maurivan batista da silva trabalho de polÍcia militar...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
MAURIVAN BATISTA DA SILVA
TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na
atividade de radiopatrulha
JOÃO PESSOA – PB 2007
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MAURIVAN BATISTA DA SILVA
TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na
atividade de radiopatrulha
Dissertação submetida à apreciação da banca examinadora do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba para obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção.
Área de concentração: Gestão da Produção.
Subárea: Tecnologia, Trabalho e Organizações.
Professor orientador: Prof.ª Sarita Brazão Vieira, DSc.
JOÃO PESSOA-PB 2007
MAURIVAN BATISTA DA SILVA
TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na
atividade de radiopatrulha
Dissertação submetida à apreciação da banca examinadora do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba para obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção.
Área de concentração: Gestão da Produção.
Subárea: Tecnologia, Trabalho e Organizações.
JOÃO PESSOA – PB
2007
S586t SILVA, Maurivan Batista da TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE
MENTAL: Um estudo de caso sobre o sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha/ Maurivan Batista da Silva. João Pessoa, 2007.
125 páginas Orientadora: Sarita Brazão Vieira, Drª Dissertação (Mestrado) – UFPB/CT 1. Gestão da Produção. 2. Qualidade no trabalho. 3. Policial
militar - radiopatrulha. 4. Prazer no trabalho. 5. Trabalho – aspectos psicológicos.
UFPB/BC 685.3(043)
MAURIVAN BATISTA DA SILVA
TRABALHO DE POLÍCIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre sofrimento psíquico e prazer na
atividade de radiopatrulha
Dissertação julgada e aprovada em 02 de abril de 2007 para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia de Produção no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção pela Universidade Federal da Paraíba. Área de concentração: Gestão da produção Subárea: Tecnologia, Trabalho e Organizações.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Sarita Brazão Vieira, DSc. Universidade Federal da Paraíba
Orientadora
Prof. José Ernesto Pimentel Filho, DSc. Universidade Federal da Paraíba
Examinador externo
Prof. Paulo José Adissi, DSc. Universidade Federal da Paraíba
Examinador
Ao meu filho Victor Israfel, cuja vida dá sentido a minha existência.
MINHA GRATIDÃO
Quando me dispus a realizar este trabalho, exigindo-me o esforço diuturno à sua
concretização, percebi que sozinho não seria possível fazê-lo. Por conseguinte, reconheço a
importância das pessoas que ser tornaram grandes em seus gestos, e instituições que se mostraram
parceiras na construção desta pesquisa. Por isso, a minha gratidão:
A Universidade Federal da Paraíba, por contribuir na construção do conhecimento de modo
a melhorar a vida em sociedade.
A CAPES, pela concessão da bolsa de estudos.
Ao Comando Geral da Polícia Militar, 1º Batalhão de Polícia Militar, bem como a Junta
Médica que terminaram por reconhecer a importância deste estudo e autorizaram a realização do
mesmo.
Ao Prof. Paulo Adissi, por sua vontade e esforço em procurar agir sempre com justiça, e
pelas recomendações pertinentes que me foram dirigidas.
Ao Prof. Ernesto Pimentel, pela sua prodigalidade em atender ao meu convite de
examinador externo e por sua simplicidade.
À Profª. Sarita B. Veira, pela orientação traduzida em entusiasmo, rigor e criticidade que
levarei sempre na minha trajetória profissional.
À Elvia, Sônia, Tânia, Socorro, pelos momentos mútuos de consolo, incentivo, alegrias e
trocas de experiência.
À Wal e à Lívia, pela contribuição generosa e fraterna que me foram dadas na confecção do
abstract.
À Rosângela, pelas palavras de otimismo ditas mansamente: “vai, não custa nada tentar”.
Aos PMs da RP que gentilmente participaram desta pesquisa, pelas entrevistas sinceras e
desconfiadas que deram, e por compartilhar do desejo de fazerem uma Polícia cada vez melhor.
Aos meus irmãos: Rizomar, Josomar, Reginaldo, Jorge, Reinaldo, Marcos e Marcio.
Minha terna e eterna gratidão aos co-criadores da minha presença e permanecia neste
mundo: minha mãe Geralda e ao meu pai Elias.
A minha Dinda, pelo seu amor, compreensão e companheirismo que, junto comigo,
compartilhou a dor a alegria de construir esta dissertação.
Aos acidentalmente esquecidos e inúmeros anônimos.
Por tudo isto, genuflexo e contrito... minha gratidão a Deus.
Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.
(Chico Xavier)
RESUMO
Esta dissertação se propôs identificar as situações geradoras de sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha da 2ª Companhia, vinculada ao 1º Batalhão de Polícia Militar em João Pessoa/PB. A caracterização desta pesquisa se enquadra em um estudo de caso descritivo-analítico, fundamentado nas abordagens teórico-metodológicas da ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho. Os instrumentos técnicos adotados foram: observação, entrevista coletiva, instrução ao sósia e pesquisa documental. Os achados desta investigação demonstraram a presença de sofrimento psíquico proveniente das situações de trabalho, a saber: ausência de serviços de promoção de saúde e social na unidade; estrutura de trabalho precária; tipo de trabalho de exposição ao risco de vida; excesso de cobranças; auto-percepção de impotência na atividade; falha de comunicação no trabalho; por fim, sofrem quando a sociedade, e, sobretudo, a instituição militar, não reconhecem o que eles fazem. Por outro lado, identificou-se a formação de um coletivo de trabalho em determinadas situações, que quando pode, revela-se tanto como regulador da atividade como dispositivo de preservação da integridade psíquica. Constatou-se a existência de ínfima redução no quadro de licenças médicas para tratamento de saúde dos policiais entre 2003 e 2005, embora a situação continue preocupante, por revelar um patamar quase que inalterado dessas licenças. Quanto às reformas involuntárias, constatou-se que a morbidade psiquiátrica sempre se destaca como sendo uma das principais causas de aposentaria por invalidez no período pesquisado. Todavia, mesmo diante das situações adversas de trabalho, a radiopatrulha ainda encontra prazer em sua atividade, principalmente quando os profissionais se identificam com o que fazem e quando percebem a importância que a polícia militar tem na manutenção da segurança pública da sociedade.
Palavras-chaves: sofrimento psíquico e prazer, trabalho de radiopatrulha, polícia militar.
ABSTRACT
The objective of this work is to identify the generating causes of physic suffering and pleasure in the second company’s patrol-radio activities, affiliated with the first Battalion of military police, in João Pessoa/PB. This research’s characteristics fit in a descriptive-analytical case of study, supported by the theories and methodologies’ approaches from activity ergonomics and work psychodynamics. The technical instruments used were: observation, collective interview, instructions to second-self and documentary research. The results of this investigation demonstrate the presence of psychic suffering coming from work-related circumstances, for instance: lack of health and social cares promoted by the institution; precarious work conditions; life exposure to danger; excessive claims; self-perception of powerless while performing the activities; communication flaws at work; and last, there is suffering when the society, and specially the institution, does not appreciate their work. On the other hand, it was possible to notice the formation of a collective work in some situations, when possible, as the regulatory function of their own activity, as well as the contrivance of psychic integrity preservation. Equally, it was revealed that there was a tiny decrease about medical licenses requested to health treatments between 2003 and 2005, but, indeed, it presents a worrying situation, because it demonstrates that this has an almost unaltered rate. About involuntary reforms, it was verified that psychical morbidity is one of the main causes of disability-related retirement, during the research time. However, even facing adverse situations at work, the patrol-radio’s professionals still find pleasure doing this labor, especially when they like what they do, and when they realize the important responsibility of the military police in the society. Key words: psychic suffering and pleasure, patrol- radio the work, military police.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro I – Divisão dos bairros por setores de patrulhamento..........................................................37 Quadro II - Caracterização dos participantes da pesquisa................................................................55 Quadro III - Atividade de radiopatrulha...........................................................................................67 Quadro IV - Motivos das reformas por invalidez segundo as graduações, as unidades e as etiologias entre 2003 e 2005.............................................................................................................101 Gráfico I – Incapacidade parcial entre 2003 e 2005..........................................................................97
Gráfico II – Causas das reformas por invalidez em 2003.................................................................99
Gráfico III – Causas das reformas por invalidez em 2004..............................................................100
Gráfico IV – Causas das reformas por invalidez em 2005..............................................................100
LISTA DE TABELAS
Tabela I – Registros das licenças para tratamento de saúde entre 2003 e 2005...............................95
Tabela II – Registros das incapacidades parciais para o trabalho entre 2003 e 2005.......................96
Tabela III – Registros das reformas por invalidez entre 2003 e 2005..............................................98
Tabela IV – Reformas em 2003 segundo a graduação e a morbidade psiquiátrica .......................102
Tabela V – Reformas em 2005 segundo a graduação e a morbidade psiquiátrica .........................102
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
1º EPEMON – 1º Esquadrão de Polícia Montada
BPM – Batalhão de Polícia Militar
CB – Cabo
CCB – Comando do Corpo de Bombeiros.
CIA – Companhia de Polícia Militar.
CIOP – Centro Integrado de Operações Policiais
CPU – Coordenação de Policiamento da Unidade
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
QCG – Quartel de Comando Geral
MP – Morbidade Psiquiátrica
OMs – Outras Morbidades
PB - Paraíba
PM – Policial Militar
PMs – Policiais Militares
PM – Polícia Militar
RP – Radiopatrulha
SD – Soldado
SGT - Sargento
ST – Subtenente
Senasp – Secretaria Nacional de Segurança Pública
SUMÁRIO
CAPITULO I - INTRODUÇÃO .................................................................................................... 15 1. 1 DEFINIÇÃO DO TEMA ........................................................................................................... 15
1. 2 JUSTIFICATIVA ....................................................................................................................... 20
1. 3 OBJETIVOS............................................................................................................................... 28
1. 3. 1 OBJETIVO GERAL.............................................................................................................. 28
1. 3. 2 OBJETOS ESPECIFÍCOS ..................................................................................................... 28
CAPITULO II – CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS & CONSTRUÇÃO DE EXPERIÊNCIA. 29 2. 1 ESTADO, PODER E POLÍCIA ................................................................................................. 29
2. 2 A PM: NORMAS DE RELAÇÕES E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO........................ 33
2. 2. 1 PM: destinação, missão e subordinação ................................................................................ 33
2. 2. 2 Organização básica da PM .................................................................................................... 34
2. 2. 3 Policiamento Motorizado (Radiopatrulha – RP) ................................................................... 35
2. 3 O TRABALHO: SENTIDO E CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA ................................... 38
2. 4 ERGONOMIA DA ATIVIDADE............................................................................................. 43
2. 5 PSICODINÂMICA DO TRABALHO...................................................................................... 46
CAPITULO III - CARACTERIZAÇÃO METODOLÓGICA ................................................... 50 3. 1 ASPECTOS METODOLÓGICOS..............................................................................................50
3. 2 TIPO E NATUREZA DA PESQUISA........................................................................................51
3. 3 O MÉTODO NAS ABORDAGENS.......................................................................................... 53
3. 4 O PERFIL DOS PARTICIPANTES ..........................................................................................54
3. 5 TÉCNICAS DE PESQUISA ...................................................................................................... 56
3. 6 TECNOLOGIA DE ANÁLISE.................................................................................................. 59
3. 7 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS............................................................. 60
CAPÍTULO IV - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ........................................................61 4 . 1 AS DIMENSÕES DO SOFRIMENTO PSIQUICO NA RP..................................................... 61
4. 1. 1 Serviços de promoção de saúde e social ................................................................................ 61
4. 1. 2 Tipo de atividade na RP..........................................................................................................64
4. 1. 2. 1 A dimensão coletiva: a intersubjetividade no trabalho de RP............................................72
4. 1. 2. 2 Quando os pares são impares: o coletivo ameaçado..........................................................75
4. 1. 3 Controle do trabalho: "Só fazem cobrar, cobrar, cobrar".....................................................77
4. 1. 4 Estrutura do trabalho..............................................................................................................81
4. 1. 5 Sujeito na atividade: "Ser camaleão na RP"...........................................................................87
4. 1. 6 Comunicação no policiamento ostensivo: a intra e a intercomunição na RP........................89
4.1. 7 O (Não)Reconhecimento na trabalho policial.........................................................................91
4. 2 LEVANTAMENTO DO PERFIL DE MORBIDADE DOS PMs DA PB.................................94
4. 3 AS VIVÊNCIAS DE PRAZER: o riso depois da dor na modalidade de RP ......................... .104
CAPITULO V - CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÕES. ....................................... 108 REFERÊNCIAS.............................................................................................................................112 APÊNDICE A – Roteiro da entrevista............................................................................................120
APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido........................................................122
ANEXO A – Folha de rosto para pesquisa envolvendo seres humanos..........................................124
ANEXO B – Formulário de encaminhamento ao Comitê de Ética.................................................125
CAPITULO I – INTRODUÇÃO
O presente capítulo apresenta a primeira parte desta pesquisa de dissertação na seguinte
forma: definição do tema, que aborda os principais conceitos da pesquisa dentro de uma delimitação
teórica, cuja apresentação consta em forma de pergunta no final deste item; a justificativa do tema
eleito, que evidencia a importância e a originalidade deste estudo; e por fim, os objetivos do
referente trabalho.
1. 1 DEFINIÇÃO DO TEMA
Ao introduzir o tema da presente investigação sobre a relação entre trabalho de polícia
militar e saúde mental, faz-se necessário discorrer acerca das especificidades conceituais pertinentes
ao desenvolvimento do referente estudo, a saber: sofrimento psíquico e prazer na situação de
trabalho.
A situação de trabalho do PM se caracteriza por diversos elementos circunstanciais, cuja
variabilidade não se consegue predizer em sua totalidade. Vidal (2003) diz que a situação de
trabalho é o cenário onde a atuação de fatores internos (estado orgânico, competência,
personalidade) e externos (normas, meio de trabalho e mobília) se combina de forma singular.
É nesse espaço que emerge a dinâmica relacional entre tarefa e atividade. Daí surge um
cenário caracterizado por desafios enigmáticos que, para decifrar, exige do policial a mobilização
de recursos psicofísicos elaborados na sua história de vida enquanto sujeito.
Guérin et al (2004) conceitua atividade como a realização efetiva do trabalho,
diferenciando-a da tarefa, sendo que esta se reporta à forma preditiva do trabalho, ou seja, ao que é
prescrito. A concepção de atividade permite apreender quais as implicações existentes entre riscos,
saúde e a produção; bem como as causas dos tipos de competências, variabilidade, regulações e os
apontamentos mais consistentes para compreender o trabalho e transformar uma dada situação.
O trabalho do militar estadual da RP consiste em praticar uma modalidade de policiamento
cujo propósito é de coibir, ou prevenir o crime. No exercício dessa prática, vê-se um constante
embate psicofísico que expõe diretamente esses profissionais à violência social. É o que os dados
percentuais apontam.
O espaço de atuação dos profissionais da segurança pública mostra uma estatística
preocupante de violência social. No Brasil esse índice se mostra muito significativo. Somente na
década de 1990, os homicídios cresceram 29%, entre os jovens esse índice atingiu 48%. Com 3%
da população mundial, o Brasil concentra 9% dos homicídios cometidos no planeta. Outros
elementos também compõem essa atmosfera de insegurança, tais como roubos, furtos e seqüestros
longos e relâmpagos (SILVA FILHO, 2005).
Não existe uma uniformidade quanto aos custos dessa violência para o Brasil, todavia, sabe-
se que se trata de cifras bastante significativas. Para Silva Filho (2005), esses custos chegam a R$
300 milhões por dia, o equivalente orçamentário anual do Fundo Nacional de Segurança Pública.
Para reforçar esses dados, Minayo (2006) diz que há cálculos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), cujos quais cerca de 10,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil são
gastos com os custos (in)diretos da violência, ocasionando também transferências de recursos
devido a esse problema.
Segundo Teixeira (2005), pesquisador da Fundação Getulio Vargas – RJ, os setores público
e privado desembolsaram em 2004 aproximadamente R$ 37 bilhões para se proteger de crimes, e
mais, a violência chega gerar aproximadamente um prejuízo à economia brasileira de 6% a 7% do
PIB.
Dentro dessa discussão preocupante da violência no Brasil, a Paraíba não fica distante. Pois,
o tema da segurança pública, acompanhado do desemprego e a saúde, correspondem aos problemas
que mais atormentam os paraibanos. 43% consideram que o mais grave é o desemprego, para 18,9%
é a saúde e 15,1% apontam a falta de segurança pública como o mais sério problema estadual. Nas
duas maiores cidades do estado, os dados apontam que na grande João Pessoa esse problema
representa 18,6% e em Campina Grande esse número chega a 26,3% (CORREIO DA PARAÍBA,
2005).
Ao considerar essa instabilidade gerada pela insegurança, a polícia é sempre acionada para
tentar estabelecer a ordem, pois é ela que está na linha de frente da manifestação da força pública do
Estado. Segundo Silva, Vieira e Gomes (2006), os PMs são alvos de uma conjugação de pressões
advindas tanto da sociedade aflita, quanto da organização do trabalho rígida, como das condições de
precarização do trabalho. Tal situação delineia um quadro de sofrimento vivido por esses
profissionais.
Segundo Dejours (1987; 1992), o sofrimento psíquico no trabalho se define como uma luta
constante entre os fatores patogênicos advindo da organização do trabalho e as condutas defensivas
individuais e/ou coletivas dos trabalhadores que buscam um “equilíbrio instável”, que antecede a
doença mental.
O autor alarga a discussão e diz que dinâmica do sofrimento não se restringe apenas ao
espaço de luta contra a organização do trabalho. Pois, dessa forma o sofrimento é visto apenas pelo
enfoque negativo (patogênico). Todavia essa concepção foi ampliada para alcançar, também, o
âmbito do sofrimento criativo que se presta à aplicação dos recursos necessários pelo sujeito para,
concomitantemente, promover a saúde, o prazer e garantir a produção com eficiência.
Dejours (1987) assim expressa:
“O sofrimento começa quando a relação homem-organização do trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetiva, de aprendizagem e de adaptação. Quando o trabalhador usou tudo do que se dispunha de saber e poder na organização do trabalho e quando ele não pode mais mudar a tarefa; isto é, quando foram esgotados os meios de defesa contra a exigência física. (...) A certeza de que o nível de insatisfação não pode mais diminuir, marca o começo do sofrimento”.
O autor citado, ainda concebe o prazer como um componente do desejo – dado
irredutivelmente subjetivo – e seu estudo se fundamenta na análise do processo de sublimação. Este
processo consiste em tomar o campo social, em particular o trabalho, como um espaço de
representação (teatro) onde os desejos, que não encontraram na sexualidade as condições propícias
a sua realização, são postos em cena. Desta forma o trabalho se coloca como um dos mediadores
entre o inconsciente e o campo social, que em certas condições oferece uma solução satisfatória ao
desejo, colocando-se como um dos instrumentos propícios de economia psíquica e de saúde mental.
Nessa situação é que se diz que o trabalho é estruturante.
Segundo Melo (1991), uma das funcionalidades do prazer é que ele se constitui em um
antídoto contra o cansaço. Pois o prazer estimula, proporciona mais energia e disposição para o
trabalho e faz relativizar o tempo, tornando-o mais rápido. No entanto, para que isso aconteça é
preciso que a organização do trabalho se estruture de tal forma que permita ao trabalhador lançar
mão das suas potencialidades, significa do mesmo modo dizer da necessidade do trabalhador
utilizar o seu corpo físico com mobilidade (isto no plano físico). Por outro lado, faz-se mister a
necessidade do trabalhador ser capaz de aprender com o que realiza e ter a liberdade de colaborar
com a sua experiência no melhoramento do seu trabalho.
Pensar essas questões na atividade de PM, na qual a organização do trabalho está fincada em
dois pilares básicos: a hierarquia e a disciplina – dentro de uma cultura militarizante, representa um
desafio para os gestores de segurança pública. Com o propósito de contribuir, mesmo que de forma
singela, na construção dessas ferramentas e nesse debate, é importante falar sobre a promoção de
saúde desses profissionais dentro de um recorte de sofrimento e prazer no trabalho. Há estudos
sobre a violência e a segurança pública através de diferentes enfoques teóricos, outros sobre as
condições de trabalho do PM, todavia a literatura é deficitária quando se trata da promoção de saúde
desses profissionais.
Por isso, ao delimitar a presente pesquisa, definiu-se como unidade de estudo a 2ª CIA do 1º
BPM em João Pessoa, evidenciando que nesse campo, a contribuição acadêmica é ainda restrita,
vale salientar que este estudo não impede a existência de outros trabalhos semelhantes
desenvolvidos com PMs.
Ao considerar o exposto, ainda resta uma questão basilar que precisa de esclarecimento, e
que acompanhou todo o processo desta pesquisa: Quais as situações de trabalho geradoras de
sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha?
1. 2 JUSTIFICATIVA
A opção por trabalhar com esta temática teve início quando comecei a estabelecer contatos
com disciplinas do mundo do trabalho no curso de Psicologia da UFPB1. Essa experiência
proporcionou o reconhecimento e a importância de se estudar a relação entre saúde e trabalho e suas
implicações na dimensão psíquica do trabalhador.
Nesse ínterim, comecei a participar também do Grupo Subjetividade e Trabalho (GPST).
Um dos projetos desenvolvido pelo grupo intitulava-se: “Programa de Formação de Formadores em
Relação de Gênero, Precarização do trabalho e Saúde em Escolas Públicas” 2.
Através dessa experiência, foi possível realizar um diagnóstico das condições de trabalho e
saúde dos profissionais da educação municipal com objetivo de levantar dados sobre a situação de
trabalho, em particular das merendeiras e serventes, visto que outros integrantes do grupo
trabalhavam com outras categorias. Desde então, optei por continuar nesse campo de estudo e, nesta
pesquisa de mestrado, resgatei a temática da relação entre saúde mental e atividade de policiamento
militar motorizado (Radiopatrulha – RP). É preciso considerar que todo trabalho deve ser
desenvolvido em condições humanas e acobertados de garantias que visem preservar a saúde e a
vida do trabalhador, e o trabalho policial precisa ser visto nessa perspectiva.
A PM – enquanto construção institucional – confunde-se com a história do Brasil. Isso
porque ao estudá-la, é possível remontar ao tempo do Império, quando no governo de D. Pedro I, os
presidentes das províncias não dispunham de meios apropriados à manutenção da ordem pública3. A
1 Por motivos de escolha e recomendação acadêmica, optei por escrever este trabalho na 3ª pessoa do verbo. Todavia, iniciarei este item na 1ª pessoa com objetivo de narrar como se deu a minha aproximação com a temática trabalho e promoção de saúde. 2O trabalho consistia em uma parceria da Universidade Federal da Paraíba – UFPB; Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP e o Sindicato de Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa – SINTEM.
3 Após a abdicação de D. Pedro I e a menoridade de D. Pedro II, o Brasil passou a ser governado por Regentes, que na concepção popular, não dispunham de legitimidade para tal exercício. A partir de então emergiram vários movimentos
propósito, foi decretada em 10 de outubro de 1831 a criação do Corpo de Guardas Municipais
Permanentes do Rio de Janeiro, capital do Império. O Decreto regencial também autorizava aos
demais presidentes criarem suas guardas. A Paraíba criou a sua efetivamente em 23 de outubro de
18324, o que faz dela o mais antigo órgão público em atividade até hoje (LIMA, s.d; TAVARES,
1982).
