.

2. 2. 1 PM: destinação, missão e subordinação

Segundo o Decreto Lei 667/69, a PM está destinada à manutenção da ordem pública na área

do estado. Cabe a ela executar o policiamento ostensivo fardado com objetivo de garantir o

cumprimento da lei, sustentação da ordem e o exercício dos poderes constituídos. Essa tarefa é

planejada pelas autoridades responsáveis.

Conforme Oliveira & Silva (2000), a PM inclui funções de:

Policiamento ostensivo em todas as suas formas.

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Ações de prevenções da ordem pública.

Ações de prevenções e combate a incêndios, busca e salvamento.

Atividade de defesa civil.

Atividades do gabinete militar, do governador, do vice-governador, assessoria militar

e de assistência à presidência do poder legislativo, judiciário e à prefeitura da capital

do estado, conforme artigo 48 da constituição do estado.

2. 2. 2 Organização básica da PM

A PM possui uma estrutura baseada na hierarquia e na disciplina. Esse tipo de estrutura

segue a mesma cultura organizacional e administrativa dos processos forjados no militarismo

(exército brasileiro).

Os princípios administrativos são:

• Administração linear (unidade de comando) – autoridade única do superior sob seus

subordinados com núcleo central das decisões.

• Escala hierárquica - a esse princípio, toda organização ou cargo, é ligado

exclusivamente para cima, ou seja, cada escalão inferior deve responsabilidade ao

escalão imediatamente superior.

• Centralização do comando – planejamento e controle da organização centralizados

na alta administração.

• Descentralização da execução – através da conformação piramidal, quanto menor o

nível hierárquico, menor a delimitação de responsabilidade.

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• Estado Maior - visa assessorar o comandante militar (linha), onde os oficiais

trabalham de forma independente dos de linha, aqueles planejam e estes executam;

• Princípios de direção – consistem em todo soldado saber, o que fazer e por que fazer.

Seguindo esses princípios, observam-se três áreas na composição da PM: direção, apoio e

execução.

A hierarquia e a disciplina representam o binômio que alicerça a polícia. A formação dessa

estrutura dá-se através de uma escala ascendente que vai de baixo para cima, do menor ao maior

nível da graduação. Configurando-se da seguinte forma: soldado, cabo, sargento, subtenente,

aspirante, tenente, capitão, major, tenente coronel e coronel. A referente estrutura segue por força

de lei a mesma hierarquia do exército, pois a Constituição do Brasil prevê e prescreve que a PM

constitui em uma força auxiliar e reserva do exército brasileiro.

2. 2. 3 Policiamento motorizado (Radiopatrulha – RP)

Atualmente o efetivo da RP da 2ª CIA do 1º BPM é de 100 praças e cinco oficiais,

totalizando 105 policiais. Cada guarnição é formada por um:

• Comandante – policial militar comumente sargento ou cabo, que é responsável pela

guarnição e é quem coordena a atividade operacional;

• Motorista – policial militar responsável pela direção e manutenção da viatura. Ele fica atento

ao rádio ou pronto a atender a qualquer deslocamento da viatura. Cada carro (modelo

santana) tem número próprio, identificação da PM e a modalidade de policiamento,

giroflexe, sirene, rádio de comunicação.

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• Patrulheiro – policial militar que tem a função de reforçar a guarnição durante as ocorrências

e fica sentado no banco detrás. Comumente ele faz as abordagens com o comandante da

guarnição. Sempre o patrulheiro é soldado, eventualmente pode ser um cabo.

Os policiais da RP têm uma escala de trabalho de 12h de serviço por 36h de folga. O setor

de sargenteação9 é que faz o planejamento dessa escala, bem como, os locais de patrulhamento.

Cada BPM é responsável por uma área territorial subdividida em Companhias (subáreas). Os

setores são termos aplicado às áreas territoriais de responsabilidade de uma viatura da RP.

A organização dos bairros (ou comunidades) é dividida por setor e em cada um tem a uma

viatura à disposição com o propósito de prevenir e/ou reprimir qualquer ato que represente violação

dos direitos ou segurança da sociedade. Conforme descrição do Quadro I, os serviços em cada

localidade funcionam em sistema de rodízio e os setores se distribuem da seguinte forma:

Quadro I – Divisão dos bairros por setores de patrulhamento

9 É a área de recursos humanos. Trata-se do setor onde as escalas de serviços são planejadas, e também é responsável pelo controle do efetivo de policiais.

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Fonte: Sargenteação da 2ª CIA do BPM, 2007.

Além desses oito setores, tem mais duas viaturas: uma serve como apoio na área comercial

do grande centro de João Pessoa, e a outra corresponde ao do oficial da CPU (coordenação do

policiamento da unidade).

A RP utiliza os seguintes equipamentos no trabalho:

• Para os comandantes: uma escopeta (calibre 12) com cinco munições, ou uma magal.

Pistola pt40 com vinte munições e célula do colete.

• Patrulheiro: revólver com dez munições e a célula do colete e a tonfa (bastão japonês

com formato tipo L).

• Motorista: revólver com dez munições e a célula do colete.

SETOR BAIRROS E COMUNIDADES

01 Alto do Mateus, Bairro dos Novais, Juracy Palhano, Bola na Rede e Conjunto dos Motoristas.

02 Jardim Planalto, Funcionários I, Oitizeiro e Crus das Armas.

03 Bairro de Jaguaribe e Torre.

04 Bairro dos Estados, Pedro Gondim e Expedicionário.

05 Mandacaru e Bairros dos Ipês.

06 Jardim Mangueira, Posto de João Tota, Alto do Céu e Beira Molhada.

07 13 de Maio, Padre Zé, Tambiá, Roger, Baixo Roger e Centro.

08 Varadouro, Ilha do Bispo, Comunidade Saturnino de Brito, Porto do Capim, Renascer I, Cordão Encarnado e Comunidade Santa Emília de Rodat.

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Mesmo que o foco desta pesquisa não seja a segurança pública, é pertinente contextualizar o

objeto de estudo da presente investigação que se dá no âmbito da PM – mais especificamente. Até

porque ela funciona enquanto espaço de trabalho onde a subjetividade do PM está relacionada. Por

isso, fez-se necessário essa contextualização. Se neste estudo o trabalho é concebido como um dos

elementos centrais na vida das pessoas, faz-se mister compreender como se instaurou esse processo.

É o que será abordado a seguir.

2. 3 O TRABALHO: SENTIDO E CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

A forma como o ser humano se relaciona com o seu trabalho passou por transformações

dentro do processo sócio-histórico que culminou na automação. Esse processo evidencia que: se as

inovações permitem a grande produção de bens, por outro lado, também apontam questões que

tangem ao sentido do trabalho humano (RIGOTO, 1994).

Dejours (2004) considera o trabalho como um elemento constitutivo da condição humana

por contribuir na formação da identidade, na realização de si mesmo e na saúde mental. Desta

forma, atribui ao trabalho à centralidade mediadora de ordem individual e coletiva, da subjetividade

e do campo social.

Marx, através de sua obra “O Capital”, já considerava que o trabalho constitui uma relação

do homem com seu entorno natural, e que ele forja um conjunto de habilidades/capacidades para

transformar a matéria prima em produto.

Braverman (1987) considera o trabalho como uma atividade que transforma o estado natural

da matéria para melhor satisfazer a necessidade do ser humano. Esse ato de agir para transformar se

dá de forma consciente, proposital e projetual, o que o diferencia dos animais, cuja ação é instintiva.

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O termo trabalho – sentido e significado - tal como é percebido hoje, e suas implicações na

vida do ser humano, é alvo de várias pesquisas. A história se apresenta recheada de inúmeros

significados sobre essa temática em diferentes civilizações e culturas. Segundo Tersac & Maggi

(2004), a denominação trabalho se torna complexa porque cada estrutura social, seja ela pertencente

à sociedade tradicional ou industrial, desenvolve práticas que lhe dão significações, e cria com isso

uma diversidade de práticas no trabalho.

Na antiga Grécia, a idéia predominante era o status gerado pela capacidade de aquisição de

um produto em detrimento da valorização de quem produz. Enaltecia dessa forma a ociosidade,

porque uma das características marcante do homem livre era desfrutar do que não produziu por

meio de suas próprias mãos. Era difícil para os gregos conceber um termo único que englobasse

uma gama de atividades (ALBORNOZ, 2000). O trabalho físico/braçal, nessa época e região,

restringia-se aos escravos e pessoas (livres) de situação sócio-econômica menos abastada. A

capacidade de pensar era valorizada, mas constituía privilégio restrito apenas aos homens livres

voltados à política e não à produção de algo material.

Consoante Silva Filho et al (1993), o início do Cristianismo propiciou novas formas de

concepção do mundo, dentre elas, o trabalho. É nesse momento em que o trabalho, regulado por um

tempo e pensado como uma realidade abstrata, começa a se formar. Com isso, o trabalhador surge

como aquele que despende energia de modo controlado e disciplinado.

Com a ascensão do Cristianismo em meados do século III, o trabalho passa a ter uma

concepção diferenciada. O enfoque espiritual começa a permear-lhe as concepções, principalmente

pela lógica do pecado, com isso o trabalho passa a ser visto como algo penoso e o meio pelo qual se

poderia atingir a purificação dos pecados e o alcance da salvação (ALBORNOZ, 2000).

Essa relação entre trabalhador e trabalho, mediatizada por uma lógica moral-espiritual,

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também se propunha a estabelecer um novo modo de utilização do trabalho onde o corpo - elemento

mortal e passageiro – não fosse mais considerado, mas sim, o espírito, capaz de proporcionar ao

homem a certeza de sua felicidade. Para isso, fazia-se imperativo fustigar o corpo até a exaustão,

eliminando nele qualquer sinal do desejo e de sua força. A idéia do espírito se sobrepor ao corpo

contextualiza o sentido de que “o trabalho enobrece o homem” ou o “trabalho tudo vence” (SILVA

FILHO, 1993).

Consoante Tersac & Maggi (2004), o trabalho estava relacionado ao sofrimento e à fadiga,

idéia resultante do latim tripaliare que significa afligir e torturar com o tripalium, instrumento de

tortura e de auto-flagelo. Essa concepção de sofrimento se estende ao século X direcionando-se aos

condenados ou às mulheres em processo de parto. Em seguida o trabalho começa ser associado à

idéia do esforço empreendido para obter resultados. No século XIII, o trabalho é encarado como um

ofício que não se limitava apenas à atividade produtiva, mas também a funções e papéis distribuídos

na sociedade.

No século XVI começa a ter uma mudança na forma de interpretação dos princípios

Cristãos. O fator predominante para essa reformulação foi a Reforma Protestante, pois com o seu

advento o trabalho passa a ser visto como uma virtude e também como glorificação, em que se

valorizava o fazer em detrimento do saber (WEBER, 1997).

A visão religiosa do trabalho passou a ser bem explorada pelo capitalismo, conforme o

autor, o trabalho visto como instrumento de purificação e meio de salvação, fez com que as idéias

do capitalismo fossem fomentadas.

Nessa nova representação do que venha a ser trabalho, o lucro e a acumulação de riqueza

deixaram de ser concebidos como pecados, ou seja, como uma condição. Entretanto, não se podia

usufruir deste lucro para fins de relaxamento e luxúria. Desta forma, o paradigma capitalista se

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beneficiava duplamente: primeiro, por terem trabalhadores sóbrios e aplicados no desempenhar de

suas tarefas com a consciência tranqüila em agradar a Deus; segundo, a burguesia encontrava um

fim providencial à má distribuição das riquezas neste mundo (ALBORNOZ, 2000).

Conforme Tersac & Maggi (2004), com o advento do século XVII e século XVIII o

trabalho passa a significar atividade produtiva, relacionado à sobrevivência, sobretudo, o fator

econômico. Nesse período, também chamado era industrial, surge uma nova forma de organização

social, denominada sistema de fábricas. Segundo Athayde (1986), esse novo sistema começou a

conquistar terreno desde o período feudal marcado por uma produção excedente da agricultura

geradora de matérias-primas básicas para intensificar o comércio através da produção artesanal.

A evolução do capitalismo, que serviu de sustentação ao ideário taylorista-fordista, permitiu

implantar e implementar o modelo de organização cientifica do trabalho em estabelecer uma

separação entre concepção e execução de uma tarefa cada vez mais fragmentada. Esse modelo, se

de um lado propicia a maximização do lucro, diminuição de perdas, por outro aspecto, termina por

comprometer a saúde mental do trabalhador, a produtividade e o lucro.

Segundo Gomes (2005), o paradigma taylorista-fordista sofreu transformações na forma de

conceber a organização do trabalho. Porque, com o advento de novas tecnologias, insatisfação dos

trabalhadores, falta de liberdade, crise do capitalismo, entre outros, fizeram com que novos modelos

fossem implantados, a saber: enriquecimento de cargo e grupos semi-autônomos.

Estas transformações conceberam novas políticas de gestão da força de trabalho, ao criar

uma série de técnicas/ferramentas/ideologias para gerir conflitos, todavia, ainda permanece a idéia

reforçada da falta de controle do trabalhador sobre o seu savoir-faire. È oportuno salientar que o

modelo taylorista-fordista não se circunscreveu ao espaço fabril, ele também passou a teleguiar as

próprias relações e regras sócias.

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Conforme Simoni (2006), a concepção colocada pela organização clássica do trabalho ao

ditar a funcionalidade do humano em uma estrutura fabril, instaura todo um processo de

“desapropriação” do ser humano, causando com isto um obstáculo ao trabalho, restringindo-o,

apenas, à atividade econômica simplesmente utilitária. E o trabalho é mais que isto, ele se constitui

de aspectos lúdicos, simbólicos e transcendentais que se relacionam intimamente com a vida das

pessoas.

Segundo o autor, quando a engenharia e o engenheiro de produção planejam os sistemas de

produção sem considerar os componentes de humanidade no trabalho, tal concepção implica em

separar o trabalho da existência humana. Portanto, termina por gerar um vazio ético que sufoca

qualquer manifestação de solidariedade e fraternidade, tornando-se tão somente em um espaço à

ação egoística, ou seja, “uma vida individual, empobrecedora, cerceada e avessa à vida humana

associada” (SIMONI, 2006, pág, 48).

Para pensar a dinâmica do mundo do trabalho, suas relações com o ser humano, o coletivo, a

variabilidade e as normas, surgiram algumas abordagens teóricas, dentre elas, a ergonomia e a

psicodinâmica do trabalho. Abordagens essas que serão tratadas a seguir.

2. 4 ERGONOMIA DA ATIVIDADE

Segundo Daniellou et al (2004), o homem e a mulher, no exercício do trabalho, tecem “fios”

que seriam os processos técnicos, propriedade da matéria, ferramentas (ou clientes) e políticas

econômicas, que se interligam e se constroem no campo das regras formais ao controle de outrem.

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Para o autor, o entrelaçamento desses “fios” se determina pelo próprio corpo que aprende e

envelhece, bem como, por meio do conjunto de experiências de trabalho e de vida – construídas e

enriquecidas – em vários grupos sociais propiciadores de saberes, valores, regras com as quais são

incrementadas diariamente, tornando-se mananciais de sentido e preocupações, desejos, sofrimentos

e significados. Pensar esses componentes na relação com o trabalho, também constitui objeto da

ergonomia.

Segundo Wisner (2004), o termo ergonomia foi usado oficialmente na Grã-bretanha em

1947 pelo engenheiro Murrel, com o auxílio do fisiologista Floy e do psicólogo Welford. O

propósito era demarcar a área de trabalho que esses pesquisadores realizavam no período da

Segunda Grande Guerra. Primeiramente, esses serviços atendiam aos interesses bélicos britânicos,

mas também havia outro objetivo que era o de iniciar um movimento que permitisse empregar o

conhecimento experienciado nas áreas da indústria e /ou na atividade civil10.

A utilização do termo ergonomia começa a ter início na Europa Continental, particularmente

na França, a partir da década de 1950, até então se tratava de uma nomenclatura desconhecida.

Devido à carência do termo, o primeiro laboratório na indústria francesa a ser criado em 1954, teve

o nome de estudos fisiológicos devido a forte influência dos médicos e fisiologistas do trabalho.

Somente nos anos de 1960 é que ocorreu a institucionalização da ergonomia (WISNER, 1987;

2004).

Conforme Iida (2003), o polonês Woitej Yastembowsky, ao estudar as leis objetivas da

ciência sobre a natureza, foi quem primeiro empregou o termo ergonomia. Isso ocorreu com a

publicação de um artigo sobre o caráter cientifico da ergonomia.

10 Conforme o autor, um fenômeno semelhante também ocorreu durante a Primeira Grande Guerra em que cientistas de áreas diferentes, e formas de pensar aparentemente incompatível, tentaram trabalhara juntos. Todavia essa junção de áreas diversas e conhecimentos distintos não vigoraram após o término da guerra.

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Segundo Fialho & Santos (1995), a raiz etimológica da “ergonomia” reside em dois

vocábulos gregos: ergo – trabalho e normus – regras, normas e leis. Regras do trabalho.

Iida (2003) define ergonomia como o estudo da adaptação do trabalho ao homem. Esse tipo

de definição concebe a realidade de forma estática e não dinâmica, porque adaptação constitui em

um estágio anterior a transformação – esta tem um caráter dinâmico. Todavia, a definição concebida

dentro da adaptação, já denota uma mudança de foco em que prioriza o homem e a mulher na

relação com o trabalho.

A ergonomia permite estudar as condições concretas de trabalho obedecendo aos seguintes

elementos: horários, escalas, máquinas, equipamentos, instrumentos e matérias primas, trabalho

prescrito e real, modos operatórios, habilidades exigidas, organização do trabalho, formas de

interação com o coletivo de trabalho, cargas de trabalho e distribuição do trabalho (NASSIF, 2005).

