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Material de apoio Admininistração ATA Professor Cosme Sergio ([email protected]) Página 1 0. CONCEITOS BÁSICOS: ADMINISTRAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DIMENSÕES DE DESEMPENHO (5 “E”s) 0.1 ADMINISTRAÇÃO E ORGANIZAÇÃO O primeiro conceito que temos de Administração é o estudo das organizações. Mas o que seriam essas organizações? Para entender tal conceito, precisamos saber o que significam as palavras RECURSOS e OBJETIVOS: RECURSOS: são entidades reais ou virtuais que possuem um valor que pode ser avaliado. Por exemplo: pessoas, conhecimento, tempo, dinheiro, informação, espaço, instalações, matéria-prima, etc. OBJETIVOS: são resultados específicos que se pretende atingir. Por exemplo: uma situação ou estado futuro desejado, a construção de um produto físico ou conceitual ou a realização de um determinado evento. Juntando as duas palavras acima, obtemos a definição de organização: ORGANIZAÇÃO: SISTEMA DE RECURSOS estruturado com a finalidade de alcançar OBJETIVOS. A Sociedade Humana é formada por organizações, as quais fornecem as condições para o atendimento das necessidades das pessoas. Como exemplo, podemos citar os serviços de água, energia, telefone, alimentação, saúde, educação, etc. Todos têm pelo menos uma organização preocupada em prestar os serviços citados com qualidade mínima (objetivo) e para isso emprega os recursos que possui. Na verdade, podemos dizer que há poucos aspectos da vida contemporânea que não sejam influenciados por alguma espécie de organização e por isso nossa sociedade é chamada de ORGANIZACIONAL. Os objetivos, normalmente, envolvem a entrega de produtos e/ou serviços que resolvam o(s) problema(s) do usuário (também chamado “cliente”) da organização. Para isso, a organização emprega os recursos disponíveis, transformando-os inclusive, para atingir o objetivo. E como ela faz isso? Por meio dos PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO e da DIVISÃO DO TRABALHO, que são outros componentes importantes da organização, além dos RECURSOS e dos OBJETIVOS. Mas como juntar todos esses componentes e fazer a organização atingir o resultado esperado? Antes disso, como definir quais os objetivos da organização? Como alocar os recursos da melhor forma possível? Como verificar se a organização está se comportando de acordo com o esperado? Quem pode fornecer essas respostas é a ADMINISTRAÇÃO! ADMINISTRAÇÃO: processo de tomada de decisão sobre OBJETIVOS e utilização de RECURSOS. Viram como tudo está interligado? Ela é que faz com que as pessoas que dirigem as ORGANIZAÇÕES (e aquelas que as auxiliam nessa tarefa) tenham o embasamento necessário para tomar as decisões mais apropriadas para cada situação a fim de melhorar o desempenho da organização. Muitos pensam que a Administração é uma ciência moderna, surgida no final do século XX. Na verdade ela já é praticada desde a Antiguidade, na civilização suméria (primeiros livros de contabilidade), nos egípcios (construção das pirâmides!), babilônios (código de Hamurabi) e romanos (organização e administração de um império multinacional, com o estabelecimento de administradores provinciais, fundação de colônias e construção de estradas). Todavia, foi com o advento da Revolução Industrial e com a necessidade de se melhorar o desempenho das indústrias, que começaram a surgir os primeiros conceitos e técnicas administrativas que possibilitaram à Administração se consolidar como uma disciplina. Surgiu um novo profissional: o administrador de organizações. Ele precisava de treinamento especializado e por isso surge, em 1881, nos EUA, a primeira escola de Administração do mundo. Na virada para o século XX, surge a Administração Científica e outras importantes tendências da moderna administração. Iremos estudar superficialmente tais tendências durante nosso curso, pois não estão mencionadas explicitamente no edital da CGU, mas é importante ter conhecimento do que elas tratam. OBSERVAÇÕES IMPORTANTES: - a palavra “Administração” possui ainda outros significados, sendo empregada também para se referir

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  • Material de apoio Admininistrao ATA

    Professor Cosme Sergio ([email protected]) Pgina 1

    0. CONCEITOS BSICOS: ADMINISTRAO, ORGANIZAO, ADMINISTRAO PBLICA, DIMENSES DE DESEMPENHO (5 Es)

    0.1 ADMINISTRAO E ORGANIZAO

    O primeiro conceito que temos de Administrao o estudo das organizaes. Mas o que seriam essas organizaes? Para entender tal conceito, precisamos saber o que significam as palavras RECURSOS e OBJETIVOS:

    RECURSOS: so entidades reais ou virtuais que possuem um valor que pode ser avaliado. Por exemplo: pessoas, conhecimento, tempo, dinheiro, informao, espao, instalaes, matria-prima, etc.

    OBJETIVOS: so resultados especficos que se pretende atingir. Por exemplo: uma situao ou estado futuro desejado, a construo de um produto fsico ou conceitual ou a realizao de um determinado evento.

    Juntando as duas palavras acima, obtemos a definio de organizao:

    ORGANIZAO: SISTEMA DE RECURSOS estruturado com a finalidade de alcanar OBJETIVOS. A Sociedade Humana formada por organizaes, as quais fornecem as condies para o atendimento das necessidades das pessoas. Como exemplo, podemos citar os servios de gua, energia, telefone, alimentao, sade, educao, etc. Todos tm pelo menos uma organizao preocupada em prestar os servios citados com qualidade mnima (objetivo) e para isso emprega os recursos que possui. Na verdade, podemos dizer que h poucos aspectos da vida contempornea que no sejam influenciados por alguma espcie de organizao e por isso nossa sociedade chamada de ORGANIZACIONAL.

    Os objetivos, normalmente, envolvem a entrega de produtos e/ou servios que resolvam o(s) problema(s) do usurio (tambm chamado cliente) da organizao. Para isso, a organizao emprega os recursos disponveis, transformando-os inclusive, para atingir o objetivo. E como ela faz isso? Por meio dos PROCESSOS DE TRANSFORMAO e da DIVISO DO TRABALHO, que so outros componentes importantes da organizao, alm dos RECURSOS e dos OBJETIVOS.

    Mas como juntar todos esses componentes e fazer a organizao atingir o resultado esperado? Antes disso, como definir quais os objetivos da organizao? Como alocar os recursos da melhor forma possvel? Como verificar se a organizao est se comportando de acordo com o esperado? Quem pode fornecer essas respostas a ADMINISTRAO!

    ADMINISTRAO: processo de tomada de deciso sobre OBJETIVOS e utilizao de RECURSOS. Viram como tudo est interligado? Ela que faz com que as pessoas que dirigem as ORGANIZAES (e aquelas que as auxiliam nessa tarefa) tenham o embasamento necessrio para tomar as decises mais apropriadas para cada situao a fim de melhorar o desempenho da organizao.

    Muitos pensam que a Administrao uma cincia moderna, surgida no final do sculo XX. Na verdade ela j praticada desde a Antiguidade, na civilizao sumria (primeiros livros de contabilidade), nos egpcios (construo das pirmides!), babilnios (cdigo de Hamurabi) e romanos (organizao e administrao de um imprio multinacional, com o estabelecimento de administradores provinciais, fundao de colnias e construo de estradas).

    Todavia, foi com o advento da Revoluo Industrial e com a necessidade de se melhorar o desempenho das indstrias, que comearam a surgir os primeiros conceitos e tcnicas administrativas que possibilitaram Administrao se consolidar como uma disciplina. Surgiu um novo profissional: o administrador de organizaes. Ele precisava de treinamento especializado e por isso surge, em 1881, nos EUA, a primeira escola de Administrao do mundo. Na virada para o sculo XX, surge a Administrao Cientfica e outras importantes tendncias da moderna administrao. Iremos estudar superficialmente tais tendncias durante nosso curso, pois no esto mencionadas explicitamente no edital da CGU, mas importante ter conhecimento do que elas tratam.