O surgimento e atuação da polícia sempre foi objeto de discussão e falta de consenso,
criando com isso muitas resistências na sociedade. Pois, sempre se questionou quanto ao alvo e os
interesses verdadeiramente atendidos pela polícia, principalmente quando se refere à igualdade de
direitos perante a lei (SOUZA & MINAYO, 2005).
As instituições policiais no Brasil, tanto civil quanto militar, sofreram fortes influências da
Europa Ocidental dos séculos XVIII e XIX, que concebia a segurança pública como um serviço
garantido pelo Estado para resguardar os direitos e o assentamento da autoridade. Por outro lado,
havia um outro tipo de representação que considerava a polícia uma estrutura criada para manter o
status quo extremamente hierárquico e elitista voltada à preservação dos interesses das classes
abastadas. Esse tipo de percepção negativa perdura até hoje (TAVARES SANTOS, 1997; SOUZA,
MINAYO & ASSIS, 2003).
Segundo Sette Câmara (2002), ficou para a PM, na década de 1960, a exclusividade do
policiamento ostensivo fardado - e como força pública - assegurar as instituições; garantir a ordem
nos estados; atuar de maneira preventiva e/ou repressiva; atender as convocações, inclusive do
revolucionários que comprometiam a ordem pública e colocava em risco a manutenção do Império e integridade territorial 4O Decreto emitido pelo conselho provincial foi votado e aprovado em 03 de fevereiro de 1832, sua implantação ocorreu meses mais tarde. Tinha um de efetivo 50 homens, sendo que 15 a cavalo e 35 a pé. As primeiras missões consistiam em guardar as prisões e as realizações de rondas no centro da cidade.
governo federal, em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir graves perturbações
internas. Atribuições essas previstas na Constituição Federal de 1988, Art.144.
A corporação militar da Paraíba tem um efetivo aproximado de nove mil e sete membros,
incluindo o corpo de bombeiros e o quadro de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliar de
enfermagem). O número de PMs em atividade fim por meio de policiamento a pé, montado e
motorizado, é de cerca de seis mil integrantes distribuídos em todo o Estado. Ao considerar Kahn
(2002), a Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) recomenda uma proporção de um
policial para 300 habitantes, na Paraíba estima-se uma proporção média de um policial para 426
habitantes, ou seja, a Paraíba está abaixo da média recomendada.
A importância da referente investigação se mostra não somente pelo contingente expressivo
desses profissionais, mas também pela função social que a corporação militar tem em garantir a
segurança e a ordem pública e, sobretudo, pela carência de pesquisas nessa área5, principalmente
quando se trata de promoção de saúde e segurança pessoal desses trabalhadores.
A segurança pessoal também se relaciona com mundo do trabalho, tem um sentido ordenado
de direitos e consiste “no conjunto de normas destinadas a prevenir acidentes, quer eliminando
condições inseguras do trabalho, quer prevenindo desastres ocupacionais” (SOUZA & MINAYO,
2005, pág. 919). Desta forma fica possível pensar e analisar os PMs da RP como trabalhadores que
têm seus direitos resguardados pela Constituição que lhes asseguram a integridade física e psíquica
no exercício de suas atividades.
5 Segundo Bayley, D. H. (2002) a polícia, enquanto objeto de estudo acadêmico, passou longo período sem investigações cientificas. Se a polícia representa o aparelho do governo para a manutenção da ordem, pois essa é a sua função essencial, então porque a atenção dada a ela e bastante restrita? Existem quatro fatores para isso: 1) raramente a polícia desempenha papeis importantes nos grandes eventos históricos; 2) a polícia não é uma atividade de status; 3) a atividade policial é repugnante moralmente porque representa o uso da força da sociedade contra ela mesma e 4) dificuldade de ter acesso à polícia, bem como a falta de material disponibilizado em bibliotecas.
Os policiais em atividade fim - sejam eles civis e/ou militares - caminham na maioria das
vezes no limiar da vida. Isso acontece porque eles estão constantemente expostos ao risco de perdê-
la, seja na área rural, devido ao alto índice dos conflitos sociais/agrários, ou nas cidades, por causa
da violenta criminalidade urbana (TAVARES SANTOS, 1997).
Segundo Senasp (2006) a violência social, objeto da ação do Estado com o propósito de
coibi-la e garantir a tranqüilidade pública, no ano de 2003 foram registradas pelas policias civis
6.707.955 ocorrências criminais nos estados, e 2.264.829 nas capitais brasileira.
Em entrevista a um jornal local (O NORTE, 2005) o então subcomandante do 1º BPM disse
que de janeiro até 03 de dezembro de 2004 foram efetuadas 68.177 ocorrências pelo telefone 190
em toda a Paraíba. Destas, somente em João Pessoa, foram 51.019.
Esse quadro faz com que os policiais se debrucem diariamente sobre situações diversas de
crimes e violência no estado. E quando são os próprios policiais que são alvos dessa violência
conforme notificação da impressa televisiva e escrita? É nesse universo, composto de elementos,
reais e imaginários onde os PMs exercem suas atividades.
Essa variedade de componentes torna a violência social um fenômeno complexo e isso
dificulta sua definição. Ela vai além da sua ocorrência real e gera no imaginário coletivo um
sentimento de medo e insegurança. Isso cria uma alteração perceptível que confunde crimes reais
dos riscos de ser vítimas da criminalidade. Essa discrepância cria uma falsa percepção do aumento
da violência, o que nem sempre corresponde a realidade (SOUZA & MINAYO, 2005).
Os PMs ao enfrentarem a violência do mundo moderno, onde as cidades cresceram de forma
desestruturada e sem políticas públicas adequadas, vivem expostos a um conjunto de pressões da
organização do trabalho e as exigências da população aflita. Eles são os primeiros a sentir os efeitos
dessas exigências sobre a saúde física e mental, o que compromete a regularidade da produção de
serviços e produz o sofrimento psíquico. Essa situação eleva o quadro de morbidade e de mortes a
níveis significativos.
Souza & Minayo (2005) revelam que o número médio de oficiais com licenças para
tratamentos de saúde no Rio de Janeiro cresceu 95,5% entre 1994 a 2004, enquanto que no mesmo
período o número de licença dos praças chegou a 108,3%. Os dados demonstram que os
afastamentos dos praças são maiores em 20 vezes aos dos oficiais. Quando se trata de incapacidades
físicas parciais, os números são mais assustadores, pois evidencia que no mesmo período os praças
configuram 93% dos incapacitados físicos readaptados aos serviços internos.
Ao prosseguir em suas análises, as autoras afirmam que dos 4.518 PMs mortos e feridos
entre 2000 a 2004 no Rio de Janeiro, 758 foram mortos, destes somente 173 estavam trabalhando.
Os que morreram em serviço por ação da violência, essa proporção sobe à 26,8%. Os números de
PMs que morreram em serviço durante o ano de 2004 foram 2.5 vezes mais do que em 2000.
Outro fator incorporado a essas pressões é a rejeição social da polícia militar. Pois, trata-se
da segunda maior categoria de profissionais que merece os piores adjetivos, perdendo somente para
os garis (FOLHA DE SÃO PAULO, 1996). Isso termina por incidir negativamente na auto-
percepção desses profissionais, e até mesmo, na relação com a sociedade, criando obstáculos ao seu
trabalho.
Segundo os jornais locais6 as lideranças militares da Paraíba têm se preocupado com o alto
índice de PMs com dependência química, estresse, depressão e o elevado índice de suicídios entre
eles. Segundo o presidente da Associação de Cabos e Soldados, o aumento de alcoolistas é devido
6 Jornal ContraPonto (2005) e Correio Da Paraíba (2006).
às pressões do trabalho policial. Situação essa que se agrava com a falta de um centro de
atendimento psicossocial voltado ao atendimento dos PMs do estado. Conforme a diretoria de saúde
da PM, localizada em João Pessoa no Hospital Edson Ramalho, no período da entrevista, fazia
quase seis meses que a unidade estava sem psiquiatra, e os psicólogos da unidade não atendiam
somente os PMs que carecem de acompanhamento psicológico.
O percentual de reformas por invalidez devido a transtornos psiquiátricos homologadas pela
junta médica da PMPB em 1998 equivale a 25,5%. Um outro dado importante é que cerca de 75,8%
de reformados estão entre 20 a 29 anos, ou seja, entre profissionais jovens praticamente em início
de carreira. Considerando o escalonamento hierárquico da PM, verifica-se que 73,2% dos mais
afetados são os soldados e cabos. Entre o período de 1995 - 1998 a junta médica da PM homologou
74 reformas por invalidez, desses 41,9% foram por motivo de ordem mental (PAIXÃO, 1998;
ASSUNÇÃO, 1998).
Esses números reforçam a necessidade deste estudo que visa conhecer a atividade policial,
de modo a identificar quais as situações de trabalho que representam ameaças à saúde dos PMs, em
particular da RP, e, sobretudo, saber qual é a relação entre trabalho policial e sofrimento psíquico.
Comumente os PMs da RP são acionados a irem onde o conflito está, bem como fazer a
ronda para garantir – quando possível – a inibição da violência e a criminalidade. Eles são
designados a atuarem nas áreas/situações de conflitos que podem ser do estado contra a sociedade, e
vice-versa e/ou entre os próprios cidadãos que compõem esta sociedade.
Conforme relato de entrevistas preliminares, a modalidade de policiamento de RP é que
mais expõe os policiais a situações perigosas, porque para está na rua o policial se desdobra. Por
isso, entre as modalidades de policiamento ostensivo fardado: de choque, de guarda, normal (geral)
e trânsito urbano, privilegiou-se para a presente pesquisa a RP.
Segundo Sette Câmara (2002), quando uma RP é acionada com fins de atendimento à
ocorrência, é como se entrasse em um terreno movediço, essa percepção acontece porque se trata de
uma situação de conflitos envolvendo pessoas. Quando o PM chega ao local logo se depara com um
cenário complexo: quem é o bandido, o infrator ou a vítima? Quem está certo ou errado? O motivo
que o suscitou trata de um ato ilícito? E se for preciso utilizar a força – ou a arma – qual o limite?
Qual o melhor procedimento a valer-se? Tudo isso é decidido rapidamente. Um erro de avaliação
pode ser fatal ou capaz de induzir o PM a uma ação equivocada.
A situação de trabalho policial é marcada por contradições sociais e políticas. Pois, muito
embora, a população espere dos gestores públicos medidas de combate à violência, é a polícia que é
vista como instrumento primário capaz de coibir e promover a ordem pública. Porque, além de ser
responsabilizada pela falta de segurança, ainda tem que corresponder às expectativas da sociedade.
Por isso, algumas questões sem respostas imediatas podem ser feitas, por exemplo: como é
para os PMs exercerem uma atividade de controle em meio à violência urbana? Como é dar conta
de sua atividade e responder aos anseios da sociedade, sendo eles também membros dessa mesma
sociedade? Existe descontentamento com a organização e as condições de trabalho? Até que ponto
essa insatisfação compromete o serviço policial? Quais as estratégias individuais e coletivas que os
PMs da RP empregam na realização da tarefa? Qual o sofrimento e o prazer na atividade? Como é
ser policial e morar em locais em situação de risco social? A corporação os preparou para essa
situação? Estas questões fomentaram a idealização e o desenvolvimento do presente estudo.
Ademais, são esses profissionais que estão na linha de frente da manifestação da força pública e
legal do Estado.
Mesmo dentro desse panorama nebuloso, o trabalho é considerado neste estudo como um
elemento contributivo na estruturação da identidade do sujeito. Em nossa sociedade o trabalho tem
uma série de significados e valores que reportam tanto à subsistência, quanto à realização pessoal e
status social na vida das pessoas, portanto dos trabalhadores. Por isso, quando o trabalho não
possibilita condições favoráveis a sua execução, o trabalhador sempre manifestará matizes de
sofrimento que podem comprometer-lhe a saúde.
Algumas pesquisas abordam a prática policial como objeto de estudos, a autonomia policial,
entre outros, com ênfase em análises jurídicas, históricas, em áreas humanas com perspectivas
sociológicas. Todavia, nesta investigação, o propósito é alargar essa discussão por meio da
ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho.
O presente estudo poderá se constituir em uma ferramenta importante para a administração
de segurança pública. Na medida em que tem como foco a dinâmica do sofrimento psíquico e
prazer no na modalidade de RP.
A pesquisa colaborará na compreensão da natureza do mandato policial, de forma sustentada
com um propósito de auto-análise e autocrítica. Isso poderá possibilitar um espaço fomentador de
estudo e pesquisa direcionada à prevenção e promoção de saúde. A repercussão desse estudo
pretende ainda mostrar a valorização e a importância do trabalho policial na medida em que
apontará a complexidade do trabalho rotineiro dos PMs da RP, sobretudo, colaborar na visibilidade
das principais situações de trabalho que afetam a saúde mental dos PMs e contribuir na promoção
de saúde e melhoria de suas condições de trabalho.
1. 3 OBJETIVOS
1. 3.1 Objetivo geral:
Identificar as situações geradoras de sofrimento psíquico e prazer na modalidade de
radiopatrulha da polícia militar.
1. 3. 2 Objetivos específicos:
Analisar a atividade de RP da PM.
Apontar quais são as condições de trabalho que representam danos à integridade psíquica
desses profissionais.
Verificar o índice de morbidade dos PMs da Paraíba.
Descrever as estratégias que os PMs da RP empregam para promoção de saúde e segurança
no trabalho.
CAPÍTULO II – CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS & CONSTRUÇÃO DE EXPERIÊNCIA
O referencial teórico adotado na presente pesquisa articula diferentes enfoques com o
propósito de compreender o trabalho do PM da RP e sua influência na promoção de saúde, no
desenvolvimento humano e no desempenho de sua atividade. Dentro dessa perspectiva, as bases
teórico-metodológicas adotadas foram: a ergonomia da atividade e a psicodinâmica do trabalho.
Pois são áreas que estudam a dinâmica do trabalho e seus aspectos comunicacionais e de
variabilidade, bem como, enfatizam os processos das relações intersubjetivas frente às situações de
trabalho. Mas antes de nos debruçar sobre as discussões teóricas, é importante tecer algumas
considerações sobre a segurança pública7 no contexto da PM, bem como resgatar alguns aspectos
do sentido do trabalho e o que ele tem sido nas sociedades ocidentais contemporâneas.
2. 1 ESTADO, PODER E POLÍCIA
Nas sociedades primitivas era comum a situação de desordem causada pela utilização
arbitrária da força física em detrimento da ordem pública, instalando dessa forma um clima
generalista de insegurança. Somente no período moderno é que surge uma força organizada do meio
social com bases no Estado. A partir de então essa força se denominou polícia, cujo propósito é o
controle social e garantia da ordem, da segurança pública, bem como, livrar os cidadãos da vis
inquietativa que por ventura cause-lhe dificuldades à vida e ao trabalho. Porque o que constitui
ameaça para uma pessoa implica em perigo para a coletividade, e isso deve ser coibido
(CRETELLA JUNIOR, 2000).
Elias (1994), ao analisar os efeitos da formação do Estado sobre os costumes e a moral dos
indivíduos, diz que o controle social da agressividade, como em outras áreas emocionais, sofreu
processos históricos de refinamento e civilização por meio de inúmeras regras e proibições. O
padrão de agressividade – seu tom e intensidade – era evidente durante a Idade Média em
7 Mesmo que o foco da presente pesquisa não seja esse, é pertinente contextualizar o nosso objeto de estudo que se dá no âmbito da segurança pública. Para pensar esse aspecto é necessário remeter ao nascedouro da polícia, em particular a militar, e como a mesma se configura hoje.
comparação com os tempos modernos. Nesse período, a superioridade física exposta na crueldade e
no contentamento em destruir e atormentar outrem, foram postos sobre um controle social mais
dominante, cujo amparo se deu no âmbito da organização do Estado.
Souza, Minayo & Assis (2003) expressam que os conceitos são historicamente construídos e
para apreendê-lo é necessário considerar a cultura, as ideologias e os modos de dominação.
Norteado por essa concepção, é preciso elucidar as origens da instituição policial, mesmo que de
forma sumária.
Foucault (1998) diz que sempre existiu na Idade Média, e na Antiguidade greco-romana,
tratados cujos objetivos eram orientar – aconselhar – os príncipes quanto ao modo de se comportar,
do exercício de poder, de ser aceito e respeitado pelos súditos. Porém, a partir do século XVI e final
do século XVIII, desenvolvem-se a implantação de tratados com propostas diferentes até então.
Segundo o autor, os tratados passaram a ter uma nova idéia cuja aplicabilidade consistia em
articular ações táticas acerca da soberania (governo); da economia política (como técnica de
intervenção e ciência); e da população (como objeto da técnica do governo). O Estado moderno
lança mão desses dispositivos para poder governar da melhor forma possível, ou seja, a
governamentalidade do estado. É bom lembrar que é a partir da população que os dispositivos de
segurança e disciplina são criados. É por meio dessas operações táticas que o estado moderno se
estrutura para melhor exercer o controle sobre os indivíduos e a coletividade.
A partir da obra de Foucault em “Microfísica do poder”, Souza, Minayo & Assis (2003)
chama essa nova forma de governar de governabilidade, que seria a resultante de toda uma
racionalidade do estado como fruto de um processo histórico estruturado em um tipo de arte, uma
tecnologia aplicada por meio de certas regras de racionalidade para concentrar o capital da força e
dos instrumentos coercitivos (exército e polícia), o capital econômico e o capital simbólico. Este,
por sua vez, representa o reconhecimento da população que em contrapartida espera a defesa de seu
bem-estar e a sua própria proteção.
Essa estruturação é concebida pelo marxismo como o aparelho (repressivo8) do Estado,
sendo que a polícia corresponde em uma das instituições que compõe esse aparelho que é acrescido
pelo governo, à administração, o exército, os tribunais, às prisões, entre outros. Além dessa
realidade se manifestar junto ao Estado, mas que não pode ser confundida com ele, existe uma outra
realidade denominada de sistemas de aparelhos ideológicos do Estado, a saber: diferentes religiões,
escolas (públicas e privadas), família, jurídico, sindicato, meios de comunicação e a cultura
(ALTHUSSER, 1987).
Althusser considera que essas duas realidades (aparelho do Estado e aparelho ideológico do
Estado) se interatuam e diz que todos os aparelhos do Estado funcionam ora através da repressão
ora em forma de ideologia, diferentemente do aparelho do Estado, que funciona principalmente
através da repressão. O aparelho ideológico do Estado atua, sobretudo por meio da ideologia. As
instituições de caráter público e privado funcionam com o propósito de materializar a ideologia
através da adoção do discurso como prática social.
A polícia enquanto instrumento coercitivo, define-se como “poderes coercitivos, exercidos
pelo Estado, sobre as atividades dos administrados, através de medidas impostas a essas atividades,
a fim de assegurar a ordem pública”. O conceito de polícia será sempre constituído por alguns
elementos: um refere-se ao Estado, que é o sujeito; a tranqüilidade pública, que é o fim; e as
limitações aos atos prejudiciais, que representa o objetivo da ação estatal (CRETELLA JUNIOR,
2000, pág. 263).
8 “Repressivo indica que o aparelho do Estado em questão funciona através da violência – ao menos em situações limites, pois a repressão administrativa, por exemplo, pode revestir-se de formas não físicas” (ALTHUSSER, 1987, pág. 69).
Segundo o autor a atividade policial está imbricada com a segurança pública e se manifesta
através do poder de polícia, que tem como base a supremacia geral da administração pública em
relação aos administrados.
Consoante Bayley (2002), a palavra polícia irá sempre se referir às pessoas autorizadas para
regular as relações interpessoais dentro de um grupo através de instrumentos próprios e que ela se
caracteriza pelo componente de caráter público, especializado e profissional. Essas três
características são quase sinônimas de policiamento moderno.
Segundo o cientista social Monjardet (2003), a polícia se constitui em um aparelho formado
por três dimensões indissociáveis: institucional, organizacional e a profissional. Essa tripla
determinação não se funde, mas se confronta como lógicas diferentes e concorrentes que facultam o
funcionamento da polícia. O autor ao conceituar a dimensão institucional, adota a mesma presente
no Petit Larousse que a define por um conjunto de regras estabelecidas que visa a satisfação de
interesses coletivos, ou seja, um organismo que visa manter as regras. Os interesses coletivos que a
polícia tem por incumbência cumprir são de duas naturezas, a saber: instrumental (força física) e
substancial (valores e ideologias).
Segundo Bernoux (apud MONJARDET, 2003), a organização é a forma como o trabalho
está estruturado e toda a organização comporta dois lados. O primeiro é o formal: trata-se da divisão
sócio-técnica do trabalho conforme regras que determinam a maneira como a organização pode
operar. O segundo é o informal: diz respeito ao conjunto de comportamentos e normas observáveis
consoantes as quais a organização verdadeiramente funciona.
A dimensão profissional refere-se à mobilização de uma categoria especializada, no caso os
policiais, que como todo grupo profissional, caracteriza-se por interesses e cultura próprios,
diferenciando-se do não-profissional em que estabelece uma identificação interna, ou seja, cria-se
um principio de identidade (MONJARDET, 2003).
Após considerar o que se foi dito, faz-se mister tecer algumas considerações sobre como a
atividade policial se configura no Brasil, e mais precisamente como a PM se organiza.
2. 2 A PM: NORMAS DE RELAÇÕES E A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO
Conforme a Constituição Federal do Brasil no Art. 144, a atividade policial é pertinente às
polícias: Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civil, Militar e o Corpo de Bombeiros
Militar. Mas a presente investigação se deterá apenas na PM do estado da Paraíba, especificamente
do 1º Batalhão do município de João Pessoa. Ao se firmar o aparato teórico da presente
investigação e antes de apresentar a metodologia, é importante contextualizar a PM e apresentar
algumas de suas normas que regulam as relações e a organização de trabalho.
2. 2. 1 PM: destinação, missão e subordinação
Segundo o Decreto Lei 667/69, a PM está destinada à manutenção da ordem pública na área
do estado. Cabe a ela executar o policiamento ostensivo fardado com objetivo de garantir o
cumprimento da lei, sustentação da ordem e o exercício dos poderes constituídos. Essa tarefa é
planejada pelas autoridades responsáveis.
Conforme Oliveira & Silva (2000), a PM inclui funções de:
Policiamento ostensivo em todas as suas formas.
Ações de prevenções da ordem pública.
Ações de prevenções e combate a incêndios, busca e salvamento.
Atividade de defesa civil.
Atividades do gabinete militar, do governador, do vice-governador, assessoria militar
e de assistência à presidência do poder legislativo, judiciário e à prefeitura da capital
do estado, conforme artigo 48 da constituição do estado.
2. 2. 2 Organização básica da PM
A PM possui uma estrutura baseada na hierarquia e na disciplina. Esse tipo de estrutura
segue a mesma cultura organizacional e administrativa dos processos forjados no militarismo
(exército brasileiro).
Os princípios administrativos são:
• Administração linear (unidade de comando) – autoridade única do superior sob seus
subordinados com núcleo central das decisões.