Segundo Daniellou, Laville e Teiger (1989), a abordagem ergonômica principia uma das

discussões sobre um dos temas mais caro ao taylorismo, a tarefa. O paradigma taylorista concebe

que as capacidades cognitivas e psíquicas são funções que não precisam ser levadas em conta para

se executar a tarefa. Tal concepção não corresponde à realidade, porque na prática, elas são

essenciais na sustentação e regularidade da produção.

A ergonomia enquanto área cientifica que também estuda o trabalho, suas regras, normas e

leis, percebeu que havia um gap entre o que era determinado pela alta gerência e o trabalho

realizado por parte dos operadores. Portanto a ergonomia, através de seus estudos, evidencia os dois

espaços hifenizados pelo homem: a tarefa e a atividade.

Ao mostrar a diferença entre trabalho prescrito e o trabalho real, bem como as

conseqüências negativas da sua não consideração pelas organizações, a ergonomia lança luz sobre

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uma área até então desconsiderada ou desconhecida. Isso permite abordar tanto as variabilidades

que o trabalhador estar sujeito, quanto o coletivo de trabalho que eles constroem para dar

cumprimento à atividade.

Cru (1987), a partir de pesquisas no ramo da construção civil feitas na França, atenta para a

presença de uma estratégia até então não considerada no ambiente de trabalho: o coletivo de

trabalho. Considerando-o como um conjunto de trabalhadores que juntos se submetem a mesma

organização de trabalho, tendo em vista a execução da mesma obra, por meio de regras que lhes são

comuns, denominadas de regras de ofício.

Conforme o autor, as regras de ofício são construídas a partir de um consenso ou por meio

de acordos estabelecidos, cuja caracterização se dá por meio de uma linguagem respeitante a certo

tipo de ofício ou profissão com vista à prevenção da saúde e a segurança dos operadores.

Quando se fala de coletivo de trabalho, não se pode ter em mente apenas um conjunto de

trabalhadores que realizam de forma integrada à tarefa em um mesmo local. Pois, Athayde (1996)

diz que o coletivo tem uma forma mais ampla, como: redes de relações e sociais. O coletivo de rede

perpassa qualquer atividade de trabalho que pode ser produzida antes, durante e depois do trabalho.

Conforme Athayde (1996), as regras no coletivo são defendidas como uma oposição a

qualquer trabalhador, ou fração do coletivo, que imponha sua própria lei, mesmo sendo o superior.

Elas têm um caráter de proteção às ameaças externas e funcionam como um dos componentes

estruturante com fim organizador e construtor do coletivo.

Segundo o autor, é na aproximação do trabalho real que há a possibilidade de se entrar em

uma senda marcada pela variabilidade das condições de trabalho e pelo empenho na diminuição

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dessa variabilidade por parte dos trabalhadores, que por meio de um coletivo, mostra que são ativos

na relação homem-trabalho e que também operam à margem da organização prescrita.

2. 5 PSICODINÂMICA DO TRABALHO

A Psicodinâmica do Trabalho possibilita compreender a relação entre trabalho e

subjetividade, bem como o estudo sobre o nexo relacional do binômio saúde-trabalho, e permite

compreender as dimensões de prazer, medo e sofrimento dos trabalhadores a partir da confrontação

do sujeito com a realidade de trabalho e os aspectos psicodinâmicos das relações intersubjetivas

(DEJOURS & ABDOUCHELI, 1990).

Esses estudos propiciaram uma maior compreensão sobre os conceitos de sofrimento e

prazer no trabalho, a dimensão do coletivo e os sistemas de defesas individuais e/ou coletivos ora

apresentado como aspectos de ideologia defensiva, outrora, configurando-se como estratégias de

defesas.

Os estudos desenvolvidos sobre o tema foram marcados por dois momentos decisivos. O

primeiro: psicopatologia do trabalho, que enfatizava a procura das afecções mentais geradas pelo

exercício da atividade em detrimentos dos trabalhadores devido às exposições de riscos físico,

químico e biológico. As pesquisas desenvolvidas sobre saúde mental, focalizavam sempre as facetas

das patologias estudadas pelo viés da fadiga e do estresse.

Segundo Athayde (1996), essa percepção se altera e faz com que a dimensão psicológica do

trabalho e suas repercussões sobre a saúde mental dos trabalhadores também fossem consideradas.

Essa mudança de perspectiva ocorrida na França, dos anos idos de 1970, somente ocorreu devido às

preocupações político-sociais.

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A procura por doenças mentais específicas a certas profissões não logrou êxito. Entretanto, a

ausência dessas patologias não eximia aos trabalhadores desenvolverem comportamentos estranhos

e incoerentes. Esses comportamentos traziam um conjunto de signos com valor descritivo

generalizável a um grupo de categoria profissional caracterizada por trabalho repetitivo submetido à

pressão do tempo (DEJOURS & ABDOUCHELI, 1990).

A partir desse momento um outro modelo teórico passou a ser delineado com o propósito de

estudar o sofrimento no trabalho e as defesas contra as doenças com foco nas vivências dos

trabalhadores. Inicia-se assim uma nova trajetória denominada psicodinâmica do trabalho que vai

reconsiderar principalmente a noção de organização do trabalho, que mesmo sendo técnica,

supostamente homogênea, é modificada pela integração humana que altera e lhe dá o formato

concreto (DEJOURS, 2004).

Conforme esse autor, a organização do trabalho deixa de ser concebida como um bloco

monolítico, e se distancia consideravelmente do modelo psicopatológico causalista. Por meio de

suas pesquisas Dejours percebeu que o homem era ativo perante as pressões organizacionais e era

capaz de se preservar. Sofre, mas encontra sempre espaço para desenvolver estratégias individuais

e/ou coletivas. A partir dessa relação homem-trabalho, Dejuors passa a focalizar seus estudos na

“normalidade”. Tema perseguido e encarado por ele como enigma central de investigação e análise.

Para Dejours & Abdoucheli (1990), os trabalhadores forjam defesas individuais e coletivas

para lutar contra o sofrimento psíquico que emerge da situação de trabalho perigosa e o conteúdo

insatisfatório das tarefas. Isso faz alterar a percepção da realidade que o faz sofrer. Como essa

operação se limita ao campo do mental, ela não muda as condições danosas do trabalho. No entanto,

as estratégias fazem com que tais situações sejam suportáveis.

Dejuors & Abdoucheli (1990, pág.128) também acentua que:

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“O sofrimento, o prazer, o sujeito, a identidade, são conceitos cujo uso rigoroso não tem validade fora da ordem singular. Não conhecemos sofrimento nem prazer de um grupo, de um coletivo, de uma organização ou uma sociedade. Prazer e sofrimento são vivencias subjetivas, que implicam um ser de carne e um corpo onde ele se exprime e se experimenta, da mesma forma que a angústia, o desejo o amor, etc. Esses termos remetem ao sujeito singular, portador de uma história e, portanto, são vividos por qualquer um, de forma que essa história não pode ser, em nenhum caso, a mesma para um sujeito e para outro. Parece, portanto, que vários sujeitos, experimentando cada um por si um sofrimento único, seriam, contudo capazes de unir seus esforços para construir uma estratégia defensiva comum”.

As estratégias defensivas mascaram a realidade ansiogênica e quando o trabalhador nega

peremptoriamente a situação danosa no trabalho, ele vivencia o mecanismo da ideologia defensiva,

que consiste justamente nisto. O que constitui um risco grave que impossibilita a transformação das

condições nocivas no trabalho (DEJOURS, 1987).

Em meio a essa dinâmica, a vivência do sofrimento emerge e é passível de ser desvendada.

A psicodinâmica do trabalho tem como desafio favorecer ações propícias que intervenham

favoravelmente no sofrimento para transformá-lo em criatividade.

Consoante Dejours (2004), a psicodinâmica do trabalho abre perspectivas mais amplas que

vai além das doenças mentais e alcança as dimensões de sofrimento e prazer no trabalho; estuda não

somente o homem, mas também o trabalho; não somente a organização do trabalho, mas as

situações dinâmicas e internas do trabalho.

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CAPITULO III – CARACTERIZAÇÃO METODOLÓGICA

Na procura de uma coerência metodológica fincada na ergonomia da atividade e na

psicodinâmica do trabalho, este estudo se pautou numa abordagem qualitativa, pois os instrumentos

aqui utilizados se propuseram dar conta de um universo constituído de significados, motivos,

desejos e sentidos das ações dos PMs da RP.

3. 1 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Ao lançar um olhar sobre a evolução do homem e da mulher, observa-se por meio das

ciências humanas e sociais, que desde os primórdios o ser humano sempre procurou interpretar a

realidade. Para explicar os mais diversos fenômenos que transitam do berço ao túmulo, vários

recursos foram empregados, a saber: os mitos, as religiões, a filosofia, a poesia e a arte. Até hoje

esses instrumentos são empregados na busca da verdade, e a ciência corresponde apenas em uma

ferramenta, não única e definitiva, com objetivo de desvendar o que se encontra por sob o véu

(MINAYO, 1999).

Segundo a autora, a sociedade ocidental privilegiou a ciência como a única capaz de

promover e determinar a verdade. Basicamente isso ocorreu por dois motivos, primeiro devido à

capacidade em responder às questões técnicas e tecnológicas – oriundas do desenvolvimento

industrial. Segundo, consiste em o fato dos cientistas desenvolverem uma linguagem própria e

controladora embasada em conceitos, métodos e técnicas para compreender os fenômenos que

povoam o mundo.

Conforme Minayo (1999), o campo cientifico, mesmo na procura da normatividade, é

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constituído por contradições e conflitos, dentre eles: o alcance cientifico das pesquisas que versam

sobre as relações humanas e sociais, as formas de conhecer o real e a relação pesquisador-objeto de

estudo.

Segundo a autora, a área humana é constituída por uma especificidade; o fato da inclusão do

pesquisador, enquanto agente de uma realidade estudada, faz escapar qualquer neutralidade e

objetivação. Estas são características marcantes das ciências naturais. O que não é de bom senso

transpor tal modelo de fazer pesquisa às áreas do conhecimento que investigam as relações

humanas, porque se corre o risco de descaracterizar a especificidade dos fenômenos relacionais

marcados pela subjetividade.

3. 2 TIPO E NATUREZA DA PESQUISA

Estudos mostram que a forma de fazer ciência se diferencia a partir do momento quando se

determinam o objeto de pesquisa e a relação entre sujeito-objeto do que se pretende investigar,

sobretudo, as correntes teóricas que norteiam a escolha do objeto. Porque são essas delimitações

que irão determinar a natureza e o tipo de pesquisa.

Por isso, a presente investigação tem um caráter qualitativo com característica exploratório-

descritiva - que através de um estudo de caso - analisa a inter-relação trabalho e saúde mental, com

ênfase no sofrimento psíquico e prazer na atividade de RP da 2ª CIA do 1° BPM em João Pessoa –

Paraíba.

Segundo Gil (1995), a pesquisa exploratória objetiva alcançar uma visão ampla sobre um

determinado fato que ainda não foi muito explorado. Ao que tange a pesquisa descritiva, existe um

enfoque maior nas características sobre uma dada população ou fenômeno ou o estabelecimento de

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relações entre variáveis. Nesse contexto, a referente pesquisa proporcionou uma maior

familiaridade com o tema e a identificação das principais características do objeto de estudo.

Moraes & Mont’ Alvão (2000, pág. 38), afirma: na pesquisa descritiva o pesquisador

procura conhecer e interpretar a realidade, sem intervir para modificá-la; interessa-se em

descobrir e observar fenômenos e procura descrevê-los, classificá-los e interpretá-los.

O estudo de caso pode ser considerado um dos tipos de pesquisa mais relevante na

abordagem qualitativa que se define como uma categoria de cujo objeto é uma unidade que se

analisa aprofundadamente (TRIVIÑOS, 1987, pág. 133).

O autor evidencia que tal conceito é marcado por duas circunstâncias a considerar: uma se

trata da natureza e abrangência da unidade, podendo ser o sujeito; a outra se refere ao suporte

teórico que orienta os estudos do pesquisador.

Dentro dessa perspectiva, Chizzotti (2005) expressa que o caso representa uma unidade

significativa do todo capaz de tanto balizar um julgamento fidedigno quanto propor intervenção

segura. Por meio do estudo de caso se é possível retratar uma realidade de uma dada situação em

seus múltiplos aspectos globais.

Por outro lado, no campo da saúde mental e trabalho Dejours, Dessors & Desriaux (1993)

salientam que a abordagem qualitativa é mais adequada na análise de elementos constitutivos da

vivência humana. Pois o sofrimento, prazer e outros elementos que compõem a psique, são

vivências eminentemente subjetivas, cuja complexidade não se alcança por meio de análise

puramente estatística.

Minayo comunga dessa mesma discussão ao salientar:

“A pesquisa qualitativa responde questões muito particulares. Ela se preocupa

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com um nível de realidade que não poder ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (...) A diferença entre o qualitativo–quantitativo é de natureza. Os que trabalham com estatística apreendem dos fenômenos apenas a região “visível, ecológica, morfológica e concreta”, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas” (MINAYO, 1994, pág. 21-22).

A fala da autora é pertinente porque sai da discussão maniqueísta e indica um horizonte de

aplicabilidade determinada pela natureza da pesquisa. Tornando-a mais proveitosa porque até

permite que ambas as abordagens (qualitativa e quantitativa) se locupletem no estudo conforme a

necessidade da pesquisa. Por isso, aplicou-se na presente investigação a estatística descritiva com os

dados epidemiológicos colhidos na Junta Médica da PM11. Entretanto, Seligmann-Silva (1987) fala

da necessidade do estudo de caso para analisar, junto aos trabalhadores, as complexas interações de

saúde mental e os aspectos da organização do trabalho.

3. 3 O MÉTODO NAS ABORDAGENS

Segundo Tersac & Maggi (2004), o trabalho é um objeto que não pode ser pensado por uma

única disciplina. Por isso, reuniu-se na referente pesquisa um diálogo efetivo entre a ergonomia da

atividade e a psicodinâmica do trabalho para investigar a dimensão psíquica e prazer na atividade de

RP.

Dentre as proposições que fundamentam a ergonomia, algumas delas contribuíram para seu

desenvolvimento e se configuraram como proposições concebidas não somente como princípios

aglutinadores e normatizadores, mas também como proposições discutíveis, a saber: a noção de

variabilidade dos contextos de trabalho e dos indivíduos; a diferenciação entre tarefa e atividade;

11 Número de licenças médicas para tratamento de saúde e os motivos das reformas homologadas entre 2003 e 2005.

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atividade de regulação: representação mental e competência (TERSAC & MAGGI, 2004). Alguns

desses temas contemplam o eixo do referente estudo.

Segundo Dejours (1987), a psicodinâmica do trabalho contribui no acesso e na interpretação

da subjetividade emergente da situação de trabalho expressada por meio da fala, isto é, a palavra

que toca, engajada, subjetiva do grupo de trabalhadores. Pois é no comentário, na verbalização, que

a subjetividade se mostra e permite acessar questões sobre o porquê e o como da relação vivência-

trabalho. Além do mais, esse comentário é marcado por uma ênfase interpessoal. Possui uma

finalidade explicativa, tem o objetivo – o de convencer, o de informar o outro sobre a maneira pela

qual o coletivo se estrutura na sua relação com o trabalho (DEJOURS, 1987, pág. 149).

3. 4 PERFIL DOS PARTICIPANTES

O fator principal que determinou a composição dos colaboradores da pesquisa foi a de que

os policiais desempenhassem suas funções na modalidade de radiopatrulha e que sua participação

fosse voluntária.

A formação de cada grupo era de PMs de patentes distintas – soldados, cabos e/ou sargentos

– pertencente ao efetivo da 2ª Companhia responsável pelo policiamento ostensivo em João Pessoa.

Foram realizadas três sessões entre os meses de novembro e dezembro de 2006 e mais uma em

fevereiro de 200712.

Além dos critérios anteriormente citados, o tempo de serviço e outras variáveis conjugadas,

possibilitaram em cada sessão que as discussões fossem bem proveitosa. O número de componentes

foi propício porque permitiu aos integrantes discorrerem e travarem comentários sobre as questões 12 A formação do último grupo foi com dois policiais que já haviam colaborado com uma entrevista, e mais um que não teve nenhuma participação. Para que o mesmo pudesse participar, foi explicado o propósito da pesquisa e se ele estava disposto a colaborar. O mesmo, voluntariosamente, concordou.

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formuladas.

No quadro abaixo consta uma caracterização dos participantes da pesquisa em que se pode

perceber que:

Quadro II – Caracterização dos Participantes da Pesquisa

PMs E. C Idade nºde filho Escolaridade Moradia Religião Patente

Anos de serviços

Atividadeextra

PM1 C 44 1 a 2 N.M. Própria Católica Cabo + de 16 Ñ. tem PM2 C 30 3 a 5 N.M. Própria Católica Soldado até 5 Seg. PM3 C 30 1 a 2 N.M. Própria Católica Sargento até 5 Seg. PM4 S 38 1 a 2 S. Inc. Própria Católica Cabo + de 16 Seg.