    OBSERVAES IMPORTANTES:

    - a palavra Administrao possui ainda outros significados, sendo empregada tambm para se referir

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    aos dirigentes de uma organizao e ao local nas organizaes onde se tomam providncias administrativas.

    - a palavra Organizao tambm pode significar qualquer empreendimento humano criado e moldado intencionalmente para atingir determinados objetivos, como uma unidade ou entidade social, podendo ser visualizado sobre dois aspectos: organizao formal (planejada, que est oficialmente no papel) e a informal (que emerge espontnea e naturalmente entre as pessoas a partir dos relacionamentos interpessoais). H tambm outro significado para essa palavra: funo administrativa de organizar, parte integrante do processo administrativo, ato de organizar, estruturar e integrar os recursos e rgos incumbidos de sua administrao e estabelecer relaes entre eles e suas atribuies.

    0.2 ADMINISTRAO PBLICA

    A Administrao Pblica pode ser encarada de duas formas distintas: em sentido subjetivo (formal) ou em sentido objetivo (material). No primeiro, o conjunto de entes (pessoas jurdicas, rgos e agentes pblicos) que tem a incumbncia de exercer uma das funes do Estado: a funo administrativa. No segundo, a funo administrativa a prpria definio de Administrao Pblica. Segundo Di Pietro, Administrao Pblica em sentido subjetivo, formal ou orgnico, designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurdicas, rgos e agentes pblicos incumbidos de exercer uma das funes em que se triparte a atividade estatal: a funo administrativa. Ou seja, o conjunto de organizaes pblicas (rgos e entidades) institudos para consecuo dos objetivos do Governo. Por isso definimos organizao no item anterior, perceberam? E a cincia da administrao ajuda a melhor conduzir tais organizaes. claro que temos que levar em considerao as peculiaridades do setor pblicos e isto ser bem explorado neste curso.

    Di Pietro tambm afirma que em sentido objetivo, material ou funcional, designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administrao Pblica a prpria funo administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo. Falando de outra forma, o conjunto das funes necessrias aos servios pblicos em geral; em acepo operacional, o desempenho perene e sistemtico, legal e tcnico, dos servios prprios do Estado ou por ele assumidos em beneficio da coletividade. Numa viso global, a Administrao Pblica , pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado realizao de seus servios, visando satisfao das necessidades coletivas.

    0.3 DIMENSES DE DESEMPENHO

    Agora, para podermos ir adiante, temos que definir novos conceitos, pois um dos objetivos da administrao melhorar o desempenho da organizao. Por isso, vamos definir os conceitos de eficcia, eficincia e efetividade. Acredito ser importante que vocs conheam tambm a definio de economicidade e eqidade, termos muito usados em Administrao Pblica, que so algumas das dimenses adotadas para se avaliar os desempenhos das organizaes. Bem, vamos l.

    O desempenho das organizaes e seus processos podem ser avaliados de diversas formas segundo o enfoque adotado. Se formos empregar o enfoque da EFICCIA, iremos verificar qual o grau de realizao de objetivos da organizao. Exemplo: se o objetivo da Secretaria de Educao do Municpio de Taylorandia construir 10 escolas no ano de 2008, bastar verificar se, no final deste ano, as 10 escolas esto construdas de acordo com o especificado. Caso afirmativo, a Secretaria ter sido EFICAZ. No so levados em considerao os custos envolvidos, os processos adotados na construo. Portanto:

    EFICCIA: grau de alcance das METAS programadas em um determinado perodo de tempo, independentemente dos custos implicados. Quanto mais alto o grau de realizao dos objetivos e metas, mais a organizao eficaz.

    Ops, que estria essa de METAS? No estvamos falando de OBJETIVOS? Pois , se adicionarmos um prazo e uma quantificao associada a indicadores de desempenho ao objetivo, ele se torna uma meta. No nosso caso, o objetivo mais amplo da Secretaria de Educao seria reduzir o ndice de analfabetismo para 10% ou menos at o final de 2010. H um prazo e uma quantificao. Logo, uma meta. Para conseguir cumpri-la, estabeleceu um sub-objetivo de aumentar o nmero de escolas.

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    Escolheu construir 10 escolas no ano de 2008. Tambm h um prazo e h uma quantificao. Logo tambm uma meta.

    Vamos supor que os servidores pblicos da Secretaria se esmeraram, especificaram bem a realizao da obra, promoveram a concorrncia entre as diversas empresas e conseguiram, com o mesmo oramento inicial, construir 12 escolas em 2008. Conseguiram reduzir os custos e melhorar o processo. Desta forma, foram EFICIENTES.

    EFICINCIA: relao entre PRODUTOS (bens e servios) gerados por uma atividade e os CUSTOS dos insumos empregados, em um determinado perodo de tempo. Uma organizao eficiente quando utiliza seus recursos da forma mais produtiva e econmica possvel, tambm conhecida como forma racional de utilizao (vide prova da CGU-2006). Este conceito envolve os processos de trabalho e o custo dos insumos.

    Agora, ser que a construo das escolas efetivamente conseguiu reduzir o analfabetismo para 10% ou menos? Caso afirmativo, a Secretaria de Educao foi efetiva.

    EFETIVIDADE: relao entre os resultados de uma ao ou programa, em termos de efeitos sobre a POPULAO-ALVO (IMPACTOS OBSERVADOS) e OBJETIVOS PRETENDIDOS (IMPACTOS ESPERADOS). Alguns autores consideram EFETIVIDADE como a unio da EFICCIA com a EFICINCIA e a ESAF cobrou assim na ltima prova. Portanto tenham ateno!

    Outro conceito bastante cobrado em prova e que poder vir a ser inserido no edital deste ano o de Economicidade, que implica a minimizao dos custos dos recursos utilizados na consecuo de uma atividade, sem comprometimento dos padres de qualidade. Muita gente pensa que economicidade consiste simplesmente em comprar mais barato. No s isso. comprar mais barato mantendo as especificaes estabelecidas. Se o projeto original da escola continha uma biblioteca e uma quadra de esportes, estaramos obedecendo ao princpio da economicidade construindo as dez escolas sem tais itens? Certamente cada escola sairia mais em conta. Mas no estaramos obedecendo ao princpio.

    Para fecharmos os chamados 5 Es, falta abordar o conceito de eqidade. A Secretaria de Educao estaria obedecendo a tal princpio se fornecesse aos diversos segmentos da populao em idade escolar condies para que pudessem aproveitar, as escolas construdas. Desta forma, as crianas mais pobres teriam todo o apoio necessrio para que pudessem freqentar as aulas, em igualdade de condies com as crianas mais bem aquinhoadas.

    EQIDADE: tratar da mesma forma aos indivduos com iguais necessidades e proporcionar tratamentos diferenciados a indivduos com necessidades diferentes, objetivando justia social.

    EFICCIA: relao entre OBJETIVO e PRODUTO. Se o produto atendeu o objetivo, a organizao foi eficaz.

    EFICINCIA: relao entre os INSUMOS/RECURSOS e o PRODUTO. Se o produto foi conseguido com uma alocao racional dos recursos e empregando processos otimizados de trabalho a organizao foi eficiente.

    EFETIVIDADE: relao entre os OBJETIVOS estabelecidos e os IMPACTOS/RESULTADOS observados. Se estes esto de acordo com aqueles, a organizao foi efetiva.

    ECONOMICIDADE: relao entre os INSUMOS/RECURSOS e a AO que foi desenvolvida. Se para desenvolver a ao planejada com a qualidade necessria foram empregados os insumos com o menor custo possvel , a organizao foi econmica.

    3. ADMINISTRAO PBLICA: DO MODELO RACIONAL-LEGAL AO PARADIGMA PS BUROCRTICO.

    3.1 O ESTADO OLIGRQUICO E PATRIMONIAL

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    3.1.1 ADMINISTRAO PBLICA PATRIMONIALISTA

    O aparelhamento do Estado evoluiu de acordo com a Histria, sendo inicialmente adotado o modelo patrimonialista, que definiu as monarquias absolutas. A caracterstica que definia o governo nas sociedades pr-capitalistas e pr-democrticas era a privatizao do Estado, ou a interpermeabilidade dos patrimnios pblico e privado.