• Escala hierárquica - a esse princípio, toda organização ou cargo, é ligado
exclusivamente para cima, ou seja, cada escalão inferior deve responsabilidade ao
escalão imediatamente superior.
• Centralização do comando – planejamento e controle da organização centralizados
na alta administração.
• Descentralização da execução – através da conformação piramidal, quanto menor o
nível hierárquico, menor a delimitação de responsabilidade.
• Estado Maior - visa assessorar o comandante militar (linha), onde os oficiais
trabalham de forma independente dos de linha, aqueles planejam e estes executam;
• Princípios de direção – consistem em todo soldado saber, o que fazer e por que fazer.
Seguindo esses princípios, observam-se três áreas na composição da PM: direção, apoio e
execução.
A hierarquia e a disciplina representam o binômio que alicerça a polícia. A formação dessa
estrutura dá-se através de uma escala ascendente que vai de baixo para cima, do menor ao maior
nível da graduação. Configurando-se da seguinte forma: soldado, cabo, sargento, subtenente,
aspirante, tenente, capitão, major, tenente coronel e coronel. A referente estrutura segue por força
de lei a mesma hierarquia do exército, pois a Constituição do Brasil prevê e prescreve que a PM
constitui em uma força auxiliar e reserva do exército brasileiro.
2. 2. 3 Policiamento motorizado (Radiopatrulha – RP)
Atualmente o efetivo da RP da 2ª CIA do 1º BPM é de 100 praças e cinco oficiais,
totalizando 105 policiais. Cada guarnição é formada por um:
• Comandante – policial militar comumente sargento ou cabo, que é responsável pela
guarnição e é quem coordena a atividade operacional;
• Motorista – policial militar responsável pela direção e manutenção da viatura. Ele fica atento
ao rádio ou pronto a atender a qualquer deslocamento da viatura. Cada carro (modelo
santana) tem número próprio, identificação da PM e a modalidade de policiamento,
giroflexe, sirene, rádio de comunicação.
• Patrulheiro – policial militar que tem a função de reforçar a guarnição durante as ocorrências
e fica sentado no banco detrás. Comumente ele faz as abordagens com o comandante da
guarnição. Sempre o patrulheiro é soldado, eventualmente pode ser um cabo.
Os policiais da RP têm uma escala de trabalho de 12h de serviço por 36h de folga. O setor
de sargenteação9 é que faz o planejamento dessa escala, bem como, os locais de patrulhamento.
Cada BPM é responsável por uma área territorial subdividida em Companhias (subáreas). Os
setores são termos aplicado às áreas territoriais de responsabilidade de uma viatura da RP.
A organização dos bairros (ou comunidades) é dividida por setor e em cada um tem a uma
viatura à disposição com o propósito de prevenir e/ou reprimir qualquer ato que represente violação
dos direitos ou segurança da sociedade. Conforme descrição do Quadro I, os serviços em cada
localidade funcionam em sistema de rodízio e os setores se distribuem da seguinte forma:
Quadro I – Divisão dos bairros por setores de patrulhamento
9 É a área de recursos humanos. Trata-se do setor onde as escalas de serviços são planejadas, e também é responsável pelo controle do efetivo de policiais.
Fonte: Sargenteação da 2ª CIA do BPM, 2007.
Além desses oito setores, tem mais duas viaturas: uma serve como apoio na área comercial
do grande centro de João Pessoa, e a outra corresponde ao do oficial da CPU (coordenação do
policiamento da unidade).
A RP utiliza os seguintes equipamentos no trabalho:
• Para os comandantes: uma escopeta (calibre 12) com cinco munições, ou uma magal.
Pistola pt40 com vinte munições e célula do colete.
• Patrulheiro: revólver com dez munições e a célula do colete e a tonfa (bastão japonês
com formato tipo L).
• Motorista: revólver com dez munições e a célula do colete.
SETOR BAIRROS E COMUNIDADES
01 Alto do Mateus, Bairro dos Novais, Juracy Palhano, Bola na Rede e Conjunto dos Motoristas.
02 Jardim Planalto, Funcionários I, Oitizeiro e Crus das Armas.
03 Bairro de Jaguaribe e Torre.
04 Bairro dos Estados, Pedro Gondim e Expedicionário.
05 Mandacaru e Bairros dos Ipês.
06 Jardim Mangueira, Posto de João Tota, Alto do Céu e Beira Molhada.
07 13 de Maio, Padre Zé, Tambiá, Roger, Baixo Roger e Centro.
08 Varadouro, Ilha do Bispo, Comunidade Saturnino de Brito, Porto do Capim, Renascer I, Cordão Encarnado e Comunidade Santa Emília de Rodat.
Mesmo que o foco desta pesquisa não seja a segurança pública, é pertinente contextualizar o
objeto de estudo da presente investigação que se dá no âmbito da PM – mais especificamente. Até
porque ela funciona enquanto espaço de trabalho onde a subjetividade do PM está relacionada. Por
isso, fez-se necessário essa contextualização. Se neste estudo o trabalho é concebido como um dos
elementos centrais na vida das pessoas, faz-se mister compreender como se instaurou esse processo.
É o que será abordado a seguir.
2. 3 O TRABALHO: SENTIDO E CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA
A forma como o ser humano se relaciona com o seu trabalho passou por transformações
dentro do processo sócio-histórico que culminou na automação. Esse processo evidencia que: se as
inovações permitem a grande produção de bens, por outro lado, também apontam questões que
tangem ao sentido do trabalho humano (RIGOTO, 1994).
Dejours (2004) considera o trabalho como um elemento constitutivo da condição humana
por contribuir na formação da identidade, na realização de si mesmo e na saúde mental. Desta
forma, atribui ao trabalho à centralidade mediadora de ordem individual e coletiva, da subjetividade
e do campo social.
Marx, através de sua obra “O Capital”, já considerava que o trabalho constitui uma relação
do homem com seu entorno natural, e que ele forja um conjunto de habilidades/capacidades para
transformar a matéria prima em produto.
Braverman (1987) considera o trabalho como uma atividade que transforma o estado natural
da matéria para melhor satisfazer a necessidade do ser humano. Esse ato de agir para transformar se
dá de forma consciente, proposital e projetual, o que o diferencia dos animais, cuja ação é instintiva.
O termo trabalho – sentido e significado - tal como é percebido hoje, e suas implicações na
vida do ser humano, é alvo de várias pesquisas. A história se apresenta recheada de inúmeros
significados sobre essa temática em diferentes civilizações e culturas. Segundo Tersac & Maggi
(2004), a denominação trabalho se torna complexa porque cada estrutura social, seja ela pertencente
à sociedade tradicional ou industrial, desenvolve práticas que lhe dão significações, e cria com isso
uma diversidade de práticas no trabalho.
Na antiga Grécia, a idéia predominante era o status gerado pela capacidade de aquisição de
um produto em detrimento da valorização de quem produz. Enaltecia dessa forma a ociosidade,
porque uma das características marcante do homem livre era desfrutar do que não produziu por
meio de suas próprias mãos. Era difícil para os gregos conceber um termo único que englobasse
uma gama de atividades (ALBORNOZ, 2000). O trabalho físico/braçal, nessa época e região,
restringia-se aos escravos e pessoas (livres) de situação sócio-econômica menos abastada. A
capacidade de pensar era valorizada, mas constituía privilégio restrito apenas aos homens livres
voltados à política e não à produção de algo material.
Consoante Silva Filho et al (1993), o início do Cristianismo propiciou novas formas de
concepção do mundo, dentre elas, o trabalho. É nesse momento em que o trabalho, regulado por um
tempo e pensado como uma realidade abstrata, começa a se formar. Com isso, o trabalhador surge
como aquele que despende energia de modo controlado e disciplinado.
Com a ascensão do Cristianismo em meados do século III, o trabalho passa a ter uma
concepção diferenciada. O enfoque espiritual começa a permear-lhe as concepções, principalmente
pela lógica do pecado, com isso o trabalho passa a ser visto como algo penoso e o meio pelo qual se
poderia atingir a purificação dos pecados e o alcance da salvação (ALBORNOZ, 2000).
Essa relação entre trabalhador e trabalho, mediatizada por uma lógica moral-espiritual,
também se propunha a estabelecer um novo modo de utilização do trabalho onde o corpo - elemento
mortal e passageiro – não fosse mais considerado, mas sim, o espírito, capaz de proporcionar ao
homem a certeza de sua felicidade. Para isso, fazia-se imperativo fustigar o corpo até a exaustão,
eliminando nele qualquer sinal do desejo e de sua força. A idéia do espírito se sobrepor ao corpo
contextualiza o sentido de que “o trabalho enobrece o homem” ou o “trabalho tudo vence” (SILVA
FILHO, 1993).
Consoante Tersac & Maggi (2004), o trabalho estava relacionado ao sofrimento e à fadiga,
idéia resultante do latim tripaliare que significa afligir e torturar com o tripalium, instrumento de
tortura e de auto-flagelo. Essa concepção de sofrimento se estende ao século X direcionando-se aos
condenados ou às mulheres em processo de parto. Em seguida o trabalho começa ser associado à
idéia do esforço empreendido para obter resultados. No século XIII, o trabalho é encarado como um
ofício que não se limitava apenas à atividade produtiva, mas também a funções e papéis distribuídos
na sociedade.
No século XVI começa a ter uma mudança na forma de interpretação dos princípios
Cristãos. O fator predominante para essa reformulação foi a Reforma Protestante, pois com o seu
advento o trabalho passa a ser visto como uma virtude e também como glorificação, em que se
valorizava o fazer em detrimento do saber (WEBER, 1997).
A visão religiosa do trabalho passou a ser bem explorada pelo capitalismo, conforme o
autor, o trabalho visto como instrumento de purificação e meio de salvação, fez com que as idéias
do capitalismo fossem fomentadas.
Nessa nova representação do que venha a ser trabalho, o lucro e a acumulação de riqueza
deixaram de ser concebidos como pecados, ou seja, como uma condição. Entretanto, não se podia
usufruir deste lucro para fins de relaxamento e luxúria. Desta forma, o paradigma capitalista se
beneficiava duplamente: primeiro, por terem trabalhadores sóbrios e aplicados no desempenhar de
suas tarefas com a consciência tranqüila em agradar a Deus; segundo, a burguesia encontrava um
fim providencial à má distribuição das riquezas neste mundo (ALBORNOZ, 2000).
Conforme Tersac & Maggi (2004), com o advento do século XVII e século XVIII o
trabalho passa a significar atividade produtiva, relacionado à sobrevivência, sobretudo, o fator
econômico. Nesse período, também chamado era industrial, surge uma nova forma de organização
social, denominada sistema de fábricas. Segundo Athayde (1986), esse novo sistema começou a
conquistar terreno desde o período feudal marcado por uma produção excedente da agricultura
geradora de matérias-primas básicas para intensificar o comércio através da produção artesanal.
A evolução do capitalismo, que serviu de sustentação ao ideário taylorista-fordista, permitiu
implantar e implementar o modelo de organização cientifica do trabalho em estabelecer uma
separação entre concepção e execução de uma tarefa cada vez mais fragmentada. Esse modelo, se
de um lado propicia a maximização do lucro, diminuição de perdas, por outro aspecto, termina por
comprometer a saúde mental do trabalhador, a produtividade e o lucro.
Segundo Gomes (2005), o paradigma taylorista-fordista sofreu transformações na forma de
conceber a organização do trabalho. Porque, com o advento de novas tecnologias, insatisfação dos
trabalhadores, falta de liberdade, crise do capitalismo, entre outros, fizeram com que novos modelos
fossem implantados, a saber: enriquecimento de cargo e grupos semi-autônomos.
Estas transformações conceberam novas políticas de gestão da força de trabalho, ao criar
uma série de técnicas/ferramentas/ideologias para gerir conflitos, todavia, ainda permanece a idéia
reforçada da falta de controle do trabalhador sobre o seu savoir-faire. È oportuno salientar que o
modelo taylorista-fordista não se circunscreveu ao espaço fabril, ele também passou a teleguiar as
próprias relações e regras sócias.
Conforme Simoni (2006), a concepção colocada pela organização clássica do trabalho ao
ditar a funcionalidade do humano em uma estrutura fabril, instaura todo um processo de
“desapropriação” do ser humano, causando com isto um obstáculo ao trabalho, restringindo-o,
apenas, à atividade econômica simplesmente utilitária. E o trabalho é mais que isto, ele se constitui
de aspectos lúdicos, simbólicos e transcendentais que se relacionam intimamente com a vida das
pessoas.
Segundo o autor, quando a engenharia e o engenheiro de produção planejam os sistemas de
produção sem considerar os componentes de humanidade no trabalho, tal concepção implica em
separar o trabalho da existência humana. Portanto, termina por gerar um vazio ético que sufoca
qualquer manifestação de solidariedade e fraternidade, tornando-se tão somente em um espaço à
ação egoística, ou seja, “uma vida individual, empobrecedora, cerceada e avessa à vida humana
associada” (SIMONI, 2006, pág, 48).
Para pensar a dinâmica do mundo do trabalho, suas relações com o ser humano, o coletivo, a
variabilidade e as normas, surgiram algumas abordagens teóricas, dentre elas, a ergonomia e a
psicodinâmica do trabalho. Abordagens essas que serão tratadas a seguir.
2. 4 ERGONOMIA DA ATIVIDADE
Segundo Daniellou et al (2004), o homem e a mulher, no exercício do trabalho, tecem “fios”
que seriam os processos técnicos, propriedade da matéria, ferramentas (ou clientes) e políticas
econômicas, que se interligam e se constroem no campo das regras formais ao controle de outrem.
Para o autor, o entrelaçamento desses “fios” se determina pelo próprio corpo que aprende e
envelhece, bem como, por meio do conjunto de experiências de trabalho e de vida – construídas e
enriquecidas – em vários grupos sociais propiciadores de saberes, valores, regras com as quais são
incrementadas diariamente, tornando-se mananciais de sentido e preocupações, desejos, sofrimentos
e significados. Pensar esses componentes na relação com o trabalho, também constitui objeto da
ergonomia.
Segundo Wisner (2004), o termo ergonomia foi usado oficialmente na Grã-bretanha em
1947 pelo engenheiro Murrel, com o auxílio do fisiologista Floy e do psicólogo Welford. O
propósito era demarcar a área de trabalho que esses pesquisadores realizavam no período da
Segunda Grande Guerra. Primeiramente, esses serviços atendiam aos interesses bélicos britânicos,
mas também havia outro objetivo que era o de iniciar um movimento que permitisse empregar o
conhecimento experienciado nas áreas da indústria e /ou na atividade civil10.
A utilização do termo ergonomia começa a ter início na Europa Continental, particularmente
na França, a partir da década de 1950, até então se tratava de uma nomenclatura desconhecida.
Devido à carência do termo, o primeiro laboratório na indústria francesa a ser criado em 1954, teve
o nome de estudos fisiológicos devido a forte influência dos médicos e fisiologistas do trabalho.
Somente nos anos de 1960 é que ocorreu a institucionalização da ergonomia (WISNER, 1987;
2004).
Conforme Iida (2003), o polonês Woitej Yastembowsky, ao estudar as leis objetivas da
ciência sobre a natureza, foi quem primeiro empregou o termo ergonomia. Isso ocorreu com a
publicação de um artigo sobre o caráter cientifico da ergonomia.
10 Conforme o autor, um fenômeno semelhante também ocorreu durante a Primeira Grande Guerra em que cientistas de áreas diferentes, e formas de pensar aparentemente incompatível, tentaram trabalhara juntos. Todavia essa junção de áreas diversas e conhecimentos distintos não vigoraram após o término da guerra.
Segundo Fialho & Santos (1995), a raiz etimológica da “ergonomia” reside em dois
vocábulos gregos: ergo – trabalho e normus – regras, normas e leis. Regras do trabalho.
Iida (2003) define ergonomia como o estudo da adaptação do trabalho ao homem. Esse tipo
de definição concebe a realidade de forma estática e não dinâmica, porque adaptação constitui em
um estágio anterior a transformação – esta tem um caráter dinâmico. Todavia, a definição concebida
dentro da adaptação, já denota uma mudança de foco em que prioriza o homem e a mulher na
relação com o trabalho.
A ergonomia permite estudar as condições concretas de trabalho obedecendo aos seguintes
elementos: horários, escalas, máquinas, equipamentos, instrumentos e matérias primas, trabalho
prescrito e real, modos operatórios, habilidades exigidas, organização do trabalho, formas de
interação com o coletivo de trabalho, cargas de trabalho e distribuição do trabalho (NASSIF, 2005).
Segundo Daniellou, Laville e Teiger (1989), a abordagem ergonômica principia uma das
discussões sobre um dos temas mais caro ao taylorismo, a tarefa. O paradigma taylorista concebe
que as capacidades cognitivas e psíquicas são funções que não precisam ser levadas em conta para
se executar a tarefa. Tal concepção não corresponde à realidade, porque na prática, elas são
essenciais na sustentação e regularidade da produção.
A ergonomia enquanto área cientifica que também estuda o trabalho, suas regras, normas e
leis, percebeu que havia um gap entre o que era determinado pela alta gerência e o trabalho
realizado por parte dos operadores. Portanto a ergonomia, através de seus estudos, evidencia os dois
espaços hifenizados pelo homem: a tarefa e a atividade.
Ao mostrar a diferença entre trabalho prescrito e o trabalho real, bem como as
conseqüências negativas da sua não consideração pelas organizações, a ergonomia lança luz sobre
uma área até então desconsiderada ou desconhecida. Isso permite abordar tanto as variabilidades
que o trabalhador estar sujeito, quanto o coletivo de trabalho que eles constroem para dar
cumprimento à atividade.
Cru (1987), a partir de pesquisas no ramo da construção civil feitas na França, atenta para a
presença de uma estratégia até então não considerada no ambiente de trabalho: o coletivo de
trabalho. Considerando-o como um conjunto de trabalhadores que juntos se submetem a mesma
organização de trabalho, tendo em vista a execução da mesma obra, por meio de regras que lhes são
comuns, denominadas de regras de ofício.
Conforme o autor, as regras de ofício são construídas a partir de um consenso ou por meio
de acordos estabelecidos, cuja caracterização se dá por meio de uma linguagem respeitante a certo
tipo de ofício ou profissão com vista à prevenção da saúde e a segurança dos operadores.
Quando se fala de coletivo de trabalho, não se pode ter em mente apenas um conjunto de
trabalhadores que realizam de forma integrada à tarefa em um mesmo local. Pois, Athayde (1996)
diz que o coletivo tem uma forma mais ampla, como: redes de relações e sociais. O coletivo de rede
perpassa qualquer atividade de trabalho que pode ser produzida antes, durante e depois do trabalho.
Conforme Athayde (1996), as regras no coletivo são defendidas como uma oposição a
qualquer trabalhador, ou fração do coletivo, que imponha sua própria lei, mesmo sendo o superior.
Elas têm um caráter de proteção às ameaças externas e funcionam como um dos componentes
estruturante com fim organizador e construtor do coletivo.
Segundo o autor, é na aproximação do trabalho real que há a possibilidade de se entrar em
uma senda marcada pela variabilidade das condições de trabalho e pelo empenho na diminuição
dessa variabilidade por parte dos trabalhadores, que por meio de um coletivo, mostra que são ativos
na relação homem-trabalho e que também operam à margem da organização prescrita.
2. 5 PSICODINÂMICA DO TRABALHO
A Psicodinâmica do Trabalho possibilita compreender a relação entre trabalho e
subjetividade, bem como o estudo sobre o nexo relacional do binômio saúde-trabalho, e permite
compreender as dimensões de prazer, medo e sofrimento dos trabalhadores a partir da confrontação
do sujeito com a realidade de trabalho e os aspectos psicodinâmicos das relações intersubjetivas
(DEJOURS & ABDOUCHELI, 1990).
Esses estudos propiciaram uma maior compreensão sobre os conceitos de sofrimento e
prazer no trabalho, a dimensão do coletivo e os sistemas de defesas individuais e/ou coletivos ora
apresentado como aspectos de ideologia defensiva, outrora, configurando-se como estratégias de
defesas.
Os estudos desenvolvidos sobre o tema foram marcados por dois momentos decisivos. O
primeiro: psicopatologia do trabalho, que enfatizava a procura das afecções mentais geradas pelo
exercício da atividade em detrimentos dos trabalhadores devido às exposições de riscos físico,
químico e biológico. As pesquisas desenvolvidas sobre saúde mental, focalizavam sempre as facetas
das patologias estudadas pelo viés da fadiga e do estresse.
Segundo Athayde (1996), essa percepção se altera e faz com que a dimensão psicológica do
trabalho e suas repercussões sobre a saúde mental dos trabalhadores também fossem consideradas.
Essa mudança de perspectiva ocorrida na França, dos anos idos de 1970, somente ocorreu devido às
preocupações político-sociais.
A procura por doenças mentais específicas a certas profissões não logrou êxito. Entretanto, a
ausência dessas patologias não eximia aos trabalhadores desenvolverem comportamentos estranhos
e incoerentes. Esses comportamentos traziam um conjunto de signos com valor descritivo
generalizável a um grupo de categoria profissional caracterizada por trabalho repetitivo submetido à
pressão do tempo (DEJOURS & ABDOUCHELI, 1990).
A partir desse momento um outro modelo teórico passou a ser delineado com o propósito de
estudar o sofrimento no trabalho e as defesas contra as doenças com foco nas vivências dos
trabalhadores. Inicia-se assim uma nova trajetória denominada psicodinâmica do trabalho que vai
reconsiderar principalmente a noção de organização do trabalho, que mesmo sendo técnica,
supostamente homogênea, é modificada pela integração humana que altera e lhe dá o formato
concreto (DEJOURS, 2004).
Conforme esse autor, a organização do trabalho deixa de ser concebida como um bloco
monolítico, e se distancia consideravelmente do modelo psicopatológico causalista. Por meio de
suas pesquisas Dejours percebeu que o homem era ativo perante as pressões organizacionais e era
capaz de se preservar. Sofre, mas encontra sempre espaço para desenvolver estratégias individuais
e/ou coletivas. A partir dessa relação homem-trabalho, Dejuors passa a focalizar seus estudos na
“normalidade”. Tema perseguido e encarado por ele como enigma central de investigação e análise.
Para Dejours & Abdoucheli (1990), os trabalhadores forjam defesas individuais e coletivas
para lutar contra o sofrimento psíquico que emerge da situação de trabalho perigosa e o conteúdo
insatisfatório das tarefas. Isso faz alterar a percepção da realidade que o faz sofrer. Como essa
operação se limita ao campo do mental, ela não muda as condições danosas do trabalho. No entanto,
as estratégias fazem com que tais situações sejam suportáveis.
Dejuors & Abdoucheli (1990, pág.128) também acentua que:
“O sofrimento, o prazer, o sujeito, a identidade, são conceitos cujo uso rigoroso não tem validade fora da ordem singular. Não conhecemos sofrimento nem prazer de um grupo, de um coletivo, de uma organização ou uma sociedade. Prazer e sofrimento são vivencias subjetivas, que implicam um ser de carne e um corpo onde ele se exprime e se experimenta, da mesma forma que a angústia, o desejo o amor, etc. Esses termos remetem ao sujeito singular, portador de uma história e, portanto, são vividos por qualquer um, de forma que essa história não pode ser, em nenhum caso, a mesma para um sujeito e para outro. Parece, portanto, que vários sujeitos, experimentando cada um por si um sofrimento único, seriam, contudo capazes de unir seus esforços para construir uma estratégia defensiva comum”.