PM5 D 36 3 a 5 N.M. Alugada Ñ tem Soldado de 11 a

15 Ñ.E. PM6 S 25 ñ tem N.M. Própria Outras Soldado até 5 Seg. PM7 C 27 3 a 5 N.M. Própria Católica Soldado de 6 a 10 CÇ

PM8 D 38 + de 6 N.M. Herdeiro Católica Sargento + de 16 Ñ.E

PM9 S 21 ñ tem N.M Própria Evangélica Soldado até 5 Ñ. tem PM10 D 28 1 a 2 N.M Própria Católica Soldado até 5 G.T.M

Fonte: Da Pesquisa, 2006

Legenda: E. C = Estado Civil; C = Casado; S = Solteiro; D = Desquitado; NM = Nível médio; S.Inc. = Superior Incompleto; Ñ. E. = não especifica;seg. = segurança; CÇ. = cobrança; G.T.M = guarda municipal de trânsito.

3. 5 TÉCNICAS DE PESQUISA

Segundo Moraes e Mont’Alvão (2000), a ergonomia, ao realizar pesquisa e intervenção,

emprega os procedimentos técnicos tanto das ciências sociais quanto da engenharia de métodos e da

área da saúde sustentados em procedimento de pesquisas que englobam diferentes abordagens

lógicas para um projeto de investigação.

A coleta de dados da presente investigação se sustentou nas fontes primárias e secundárias.

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Os dados primários são os que emergiram do processo da pesquisa. Os secundários representam os

que estão disponibilizados em documentos, periódicos e relatórios. Outrossim, lançou-se mão dos

registros em jornais locais e nacionais.

Ao se considerar uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva, pode-se aludir à entrevista

coletiva, instrução ao sósia e a observação livre como um conjunto de técnicas subjetivas que se

incorporam efetivamente nesse processo.

O investigador lançou mão da entrevista semi-estruturada e seguiu um roteiro previamente

estabelecido, abrangendo os seguintes tópicos: dados profissionais, dados da saúde, estrutura

temporal do trabalho, aspectos da hierarquia, padrão de comunicação, divisão e conteúdo das tarefas

e política de pessoal (conforme apêndice A).

Segundo Minayo (1994), a entrevista proporciona ao pesquisador ter acesso às informações

contidas na fala dos atores sociais que vivenciam a realidade do objeto de estudo. Essa técnica se

caracteriza por uma comunicação verbal que evidencia a importância da linguagem e do significado

da fala capturada das situações de trabalho, da vida social e cotidiana, além de fornecer informações

sobre um tema cientifico.

O trabalho de campo se desenvolveu em cinco sessões. A inicial funcionou mais como o

primeiro contato com a tropa de 24 PMs para apresentar a pesquisa e solicitar a colaboração

voluntariosa deles. Esse primeiro colóquio foi oportuno porque deu a perceber a resistência de uns e

a receptividade de outros quanto à necessidade de realizar o trabalho.

As entrevistas foram realizadas no auditório do 1º BPM e cada grupo era composto de três

PMs da RP. As sessões duravam aproximadamente uma hora e iniciava com a seguinte questão:

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algumas lideranças militares têm se preocupado com o alcoolismo, a depressão e o suicídio na PM.

O que vocês pensam sobre isso? E o que favorece a instalação desse quadro preocupante?

A questão inicial servia de mote para que as discussões ocorressem, e o pesquisador se

situava como interlocutor no grupo. É importante acentuar que os depoimentos dos PMs da RP,

cujas falas serviram de análise e discussão, estão reproduzidos ipises verbis no capítulo IV.

Sobre a instrução ao sósia, pode-se dizer que se trata de uma técnica que permite ao

trabalhador verbalizar tudo o que se relacione com o seu trabalho (as tarefas, os colegas de trabalho,

à hierarquia e a organização sindical ou outras organizações de trabalho). Dar instrução ao sósia

significa, não somente levantar o comportamento real e total do trabalhador, mas, principalmente, a

imagem, a duplicata que ele próprio faz do seu comportamento (ODDONE & BRIANTE, 1981).

Conforme os autores, a instrução ao sósia permite aos trabalhadores reestruturar e ordenar

seus comportamentos de forma geral e particular. O que faz com que a experiência seja

desenvolvida e compartilhada, sobretudo, nas resoluções de problema no trabalho. Dessa forma,

permite com que a experiência informal possa ser socializada.

A aplicação da referente técnica permitiu aos PMs da RP a oportunidade de pensarem e

discutirem juntos sobre suas atividades no coletivo. O procedimento inicial foi nos seguintes

termos: se houvesse pessoas idênticas a vocês, quais instruções seriam dadas para que elas se

comportassem no trabalho de forma que ninguém percebesse que se tratava de outras pessoas?

Como deveriam agir?

É evidente que tal situação é hipotética. Mas ela oportuniza a evocação reflexiva do agir no

trabalho, ou seja, a atividade deixa de ser um ato “autômato” para se transformar em um objeto de

reflexão discutida no coletivo. Por meio desse estímulo inicial, o trabalhador procura fazer uma

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descrição concreta e sofisticada dos elementos que compõem a rotina da atividade.

Ao que se refere à técnica de observação, o propósito consiste em coletar elementos sobre

um fenômeno que se quer estudar no todo ou em algumas partes da pesquisa. Segundo Guérin et al

(2004), a observação pode ser livre ou sistemática e permite ao pesquisador estar no local e coletar

informações no momento em que a atividade se realiza. Enquanto que outras abordagens

privilegiam apenas algumas técnicas aplicadas fora da realização efetiva do trabalho.

Para a presente investigação, utilizou-se no primeiro momento a observação livre no

transcorrer das visitas iniciais, cujo propósito consistia em uma “aproximação epistemológica” do

ambiente de trabalho e dos participantes da pesquisa.

Os contatos iniciais trouxeram informações referentes às condições e relação de trabalho, às

impressões e expectativas criadas pela pesquisa. No segundo momento, com objetivo mais focado,

empregou-se a observação sistemática durante a chegada dos PMs à 2ª CIA, e a saída da guarnição

às áreas do patrulhamento (conforme o quadro I). As observações propiciaram o acesso aos

elementos que compõem a situação de trabalho dos policiais da RP.

Foi possível fazer uma observação durante parte do patrulhamento no setor 1, mais

especificamente, no bairro do Alto do Mateus. Tal procedimento durou cerca de 40 min. e somente

aconteceu mediante a autorização do comandante da guarnição.

3. 6 TECNOLOGIA DE ANÁLISE

A ergonomia da atividade e a psicodinâmica do trabalho consideram que a dimensão

psíquica precisa ser igualmente contemplada quando se estuda a relação homem e trabalho. Pois é

nessa dimensão que a subjetividade se aloja em sentido e significância. Com esse propósito, a

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análise de conteúdo também se incorpora ao bojo desta investigação como uma tecnologia de

análise qualitativa.

Segundo Bardin (1977, pág. 38),

“A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. (...) o interesse não reside na descrição dos conteúdos, mas sim no que estes nos poderão ensinar após serem tratados (por classificação, por exemplo) relativamente a outras coisas”.

A análise do conteúdo, enquanto ferramenta, objetiva compreender criticamente o sentido

das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas. O

procedimento de análise varia conforme o documento e objetivos dos investigadores. Um deles - o

adotado na presente investigação - consiste em decompor as falas do grupo, classificando-as em

categorias empíricas (CHIZZOTTI, 2005).

Como se pode ver, a análise de conteúdo proporciona uma convergência sistemática e

coerente de significados matriciais estruturados em categorias. Estas podem ser de duas naturezas:

teórica e empírica. A primeira trata-se das leituras recenseadas convergentes ao tema central da

investigação. Pois são elas que irão determinar a aplicação dos instrumentos de pesquisa, bem

como, norteará todo processo da investigação. Sucessivamente, a empírica trata-se das categorias

atinentes à coleta de dados no estudo. A sistematização desses dados recebe o nome de unidade de

análise, também conhecidas como subcategorias (OLIVEIRA, 2005).

3. 7 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS

Os PMs que participaram da pesquisa se cientificaram dos objetivos do estudo e

participaram voluntariamente de todo o processo conforme apregoa o Comitê de Ética em Pesquisa

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da Universidade Federal da Paraíba (apêndice B; apêndice C, anexo A, anexo B, conforme

Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde). Declarou-se que a adesão às sessões seria

espontânea e que eles poderiam interromper participação em qualquer momento sem nenhum

prejuízo às suas atividades habituais na instituição. Vale salientar que a gravação em áudio só foi

possível mediante a permissão dos PMs.

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Os achados contidos neste capítulo resultam das informações levantadas por meios dos

procedimentos metodológicos descriminados no capítulo anterior. O conteúdo das entrevistas, as

observações e instrução ao sósia possibilitaram a composição de categorias empíricas que

emergiram do corpus da pesquisa. Estas se agruparam nas categorias teóricas de sofrimento

psíquico e prazer. Também faz parte da referente análise e discussão, os dados da Junta Médica

referente ao número de licenças médicas para tratamento de saúde e o número de aposentadorias,

ambos os dados alusivos aos períodos de 2003 a 2005.

4. 1 AS DIMENSÕES DO SOFRIMENTO PSÍQUICO NA RP

4. 1. 1 Serviços de promoção de saúde e social

Referente a essa categoria empírica, os PMs da RP externaram que tanto a ausência de um

serviço de saúde no local de trabalho, quanto ao fato de morarem em locais de risco social são

situações geradoras de sofrimento expresso de seguinte forma:

“Eu não vejo ninguém se preocupar em pegar o camarada e dá um bom acompanhamento, uma assistência (...). Dentro do comando não há essa preocupação com a gente. Realmente não existe. Muitos estão indo pra o caminho do alcoolismo, muito gente estressada aí, viciados em droga, por diversos motivos (...). Falta um acompanhamento psicológico pra acompanhar esses problemas (...). As associações também não se preocupam com isso (...). Eu não vejo um superior fazer isso, nem tão pouco as associações (...). Por que o pessoal da associação que a gente paga não se interessa, deveria se interessar (...)” [RP].

A ausência de uma equipe multidisciplinar (psicólogos, médicos, enfermeiros e assistentes

sociais) faz desconsiderar uma demanda necessária à execução do trabalho policial. Pois, os PMs

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enfatizam que tanto a instituição, como as associações deveriam reconhecer a importância desses

profissionais e trabalharem pela implantação de tais serviços. O que não acontece.

Um dado que chama atenção, é o fato de que na PM tem uma diretoria de saúde situada no

Hospital Edson Ramalho em João Pessoa. Mas a RP evidencia que a polícia apenas supervisiona e

dirige o hospital, e os atendimentos se restringem à comunidade, aos funcionários civis e militares

do hospital13. Desta forma fica visível a falta de articulação entre a diretoria de saúde e as unidades

dos batalhões e companhias.

Outra situação de sofrimento psíquico identificada pela RP, é o fato desses profissionais

morarem em comunidades onde a intervenção do Estado é precária. Eles afirmam que isso os expõe

a uma situação de risco, sobretudo porque a casa, como os PMs mesmo retratam, é o lugar onde se

pode retirar a farda e descansar. Todavia, ao residir nessas localidades, esses profissionais ficam

sempre de prontidão, como afirma a RP: “fica difícil descansar porque a gente fica sempre com a

aquela tensão e o repouso nunca é total”.

Um dos achados que a pesquisa oportunizou é quando coincide área de patrulhamento com o

local onde o policial mora. Isso acontece porque há um rodízio das áreas de cobertura da 2ª CIA do

1º BPM. Sempre quando calha, o trabalho da guarnição é mais superficial com o propósito de

preservar o policial que reside no local.

Segundo dados apresentados na pág. 24, aproximadamente 585 policiais foram mortos

quando não estavam em serviço no Rio de Janeiro entre os anos de 2000 a 2004, números esses

discrepantes em relação aos policiais que morreram no trabalho. Esses dados apontam para uma

13 Salvo os casos de urgências em que há uma determinação de atendimento pelo Comando Geral. Conforme dados das duas psicólogas entrevistadas, o setor de psicologia só trabalha com os internos e funcionários civis e militares do hospital. Mas, quando são acionados pelo Comando Geral, faz cumprir a ordem e atende o PM em processo de perturbação mental avançado. Elas enfatizaram que o setor é freqüentemente procurado pelos PMs, mas não pode atender a todos.

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realidade preocupante, e que se configura no desafio às lideranças militares na Paraíba, haja vista o

sofrimento psíquico que os PMs expressam por residirem em áreas risco social. E esse sofrimento

não vitima apenas os PMs que moram nesses locais, também é compartilhado pela corporação.

Não se pode considerar que o grande número de PMs assassinados acontece somente nas

grandes metrópoles, em João Pessoa também ocorre, claro que em proporções menores, até porque

João Pessoa deixou de ser aquela cidade pacata. Mas como o assunto é vida, não se pode reduzir a

discussão a dados meramente estatísticos; “(...) tem companheiro aqui nosso que morreu indo pra

casa. Nesse semáforo, levou nove tiros de pistola” [RP].

“Não existe um programa de habitação. Tem muito policial que mora em favela, e você convive diariamente com o bandido. Ao vestir uma farda dessas, você já é visto com outros olhos perante a bandidagem. Ai passa a ter ódio de você. Tem vários bairros aqui que são locais de risco. Olha, não tem um serviço social pra gente. O comando não se preocupa, o governo não se preocupa (...)” [RP].

“(...) eu chegando em casa, tava fardado, vou passando tem dois caras com uma doze na mão (arma). Eu pensei que o cara tava querendo me pegar; eu troquei tiros com os caras, eles correram e jogaram a arma. Não consegui pegar não” [RP].

Quando não, são eles mesmos que tiram a própria vida. É o que se evidencia no relato que se

segui:

“O último agora foi um suicídio que teve aqui no Batalhão aqui na garage, O companheiro chegou com um problema ai de casa, ninguém procurou saber o que ele tinha, porque estava daquele jeito calado num canto, chegou ali em baixo na garagem e se suicidou, deu um tiro na cabeça. Aqui na garagem, todo mundo em forma, o companheiro saiu , foi lá e deu um tiro na cabeça” [RP].

A fala desses profissionais se fundamenta, então, no argumento da falta de atuação dos

gestores públicos – especificamente na área de segurança pública – e lideranças militares, em

intervirem significativamente nessas situações macro. Por outro lado, os PMs da RP percebem

algumas mudanças no modo de condução das associações, que antes se limitavam simplesmente ao

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lazer, e hoje elas procuram se desvincular desse enfoque e procuram ser mais ativa – quando podem

– enquanto representantes de uma categoria de profissionais.

4. 1. 2 Tipo de atividade na RP

Os policiais da RP percebem que a natureza do trabalho deles tem uma característica

singular pelo fato desses profissionais estarem sempre de encontro ao perigo, e ainda reforçam:

“nós temos a obrigação e essa obrigação nos causa um problema no cérebro” e “tudo que acontece

é a RP quem vai, liga e vai a bucha de canhão da RP”. Tais concepções evidenciam o tipo de

trabalho que esses profissionais exercem.

A modalidade de policiamento de RP, quer queira ou não, é uma atividade que coloca o

profissional no limítrofe da vida. Porque é esta modalidade que primeiro é acionada e a primeira

chegar a qualquer ocorrência mediante o acionamento do CIOP. Como a RP mesmo relata, “trata-

se de uma equipe de primeira resposta”.

As expressões abaixo, evidenciam o quanto a modalidade de RP é caracterizada por um

sofrimento imbricado com o tipo de atividade que eles executam.

“(...) a gente só é chamado pra sanar problemas”; “só chamam a gente pra coisa ruim”; “é complicado, é difícil o trabalho na rua”; “o estresse que você sofre em resolver os problemas das pessoas”; “o serviço de rua é muito estressante”; “a carga de estresse é muito grande, muito alta”; “nós estamos sempre indo ao encontro do estresse” e “o envolvimento da gente com vários tipos de situações (...)” [RP].

Este sofrimento emerge da constante exposição ao risco de vida e morte devido à própria

situação e organização do trabalho. Pois a RP sempre se depara com o medo da morte e o

comprometimento da integridade física, seja esse risco iminente ou não. Por isso a RP estabelece

uma relação muito próxima entre trabalho de PM e o uso exagerado de substâncias químicas lícitas

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e ilícitas.

Segundo os depoimentos, a RP assim reconhece: “a porcentagem de alcoolismo na polícia é

muito alta. Se você pegar outra classe trabalhadora, você vai ver que ao comparar com a polícia, o

número de alcoolismo é muito alto, e também o uso de drogas. Eu acho que é referente ao tipo de

serviço”.

Essa identificação não quer simplesmente justificar o uso abusivo destas substâncias na PM,

mas sim demonstrar as possíveis relações que os próprios PMs fazem desses comportamentos, e

tentar identificar as circunstâncias nas quais eles acontecem. Por outro lado, não é propósito desta

pesquisa dar conta do tema sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas pelos policiais, tema esse que

careceria de um espaço especifico de exploração – o que não é o caso aqui.

Ao prosseguir com a discussão sobre o tipo de trabalho, é importante frisar os tipos de

ocorrências que os PMs da RP consideram de maior risco e exigências para esses profissionais.

Como eles mesmos enfatizam: “o serviço de polícia é complicado, você não pode dizer qual a

ocorrência mais complicada, é uma ocorrência envolvendo armas de fogo? Envolvendo faca?

Conflitos sociais A ou B? (...). Então é um serviço muito dinâmico e imprevisível”.

O dinamismo e a imprevisibilidade no serviço da RP tornam-se mais acentuado quando as

informações transmitidas à guarnição não correspondem à veracidade das ocorrências – tema a ser

discutido no item 4.1.6 sobre a comunicação na atividade de RP.

Mesmo com a dificuldade de identificação das ocorrências de maior risco, a RP reconhece a

singularidade quanto ao grau de exigências e perigos de cada uma delas: “Um fator predominante é

a especificidade do próprio serviço. Pois o policial trabalha no limítrofe, muito ali no limite entre a

vida e morte. Principalmente a gente quando vai pra uma ocorrência de disparo de arma de fogo”

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[RP].