    Patrimonialismo significa a incapacidade ou a relutncia de o governante distinguir entre o patrimnio pblico e seus bens privados. No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como uma extenso do poder do soberano, o qual utiliza os bens pblicos da forma que achar conveniente, particularmente em seu prprio benefcio. Seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real. A res publica, ou seja, a coisa pblica no diferenciada da res principis, quer dizer, do patrimnio do prncipe ou do soberano. Logo, o patrimnio pblico e o privado so confundidos, havendo uma ligao ou interdependncia entre os dois. Como a autoridade deriva do poder do soberano, este usa da res publica da forma que bem entende, sem prestar contas a quem quer que seja.

    Os cargos pblicos so considerados prebendas ou sinecuras, ou seja, empregos rendosos que exigem pouco ou nenhum trabalho de quem o exerce, e so distribudos da forma que for mais adequada ao soberano. O nepotismo, o empreguismo e a corrupo eram a norma. Logo, a administrao do Estado pr-capitalista era uma administrao patrimonialista.

    Todavia, em tal estado de coisas o capitalismo encontrava grande dificuldade para se desenvolver, visto que no havia estabilidade das normas e das decises dos governantes. Havia a necessidade da implantao de um Estado de Direito para que a nova economia liberal pudesse florescer e se desenvolver. essencial para o capitalismo a clara separao entre o Estado e o mercado.

    As Revolues Liberais ocorridas na Frana e nos Estados Unidos prepararam o terreno para que um novo tipo de Administrao Pblica pudesse ser implantada, inicialmente nos pases europeus na segunda metade do sculo XIX e depois se espalhasse por outros pases em desenvolvimento. As democracias parlamentares que surgiram nesse sculo no toleravam mais o modelo patrimonialista de administrao pblica. S pode existir democracia quando a sociedade civil, formada por cidados, distingue-se do Estado ao mesmo tempo em que o controla. Desta forma, tornou-se necessrio desenvolver um tipo de administrao que partisse no s da clara distino entre o pblico e o privado, mas tambm da separao entre o poltico e o administrador pblico. Surge, ento, a administrao pblica burocrtica moderna, racional-legal.

    No Brasil, tal revoluo s viria a ocorrer nos anos 30 do sculo passado.

    3.1.2 O ESTADO OLIGRQUICO BRASILEIRO.

    O Estado brasileiro de 1900 ainda um Estado oligrquico em que uma pequena elite de senhores de terra e de polticos patrimonialistas dominavam amplamente o pas. Para Faoro o poder poltico do Estado est concentrado em um estamento aristocrtico-burocrtico de juristas, letrados, e militares, que derivam seu poder e sua renda do prprio Estado. Enquanto os senhores de terra e os grandes comerciantes e traficantes de escravos (at 1850) se ocupavam da economia, este estamento dominava com relativa autonomia o Estado e a poltica. Havia a formao de uma nova classe mdia, uma classe burocrtica, composta por um estamento de polticos e burocratas patrimonialistas, que se apropriavam do excedente econmico no seio do prprio Estado, e no diretamente atravs da atividade econmica.

    O mais importante naquele momento, porm, era a ainda a marca da colonizao portuguesa.

    Manoel Bomfim escolheu como subttulo a expresso Males de Origem para salientar que nosso subdesenvolvimento ou, nas suas palavras, o nosso atraso geral , assim como o atraso dos demais pases latino-americanos, estava diretamente ligado ao carter decadente das duas naes colonizadoras, Portugal e Espanha. tradicional a idia de que uma funo fundamental do Estado nessa poca era garantir empregos para a classe mdia pobre ligada por laos de famlia ou de agregao aos proprietrios rurais. No Imprio, seguindo uma tradio portuguesa secular, formara-se uma elite dirigente

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    patrimonialista, que vivia das rendas do Estado ao invs de das rendas da terra, e detinha com razovel autonomia um imenso poder poltico. Em um primeiro momento eles, a partir de sua base estamental ou de suas relaes com o patriciado rural, estudavam em Coimbra, depois, nas faculdades de direito da Olinda e So Paulo. Apoiados nesse conhecimento vinham a ocupar os altos postos do Imprio.

    Havia no Brasil uma aliana do estamento patrimonialista com burguesia mercantil de

    senhores de terra e grandes comerciantes. Esta burguesia transformou-se, no decorrer do sculo XIX, de uma oligarquia principalmente de senhores de engenho para uma oligarquia cafeeira paulista. Tivemos assim um Estado Patrimonial-Mercantil no Imprio, que se estendeu ainda pela Primeira Repblica.

    A elite patrimonialista imperial caracterizada pelo o saber jurdico formal, transformado em

    ferramenta de trabalho e instrumento de poder. A absoluta maioria dos ministros, conselheiros, e presidentes de provncia, e deputados formada em direito. So todos burocratas porque sua renda deriva essencialmente do Estado; so patrimonialistas porque os critrios de sua escolha no so racional-legais, e porque constroem um complexo sistema de agregados e clientes em torno de si, sustentado pelo Estado, confundindo o patrimnio privado com o estatal.

    Srgio Buarque de Holanda foi quem pela primeira vez utilizou o conceito de patrimonialismo

    para caracterizar as elites polticas brasileiras. Diz ele que no era fcil aos detentores das posies pblicas de responsabilidades, formados por tal ambiente (famlia patriarcal), compreenderem a distino fundamental entre os domnios do privado e do pblico.

    essa elite poltica letrada e conservadora que manda de forma autoritria ou oligrquica.

    No h democracia. As eleies so uma farsa. A distncia educacional e social entre a elite poltica e o restante da populao, imensa. E no meio dela temos uma camada de funcionrios pblicos, donos antes de sinecuras do que de funes, dada a funo do Estado patrimonial de lhes garantir emprego e sobrevivncia. O emprego pblico, embora no garantisse plena estabilidade, dada a prtica das derrubadas quando mudavam ministrios de um partido para o outro, era o nico emprego possvel para uma ampla classe mdia desempregada.

    Desta forma percebe-se que os critrios administrativos eram pessoais, e a preocupao

    com a eficincia da mquina estatal, nula. Aos poucos, a burocracia estamental, de carter aristocrtico, comea a ser infiltrada por

    elementos externos, de origem social mais baixa, como aconteceu com o clero e, dentro do aparelho do Estado propriamente dito, com os militares do Exrcito. Comea a surgir administrao pblica burocrtica e o autoritarismo burocrtico-capitalista emerge atravs principalmente dos militares e das revolues que promovem em nome de uma abstrata razo, cujas fontes capitalistas e burocrticas clssicas so claras.

    3.2 O ESTADO AUTORITRIO E BUROCRTICO

    3.2.1 ADMINISTRAO PBLICA BUROCRTICA

    Baseada nos princpios de administrao do exrcito prussiano, a administrao pblica burocrtica constitua-se numa alternativa muito superior administrao patrimonialista do Estado. Tal modelo foi adotado inicialmente nas empresas, principalmente em organizaes industriais, em decorrncia da necessidade de ordem e exatido e das reivindicaes dos trabalhadores por um tratamento justo e imparcial. Segundo Chiavenato, o modelo burocrtico de organizao surgiu como uma reao contra a crueldade e o nepotismo e contra os julgamentos tendenciosos e parciais, tpicos das prticas administrativas desumanas e injustas do incio da Revoluo Industrial. Veio com a finalidade de organizar detalhadamente e de dirigir rigidamente as atividades das empresas com a maior eficincia possvel.