As estratégias defensivas mascaram a realidade ansiogênica e quando o trabalhador nega
peremptoriamente a situação danosa no trabalho, ele vivencia o mecanismo da ideologia defensiva,
que consiste justamente nisto. O que constitui um risco grave que impossibilita a transformação das
condições nocivas no trabalho (DEJOURS, 1987).
Em meio a essa dinâmica, a vivência do sofrimento emerge e é passível de ser desvendada.
A psicodinâmica do trabalho tem como desafio favorecer ações propícias que intervenham
favoravelmente no sofrimento para transformá-lo em criatividade.
Consoante Dejours (2004), a psicodinâmica do trabalho abre perspectivas mais amplas que
vai além das doenças mentais e alcança as dimensões de sofrimento e prazer no trabalho; estuda não
somente o homem, mas também o trabalho; não somente a organização do trabalho, mas as
situações dinâmicas e internas do trabalho.
CAPITULO III – CARACTERIZAÇÃO METODOLÓGICA
Na procura de uma coerência metodológica fincada na ergonomia da atividade e na
psicodinâmica do trabalho, este estudo se pautou numa abordagem qualitativa, pois os instrumentos
aqui utilizados se propuseram dar conta de um universo constituído de significados, motivos,
desejos e sentidos das ações dos PMs da RP.
3. 1 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Ao lançar um olhar sobre a evolução do homem e da mulher, observa-se por meio das
ciências humanas e sociais, que desde os primórdios o ser humano sempre procurou interpretar a
realidade. Para explicar os mais diversos fenômenos que transitam do berço ao túmulo, vários
recursos foram empregados, a saber: os mitos, as religiões, a filosofia, a poesia e a arte. Até hoje
esses instrumentos são empregados na busca da verdade, e a ciência corresponde apenas em uma
ferramenta, não única e definitiva, com objetivo de desvendar o que se encontra por sob o véu
(MINAYO, 1999).
Segundo a autora, a sociedade ocidental privilegiou a ciência como a única capaz de
promover e determinar a verdade. Basicamente isso ocorreu por dois motivos, primeiro devido à
capacidade em responder às questões técnicas e tecnológicas – oriundas do desenvolvimento
industrial. Segundo, consiste em o fato dos cientistas desenvolverem uma linguagem própria e
controladora embasada em conceitos, métodos e técnicas para compreender os fenômenos que
povoam o mundo.
Conforme Minayo (1999), o campo cientifico, mesmo na procura da normatividade, é
constituído por contradições e conflitos, dentre eles: o alcance cientifico das pesquisas que versam
sobre as relações humanas e sociais, as formas de conhecer o real e a relação pesquisador-objeto de
estudo.
Segundo a autora, a área humana é constituída por uma especificidade; o fato da inclusão do
pesquisador, enquanto agente de uma realidade estudada, faz escapar qualquer neutralidade e
objetivação. Estas são características marcantes das ciências naturais. O que não é de bom senso
transpor tal modelo de fazer pesquisa às áreas do conhecimento que investigam as relações
humanas, porque se corre o risco de descaracterizar a especificidade dos fenômenos relacionais
marcados pela subjetividade.
3. 2 TIPO E NATUREZA DA PESQUISA
Estudos mostram que a forma de fazer ciência se diferencia a partir do momento quando se
determinam o objeto de pesquisa e a relação entre sujeito-objeto do que se pretende investigar,
sobretudo, as correntes teóricas que norteiam a escolha do objeto. Porque são essas delimitações
que irão determinar a natureza e o tipo de pesquisa.
Por isso, a presente investigação tem um caráter qualitativo com característica exploratório-
descritiva - que através de um estudo de caso - analisa a inter-relação trabalho e saúde mental, com
ênfase no sofrimento psíquico e prazer na atividade de RP da 2ª CIA do 1° BPM em João Pessoa –
Paraíba.
Segundo Gil (1995), a pesquisa exploratória objetiva alcançar uma visão ampla sobre um
determinado fato que ainda não foi muito explorado. Ao que tange a pesquisa descritiva, existe um
enfoque maior nas características sobre uma dada população ou fenômeno ou o estabelecimento de
relações entre variáveis. Nesse contexto, a referente pesquisa proporcionou uma maior
familiaridade com o tema e a identificação das principais características do objeto de estudo.
Moraes & Mont’ Alvão (2000, pág. 38), afirma: na pesquisa descritiva o pesquisador
procura conhecer e interpretar a realidade, sem intervir para modificá-la; interessa-se em
descobrir e observar fenômenos e procura descrevê-los, classificá-los e interpretá-los.
O estudo de caso pode ser considerado um dos tipos de pesquisa mais relevante na
abordagem qualitativa que se define como uma categoria de cujo objeto é uma unidade que se
analisa aprofundadamente (TRIVIÑOS, 1987, pág. 133).
O autor evidencia que tal conceito é marcado por duas circunstâncias a considerar: uma se
trata da natureza e abrangência da unidade, podendo ser o sujeito; a outra se refere ao suporte
teórico que orienta os estudos do pesquisador.
Dentro dessa perspectiva, Chizzotti (2005) expressa que o caso representa uma unidade
significativa do todo capaz de tanto balizar um julgamento fidedigno quanto propor intervenção
segura. Por meio do estudo de caso se é possível retratar uma realidade de uma dada situação em
seus múltiplos aspectos globais.
Por outro lado, no campo da saúde mental e trabalho Dejours, Dessors & Desriaux (1993)
salientam que a abordagem qualitativa é mais adequada na análise de elementos constitutivos da
vivência humana. Pois o sofrimento, prazer e outros elementos que compõem a psique, são
vivências eminentemente subjetivas, cuja complexidade não se alcança por meio de análise
puramente estatística.
Minayo comunga dessa mesma discussão ao salientar:
“A pesquisa qualitativa responde questões muito particulares. Ela se preocupa
com um nível de realidade que não poder ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (...) A diferença entre o qualitativo–quantitativo é de natureza. Os que trabalham com estatística apreendem dos fenômenos apenas a região “visível, ecológica, morfológica e concreta”, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas” (MINAYO, 1994, pág. 21-22).
A fala da autora é pertinente porque sai da discussão maniqueísta e indica um horizonte de
aplicabilidade determinada pela natureza da pesquisa. Tornando-a mais proveitosa porque até
permite que ambas as abordagens (qualitativa e quantitativa) se locupletem no estudo conforme a
necessidade da pesquisa. Por isso, aplicou-se na presente investigação a estatística descritiva com os
dados epidemiológicos colhidos na Junta Médica da PM11. Entretanto, Seligmann-Silva (1987) fala
da necessidade do estudo de caso para analisar, junto aos trabalhadores, as complexas interações de
saúde mental e os aspectos da organização do trabalho.
3. 3 O MÉTODO NAS ABORDAGENS
Segundo Tersac & Maggi (2004), o trabalho é um objeto que não pode ser pensado por uma
única disciplina. Por isso, reuniu-se na referente pesquisa um diálogo efetivo entre a ergonomia da
atividade e a psicodinâmica do trabalho para investigar a dimensão psíquica e prazer na atividade de
RP.
Dentre as proposições que fundamentam a ergonomia, algumas delas contribuíram para seu
desenvolvimento e se configuraram como proposições concebidas não somente como princípios
aglutinadores e normatizadores, mas também como proposições discutíveis, a saber: a noção de
variabilidade dos contextos de trabalho e dos indivíduos; a diferenciação entre tarefa e atividade;
11 Número de licenças médicas para tratamento de saúde e os motivos das reformas homologadas entre 2003 e 2005.
atividade de regulação: representação mental e competência (TERSAC & MAGGI, 2004). Alguns
desses temas contemplam o eixo do referente estudo.
Segundo Dejours (1987), a psicodinâmica do trabalho contribui no acesso e na interpretação
da subjetividade emergente da situação de trabalho expressada por meio da fala, isto é, a palavra
que toca, engajada, subjetiva do grupo de trabalhadores. Pois é no comentário, na verbalização, que
a subjetividade se mostra e permite acessar questões sobre o porquê e o como da relação vivência-
trabalho. Além do mais, esse comentário é marcado por uma ênfase interpessoal. Possui uma
finalidade explicativa, tem o objetivo – o de convencer, o de informar o outro sobre a maneira pela
qual o coletivo se estrutura na sua relação com o trabalho (DEJOURS, 1987, pág. 149).
3. 4 PERFIL DOS PARTICIPANTES
O fator principal que determinou a composição dos colaboradores da pesquisa foi a de que
os policiais desempenhassem suas funções na modalidade de radiopatrulha e que sua participação
fosse voluntária.
A formação de cada grupo era de PMs de patentes distintas – soldados, cabos e/ou sargentos
– pertencente ao efetivo da 2ª Companhia responsável pelo policiamento ostensivo em João Pessoa.
Foram realizadas três sessões entre os meses de novembro e dezembro de 2006 e mais uma em
fevereiro de 200712.
Além dos critérios anteriormente citados, o tempo de serviço e outras variáveis conjugadas,
possibilitaram em cada sessão que as discussões fossem bem proveitosa. O número de componentes
foi propício porque permitiu aos integrantes discorrerem e travarem comentários sobre as questões 12 A formação do último grupo foi com dois policiais que já haviam colaborado com uma entrevista, e mais um que não teve nenhuma participação. Para que o mesmo pudesse participar, foi explicado o propósito da pesquisa e se ele estava disposto a colaborar. O mesmo, voluntariosamente, concordou.
formuladas.
No quadro abaixo consta uma caracterização dos participantes da pesquisa em que se pode
perceber que:
Quadro II – Caracterização dos Participantes da Pesquisa
PMs E. C Idade nºde filho Escolaridade Moradia Religião Patente
Anos de serviços
Atividadeextra
PM1 C 44 1 a 2 N.M. Própria Católica Cabo + de 16 Ñ. tem PM2 C 30 3 a 5 N.M. Própria Católica Soldado até 5 Seg. PM3 C 30 1 a 2 N.M. Própria Católica Sargento até 5 Seg. PM4 S 38 1 a 2 S. Inc. Própria Católica Cabo + de 16 Seg.
PM5 D 36 3 a 5 N.M. Alugada Ñ tem Soldado de 11 a
15 Ñ.E. PM6 S 25 ñ tem N.M. Própria Outras Soldado até 5 Seg. PM7 C 27 3 a 5 N.M. Própria Católica Soldado de 6 a 10 CÇ
PM8 D 38 + de 6 N.M. Herdeiro Católica Sargento + de 16 Ñ.E
PM9 S 21 ñ tem N.M Própria Evangélica Soldado até 5 Ñ. tem PM10 D 28 1 a 2 N.M Própria Católica Soldado até 5 G.T.M
Fonte: Da Pesquisa, 2006
Legenda: E. C = Estado Civil; C = Casado; S = Solteiro; D = Desquitado; NM = Nível médio; S.Inc. = Superior Incompleto; Ñ. E. = não especifica;seg. = segurança; CÇ. = cobrança; G.T.M = guarda municipal de trânsito.
3. 5 TÉCNICAS DE PESQUISA
Segundo Moraes e Mont’Alvão (2000), a ergonomia, ao realizar pesquisa e intervenção,
emprega os procedimentos técnicos tanto das ciências sociais quanto da engenharia de métodos e da
área da saúde sustentados em procedimento de pesquisas que englobam diferentes abordagens
lógicas para um projeto de investigação.
A coleta de dados da presente investigação se sustentou nas fontes primárias e secundárias.
Os dados primários são os que emergiram do processo da pesquisa. Os secundários representam os
que estão disponibilizados em documentos, periódicos e relatórios. Outrossim, lançou-se mão dos
registros em jornais locais e nacionais.
Ao se considerar uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva, pode-se aludir à entrevista
coletiva, instrução ao sósia e a observação livre como um conjunto de técnicas subjetivas que se
incorporam efetivamente nesse processo.
O investigador lançou mão da entrevista semi-estruturada e seguiu um roteiro previamente
estabelecido, abrangendo os seguintes tópicos: dados profissionais, dados da saúde, estrutura
temporal do trabalho, aspectos da hierarquia, padrão de comunicação, divisão e conteúdo das tarefas
e política de pessoal (conforme apêndice A).
Segundo Minayo (1994), a entrevista proporciona ao pesquisador ter acesso às informações
contidas na fala dos atores sociais que vivenciam a realidade do objeto de estudo. Essa técnica se
caracteriza por uma comunicação verbal que evidencia a importância da linguagem e do significado
da fala capturada das situações de trabalho, da vida social e cotidiana, além de fornecer informações
sobre um tema cientifico.
O trabalho de campo se desenvolveu em cinco sessões. A inicial funcionou mais como o
primeiro contato com a tropa de 24 PMs para apresentar a pesquisa e solicitar a colaboração
voluntariosa deles. Esse primeiro colóquio foi oportuno porque deu a perceber a resistência de uns e
a receptividade de outros quanto à necessidade de realizar o trabalho.
As entrevistas foram realizadas no auditório do 1º BPM e cada grupo era composto de três
PMs da RP. As sessões duravam aproximadamente uma hora e iniciava com a seguinte questão:
algumas lideranças militares têm se preocupado com o alcoolismo, a depressão e o suicídio na PM.
O que vocês pensam sobre isso? E o que favorece a instalação desse quadro preocupante?
A questão inicial servia de mote para que as discussões ocorressem, e o pesquisador se
situava como interlocutor no grupo. É importante acentuar que os depoimentos dos PMs da RP,
cujas falas serviram de análise e discussão, estão reproduzidos ipises verbis no capítulo IV.
Sobre a instrução ao sósia, pode-se dizer que se trata de uma técnica que permite ao
trabalhador verbalizar tudo o que se relacione com o seu trabalho (as tarefas, os colegas de trabalho,
à hierarquia e a organização sindical ou outras organizações de trabalho). Dar instrução ao sósia
significa, não somente levantar o comportamento real e total do trabalhador, mas, principalmente, a
imagem, a duplicata que ele próprio faz do seu comportamento (ODDONE & BRIANTE, 1981).
Conforme os autores, a instrução ao sósia permite aos trabalhadores reestruturar e ordenar
seus comportamentos de forma geral e particular. O que faz com que a experiência seja
desenvolvida e compartilhada, sobretudo, nas resoluções de problema no trabalho. Dessa forma,
permite com que a experiência informal possa ser socializada.
A aplicação da referente técnica permitiu aos PMs da RP a oportunidade de pensarem e
discutirem juntos sobre suas atividades no coletivo. O procedimento inicial foi nos seguintes
termos: se houvesse pessoas idênticas a vocês, quais instruções seriam dadas para que elas se
comportassem no trabalho de forma que ninguém percebesse que se tratava de outras pessoas?
Como deveriam agir?
É evidente que tal situação é hipotética. Mas ela oportuniza a evocação reflexiva do agir no
trabalho, ou seja, a atividade deixa de ser um ato “autômato” para se transformar em um objeto de
reflexão discutida no coletivo. Por meio desse estímulo inicial, o trabalhador procura fazer uma
descrição concreta e sofisticada dos elementos que compõem a rotina da atividade.
Ao que se refere à técnica de observação, o propósito consiste em coletar elementos sobre
um fenômeno que se quer estudar no todo ou em algumas partes da pesquisa. Segundo Guérin et al
(2004), a observação pode ser livre ou sistemática e permite ao pesquisador estar no local e coletar
informações no momento em que a atividade se realiza. Enquanto que outras abordagens
privilegiam apenas algumas técnicas aplicadas fora da realização efetiva do trabalho.
Para a presente investigação, utilizou-se no primeiro momento a observação livre no
transcorrer das visitas iniciais, cujo propósito consistia em uma “aproximação epistemológica” do
ambiente de trabalho e dos participantes da pesquisa.
Os contatos iniciais trouxeram informações referentes às condições e relação de trabalho, às
impressões e expectativas criadas pela pesquisa. No segundo momento, com objetivo mais focado,
empregou-se a observação sistemática durante a chegada dos PMs à 2ª CIA, e a saída da guarnição
às áreas do patrulhamento (conforme o quadro I). As observações propiciaram o acesso aos
elementos que compõem a situação de trabalho dos policiais da RP.
Foi possível fazer uma observação durante parte do patrulhamento no setor 1, mais
especificamente, no bairro do Alto do Mateus. Tal procedimento durou cerca de 40 min. e somente
aconteceu mediante a autorização do comandante da guarnição.
3. 6 TECNOLOGIA DE ANÁLISE
A ergonomia da atividade e a psicodinâmica do trabalho consideram que a dimensão
psíquica precisa ser igualmente contemplada quando se estuda a relação homem e trabalho. Pois é
nessa dimensão que a subjetividade se aloja em sentido e significância. Com esse propósito, a
análise de conteúdo também se incorpora ao bojo desta investigação como uma tecnologia de
análise qualitativa.
Segundo Bardin (1977, pág. 38),
“A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. (...) o interesse não reside na descrição dos conteúdos, mas sim no que estes nos poderão ensinar após serem tratados (por classificação, por exemplo) relativamente a outras coisas”.
A análise do conteúdo, enquanto ferramenta, objetiva compreender criticamente o sentido
das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas. O
procedimento de análise varia conforme o documento e objetivos dos investigadores. Um deles - o
adotado na presente investigação - consiste em decompor as falas do grupo, classificando-as em
categorias empíricas (CHIZZOTTI, 2005).
Como se pode ver, a análise de conteúdo proporciona uma convergência sistemática e
coerente de significados matriciais estruturados em categorias. Estas podem ser de duas naturezas:
teórica e empírica. A primeira trata-se das leituras recenseadas convergentes ao tema central da
investigação. Pois são elas que irão determinar a aplicação dos instrumentos de pesquisa, bem
como, norteará todo processo da investigação. Sucessivamente, a empírica trata-se das categorias
atinentes à coleta de dados no estudo. A sistematização desses dados recebe o nome de unidade de
análise, também conhecidas como subcategorias (OLIVEIRA, 2005).
3. 7 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS
Os PMs que participaram da pesquisa se cientificaram dos objetivos do estudo e
participaram voluntariamente de todo o processo conforme apregoa o Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal da Paraíba (apêndice B; apêndice C, anexo A, anexo B, conforme
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde). Declarou-se que a adesão às sessões seria
espontânea e que eles poderiam interromper participação em qualquer momento sem nenhum
prejuízo às suas atividades habituais na instituição. Vale salientar que a gravação em áudio só foi
possível mediante a permissão dos PMs.
CAPÍTULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Os achados contidos neste capítulo resultam das informações levantadas por meios dos
procedimentos metodológicos descriminados no capítulo anterior. O conteúdo das entrevistas, as
observações e instrução ao sósia possibilitaram a composição de categorias empíricas que
emergiram do corpus da pesquisa. Estas se agruparam nas categorias teóricas de sofrimento
psíquico e prazer. Também faz parte da referente análise e discussão, os dados da Junta Médica
referente ao número de licenças médicas para tratamento de saúde e o número de aposentadorias,
ambos os dados alusivos aos períodos de 2003 a 2005.
4. 1 AS DIMENSÕES DO SOFRIMENTO PSÍQUICO NA RP
4. 1. 1 Serviços de promoção de saúde e social
Referente a essa categoria empírica, os PMs da RP externaram que tanto a ausência de um
serviço de saúde no local de trabalho, quanto ao fato de morarem em locais de risco social são
situações geradoras de sofrimento expresso de seguinte forma:
“Eu não vejo ninguém se preocupar em pegar o camarada e dá um bom acompanhamento, uma assistência (...). Dentro do comando não há essa preocupação com a gente. Realmente não existe. Muitos estão indo pra o caminho do alcoolismo, muito gente estressada aí, viciados em droga, por diversos motivos (...). Falta um acompanhamento psicológico pra acompanhar esses problemas (...). As associações também não se preocupam com isso (...). Eu não vejo um superior fazer isso, nem tão pouco as associações (...). Por que o pessoal da associação que a gente paga não se interessa, deveria se interessar (...)” [RP].
A ausência de uma equipe multidisciplinar (psicólogos, médicos, enfermeiros e assistentes
sociais) faz desconsiderar uma demanda necessária à execução do trabalho policial. Pois, os PMs
enfatizam que tanto a instituição, como as associações deveriam reconhecer a importância desses
profissionais e trabalharem pela implantação de tais serviços. O que não acontece.
Um dado que chama atenção, é o fato de que na PM tem uma diretoria de saúde situada no
Hospital Edson Ramalho em João Pessoa. Mas a RP evidencia que a polícia apenas supervisiona e
dirige o hospital, e os atendimentos se restringem à comunidade, aos funcionários civis e militares
do hospital13. Desta forma fica visível a falta de articulação entre a diretoria de saúde e as unidades
dos batalhões e companhias.
Outra situação de sofrimento psíquico identificada pela RP, é o fato desses profissionais
morarem em comunidades onde a intervenção do Estado é precária. Eles afirmam que isso os expõe
a uma situação de risco, sobretudo porque a casa, como os PMs mesmo retratam, é o lugar onde se
pode retirar a farda e descansar. Todavia, ao residir nessas localidades, esses profissionais ficam
sempre de prontidão, como afirma a RP: “fica difícil descansar porque a gente fica sempre com a
aquela tensão e o repouso nunca é total”.
Um dos achados que a pesquisa oportunizou é quando coincide área de patrulhamento com o
local onde o policial mora. Isso acontece porque há um rodízio das áreas de cobertura da 2ª CIA do
1º BPM. Sempre quando calha, o trabalho da guarnição é mais superficial com o propósito de
preservar o policial que reside no local.
Segundo dados apresentados na pág. 24, aproximadamente 585 policiais foram mortos
quando não estavam em serviço no Rio de Janeiro entre os anos de 2000 a 2004, números esses
discrepantes em relação aos policiais que morreram no trabalho. Esses dados apontam para uma
13 Salvo os casos de urgências em que há uma determinação de atendimento pelo Comando Geral. Conforme dados das duas psicólogas entrevistadas, o setor de psicologia só trabalha com os internos e funcionários civis e militares do hospital. Mas, quando são acionados pelo Comando Geral, faz cumprir a ordem e atende o PM em processo de perturbação mental avançado. Elas enfatizaram que o setor é freqüentemente procurado pelos PMs, mas não pode atender a todos.
realidade preocupante, e que se configura no desafio às lideranças militares na Paraíba, haja vista o
sofrimento psíquico que os PMs expressam por residirem em áreas risco social. E esse sofrimento
não vitima apenas os PMs que moram nesses locais, também é compartilhado pela corporação.
Não se pode considerar que o grande número de PMs assassinados acontece somente nas
grandes metrópoles, em João Pessoa também ocorre, claro que em proporções menores, até porque
João Pessoa deixou de ser aquela cidade pacata. Mas como o assunto é vida, não se pode reduzir a
discussão a dados meramente estatísticos; “(...) tem companheiro aqui nosso que morreu indo pra
casa. Nesse semáforo, levou nove tiros de pistola” [RP].