Por outro lado, estes policiais vêem nas ocorrências de assaltos as que exigem menos deles,

porque muito embora possam causar-lhes danos físico e psíquico imediatos, mas mesmo assim a RP

diz: “você sabe como vai lidar, já sabe que vai dá tiro, levar tiro, onde você só tem que saber é se

posicionar”, afirmam.

Segundo estes profissionais, o perigo não se circunscreve à situação de trocas de tiros com

os meliantes. Pois o regresso ao lar e a ida ao trabalho, faz com que todo policial fardado fique

exposto a “todo tipo de mazela”. Principalmente os que residem em áreas de risco social conforme

discussão no item anterior. É pertinente ressaltar que o sofrimento emergente nesta categoria não se

dá somente pelo fato de ser um trabalho policial. Ele é sentido, sobretudo, por ser uma atividade

realizada em condições adversas de trabalho14.

Um fato digno de atenção na atividade de RP é sobre a indefinição de papéis quanto ao fazer

e o ser policial. Tal imprecisão faz com que a RP tenha a necessidade de exercer vários papéis,

como os de: “juiz, promotor, psicólogo, assistente social, enfermeiro ou médico”. Cada ocorrência

vai requer destes profissionais competências e habilidades específicas, principalmente nas que

envolvem contendas de vizinhos e brigas de casais. Quanto a isto os policiais da RP expressam: “Aí

você chega lá, aí começa o moído”.

As ocorrências de “moerem policiais” exigem desses profissionais não a força física, mas

sim, componentes psicoafetivos (entendimento e interlocução) para lograrem êxito no

gerenciamento do conflito. Segundo Oliveira & Santos (2005), a atuação e o controle destes

conflitos por parte da RP, impedirá que tal situação se torne mais crítica, ou seja, venha a se

constituir em uma crise.

14Tema de discussão no item 4.1.4 referente à estrutura do trabalho.

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Os PMs atentaram para o fato de que atividade laborativa na RP é constituída por um outro

elemento característico: a espera. Nestes momentos há uma diminuição de estímulos que exige toda

uma mobilização interna desses profissionais, o que caracteriza uma sobrecarga no trabalho, ou

seja, sofrimento.

Nas atividades, mesmo marcadas por uma diminuição de estímulos, há exigências de

trabalho tanto física quanto mental na realização das atividades. Neste caso, a sobrecarga deve ser

entendida como aquilo que é vivido como um sofrimento, por isso a utilização ora de um termo ora

de outro para expressar a mesma situação negativa (BRITO, 1999, pág. 39).

A partir dos processos de observação, instrução ao sósia e das entrevistas, foi possível

montar um dia de trabalho dos PMs da RP:

Quadro III – Atividade de radiopatrulha

ATIVDADES

OBSERVAÇÃO/ ENTREVISTA/ INSTRUÇÃO AO SÓSIA/

PERIOCIDADE (escala 12h /36h)

• Chegar ao local de trabalho no

horário aproximado das 07h20min.

• Passar pelo almoxarifado.

• Antes de chegarem à 2ª Companhia, os PMs costumam

acordar por volta das 6:30h ou 6:45h, fazem a higiene matinal, o desjejum, vestem a farda e se dirigem ao trabalho.

• Ao chegarem à 2ª CIA, passam pela caserna (almoxarife)

para se armarem com os equipamentos (colete, revólver, munição e tonfa). Esses procedimentos são constantes. Quando não há material disponível, eles esperam que as guarnições do turno da noite cheguem para disponibilizarem os equipamentos. Primeiro os veículos se dirigem à garagem e em seguida são liberados.

• Parada matinal (ordem do dia) e

a verificação da escala do dia. • O sargento do dia faz a

chamada e em seguida apresenta a listagem de freqüência ao oficial do dia.

• Armados, os PMs se dirigem ao pátio e aguardam o momento de entrarem em forma.

• O procedimento dos PMs se armarem pode acontece depois

da parada matinal, isso pode ocorrer quando alguns policiais se atrasam ou devido às viaturas do turno da noite ainda não chegaram para repassarem os equipamentos, pois não tem

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material suficiente para todos. • A tropa se organiza em filas distribuídas por modalidades de

policiamento: guarda do quartel; RP e posto de polícia militar (PPM).

• Início da ordem do dia com as seguidas instruções: sentido;

cobrir; ombro armado; apresentar armas; ombro armado; descansar armas; descansar.

• O oficial do dia se direciona à guarda do quartel e dá as seguintes ordens: atenção; sentido; em continência ao terreno. Em seguida a tropa da guarda sai sob o comando de um superior (cabo ou sargento).

• Palestra aos integrantes da RP e PPM (informações,

esclarecimento do dia referente às notas de serviços e serviços de custodia);

• Início da dispensa

• Neste momento são dadas palavras de ordens e os policias são liberados. Mas antes, o oficial do dia deseja a tropa um bom dia de trabalho.

• Providenciar os carros; • Saída da guarnição;

• O policial motorista vai à garagem e pega o veículo que a

guarnição do turno da noite deixou. È na garagem que o carro é estacionado. Neste local também funciona o setor de mecânica (manutenção). O carro só é liberado depois que o equipamento é limpo, e se necessário, alguma manutenção no veículo.

• O motorista estaciona o carro no pátio, o comandante da

guarnição e o patrulheiro entram, o primeiro se acomoda no banco da frente, e o segundo no assento traseiro da viatura.

• A viatura se dirige ao portão para sair. Mas antes, a

guarnição se identifica na guarita, e o policial responsável pelo setor anota o número da viatura para depois comunicar ao sargento do dia.

• O comandante da guarnição comunica ao CIOP a saída da

viatura. • Esses procedimentos ocorrem sempre.

• Esperar as guarnições que ainda não chegaram do serviço da noite.

• Enquanto os outros veículos não chegam, os policiais aguardam sentados à sombra de uma árvore e ficam conversando entre si.

• A RP se dirige ao setor de

patrulhamento. • O comandante da guarnição mostra ao pesquisador, que

ficou sentado no banco traseiro, uma das áreas de risco

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social no centro da cidade conhecida como “cracolândia”. O comandante falou que ao passar pelo referido local e notar algo suspeito, a guarnição tem que fazer a abordagem e aguardar os PMs que foram destinados ao referido local.

• Em direção ao setor 1 (bairro Alto do Mateus), a guarnição

vê um veículo parado no acostamento. A viatura estaciona, desce o comandante da guarnição. O patrulheiro permanece dentro do carro e coloca a mão sobre o revólver. Momentos depois ele tenta por duas vezes descer da guarnição, mas somente na terceira vez consegue quando o PM motorista lhe indica o “macete”, que consiste primeiro em levantar e depois empurrar para abrir a porta. Enquanto o patrulheiro permanece circulando o veículo, o comandante retorna e passam um rádio ao CIOP e diz o número da placa do carro suspeito. Todavia, não foi possível acessar os dados porque o sistema estava fora do ar. Então o comandante chamou o patrulheiro. Este, consegue entrar na viatura após a primeira tentativa depois de ser lembrado novamente pelo companheiro sobre o “jeitinho” de abrir a porta. Os PMs partiram após deduzirem que poderia ser falta de combustível e por isso o carro estava ali enquanto o proprietário saiu à busca de combustível.

• Abastecimento; setor de

patrulhamento; abordagem de rotina, averiguações; ocorrências, registros das ocorrências no talão; condução do infrator à delegacia.

• Cada guarnição tem uma cota de 40 litros de combustível

por dia. A autorização é feita pela diretoria de serviços que fica na Rua da Areia (no centro de João Pessoa).

• O setor patrulhado (Ato do Mateus) possui somente as

principais avenidas asfaltadas. As ruas paralelas e transversas não são. O motorista da guarnição disse que isso dificulta muito o atendimento das ocorrências e perseguições, principalmente nos tempos de chuva.

• A guarnição viu ao longe uma moto pilotada de forma

irregular. Pois, tanto o piloto quanto o passageiro estavam sem capacetes. A guarnição parou ao lado da moto para comunicar a advertência. O passageiro tentou justificar dizendo que ia somente à farmácia. Então o comandante retrucou e disse que no código de trânsito não havia tal ressalva. Nesse momento, o passageiro foi logo enfático em dizer que sabia e que era policial também. Foi quando o comandante saiu para averiguar e a guarnição deu ré para ficar na frente da moto. Nesse movimento o policial motorista disse que as piores abordagens são essas com os próprios policiais, pois estão errados, querem está certos e ficam cheios de razão. Minutos depois o comandante chegou e disse que contornou a situação.

• A RP se dirigiu a uma área de risco no setor localizada no

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final de uma ladeira, próxima a linha ferroviária. Toda a área é cercada por manguezais. Os PMs disseram que em caso de perseguição fica impossível fazer o trabalho, pois não tem como a viatura ir além e os meliantes se embrenham no mangue.

• As ocorrências de maior demanda são por embriaguez e

ameaças. • Em uma abordagem a um carro, a viatura se posiciona

metade fora do ângulo do carro da frente numa certa distância de segurança, ou seja, não pára na retaguarda do carro, como num estacionamento. Essa forma permite uma melhor visão; depois os PMs se aproximam e manda os passageiros descerem do carro com as mãos na cabeça; em seguida, faz-se a revista dentro do veículo. Quando não há nenhum objeto suspeito, o policial pede os documentos do motorista, caso não há irregularidade, o motorista é liberado. Esse evento é caracterizado como uma abordagem de rotina.

• Quando há ilegalidade, ou por porte de arma ou drogas, e se

houverem dois ou três elementos. Se ninguém disser de quem é, todos são aubbtuados e levados à delegacia.

• O registro da ocorrência se dá por meio de preenchimento

da ficha (talão de ocorrência) composta de três vias: a rosa fica na delegacia, a de papel jornal fica com o comandante e a branca fica no quartel. Esse documento é a garantia que o policial entregou o suposto infrator à delegacia.

• No talão de ocorrência tem: a data, o horário da ocorrência,

chegada ao local, solicitante, endereço do solicitante, tipo da ocorrência, e o local onde aconteceu. Em seguida tem os dados: do(s) acusado(s); vítima(s), testemunha(s), objeto(s) apreendido(s) e assinatura do delegado. Isso para garantir que o policial entregou todos os documento e objetos do suposto infrator, e caso haja algum extravio, os policiais tem como comprovar a entrega por meio de documento registrado.

• Ao chegar à delegacia a guarnição comunica ao delegado a

forma de condução da abordagem.

• Horário de almoço

• Por volta das 11h30min o CIOP autoriza quatro viaturas (plano 1) para o almoça, cuja duração é de 1h de refeição. Às 12h o CIOP aciona as quatro viaturas restantes (plano 2). As refeições acontecem no próprio batalhão. Os PMs podem almoçar no próprio setor de patrulhamento, caso seja um estabelecimento comercial ou na casa de algum policial que por ventura more no local. O que não deve é a guarnição

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utilizar desse horário para se ausentar da sua área.

• Retorna à área de patrulhamento

• Abastecimento; setor de patrulhamento; abordagem de rotina, averiguações; ocorrências registros das ocorrências no talão; condução do infrator à delegacia.

• A RP intercala o patrulhamento com algumas paradas. Tal

procedimento se dá dentro de alguns critérios, a saber: acessibilidade; segurança; sombra, em tempos de sol com alta temperatura. Identificada a área dentro do setor, a guarnição se instala provisoriamente no local. Neste momento os PMs saem da viatura, movimentam-se em torno do veículo, conversam entre si, prestam informações aos transeuntes que os abordam e conversam com algumas pessoas conhecidas quando passam por eles.

• Para ilustrar, a RP narrou uma ocorrência envolvendo

desentendimento matrimonial: “uma vez nós estávamos de serviço e o marido quase decepou o dedo da esposa com faca. Ao chegar, quase a gente atirava no camarada porque ele vinha com a faca pra cima de nós, e quase que ele levava um tiro de defesa (atirar numa parte abaixo da cintura). Aí você não tem outro meio, tem que usar a arma de fogo pra fazer o tiro de defesa. Chegamos à delegacia. Sabe o que a mulher disse? “Não, não quero prestar queixa não, foi na hora do momento, foi só pra dar um conselho a ele.” Quer dizer, nós quase atirávamos no marido dela. Se nós tivéssemos atirado, ela ia ficar contra nós, contra a guarnição. Ela com o dedo quase decepado, quer dizer, é uma situação que estressa mais do que qualquer coisa. Você já fica chateado pela situação, quase que atirava no cara e vai tentar fazer o bem a esposa e chega à delegacia ela dá pra trás (pausa), aí fica complicado, entendeu?”.

• Término do dia de serviço

(19h30minh)

• O CIOP aciona, via rádio, e libera a guarnição. Ao chegar ao

quartel, a guarnição estaciona no pátio para ser utilizada pela guarnição do turno da noite. O procedimento de se dirigir à garagem para lavar o veículo ocorre somente na troca de turno da noite para o dia, o contrario não ocorre. Em seguida, os PMs se dirigem à caserna (almoxarife) para se desarmar e dar baixa nos materiais. O comandante da guarnição entrega ao sargento do dia os registros das ocorrências.

Fonte: Dados da Pesquisa, 2006.

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4. 1. 2. 1 A dimensão coletiva: a intersubjetividade no trabalho de RP

No transcorrer de todo este estudo foi possível perceber que os militares estaduais de uma

RP não são ilhas – isolados. São pessoas em constante interação entre si e a sociedade. Com o

propósito de captar a dinâmica do funcionamento dessas relações, procurou-se saber como a RP se

relaciona com a tropa, entre eles mesmos, com os superiores e a população – partindo da

prerrogativa que essas relações com os pares podem formar coletivos de trabalho.

Com base nas discussões apresentadas na página 45 sobre o coletivo, pôde-se perceber, no

caso dos PMs da RP, uma regra de ofício identificada entre eles expressa na seguinte forma: “A

gente quer prestar um serviço melhor para a sociedade”.

A regra de prestação de serviço – e não basta só servir, tem que se ter uma ação qualitativa –

demonstra o esforço que esses profissionais mobilizam na realização do seu ofício, constituindo-se

de tal forma como ponto de honra para eles, mesmo que para isso alguns policiais tenham que

comprar a farda com o propósito de se apresentarem bem vestidos à população, tema este a ser

explorado no item 4.1.4.

Os PMs da RP sempre se mobilizam no cumprimento do seu trabalho. Com esse propósito,

procuram construir relações de solidariedade e cooperação entre si. Essa disposição só se torna

possível quando ela é principiada pelo desejo de cooperar. Essa afirmativa é preconizada por Cru

(1987) e também salienta sobre a impossibilidade de se prescrever e determinar a cooperação. Pois,

trata-se de uma relação que se constrói dentro de um espaço teleguiado pela ética e a confiança – e

isso não pode ser imposto.

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A presença de coletivos de trabalho entre os PMs da RP funciona em algumas guarnições e

eles chegam a se expressar da seguinte forma: “Nós somos um corpo (...). Nós temos que estar em

sintonia (...). Nós somos uma família (...). Nós somos os anjos do asfalto”.

Os depoimentos apontam para um vínculo muito forte de um coletivo que precisa ser corpo,

cujos membros necessitam de uma sintonia embalados por sentimentos de âmbito familiar, e juntos

tecerem “asas” para transmitir segurança.

Esse sentimento de proteção não se restringe apenas à sociedade, mas, sobretudo, entre eles

também. É o que deu a perceber quando expressaram a solidariedade com os companheiros de

trabalho que necessitam de tratamento. Colocando-se, bem como, a disposição de uma possível

escala de 24 X 2415 para cobrir os pretensos dias descobertos com a ausência do policial em

tratamento.

“Então, se eles (os superiores) podem nos submeter a uma carga horária e levar outro pessoal pra outro lugar, então pode nos submete a uma carga horária que nós vamos ficar muito satisfeito em saber que nós estamos trabalhando porque alguém está sento ajudado” [RP].

A RP salienta que alguns companheiros poderiam até não gostar. Todavia, submeter-se-iam

porque sabem que mais adiante eles mesmos poderão desenvolver alguma doença e/ou distúrbio

relacionado ao trabalho. Essa concepção evidencia uma idéia preocupante, se por um lado, expressa

a solidariedade na relação de trabalho entre os pares, por outro, expressa que a atividade policial

remete ao desenvolvimento próximo ou remoto de doenças e/ou distúrbios. Desta forma, pode-se

dizer que há uma banalização da doença no meio policial que naturaliza uma situação que precisa

ser enfrentada é não naturalizada.

15 Tal escala é empregada sempre em período de grandes festas de rua e eleições.

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A cooperação estabelecida por laços de solidariedade, que é nascida de uma relação ética e

de confiança dentro de um coletivo, mostra que os policiais da RP mobilizam recursos intrapsíquico

e intersubjetivo para juntos darem conta da sua atividade. Cru (1987) e Dejours (1992) afirmam que

se assim não fosse, o cenário do trabalho seria de verdadeira pane.

Outra regra percebida entre os PMs da RP é “pensar sempre o dobro” quando o assunto é

atender a uma ocorrência acionada pelo CIOP. Ao agirem dessa forma a RP procura se preservar e

regular o seu trabalho:

“É isso que eu digo, eu comento muito na minha guarnição, e principalmente aos novatos, que quando nos é passado alguma ocorrência, você vá pensando sempre em algo a mais. Se for desordem, vamos pensar que tão com a arma na mão, tá com uma faca na mão. (...) eu já vou logo pensando no pior. Se for dois elementos, já vão pensando que são quatro. Pra quando chegar lá (...) já ir preparado. É uma forma de proteção, preveni” [RP].