    Quem melhor definiu o modelo burocrtico de organizao foi Max Weber (1864-1920), por meio de estudos sobre as organizaes formais identificando-lhes caractersticas comuns. Segundo ele, tais

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    organizaes baseiam-se em leis escritas, que as pessoas aceitam por acreditarem que so racionais1 e que definem antecipadamente como a organizao ir funcionar. A autoridade no mais tem origem no soberano e sim no cargo que a pessoa ocupa na organizao e a obedincia devida s leis e aos regulamentos, formalmente definidos.

    A administrao pblica burocrtica utiliza, como instrumento para combater o nepotismo e a corrupo, os princpios de um servio pblico profissional e de um sistema administrativo impessoal, formal e racional. Foi um grande progresso o surgimento, no sculo XIX, de uma administrao pblica burocrtica em oposio s formas patrimonialistas de se administrar o Estado.

    O tipo ideal de burocracia, segundo Weber, apresenta como caractersticas principais:

    - FORMALIDADE: organizaes so formadas baseadas em estatutos, normas e regulamentos explcitos, que estipulam direitos e deveres dos ocupantes de cada cargo e regulam sua conduta e atividades, que devem ser executadas de acordo com as rotinas e procedimentos fixados pelas regras e normas tcnicas. As comunicaes so sempre feitas por escrito, a fim de proporcionar comprovao e documentao adequadas. A empresa em que voc trabalha ou a escola/universidade em que voc estuda ou estudou est regulada por normas racionais. Seu comportamento como aluno ou profissional da empresa no depende dos caprichos pessoais dos administradores, como era no modelo patrimonialista. Desta forma, na burocracia, todos so iguais perante a lei.

    - IMPESSOALIDADE: a obedincia dos subordinados ao chefe devida pelo cargo que este ocupa, no pela tradio ou pelo carisma deste2. As normas institudas racionalmente so aplicadas a todos. As relaes profissionais so isentas de dios ou paixes, possuindo carter impessoal.

    - PROFISSIONALISMO: as burocracias so formadas por funcionrios especializados remunerados, ocupantes de cargos, e oferecem a estes uma carreira profissional.

    - MRITO: os funcionrios so selecionados por suas qualificaes (mrito), s quais so aperfeioadas por treinamento especializado. A atribuio de responsabilidades e a evoluo na carreira so realizadas por critrios de mrito.

    - HIERARQUIA e DISCIPLINA: a burocracia uma organizao que tem seus cargos previamente estabelecidos segundo os princpios da hierarquia. Cada cargo inferior deve estar sob controle e superviso de um superior, ou seja, as relaes de trabalho possuem carter hierrquico.

    - DIVISO DO TRABALHO: a fim de se atingir a eficincia da organizao, h uma sistemtica diviso do trabalho, que estabelece as atribuies de cada participante, suas funes especficas e sua esfera de competncia e responsabilidade.

    - SEPARAO DA PROPRIEDADE: os administradores da burocracia no necessariamente seus donos ou proprietrios, surgindo a figura do profissional que se especializa em gerenciar a organizao. Os meios de produo no so propriedade dos burocratas, mas esto acima destes.

    Para Weber, a burocracia a organizao eficiente por excelncia e para conseguir essa eficincia, precisa detalhar antecipadamente e nos mnimos detalhes como as coisas devero ser feitas. A conseqncia desejada a previsibilidade do comportamento dos seus membros, ou seja, a forma como os funcionrios iro agir ser perfeitamente previsvel, pois est prescrita nos regulamentos. Sabemos que a Weber cometeu um pecado capital: no considerou nenhuma diferenciao no comportamento humano na organizao, nem as chamadas organizaes informais3, que influenciam o desempenho do funcionrio.

    A forma burocrtica de Administrao foi implantada nos principais pases europeus no final do sculo, nos EUA no comeo do sculo XX e no Brasil em 1936, com a reforma administrativa promovida por Maurcio Nabuco e Luiz Simes Lopes.

    A implantao da burocracia teve como pano de fundo inicial o liberalismo econmico, que pregava que o Estado deveria se restringir a suas funes tpicas (defesa nacional, aplicao da justia, elaborao de leis, diplomacia, etc) sem intervir na economia, deixando para o mercado a tarefa de resolver os problemas do desemprego e da pobreza. Posteriormente, atingiu seu apogeu com o Estado de Bem-Estar Social, onde a burocracia deveria atender s demandas crescentes da populao.

    importante citar que a administrao pblica burocrtica no conseguiu eliminar completamente o

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    Patrimonialismo, passando os dois modelos a subsistirem juntos.

    OBSERVAO: ateno aqui! muito comum cair em prova que o modelo burocrtico eliminou o modelo patrimonialista. No caiam nessa!

    3.2.2 DISFUNES DA BUROCRACIA

    Ser que as organizacionais reais so realmente como Weber as retratou em seu tipo ideal? Este no ser uma abstrao por demais idealizada? Essas questes estimularam o trabalho de vrios autores, dentre os quais citamos CHARLES PERROW e ROBERT MERTON, os quais se puseram a expor as chamadas disfunes da burocracia.

    Perrow afirmava que o tipo ideal de Weber nunca alcanado, porque as organizaes so essencialmente sistemas sociais, feitos de pessoas, e as pessoas no existem apenas para as organizaes. Estas tm interesses independentes e levam para dentro das organizaes em que trabalham toda sua vida externa. Alm disso, a organizao burocrtica que Weber idealizou parece servir melhor para lidar com tarefas estveis e rotinizadas. No trata as organizaes dinmicas, para quais a mudana constante, somente as organizaes mecanicistas, orientadas basicamente para as atividades padronizadas e repetitivas. Perrow apontou 4 disfunes da burocracia:

    - PARTICULARISMO: as pessoas levam para dentro das organizaes os interesses dos grupos de que participam fora dela.

    - SATISFAO DE INTERESSES PESSOAIS: utilizao da organizao para fins pessoais do funcionrio.

    - EXCESSO DE REGRAS: as burocracias exageram na tentativa de regulamentar tudo o que for possvel a respeito do comportamento humano, criando regras em excesso e muitos funcionrios ficam encarregados de fiscalizar o cumprimento das mesmas.

    - HIERARQUIA: para Perrow, seria a negao da autonomia, liberdade, iniciativa, criatividade, dignidade e independncia. Seria a maior responsvel pela RESISTNCIA S MUDANAS, as quais atrapalham o comodismo dos que esto no topo da hierarquia.

    Merton tambm critica o modelo weberiano que, em sua opinio, negligencia o peso do fator humano e no so racionais como ele retrata. Para ele, as principais disfunes da burocracia so:

    - EXAGERADO APEGO AOS REGULAMENTOS E SUPERCONFORMIDADE S ROTINAS E PROCEDIMENTOS: as regras passam a se transformar de meios em objetivos. O funcionrio esquece que a flexibilidade uma das principais caractersticas de qualquer atividade racional. Trabalha em funo do regulamento e no em funo dos objetivos organizacionais.

    - EXCESSO DE FORMALISMO E PAPELRIO: devido necessidade de se documentar por escrito todas as comunicaes e procedimentos.

    - RESISTNCIA S MUDANAS: o funcionrio, por se tornar um mero executor de rotinas e procedimentos definidos, passa a dominar seu trabalho com segurana e tranqilidade. Qualquer possibilidade de mudana que surja no horizonte passa a ser interpretada como ameaa sua posio e, portanto, altamente indesejvel. Tal resistncia pode ser manifestada de forma velada e discreta ou ativa e agressiva.

    - DESPERSONALIZAO DO RELACIONAMENTO: o chefe no considera mais os funcionrios como indivduos, mas sim como ocupantes de cargos, sendo conhecidos pelo ttulo do cargo e at mesmo pelo nmero interno que a organizao lhes fornecem.

    - CATEGORIZAO COMO BASE DO PROCESSO DECISORIAL: A burocracia se assenta em uma rgida hierarquizao da autoridade, ou seja, na burocracia quem toma as decises so as pessoas que esto no mais alto nvel da hierarquia, mesmo que no saibam nada do assunto, visto que so os nicos com real poder de deciso.