“Não existe um programa de habitação. Tem muito policial que mora em favela, e você convive diariamente com o bandido. Ao vestir uma farda dessas, você já é visto com outros olhos perante a bandidagem. Ai passa a ter ódio de você. Tem vários bairros aqui que são locais de risco. Olha, não tem um serviço social pra gente. O comando não se preocupa, o governo não se preocupa (...)” [RP].
“(...) eu chegando em casa, tava fardado, vou passando tem dois caras com uma doze na mão (arma). Eu pensei que o cara tava querendo me pegar; eu troquei tiros com os caras, eles correram e jogaram a arma. Não consegui pegar não” [RP].
Quando não, são eles mesmos que tiram a própria vida. É o que se evidencia no relato que se
segui:
“O último agora foi um suicídio que teve aqui no Batalhão aqui na garage, O companheiro chegou com um problema ai de casa, ninguém procurou saber o que ele tinha, porque estava daquele jeito calado num canto, chegou ali em baixo na garagem e se suicidou, deu um tiro na cabeça. Aqui na garagem, todo mundo em forma, o companheiro saiu , foi lá e deu um tiro na cabeça” [RP].
A fala desses profissionais se fundamenta, então, no argumento da falta de atuação dos
gestores públicos – especificamente na área de segurança pública – e lideranças militares, em
intervirem significativamente nessas situações macro. Por outro lado, os PMs da RP percebem
algumas mudanças no modo de condução das associações, que antes se limitavam simplesmente ao
lazer, e hoje elas procuram se desvincular desse enfoque e procuram ser mais ativa – quando podem
– enquanto representantes de uma categoria de profissionais.
4. 1. 2 Tipo de atividade na RP
Os policiais da RP percebem que a natureza do trabalho deles tem uma característica
singular pelo fato desses profissionais estarem sempre de encontro ao perigo, e ainda reforçam:
“nós temos a obrigação e essa obrigação nos causa um problema no cérebro” e “tudo que acontece
é a RP quem vai, liga e vai a bucha de canhão da RP”. Tais concepções evidenciam o tipo de
trabalho que esses profissionais exercem.
A modalidade de policiamento de RP, quer queira ou não, é uma atividade que coloca o
profissional no limítrofe da vida. Porque é esta modalidade que primeiro é acionada e a primeira
chegar a qualquer ocorrência mediante o acionamento do CIOP. Como a RP mesmo relata, “trata-
se de uma equipe de primeira resposta”.
As expressões abaixo, evidenciam o quanto a modalidade de RP é caracterizada por um
sofrimento imbricado com o tipo de atividade que eles executam.
“(...) a gente só é chamado pra sanar problemas”; “só chamam a gente pra coisa ruim”; “é complicado, é difícil o trabalho na rua”; “o estresse que você sofre em resolver os problemas das pessoas”; “o serviço de rua é muito estressante”; “a carga de estresse é muito grande, muito alta”; “nós estamos sempre indo ao encontro do estresse” e “o envolvimento da gente com vários tipos de situações (...)” [RP].
Este sofrimento emerge da constante exposição ao risco de vida e morte devido à própria
situação e organização do trabalho. Pois a RP sempre se depara com o medo da morte e o
comprometimento da integridade física, seja esse risco iminente ou não. Por isso a RP estabelece
uma relação muito próxima entre trabalho de PM e o uso exagerado de substâncias químicas lícitas
e ilícitas.
Segundo os depoimentos, a RP assim reconhece: “a porcentagem de alcoolismo na polícia é
muito alta. Se você pegar outra classe trabalhadora, você vai ver que ao comparar com a polícia, o
número de alcoolismo é muito alto, e também o uso de drogas. Eu acho que é referente ao tipo de
serviço”.
Essa identificação não quer simplesmente justificar o uso abusivo destas substâncias na PM,
mas sim demonstrar as possíveis relações que os próprios PMs fazem desses comportamentos, e
tentar identificar as circunstâncias nas quais eles acontecem. Por outro lado, não é propósito desta
pesquisa dar conta do tema sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas pelos policiais, tema esse que
careceria de um espaço especifico de exploração – o que não é o caso aqui.
Ao prosseguir com a discussão sobre o tipo de trabalho, é importante frisar os tipos de
ocorrências que os PMs da RP consideram de maior risco e exigências para esses profissionais.
Como eles mesmos enfatizam: “o serviço de polícia é complicado, você não pode dizer qual a
ocorrência mais complicada, é uma ocorrência envolvendo armas de fogo? Envolvendo faca?
Conflitos sociais A ou B? (...). Então é um serviço muito dinâmico e imprevisível”.
O dinamismo e a imprevisibilidade no serviço da RP tornam-se mais acentuado quando as
informações transmitidas à guarnição não correspondem à veracidade das ocorrências – tema a ser
discutido no item 4.1.6 sobre a comunicação na atividade de RP.
Mesmo com a dificuldade de identificação das ocorrências de maior risco, a RP reconhece a
singularidade quanto ao grau de exigências e perigos de cada uma delas: “Um fator predominante é
a especificidade do próprio serviço. Pois o policial trabalha no limítrofe, muito ali no limite entre a
vida e morte. Principalmente a gente quando vai pra uma ocorrência de disparo de arma de fogo”
[RP].
Por outro lado, estes policiais vêem nas ocorrências de assaltos as que exigem menos deles,
porque muito embora possam causar-lhes danos físico e psíquico imediatos, mas mesmo assim a RP
diz: “você sabe como vai lidar, já sabe que vai dá tiro, levar tiro, onde você só tem que saber é se
posicionar”, afirmam.
Segundo estes profissionais, o perigo não se circunscreve à situação de trocas de tiros com
os meliantes. Pois o regresso ao lar e a ida ao trabalho, faz com que todo policial fardado fique
exposto a “todo tipo de mazela”. Principalmente os que residem em áreas de risco social conforme
discussão no item anterior. É pertinente ressaltar que o sofrimento emergente nesta categoria não se
dá somente pelo fato de ser um trabalho policial. Ele é sentido, sobretudo, por ser uma atividade
realizada em condições adversas de trabalho14.
Um fato digno de atenção na atividade de RP é sobre a indefinição de papéis quanto ao fazer
e o ser policial. Tal imprecisão faz com que a RP tenha a necessidade de exercer vários papéis,
como os de: “juiz, promotor, psicólogo, assistente social, enfermeiro ou médico”. Cada ocorrência
vai requer destes profissionais competências e habilidades específicas, principalmente nas que
envolvem contendas de vizinhos e brigas de casais. Quanto a isto os policiais da RP expressam: “Aí
você chega lá, aí começa o moído”.
As ocorrências de “moerem policiais” exigem desses profissionais não a força física, mas
sim, componentes psicoafetivos (entendimento e interlocução) para lograrem êxito no
gerenciamento do conflito. Segundo Oliveira & Santos (2005), a atuação e o controle destes
conflitos por parte da RP, impedirá que tal situação se torne mais crítica, ou seja, venha a se
constituir em uma crise.
14Tema de discussão no item 4.1.4 referente à estrutura do trabalho.
Os PMs atentaram para o fato de que atividade laborativa na RP é constituída por um outro
elemento característico: a espera. Nestes momentos há uma diminuição de estímulos que exige toda
uma mobilização interna desses profissionais, o que caracteriza uma sobrecarga no trabalho, ou
seja, sofrimento.
Nas atividades, mesmo marcadas por uma diminuição de estímulos, há exigências de
trabalho tanto física quanto mental na realização das atividades. Neste caso, a sobrecarga deve ser
entendida como aquilo que é vivido como um sofrimento, por isso a utilização ora de um termo ora
de outro para expressar a mesma situação negativa (BRITO, 1999, pág. 39).
A partir dos processos de observação, instrução ao sósia e das entrevistas, foi possível
montar um dia de trabalho dos PMs da RP:
Quadro III – Atividade de radiopatrulha
ATIVDADES
OBSERVAÇÃO/ ENTREVISTA/ INSTRUÇÃO AO SÓSIA/
PERIOCIDADE (escala 12h /36h)
• Chegar ao local de trabalho no
horário aproximado das 07h20min.
• Passar pelo almoxarifado.
• Antes de chegarem à 2ª Companhia, os PMs costumam
acordar por volta das 6:30h ou 6:45h, fazem a higiene matinal, o desjejum, vestem a farda e se dirigem ao trabalho.
• Ao chegarem à 2ª CIA, passam pela caserna (almoxarife)
para se armarem com os equipamentos (colete, revólver, munição e tonfa). Esses procedimentos são constantes. Quando não há material disponível, eles esperam que as guarnições do turno da noite cheguem para disponibilizarem os equipamentos. Primeiro os veículos se dirigem à garagem e em seguida são liberados.
• Parada matinal (ordem do dia) e
a verificação da escala do dia. • O sargento do dia faz a
chamada e em seguida apresenta a listagem de freqüência ao oficial do dia.
• Armados, os PMs se dirigem ao pátio e aguardam o momento de entrarem em forma.
• O procedimento dos PMs se armarem pode acontece depois
da parada matinal, isso pode ocorrer quando alguns policiais se atrasam ou devido às viaturas do turno da noite ainda não chegaram para repassarem os equipamentos, pois não tem
material suficiente para todos. • A tropa se organiza em filas distribuídas por modalidades de
policiamento: guarda do quartel; RP e posto de polícia militar (PPM).
• Início da ordem do dia com as seguidas instruções: sentido;
cobrir; ombro armado; apresentar armas; ombro armado; descansar armas; descansar.
• O oficial do dia se direciona à guarda do quartel e dá as seguintes ordens: atenção; sentido; em continência ao terreno. Em seguida a tropa da guarda sai sob o comando de um superior (cabo ou sargento).
• Palestra aos integrantes da RP e PPM (informações,
esclarecimento do dia referente às notas de serviços e serviços de custodia);
• Início da dispensa
• Neste momento são dadas palavras de ordens e os policias são liberados. Mas antes, o oficial do dia deseja a tropa um bom dia de trabalho.
• Providenciar os carros; • Saída da guarnição;
• O policial motorista vai à garagem e pega o veículo que a
guarnição do turno da noite deixou. È na garagem que o carro é estacionado. Neste local também funciona o setor de mecânica (manutenção). O carro só é liberado depois que o equipamento é limpo, e se necessário, alguma manutenção no veículo.
• O motorista estaciona o carro no pátio, o comandante da
guarnição e o patrulheiro entram, o primeiro se acomoda no banco da frente, e o segundo no assento traseiro da viatura.
• A viatura se dirige ao portão para sair. Mas antes, a
guarnição se identifica na guarita, e o policial responsável pelo setor anota o número da viatura para depois comunicar ao sargento do dia.
• O comandante da guarnição comunica ao CIOP a saída da
viatura. • Esses procedimentos ocorrem sempre.
• Esperar as guarnições que ainda não chegaram do serviço da noite.
• Enquanto os outros veículos não chegam, os policiais aguardam sentados à sombra de uma árvore e ficam conversando entre si.
• A RP se dirige ao setor de
patrulhamento. • O comandante da guarnição mostra ao pesquisador, que
ficou sentado no banco traseiro, uma das áreas de risco
social no centro da cidade conhecida como “cracolândia”. O comandante falou que ao passar pelo referido local e notar algo suspeito, a guarnição tem que fazer a abordagem e aguardar os PMs que foram destinados ao referido local.
• Em direção ao setor 1 (bairro Alto do Mateus), a guarnição
vê um veículo parado no acostamento. A viatura estaciona, desce o comandante da guarnição. O patrulheiro permanece dentro do carro e coloca a mão sobre o revólver. Momentos depois ele tenta por duas vezes descer da guarnição, mas somente na terceira vez consegue quando o PM motorista lhe indica o “macete”, que consiste primeiro em levantar e depois empurrar para abrir a porta. Enquanto o patrulheiro permanece circulando o veículo, o comandante retorna e passam um rádio ao CIOP e diz o número da placa do carro suspeito. Todavia, não foi possível acessar os dados porque o sistema estava fora do ar. Então o comandante chamou o patrulheiro. Este, consegue entrar na viatura após a primeira tentativa depois de ser lembrado novamente pelo companheiro sobre o “jeitinho” de abrir a porta. Os PMs partiram após deduzirem que poderia ser falta de combustível e por isso o carro estava ali enquanto o proprietário saiu à busca de combustível.
• Abastecimento; setor de
patrulhamento; abordagem de rotina, averiguações; ocorrências, registros das ocorrências no talão; condução do infrator à delegacia.
• Cada guarnição tem uma cota de 40 litros de combustível
por dia. A autorização é feita pela diretoria de serviços que fica na Rua da Areia (no centro de João Pessoa).
• O setor patrulhado (Ato do Mateus) possui somente as
principais avenidas asfaltadas. As ruas paralelas e transversas não são. O motorista da guarnição disse que isso dificulta muito o atendimento das ocorrências e perseguições, principalmente nos tempos de chuva.
• A guarnição viu ao longe uma moto pilotada de forma
irregular. Pois, tanto o piloto quanto o passageiro estavam sem capacetes. A guarnição parou ao lado da moto para comunicar a advertência. O passageiro tentou justificar dizendo que ia somente à farmácia. Então o comandante retrucou e disse que no código de trânsito não havia tal ressalva. Nesse momento, o passageiro foi logo enfático em dizer que sabia e que era policial também. Foi quando o comandante saiu para averiguar e a guarnição deu ré para ficar na frente da moto. Nesse movimento o policial motorista disse que as piores abordagens são essas com os próprios policiais, pois estão errados, querem está certos e ficam cheios de razão. Minutos depois o comandante chegou e disse que contornou a situação.
• A RP se dirigiu a uma área de risco no setor localizada no
final de uma ladeira, próxima a linha ferroviária. Toda a área é cercada por manguezais. Os PMs disseram que em caso de perseguição fica impossível fazer o trabalho, pois não tem como a viatura ir além e os meliantes se embrenham no mangue.
• As ocorrências de maior demanda são por embriaguez e
ameaças. • Em uma abordagem a um carro, a viatura se posiciona
metade fora do ângulo do carro da frente numa certa distância de segurança, ou seja, não pára na retaguarda do carro, como num estacionamento. Essa forma permite uma melhor visão; depois os PMs se aproximam e manda os passageiros descerem do carro com as mãos na cabeça; em seguida, faz-se a revista dentro do veículo. Quando não há nenhum objeto suspeito, o policial pede os documentos do motorista, caso não há irregularidade, o motorista é liberado. Esse evento é caracterizado como uma abordagem de rotina.
• Quando há ilegalidade, ou por porte de arma ou drogas, e se
houverem dois ou três elementos. Se ninguém disser de quem é, todos são aubbtuados e levados à delegacia.
• O registro da ocorrência se dá por meio de preenchimento
da ficha (talão de ocorrência) composta de três vias: a rosa fica na delegacia, a de papel jornal fica com o comandante e a branca fica no quartel. Esse documento é a garantia que o policial entregou o suposto infrator à delegacia.
• No talão de ocorrência tem: a data, o horário da ocorrência,
chegada ao local, solicitante, endereço do solicitante, tipo da ocorrência, e o local onde aconteceu. Em seguida tem os dados: do(s) acusado(s); vítima(s), testemunha(s), objeto(s) apreendido(s) e assinatura do delegado. Isso para garantir que o policial entregou todos os documento e objetos do suposto infrator, e caso haja algum extravio, os policiais tem como comprovar a entrega por meio de documento registrado.
• Ao chegar à delegacia a guarnição comunica ao delegado a
forma de condução da abordagem.
• Horário de almoço
• Por volta das 11h30min o CIOP autoriza quatro viaturas (plano 1) para o almoça, cuja duração é de 1h de refeição. Às 12h o CIOP aciona as quatro viaturas restantes (plano 2). As refeições acontecem no próprio batalhão. Os PMs podem almoçar no próprio setor de patrulhamento, caso seja um estabelecimento comercial ou na casa de algum policial que por ventura more no local. O que não deve é a guarnição
utilizar desse horário para se ausentar da sua área.
• Retorna à área de patrulhamento
• Abastecimento; setor de patrulhamento; abordagem de rotina, averiguações; ocorrências registros das ocorrências no talão; condução do infrator à delegacia.
• A RP intercala o patrulhamento com algumas paradas. Tal
procedimento se dá dentro de alguns critérios, a saber: acessibilidade; segurança; sombra, em tempos de sol com alta temperatura. Identificada a área dentro do setor, a guarnição se instala provisoriamente no local. Neste momento os PMs saem da viatura, movimentam-se em torno do veículo, conversam entre si, prestam informações aos transeuntes que os abordam e conversam com algumas pessoas conhecidas quando passam por eles.
• Para ilustrar, a RP narrou uma ocorrência envolvendo
desentendimento matrimonial: “uma vez nós estávamos de serviço e o marido quase decepou o dedo da esposa com faca. Ao chegar, quase a gente atirava no camarada porque ele vinha com a faca pra cima de nós, e quase que ele levava um tiro de defesa (atirar numa parte abaixo da cintura). Aí você não tem outro meio, tem que usar a arma de fogo pra fazer o tiro de defesa. Chegamos à delegacia. Sabe o que a mulher disse? “Não, não quero prestar queixa não, foi na hora do momento, foi só pra dar um conselho a ele.” Quer dizer, nós quase atirávamos no marido dela. Se nós tivéssemos atirado, ela ia ficar contra nós, contra a guarnição. Ela com o dedo quase decepado, quer dizer, é uma situação que estressa mais do que qualquer coisa. Você já fica chateado pela situação, quase que atirava no cara e vai tentar fazer o bem a esposa e chega à delegacia ela dá pra trás (pausa), aí fica complicado, entendeu?”.
• Término do dia de serviço
(19h30minh)
• O CIOP aciona, via rádio, e libera a guarnição. Ao chegar ao
quartel, a guarnição estaciona no pátio para ser utilizada pela guarnição do turno da noite. O procedimento de se dirigir à garagem para lavar o veículo ocorre somente na troca de turno da noite para o dia, o contrario não ocorre. Em seguida, os PMs se dirigem à caserna (almoxarife) para se desarmar e dar baixa nos materiais. O comandante da guarnição entrega ao sargento do dia os registros das ocorrências.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2006.
4. 1. 2. 1 A dimensão coletiva: a intersubjetividade no trabalho de RP
No transcorrer de todo este estudo foi possível perceber que os militares estaduais de uma
RP não são ilhas – isolados. São pessoas em constante interação entre si e a sociedade. Com o
propósito de captar a dinâmica do funcionamento dessas relações, procurou-se saber como a RP se
relaciona com a tropa, entre eles mesmos, com os superiores e a população – partindo da
prerrogativa que essas relações com os pares podem formar coletivos de trabalho.
Com base nas discussões apresentadas na página 45 sobre o coletivo, pôde-se perceber, no
caso dos PMs da RP, uma regra de ofício identificada entre eles expressa na seguinte forma: “A
gente quer prestar um serviço melhor para a sociedade”.
A regra de prestação de serviço – e não basta só servir, tem que se ter uma ação qualitativa –
demonstra o esforço que esses profissionais mobilizam na realização do seu ofício, constituindo-se
de tal forma como ponto de honra para eles, mesmo que para isso alguns policiais tenham que
comprar a farda com o propósito de se apresentarem bem vestidos à população, tema este a ser
explorado no item 4.1.4.
Os PMs da RP sempre se mobilizam no cumprimento do seu trabalho. Com esse propósito,
procuram construir relações de solidariedade e cooperação entre si. Essa disposição só se torna
possível quando ela é principiada pelo desejo de cooperar. Essa afirmativa é preconizada por Cru
(1987) e também salienta sobre a impossibilidade de se prescrever e determinar a cooperação. Pois,
trata-se de uma relação que se constrói dentro de um espaço teleguiado pela ética e a confiança – e
isso não pode ser imposto.
A presença de coletivos de trabalho entre os PMs da RP funciona em algumas guarnições e
eles chegam a se expressar da seguinte forma: “Nós somos um corpo (...). Nós temos que estar em
sintonia (...). Nós somos uma família (...). Nós somos os anjos do asfalto”.
Os depoimentos apontam para um vínculo muito forte de um coletivo que precisa ser corpo,
cujos membros necessitam de uma sintonia embalados por sentimentos de âmbito familiar, e juntos
tecerem “asas” para transmitir segurança.
Esse sentimento de proteção não se restringe apenas à sociedade, mas, sobretudo, entre eles
também. É o que deu a perceber quando expressaram a solidariedade com os companheiros de
trabalho que necessitam de tratamento. Colocando-se, bem como, a disposição de uma possível
escala de 24 X 2415 para cobrir os pretensos dias descobertos com a ausência do policial em
tratamento.
“Então, se eles (os superiores) podem nos submeter a uma carga horária e levar outro pessoal pra outro lugar, então pode nos submete a uma carga horária que nós vamos ficar muito satisfeito em saber que nós estamos trabalhando porque alguém está sento ajudado” [RP].
A RP salienta que alguns companheiros poderiam até não gostar. Todavia, submeter-se-iam
porque sabem que mais adiante eles mesmos poderão desenvolver alguma doença e/ou distúrbio
relacionado ao trabalho. Essa concepção evidencia uma idéia preocupante, se por um lado, expressa
a solidariedade na relação de trabalho entre os pares, por outro, expressa que a atividade policial
remete ao desenvolvimento próximo ou remoto de doenças e/ou distúrbios. Desta forma, pode-se
dizer que há uma banalização da doença no meio policial que naturaliza uma situação que precisa
ser enfrentada é não naturalizada.
15 Tal escala é empregada sempre em período de grandes festas de rua e eleições.
A cooperação estabelecida por laços de solidariedade, que é nascida de uma relação ética e
de confiança dentro de um coletivo, mostra que os policiais da RP mobilizam recursos intrapsíquico
e intersubjetivo para juntos darem conta da sua atividade. Cru (1987) e Dejours (1992) afirmam que
se assim não fosse, o cenário do trabalho seria de verdadeira pane.
Outra regra percebida entre os PMs da RP é “pensar sempre o dobro” quando o assunto é
atender a uma ocorrência acionada pelo CIOP. Ao agirem dessa forma a RP procura se preservar e
regular o seu trabalho:
“É isso que eu digo, eu comento muito na minha guarnição, e principalmente aos novatos, que quando nos é passado alguma ocorrência, você vá pensando sempre em algo a mais. Se for desordem, vamos pensar que tão com a arma na mão, tá com uma faca na mão. (...) eu já vou logo pensando no pior. Se for dois elementos, já vão pensando que são quatro. Pra quando chegar lá (...) já ir preparado. É uma forma de proteção, preveni” [RP].
Outra regra de ofício considerada por eles muito importante é que: “Não pode haver
individualismo dentro de uma guarnição de radiopatrulha, existe uma irmandade, é um ajudando o
outro” [RP]. Principalmente porque o trabalho de policiamento ostensivo nunca ocorre com um
policial somente.
Esses profissionais engendram sua atividade em meio a conjunto de imprevisibilidade
envolta de situações agravantes originária tanto de uma falha de comunicação, como da
precarização das condições de trabalho, e mesmo assim viabilizam o serviço diário de segurança
pública. Entretanto, se por um lado, seu savoir-faire permite a execução do trabalho, frente as
dificuldades, por outro, determina que eles vivenciem o ônus não muito feliz, ou seja, paguem um
preço muito alto na medida em que essa realização proporcione um dano a sua saúde no espaço de
vida laboral com repercussões na auto-imagem, como nas relações sociais.