Outra regra de ofício considerada por eles muito importante é que: “Não pode haver

individualismo dentro de uma guarnição de radiopatrulha, existe uma irmandade, é um ajudando o

outro” [RP]. Principalmente porque o trabalho de policiamento ostensivo nunca ocorre com um

policial somente.

Esses profissionais engendram sua atividade em meio a conjunto de imprevisibilidade

envolta de situações agravantes originária tanto de uma falha de comunicação, como da

precarização das condições de trabalho, e mesmo assim viabilizam o serviço diário de segurança

pública. Entretanto, se por um lado, seu savoir-faire permite a execução do trabalho, frente as

dificuldades, por outro, determina que eles vivenciem o ônus não muito feliz, ou seja, paguem um

preço muito alto na medida em que essa realização proporcione um dano a sua saúde no espaço de

vida laboral com repercussões na auto-imagem, como nas relações sociais.

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4. 1. 2. 2 Quando os pares são impares: o coletivo ameaçado

Foi motivo de discussão o que a RP chamou de “a banda podre da PM e os policiais

cabides”. Eles expressaram que em todo lugar existe e não se pode negar. Como eles mesmos

reconheceram: “é a realidade”. Todavia, foram enfáticos em afirmar que isso é bastante sofrível e

acentuaram que a Polícia – enquanto instituição – procura sempre, dentro do possível, combater.

Os que empregam tais práticas são identificados entre os militares estaduais de “policiais

cabides”. Conforme a RP esclarece, trata-se de “policiais que apenas veste a farda e são

caracterizados como aqueles que: quando saem ao atendimento de ocorrências, vão apenas atrás

de dinheiro” (suborno), e estão na polícia somente pelo salário e sem compromisso com as causas

policiais, que é a de garantir segurança aos cidadãos.

Muito embora não se possa afirmar que o fato dos policiais aceitarem suborno seja

determinado pelos salários baixos, pois ainda não foi feito um estudo aprofundado sobre essa

correlação temática. Pode-se dizer que existe alguma contigüidade entre salários baixos e

corrupção. Porque é isso que ficou evidenciado nas falas da RP. Sabe-se que quando essa discussão

vem à baila, ocorre sempre como retórica por alguns, que para justificar tais práticas, analisam de

forma simplória essas relações.

Por outro lado, esses profissionais disseram:

“Eu acho se o policial hoje se desse mais valor, a gente não era visto como pidão. Porque não há precisão da gente ficar pedindo pão na padaria, carne no açougue, uma batata (...), e quando a gente paga até se assustam. Quando chegamos num lugar pra fazer um lanche já ficam olhando meio atravessado” [RP].

Este depoimento aponta para um tipo de sofrimento que tem o seu nascedouro no próprio

círculo dos colegas de profissão. Tais práticas, além de gerarem sofrimento, têm uma repercussão

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negativa na imagem do policial e compromete sua relação com a sociedade, sobretudo, na dinâmica

do coletivo.

É importante destacar que mesmo quando os companheiros se valham de práticas

esdrúxulas, mais especificamente, de comportamentos ilegais e irregulares no exercício de suas

tarefas, existe uma compreensão no meio policial que tais comportamentos correspondem à própria

conjuntura da polícia em não oferecer uma estrutura a contento, em que propicie um espaço de

mobilização, ou seja:

“Aí o companheiro já vai se desmotivando, começa a faltar o trabalho, bebe, aí arruma um bico e dá mais valor ao bico do que à corporação. Aí tome canetada, ta nem aí... quando espera é expulso. Às vezes se envolve com bandido, com assalto, com tráfico, mas isso é somente a parte social, da desmotivação; é a minoria que eles falam que é pego de policial que assalta, que traficou, entendeu. É a parte social, o social é tudo, falta habitação, saúde, educação (...)” [RP].

Além do aspecto da falta de políticas estruturantes que atendam aos anseios da categoria, a

referente narrativa salienta para outro elemento, o das punições. Segundo o criminólogo Dias

(2007), a dimensão disciplinar das punições objetiva a uma apenação imposta ao servido público

militar que comete algum desvio de conduta ou transgressão disciplinar que vá de encontro aos

pilares que sustentam as instituições militares – a hierarquia e disciplina.

A RP aponta para a necessidade de se rever a aplicabilidade da punição. Pois ela não pode se

restringir apenas em um instrumento de repressão em si só, que nem sempre funciona – haja vista as

reincidências que há – e sim ser utilizada com fins educativos. Porque quando a punição se esvazia

no seu propósito inibitório, a sua utilização fica sem sentido e sem propósito. Como bem esses

profissionais acentuaram: “às vezes a gente precisa é de acompanhamento e não de canetada”.

As práticas truculentas nas ocorrências e as transgressões de caráter ilegal no exercício do

trabalho da RP têm a capacidade de também estigmatizar o policial:

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“Mas se você errou uma, teve uma ocorrência errada, você só vai ser visto pelo aquilo que você fez de errado. Você jamais vai ser lembrado pelos mil elogios que você fez. Mas se você fez uma ocorrência que atendeu errado, que deu errado, que ocasionou uma repercussão pública, você vai ser tachado em sua vida militar toda” [RP].

Essa estigmatização também é externa e os trabalhadores da RP reconhecem que há uns 15 e

20 anos a polícia era muito mal vista pela sociedade e essa percepção ecoa até hoje. Outro fator que

reforça essa percepção é a prática truculenta por parte de alguns policiais e muito bem propalada

pela mídia.

4. 1. 3 Controle do trabalho: “Só fazem cobrar, cobrar e cobrar”

Concernente às falas dos PMs da RP, a infalibilidade, ritmo de trabalho, autonomia, normas

rigorosas e punições injustas, também ajudam a compor o quadro de sofrimento psíquico

correspondente ao controle de trabalho desses profissionais.

A infalibilidade, isto é, a constante pressão de não errar, originária tanto da instituição como

também das expectativas da sociedade, surgem como premissa subjacente de que as cobranças,

expectativas e pressões resultantes do binômio tempo/acerto, são geradoras de sofrimento psíquico

nos PMs da RP:

“A gente tem uma previsão de chegada na ocorrência de num máximo 5 minutos e dependendo do local (...). A polícia tá lá pra acertar, sempre tem que acertar. Não pode... todo mundo é passível de erro. E como se você fosse obrigado a solucionar. Nem sempre nós estamos em condições de sanar todos os problemas” [RP].

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O binômio tempo/acerto se acentua durante o deslocamento até ao local de desembarque.

Isso acontece porque a viatura em algum momento pode bater. Caso ocorra, o motorista é quem terá

que desembolsar o reparo do dano causado no automóvel16.

“Um exemplo: eu sou motorista, e graças a Deus eu nunca dei uma peiada (batida). Mas você ta resolvendo algum problema, seu eu der uma peiada numa viatura em algum momento, em andamento, eu vou ter que pagar. É certas coisas na policia que revolta a gente. Eu não vou bater a viatura porque eu quero, por brincadeira. Eu ganho pouco, eu bater?” [RP].

De outra forma, o ritmo de trabalho também se apresenta como expressão acentuada de

sofrimento. Assim a RP se pronunciou: “Uma coisa que não achamos certo é colocar esses pobres

que já tão quase inda pra casa (reforma por tempo de serviço), fazerem serviço de rua”.

Como se pode perceber, os PMs enfatizaram sobre a necessidade de se considerar a idade no

momento de se formar a guarnição, até porque “tem tanta gente boa ai pra correr atrás de bandido

e ficam fazendo serviço interno ou está à disposição em outras repartições e não na polícia” [RP].

Ao considerar outro aspecto, os PMs da RP assim expressaram: “Pra falar a verdade são

pouquíssimos comandantes que escolhem suas guarnições. Essas guarnições são impostas. E por

ser soldado, a gente tem que ficar”.

O que se pode entender dessa afirmação é que não há uma de autonomia para se compor a

guarnição. A RP reconhece que tal prática é constituída por uma relação vertical marcada pela

arrogância, prepotência e sentimento de injustiça.

“Tem algumas questões que leva muito pro lado pessoal. Todo canto existe, mas eu acho que aqui a prepotência, a arrogância aqui é demais. Aqui você não pode

16 Mas antes é aberto um inquérito para apurar quem foi o responsável. O policial que estava no volante tem que comprovar a sua inocência, porque até então ele é considerado culpado. Digamos que se o policial (motorista) cometeu o erro, porém não teve a intenção de praticá-lo, mesmo assim vai ter que pagar. Quando existe um coletivo estruturado e formado, os outros membros que compõem a guarnição fazem questão de ajudá-lo no pagamento e compartilham também o sentimento de indignação e injustiça.

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espernear muito não, aqui você tem que sentir calado (...). Acho que é em comum acordo aqui entre nós é a prepotência (...)” [RP].

“Mas há alguns ai que nos trata como nós fôssemos empregados dele. pronto: ele é meu subordinado, eu vou mandar ele pra aquele local e nem se preocupa em saber se aquele local é bom, se aquele local precisa de pessoas (...)” [RP].

Pelo fato da relação hierárquica ser cadenciada por uma opressão, fez com que surgisse nas

discussões iniciais – cuja questão se encontra na página 57 – certo descrédito quanto à veracidade

da matéria vinculada, no jornal local, sobre a preocupação das lideranças militares acerca da saúde

mental dos policiais, justamente porque no cotidiano do trabalho não existe essa preocupação dentro

da corporação. A RP diz: “(...) Eu não vejo ninguém se preocupando em pegar o camarada, dá um

acompanhamento a ele, uma assistência, vê sim, satisfação para o público, mas pra o público

exterior, interior não”.

Por outro lado, muito embora essa percepção seja vivida e vivenciada no trabalho do militar

estadual, os PMs da RP percebem certa mudança no estabelecimento dessas relações hierárquicas.

Pois há superiores que já os tratam de forma melhor.

Essa relação aponta para um tipo de concepção de destaque na corporação militar, que é

acerca da concepção dos PMs sobre a hierarquia e a disciplina. Pois, se existe a idéia de que esses

princípios muitas das vezes cerceiam o trabalho policial, por outro lado, a aplicação desses

princípios contribui até para uma “certa ordem” na polícia. Mas há uma idéia predominante sobre a

forma como as relações hierárquicas acontecem, muitas das vezes, de forma déspota.

Um aspecto interessante detectado nas entrevistas, é que o superior imediato é visto como

igual pelos subalternos e vice-versa, o que caracteriza uma horizontalidade nas relações, já que

todos estão concomitantemente expostos às mesmas situações de trabalho. Por outro lado, é este

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superior o responsável pela guarnição e que detém o poder de decisão. É importante frisar que esta

decisão é anteriormente discutida pela guarnição.

Ao que tange as normas, os PMs assim expressaram:

“Aqui nós temos um regulamento, somos presos a ele (...). Desse militarismo exagerado, dessa arrogância que existe (...). Nós somos submetidos ao regime militar, além de responder ao código penal civil, como todo mundo responde, a gente responde ao código processual penal militar. Nós ainda temos o RDP, regulamento disciplinar da PM” [RP].

Diante dessa colocação, vê-se que esses profissionais são submetidos a um conjunto de

normas regulamentares e penais. As falas que se seguem ilustram bem o quanto é cansativo estar

sob o jugo dessas leis e regulamentos que ultrapassam as cercanias do trabalho policial, e chegam

abranger até a vida fora do trabalho.

“Pra você ver, o policial é muito controlado dentro das suas ações, até a vida particular dele, o que ele fizer num horário de folga, por mais simples que uma pessoa civil tivesse um determinado comportamento e não repercutisse, mesmo que fosse negativo, se o PM tiver aquele mesmo comportamento ele vai sofrer alguma sanção, devido a esse sistema muito rígido com a gente” [RP].

Conforme se percebe, os PMs que atuam em atividade fim – serviço de rua – têm uma

percepção negativa dos Direitos Humanos, pois vêem neles mais um elemento que se incorpora a

esse bojo normativo e penal, tornando-o mais sofrível.

“Os Direitos Humanos eu tenho um pensamento e muitos seguem o meu pensamento referente à bandidagem e a policia. Eu acho até em termo geral, se um bandido mata um pai de família, um cidadão de bem, os Direitos Humanos não vai atrás. Pra policia não, eles caem mais em cima, com mais rigor do que os outros. Eu acho uma hipocrisia muito grande os Direitos Humanos. É justamente isso, eles acham... aliás, eles seguem esse pensamento muito arcaico, antigo. (...) Eu gostaria muito que eles vissem como é que é um serviço na radiopatrulha, o estresse que você tem em resolver problemas de pessoas” [RP].

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Oliveira (2002, pág. 197) também identifica essa percepção em seu estudo17, e demonstrou

que os PMs são enfáticos ao expressarem que “esses direitos só servem para proteger bandidos”.

Tal percepção constitui em um desafio para os grupos que trabalham com os Direitos

Humanos em que precisa ficar bem claro que a função deles consiste na preservação da vida, da

liberdade e da proteção, sem qualquer discriminação, seja ela: crença, grupos étnicos, status social

ou opção sexual.

Ao que tange as normas, os PMs da RP consideram que o pior delas é a sua aplicabilidade

injusta, bem como a perseguição feita pelos oficiais aos praças, muito embora haja uma diminuição

considerável em tal prática.

“O que nos desagrada mesmo é uma punição injusta. (...) isso é no serviço mesmo. Se foi punido por coisa que não aconteceu, como uma denúncia sem nenhum fundamento (...). Às vezes acontece determinada coisa, uma ocorrência, que não se passou, não se passou com aquela determinada guarnição, viatura, e os homens são ouvidos através de uma denúncia infundada, que não tem menor fundamento, ai faz aquela situação sem procura saber se realmente aconteceu pra poder ser punido” [RP].

4. 1. 4 Estrutura do trabalho

Foi possível recensear um conjunto de unidades analíticas nesta categoria, favorecendo

assim, a identificação das situações de trabalho policial em que o sofrimento é deflagrado na

modalidade de RP, a começar pelas condições dos equipamentos e instrumentos.

O exercício de atividade-fim é marcado pela precarização das condições de trabalho que se

manifesta ora pela ausência, ora pelas más condições dos equipamentos e instrumentos de trabalho.

17 O estudo consiste em um levantamento etnográfico da instituição Polícia Militar, e um dos pontos discutido foram Direitos Humanos e a prática policial. O trabalho resultou de um curso de formação e aperfeiçoamento de praças, por meio do Programa Educação para Cidadania, desenvolvido pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) em Pernambuco. O programa tem como proposta principal o desenvolvimento dos valores dos direitos humanos na instituição policial.

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“Você está com problema no trabalho, não tem ferramentas pro trabalho (...). Vou dizer: nós estamos aqui com um revólver 38 e 10 munições, você vai deparar com uma quadrilha armada ai com metralhadora, fuzil, com magal, uma R15 e você com um revolver com cinco munições (...). Até porque não dão condições pra isso, viaturas inadequadas, pneus sem condições... carecas, armamentos precários, coletes vencidos (...). Nós só queremos prestar um bom serviço, como?” [RP].

Por meio desses depoimentos fica visível a vulnerabilidade que os PMs estão durante os

acontecimentos, ou tempo de espera de uma ocorrência. Essas expressões são reforçadas por meio

das falas dos PMs apresentadas em um artigo de Silva, Vieira & Gomes (2006) em que mostra uma

categoria de servidores públicos indo às ruas reivindicar melhores condições de trabalho.

Ao que se refere à farda policial, a RP assim se posiciona: “(...) ta ruim em termos de

fardamento. Depois a gente tem que pagar uma farda, vem descontado no contra-cheque. Eu

mesmo não compro. Não é minha responsabilidade (...)”. Eles enfatizaram que a partir de uns dez

anos, aproximadamente, a polícia passou distribuir apenas uma farda por ano. Antes, eram

concedidas duas fardas, uma por semestre.

Todavia, nem esse cronograma esta sendo cumprido, porque segundo informações dos

próprios policiais: “faz uns três anos que não deram farda e tem policial que anda com a farda toda

gasta e costurada” [RP]. Essa informação é endossada pela própria assessoria de impressa da PM

(2007).

Conforme os depoimentos da RP: “(...) têm muitos policiais ai que compram (...)”. Para

que o PM não se sinta constrangido perante a sociedade, muitos chegam a financiar o próprio

fardamento. Quando isso acontece, o custo aproximado para eles é de R$ 150,00 (cento e cinqüenta

reais).

Um dado preocupante que merece destaque é sobre os coletes balísticos vencidos. Os PMs

consideram importante o uso dos coletes por se tratar de um equipamento de proteção individual

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muito importante. Mas mesmo sabendo de sua importância, eles reconhecem que é um equipamento

cujo uso gera muito incômodo por ser quente e pesado. No caso da RP, além desses incômodos,

existe a inutilidade do uso de um equipamento que já faz mais de cinco anos que foi revisto18.

Quanto ao carro, a RP reconhece que o veículo do tipo santana é um bom equipamento, mas

deixa de ser o mais adequado porque a viatura não dispor de xadrez19. No carro santana o preso fica

no banco de trás, ao lado do patrulheiro, ou é deposto na mala quando ferido, e logo conduzido ao

hospital. Conforme a RP mesmo expressa: “porque se for esperar o samu (serviço de atendimento

móvel de urgência) ou o bombeiro chegar, a pessoa morre; aí tem que prestar o socorro imediato

porque senão a gente é quem vai responder”.

A RP reconhece a ilegalidade do procedimento em colocar o preso baleado (ou esfaqueado)

na mala do carro, e essa atitude pode até ser vista por muitos como desumana. “Mas desumana às

vezes são as nossas condições de trabalho (...) e se agente pegar uma doença? Se contaminar? A

gente nem material de proteção tem; e quando se tem as luvas cirúrgicas é nós mesmo que

providenciamos. Nem quite de primeiros socorros a gente tem”.