    No momento em que o pequeno Estado liberal do sculo XIX, onde o Estado s se preocupava com a justia, defesa, fazenda e relaes exteriores, cedeu definitivamente lugar ao grande Estado social e econmico do sculo XX, verificou-se que ela no garantia nem rapidez, nem boa

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    qualidade, nem custo baixo para os servios prestados ao pblico. A administrao pblica burocrtica lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidados. Agora, ao invs de trs ou quatro ministros, era preciso ter 15 ou 20.

    3.2.3 O ESTADO BUROCRTICO BRASILEIRO

    A Primeira Repblica pretendia ser uma revoluo de classe mdia, como seriam depois as outras trs revolues militares no Brasil 1930, 1945, e 1964 mas o regime militar teve vida breve, com apenas os governos de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Com a eleio, em novembro de 1894, de Prudente de Morais, a oligarquia cafeeira volta ao poder, restabelecendo-se a aliana dos tempos do Segundo Imprio do estamento burocrtico-aristocrtico com a oligarquia principalmente cafeeira. Todavia, a presena efetiva dos militares do Exrcito na aliana de poder era um fato novo, porque estes militares, diferentemente dos da Marinha, no podiam ser legitimamente includos no estamento burocrtico-aristocrtico do Imprio. Os representantes da classe mdia tecnoburocrtica, de uma classe mdia burocrtica moderna, que, no sculo XX, teria enorme expanso e diversificao, apareciam, assim, pela primeira vez na histria brasileira por intermdio do Exrcito.

    O golpe militar no tinha base real na sociedade, de forma que no envolveu de fato a populao que, segundo Aristides Lobo(*), assistiu bestializada proclamao da Repblica. Passado o entusiasmo inicial provocado pela proclamao da Repblica, no campo das idias nem mesmo a elite conseguia chegar a um certo acordo quanto definio de qual deveria ser a relao entre o cidado com o Estado. No campo da ao poltica fracassaram sistematicamente as tentativas de mobilizar e organizar a populao de acordo com os padres conhecidos nos sistemas liberais. O regime continuava oligrquico, as eleies, fraudulentas; o eleitorado subira apenas de um para dois por cento da populao com a Repblica. A estrutura econmica e a estrutura de poder no haviam mudado. Pelo contrrio, com o estabelecimento da federao na Constituio de 1891, e a decorrente descentralizao poltica de um Estado que no Imprio fora altamente centralizado, o poder dos governadores e das oligarquias locais aumentara ao invs de diminuir.

    Surge a poltica dos governadores, que definiria os rumos polticos do pas at 1930. Mas o

    aumento do poder dos governadores era contraditrio: se de um lado tinham mais poder em relao Unio, tinham menos em relao aos coronis locais, dos quais passavam a depender. Estes problemas estavam na base da insatisfao crescente dos militares, que demandavam a ordem e o progresso anunciados na bandeira republicana, e da indignao de liberais clamando por democracia. O resultado a aliana poltica instvel de 1930, que levou no ao Estado liberal sonhado pelos ltimos, mas ao Estado burocrtico e autoritrio do primeiro Vargas.

    O movimento revolucionrio, que desembocar na Revoluo de 1930 e no governo Vargas,

    era intrinsecamente contraditrio. De um lado, no seu componente principalmente civil, era liberal: protestava contra a farsa das eleies, propondo ampliar-se o eleitorado e instituir-se o voto secreto, demandava anistia dos condenados por razes polticas, queria terminar com o poder das oligarquias locais, de coronis e jagunos, e regionais, de presidentes de provncia. De outro, era um movimento conservador, na medida em que muitos dos seus aderentes constituam as prprias oligarquias estaduais, principalmente nos Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraba. De um terceiro lado, entretanto, possua um forte componente militar, tenentista, burocrtico e autoritrio. Seu objetivo maior era centralizar o poder nacional, colocando sob controle os coronis locais e dos estados federados.

    O terceiro aspecto do movimento sagra-se vencedor, e durante quinze anos Getlio Vargas

    permanece no poder, sendo que nos ltimos oito anos, nos quadros de um regime estritamente autoritrio. Estabelece o poder da Unio sobre os estados federados e as oligarquias locais, e d impulso ao processo de industrializao.

    A Repblica fora descentralizadora e oligrquica. O novo Estado fundado pela Revoluo de

    1930, ainda que conserve elementos da velha aristocracia, ser um Estado antes do que qualquer coisa autoritrio e burocrtico no seio de uma sociedade em que o capitalismo industrial se torna afinal dominante. Duas classes novas sobem ao poder: a burguesia industrial e a nova classe mdia

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    tecnoburocrtica. Ambas eram originrias de classes ou estamentos antigos: a burguesia industrial originava-se da burguesia mercantil; a moderna burocracia evoluiu do estamento burocrtico patrimonialista. Diferentemente da sua antecessora, a burocracia no tinha carter aristocrtico, nem estava circunscrita ao Estado.

    Alm da clssica tarefa poltica e administrativa, a nova burocracia passava a ter uma funo

    econmica essencial: a coordenao das grandes empresas produtoras de bens e servios, fossem elas estatais ou privadas. Enquanto no setor pblico Getlio Vargas realizava, nos anos 30, a reforma burocrtica, a civil service reform, que na Frana, Inglaterra e Alemanha, acontecera na segunda metade do sculo anterior, e nos Estados Unidos, na primeira dcada deste sculo, no setor privado o surgimento de grandes organizaes empresariais pblicas e privadas promovia o surgimento de uma burocracia moderna, voltada para a voltada para produo.

    O Estado Patrimonial teve longa durao no seio da Sociedade Mercantil e Senhorial, o

    Estado Burocrtico, na Sociedade Capitalista, Industrial teve vida curta. Curta porque a industrializao chegou tarde e logo comeou a ser substituda pela sociedade ps-industrial do conhecimento e dos servios, curta porque a Reforma Burocrtica de 1936 tambm chegou tarde e foi atropelada pela reforma gerencial, que a globalizao imporia e a democracia tornaria possvel.

    3.3 O ESTADO DE BEM ESTAR No momento em que o Estado se converteu no grande Estado social e econmico do sculo

    XX, assumindo um nmero crescente de servios sociais educao, sade, cultura, previdncia e assistncia social, pesquisa cientfica e de papis econmicos regulao do sistema econmico interno, das relaes econmicas internacionais, estabilidade da moeda e do sistema financeiro, proviso de servios pblicos e de infra-estrutura, o problema da eficincia tornou-se essencial.

    Esse estado tinha trs dimenses: - ECONMICA: caracterizada pela influncia keynesiana, que pregava a ativa interveno

    estatal na economia, procurando garantir o pleno emprego e atuar em setores considerados estratgicos para o desenvolvimento nacional telecomunicaes e petrleo,por exemplo. No Brasil, atravs da autonomia dada s empresas de economia mista viabilizava-se o grande projeto de industrializao com base em grandes empresas estatais de infra-estrutura e servios pblicos que j havia sido iniciado nos anos 40, com a criao da Companhia Siderrgica Nacional, e acelerado nos anos 50, com a criao da Petrobrs, da Eletrobrs, e da Telebrs, e do BNDES. Por outro lado, so ento criadas ou desenvolvidas novas agncias reguladoras, como o Banco Central, que regulam tambm com autonomia as atividades econmicas, tendo sempre como critrio a promoo do desenvolvimento industrial.

    - SOCIAL: correspondente ao Welfare State ou Estado do Bem-Estar, adotado em maior ou

    menor grau nos pases desenvolvidos, tinha como objetivo primordial a produo de polticas pblicas na rea social (educao, sade, previdncia social, habitao, etc.) para garantir o suprimento das necessidades bsicas da populao. uma conseqncia do modelo intervencionista adotado a partir da dcada de 30 por causa da grave crise financeira que assolou o mundo no final dos anos 20, tendo como pice a quebra da bolsa de Nova York em 1929. Suas caractersticas so baseadas na concepo de que o Estado deve prover todas as necessidades do cidado, e assim fornecer direta ou indiretamente todos os servios necessrios ao bem-estar social, inclusive o fornecimento direto de renda ao cidado, caso este necessite, sem haver nenhuma necessidade de contraprestao por parte deste.