4. 1. 2. 2 Quando os pares são impares: o coletivo ameaçado
Foi motivo de discussão o que a RP chamou de “a banda podre da PM e os policiais
cabides”. Eles expressaram que em todo lugar existe e não se pode negar. Como eles mesmos
reconheceram: “é a realidade”. Todavia, foram enfáticos em afirmar que isso é bastante sofrível e
acentuaram que a Polícia – enquanto instituição – procura sempre, dentro do possível, combater.
Os que empregam tais práticas são identificados entre os militares estaduais de “policiais
cabides”. Conforme a RP esclarece, trata-se de “policiais que apenas veste a farda e são
caracterizados como aqueles que: quando saem ao atendimento de ocorrências, vão apenas atrás
de dinheiro” (suborno), e estão na polícia somente pelo salário e sem compromisso com as causas
policiais, que é a de garantir segurança aos cidadãos.
Muito embora não se possa afirmar que o fato dos policiais aceitarem suborno seja
determinado pelos salários baixos, pois ainda não foi feito um estudo aprofundado sobre essa
correlação temática. Pode-se dizer que existe alguma contigüidade entre salários baixos e
corrupção. Porque é isso que ficou evidenciado nas falas da RP. Sabe-se que quando essa discussão
vem à baila, ocorre sempre como retórica por alguns, que para justificar tais práticas, analisam de
forma simplória essas relações.
Por outro lado, esses profissionais disseram:
“Eu acho se o policial hoje se desse mais valor, a gente não era visto como pidão. Porque não há precisão da gente ficar pedindo pão na padaria, carne no açougue, uma batata (...), e quando a gente paga até se assustam. Quando chegamos num lugar pra fazer um lanche já ficam olhando meio atravessado” [RP].
Este depoimento aponta para um tipo de sofrimento que tem o seu nascedouro no próprio
círculo dos colegas de profissão. Tais práticas, além de gerarem sofrimento, têm uma repercussão
negativa na imagem do policial e compromete sua relação com a sociedade, sobretudo, na dinâmica
do coletivo.
É importante destacar que mesmo quando os companheiros se valham de práticas
esdrúxulas, mais especificamente, de comportamentos ilegais e irregulares no exercício de suas
tarefas, existe uma compreensão no meio policial que tais comportamentos correspondem à própria
conjuntura da polícia em não oferecer uma estrutura a contento, em que propicie um espaço de
mobilização, ou seja:
“Aí o companheiro já vai se desmotivando, começa a faltar o trabalho, bebe, aí arruma um bico e dá mais valor ao bico do que à corporação. Aí tome canetada, ta nem aí... quando espera é expulso. Às vezes se envolve com bandido, com assalto, com tráfico, mas isso é somente a parte social, da desmotivação; é a minoria que eles falam que é pego de policial que assalta, que traficou, entendeu. É a parte social, o social é tudo, falta habitação, saúde, educação (...)” [RP].
Além do aspecto da falta de políticas estruturantes que atendam aos anseios da categoria, a
referente narrativa salienta para outro elemento, o das punições. Segundo o criminólogo Dias
(2007), a dimensão disciplinar das punições objetiva a uma apenação imposta ao servido público
militar que comete algum desvio de conduta ou transgressão disciplinar que vá de encontro aos
pilares que sustentam as instituições militares – a hierarquia e disciplina.
A RP aponta para a necessidade de se rever a aplicabilidade da punição. Pois ela não pode se
restringir apenas em um instrumento de repressão em si só, que nem sempre funciona – haja vista as
reincidências que há – e sim ser utilizada com fins educativos. Porque quando a punição se esvazia
no seu propósito inibitório, a sua utilização fica sem sentido e sem propósito. Como bem esses
profissionais acentuaram: “às vezes a gente precisa é de acompanhamento e não de canetada”.
As práticas truculentas nas ocorrências e as transgressões de caráter ilegal no exercício do
trabalho da RP têm a capacidade de também estigmatizar o policial:
“Mas se você errou uma, teve uma ocorrência errada, você só vai ser visto pelo aquilo que você fez de errado. Você jamais vai ser lembrado pelos mil elogios que você fez. Mas se você fez uma ocorrência que atendeu errado, que deu errado, que ocasionou uma repercussão pública, você vai ser tachado em sua vida militar toda” [RP].
Essa estigmatização também é externa e os trabalhadores da RP reconhecem que há uns 15 e
20 anos a polícia era muito mal vista pela sociedade e essa percepção ecoa até hoje. Outro fator que
reforça essa percepção é a prática truculenta por parte de alguns policiais e muito bem propalada
pela mídia.
4. 1. 3 Controle do trabalho: “Só fazem cobrar, cobrar e cobrar”
Concernente às falas dos PMs da RP, a infalibilidade, ritmo de trabalho, autonomia, normas
rigorosas e punições injustas, também ajudam a compor o quadro de sofrimento psíquico
correspondente ao controle de trabalho desses profissionais.
A infalibilidade, isto é, a constante pressão de não errar, originária tanto da instituição como
também das expectativas da sociedade, surgem como premissa subjacente de que as cobranças,
expectativas e pressões resultantes do binômio tempo/acerto, são geradoras de sofrimento psíquico
nos PMs da RP:
“A gente tem uma previsão de chegada na ocorrência de num máximo 5 minutos e dependendo do local (...). A polícia tá lá pra acertar, sempre tem que acertar. Não pode... todo mundo é passível de erro. E como se você fosse obrigado a solucionar. Nem sempre nós estamos em condições de sanar todos os problemas” [RP].
O binômio tempo/acerto se acentua durante o deslocamento até ao local de desembarque.
Isso acontece porque a viatura em algum momento pode bater. Caso ocorra, o motorista é quem terá
que desembolsar o reparo do dano causado no automóvel16.
“Um exemplo: eu sou motorista, e graças a Deus eu nunca dei uma peiada (batida). Mas você ta resolvendo algum problema, seu eu der uma peiada numa viatura em algum momento, em andamento, eu vou ter que pagar. É certas coisas na policia que revolta a gente. Eu não vou bater a viatura porque eu quero, por brincadeira. Eu ganho pouco, eu bater?” [RP].
De outra forma, o ritmo de trabalho também se apresenta como expressão acentuada de
sofrimento. Assim a RP se pronunciou: “Uma coisa que não achamos certo é colocar esses pobres
que já tão quase inda pra casa (reforma por tempo de serviço), fazerem serviço de rua”.
Como se pode perceber, os PMs enfatizaram sobre a necessidade de se considerar a idade no
momento de se formar a guarnição, até porque “tem tanta gente boa ai pra correr atrás de bandido
e ficam fazendo serviço interno ou está à disposição em outras repartições e não na polícia” [RP].
Ao considerar outro aspecto, os PMs da RP assim expressaram: “Pra falar a verdade são
pouquíssimos comandantes que escolhem suas guarnições. Essas guarnições são impostas. E por
ser soldado, a gente tem que ficar”.
O que se pode entender dessa afirmação é que não há uma de autonomia para se compor a
guarnição. A RP reconhece que tal prática é constituída por uma relação vertical marcada pela
arrogância, prepotência e sentimento de injustiça.
“Tem algumas questões que leva muito pro lado pessoal. Todo canto existe, mas eu acho que aqui a prepotência, a arrogância aqui é demais. Aqui você não pode
16 Mas antes é aberto um inquérito para apurar quem foi o responsável. O policial que estava no volante tem que comprovar a sua inocência, porque até então ele é considerado culpado. Digamos que se o policial (motorista) cometeu o erro, porém não teve a intenção de praticá-lo, mesmo assim vai ter que pagar. Quando existe um coletivo estruturado e formado, os outros membros que compõem a guarnição fazem questão de ajudá-lo no pagamento e compartilham também o sentimento de indignação e injustiça.
espernear muito não, aqui você tem que sentir calado (...). Acho que é em comum acordo aqui entre nós é a prepotência (...)” [RP].
“Mas há alguns ai que nos trata como nós fôssemos empregados dele. pronto: ele é meu subordinado, eu vou mandar ele pra aquele local e nem se preocupa em saber se aquele local é bom, se aquele local precisa de pessoas (...)” [RP].
Pelo fato da relação hierárquica ser cadenciada por uma opressão, fez com que surgisse nas
discussões iniciais – cuja questão se encontra na página 57 – certo descrédito quanto à veracidade
da matéria vinculada, no jornal local, sobre a preocupação das lideranças militares acerca da saúde
mental dos policiais, justamente porque no cotidiano do trabalho não existe essa preocupação dentro
da corporação. A RP diz: “(...) Eu não vejo ninguém se preocupando em pegar o camarada, dá um
acompanhamento a ele, uma assistência, vê sim, satisfação para o público, mas pra o público
exterior, interior não”.
Por outro lado, muito embora essa percepção seja vivida e vivenciada no trabalho do militar
estadual, os PMs da RP percebem certa mudança no estabelecimento dessas relações hierárquicas.
Pois há superiores que já os tratam de forma melhor.
Essa relação aponta para um tipo de concepção de destaque na corporação militar, que é
acerca da concepção dos PMs sobre a hierarquia e a disciplina. Pois, se existe a idéia de que esses
princípios muitas das vezes cerceiam o trabalho policial, por outro lado, a aplicação desses
princípios contribui até para uma “certa ordem” na polícia. Mas há uma idéia predominante sobre a
forma como as relações hierárquicas acontecem, muitas das vezes, de forma déspota.
Um aspecto interessante detectado nas entrevistas, é que o superior imediato é visto como
igual pelos subalternos e vice-versa, o que caracteriza uma horizontalidade nas relações, já que
todos estão concomitantemente expostos às mesmas situações de trabalho. Por outro lado, é este
superior o responsável pela guarnição e que detém o poder de decisão. É importante frisar que esta
decisão é anteriormente discutida pela guarnição.
Ao que tange as normas, os PMs assim expressaram:
“Aqui nós temos um regulamento, somos presos a ele (...). Desse militarismo exagerado, dessa arrogância que existe (...). Nós somos submetidos ao regime militar, além de responder ao código penal civil, como todo mundo responde, a gente responde ao código processual penal militar. Nós ainda temos o RDP, regulamento disciplinar da PM” [RP].
Diante dessa colocação, vê-se que esses profissionais são submetidos a um conjunto de
normas regulamentares e penais. As falas que se seguem ilustram bem o quanto é cansativo estar
sob o jugo dessas leis e regulamentos que ultrapassam as cercanias do trabalho policial, e chegam
abranger até a vida fora do trabalho.
“Pra você ver, o policial é muito controlado dentro das suas ações, até a vida particular dele, o que ele fizer num horário de folga, por mais simples que uma pessoa civil tivesse um determinado comportamento e não repercutisse, mesmo que fosse negativo, se o PM tiver aquele mesmo comportamento ele vai sofrer alguma sanção, devido a esse sistema muito rígido com a gente” [RP].
Conforme se percebe, os PMs que atuam em atividade fim – serviço de rua – têm uma
percepção negativa dos Direitos Humanos, pois vêem neles mais um elemento que se incorpora a
esse bojo normativo e penal, tornando-o mais sofrível.
“Os Direitos Humanos eu tenho um pensamento e muitos seguem o meu pensamento referente à bandidagem e a policia. Eu acho até em termo geral, se um bandido mata um pai de família, um cidadão de bem, os Direitos Humanos não vai atrás. Pra policia não, eles caem mais em cima, com mais rigor do que os outros. Eu acho uma hipocrisia muito grande os Direitos Humanos. É justamente isso, eles acham... aliás, eles seguem esse pensamento muito arcaico, antigo. (...) Eu gostaria muito que eles vissem como é que é um serviço na radiopatrulha, o estresse que você tem em resolver problemas de pessoas” [RP].
Oliveira (2002, pág. 197) também identifica essa percepção em seu estudo17, e demonstrou
que os PMs são enfáticos ao expressarem que “esses direitos só servem para proteger bandidos”.
Tal percepção constitui em um desafio para os grupos que trabalham com os Direitos
Humanos em que precisa ficar bem claro que a função deles consiste na preservação da vida, da
liberdade e da proteção, sem qualquer discriminação, seja ela: crença, grupos étnicos, status social
ou opção sexual.
Ao que tange as normas, os PMs da RP consideram que o pior delas é a sua aplicabilidade
injusta, bem como a perseguição feita pelos oficiais aos praças, muito embora haja uma diminuição
considerável em tal prática.
“O que nos desagrada mesmo é uma punição injusta. (...) isso é no serviço mesmo. Se foi punido por coisa que não aconteceu, como uma denúncia sem nenhum fundamento (...). Às vezes acontece determinada coisa, uma ocorrência, que não se passou, não se passou com aquela determinada guarnição, viatura, e os homens são ouvidos através de uma denúncia infundada, que não tem menor fundamento, ai faz aquela situação sem procura saber se realmente aconteceu pra poder ser punido” [RP].
4. 1. 4 Estrutura do trabalho
Foi possível recensear um conjunto de unidades analíticas nesta categoria, favorecendo
assim, a identificação das situações de trabalho policial em que o sofrimento é deflagrado na
modalidade de RP, a começar pelas condições dos equipamentos e instrumentos.
O exercício de atividade-fim é marcado pela precarização das condições de trabalho que se
manifesta ora pela ausência, ora pelas más condições dos equipamentos e instrumentos de trabalho.
17 O estudo consiste em um levantamento etnográfico da instituição Polícia Militar, e um dos pontos discutido foram Direitos Humanos e a prática policial. O trabalho resultou de um curso de formação e aperfeiçoamento de praças, por meio do Programa Educação para Cidadania, desenvolvido pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) em Pernambuco. O programa tem como proposta principal o desenvolvimento dos valores dos direitos humanos na instituição policial.
“Você está com problema no trabalho, não tem ferramentas pro trabalho (...). Vou dizer: nós estamos aqui com um revólver 38 e 10 munições, você vai deparar com uma quadrilha armada ai com metralhadora, fuzil, com magal, uma R15 e você com um revolver com cinco munições (...). Até porque não dão condições pra isso, viaturas inadequadas, pneus sem condições... carecas, armamentos precários, coletes vencidos (...). Nós só queremos prestar um bom serviço, como?” [RP].
Por meio desses depoimentos fica visível a vulnerabilidade que os PMs estão durante os
acontecimentos, ou tempo de espera de uma ocorrência. Essas expressões são reforçadas por meio
das falas dos PMs apresentadas em um artigo de Silva, Vieira & Gomes (2006) em que mostra uma
categoria de servidores públicos indo às ruas reivindicar melhores condições de trabalho.
Ao que se refere à farda policial, a RP assim se posiciona: “(...) ta ruim em termos de
fardamento. Depois a gente tem que pagar uma farda, vem descontado no contra-cheque. Eu
mesmo não compro. Não é minha responsabilidade (...)”. Eles enfatizaram que a partir de uns dez
anos, aproximadamente, a polícia passou distribuir apenas uma farda por ano. Antes, eram
concedidas duas fardas, uma por semestre.
Todavia, nem esse cronograma esta sendo cumprido, porque segundo informações dos
próprios policiais: “faz uns três anos que não deram farda e tem policial que anda com a farda toda
gasta e costurada” [RP]. Essa informação é endossada pela própria assessoria de impressa da PM
(2007).
Conforme os depoimentos da RP: “(...) têm muitos policiais ai que compram (...)”. Para
que o PM não se sinta constrangido perante a sociedade, muitos chegam a financiar o próprio
fardamento. Quando isso acontece, o custo aproximado para eles é de R$ 150,00 (cento e cinqüenta
reais).
Um dado preocupante que merece destaque é sobre os coletes balísticos vencidos. Os PMs
consideram importante o uso dos coletes por se tratar de um equipamento de proteção individual
muito importante. Mas mesmo sabendo de sua importância, eles reconhecem que é um equipamento
cujo uso gera muito incômodo por ser quente e pesado. No caso da RP, além desses incômodos,
existe a inutilidade do uso de um equipamento que já faz mais de cinco anos que foi revisto18.
Quanto ao carro, a RP reconhece que o veículo do tipo santana é um bom equipamento, mas
deixa de ser o mais adequado porque a viatura não dispor de xadrez19. No carro santana o preso fica
no banco de trás, ao lado do patrulheiro, ou é deposto na mala quando ferido, e logo conduzido ao
hospital. Conforme a RP mesmo expressa: “porque se for esperar o samu (serviço de atendimento
móvel de urgência) ou o bombeiro chegar, a pessoa morre; aí tem que prestar o socorro imediato
porque senão a gente é quem vai responder”.
A RP reconhece a ilegalidade do procedimento em colocar o preso baleado (ou esfaqueado)
na mala do carro, e essa atitude pode até ser vista por muitos como desumana. “Mas desumana às
vezes são as nossas condições de trabalho (...) e se agente pegar uma doença? Se contaminar? A
gente nem material de proteção tem; e quando se tem as luvas cirúrgicas é nós mesmo que
providenciamos. Nem quite de primeiros socorros a gente tem”.
O material coletado também revelou que as condições das viaturas são desfavoráveis, haja
vista os problemas com os amortecedores e pneus gastos (carecas). Cada viatura tem um período de
troca de pneus que corresponde ao limite de 5mil/Km de rodagem. Mas quando não há como
substituir, os carros ultrapassam esse limite e continuam com os mesmos pneus.
No período da observação, a viatura que também serviu de condução ao pesquisador, foi
18 O tempo de validade do colete à prova de balas é de três a cinco anos. Esse equipamento de proteção individual necessário aos profissionais de segurança, pois além de proteger das munições balísticas, protege de instrumento cortante, acidentes de carro e quedas. 19Além do modelo santana, existem dois carros do tipo bleizer cuja utilização ocorre em sistema de rodízio na corporação. Para os policiais, a blazer torna-se um equipamento mais apropriado principalmente porque tem xadrez (local reservado para guarda o preso) e por ser o mais apropriado em terrenos e estradas acidentadas.
uma das viaturas que teve os três pneus substituídos, ou seja, um pneu vencido ainda permanecia
em uso. A RP registrou que no carro não há step, não tem instrumentos de chave de roda e macaco.
Quando acontece alguma quebra, a guarnição aciona o setor de manutenção para fazer o reboque ou
o possível reparo no próprio local. A RP informou sobre a existência de uma verba especifica para
manutenção, todavia, essa verba é insuficiente à manutenção.
Um outro dado que merece destaque é sobre as condições de uma das portas da referida
viatura, porque foi possível constatar a dificuldade do patrulheiro em abrir e fechar a porta direita
da viatura, episódio descrito no quadro II do item sobre: a RP se dirige ao setor de patrulhamento.
Essas situações vividas na rotina desses profissionais correspondem a uma degradação da
produção de serviço, cujas características do trabalho – tal qual se apresenta – não considera que os
PMs da RP são os mais vulneráveis socialmente.
Um outro elemento identificado nessa relação trabalho e saúde é a questão salarial. Tema
que fica claro na expressam dos policiais da RP: “Só que devido ao financeiro é que não é tão bom
(...) O salário é pouco ainda”.
A insatisfação salarial faz nascer um sentimento de injustiça devido à incompatibilidade com
a função. Por outro lado, quando o salário é comparado com outras categorias no estado da Paraíba,
os PMs reconhecem que há salários piores que os deles. Todavia, quando equiparam o salário da
categoria com outros estados da Federação, ai é que há uma indignação ao afirmarem que a “polícia
militar é uma só e deveria ser um salário só. Por que somente Brasília paga um salário mais
condizente. Isso não era pra ter não”.
Diante dessa situação, os PMs da RP sentem a necessidade de exercerem outros serviços
extras remunerados para complementar a renda. Eles costumam atuar em áreas de segurança
privada, de cobranças e guarda municipal de trânsito20. Se por um lado os chamados “bicos” seja
uma forma encontrada pelos PMs para tentar suprir as limitações financeiras; por outro lado, vê-se o
sacrifício das 36 horas se esvaindo juntamente com os momentos que poderiam ser vividos com a
família e o lazer. Práticas relacionais necessárias à economia psíquica.
Outra insatisfação vivida no trabalho da RP é a falta de capacitação profissional. As falas
abaixo indicam bem essa realidade:
“Agora seria necessário que houvesse alguns treinamentos intercalados porque às vezes o cara sai do curso e passa muito tempo sem vê nenhum tipo de treinamento. (...) Deveria preparar mais a RP com equipamentos e mais armas, já que ela é a primeira a chegar na ocorrência, tá entendendo” [RP].
Segundo esses profissionais, existe a necessidade de capacitações como espaço de
discussões e atualização de conhecimento, e não tem. Eles disseram que essa formação é feita no
dia-a-dia. A ausência dessas capacitações abre espaços para: “Você vai à ocorrência, muitas vezes
acontece de você descarregar na ocorrência os problemas de forma geral. Eu acho que isso é
despreparo dos companheiros” [RP].
Conforme relato dos PMs da RP, a ausência dessas capacitações termina por abrir espaços às
ações truculentas da polícia, o que compromete a qualidade do serviço. Segundo Pimentel Filho
(2002), tais práticas reproduzidas estão claramente distantes de uma perspectiva cidadã, mesmo que
haja um esforço pautado em uma formação teórica nos Direitos Humanos. Essa distância gera uma
disfunção e ocasiona uma demanda tanto para o meio acadêmico – na busca de soluções práticas –
quanto à corporação, com o desafio de desenvolverem atitudes que viabilizem o uso legítimo da
força pelo Estado, sem que com isso cause algum prejuízo à sociedade.
20Tal fenômeno, também identificado neste estudo, pode ser aprofundado no trabalho monográfico feito por Ramalho em 2005. O objetivo central consistia na busca do conhecimento parcial da realidade dos agentes públicos da PM da Paraíba envolvidos em atividade de segurança privada.
A discussão das capacitações perpassa o tema sobre o tipo de atividade – tema discutido na
página 64. Pois ao se considerar que a atividade de rua expõe o policial às situações desagradáveis e
de conflitos intermitentes, diferentemente de quem faz uma atividade interna supostamente mais
estável, tenta justificar que os PMs da RP se tornem uma modalidade de maior propensão às
punições. Segundo as discussões fruto das entrevistas coletivas, a RP afirma: “pelo menos somos
nós que sofremos mais punição”.
Todavia, não se pode relacionar essa questão de forma tão reducionista em simplificar as
punições pela modalidade de policiamento, pois tal concepção é determinista e naturaliza a questão.
Quando se naturaliza corre-se o risco de não mudar. Mas à medida que essa questão é encarada pela
ótica de: falta de capacitação na modalidade, precarização do trabalho e todas as situações
apontadas por esta pesquisa, é possível reverter tal quadro através de uma implantação e
implementação de um conjunto de ações viáveis propiciadoras de um espaço onde os trabalhadores
sejam ouvidos de formas institucional e produtiva para corporação.
Sobretudo, é importante dizer que a precarização no trabalho é resultante de um processo
instituído por fatores sócio-político-econômicos que marca a entrada nas condições impróprias de
trabalho. Portanto, a precarização é um processo vivido de formas distintas segundo as populações
vulneráveis que compõem a sociedade como todo (VIERA & ARAÚJO, 2003).