O material coletado também revelou que as condições das viaturas são desfavoráveis, haja

vista os problemas com os amortecedores e pneus gastos (carecas). Cada viatura tem um período de

troca de pneus que corresponde ao limite de 5mil/Km de rodagem. Mas quando não há como

substituir, os carros ultrapassam esse limite e continuam com os mesmos pneus.

No período da observação, a viatura que também serviu de condução ao pesquisador, foi

18 O tempo de validade do colete à prova de balas é de três a cinco anos. Esse equipamento de proteção individual necessário aos profissionais de segurança, pois além de proteger das munições balísticas, protege de instrumento cortante, acidentes de carro e quedas. 19Além do modelo santana, existem dois carros do tipo bleizer cuja utilização ocorre em sistema de rodízio na corporação. Para os policiais, a blazer torna-se um equipamento mais apropriado principalmente porque tem xadrez (local reservado para guarda o preso) e por ser o mais apropriado em terrenos e estradas acidentadas.

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uma das viaturas que teve os três pneus substituídos, ou seja, um pneu vencido ainda permanecia

em uso. A RP registrou que no carro não há step, não tem instrumentos de chave de roda e macaco.

Quando acontece alguma quebra, a guarnição aciona o setor de manutenção para fazer o reboque ou

o possível reparo no próprio local. A RP informou sobre a existência de uma verba especifica para

manutenção, todavia, essa verba é insuficiente à manutenção.

Um outro dado que merece destaque é sobre as condições de uma das portas da referida

viatura, porque foi possível constatar a dificuldade do patrulheiro em abrir e fechar a porta direita

da viatura, episódio descrito no quadro II do item sobre: a RP se dirige ao setor de patrulhamento.

Essas situações vividas na rotina desses profissionais correspondem a uma degradação da

produção de serviço, cujas características do trabalho – tal qual se apresenta – não considera que os

PMs da RP são os mais vulneráveis socialmente.

Um outro elemento identificado nessa relação trabalho e saúde é a questão salarial. Tema

que fica claro na expressam dos policiais da RP: “Só que devido ao financeiro é que não é tão bom

(...) O salário é pouco ainda”.

A insatisfação salarial faz nascer um sentimento de injustiça devido à incompatibilidade com

a função. Por outro lado, quando o salário é comparado com outras categorias no estado da Paraíba,

os PMs reconhecem que há salários piores que os deles. Todavia, quando equiparam o salário da

categoria com outros estados da Federação, ai é que há uma indignação ao afirmarem que a “polícia

militar é uma só e deveria ser um salário só. Por que somente Brasília paga um salário mais

condizente. Isso não era pra ter não”.

Diante dessa situação, os PMs da RP sentem a necessidade de exercerem outros serviços

extras remunerados para complementar a renda. Eles costumam atuar em áreas de segurança

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privada, de cobranças e guarda municipal de trânsito20. Se por um lado os chamados “bicos” seja

uma forma encontrada pelos PMs para tentar suprir as limitações financeiras; por outro lado, vê-se o

sacrifício das 36 horas se esvaindo juntamente com os momentos que poderiam ser vividos com a

família e o lazer. Práticas relacionais necessárias à economia psíquica.

Outra insatisfação vivida no trabalho da RP é a falta de capacitação profissional. As falas

abaixo indicam bem essa realidade:

“Agora seria necessário que houvesse alguns treinamentos intercalados porque às vezes o cara sai do curso e passa muito tempo sem vê nenhum tipo de treinamento. (...) Deveria preparar mais a RP com equipamentos e mais armas, já que ela é a primeira a chegar na ocorrência, tá entendendo” [RP].

Segundo esses profissionais, existe a necessidade de capacitações como espaço de

discussões e atualização de conhecimento, e não tem. Eles disseram que essa formação é feita no

dia-a-dia. A ausência dessas capacitações abre espaços para: “Você vai à ocorrência, muitas vezes

acontece de você descarregar na ocorrência os problemas de forma geral. Eu acho que isso é

despreparo dos companheiros” [RP].

Conforme relato dos PMs da RP, a ausência dessas capacitações termina por abrir espaços às

ações truculentas da polícia, o que compromete a qualidade do serviço. Segundo Pimentel Filho

(2002), tais práticas reproduzidas estão claramente distantes de uma perspectiva cidadã, mesmo que

haja um esforço pautado em uma formação teórica nos Direitos Humanos. Essa distância gera uma

disfunção e ocasiona uma demanda tanto para o meio acadêmico – na busca de soluções práticas –

quanto à corporação, com o desafio de desenvolverem atitudes que viabilizem o uso legítimo da

força pelo Estado, sem que com isso cause algum prejuízo à sociedade.

20Tal fenômeno, também identificado neste estudo, pode ser aprofundado no trabalho monográfico feito por Ramalho em 2005. O objetivo central consistia na busca do conhecimento parcial da realidade dos agentes públicos da PM da Paraíba envolvidos em atividade de segurança privada.

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A discussão das capacitações perpassa o tema sobre o tipo de atividade – tema discutido na

página 64. Pois ao se considerar que a atividade de rua expõe o policial às situações desagradáveis e

de conflitos intermitentes, diferentemente de quem faz uma atividade interna supostamente mais

estável, tenta justificar que os PMs da RP se tornem uma modalidade de maior propensão às

punições. Segundo as discussões fruto das entrevistas coletivas, a RP afirma: “pelo menos somos

nós que sofremos mais punição”.

Todavia, não se pode relacionar essa questão de forma tão reducionista em simplificar as

punições pela modalidade de policiamento, pois tal concepção é determinista e naturaliza a questão.

Quando se naturaliza corre-se o risco de não mudar. Mas à medida que essa questão é encarada pela

ótica de: falta de capacitação na modalidade, precarização do trabalho e todas as situações

apontadas por esta pesquisa, é possível reverter tal quadro através de uma implantação e

implementação de um conjunto de ações viáveis propiciadoras de um espaço onde os trabalhadores

sejam ouvidos de formas institucional e produtiva para corporação.

Sobretudo, é importante dizer que a precarização no trabalho é resultante de um processo

instituído por fatores sócio-político-econômicos que marca a entrada nas condições impróprias de

trabalho. Portanto, a precarização é um processo vivido de formas distintas segundo as populações

vulneráveis que compõem a sociedade como todo (VIERA & ARAÚJO, 2003).

Ademais, vale destacar que a precarização das condições de trabalho proveniente dos

equipamentos e instrumentos inadequados, restrição quanto aos recursos monetários para

manutenção desses equipamentos, salários desproporcionais, falta de capacitação profissional,

revelam a existência de um conjunto de elementos desfavoráveis à saúde dos PMs da RP e dificulta

a própria eficiência no trabalho policial.

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4. 1. 5 Sujeito na atividade: “ ser camaleão na RP”

Entre a atividade e a tarefa, jaz o operador enquanto sujeito na ação de seu ofício. Nesse

espaço que caracteriza a situação de trabalho, o PM da RP se encontra em um embate diário

aureolado por todos os elementos até então discutidos. Esse embate é marcado ora por sentimento

de frustração, ora por uma percepção de incapacidade, outrora por um conformismo.

“Você vai bem empolgado pra uma ocorrência, ai vai e no caminho a viatura quebra. Infelizmente vamos ter que esperar. Certas coisas são bem frustrantes. Você sabe que um companheiro seu tá pedindo ajuda e quando você vai e não teve como ajudar” [RP].

Pode-se inferir a partir desse pronunciamento que PMs da RP se frustram quando chamados

a solucionar conflitos, são surpreendidos pela quebra da viatura. Mas esse sentimento se agiganta

devido às más condições dos equipamentos21 e não pela simples quebra da viatura, conforme

salienta a RP: o policial que é imbuído da sua missão, a gente fica querendo resolver o problema,

isso dá aquele pânico no cérebro, você quer resolver, mas não tem como.

O sentimento de frustração está profundamente imbricado com a auto-percepção de

impotência.

“Você só sabe que ele ta pedindo apoio, se ele ta pedindo apoio é porque ele ta precisando de ajuda. Isso pode ser com a sociedade, isso acontece de modo geral. Eu to falando a policia porque é uma coisa mais chocante porque ta vivendo mais ali, ta vivenciando mais aquela situação. A sociedade quando precisa e acontece a mesma coisa ai o cara diz “pô... sabe lá o que ta acontecendo lá, será que ta espancando a mulher, um filho, ta drogado, ta matando. Tudo isso vem” [RP].

Segundo esses profissionais, assim como a utilização da farda o expõem às inúmeras

mazelas sociais, o fardamento também ajuda a construir uma armadura de poder, onipotência, que

se abala ao se perceber impotente na execução da tarefa destinada, e até mesmo na hora de deixar o

21 Conforme discussão no item Estrutura do trabalho

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serviço: “eu prefiro que quando eu termino o serviço, que chega o horário que o CIOP libera a

gente, a minha vontade é não sair de dentro da viatura. Chega me dá aquela tristeza, vou ter que me

desarmar” [RP].

Se por um lado os PMs da RP sofrem em não se perceberem onipotentes, por outro, eles

fazem todo um esforço constrangedor para se submeterem a um conformismo “camaleônico”

perante situações que eles não conseguem mudar na polícia: “Estou dentro da polícia, mas não me

vejo hoje como PM. Mas você tem que se adaptar ao meio (...). Aqui não tem esse capricho. É a

velha história do camaleão” [RP].

Algumas situações discutidas como: militarismo exagerado, relações verticalizadas

(arrogância e prepotência), despreparos dos policiais e punições injustas, podem gerar uma

obnubilação perceptível que dificulta o PM em se perceber como profissional dessa categoria, ou

melhor, uma despersonalização profissional: Isso faz com que eu não me reconheça como policial.

É isso que faz eu tirar a farda e esquecer que sou policial [RP].

4. 1. 6 Comunicação no policiamento ostensivo: a intra e a intercomunicação na RP

Conforme Guérin et al (2004), existe comunicação sempre que há transmissão de

informações entre uma ou mais pessoas. As comunicações podem ser de duas formas, a saber: a)

explícitas, respeitantes às palavras dirigidas a um colega, sinais, gestos acordados a distância; b)

implícitas, que emerge da densidão do silêncio rompido pelo som de um ferramenta, a própria

postura pelo o fato de ver o colega num certo lugar, produz dados sobre o que ele esta fazendo e as

dificuldades que enfrenta.

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É através de um processo de comunicação explícita que a RP é acionada pelo CIOP, que vai

fornecer aos policiais as devidas informações referentes ao endereço, o solicitante e, em seguida,

diz a natureza da ocorrência. Essa comunicação entre o CIOP e a viatura será identificada na

presente pesquisa de intracomunicação. Tal terminologia faz-se necessária para designar a natureza

da comunicação explicita.

A RP ao dispor desses dados se dirige ao local. Todavia, freqüentemente essas informações

não condizem com a realidade: “na maioria das vezes as informações chegam distorcidas e quando

chegamos lá, a gente vê outra coisa totalmente diferente”.

Os policiais afirmam que não podem responsabilizar o CIOP pelas informações distorcidas.

Pois reconhecem que no desespero, o solicitante talvez não consiga articular bem as idéias e anseia

rapidamente a presença da polícia. Por outro lado, eles destacam a necessidade dos operadores do

CIOP desenvolverem formas melhoradas de filtragem dessas informações, porque delas dependem

a vida dos policiais.

“Porque já tivemos companheiro nosso que já veio a falecer porque ao chegar lá se deparam com outra situação e um dos três veio a falecer. Nos meus 15 anos tiveram mais de 10 que eu conheço nessa situação” [RP].

“Mas recente, eu posso lhe falar agora e que marcou muito é o da rua da Areia, naquele bordel que tem ali, disseram que era só embriaguez e desordem no bar, o companheiro achando que era uma embriaguez e desordem, foi sumir as escadarias sozinho, o cara lá em cima deu um tiro. Era um assalto. Morreu. Faz uns dois anos” [RP].

A RP ao ser acionada, os policiais procuram montar um conjunto de procedimentos de ação

policial com base nas informações fornecidas pelo CIOP. Como eles informam: “aí o que acontece

é que a mente já vai voltada pra isso”.

Os PMs, quando se dirigem ao local da ocorrência, preparam-se durante todo o percurso

para uma dada situação. Tendo em vista as informações não serem correspondentes, a RP afirma

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que situações como essas geraram um “choque na mente”. Porque “você tem que mudar

rapidamente toda aquela forma de você chegar em determinada ocorrência” [RP]. Daí a

importância do coletivo de trabalho, conforme discussão na página 72 sobre o coletivo.

Além da intracomunicação, há também uma outra natureza do processo comunicacional, que

será aqui designada de intercomunicação. Essa intercomunicação fica sobre a responsabilidade da

acessoria de impressa da PM. A RP reconhece nessa acessoria uma das responsáveis pelo problema

da falta de valorização que eles sofrem pela sociedade.

“O grande problema do reconhecimento é que não há uma divulgação das benfeitorias. Só tem quando tem coisa errada (...). È culpa de quem faz a nossa polícia, a nossa seção lá de impressa que não transmite (...)” [RP].

Segundo a expressão desses profissionais, percebe-se que a questão apresentada gira em

torno de uma das queixas mais freqüentes entre os PMs, a falta de reconhecimento profissional.

Tema que será discutido a seguir.

4. 1. 7 O (Não)Reconhecimento no trabalho policial

O discurso dos PMs da RP perpassa a dinâmica do não reconhecimento no trabalho, ou seja,

pela falta de valorização profissional que essa categoria sofre tanto pela instituição quanto pela

sociedade.

“Eu, pra falar a verdade, são pouquíssimas as pessoas, pouquíssimas as pessoas que dão valor ao serviço da policia militar. São pouquíssimos, e dentro da PM é quase que não existente, mas há uns dez anos atrás é que não existia mesmo (...)” [RP].

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Essa desvalorização do trabalho dos PMs da RP ocorre devido a um excesso de rigidez que

obstaculiza as relações entre os níveis hierárquicos no trabalho policial. Tal desvalorização ocorre

também na própria modalidade de policiamento. Segundo Vieira (2000), as implicações desse fato

são preocupantes, visto ser o reconhecimento um meio especifico de retribuição psicológica diante

da identidade no mundo do trabalho, e também tem a funcionalidade de preservar a saúde mental.

Essa relação entre valorização e trabalho policial é marcada por diversas nuances

heterogêneas quando se trata de reconhecimento, julgamento dos pares, dos superiores e da

sociedade – da atividade de RP. Alguns superiores22 chegam a manifestar claramente esse

reconhecimento ao conceder uma folga para a guarnição que executar com eficiência seu trabalho,

ou seja, um serviço que termina na delegacia e culmina com um flagrante. Mas isso não constitui

prática comum. Muito embora, essa percepção de falta de reconhecimento seja predominante entre

eles, por outro lado, pode-se considerar em alguns desses ambientes a existência de uma relação

intersubjetiva amistosa.

Referente às citações dos PMs da RP, os gestores da PM agem com imediatismo rigoroso na

punição dos PMs quando recebem denúncias infundadas envolvendo a RP, o que é vista por eles

como injusta.

“O esquecimento não é nem geral, é global, se a gente faz um bom serviço hoje, e amanhã a gente errar um pouquinho, o que você fez de bom ontem ele não reconhece não. Pra exemplificar: se você é punido ele não vai olhar quantos elogios você tem não, deveria ser isso, ver quem é a pessoa, a conduta dele – ah, vamos dar 30 dias de xadrez, 15 dias, 8 dias, eles não vê a ficha. Ao ver uma ficha boa ao invés de um prisão vamos dar uma repreensão, só pra adverti-lo, uma repreensão a ele. Eu acho que o problema maior é da gente não se sentir valorizado (...)” [RP].

22 Como, no caso, o capitão da 2ª Companhia, durante a pesquisa de campo.

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Esses profissionais procuram da melhor forma possível realizar seu trabalho e depositam, no

empenho diário, suas energias contributivas e esperam, em contrapartida, que esse esforço seja

sobretudo reconhecido/constatado. Quando não se valoriza o investimento dessa mobilização, surge

o sofrimento em detrimento da saúde mental (DEJOURS, 1987; DEJOURS & ABDOUCHELI,

1990).

De acordo com Dejours (1992), além da constatação por parte da chefia em reconhecer a

contribuição do sujeito à organização do trabalho, ainda existe o julgamento dos pares. Este

representa o mais importante, porque são esses que efetivamente conhecem as regras de trabalho.

Portanto, têm mais condições de avaliar com rigor o que foi feito.

“Chegam os subalternos e diz ao comandante: Olha comandante, aquela guarnição e a aquela outra também – que uma guarnição boa – tão trabalhando bem. Chega um antigão: Olha, meus parabéns, você gosta do que faz e só faz nos orgulhar. Isso é muito gratificante, eu fico envaidecido com os elogios que chegam até nós” [RP].

Os PMs da RP, bem como todos os trabalhadores, aguardam uma retribuição, que se dá

mediante a constatação de algo que funcionou no desenrolar de uma ocorrência. Por conseguinte, o

reconhecimento constitui em uma realização de si à medida que esse trabalho denota uma

singularidade. (DEJOURS, 2004).

Consoante Vieira (2000), há uma relação muito próxima entre reconhecimento e

competência, porque a partir do momento em que o trabalhador é capaz de empregar a sua

inventividade, segundo as suas interpretações, em algo que deu certo, passa a haver um

fortalecimento nas relações entre seus pares.