    - ADMINISTRATIVA: relativa ao funcionamento interno do Estado, o chamado modelo

    burocrtico weberiano tinha a misso de manter a impessoalidade, a neutralidade e a racionalidade do aparato governamental.

    No Brasil e nos pases latino-americanos da periferia do mundo capitalista, a dimenso social

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    no foi aplicada da mesma forma que nos pases desenvolvidos. O Estado nacional-desenvolvimentista caracterstico desse grupo nessa poca, e se preocupava em promover a industrializao por meio da ao direta do Estado, como criador e impulsionador de empresas estatais industriais. Nesses pases, ocorreu a industrializao POR SUBSTITUIO DE IMPORTAES (SI), que, segundo Maria Conceio Tavares, um processo de desenvolvimento parcial e fechado que, respondendo s restries de comrcio exterior, procurou repetir aceleradamente (nos pases em desenvolvimento), em condies histricas distintas, a experincia de industrializao dos pases desenvolvidos.

    Isto porque os pases em desenvolvimento eram exportadores de matrias-primas e

    importadores de produtos manufaturados, de maior valor agregado. Desta forma, a poltica residia em criar condies para que a indstria nacional produzisse internamente o que antes era importado l fora. Visava a possibilitar o surgimento de um setor industrial, produtor de manufaturados, que permitisse uma acumulao de capital suficiente para desencadear um processo de desenvolvimento econmico auto-sustentvel e duradouro.

    O problema era que, ao mesmo tempo em que se substitua, se criava novas necessidades de

    importaes qualitativamente distintas, o que terminava por exigir novas rodadas de substituio. Alm disso, o surto de substituio de importaes na Amrica Latina se deu atravs da implantao de atividades produtoras de bens de consumo durveis, o que requereria a aquisio no exterior de determinadas peas, componentes e equipamentos (bens de capital), de alto custo.

    Nessa fase, o Estado desempenha um papel decisivo em apoiar a indstria nascente,

    realizando inclusive polticas cambiais e alfandegrias altamente favorveis a importao, mas prejudiciais s contas pblicas, em virtude do aumento do endividamento externo. No caso particular do Brasil, o processo de SI teve seu incio efetivo no segundo governo de Getlio Vargas, atingindo seu pice no chamado milagre econmico.

    Todavia, as duas crises do petrleo (1973 e 1979) colocaram em xeque o modelo de

    interveno estatal. Uma grande crise econmica mundial ps fim a era dourada, como afirma o historiador Eric Hobsbawn, perodo em que no s os pases capitalistas desenvolvidos, mas at pases do bloco socialista e parte do Terceiro Mundo apresentaram elevadas taxas de crescimento econmico. Tal crise constitui-se no primeiro de quatro fatores que desencadearam a CRISE DO ESTADO montado no ps-guerra, o estado de bem-estar.

    A CRISE FISCAL, entendida como a perda em maior grau de crdito pblico e incapacidade

    crescente do Estado de realizar uma poupana pblica que lhe permitisse financiar polticas pblicas, foi causada principalmente pela grave crise econmica mundial citada anteriormente. Os pases no tinham mais como financiar seus crescentes dficits, surgindo a necessidade imperativa de corte de gastos pblicos. E os problemas fiscais tendiam a se agravar, na medida em que se iniciava, principalmente nos EUA e na Gr-Bretanha, uma revolta dos contribuintes contra a cobrana de mais tributos, devido ao fato de que estes no conseguiam enxergar uma relao direta entre o acrscimo de recursos governamentais e a melhoria de servios pblicos. A crise fiscal o segundo fator que desencadeou a crise do Estado.

    O ESGOTAMENTO DAS FORMAS DE INTERVENO DO ESTADO, pela crise do Estado

    de Bem Estar Social ou Welfare State no primeiro mundo, o esgotamento da industrializao por substituio de importaes nos pases em desenvolvimento e o colapso do estatismo nos pases comunistas formam o terceiro fator. Os governos estavam, ainda, sobrecarregados de atividades acumuladas ao longo do ps-guerra , com muito a fazer e com poucos recursos para cumprir todos os seus compromissos. Estava caracterizada uma situao de ingovernabilidade: os governos estavam inaptos para resolver seus problemas.

    Com a globalizao e as inovaes tecnolgicas (quarto fator) que transformaram a lgica

    do setor produtivo, o Estado tambm foi afetado. Os governos no mais conseguiam controlar os fluxos financeiros e comerciais. Este fato, somado ao aumento do poder das grandes multinacionais, resultou na perda de parcela significativa do poder dos Estados nacionais de ditar polticas macroeconmicas.

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    A crise do Estado afetou diretamente a organizao das burocracias pblicas. Os governos tinham menos recursos e mais dficits. O corte de custos virou prioridade, o que produziu dois efeitos: -

    REDUO DE GASTOS COM PESSOAL; -

    NECESSIDADE DE AUMENTAR A EFICINCIA GOVERNAMENTAL.

    Voltado cada vez mais para si mesmo, o modelo burocrtico tradicional vinha caminhando

    para um sentido contrrio aos anseios dos cidados. A incapacidade de responder s demandas destes, a baixa eficincia de suas estruturas, aliadas a captura do Estado por interesses privados, obrigavam a realizao de modificaes profundas no modelo weberiano, considerado como lento e excessivamente apegado a normas. A burocracia era classificada mais como um grupo de interesse do que como um corpo tcnico neutro a servio dos cidados. Teorias extremamente crticas burocracia estatal, tais como a public choice4 nos EUA, abriu espao para a crtica ao modelo de organizao do setor pblico.

    Os servios sociais eram prestados com baixa qualidade, ineficientes e com custos

    crescentes. Os cidados tornam-se cada vez mais conscientes de que a administrao pblica burocrtica no corresponde s demandas que a sociedade civil apresenta aos governos no capitalismo contemporneo. Era preciso urgentemente aumentar a eficincia governamental. Segundo Abrucio, o aparato governamental precisava ser mais gil e mais flexvel, tanto em sua dinmica interna como em sua capacidade de adaptao s mudanas externas.

    Este cenrio impulsionou o surgimento de uma novo modelo de administrao pblica, mais

    preocupado com os resultados e no com procedimentos e que levava em considerao sobretudo a eficincia: produzir mais aproveitando ao mximo os recursos disponveis, com a maior produtividade possvel. O Estado teria que inovar, ser criativo, e se aproximar mais dos princpios que regem a Administrao de Empresas Privadas, reduzindo custos e maximizando resultados.

    Desta forma, iremos estudar, em seguida, a Administrao Pblica Gerencial.

    3.4 O ESTADO REGULADOR E A ADMINISTRAO PBLICA GERENCIAL 3.4.1 INTRODUO Para responder ao esgotamento do modelo burocrtico weberiano, foram introduzidos, em

    larga escala, padres gerenciais na administrao pblica, inicialmente e com mais vigor em alguns pases do mundo anglo-saxo (Gr-Bretanha, Estados Unidos, Austrlia e Nova Zelndia), e depois, gradualmente, na Europa continental e Canad.