Ademais, vale destacar que a precarização das condições de trabalho proveniente dos
equipamentos e instrumentos inadequados, restrição quanto aos recursos monetários para
manutenção desses equipamentos, salários desproporcionais, falta de capacitação profissional,
revelam a existência de um conjunto de elementos desfavoráveis à saúde dos PMs da RP e dificulta
a própria eficiência no trabalho policial.
4. 1. 5 Sujeito na atividade: “ ser camaleão na RP”
Entre a atividade e a tarefa, jaz o operador enquanto sujeito na ação de seu ofício. Nesse
espaço que caracteriza a situação de trabalho, o PM da RP se encontra em um embate diário
aureolado por todos os elementos até então discutidos. Esse embate é marcado ora por sentimento
de frustração, ora por uma percepção de incapacidade, outrora por um conformismo.
“Você vai bem empolgado pra uma ocorrência, ai vai e no caminho a viatura quebra. Infelizmente vamos ter que esperar. Certas coisas são bem frustrantes. Você sabe que um companheiro seu tá pedindo ajuda e quando você vai e não teve como ajudar” [RP].
Pode-se inferir a partir desse pronunciamento que PMs da RP se frustram quando chamados
a solucionar conflitos, são surpreendidos pela quebra da viatura. Mas esse sentimento se agiganta
devido às más condições dos equipamentos21 e não pela simples quebra da viatura, conforme
salienta a RP: o policial que é imbuído da sua missão, a gente fica querendo resolver o problema,
isso dá aquele pânico no cérebro, você quer resolver, mas não tem como.
O sentimento de frustração está profundamente imbricado com a auto-percepção de
impotência.
“Você só sabe que ele ta pedindo apoio, se ele ta pedindo apoio é porque ele ta precisando de ajuda. Isso pode ser com a sociedade, isso acontece de modo geral. Eu to falando a policia porque é uma coisa mais chocante porque ta vivendo mais ali, ta vivenciando mais aquela situação. A sociedade quando precisa e acontece a mesma coisa ai o cara diz “pô... sabe lá o que ta acontecendo lá, será que ta espancando a mulher, um filho, ta drogado, ta matando. Tudo isso vem” [RP].
Segundo esses profissionais, assim como a utilização da farda o expõem às inúmeras
mazelas sociais, o fardamento também ajuda a construir uma armadura de poder, onipotência, que
se abala ao se perceber impotente na execução da tarefa destinada, e até mesmo na hora de deixar o
21 Conforme discussão no item Estrutura do trabalho
serviço: “eu prefiro que quando eu termino o serviço, que chega o horário que o CIOP libera a
gente, a minha vontade é não sair de dentro da viatura. Chega me dá aquela tristeza, vou ter que me
desarmar” [RP].
Se por um lado os PMs da RP sofrem em não se perceberem onipotentes, por outro, eles
fazem todo um esforço constrangedor para se submeterem a um conformismo “camaleônico”
perante situações que eles não conseguem mudar na polícia: “Estou dentro da polícia, mas não me
vejo hoje como PM. Mas você tem que se adaptar ao meio (...). Aqui não tem esse capricho. É a
velha história do camaleão” [RP].
Algumas situações discutidas como: militarismo exagerado, relações verticalizadas
(arrogância e prepotência), despreparos dos policiais e punições injustas, podem gerar uma
obnubilação perceptível que dificulta o PM em se perceber como profissional dessa categoria, ou
melhor, uma despersonalização profissional: Isso faz com que eu não me reconheça como policial.
É isso que faz eu tirar a farda e esquecer que sou policial [RP].
4. 1. 6 Comunicação no policiamento ostensivo: a intra e a intercomunicação na RP
Conforme Guérin et al (2004), existe comunicação sempre que há transmissão de
informações entre uma ou mais pessoas. As comunicações podem ser de duas formas, a saber: a)
explícitas, respeitantes às palavras dirigidas a um colega, sinais, gestos acordados a distância; b)
implícitas, que emerge da densidão do silêncio rompido pelo som de um ferramenta, a própria
postura pelo o fato de ver o colega num certo lugar, produz dados sobre o que ele esta fazendo e as
dificuldades que enfrenta.
É através de um processo de comunicação explícita que a RP é acionada pelo CIOP, que vai
fornecer aos policiais as devidas informações referentes ao endereço, o solicitante e, em seguida,
diz a natureza da ocorrência. Essa comunicação entre o CIOP e a viatura será identificada na
presente pesquisa de intracomunicação. Tal terminologia faz-se necessária para designar a natureza
da comunicação explicita.
A RP ao dispor desses dados se dirige ao local. Todavia, freqüentemente essas informações
não condizem com a realidade: “na maioria das vezes as informações chegam distorcidas e quando
chegamos lá, a gente vê outra coisa totalmente diferente”.
Os policiais afirmam que não podem responsabilizar o CIOP pelas informações distorcidas.
Pois reconhecem que no desespero, o solicitante talvez não consiga articular bem as idéias e anseia
rapidamente a presença da polícia. Por outro lado, eles destacam a necessidade dos operadores do
CIOP desenvolverem formas melhoradas de filtragem dessas informações, porque delas dependem
a vida dos policiais.
“Porque já tivemos companheiro nosso que já veio a falecer porque ao chegar lá se deparam com outra situação e um dos três veio a falecer. Nos meus 15 anos tiveram mais de 10 que eu conheço nessa situação” [RP].
“Mas recente, eu posso lhe falar agora e que marcou muito é o da rua da Areia, naquele bordel que tem ali, disseram que era só embriaguez e desordem no bar, o companheiro achando que era uma embriaguez e desordem, foi sumir as escadarias sozinho, o cara lá em cima deu um tiro. Era um assalto. Morreu. Faz uns dois anos” [RP].
A RP ao ser acionada, os policiais procuram montar um conjunto de procedimentos de ação
policial com base nas informações fornecidas pelo CIOP. Como eles informam: “aí o que acontece
é que a mente já vai voltada pra isso”.
Os PMs, quando se dirigem ao local da ocorrência, preparam-se durante todo o percurso
para uma dada situação. Tendo em vista as informações não serem correspondentes, a RP afirma
que situações como essas geraram um “choque na mente”. Porque “você tem que mudar
rapidamente toda aquela forma de você chegar em determinada ocorrência” [RP]. Daí a
importância do coletivo de trabalho, conforme discussão na página 72 sobre o coletivo.
Além da intracomunicação, há também uma outra natureza do processo comunicacional, que
será aqui designada de intercomunicação. Essa intercomunicação fica sobre a responsabilidade da
acessoria de impressa da PM. A RP reconhece nessa acessoria uma das responsáveis pelo problema
da falta de valorização que eles sofrem pela sociedade.
“O grande problema do reconhecimento é que não há uma divulgação das benfeitorias. Só tem quando tem coisa errada (...). È culpa de quem faz a nossa polícia, a nossa seção lá de impressa que não transmite (...)” [RP].
Segundo a expressão desses profissionais, percebe-se que a questão apresentada gira em
torno de uma das queixas mais freqüentes entre os PMs, a falta de reconhecimento profissional.
Tema que será discutido a seguir.
4. 1. 7 O (Não)Reconhecimento no trabalho policial
O discurso dos PMs da RP perpassa a dinâmica do não reconhecimento no trabalho, ou seja,
pela falta de valorização profissional que essa categoria sofre tanto pela instituição quanto pela
sociedade.
“Eu, pra falar a verdade, são pouquíssimas as pessoas, pouquíssimas as pessoas que dão valor ao serviço da policia militar. São pouquíssimos, e dentro da PM é quase que não existente, mas há uns dez anos atrás é que não existia mesmo (...)” [RP].
Essa desvalorização do trabalho dos PMs da RP ocorre devido a um excesso de rigidez que
obstaculiza as relações entre os níveis hierárquicos no trabalho policial. Tal desvalorização ocorre
também na própria modalidade de policiamento. Segundo Vieira (2000), as implicações desse fato
são preocupantes, visto ser o reconhecimento um meio especifico de retribuição psicológica diante
da identidade no mundo do trabalho, e também tem a funcionalidade de preservar a saúde mental.
Essa relação entre valorização e trabalho policial é marcada por diversas nuances
heterogêneas quando se trata de reconhecimento, julgamento dos pares, dos superiores e da
sociedade – da atividade de RP. Alguns superiores22 chegam a manifestar claramente esse
reconhecimento ao conceder uma folga para a guarnição que executar com eficiência seu trabalho,
ou seja, um serviço que termina na delegacia e culmina com um flagrante. Mas isso não constitui
prática comum. Muito embora, essa percepção de falta de reconhecimento seja predominante entre
eles, por outro lado, pode-se considerar em alguns desses ambientes a existência de uma relação
intersubjetiva amistosa.
Referente às citações dos PMs da RP, os gestores da PM agem com imediatismo rigoroso na
punição dos PMs quando recebem denúncias infundadas envolvendo a RP, o que é vista por eles
como injusta.
“O esquecimento não é nem geral, é global, se a gente faz um bom serviço hoje, e amanhã a gente errar um pouquinho, o que você fez de bom ontem ele não reconhece não. Pra exemplificar: se você é punido ele não vai olhar quantos elogios você tem não, deveria ser isso, ver quem é a pessoa, a conduta dele – ah, vamos dar 30 dias de xadrez, 15 dias, 8 dias, eles não vê a ficha. Ao ver uma ficha boa ao invés de um prisão vamos dar uma repreensão, só pra adverti-lo, uma repreensão a ele. Eu acho que o problema maior é da gente não se sentir valorizado (...)” [RP].
22 Como, no caso, o capitão da 2ª Companhia, durante a pesquisa de campo.
Esses profissionais procuram da melhor forma possível realizar seu trabalho e depositam, no
empenho diário, suas energias contributivas e esperam, em contrapartida, que esse esforço seja
sobretudo reconhecido/constatado. Quando não se valoriza o investimento dessa mobilização, surge
o sofrimento em detrimento da saúde mental (DEJOURS, 1987; DEJOURS & ABDOUCHELI,
1990).
De acordo com Dejours (1992), além da constatação por parte da chefia em reconhecer a
contribuição do sujeito à organização do trabalho, ainda existe o julgamento dos pares. Este
representa o mais importante, porque são esses que efetivamente conhecem as regras de trabalho.
Portanto, têm mais condições de avaliar com rigor o que foi feito.
“Chegam os subalternos e diz ao comandante: Olha comandante, aquela guarnição e a aquela outra também – que uma guarnição boa – tão trabalhando bem. Chega um antigão: Olha, meus parabéns, você gosta do que faz e só faz nos orgulhar. Isso é muito gratificante, eu fico envaidecido com os elogios que chegam até nós” [RP].
Os PMs da RP, bem como todos os trabalhadores, aguardam uma retribuição, que se dá
mediante a constatação de algo que funcionou no desenrolar de uma ocorrência. Por conseguinte, o
reconhecimento constitui em uma realização de si à medida que esse trabalho denota uma
singularidade. (DEJOURS, 2004).
Consoante Vieira (2000), há uma relação muito próxima entre reconhecimento e
competência, porque a partir do momento em que o trabalhador é capaz de empregar a sua
inventividade, segundo as suas interpretações, em algo que deu certo, passa a haver um
fortalecimento nas relações entre seus pares.
Entre os PMs da RP houve um tipo de sofrimento considerado curioso, que foi denominado
no presente trabalho de reconhecimento refratário. Tal manifestação é nascente do reconhecimento
que são prestados apenas aos oficiais, superiores registrados da seguinte forma:
“Nós somos a mão de obra então nós temos que exercer a função, tipo: na rua está tudo bem; eles estão recebendo elogios, porque nós fazemos elogios pra eles. A bonança, a regalias pra ele. Tudo bem, eles tiveram uma oportunidade melhor do que a nossa, estudaram, são oficiais, eles estão acima de nós por essa situação, ai eles não se preocupam” [RP].
Após tecer as considerações acerca das vivências de sofrimento psíquico na modalidade de
policiamento de RP, faz-se mister saber quando é que o sofrimento se transforma em uma patogenia
geradora de doenças acometidas nos militares estaduais, bem como os tipos de licenças médicas
para tratamento de saúde.
O capítulo seguinte procura apresentar um perfil de morbidade dos PMs como tentativa de
mostrar o que acontece quando as capacidades de mobilizações, tanto individuais quanto coletivas,
não conseguem mais dar conta das situações danosas ao militar estadual.
4. 2 LEVANTAMENTO DO PERFIL DE MORBIDADE DOS PMs DA PB
A Junta Médica da PM é um órgão do Estado responsável pelo atendimento do militar
estadual que manifeste qualquer problema de saúde, seja para homologação de atestado, obtenção
de licença, exame de admissão e demissão, exame de aptidão para o trabalho – com ou sem
restrição, reformas por invalidez, ou qualquer ato que demande ação pericial.
Na tentativa de traçar um perfil de morbidade dos PMs entre os períodos de 2003 a 2005, o
referente órgão foi contactado, pois é lá que todos os processos referentes à saúde dos PMs ficam
arquivados. Todavia, o acesso aos dados demandou do pesquisador certo grau de paciência e um
exercício de humildade devido à resistência por parte da presidência da Junta Médica da PM. Após
dez contactos e cinco reuniões, tentativas essas intercaladas por períodos de até seis meses e
acompanhadas com expressões do tipo: “volte depois; depois entre em contato conosco; no
momento estamos estruturando os dados de modo a fazê-los mais fidedignos”. No total, o tempo
que se levou foi de um ano entre o primeiro contato até a efetiva liberação dos dados23.
É importante ressaltar que devido à falta de um banco de dados e um sistema informatizado
padrão24, não foi possível acessar os dados mais amplos relativo ao universo dos PMs, pois os
mesmos constavam nas fichas arquivadas, e como não permitiram o acesso aos processos – e
mesmo se autorizasse o tempo não seria propício para folhear um a um, já que para fazê-lo também
careceria de pessoal. Houve então um enfoque nas licenças médicas e nas reformas por invalidez.
Identificou-se desta forma, o número de PMs afastados, os grupos patológicos das reformas por
invalidez. Informações esses que permitiram a composição do quadro geral de morbidade dos PMs.
Talvez, devido à falta de uma tabulação dos referentes dados pela Junta Médica, não foi
possível liberar os motivos e os dias decorrentes dessas licenças. Todavia, esses números apontam
para uma ínfima redução, mas mesmo assim mostra um quadro preocupante, sobretudo porque
exibe um patamar de licenças quase que inalterado nesses três anos, conforme mostra os dados da
tabela I.
Tabela I Registros das licenças para tratamento de saúde entre
2003 e 2005
23 Pode-se dizer que o tempo decorrente permitiu enfatizar a importância do estudo e que o mesmo se tratava de um pesquisa de cunho estritamente acadêmico. 24 Pois o que há é o esforço de um policial que desempenha sua função no setor de informática, que por iniciativa própria começou a catalogar alguns dados a partir de 2003.
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.
Mediante os depoimentos dos PMs da RP, existe uma negociação no local de trabalho
quando se trata de problemas de saúde. Em muitos dos casos, dependendo do bom comportamento
desses profissionais, muitos nem precisam ir à Junta Médica. O que de fato acontece é que há uma
solução interna entre os pares, e com a devida autorização dos superiores é que torna possível sua
ausência por certo tempo. Caso não houvesse o emprego desse recurso, o número de licenças para
tratamento de saúde seria certamente maior.
Em seguida, a Tabela II e o Gráfico I mostram os PMs aptos com restrição para o trabalho.
Tabela II Registros das incapacidades parciais para o trabalho
entre 2003 e 2005
MESES LIC.TRAT DE SAÚDE -2003
LIC.TRAT DE SAÚDE – 2004
LIC.TRAT DE SAÚDE –
2005 JAN 35 43 39 FEV 56 51 35 MAR 39 34 51 ABR 43 36 47 MAI 39 40 40 JUN 44 46 40 JUL 46 41 37 AGO 39 43 53 SET 39 41 52 OUT 35 38 34 NOV 44 40 37 DEZ 35 29 26
Total 494 482 491
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.
Gráfico I
332431 455
0
200
400
600
1
Incapacidade parcial
Ano 2003Ano 2004Ano 2005
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.
MESE
S
INCAPACIDADE PARCIAL – 2003
INCAPACIDADE PARCIAL – 2004
INCAPACIDADE PARCIAL – 2005
JAN 22 42 39 FEV 24 32 33 MAR 15 35 29 ABR 23 40 44 MAI 26 31 35 JUN 28 55 49 JUL 24 02 45 AGO 31 44 46 SET 30 35 34 OUT 37 31 37 NOV 32 37 28 DEZ 40 47 36
Total 332 431 455
Chama atenção o salto de 332 para 455 PMs com suas capacidades laborativas restritas à
atividade interna, também conhecida de atividade-meio. Para alguns policiais essas incapacidades
parciais tornaram-se permanentes. Dados que preocupam, pois em 2004 teve 1 (um) caso de policial
incapacitado permanente para o trabalho, em 2005 esse número chega 23 (vinte e três) casos de
policiais.
Por meio da referente pesquisa, foi possível compor quais são os grupos de doenças mais
freqüentes que vitimam os PMs. Os seguintes dados abaixo demonstram tanto na Tabela III, quanto
nos Gráficos II, III, IV, os grupos patológicos que justificam as aposentadorias antecipadas.
Tabela III Registros das reformas por invalidez entre 2003 e 2005
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.
O gráfico II, mostra as reformas por invalidez distribuída em transtorno psiquiátrico (08);
neoplasia (05), raumatológica (03); oftalmológica (02) e a cardiológica (01). Como mostra os
dados, as doenças mentais foram as de maior incidência, correspondendo a 42% de um total de 19
aposentadorias por invalidez.
Gráfico II
MESE
S
REF. POR INVALIDEZ 2003
REF. POR INVALIDEZ 2004
REF. POR INVALIDEZ 2005
JAN - 04 03 FEV 03 - 01 MAR 02 02 01 ABR 01 - 02 MAI 01 - 01 JUN 03 - 01 JUL 02 01 02 AGO - 02 03 SET 03 01 02 OUT 03 - - NOV 01 01 01 DEZ - - 02
Total 19 11 19
Causas da reformas por invalidez em 2003
16%
42%11%5%
26%Traumatológica
Psiquiátrica
Oftalmológica
Ortopédica
Neoplásica
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.
No gráfico que se segue, já se vê uma mudança na composição dos grupos patológicos que
faz alterar os motivos das reformas por invalidez do ano anterior. Pois se vê os problemas de ordem
neurológica (1) e o HIV25(1) se incorporem no rol dessas doenças juntamente com a oftálmica (1);
ortopédica (1); neoplásica (1); traumatológica (3) e o transtorno psiquiátrica (3). Mais uma vez o
transtorno psiquiátrico (27,5%) lidera, juntamente com as de tramatologia (27,5%), as etiologias das
aposentadorias.
Gráfico III
25 Se bem que não se pode denominar o HIV de doença, mas sim como uma tipologia de vírus que causa a destruição das defesas do organismo humano, tornando o corpo mais vulnerável às doenças. Causando com isso a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA / AIDS).
Causas das reformas por invalidez em 2004
9%9%
9%9% 9%
27.5%
27.5%
Tramatológica
Neurológica
Psiquiátrica
HIV
Oftalmológica
Ortopédica
Neoplásica
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.
No ano de 2005 as causas de reformas por invalidez retornam ao mesmo patamar das do ano
de 2003 com 19 (dezenove) reformas. Todavia apresentam uma variação ao se considerar os
motivos. Por outro lado, os grupos de morbidez psiquiátrica (5) e traumatológica (5) lideram com
27%.
Gráfico IV
Causas das reformas por invalidez em 2005
27%
27%5%5%
21%
5%5% 5%
Traumatológica (5)
Psiquiátrica (5)
Hemorragia.hiper (1)
Reumatologica (1)
Oncológica (4)
Cardiológica (1)
Endocrinológica (1)
Imunológica (1)
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.
Além dos transtornos mentais aparecerem sempre à frente quando se fala das reformas, e
também divide essa incidência com outras morbidades, o seguinte levantamento presente no quadro
II aponta para outra realidade importante: uma diz respeito à graduação e a outra às unidades,
conforme indica o quadro logo abaixo referente anos de 2003 e 2005, o ano de 2004 não consta
porque a Junta Médica não tinha esses dados disponíveis no banco.
Quadro IV Motivos das reformas por invalidez segundo as graduações,
as unidades e as etiologias Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006.
O quadro anterior é importante porque permite alistar tanto a graduação, como a unidade e a
etiologia de forma geral nos respectivos anos, e a tabela que se segue enfatizar essa relação entre a
problemática psíquica e a graduação dos PMs:
ANO 2003 ANO 2005
GRAD UNID ETIOLOGIA GRAD UNID ETIOLOGIA CB PM 4º BPM Neoplásico SD PM 3ºBPM Traumatológico SD PM 2º BPM Psiquiátrico CB PM - Psiquiátrico
CB PM 1º BPM Psiquiátrico 3º SGT 1º BPMHemorrágico/hiper
tensivo 3º SGT 4º BPM Traumatológico CB PM 4ºBPM Reumatológico CB PM 1ºBPM Oftalmológico CB PM 3ºBPM Traumatológico ST PM CCB Neoplásico CB PM 1ºBPM Traumatológico SD PM 1º BPM Traumatológico SD PM 2º BPM Psiquiátrico CB PM 1º BPM Psiquiátrico CB PM 1º BPM Psiquiátrico ST PM 4ºBPM Psiquiátrico CB PM - Oncológica 3º SGT 2º BPM Psiquiátrico SGT PM - Oncológica
CB PM 2ºBPM Psiquiátrico CB PM 1ºEPM
ON Cardiológica SD PM 1º BPM Neoplásico SGT PM - Oncológica CB PM 5º BPM Traumatológico SD PM 6º BPM Traumatológico SD PM 1º BPM Psiquiátrico SD PM 4º BPM Endocrinológico 3ºSGT QCG Psiquiátrico CB PM 1º BPM Imunológico CB PM QCG Neoplásico SD PM 5º BPM Psiquiátrico SD PM 2º BPM Oftalmológico CB PM 4º BPM Psiquiátrico 2º SGT 3º BPM Cardiológico CB PM - Traumatológico 3º SGT QCG Neoplásico CB PM 3ºBPM Oncológica
Tabela IV
Reforma em 2003 segundo a graduação e a morbidade psiquiátrica
MP % OM’s %
Soldado 2 25 3 27
Cabo 3 37 4 37
Sargento 2 25 3 27
Subtenente 1 13 1 9
Total 8 100 11 100
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006 Legenda: MP = Morbidade Psiquiátrica; OM’s = Outras Morbidades
Como se percebe, somente a MP corresponde a 42% das causas de aposentadorias
involuntárias no ano de 2003, ou seja, profissionais da segurança pública que se tornaram incapazes
à vida laboral antecipadamente.