Entre os PMs da RP houve um tipo de sofrimento considerado curioso, que foi denominado

no presente trabalho de reconhecimento refratário. Tal manifestação é nascente do reconhecimento

que são prestados apenas aos oficiais, superiores registrados da seguinte forma:

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“Nós somos a mão de obra então nós temos que exercer a função, tipo: na rua está tudo bem; eles estão recebendo elogios, porque nós fazemos elogios pra eles. A bonança, a regalias pra ele. Tudo bem, eles tiveram uma oportunidade melhor do que a nossa, estudaram, são oficiais, eles estão acima de nós por essa situação, ai eles não se preocupam” [RP].

Após tecer as considerações acerca das vivências de sofrimento psíquico na modalidade de

policiamento de RP, faz-se mister saber quando é que o sofrimento se transforma em uma patogenia

geradora de doenças acometidas nos militares estaduais, bem como os tipos de licenças médicas

para tratamento de saúde.

O capítulo seguinte procura apresentar um perfil de morbidade dos PMs como tentativa de

mostrar o que acontece quando as capacidades de mobilizações, tanto individuais quanto coletivas,

não conseguem mais dar conta das situações danosas ao militar estadual.

4. 2 LEVANTAMENTO DO PERFIL DE MORBIDADE DOS PMs DA PB

A Junta Médica da PM é um órgão do Estado responsável pelo atendimento do militar

estadual que manifeste qualquer problema de saúde, seja para homologação de atestado, obtenção

de licença, exame de admissão e demissão, exame de aptidão para o trabalho – com ou sem

restrição, reformas por invalidez, ou qualquer ato que demande ação pericial.

Na tentativa de traçar um perfil de morbidade dos PMs entre os períodos de 2003 a 2005, o

referente órgão foi contactado, pois é lá que todos os processos referentes à saúde dos PMs ficam

arquivados. Todavia, o acesso aos dados demandou do pesquisador certo grau de paciência e um

exercício de humildade devido à resistência por parte da presidência da Junta Médica da PM. Após

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dez contactos e cinco reuniões, tentativas essas intercaladas por períodos de até seis meses e

acompanhadas com expressões do tipo: “volte depois; depois entre em contato conosco; no

momento estamos estruturando os dados de modo a fazê-los mais fidedignos”. No total, o tempo

que se levou foi de um ano entre o primeiro contato até a efetiva liberação dos dados23.

É importante ressaltar que devido à falta de um banco de dados e um sistema informatizado

padrão24, não foi possível acessar os dados mais amplos relativo ao universo dos PMs, pois os

mesmos constavam nas fichas arquivadas, e como não permitiram o acesso aos processos – e

mesmo se autorizasse o tempo não seria propício para folhear um a um, já que para fazê-lo também

careceria de pessoal. Houve então um enfoque nas licenças médicas e nas reformas por invalidez.

Identificou-se desta forma, o número de PMs afastados, os grupos patológicos das reformas por

invalidez. Informações esses que permitiram a composição do quadro geral de morbidade dos PMs.

Talvez, devido à falta de uma tabulação dos referentes dados pela Junta Médica, não foi

possível liberar os motivos e os dias decorrentes dessas licenças. Todavia, esses números apontam

para uma ínfima redução, mas mesmo assim mostra um quadro preocupante, sobretudo porque

exibe um patamar de licenças quase que inalterado nesses três anos, conforme mostra os dados da

tabela I.

Tabela I Registros das licenças para tratamento de saúde entre

2003 e 2005

23 Pode-se dizer que o tempo decorrente permitiu enfatizar a importância do estudo e que o mesmo se tratava de um pesquisa de cunho estritamente acadêmico. 24 Pois o que há é o esforço de um policial que desempenha sua função no setor de informática, que por iniciativa própria começou a catalogar alguns dados a partir de 2003.

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Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.

Mediante os depoimentos dos PMs da RP, existe uma negociação no local de trabalho

quando se trata de problemas de saúde. Em muitos dos casos, dependendo do bom comportamento

desses profissionais, muitos nem precisam ir à Junta Médica. O que de fato acontece é que há uma

solução interna entre os pares, e com a devida autorização dos superiores é que torna possível sua

ausência por certo tempo. Caso não houvesse o emprego desse recurso, o número de licenças para

tratamento de saúde seria certamente maior.

Em seguida, a Tabela II e o Gráfico I mostram os PMs aptos com restrição para o trabalho.

Tabela II Registros das incapacidades parciais para o trabalho

entre 2003 e 2005

MESES LIC.TRAT DE SAÚDE -2003

LIC.TRAT DE SAÚDE – 2004

LIC.TRAT DE SAÚDE –

2005 JAN 35 43 39 FEV 56 51 35 MAR 39 34 51 ABR 43 36 47 MAI 39 40 40 JUN 44 46 40 JUL 46 41 37 AGO 39 43 53 SET 39 41 52 OUT 35 38 34 NOV 44 40 37 DEZ 35 29 26

Total 494 482 491

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Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.

Gráfico I

332431 455

0

200

400

600

1

Incapacidade parcial

Ano 2003Ano 2004Ano 2005

Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.

MESE

S

INCAPACIDADE PARCIAL – 2003

INCAPACIDADE PARCIAL – 2004

INCAPACIDADE PARCIAL – 2005

JAN 22 42 39 FEV 24 32 33 MAR 15 35 29 ABR 23 40 44 MAI 26 31 35 JUN 28 55 49 JUL 24 02 45 AGO 31 44 46 SET 30 35 34 OUT 37 31 37 NOV 32 37 28 DEZ 40 47 36

Total 332 431 455

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Chama atenção o salto de 332 para 455 PMs com suas capacidades laborativas restritas à

atividade interna, também conhecida de atividade-meio. Para alguns policiais essas incapacidades

parciais tornaram-se permanentes. Dados que preocupam, pois em 2004 teve 1 (um) caso de policial

incapacitado permanente para o trabalho, em 2005 esse número chega 23 (vinte e três) casos de

policiais.

Por meio da referente pesquisa, foi possível compor quais são os grupos de doenças mais

freqüentes que vitimam os PMs. Os seguintes dados abaixo demonstram tanto na Tabela III, quanto

nos Gráficos II, III, IV, os grupos patológicos que justificam as aposentadorias antecipadas.

Tabela III Registros das reformas por invalidez entre 2003 e 2005

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Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.

O gráfico II, mostra as reformas por invalidez distribuída em transtorno psiquiátrico (08);

neoplasia (05), raumatológica (03); oftalmológica (02) e a cardiológica (01). Como mostra os

dados, as doenças mentais foram as de maior incidência, correspondendo a 42% de um total de 19

aposentadorias por invalidez.

Gráfico II

MESE

S

REF. POR INVALIDEZ 2003

REF. POR INVALIDEZ 2004

REF. POR INVALIDEZ 2005

JAN - 04 03 FEV 03 - 01 MAR 02 02 01 ABR 01 - 02 MAI 01 - 01 JUN 03 - 01 JUL 02 01 02 AGO - 02 03 SET 03 01 02 OUT 03 - - NOV 01 01 01 DEZ - - 02

Total 19 11 19

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Causas da reformas por invalidez em 2003

16%

42%11%5%

26%Traumatológica

Psiquiátrica

Oftalmológica

Ortopédica

Neoplásica

Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.

No gráfico que se segue, já se vê uma mudança na composição dos grupos patológicos que

faz alterar os motivos das reformas por invalidez do ano anterior. Pois se vê os problemas de ordem

neurológica (1) e o HIV25(1) se incorporem no rol dessas doenças juntamente com a oftálmica (1);

ortopédica (1); neoplásica (1); traumatológica (3) e o transtorno psiquiátrica (3). Mais uma vez o

transtorno psiquiátrico (27,5%) lidera, juntamente com as de tramatologia (27,5%), as etiologias das

aposentadorias.

Gráfico III

25 Se bem que não se pode denominar o HIV de doença, mas sim como uma tipologia de vírus que causa a destruição das defesas do organismo humano, tornando o corpo mais vulnerável às doenças. Causando com isso a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA / AIDS).

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Causas das reformas por invalidez em 2004

9%9%

9%9% 9%

27.5%

27.5%

Tramatológica

Neurológica

Psiquiátrica

HIV

Oftalmológica

Ortopédica

Neoplásica

Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.

No ano de 2005 as causas de reformas por invalidez retornam ao mesmo patamar das do ano

de 2003 com 19 (dezenove) reformas. Todavia apresentam uma variação ao se considerar os

motivos. Por outro lado, os grupos de morbidez psiquiátrica (5) e traumatológica (5) lideram com

27%.

Gráfico IV

Causas das reformas por invalidez em 2005

27%

27%5%5%

21%

5%5% 5%

Traumatológica (5)

Psiquiátrica (5)

Hemorragia.hiper (1)

Reumatologica (1)

Oncológica (4)

Cardiológica (1)

Endocrinológica (1)

Imunológica (1)

Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.

Além dos transtornos mentais aparecerem sempre à frente quando se fala das reformas, e

também divide essa incidência com outras morbidades, o seguinte levantamento presente no quadro

II aponta para outra realidade importante: uma diz respeito à graduação e a outra às unidades,

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conforme indica o quadro logo abaixo referente anos de 2003 e 2005, o ano de 2004 não consta

porque a Junta Médica não tinha esses dados disponíveis no banco.

Quadro IV Motivos das reformas por invalidez segundo as graduações,

as unidades e as etiologias Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.

O quadro anterior é importante porque permite alistar tanto a graduação, como a unidade e a

etiologia de forma geral nos respectivos anos, e a tabela que se segue enfatizar essa relação entre a

problemática psíquica e a graduação dos PMs:

ANO 2003 ANO 2005

GRAD UNID ETIOLOGIA GRAD UNID ETIOLOGIA CB PM 4º BPM Neoplásico SD PM 3ºBPM Traumatológico SD PM 2º BPM Psiquiátrico CB PM - Psiquiátrico

CB PM 1º BPM Psiquiátrico 3º SGT 1º BPMHemorrágico/hiper

tensivo 3º SGT 4º BPM Traumatológico CB PM 4ºBPM Reumatológico CB PM 1ºBPM Oftalmológico CB PM 3ºBPM Traumatológico ST PM CCB Neoplásico CB PM 1ºBPM Traumatológico SD PM 1º BPM Traumatológico SD PM 2º BPM Psiquiátrico CB PM 1º BPM Psiquiátrico CB PM 1º BPM Psiquiátrico ST PM 4ºBPM Psiquiátrico CB PM - Oncológica 3º SGT 2º BPM Psiquiátrico SGT PM - Oncológica

CB PM 2ºBPM Psiquiátrico CB PM 1ºEPM

ON Cardiológica SD PM 1º BPM Neoplásico SGT PM - Oncológica CB PM 5º BPM Traumatológico SD PM 6º BPM Traumatológico SD PM 1º BPM Psiquiátrico SD PM 4º BPM Endocrinológico 3ºSGT QCG Psiquiátrico CB PM 1º BPM Imunológico CB PM QCG Neoplásico SD PM 5º BPM Psiquiátrico SD PM 2º BPM Oftalmológico CB PM 4º BPM Psiquiátrico 2º SGT 3º BPM Cardiológico CB PM - Traumatológico 3º SGT QCG Neoplásico CB PM 3ºBPM Oncológica

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Tabela IV

Reforma em 2003 segundo a graduação e a morbidade psiquiátrica

MP % OM’s %

Soldado 2 25 3 27

Cabo 3 37 4 37

Sargento 2 25 3 27

Subtenente 1 13 1 9

Total 8 100 11 100

Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006 Legenda: MP = Morbidade Psiquiátrica; OM’s = Outras Morbidades

Como se percebe, somente a MP corresponde a 42% das causas de aposentadorias

involuntárias no ano de 2003, ou seja, profissionais da segurança pública que se tornaram incapazes

à vida laboral antecipadamente.

A próxima tabela V também evidencia esses números preocupantes:

Tabela V

Reforma em 2005 segundo a graduação e a morbidade psiquiátrica

MP % OM’s %

Soldado 2 40 3 21

Cabo 3 60 8 58

Sargento - - 3 21

Subtenente - - - -

Total 5 100 14 100

Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006 Legenda: MP = Morbidade Psiquiátrica; OM’s = Outras Morbidades

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Percebe-se na referente tabela uma mudança na distribuição das morbidades, mas mesmo

assim a MP corresponde a 26% dessas aposentadorias por invalidez. Entretanto, faz-se mister

evidenciar que não se trata aqui de discorrer sobre uma questão disjuntiva entre MP e OM’s, mas

sim mostrar que PMs adoecem e se tornam incapazes ao trabalho. E se ao conceber a centralidade

que o trabalho tem na vida das pessoas e na construção da identidade – conforme discussão no item

2.3 – mesmo que os PMs não tenham se reformados por MP, os outros motivos podem incidir sobre

a saúde mental desses profissionais.

É importante frisar que tanto em 2003 como em 2005 as aposentadorias involuntárias

somente vitimaram os soldados, cabos, sargentos e subtenentes, ou seja, os praças, pois são

graduações que geralmente estão em atividade de patrulhamento. Exceto a de subtenente, cujo

exercício de sua atividade é mais no âmbito da atividade interna, o que não impede que ele exerça o

policiamento ostensivo.

Esses dados evidenciam que quanto menor a graduação, mais eles se aposentam por

invalidez. Contudo não se pode afirmar, em sua totalidade, que todos esses policiais exerciam suas

funções em atividade fim, pelo fato da Junta Médica não dispor desses registros. No entanto, de

acordo com os depoimentos e discussões do item 4.2, pode-se dizer que são esses profissionais de

policiamento ostensivo que mais estão expostos a situações de riscos intermitentes, pois são eles

que se encontram no confronto diário do trabalho policial.

É importante frisar o estudo realizado por Sousa & Minayo (2005), muito embora se refiram

às licenças para tratamento de saúde e incapacidade física parcial causadora de afastamento das

atividades por hierarquia de servidores. O número médio de praças com agravos exigindo

afastamento é 20 vezes maior que o dos oficiais, ou seja, correspondendo a cerca de 96% das

licenças entre 2000 a 2004.

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O quadro II também traz um elemento que merece destaque, é a unidade. Porque, como se

pode observar é no 1º Batalhão, situado em João Pessoa, o local de maior número de aposentadorias

por invalidez, correspondendo a 32% das reformas no ano de 2003. Em 2005, esse quadro ainda

permanece.

Os números, juntamente com os materiais das entrevistas, observações e instrução ao sósia,

ajudam a compor um quadro cuja demonstração diz que os servidores da segurança pública,

especificamente os militares estaduais da Paraíba, é uma área que precisa de mais estudos e,

sobretudo, necessitam de ações efetivas de modo a torná-los menos vulneráveis a situações

laborativas causadoras de danos à sua integridade.

4. 3 AS VIVÊNCIAS DE PRAZER: o riso depois da dor na RP

De acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), o trabalho, dependendo da forma como esteja

organizado, pode ser estruturante na vida de quem o realize. Constituindo-se, portanto, como um

espaço de construção de sentido, aquisição da identidade e historização contínua do sujeito.

Podendo se tornar, também, em uma fonte de equilíbrio instável de bem-estar bio-psico-social.

De posse dessa afirmativa, leva-se a crer que os PMs da RP não experimentam somente

sofrimento e dor no trabalho, eles também experienciam prazer – mesmo que ele não se expresse de

forma continuada. Através dos relatos desses profissionais, foi possível identificar em quais

situações de trabalho o prazer é sentido.

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A identidade profissional surge como uma afetação psíquica de bem-estar. Pode-se dizer que

é nela que o PM se reporta às lembranças lúdicas26 e, sobretudo, à representação psíquica que esta

profissão exerce na sua história enquanto sujeito. É o que se evidencia na seguinte fala: “(...) meu

pai era policial, e desde pequeno eu ouvia e o tinha como espelho. Então, quando eu sai do exército

a primeira coisa que eu quis ser era policial (...). É de família mesmo, meu pai, meu irmão, meus

primos, todos eram (...)” [RP].

Dejours (1990) ao destacar as forças simbólicas presentes no cotidiano de trabalho, recorre à

analogia do trabalho como teatro para ilustrar a conjugação dessas forças. Tais forças encontram

ressonância justamente nas invocações concordantes com a história de vida (singular) do sujeito na

situação real do trabalho. A partir do momento quando o presente reverbera no passado, e este, no

que é vivido hoje, instala-se a produção de sentido da tarefa.

“Os familiares todos militares, tava na alma né, só eu é quem não era. Meu pai, meus irmãos eram. Minha vontade maior era por causa disso. Depois de ter passado pelas forças armadas né, no exército, e atribuído a tudo isso a minha vontade de ser militar” [RP].

Sobre essas reminiscências, além de viabilizar a produção de um fim criativo ao sofrimento,

Dejours (1990) diz que o prazer e o sofrimento criativo têm uma relação intrínseca. Todavia, não se

pode considerá-los sinônimos até porque, parece, um possa ser decorrência do outro. Muito embora

se saiba que nem todo sofrimento se transforma em criatividade geradora de prazer. Por outro lado,

o que pode existir é uma ausência de sofrimento em prol de uma maneira mais tênue para realizar a

tarefa.

Ao que tange a estabilidade no emprego, como outra manifestação do prazer na atividade de

RP, é necessário considerar o cenário vigente do mundo do trabalho. Pois, o mesmo jaz cheio de

26 Faz parte do imaginário social as brincadeiras de mocinho e vilão, policial e bandido, que são experienciadas desde a infância.

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desafios que procura conciliar as mudanças na área tecnológica, econômica e política, e alguns

estudiosos sociais, dentre eles Antunes (1998; 1999) e Castel (1998), discutem as implicações

dessas transformações na vida das pessoas e como o capitalismo contemporâneo não consegue dar

contar das repercussões pouco animadoras para o mundo do trabalho, dentre elas o emprego.

Todavia, algo é certo, em tempos de incerteza do/no emprego, uma das formas de garanti-lo

é entrar na esfera pública, seja ela municipal, estadual ou federal – e se tornar policial não foge a

regra. Porque a polícia é uma instituição pública e os trabalhadores locados nela são servidores

públicos.

Pelo fato do desemprego não representar uma ameaça constante aos policias, a RP vê no

exercício dessa profissão uma garantia financeira, e também um espaço combinatório de tempo e

estudo. Tal conciliação permite alguns policiais se preparem para outros concursos públicos de

modo a conciliar emprego com melhores condições salariais, sem que com isso tenham que arriscar

a própria vida. É o que eles afirmam.

A partir do momento em que o serviço público militar é visto dessa forma, cria tanto o

problema para as lideranças militares em descobrir e manter as pessoas necessárias na Polícia, como

também viabilizar formas de valorização do PM. Por outro lado, essa relação de tempo-estudo-

preparo corresponde a um modo que eles encontraram de ainda permanecer na polícia, e com isso

encontrar sentido na atividade.

Dentre as outras manifestações de prazer, o compromisso social também foi expresso pela

RP como uma das formas de ter satisfação no trabalho. Pois a RP salienta para o fato de que “se não

tivesse a polícia a gente vivia em verdadeiro clima de barbárie”. Ao reconhecer isto, eles

procuram elaborar consigo mesmo e, sobretudo, coletivamente, a preservação da saúde.

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É quando eles conseguem do mesmo modo reconhecer no coletivo de trabalho a importância

tanto para a realização da tarefa, como encontrarem juntos formas de não se desgastarem

psiquicamente. Para isso, eles utilizam algumas estratégias de defesa, tais como: discutir entre si os

problemas advindos tanto da organização do trabalho, como os de ordem pessoal.

Conforme a RP, os referentes problemas são identificados por eles como situações geradoras

de “muita carga” e se eles não falarem, debaterem entre si, “terminam não se sentido bem

psicologicamente e é importante que a mente esteja boa no trabalho policial. Porque senão termina

transferindo, tanto para os colegas de trabalho como nas ocorrências, os problemas que estão

vivendo”.

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CAPÍTULO V – CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO

O início deste estudo, bem como todo o seu percurso, caracterizou-se por questões sobre as

situações de trabalho dos PMs da RP. À medida que esta dissertação foi se desenvolvendo, ficou

possível identificar em quais situações emergem as vivências de sofrimento psíquico e prazer na

atividade desses profissionais.

O sofrimento psíquico, enquanto categoria teórica na presente investigação, teve o propósito

de contemplar as categorias que emergiram do corpus da pesquisa mediante os depoimentos dos

PMs da RP frente à sua atividade. Se a categoria teórica versa sobre sofrimento, é nas categorias

empíricas que o sofrimento é dito, falado.

As categorias empíricas a seguir, traduzem a subjetividade dos policiais da RP que sofrem,

quando não se vêem assistidos por serviços de promoção de saúde e social no ambiente de trabalho;

sofrem ao se perceberem em uma atividade caracterizada por um alto nível de exposição às

situações de riscos intermitentes, tornando-os vulneráveis, principalmente, devido a uma estrutura

de trabalho não condizente com nível de exposição que eles se submetem; sofrem pelas condições

precárias de trabalho e pela falta de equipamentos adequados.

Em relação ao modelo de organização, a RP destacou o quanto é restrito o espaço que é

dado à manifestação do humano no trabalho policial, sobretudo, a forma como as relações

hierárquicas acontecem, muita das vezes, por meio de uma relação déspota. Muito embora, os PMs

já notam mudanças favoráveis na relação de poder entre os níveis hierárquicos.

A RP também manifesta expressivo sofrimento psíquico quando se percebe impotente em

suas atividades, passando a desenvolver sentimento de frustração e incapacidade. Sofre devido à

falha na comunicação das ocorrências, bem como, quando vêem nos seus colegas de trabalho atos

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ilegais que prejudicam ainda mais a imagem e o trabalho da PM. Por fim, sofre quando a sociedade

e, sobretudo, a própria instituição da PM, não reconhecem o trabalho que os policiais realizam.

Por outro lado, percebeu-se que os PMs da RP formam um coletivo de trabalho em

determinadas situações com objetivo de regular a atividade, principalmente quando se trata de se

manterem saudáveis. Portanto, o coletivo funciona ora como dispositivo regulador da atividade ora

como estratégia de preservação da integridade psíquica.

Quando o militar estadual não consegue mais “driblar” o sofrimento no trabalho, a dimensão

psicofísica é afetada de forma danosa, comprometendo-lhe à vida laboral. Os indicativos de como

essas condições e organização do trabalho incidem sobre a saúde desses profissionais, são por meio

das licenças médicas e as reformas por invalidez. Os dados fornecidos pela Junta Médica da Polícia

Militar da Paraíba, entre os anos de 2003 e 2005, apontam os transtornos psíquicos, dentre outros,

como o que mais se destaca nas referidas reformas involuntárias.

Como se pode notar, não existe uma situação de trabalho única, que sozinha, relacione-se

com o sofrimento psíquico dos PMs da RP. Porque se assim fosse, correr-se-ia o risco de equívocos

reducionistas. Por outro lado, é possível identificar em meio a esse quadro, situações outras capazes

de gerar prazer nessa modalidade de policiamento. Pode até parecer surpresa, mas é possível

encontrar sentido e prazer em ser policial. Isso acontece, sobretudo, quando eles se identificam com

o trabalho, e quando esses profissionais reconhecem a função social que a Polícia Militar

desempenha na sociedade.

Faz-se mister antes de encerrar este trabalho, enfatizar que a maior parte das intervenções

capaz de viabilizar a diminuição de danos no trabalho de polícia militar, perpassa os trâmites de

modernização do trabalho policial, sobretudo, nas estratégias de atuação utilizadas nas ocorrências,

bem como, dos equipamentos de execução que eles têm. Porque esses procedimentos terão

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repercussões no cotidiano do trabalho deles, e, por conseguinte, serão promotoras de saúde e

segurança na atividade policial. Ademais, é necessário coincidir políticas de redução da

criminalidade e que também possam diminuir a dicotomia entre a polícia e a sociedade.

Por outro lado, devido os PMs serem os primeiros a sofrerem as implicações de uma

precarização no trabalho, cujas conseqüências sobre a saúde ocorrem individualmente, mas o

problema é compartilhado no coletivo, ou seja, por todos. Por isso mesmo, a premissa maior toca

aos PMs, pois são eles que precisam reivindicar melhorias no trabalho e não delegar a qualquer que

seja a tutela sobre a sua saúde.

Este estudo, entretanto, não é um fim em si mesmo, ou seja, não se esgota aqui. É preciso

outras pesquisas propiciadoras de diálogo entre a academia e a PM, principalmente ao que se refere

à construção de metodologias e processos de melhoramento em uma organização de trabalho

pautada nos princípios de disciplina e hierarquia, cujas reivindicações podem ser entendidas como

pena passível de punição.

Esse diálogo interinstitucional preencherá os espaços silenciosos instituído no Brasil durante

o período da ditadura militar, e de silêncio basta o constrangimento dessa imposição – que ainda

ecoa nos dias vigentes. O prejuízo sofrido nas duas últimas décadas teve implicações infelizes.

Criando com isso um espaço, pós-regime militar, não muito propício para se tratar de temas com

foco na polícia, e quem o fizesse não era bem visto pela sociedade.

São vinte anos em que a produção de conhecimento nessa área foi comprometida, e o

término desta dissertação enseja um novo patamar a alcançar. Porque gerou uma visibilidade ao

sofrimento psíquico decorrente das situações de trabalho dos PMs da RP. Logo, identificada essas

situações, é possível investir na sua prevenção não somente como fim nobre a ser alcançado, mas

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também como caráter econômico. Visto ser mais produtivo investir na prevenção do que tentar

mediar os danos causados pelas más condições de trabalho.

Além disso, este estudo se constitui em um material necessário às lideranças militares que

procuram construir uma polícia mais eficiente com o propósito de melhor servir à sociedade.

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Apêndice A – Roteiro da entrevista

1 Dados profissionais

1. 1 O que influenciou na escolha pela profissão de policial militar? Qual a expectativa na época da

escolha e a de hoje?

1. 2 O que é ser PM?

1. 3 O que incomoda no trabalho de PM da RP? Por quê?

1. 4 Quando é que vocês se sentem irritados no trabalho? O que vocês fazem? Descrevam.

1. 5 Qual o setor que vocês consideram mais perigos?

1. 6 O que pode comprometer o trabalho na atividade de R/P? Diante dessa situação, o que se faz?

1. 7 Vocês costumam sair para o trabalho, e chegar, fardados? Por quê?

1. 8 Vocês atuam como policias em áreas onde vocês moram ou que tenham certa proximidade? Já

aconteceu? E quando acontece o que se faz?

2 Dados relativos à saúde

2. 1 Na profissão de vocês o que mais perigoso?

2. 2 Quais são os tipos de riscos que vocês identificam no trabalho de RP?

2. 3 O que vocês fazem para diminuir ou evitar riscos no trabalho de RP?

2. 4 Como vocês se sentem depois de um dia de trabalho?

2. 5 O que mais lhe dá prazer no trabalho de RP?

2. 6 Qual a periodicidade dos exames realizados no Batalhão? Especifiquem?

2. 7 Como é o serviço de saúde na PM? Existe algum programa de trabalho psicológico?

2. 8 O que mobilizam vocês a serem policiais?

2. 9 O que vocês costumam fazer nos momentos de folgas?

2. 10 Quando vocês vão dormir, o sono é reparador?

2. 11 Fazem uso de medicamento para dormir? Há Quando tempo?

3 Estrutura temporal do trabalho

3. 1 Escala de trabalho da RP

3. 2 Ritmo de trabalho da RP

3. 3 Duração (pausas, intervalos inter-escalas e descansos)

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3. 4 Faltas (quais são os procedimentos)

4 Aspectos da hierarquia

4. 1 O que vocês pensam sobre a forma como a PM é estruturada e dirigida?

4. 2 O que mais lhes agradam na PM? Por quê?

4. 3 O que mais lhes desagradam na PM? Por quê?

4. 4 Como é o controle de horário (inicio e término) e a fiscalização?

5 Comunicação no trabalho

5. 1 Enquanto vocês estão no ponto base, como é o relacionamento de vocês até o momento da RP

ser acionada

5. 2 Como vocês vêem a relação com seus colegas e superiores?

5. 3 Com os usuários: o que mais agrada e menos agrada?

5. 4 Como é feita a comunicação para se acionar uma RP?

6 Divisão e conteúdos das tarefas

6. 1 O que é atribuição de uma RP?

6. 2 O que é atribuição do patrulheiro?

6. 3 O que é atribuição do motorista?

6. 4 O que é atribuição do cabo/sargento?

7 Política de pessoal

7. 1 O que faz com que um PM seja desligado da polícia?

7. 2 Vocês se sentem reconhecidos pelo que fazem (instituição e/ou sociedade)?

7. 3 O que essa falta de reconhecimento causa?

7. 4 De que maneira vocês são avaliados pela instituição?

7. 5 O que vocês recebem de salário dá para suprir as suas necessidades? Por quê?

7. 6 O que vocês fazem para complementar a renda? Em quais funções?

APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

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Universidade Federal da Paraíba – UFPB

Centro de Tecnologia – CT

Departamento de Engenharia da Produção

Prezado (a) Senhor (a),

Esta pesquisa é sobre Trabalho de Policia Militar e Saúde Mental: um estudo de caso sobre

sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha, realizado por Maurivan Batista da

Silva, aluno do Mestrado de Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba, sob a

orientação da Profª. Drª. Sarita Brazão Vieira.

Os objetivos do estudo são:

Geral

Identificar as situações de trabalho policial geradoras de sofrimento psíquico e prazer na

atividade de radiopatrulha.

Específicos

Analisar a atividade de policial militar da radiopatrulha.

Apontar quais são as condições de trabalho que representam riscos à integridade e

psíquica desses profissionais.

Verificar o índice de adoecimento dos PMs da Paraíba.

Descrever as estratégias que os PMs da radiopatrulha empregam para promoção de

saúde e segurança no trabalho.

O presente estudo poderá se constituir em uma ferramenta importante para a administração

de segurança pública, na medida em que tem como foco a saúde mental desses policiais e a

dinâmica do sofrimento psíquico e prazer no exercício desta profissão.

Solicitamos a sua colaboração para as entrevista, observação e na instrução ao sósia, como

também sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos acadêmicos e

publicá-los em revista científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será mantido

em sigilo. Informamos que essa pesquisa não oferece risco nenhum para a sua saúde.

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Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o senhor não é

obrigado a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pelo Pesquisador.

Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não

sofrerá nenhum dano, nem haverá modificação na assistência que vem recebendo na Instituição.

Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere

necessário em qualquer etapa da pesquisa.

Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido e dou o meu consentimento para

participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse

documento.

______________________________________

Assinatura do Participante da Pesquisa

Contato com o Pesquisador (a) Responsável:

Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar:

(83) 3232-8350 (residência) / 3216-7124 (Coordenação do Mestrado).

Atenciosamente,

___________________________________________

Assinatura do Pesquisador Responsável

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ANEXO A - FOLHA DE ROSTO PARA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

MINISTÉRIO DA SAÚDE - Conselho Nacional de Saúde - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP

1. Projeto de Pesquisa: TRABALHO DE POLICIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre o sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha 2. Área do Conhecimento (Ver relação no verso)

3. Código:

4. Nível: ( Só áreas do conhecimento 4 )

5. Área(s) Temática(s) Especial (s) 6. Código(s): 7. Fase: (Só área temática 3) I ( ) II ( ) III ( ) IV ( )

8. Unitermos: ( 3 opções )

SUJEITOS DA PESQUISA

9. Número de sujeitos No Centro : Total:

10. Grupos Especiais : <18 anos ( ) Portador de Deficiência Mental ( ) Embrião /Feto ( ) Relação de Dependência (Estudantes , Militares, Presidiários, etc ) ( ) Outros ( ) Não se aplica ( )

PESQUISADOR RESPONSÁVEL 11. Nome:

12. Identidade:

13. CPF.:

19.Endereço (Rua, n.º ):

14. Nacionalidade:

15. Profissão: 20. CEP:

21. Cidade:

22. U.F.

16. Maior Titulação:

17. Cargo 23. Fone:

24. Fax

18. Instituição a que pertence:

25. Email:

Termo de Compromisso:. Data: _______/_______/_______ ______________________________________ Assinatura

INSTITUIÇÃO ONDE SERÁ REALIZADO 26. Nome:

29. Endereço (Rua, nº):

27. Unidade/Órgão: 30. CEP:

31. Cidade: 32. U.F.

28. Participação Estrangeira: Sim ( ) Não ( ) 33. Fone: 34. Fax.:

35. Projeto Multicêntrico: Sim ( ) Não ( ) Nacional ( ) Internacional ( ) ( Anexar a lista

de todos os Centros Participantes no Brasil )

Termo de Compromisso ( do responsável pela instituição ) :Declaro que conheço e cumprirei os requisitos da Res. CNS 196/96 e suas Complementares e como esta instituição tem condições para o desenvolvimento deste projeto, autorizo sua execução Data: _______/_______/_______ ___________________________________ Assinatura

PATROCINADOR Não se aplica ( x ) 36. Nome: 39. Endereço

37. Responsável: 40. CEP: 41. Cidade:

42. UF

38. Cargo/Função: 43. Fone: 44. Fax:

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - CEP

45. Data de Entrada: _____/_____/_____

46. Registro no CEP: 47. Conclusão: Aprovado ( ) Data: ____/_____/_____

48. Não Aprovado ( ) Data: _____/_____/_____

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49. Relatório(s) do Pesquisador responsável previsto(s) para: Data: _____/_____/____ Data: _____/_____/_____ Encaminho a CONEP: 50. Os dados acima para registro ( ) 51. O projeto para apreciação ( ) 52. Data: _____/_____/_____

53. Coordenador/Nome ________________________________ Assinatura

Anexar o parecer consubstanciado

COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA - CONEP 54. Nº Expediente : 55. Processo :

56.Data Recebimento : 57. Registro na CONEP:

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ANEXO B -FORMULÁRIO DE ENCAMINHAMENTO DE PROJETO DE PESQUISA

COMITÊ DE ÉTICA EM \PESQUISA- CEP/CCS-UFPB

TÍTULO DA PESQUISA:

NOME COMPLETO DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL:

INSTITUIÇÃO:

DEPARTAMENTO/ CENTRO:

TEL. TRABALHO: TEL. RESIDENCIAL:

E-MAIL:

FINALIDADE DA PESQUISA: TCC ( ) PIBIC ( ) ESPECIALIZAÇÃO ( ) MESTRADO ( ) DOUTORADO ( ) OUTROS (ESPECIFICAR)

LOCAL ONDE SERÁ REALIZADA (SETOR):

PARTICIPANTES DA PESQUISA: Crianças ( ) Adolescentes ( ) Adultos ( ) Pacientes ( ) Estudantes ( ) Outros (especificar):

PERÍODO DA PESQUISA:

PREVISÃO PARA O INÍCIO DA COLETA DE DADOS:

PROCEDIMENTO( S) PARA COLETA DE DADOS: ENTREVISTA ( ) QUESTIONÁRIO ( ) PESQUISA EM PRONTUÁRIO ( ) ( ) OUTROS (ESPECIFICAR):

ENCAMINHAMENTO PARA APRECIAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ( )

JOÃO PESSOA -----/ -----/ -------

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