    No comeo da dcada de 80, o modelo gerencial puro, denominado managerialism ou

    gerencialismo sugeriu 3 providncias bsicas: - CORTE DE GASTOS inclusive de pessoal; - AUMENTO DA EFICINCIA com a introduo da lgica da produtividade existente no setor

    privado; - ATUAO MAIS FLEXVEL DO APARATO BUROCRTICO. 3.4.2 O GERENCIALISMO INGLS O primeiro passo do modelo gerencial puro foi o corte de gastos e de pessoal, sendo o

    exemplo mais contundente o ingls, no governo de Margareth Thatcher. O ponto principal deste modelo a busca da eficincia. Abrucio relata que contra essa viso de administrao pblica (modelo burocrtico), o governo Thatcher propunha:

    a) definio clara das responsabilidades de cada funcionrio dentro das agncias governamentais;

    b) clara definio dos objetivos organizacionais, analisados em sua substncia e no enquanto

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    processo administrativo; c) aumento da conscincia a respeito do valor dos recursos (value money) pblicos,

    procurando maximizar a relao financeira entre os recursos iniciais e os gastos realizados para a produo de polticas, ou seja, incorporando o valor da eficincia na lgica de funcionamento da burocracia.

    A busca pela qualidade na prestao de servios, por meio de uma perspectiva voltada

    satisfao do pblico, intitulada paradigma do consumidor, deu origem ao CONSUMERISM, evoluo do modelo gerencial puro. Abruccio ainda nos d uma palhinha sobre o PUBLIC SERVICE ORIENTATION, terceiro estgio do modelo gerencial, onde o cidado no mais encarado como simples consumidor de servios, mas sim como cidado e a preocupao com a eqidade levada em considerao. importante ressaltar que cada estgio no elimina o anterior e sim acrescenta melhoramentos a ele.

    A tabela abaixo resume o que vocs devem saber sobre os 3 estgios do modelo gerencial,

    inicialmente adotado na Inglaterra:

    Fase do Gerencialismo nfase em: Beneficirios encarados como:

    Managerialism Economia/eficincia Contribuintes

    Consumerism Efetividade/qualidade Consumidores/ Clientes

    Public service Orientation Accountability/Eqidade Cidados

    3.4.3 O MOVIMENTO REINVENTANDO O GOVERNO

    Nos EUA, surge no incio da dcada de 1990, a obra de David Osborne e Ted Gaebler, "Reinventando o Governo", que deu origem a um movimento de modernizao e de mudana de postura da administrao pblica, aps o fracasso da tentativa de implantar o gerencialismo puro da forma inglesa no governo Reagan.

    Abrucio refere-se obra como um marco na nova discusso da administrao pblica americana, tratando-se de rediscutir os fundamentos do governo no que se refere administrao pblica. Para tanto, estruturado um modelo hbrido e ecltico de anlise, incorporando conceitos que estiveram separados no desenvolvimento do modelo gerencial ingls, tais como a implantao de uma administrao por objetivos ou por misses , a mensurao do desempenho das agncias atravs dos resultados, a busca da qualidade total como mtodo administrativo, a nfase no cliente, a transferncia do poder aos cidados e a tentativa de garantir a eqidade.

    A discusso de Osborne e Gaebler comea subvertendo o ideal que impulsionou o

    gerencialismo na Gr-Bretanha no incio da dcada. Em vez de propor o rolling back the state thatcheriano, os autores propem uma redefinio da atividade governamental. Aqui est o grande problema do livro de Osborne e Gaebler. Eles conseguem enunciar uma conjugao de valores importantes para reinventar o governo, mas no criam um arcabouo terico que explique e possibilite a implementao de reformas no setor pblico.

    A reforma do sistema significa, ao mesmo tempo, a introduo de mtodos voltados

    para a produo qualitativa de servios pblicos com a prioridade dada aos clientes e cidados como razes ltimas do setor pblico, o que quer dizer no s que eles devem ser bem atendidos, mas que devem ser tambm chamados a participar do governo, definindo os destinos de suas comunidades. A maioria dos exemplos do livro de Osborne e Gaebler mostra que a melhor resposta para tornar melhor um servio pblico chamar a comunidade a participar de sua gesto, seja fiscalizando, seja trabalhando voluntariamente na prestao

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    de servios constituindo-se numa resposta adequada tanto para a questo da eficincia como para o problema da transparncia. Portanto, a modernizao do setor pblico deve caminhar pari passu com o aumento da accountability.

    Mas a reinveno do governo deve ser realizada ainda garantindo o princpio da

    eqidade. Desta maneira, a introduo de mecanismos gerenciais, tais como so propostos no livro, no incompatvel com a busca de justia redistributiva, um conceito que por muito tempo foi abandonado no debate sobre reforma administrativa.

    Osborne e Gaebler propem dez princpios bsicos para reinventar o governo, listados a seguir:

    1 Competio entre os prestadores de servio; 2 Poder aos cidados, transferindo o controle das atividades comunidade; 3 Medir a atuao das agncias governamentais atravs dos resultados; 4 Orientar-se por objetivos, e no por regras e regulamentos; 5 Redefinir os usurios como clientes; 6 Atuar na preveno dos problemas mais do que no tratamento; 7 Priorizar o investimento na produo de recursos, e no em seu gasto; 8 Descentralizao da autoridade; 9 Preferir os mecanismos de mercado s solues burocrticas; 10 Catalisar a ao do setores pblico, privado e voluntrio. Bresser Pereira tambm faz sua anlise sobre o movimento, quando afirma que "...

    Em conseqncia, nos anos 80 iniciou-se uma grande revoluo na administrao pblica dos pases centrais em direo a uma administrao pblica gerencial. ... Nos Estados Unidos, essa revoluo ocorreu principalmente nos municpios e condados - revoluo que o livro de Osborne e Gaebler, Reinventando o Governo, descreve de forma to expressiva. Era a administrao pblica gerencial que estava surgindo, inspirada nos avanos realizados pela administrao de empresas."

    3.4.4 O GERENCIALISMO BRASILEIRO No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), Bresser Pereira

    discorre sobre a Administrao Pblica Gerencial:A administrao pblica gerencial constitui um avano e at um certo ponto um rompimento com a administrao pblica burocrtica. Isto no significa, entretanto, que negue todos os seus princpios. Pelo contrrio, a administrao pblica gerencial est apoiada na anterior, da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princpios fundamentais, como a admisso segundo rgidos critrios de mrito, a existncia de um sistema estruturado e universal de remunerao, as carreiras, a avaliao constante de desempenho, o treinamento sistemtico. A diferena fundamental est na forma de controle, que deixa de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados, e no na rigorosa profissionalizao da administrao pblica, que continua um princpio fundamental.

    Na administrao pblica gerencial a estratgia volta-se (1) para a definio precisa

    dos objetivos que o administrador pblico dever atingir em sua unidade, (2) para a garantia de autonomia do administrador na gesto dos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados disposio para que possa atingir os objetivos contratados, e (3) para o controle ou cobrana a posteriori dos resultados. Adicionalmente, pratica-se a competio administrada no interior do prprio Estado, quando h a possibilidade de estabelecer concorrncia entre unidades internas. No plano da estrutura organizacional, a descentralizao e a reduo dos nveis hierrquicos tornam-se essenciais. Em suma, afirma-se que a administrao pblica deve ser permevel maior participao dos agentes privados e/ou das

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    organizaes da sociedade civil e deslocar a nfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins).'

    Na burocracia pblica clssica existe uma noo muito clara e forte do interesse

    pblico. A diferena, porm, est no entendimento do significado do interesse pblico, que no pode ser confundido com o interesse do prprio Estado. Para a administrao pblica burocrtica, o interesse pblico freqentemente identificado com a afirmao do poder do Estado. Ao atuarem sob este princpio, os administradores pblicos terminam por direcionar uma parte substancial das atividades e dos recursos do Estado para o atendimento das necessidades da prpria burocracia, identificada com o poder do Estado. O contedo das polticas pblicas relegado a um segundo plano. A administrao pblica gerencial nega essa viso do interesse pblico, relacionando-o com o interesse da coletividade e no com o do aparato do Estado.

    A administrao pblica gerencial v o cidado como contribuinte de impostos e como

    cliente dos seus servios. Os resultados da ao do Estado so considerados bons no porque os processos administrativos esto sob controle e so seguros, como quer a administrao pblica burocrtica, mas porque as necessidades do cidado-cliente esto sendo atendidas.

    O paradigma gerencial contemporneo, fundamentado nos princpios da confiana e da descentralizao da deciso, exige formas flexveis de gesto, horizontalizao de estruturas, descentralizao de funes, incentivos criatividade. Contrape-se ideologia do formalismo e do rigor tcnico da burocracia tradicional. avaliao sistemtica, recompensa pelo desempenho, e capacitao permanente, que j eram caractersticas da boa administrao burocrtica, acrescentam-se os princpios da orientao para o cidado-cliente, do controle por resultados, e da competio administrada.

    No presente momento, uma viso realista da reconstruo do aparelho do Estado em

    bases gerenciais deve levar em conta a necessidade de equacionar as assimetrias decorrentes da persistncia de aspectos patrimonialistas na administrao contempornea, bem como dos excessos formais e anacronismos do modelo burocrtico tradicional. Para isso, fundamental ter clara a dinmica da administrao racional-legal ou burocrtica. No se trata simplesmente de descart-la, mas sim de considerar os aspectos em que est superada, e as caractersticas que ainda se mantm vlidas como formas de garantir efetividade administrao pblica.

    O modelo gerencial tornou-se realidade no mundo desenvolvido quando, atravs da

    definio clara de objetivos para cada unidade da administrao, da descentralizao, da mudana de estruturas organizacionais e da adoo de valores e de comportamentos modernos no interior do Estado, se revelou mais capaz de promover o aumento da qualidade e da eficincia dos servios sociais oferecidos pelo setor pblico . A reforma do aparelho do Estado no Brasil significar, fundamentalmente, a introduo na administrao pblica da cultura e das tcnicas gerenciais modernas.

    3.4.5 O ESTADO REGULADOR Com a crise do Estado intervencionista (produtor de bens e servios), do Estado de

    bem-estar e luz das doutrinas neoliberais, foi iniciado em todo mundo a partir dos anos 70 no Brasil tardiamente (anos 90) o processo de diminuio do tamanho dos Estados. A caracterstica mais marcante dessa fase a srie de privatizaes ocorridas no Brasil a partir dos anos 90. Com a transferncia da produo de bens e servios para as mos de particulares, num mercado de concorrncia muito pequena (Ex.: energia eltrica), tornou-se necessria, por parte do Estado, a regulamentao e controle dessas atividades. Surgem, ento, as Agncias Reguladoras (ANP, ANATEL, ANEEL, etc.) com a funo de regulamentar e supervisionar os servios que foram transferidos do Estado para a iniciativa privada.

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    O Estado regulador caracterizado pela criao de agncias reguladoras

    independentes, pelas privatizaes de empresas estatais, por terceirizaes de funes administrativas do Estado e pela regulao da economia segundo tcnicas administrativas de defesa da concorrncia e correo de falhas de mercado,em substituio a polticas de planejamento industrial representou uma clara descentralizao do poder do presidente da Repblica e de seus ministros, ao mesmo tempo em que se tentaram criar novos mecanismos jurdico-institucionais de participao de diferentes setores da sociedade civil no controle democrtico do processo de formulao do contedo da regulao de setores da economia brasileira. Tal processo ocorreu a partir do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso como Presidente da Repblica.

    A criao de uma burocracia estatal para regulao de mercados especialmente centralizada no modelo de agncias reguladoras independentes marcou uma redefinio dos canais de circulao de poder poltico para a formulao de polticas pblicas para setores estratgicos da economia, tais como os de telecomunicaes, energia eltrica,gs e petrleo,transportes,gua e saneamento,sade e medicamentos, seguros, etc. A formulao de polticas setoriais, antes restrita aos gabinetes ministeriais, aos conselhos institucionalizados no interior da burocracia estatal da administrao direta, s decises polticas do presidente da Repblica e ao jogo de barganhas polticas com o Congresso, passou a adotar critrios tcnicos e uma forma negociada, segundo procedimentos juridicamente institucionalizados,com o pblico afetado pelas normas editadas pelas agncias.

    Todavia, o governo Lula procurou contestar e criticar especialmente o modelo de

    burocracia estatal criado pelo governo FHC na forma das agncias reguladoras independentes. No incio do primeiro mandato, em referncia s competncias das agncias na negociao das condies de reajustes de tarifas de servios pblicos (definidas nos contratos de concesso),Lula declarou:O Brasil foi terceirizado.As agncias mandam no pas.[...] As decises que afetam a populao no passam pelo governo.A essa declarao se seguiu uma srie que culminou em discusses pblicas amplamente divulgadas nos jornais ao longo de 2003 sobre o modelo de agncias reguladoras adotado no Brasil e sua relao com o governo (administrao direta).

    Os resultados mais concretos dessas manifestaes, at janeiro de 2004, foram dois

    anteprojetos de lei do Poder Executivo submetidos consulta pblica pela Casa Civil da Presidncia da Repblica e, posteriormente,transformados em projeto de lei enviado ao Congresso.Alm disso,cabe destacar tambm,como medida concreta, o decreto presidencial que, no incio de janeiro de 2004, demitiu o presidente da Anatel (Luiz Guilherme Schymura) e indicou para o seu lugar um conselheiro ligado ao governo Lula, colocando em xeque a autonomia decisria das agncias reguladoras. Na prtica, o projeto de lei que altera o modelo de agncias reguladoras tem como principal caracterstica a criao de um mecanismo de subordinao das decises ao presidente da Repblica (na forma de contratos de gesto). No entanto,no oferece nenhum novo modelo jurdico-institucional para a ao do Estado no desenvolvimento de setores da economia brasileira.

    3.5 RESUMO Bresser Pereira resume a evoluo da sociedade e do Estado no Brasil, tanto no

    campo poltico como no administrativo: Em sntese, no plano poltico transitamos do Estado

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    oligrquico ao Estado democrtico (de elites); no administrativo, do Estado patrimonial ao Estado gerencial; no plano social, da Sociedade Senhorial para a Sociedade Ps-Industrial. O Estado autoritrio-modernizador, o Estado burocrtico, e a sociedade capitalista, que nesses trs planos duraram um longo tempo na Europa, foram aqui transies rpidas, prprias de um pas que salta etapas mas permanece subdesenvolvido, que se moderniza mas permanece atrasado porque dual e injusto.

    Formas Histricas de Estado e Sociedade no Brasil

    1821-1930

    1930 - ...

    Incio?

    Sociedade Mercantil- Senhorial

    Capitalista Industrial

    Ps-Industrial (?)

    Estado (poltica)

    Oligrquico

    Autoritrio

    Democrtico (1985)

    Estado (administrao) l

    Patrimonial

    Burocrtico

    Gerencial (1995)

    NOTAS EXPLICATIVAS

    1 - Definidas em funo do interesse das prprias pessoas e no para satisfazer aos

    caprichos arbitrrios de um dirigente, ou seja, que procuram estabelecer coerncia lgica entre os meios e os fins/objetivos da organizao

    2 - Weber distinguiu trs tipos de autoridade ou dominao: tradicional transmitida

    por herana, conservadora; carismtica baseada na devoo afetiva e pessoal e no arrebatamento emocional dos seguidores em relao pessoa do lder; racional legal ou burocrtica baseada em normas legais racionalmente definidas e impostas a todos.

    3 - Constituda de interaes e relacionamentos sociais entre as pessoas e surge

    espontnea e naturalmente, transcendendo a organizao formal na durao (prolonga-se para alm do horrio de trabalho), na localizao (prolonga-se para fora do horrio de trabalho) e nos assuntos (transcende os assuntos ligados ao trabalho).

    4 Teoria da Escolha Pblica (public choice) um ramo da teoria econmica em que

    os conceitos da economia de mercado so aplicados poltica e aos servios pblicos. Os polticos e os burocratas so vistos como agentes que tm como objetivo maximizar o seu bem estar, e no como servidores altrustas do interesse pblico.

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    um breve estudo sobre a experincia internacional recente. Braslia: ENAP Caderno ENAP n

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