A próxima tabela V também evidencia esses números preocupantes:
Tabela V
Reforma em 2005 segundo a graduação e a morbidade psiquiátrica
MP % OM’s %
Soldado 2 40 3 21
Cabo 3 60 8 58
Sargento - - 3 21
Subtenente - - - -
Total 5 100 14 100
Fonte: Junta Médica da PMPB, 2006 Legenda: MP = Morbidade Psiquiátrica; OM’s = Outras Morbidades
Percebe-se na referente tabela uma mudança na distribuição das morbidades, mas mesmo
assim a MP corresponde a 26% dessas aposentadorias por invalidez. Entretanto, faz-se mister
evidenciar que não se trata aqui de discorrer sobre uma questão disjuntiva entre MP e OM’s, mas
sim mostrar que PMs adoecem e se tornam incapazes ao trabalho. E se ao conceber a centralidade
que o trabalho tem na vida das pessoas e na construção da identidade – conforme discussão no item
2.3 – mesmo que os PMs não tenham se reformados por MP, os outros motivos podem incidir sobre
a saúde mental desses profissionais.
É importante frisar que tanto em 2003 como em 2005 as aposentadorias involuntárias
somente vitimaram os soldados, cabos, sargentos e subtenentes, ou seja, os praças, pois são
graduações que geralmente estão em atividade de patrulhamento. Exceto a de subtenente, cujo
exercício de sua atividade é mais no âmbito da atividade interna, o que não impede que ele exerça o
policiamento ostensivo.
Esses dados evidenciam que quanto menor a graduação, mais eles se aposentam por
invalidez. Contudo não se pode afirmar, em sua totalidade, que todos esses policiais exerciam suas
funções em atividade fim, pelo fato da Junta Médica não dispor desses registros. No entanto, de
acordo com os depoimentos e discussões do item 4.2, pode-se dizer que são esses profissionais de
policiamento ostensivo que mais estão expostos a situações de riscos intermitentes, pois são eles
que se encontram no confronto diário do trabalho policial.
É importante frisar o estudo realizado por Sousa & Minayo (2005), muito embora se refiram
às licenças para tratamento de saúde e incapacidade física parcial causadora de afastamento das
atividades por hierarquia de servidores. O número médio de praças com agravos exigindo
afastamento é 20 vezes maior que o dos oficiais, ou seja, correspondendo a cerca de 96% das
licenças entre 2000 a 2004.
O quadro II também traz um elemento que merece destaque, é a unidade. Porque, como se
pode observar é no 1º Batalhão, situado em João Pessoa, o local de maior número de aposentadorias
por invalidez, correspondendo a 32% das reformas no ano de 2003. Em 2005, esse quadro ainda
permanece.
Os números, juntamente com os materiais das entrevistas, observações e instrução ao sósia,
ajudam a compor um quadro cuja demonstração diz que os servidores da segurança pública,
especificamente os militares estaduais da Paraíba, é uma área que precisa de mais estudos e,
sobretudo, necessitam de ações efetivas de modo a torná-los menos vulneráveis a situações
laborativas causadoras de danos à sua integridade.
4. 3 AS VIVÊNCIAS DE PRAZER: o riso depois da dor na RP
De acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), o trabalho, dependendo da forma como esteja
organizado, pode ser estruturante na vida de quem o realize. Constituindo-se, portanto, como um
espaço de construção de sentido, aquisição da identidade e historização contínua do sujeito.
Podendo se tornar, também, em uma fonte de equilíbrio instável de bem-estar bio-psico-social.
De posse dessa afirmativa, leva-se a crer que os PMs da RP não experimentam somente
sofrimento e dor no trabalho, eles também experienciam prazer – mesmo que ele não se expresse de
forma continuada. Através dos relatos desses profissionais, foi possível identificar em quais
situações de trabalho o prazer é sentido.
A identidade profissional surge como uma afetação psíquica de bem-estar. Pode-se dizer que
é nela que o PM se reporta às lembranças lúdicas26 e, sobretudo, à representação psíquica que esta
profissão exerce na sua história enquanto sujeito. É o que se evidencia na seguinte fala: “(...) meu
pai era policial, e desde pequeno eu ouvia e o tinha como espelho. Então, quando eu sai do exército
a primeira coisa que eu quis ser era policial (...). É de família mesmo, meu pai, meu irmão, meus
primos, todos eram (...)” [RP].
Dejours (1990) ao destacar as forças simbólicas presentes no cotidiano de trabalho, recorre à
analogia do trabalho como teatro para ilustrar a conjugação dessas forças. Tais forças encontram
ressonância justamente nas invocações concordantes com a história de vida (singular) do sujeito na
situação real do trabalho. A partir do momento quando o presente reverbera no passado, e este, no
que é vivido hoje, instala-se a produção de sentido da tarefa.
“Os familiares todos militares, tava na alma né, só eu é quem não era. Meu pai, meus irmãos eram. Minha vontade maior era por causa disso. Depois de ter passado pelas forças armadas né, no exército, e atribuído a tudo isso a minha vontade de ser militar” [RP].
Sobre essas reminiscências, além de viabilizar a produção de um fim criativo ao sofrimento,
Dejours (1990) diz que o prazer e o sofrimento criativo têm uma relação intrínseca. Todavia, não se
pode considerá-los sinônimos até porque, parece, um possa ser decorrência do outro. Muito embora
se saiba que nem todo sofrimento se transforma em criatividade geradora de prazer. Por outro lado,
o que pode existir é uma ausência de sofrimento em prol de uma maneira mais tênue para realizar a
tarefa.
Ao que tange a estabilidade no emprego, como outra manifestação do prazer na atividade de
RP, é necessário considerar o cenário vigente do mundo do trabalho. Pois, o mesmo jaz cheio de
26 Faz parte do imaginário social as brincadeiras de mocinho e vilão, policial e bandido, que são experienciadas desde a infância.
desafios que procura conciliar as mudanças na área tecnológica, econômica e política, e alguns
estudiosos sociais, dentre eles Antunes (1998; 1999) e Castel (1998), discutem as implicações
dessas transformações na vida das pessoas e como o capitalismo contemporâneo não consegue dar
contar das repercussões pouco animadoras para o mundo do trabalho, dentre elas o emprego.
Todavia, algo é certo, em tempos de incerteza do/no emprego, uma das formas de garanti-lo
é entrar na esfera pública, seja ela municipal, estadual ou federal – e se tornar policial não foge a
regra. Porque a polícia é uma instituição pública e os trabalhadores locados nela são servidores
públicos.
Pelo fato do desemprego não representar uma ameaça constante aos policias, a RP vê no
exercício dessa profissão uma garantia financeira, e também um espaço combinatório de tempo e
estudo. Tal conciliação permite alguns policiais se preparem para outros concursos públicos de
modo a conciliar emprego com melhores condições salariais, sem que com isso tenham que arriscar
a própria vida. É o que eles afirmam.
A partir do momento em que o serviço público militar é visto dessa forma, cria tanto o
problema para as lideranças militares em descobrir e manter as pessoas necessárias na Polícia, como
também viabilizar formas de valorização do PM. Por outro lado, essa relação de tempo-estudo-
preparo corresponde a um modo que eles encontraram de ainda permanecer na polícia, e com isso
encontrar sentido na atividade.
Dentre as outras manifestações de prazer, o compromisso social também foi expresso pela
RP como uma das formas de ter satisfação no trabalho. Pois a RP salienta para o fato de que “se não
tivesse a polícia a gente vivia em verdadeiro clima de barbárie”. Ao reconhecer isto, eles
procuram elaborar consigo mesmo e, sobretudo, coletivamente, a preservação da saúde.
É quando eles conseguem do mesmo modo reconhecer no coletivo de trabalho a importância
tanto para a realização da tarefa, como encontrarem juntos formas de não se desgastarem
psiquicamente. Para isso, eles utilizam algumas estratégias de defesa, tais como: discutir entre si os
problemas advindos tanto da organização do trabalho, como os de ordem pessoal.
Conforme a RP, os referentes problemas são identificados por eles como situações geradoras
de “muita carga” e se eles não falarem, debaterem entre si, “terminam não se sentido bem
psicologicamente e é importante que a mente esteja boa no trabalho policial. Porque senão termina
transferindo, tanto para os colegas de trabalho como nas ocorrências, os problemas que estão
vivendo”.
CAPÍTULO V – CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO
O início deste estudo, bem como todo o seu percurso, caracterizou-se por questões sobre as
situações de trabalho dos PMs da RP. À medida que esta dissertação foi se desenvolvendo, ficou
possível identificar em quais situações emergem as vivências de sofrimento psíquico e prazer na
atividade desses profissionais.
O sofrimento psíquico, enquanto categoria teórica na presente investigação, teve o propósito
de contemplar as categorias que emergiram do corpus da pesquisa mediante os depoimentos dos
PMs da RP frente à sua atividade. Se a categoria teórica versa sobre sofrimento, é nas categorias
empíricas que o sofrimento é dito, falado.
As categorias empíricas a seguir, traduzem a subjetividade dos policiais da RP que sofrem,
quando não se vêem assistidos por serviços de promoção de saúde e social no ambiente de trabalho;
sofrem ao se perceberem em uma atividade caracterizada por um alto nível de exposição às
situações de riscos intermitentes, tornando-os vulneráveis, principalmente, devido a uma estrutura
de trabalho não condizente com nível de exposição que eles se submetem; sofrem pelas condições
precárias de trabalho e pela falta de equipamentos adequados.
Em relação ao modelo de organização, a RP destacou o quanto é restrito o espaço que é
dado à manifestação do humano no trabalho policial, sobretudo, a forma como as relações
hierárquicas acontecem, muita das vezes, por meio de uma relação déspota. Muito embora, os PMs
já notam mudanças favoráveis na relação de poder entre os níveis hierárquicos.
A RP também manifesta expressivo sofrimento psíquico quando se percebe impotente em
suas atividades, passando a desenvolver sentimento de frustração e incapacidade. Sofre devido à
falha na comunicação das ocorrências, bem como, quando vêem nos seus colegas de trabalho atos
ilegais que prejudicam ainda mais a imagem e o trabalho da PM. Por fim, sofre quando a sociedade
e, sobretudo, a própria instituição da PM, não reconhecem o trabalho que os policiais realizam.
Por outro lado, percebeu-se que os PMs da RP formam um coletivo de trabalho em
determinadas situações com objetivo de regular a atividade, principalmente quando se trata de se
manterem saudáveis. Portanto, o coletivo funciona ora como dispositivo regulador da atividade ora
como estratégia de preservação da integridade psíquica.
Quando o militar estadual não consegue mais “driblar” o sofrimento no trabalho, a dimensão
psicofísica é afetada de forma danosa, comprometendo-lhe à vida laboral. Os indicativos de como
essas condições e organização do trabalho incidem sobre a saúde desses profissionais, são por meio
das licenças médicas e as reformas por invalidez. Os dados fornecidos pela Junta Médica da Polícia
Militar da Paraíba, entre os anos de 2003 e 2005, apontam os transtornos psíquicos, dentre outros,
como o que mais se destaca nas referidas reformas involuntárias.
Como se pode notar, não existe uma situação de trabalho única, que sozinha, relacione-se
com o sofrimento psíquico dos PMs da RP. Porque se assim fosse, correr-se-ia o risco de equívocos
reducionistas. Por outro lado, é possível identificar em meio a esse quadro, situações outras capazes
de gerar prazer nessa modalidade de policiamento. Pode até parecer surpresa, mas é possível
encontrar sentido e prazer em ser policial. Isso acontece, sobretudo, quando eles se identificam com
o trabalho, e quando esses profissionais reconhecem a função social que a Polícia Militar
desempenha na sociedade.
Faz-se mister antes de encerrar este trabalho, enfatizar que a maior parte das intervenções
capaz de viabilizar a diminuição de danos no trabalho de polícia militar, perpassa os trâmites de
modernização do trabalho policial, sobretudo, nas estratégias de atuação utilizadas nas ocorrências,
bem como, dos equipamentos de execução que eles têm. Porque esses procedimentos terão
repercussões no cotidiano do trabalho deles, e, por conseguinte, serão promotoras de saúde e
segurança na atividade policial. Ademais, é necessário coincidir políticas de redução da
criminalidade e que também possam diminuir a dicotomia entre a polícia e a sociedade.
Por outro lado, devido os PMs serem os primeiros a sofrerem as implicações de uma
precarização no trabalho, cujas conseqüências sobre a saúde ocorrem individualmente, mas o
problema é compartilhado no coletivo, ou seja, por todos. Por isso mesmo, a premissa maior toca
aos PMs, pois são eles que precisam reivindicar melhorias no trabalho e não delegar a qualquer que
seja a tutela sobre a sua saúde.
Este estudo, entretanto, não é um fim em si mesmo, ou seja, não se esgota aqui. É preciso
outras pesquisas propiciadoras de diálogo entre a academia e a PM, principalmente ao que se refere
à construção de metodologias e processos de melhoramento em uma organização de trabalho
pautada nos princípios de disciplina e hierarquia, cujas reivindicações podem ser entendidas como
pena passível de punição.
Esse diálogo interinstitucional preencherá os espaços silenciosos instituído no Brasil durante
o período da ditadura militar, e de silêncio basta o constrangimento dessa imposição – que ainda
ecoa nos dias vigentes. O prejuízo sofrido nas duas últimas décadas teve implicações infelizes.
Criando com isso um espaço, pós-regime militar, não muito propício para se tratar de temas com
foco na polícia, e quem o fizesse não era bem visto pela sociedade.
São vinte anos em que a produção de conhecimento nessa área foi comprometida, e o
término desta dissertação enseja um novo patamar a alcançar. Porque gerou uma visibilidade ao
sofrimento psíquico decorrente das situações de trabalho dos PMs da RP. Logo, identificada essas
situações, é possível investir na sua prevenção não somente como fim nobre a ser alcançado, mas
também como caráter econômico. Visto ser mais produtivo investir na prevenção do que tentar
mediar os danos causados pelas más condições de trabalho.
Além disso, este estudo se constitui em um material necessário às lideranças militares que
procuram construir uma polícia mais eficiente com o propósito de melhor servir à sociedade.
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WISNER, A. Por Dentro do Trabalho: ergonomia – método e técnica. São Paulo: FTC-Oboré,
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Apêndice A – Roteiro da entrevista
1 Dados profissionais
1. 1 O que influenciou na escolha pela profissão de policial militar? Qual a expectativa na época da
escolha e a de hoje?
1. 2 O que é ser PM?
1. 3 O que incomoda no trabalho de PM da RP? Por quê?
1. 4 Quando é que vocês se sentem irritados no trabalho? O que vocês fazem? Descrevam.
1. 5 Qual o setor que vocês consideram mais perigos?
1. 6 O que pode comprometer o trabalho na atividade de R/P? Diante dessa situação, o que se faz?
1. 7 Vocês costumam sair para o trabalho, e chegar, fardados? Por quê?
1. 8 Vocês atuam como policias em áreas onde vocês moram ou que tenham certa proximidade? Já
aconteceu? E quando acontece o que se faz?
2 Dados relativos à saúde
2. 1 Na profissão de vocês o que mais perigoso?
2. 2 Quais são os tipos de riscos que vocês identificam no trabalho de RP?
2. 3 O que vocês fazem para diminuir ou evitar riscos no trabalho de RP?
2. 4 Como vocês se sentem depois de um dia de trabalho?
2. 5 O que mais lhe dá prazer no trabalho de RP?
2. 6 Qual a periodicidade dos exames realizados no Batalhão? Especifiquem?
2. 7 Como é o serviço de saúde na PM? Existe algum programa de trabalho psicológico?
2. 8 O que mobilizam vocês a serem policiais?
2. 9 O que vocês costumam fazer nos momentos de folgas?
2. 10 Quando vocês vão dormir, o sono é reparador?
2. 11 Fazem uso de medicamento para dormir? Há Quando tempo?
3 Estrutura temporal do trabalho
3. 1 Escala de trabalho da RP
3. 2 Ritmo de trabalho da RP
3. 3 Duração (pausas, intervalos inter-escalas e descansos)
3. 4 Faltas (quais são os procedimentos)
4 Aspectos da hierarquia
4. 1 O que vocês pensam sobre a forma como a PM é estruturada e dirigida?
4. 2 O que mais lhes agradam na PM? Por quê?
4. 3 O que mais lhes desagradam na PM? Por quê?
4. 4 Como é o controle de horário (inicio e término) e a fiscalização?
5 Comunicação no trabalho
5. 1 Enquanto vocês estão no ponto base, como é o relacionamento de vocês até o momento da RP
ser acionada
5. 2 Como vocês vêem a relação com seus colegas e superiores?
5. 3 Com os usuários: o que mais agrada e menos agrada?
5. 4 Como é feita a comunicação para se acionar uma RP?
6 Divisão e conteúdos das tarefas
6. 1 O que é atribuição de uma RP?
6. 2 O que é atribuição do patrulheiro?
6. 3 O que é atribuição do motorista?
6. 4 O que é atribuição do cabo/sargento?
7 Política de pessoal
7. 1 O que faz com que um PM seja desligado da polícia?
7. 2 Vocês se sentem reconhecidos pelo que fazem (instituição e/ou sociedade)?
7. 3 O que essa falta de reconhecimento causa?
7. 4 De que maneira vocês são avaliados pela instituição?
7. 5 O que vocês recebem de salário dá para suprir as suas necessidades? Por quê?
7. 6 O que vocês fazem para complementar a renda? Em quais funções?
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Universidade Federal da Paraíba – UFPB
Centro de Tecnologia – CT
Departamento de Engenharia da Produção
Prezado (a) Senhor (a),
Esta pesquisa é sobre Trabalho de Policia Militar e Saúde Mental: um estudo de caso sobre
sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha, realizado por Maurivan Batista da
Silva, aluno do Mestrado de Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba, sob a
orientação da Profª. Drª. Sarita Brazão Vieira.
Os objetivos do estudo são:
Geral
Identificar as situações de trabalho policial geradoras de sofrimento psíquico e prazer na
atividade de radiopatrulha.
Específicos
Analisar a atividade de policial militar da radiopatrulha.
Apontar quais são as condições de trabalho que representam riscos à integridade e
psíquica desses profissionais.
Verificar o índice de adoecimento dos PMs da Paraíba.
Descrever as estratégias que os PMs da radiopatrulha empregam para promoção de
saúde e segurança no trabalho.
O presente estudo poderá se constituir em uma ferramenta importante para a administração
de segurança pública, na medida em que tem como foco a saúde mental desses policiais e a
dinâmica do sofrimento psíquico e prazer no exercício desta profissão.
Solicitamos a sua colaboração para as entrevista, observação e na instrução ao sósia, como
também sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos acadêmicos e
publicá-los em revista científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será mantido
em sigilo. Informamos que essa pesquisa não oferece risco nenhum para a sua saúde.
Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o senhor não é
obrigado a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pelo Pesquisador.
Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não
sofrerá nenhum dano, nem haverá modificação na assistência que vem recebendo na Instituição.
Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere
necessário em qualquer etapa da pesquisa.
Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido e dou o meu consentimento para
participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse
documento.
______________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
Contato com o Pesquisador (a) Responsável:
Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar:
(83) 3232-8350 (residência) / 3216-7124 (Coordenação do Mestrado).
Atenciosamente,
___________________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
ANEXO A - FOLHA DE ROSTO PARA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS
MINISTÉRIO DA SAÚDE - Conselho Nacional de Saúde - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP
1. Projeto de Pesquisa: TRABALHO DE POLICIA MILITAR E SAÚDE MENTAL: um estudo de caso sobre o sofrimento psíquico e prazer na atividade de radiopatrulha 2. Área do Conhecimento (Ver relação no verso)
3. Código:
4. Nível: ( Só áreas do conhecimento 4 )
5. Área(s) Temática(s) Especial (s) 6. Código(s): 7. Fase: (Só área temática 3) I ( ) II ( ) III ( ) IV ( )
8. Unitermos: ( 3 opções )
SUJEITOS DA PESQUISA
9. Número de sujeitos No Centro : Total:
10. Grupos Especiais : <18 anos ( ) Portador de Deficiência Mental ( ) Embrião /Feto ( ) Relação de Dependência (Estudantes , Militares, Presidiários, etc ) ( ) Outros ( ) Não se aplica ( )
PESQUISADOR RESPONSÁVEL 11. Nome:
12. Identidade:
13. CPF.:
19.Endereço (Rua, n.º ):
14. Nacionalidade:
15. Profissão: 20. CEP:
21. Cidade:
22. U.F.
16. Maior Titulação:
17. Cargo 23. Fone:
24. Fax
18. Instituição a que pertence:
25. Email:
Termo de Compromisso:. Data: _______/_______/_______ ______________________________________ Assinatura
INSTITUIÇÃO ONDE SERÁ REALIZADO 26. Nome:
29. Endereço (Rua, nº):
27. Unidade/Órgão: 30. CEP:
31. Cidade: 32. U.F.
28. Participação Estrangeira: Sim ( ) Não ( ) 33. Fone: 34. Fax.:
35. Projeto Multicêntrico: Sim ( ) Não ( ) Nacional ( ) Internacional ( ) ( Anexar a lista
de todos os Centros Participantes no Brasil )
Termo de Compromisso ( do responsável pela instituição ) :Declaro que conheço e cumprirei os requisitos da Res. CNS 196/96 e suas Complementares e como esta instituição tem condições para o desenvolvimento deste projeto, autorizo sua execução Data: _______/_______/_______ ___________________________________ Assinatura
PATROCINADOR Não se aplica ( x ) 36. Nome: 39. Endereço
37. Responsável: 40. CEP: 41. Cidade:
42. UF
38. Cargo/Função: 43. Fone: 44. Fax:
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - CEP
45. Data de Entrada: _____/_____/_____
46. Registro no CEP: 47. Conclusão: Aprovado ( ) Data: ____/_____/_____
48. Não Aprovado ( ) Data: _____/_____/_____
49. Relatório(s) do Pesquisador responsável previsto(s) para: Data: _____/_____/____ Data: _____/_____/_____ Encaminho a CONEP: 50. Os dados acima para registro ( ) 51. O projeto para apreciação ( ) 52. Data: _____/_____/_____
53. Coordenador/Nome ________________________________ Assinatura
Anexar o parecer consubstanciado
COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA - CONEP 54. Nº Expediente : 55. Processo :
56.Data Recebimento : 57. Registro na CONEP:
ANEXO B -FORMULÁRIO DE ENCAMINHAMENTO DE PROJETO DE PESQUISA
COMITÊ DE ÉTICA EM \PESQUISA- CEP/CCS-UFPB
TÍTULO DA PESQUISA:
NOME COMPLETO DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL:
INSTITUIÇÃO:
DEPARTAMENTO/ CENTRO:
TEL. TRABALHO: TEL. RESIDENCIAL:
E-MAIL:
FINALIDADE DA PESQUISA: TCC ( ) PIBIC ( ) ESPECIALIZAÇÃO ( ) MESTRADO ( ) DOUTORADO ( ) OUTROS (ESPECIFICAR)
LOCAL ONDE SERÁ REALIZADA (SETOR):
PARTICIPANTES DA PESQUISA: Crianças ( ) Adolescentes ( ) Adultos ( ) Pacientes ( ) Estudantes ( ) Outros (especificar):
PERÍODO DA PESQUISA:
PREVISÃO PARA O INÍCIO DA COLETA DE DADOS:
PROCEDIMENTO( S) PARA COLETA DE DADOS: ENTREVISTA ( ) QUESTIONÁRIO ( ) PESQUISA EM PRONTUÁRIO ( ) ( ) OUTROS (ESPECIFICAR):
ENCAMINHAMENTO PARA APRECIAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ( )
JOÃO PESSOA -----/ -----/ -------
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo