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1 Encontros com a leitura e a escrita Versão Preliminar Apenas para utilização em estudos e tarefas do curso “Encontros com a leitura e a escrita”.

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1  

            

Encontros com a leitura  

e a escrita        

Versão Preliminar  Apenas para utilização em estudos e  tarefas do curso  

“Encontros com a leitura e a escrita”.  

 

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2  

   

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo  

Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas             

Encontros com a leitura e a escrita        

Coordenação  

Clarícia Akemi Eguti Mara Lúcia David 

Regina Aparecida Resek Santiago Roseli Cordeiro 

Rozeli Frasca Bueno Alves      

Elaboração  

Cilza Bignotto      

São Paulo, 2010 

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3  

  

Introdução 

 

A presente coletânea apresenta quatro  sequências pedagógicas, planejadas para 

auxiliar professores do Ensino Fundamental  II no planejamento,  realização e avaliação 

de atividades de leitura e de escrita, cujo objetivo maior é a formação do leitor de obras 

literárias.  Para  tanto,  apresenta maneiras  de  utilizar  textos  de  livros  dos  acervos  da 

escola,  de  sites  da  Internet,  a  fim  de  ampliar  o  contato  dos  alunos  com  diferentes 

gêneros  literários,  além  de  oferecer  procedimentos  didáticos  que  contribuam  para 

nortear  o  trabalho  dos  educadores  no  processo  de  formar  leitores  interessados  e 

competentes.  Todas  as  sequências  pedagógicas  estão  organizadas  em  etapas, 

apresentadas a seguir. 

 

Preparando a Leitura 

 

  Para que tenham sucesso, as atividades de leitura precisam ser bem planejadas. 

Essa  etapa  das  sequências  didáticas  pretende  justamente  ajudar  os  educadores  na 

preparação das atividades. Nesse sentido, oferece informações sobre o gênero literário 

a ser lido, além de orientações para os educadores realizarem leituras aprofundadas do 

texto. Não  há  a  pretensão  de  fornecer  interpretações  ou  fórmulas  rígidas  de  análise 

para os textos escolhidos. Pelo contrário: a intenção é de auxiliar o educador a fazer sua 

leitura do texto, a dialogar com outras leituras, como as de críticos literários, a preparar‐

se para receber e debater as  leituras dos alunos. As orientações podem,  inclusive, ser 

utilizadas como diretrizes para ler outros textos do mesmo gênero. 

 

Aquecendo para a leitura 

 

  Nessa  etapa,  são  apresentadas  sugestões  para  estimular  os  alunos  a  fazer 

antecipações  sobre  o  texto  a  ser  lido.  Essas  antecipações  serão  verificadas  após  a 

leitura.  O  educador  é  incentivado  a  registrar  os  comentários  dos  alunos,  a  fim  de 

retomá‐los posteriormente. Esse  registro pode  ser  feito em um  caderno de notas, de 

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forma rápida. Há educadores que memorizam as observações dos alunos e conseguem 

recuperá‐las  depois  da  leitura  para  ajudar  a  turma  a  verificar  as  antecipações  feitas. 

Aconselhamos  que,  para  evitar  o  risco  de  esquecer  alguma  dúvida  ou  afirmação 

importante, o educador  faça pelo menos uma  lista do que  foi dito nessa etapa, e por 

quem  foi  dito.  Essas  anotações  poderão  ajudá‐lo,  ao  longo  do  ano,  a  mapear  a 

participação  dos  alunos  e  seus  progressos  ao  fazer  antecipações  com  base  na 

materialidade do livro e em outros indicadores. 

 

Saboreando o texto 

 

  As  atividades  incentivam  e  sugerem  a  prática  de  vários  tipos  de  leitura: 

silenciosa, em voz alta, programada, individual, em duplas, em grupos, coletiva. A leitura 

expressiva feita pelo educador é  indicada sempre, pois uma das principais maneiras de 

ensinar a  ler bem,  ler com prazer e  ler muito é  lendo bem,  lendo com prazer e  lendo 

muito com e para seus alunos. A leitura expressiva exige preparação, ensaio, dedicação. 

Mas os bons resultados compensam. Ouvindo você ler bem, seus alunos perceberão os 

diferentes ritmos dos textos  literários, os  jogos com sonoridades, as emoções variadas 

das personagens, entre outras riquezas.  

 

Entrelaçando leituras coletivas 

 

Uma das peculiaridades do texto  literário é a sua plurisignificação, ou seja, sua 

capacidade ser  lido de muitas maneiras, de possibilitar  inúmeros significados. A etapa 

Entrelaçando  leituras coletivas procura justamente orientar educador e alunos a somar 

interpretações  do  texto  lido,  apresentando  aos  colegas  diferentes  leituras  sobre  os 

“fios”  que  constituem  o  texto.  Algumas  possibilidades  de  leitura  dos  textos  são 

apresentadas ao longo dessa etapa, e podem ser utilizadas em suas aulas. 

  Um dos maiores prazeres proporcionados pela  leitura é a conversa  solta,  livre, 

sobre determinada obra. Essa conversa é bastante  incentivada nas atividades, porque 

contribui para deixar os alunos à  vontade, abertos para ouvir as  leituras dos  colegas, 

sem medo de apresentar suas próprias leituras.  

 

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Desdobramentos para outros momentos 

 

  Uma boa  leitura dá vontade de fazer outras. A  ideia fundamental dessa etapa é 

apresentar possíveis desdobramentos das atividades sugeridas, que podem ocorrer em 

momentos posteriores. Nesse sentido, foram indicadas outras obras do mesmo gênero, 

pertencentes  aos  acervos  das  escolas,  ou  acessíveis  na  Internet.  Elas  podem  vir  a 

integrar  novas  atividades  de  leitura  de  textos  literários.  Também  há  sugestões  de 

atividades  escritas,  que  podem  auxiliar  a  compreensão  dos  textos  lidos,  além  de 

possibilitar o exercício de outras competências e habilidades relacionadas à pratica de 

escrever. 

Lembramos  que  as  etapas  das  sequências  pedagógicas  oferecem  diretrizes, 

caminhos que os professores podem percorrer com seus alunos. Cabe a cada educador a 

tarefa de selecionar o que pode ser melhor utilizado com cada  turma, o que deve ser 

adaptado, o que será mais produtivo se realizado em outras séries que não as sugeridas. 

Esperamos que  este material  seja um  ponto  de  partida  para  o  desenvolvimento,  por 

parte de cada professor, de aulas especialmente voltadas para a  formação de  leitores 

aptos a  ler obras  literárias. Estamos  certos de que  cada profissional acrescentará aos 

caminhos  aqui  sugeridos  novas  possibilidades  de  leitura,  novas  sugestões  de  textos, 

além de apontamentos sobre o que obteve sucesso em suas turmas e o que precisa ser 

melhorado. 

Boas leituras! 

    

  

          

  

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 Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato 

 

Esta  sequência  didática  é  indicada  para  turmas  do  sexto  e  do  sétimo  anos  do Ensino Fundamental II. As diferentes etapas têm como objetivo ajudar você a preparar várias aulas em que o  livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, seja  lido para seus  alunos,  por  eles,  com  eles.  O  quadro  abaixo  apresenta,  de modo  sintético,  as etapas e a sequência em que devem ser realizadas.  

  Etapas  Atividades 

1  Preparando a Leitura  Atividades  realizadas apenas pelo professor.  

• Conhecer  a  obra  infantil  de  Monteiro Lobato; 

• ler  a  primeira  parte  de  Reinações  de Narizinho; 

• observar aspectos da  linguagem usada no livro; 

• obter  informações  sobre  a intertextualidade da obra. 

2  Aquecendo para a leitura  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Organizar a sala; • explorar  a materialidade  de Reinações  de 

Narizinho; • conhecer  o  repertório  da  turma  sobre  a 

obra infantil de Monteiro Lobato; • incentivar  os  alunos  a  fazerem 

antecipações sobre o livro.  

3  Saboreando o texto  Atividades  realizadas apenas pelo professor.  

• Ler  o  primeiro  capítulo  do  livro  para  a turma. 

4  Entrelaçando  leituras coletivas  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Abrir  espaço  para  os  alunos  comentarem livremente o trecho lido; 

• chamar  a  atenção  para  determinadas passagens do texto, como a caracterização das personagens; 

• contextualizar  aspectos  do  livro relacionados à história brasileira; 

• debater questões éticas que podem surgir da leitura de determinadas cenas; 

• observar,  com  os  alunos,  os  efeitos  de sentido  provocados  pelo  modo  como Monteiro Lobato constrói o texto.  

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5  Desdobramentos  para outros momentos  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Ler  para  a  turma  outros  capítulos  de “Narizinho arrebitado”; 

• continuar  explorando  e  fruindo  o  texto com  os  alunos,  atentando  para determinadas passagens;  

• solicitar  atividade  escrita,  baseada  na leitura realizada em sala; 

• orientar a atividade escrita e a  revisão do texto; 

• estimular  a  turma  a  compartilhar  os textos,  por  meio  de  leituras  e  de exposições; 

• estimular os alunos a  lerem outras partes do livro, em sala de aula ou em casa; 

• indicar  outros  livros  que  tematizem viagens a lugares fantásticos. 

 

Preparando a Leitura 

 

Monteiro Lobato é um dos mais populares escritores brasileiros. É provável que 

você o conheça como o criador da personagem Jeca Tatu, o autor de Urupês (1918), o 

nome que assina a  famosa  frase “um país se  faz com homens e  livros”. Mais provável 

ainda é que, ao pensar em Lobato, você o associe ao Sítio do Picapau Amarelo. Afinal, 

embora ele tenha começado escrevendo para adultos, hoje é  lembrado e reconhecido 

principalmente por seus livros para crianças.  

Você pode saber mais sobre a vida movimentada de Monteiro Lobato no texto “O 

inventor de nosso faz‐de‐conta”, que abre a última edição de Reinações de Narizinho. Se 

quiser aprofundar seus conhecimentos sobre o autor, pode consultar as obras e os sites 

indicados  na  bibliografia.  Neles,  você  vai  descobrir  que  Lobato  foi  pintor,  editor, 

fotógrafo,  dono  de  companhia  de  petróleo...  Vale  a  pena  conhecer  essas  e  outras 

facetas do “pai” da literatura infantil brasileira. 

Reinações de Narizinho,  livro que hoje é dividido em dois volumes,  tem história 

longa e bonita. Em 1920, Monteiro Lobato publicou A menina do narizinho arrebitado, 

um livro de formato grande (29 x 22 cm), cheio de ilustrações coloridas, com a história 

da visita da personagem  Lúcia, a Narizinho, ao Reino das Águas Claras. Na época, ele 

tinha uma editora, a Monteiro Lobato & Cia., pela qual publicou livros seus e de outros 

escritores.  

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Em cartas escritas a amigos, naquele período, Monteiro Lobato contava que não 

encontrava nada  interessante para seus filhos  lerem e, por  isso, decidira experimentar 

escrever livros para crianças. A menina do narizinho arrebitado foi um sucesso, seguido 

por outros  livros de histórias  curtas  criados por  Lobato: O  saci  (1921), O Marquês de 

Rabicó (1922), O noivado de Narizinho, Aventuras do Príncipe, O Gato Félix (1928), entre 

outras, escritas ao longo da década de 1920 e no início dos anos de 1930.  

Em 1931,  a maior parte dessas histórias  foi  reunida no  volume As  reinações de 

Narizinho, que, a partir de 1934, passou a chamar‐se Reinações de Narizinho. Ao reunir 

as  histórias,  Monteiro  Lobato  reescreveu‐as,  modificando  substancialmente  tanto  a 

forma como o conteúdo das narrativas. Não é  improvável que o autor tenha reescrito 

trechos  do  livro  até  1946,  quando  organizou  suas  Obras  Completas.  Ele  também 

reformulou outros de seus livros infantis, procurando sempre melhorá‐los.  

Veja  só  que  bonito:  a  obra  considerada  “marco”  da moderna  literatura  infantil 

brasileira  não  nasceu  da  noite  para  o  dia.  Pelo  contrário:  é  fruto  de  um  trabalho  de 

escrita e reescrita, de constante aprimoramento, realizado ao longo de anos. Os leitores 

tiveram enorme  importância na construção dessa obra, especialmente os  infantis, pois 

Lobato costumava conversar com crianças, pessoalmente ou por cartas, e levava muito 

a sério a opinião delas sobre as histórias que escrevia.  

Agora que você  já conhece um pouco mais da história editorial de Reinações de 

Narizinho, é hora de ler, ou de reler o livro. Talvez, você tenha conhecido a turminha do 

Sítio do Picapau Amarelo por meio da televisão, como muitos brasileiros. Experimente, 

então,  ler esse título  inicial da obra  infantil  lobatiana, de  lápis na mão, para marcar as 

passagens que mais lhe chamarem a atenção.  

Observe  a  linguagem  utilizada  por Monteiro  Lobato.  Ele  utiliza  construções  e 

palavras muito  próximas  do  falar  cotidiano,  o  que  conquistou  os  leitores  infantis  ao 

longo de décadas. Você pode encontrar várias palavras que já não são comuns em nosso 

cotidiano, porque a  língua está  sempre mudando. Quando  topar  com palavras assim, 

assinale‐as, para depois procurar o significado no dicionário. Assim, você e seus alunos 

vão  aprender  palavras  que  são  velhas  em  nossa  língua,  mas  que  serão  novas  e 

instigantes para vocês!  

Embora palavras mais antigas, como “sobrecasaca” ou “roca”, apareçam vez por 

outra  na  narrativa,  não  chegam  a  interromper  a  fluência  do  texto.  O  narrador  de 

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Reinações  de  Narizinho  é  ágil,  divertido,  criativo:  são  inúmeros  os  neologismos  que 

inventa,  como  “borboletograma”  ou  “Vossa  Cavalência”.  Marque  os  trechos  que 

considerar  criativos,  originais,  engraçados. O  humor  é  uma  das marcas  dos  livros  de 

Monteiro Lobato para crianças e merece ser destacado em sua leitura.  

Anote  também os nomes de personagens de outras histórias que aparecem em 

Reinações. É o caso de Dona Carochinha, a velhinha que narrava contos de  fadas nos 

livros  Contos  da  Carochinha,  Histórias  do  arco  da  velha,  Histórias  da  baratinha,  de 

Figueiredo Pimentel, autor muito popular entre as crianças no final do século XIX e no 

começo do século XX. Também é o caso de Tom Mix, nome artístico de um ator norte‐

americano  que  fez  enorme  sucesso  na  época  do  cinema  mudo.  Ele  atuava 

principalmente  em  filmes  de  faroeste.  Já  o Gato  Félix  é  o  protagonista  de  desenhos 

animados que, já nos anos de 1920, encantavam adultos e crianças.  

Já deu para notar que Reinações de Narizinho dialoga com várias outras obras, não 

é mesmo? Monteiro  Lobato  pôs  para  brincar  com  as  crianças  do  Sítio  personagens 

vindas de outros livros, do cinema, da vida real. Esse diálogo, a que os especialistas em 

literatura  e  linguística  chamam  intertextualidade,  é  outra  característica  da  obra 

lobatiana.  Algumas  personagens  de  outras  obras  serão  facilmente  reconhecidas  por 

seus alunos, como Cinderela. Outras, como Tom Mix e a Dona Carochinha, exigirão que 

você as apresente à turma, da mesma maneira caprichada com que apresenta pessoas 

queridas, que ainda não se conhecem. 

 

Aquecendo para a leitura 

   

  Cenas de leitura e de narração de histórias são muito comuns nos livros infantis 

de Monteiro  Lobato. Nós, professores, podemos  aprender bastante  com essas  cenas, 

em que diferentes personagens leem ou contam histórias, conversam sobre o que leram 

ou ouviram, pedem esclarecimentos sobre pontos não entendidos, riem, batem palmas, 

expressam indignação ou revolta. 

  Logo no início de “O gato Félix”, uma das histórias de Reinações de Narizinho, as 

personagens se reúnem para ouvir o famoso personagem contar passagens de sua vida. 

Tia  Nastácia  acende  o  lampião  da  sala  e  diz:  “É  hora,  gente!”.  Todos,  então,  se 

acomodam: Dona Benta em sua cadeirinha de pernas serradas, Pedrinho e Narizinho na 

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rede,  Emília  no  colo  da  menina,  o  Visconde  de  Sabugosa  dentro  de  uma  lata. 

Aprendamos essa valiosa  lição  lobatiana: para acompanhar bem uma  leitura, os alunos 

precisam estar confortáveis.  

  A sala onde as personagens do Sítio se reúnem para ler é modesta, como muitas 

salas de aula. Mas, para que nossos alunos estejam confortáveis, não é preciso muito. 

Boas  cadeiras  e,  quando  possível,  colchonetes,  tapetes  e  almofadas  dão  conta  do 

recado.  Acomodar  todos  em  um  círculo  é  uma  ótima  medida,  porque  assim  todos 

podem se ver antes, durante e após a leitura.  

  Organizada a sala, você pode dizer: “É hora, gente!” e começar a receber a turma 

para mais um encontro com os livros. 

  Antes  de  ler  Reinações  de  Narizinho  para  seus  alunos,  explore  com  eles  a 

materialidade  do  livro,  ou  seja,  o  formato  do  volume,  as  ilustrações,  as  informações 

impressas na capa, na folha de rosto, na quarta capa. Mostre que o livro inicia com uma 

apresentação do autor e do  livro. Ensine‐os a  identificar o  índice, de maneira que eles 

aprendam a conhecer o conteúdo por meio das partes que constituem o livro.  

  Incentive  os  alunos  a  falarem  sobre  o  que  conhecem  a  respeito  de Monteiro 

Lobato  e  do  Sítio  do  Picapau  Amarelo.  As  personagens  da  obra  lobatiana  talvez  não 

sejam estranhas a muitos deles, que podem ter conhecido Emília, o Visconde, Pedrinho 

e  Narizinho  por  meio  da  televisão,  de  revistas  em  quadrinhos,  de  brinquedos,  de 

conversas familiares, dos  livros de Monteiro Lobato. O fato de as personagens do Sítio 

serem tão conhecidas geralmente tem efeito muito positivo; os alunos podem conversar 

sobre elas com outras pessoas e vão percebendo, aos poucos, que estão desfrutando de 

um patrimônio comum à maioria dos brasileiros.  

  Incentive  a  turma  a  fazer  antecipações  sobre  as  histórias  do  livro,  a  partir  do 

título: o que os alunos entendem por “reinações”? Será que Narizinho é uma  rainha? 

Será  que  é  uma menina  “levada”?  Eles  vão  descobrir  que  as  duas  possibilidades  são 

válidas. 

  O aquecimento deve durar no máximo 15 minutos, a fim de que vocês tenham 

tempo suficiente para saborear o primeiro capítulo do livro. 

 

 

 

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Saboreando o Texto 

 

Terminada a conversa inicial, leia para o pessoal o capítulo “Narizinho”.  

Capriche na leitura, que deve ser clara e emocionante. Lembre‐se de que muitos 

de seus alunos terão o primeiro contato com a obra de Monteiro Lobato por meio de 

sua  voz.  Assim,  eventuais  problemas  como  pular  linhas,  engolir  palavras,  gaguejar 

demais, ler em voz muito baixa, muito monótona, ou sem emoção poderão afastar sua 

turma do livro, em lugar de atraí‐la para ele. Vale a pena, portanto, treinar bastante em 

casa!  

 

Entrelaçando leituras coletivas 

 

Após a  leitura, abra espaço para a turma comentar o texto  livremente. Ouça os 

alunos e, sempre que possível, anote os comentários deles. Desse modo, fica mais fácil 

acompanhar  o  desenvolvimento  de  cada  leitor,  responder  a  perguntas,  fazer 

comentários gerais sobre a leitura da turma.  

  Chame  a  atenção  deles  para  algumas  passagens  do  texto.  É  importante  agir 

como Dona Benta e Tia Nastácia que, nas histórias do  sítio, mostram carinhosamente 

aspectos  interessantes  do mundo  e  da  leitura  para  as  crianças.  Esses momentos  de 

leitura devem prazerosos para sua turma. 

  Comente a maneira  instigante com que o narrador traz o  leitor para as páginas 

do livro, logo no primeiro parágrafo, ao apresentar a casinha branca onde moram Dona 

Benta, Tia Nastácia, Narizinho e Emília. “Quem passa pela estrada”  imagina, segundo o 

narrador,  como  deve  ser  triste  a  vida  da  velhinha  sentada  na  varanda.  O  sujeito 

indeterminado  “quem”  pode  ser  o  leitor,  que  logo  se  põe  no  lugar  do  passante  e 

começa  a  pensar  em  como  seria  viver  naquele  sitio.  Será  que  seus  alunos  se 

identificaram com esse passante e ficaram imaginando a casa, a estrada, a personagem 

Dona Benta?  

  E quanto a Narizinho? O narrador a caracteriza como uma menina de “sete anos, 

morena  como  jambo”.  Alguém  da  turma  sabe  que  jambo  é  uma  fruta  tipicamente 

brasileira? Se necessário, mostre a eles uma imagem do jambo, ou a própria fruta, para 

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que conheçam sua cor e  imaginem uma menina de cor semelhante. Observem como é 

bonito comparar a cor de uma pessoa à cor de uma fruta.  

Em seguida, conversem sobre as outras características da menina: ela gosta de 

comer pipoca e sabe fazer biscoitos de polvilho. O que essas características nos fazem 

pensar sobre a personagem? Como será a vida de Narizinho no sítio? Será que ela tem 

pai e mãe? Será que ela vai à escola? Essas perguntas serão respondidas no decorrer da 

leitura das Reinações. 

  Tia Nastácia  é  apresentada  ao  leitor  como  “negra  de  estimação  que  carregou 

Lúcia em pequena”. Explique aos alunos que, no Brasil da primeira metade do século XX, 

quando a história  foi escrita, era  comum encontrar, nas  casas de pessoas brancas, as 

chamadas “negras de estimação”. O que significa essa expressão?  

Durante o período da escravidão, muitas mulheres negras trabalhavam no interior 

das  casas  de  seus  senhores,  fazendo  serviços  domésticos  e  cuidando  das  crianças. 

Foram numerosas as crianças brancas amamentadas, carregadas e cuidadas por amas 

negras.  É  o  que  afirma  o  historiador  Luiz  Felipe  Alencastro:  “Como  na  Europa  e  na 

América  do Norte,  o  recurso  às  amas‐de‐leite  parecia  ser  bem  comum  no  Império”1. 

Muitas amas continuaram a trabalhar na casa dos antigos senhores e a cuidar de seus 

filhos, depois da abolição da escravatura.  

Na virada do século, não era difícil encontrar a figura da pajem negra que prestava 

serviços  remunerados  a  famílias  brancas. Os  filhos  de Monteiro  Lobato  tiveram  uma 

ama chamada Anastácia, que  inspirou ao escritor a personagem: “Era uma preta alta, 

muito boa, muito  resmunguenta, boa quituteira –  tal qual a dos meus  livros”, contou 

Lobato ao jornalista Silveira Peixoto. 2 Há uma foto da Anastácia com Guilherme, filho de 

Lobato,  na  biografia  Furacão  na  Botocúndia,  escrita  por  Vladimir  Sacchetta, Marcia 

Camargos e Carmem Lúcia de Azevedo. 

Hoje,  causa  estranhamento  ler  que  uma  pessoa  é  considerada  “negra  de 

estimação”, como se fosse um gato ou um cachorro. Nossos valores são – felizmente! – 

                                                            1 ALENCASTRO, Luiz Felipe. Vida privada e ordem privada no Império. In: ALENCASTRO, Luís Felipe (org.). História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo:Cia. das Letras, 1997, p. 63. 2 PEIXOTO, Silveira. Vida, paixão e morte de Lobato. In: DANTAS, Paulo (org.). Vozes do Tempo de Lobato – depoimento – edição comemorativa do centenário de nascimento de Monteiro Lobato. São Paulo: Traço Editora, 1982, p.95.

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muito  diferentes  dos  valores  daqueles  brasileiros  daqueles  anos  de  1920  e  1930, 

quando Monteiro Lobato escreveu as histórias de Reinações de Narizinho. Havia então 

muitas “Tias Nastácias” nas casas das poucas crianças que podiam  frequentar escolas, 

aprender a  ler, desfrutar de  livros como os de Lobato. Não se pode declarar, por sinal, 

que empregadas como a personagem já não existam em nosso país, ainda tão desigual. 

Podemos  pensar  que,  nas  figuras  de  Dona  Benta  e  de  Tia  Nastácia,  estão 

condensadas  mulheres  brasileiras  de  diferentes  classes  sociais,  diferentes  cores, 

diferentes  formações  culturais.  A  branca  Dona  Benta,  avó  de  cultura  letrada,  é  a 

personagem que  introduz as  crianças do  sítio no mundo da  literatura, da história, da 

ciência. A negra Tia Nastácia, Tia por carinho e porque assim eram chamados os negros, 

apresenta para as crianças conhecimentos originados das  tradições orais do país, que 

englobam da arte de cozinhar bem à capacidade de fazer bonecas de pano e bonecos de 

sabugo de milho, além de contar boas histórias. 

Para  nós,  professores  que  vivemos  em  outro  tempo,  não  é  admissível  tratar 

alguém do modo como as personagens do sítio tratam, por vezes, Tia Nastácia. Sabemos 

que a cor da pele não diz nada sobre a inteligência ou o caráter de qualquer pessoa. Por 

isso, nós e alguns de nossos alunos estranhamos o modo como o narrador designa Tia 

Nastácia.  Esse  estranhamento  não  deve  ser  ignorado,  pois  pode  levar  a  conversas 

esclarecedoras com a turma sobre a sociedade em que vivemos, as tensões que muitas 

vezes existem entre pessoas de cores diferentes, classes sociais diferentes,  formações 

culturais diferentes. Monteiro Lobato não suaviza esse tipo de tensão em seus livros, o 

que é ótimo: por meio de suas histórias, os jovens podem entender um pouco melhor o 

país em que vivem3. 

Muitos deles serão netos de mulheres como Dona Benta; outros serão netos de 

mulheres como Tia Nastácia. Boa parte terá um pouco das duas na família. No decorrer 

do  livro, vocês verão como as duas personagens se gostam e se respeitam, como uma 

aprende com a outra. Ambas cuidam das crianças, ensinam a elas os conhecimentos que 

adquiriram  por  vias  tão  diferentes.  Eis mais  uma  lição  de Monteiro  Lobato:  cultura 

letrada e cultura oral podem e devem se misturar na educação dos jovens brasileiros. 

                                                            3  A questão “Monteiro Lobato era racista?” sempre surge entre professores. Para debater esse tema, é recomendável que você e seus colegas leiam e discutam os contos “Negrinha” e “O jardineiro Timóteo”, do livro Negrinha, destinado a adultos e publicado pela primeira vez em 1920.

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Mas, assim como acontece na vida, também nos livros de Lobato surge, vez por 

outra,  alguma ofensa  à  Tia Nastácia,  geralmente  feita por  Emília ou pelas  crianças, e 

direcionada à cor ou à formação cultural da “negra de estimação”. Dona Benta também 

ouve desaforos dos netos e de Emília, que a chama, em alguns momentos, de boba ou 

de velha gagá. O comportamento das crianças do sítio – e pensemos em Emília como 

criança, por um momento – é semelhante ao de crianças reais, que podem ser, às vezes, 

bastante cruéis quando contrariadas. 

Podemos  ficar  indignados  com  alguma  personagem  querida,  caso  ela  se 

comporte mal. Emília costuma ser muito admirada por crianças e jovens, mas também é 

comum que eles  se  irritem e  se  revoltem quando ela mente, ofende  Tia Nastácia ou 

Dona Benta, ameaça fazer alguma malvadeza. Seus alunos devem aprender a avaliar os 

comportamentos  das  personagens  de  livros,  sejam  elas  carismáticas  como  Emília,  ou 

não. Eles sabem que, na vida real, pessoas que costumam ser ótimas podem apresentar, 

de  vez  em  quando,  comportamentos  inaceitáveis.  Analisar  os  comportamentos 

questionáveis de personagens de ficção pode ser um ótimo exercício de reflexão sobre 

os valores morais de nossa sociedade, ou seja, sobre ética.  

O mesmo raciocínio vale para passagens deste e de outros  livros de Lobato em 

que personagens aparecem realizando algum ato que, hoje, não é considerado correto, 

como fumar – Tia Nastácia costuma ter sempre um pito de barro por perto – ou caçar 

uma onça – animal que, em nossos dias, sofre risco de extinção.  

Mas voltemos para a caracterização das personagens que aparecem no capítulo 

“Narizinho”. O que a turma achou de Emília ser feia como “uma bruxa”? Mesmo assim, 

Narizinho a adora e não a troca por alguma boneca  industrializada. Bonecas  feitas em 

série,  quase  sempre  de  cabelos  e  olhos  claros,  já  existiam  em  1920,  quando  Lobato 

escreveu A menina do nariz arrebitado. O que a turma acha de Narizinho gostar de uma 

boneca  feita  de  pano  por  Tia  Nastácia,  que  não  é  nada  parecida  com  as  bonecas 

convencionais?  

Releiam os parágrafos finais do capítulo, que tratam do ribeirão, outro “encanto” 

de Narizinho. Note que o narrador chama as águas de “apressadinhas e mexeriqueiras”, 

como  se  elas  fossem  gente.  O  recurso  de  dar  características  humanas  a  animais,  a 

objetos ou a elementos da natureza é conhecido como “antropomorfismo”. Você não 

precisa informar esse nome aos alunos, mas fará bem em chamar a atenção deles para o 

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modo como o narrador caracteriza as águas do ribeirão. O barulhinho que elas  fazem, 

ao correr pelas pedras tão “apressadinhas”, lembra mexericos feitos em voz baixa.  

Grandes autores, como Monteiro Lobato, sempre nos surpreendem por mostrar 

aspectos do mundo às vezes muito conhecidos, como águas de ribeirão, de maneira tão 

original  que  passamos  a  vê‐los  de  maneira  diferente,  renovada.    O  modo  como  o 

narrador descreve as horas que Narizinho passa alimentando os peixes também é muito 

original, pois  lhes confere atitudes também humanas. Alguns peixes são “ressabiados”, 

parecem desconfiar da boneca... 

O  que  acontecerá,  a  seguir?  Incentive  a  turma  a  imaginar.  Como  a  história  é 

conhecida, muitos alunos mencionarão o Reino das Águas Claras. Na próxima aula,  leia 

mais um capítulo... 

 

Desdobramentos para outros momentos 

 

Nas  aulas  seguintes,  leia  para  a  turma  os  outros  seis  capítulos  de  “Narizinho 

arrebitado”.  Você  pode  ler  um  ou  dois  capítulos  por  vez,  sempre  caprichando  na 

entonação. Após a  leitura, abra espaço para que os alunos  comentem o que  leram e 

ouviram.  

É provável que eles perguntem o  significado de algumas palavras; quando  isso 

acontecer,  aja  como  Dona  Benta.  Nas  cenas  de  leitura  retratadas  em  vários  livros 

infantis de Monteiro Lobato, as personagens  infantis perguntam o sentido dos termos 

que desconhecem. Dona Benta explica o significado da palavra, que passa a fazer parte 

do repertório dos netos. Cenas assim sugerem a preocupação de Monteiro Lobato em 

ampliar o vocabulário de seus leitores. 

  Nas  aventuras  de  Narizinho  no  Reino  das  Águas  Claras,  há  a  participação 

importante  de  uma  personagem  dos  contos  de  fadas,  o  Pequeno  Polegar.  Caso  seus 

alunos não o conheçam, você pode  ler ou contar para eles a história da personagem. 

Explique quem é a Dona Carochinha, que havia aprisionado em seu reino personagens 

de outros contos de fadas, como Branca de Neve, Bela Adormecida e o Gato de Botas. A 

ideia de que  livros de  contos podem  ser  reinos encantados, onde  as personagens de 

diferentes  histórias  vivem  juntas,  é  bastante  encantadora  e  pode  ser  explorada  por 

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vocês.  Que  leitor  já  não  teve  a  sensação,  durante  a  leitura,  de  que  determinadas 

personagens são reais, ou de que lugares fictícios realmente existem? 

  O  Reino  das  Águas  Claras  é  desses  lugares  imaginários  que  gostaríamos  de 

visitar. Chame a atenção de seus alunos para as maravilhas do reino, como o palácio do 

Príncipe Escamado, o coche de gala em que Narizinho passeia pelo fundo do mar, o baile 

oferecido à menina. As descrições são extremamente vivas, criativas e bem‐humoradas. 

A sala de jantar do palácio, por exemplo, é tão bem‐arrumada que Narizinho a considera 

mais bonita do que a sala do trono. O príncipe explica que a beleza do arranjo da mesa 

se  deve  às  sardinhas,  “as melhores  arrumadeiras  do  reino”.  A menina,  então,  pensa 

consigo: “Não é à toa que sabem arrumar‐se tão direitinhas dentro das latas...”. Outras 

reflexões infantis, tão deliciosas como essa, podem ser encontradas em toda a história. 

  O capítulo 5, “A costureira das fadas”, merece uma aula só para ele, pois é dos 

mais bonitos e emocionantes do livro. O príncipe pede a Dona Aranha, a costureira das 

fadas, que  faça um vestido para Narizinho. A descrição da maneira como a costureira 

veste e enfeita a menina é belíssima: o diadema é de orvalho, as  joias  são de  rubis e 

esmeraldas do mar; a menina ainda é “polvilhada” com o “famoso pó Furta‐todas‐as‐

cores, de tanto brilho que parecia pó de céu sem nuvens misturado com pó de sol que 

acaba de nascer”. Como os alunos imaginam essa cena? 

  A  beleza  da  natureza  é  um  tema  recorrente  nas  obras  de Monteiro  Lobato. 

Observe, com seus alunos, o grande valor atribuído a elementos naturais como teias de 

aranha,  orvalho,  luz  do  sol,  brilho  das  borboletas...  Eles  são  mais  valiosos  do  que 

qualquer elemento artificial. Podemos afirmar que, neste e em outros livros de Lobato, 

a  fruição  de  belezas  naturais  proporciona muito mais  prazer  do  que  a  obtenção  de 

dinheiro ou de “objetos de grife”, como diríamos hoje. 

  Também vale a pena debater com a  turma a escolha  feita pela costureira, que 

poderia tornar‐se princesa ou sereia, mas decide continuar sendo aranha. A personagem 

percebe que gosta de ser como é, mesmo que a outros olhos esteja bem distante do 

“padrão de beleza” atribuído a princesas ou, atualmente, a modelos. A  lição de Dona 

Aranha pode render bons papos a respeito da valorização, por parte de cada aluno, de 

seu corpo, de suas características, de sua  identidade. Comente com eles que a beleza 

pode  assumir  inúmeras  e  diferentes  formas,  o  que  certamente  deixa  o mundo mais 

interessante.  

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  O  capítulo  7,  “A  pílula  falante”,  também  pode  render  conversa  demorada  e 

intensa exploração do  texto. É nesse capítulo que a boneca Emília deixa de ser muda, 

graças à pílula falante do Doutor Caramujo. Há passagens divertidíssimas, como aquela 

em que Emília começa a “botar para fora” a “fala recolhida”. A caracterização do Doutor 

Caramujo,  que  não  sabia  curar  sem  suas  pílulas,  é  engraçada  e  pode  ser  vista  como 

crítica  a  certa  medicina  praticada  ainda  hoje,  que  prescreve  para  cada  doença  um 

remédio ou vacina. Comentem também a decisão ética de Narizinho, que não permite a 

morte de um papagaio, cuja fala seria “transplantada” na boneca.  

    Terminada  a  leitura  dessa  parte  do  livro,  vocês  podem  fazer  uma  atividade 

escrita  baseada  no  texto  lobatiano.  Solicite  aos  alunos  que  imaginem  a  seguinte 

situação:  eles  encontram  uma  passagem  para  o  Reino  das  Águas  Claras  e  vão  até  o 

fundo do mar. Lá, vivem uma aventura com alguma das personagens que apareceram 

em “Narizinho arrebitado”. Antes de eles começarem a escrever, é importante que você 

os estimule a  imaginar onde estaria a passagem para o reino, o que eles gostariam de 

ver no fundo do mar, que personagem gostariam de encontrar lá.  

  Como muitos de nós vivemos  longe de  ribeirões  limpos, como o do sítio, pode 

ser que alguns alunos  inventem passagens para o Reino das Águas Claras que estejam 

poluídas, cheias de lixo, escondidas em córregos canalizados. Esse tipo de situação pode 

render ótimos textos e ótimas conversas sobre a necessidade de preservação do meio‐

ambiente. É possível, também, que muitos alunos nunca tenham  ido a uma praia e só 

conheçam  o mar  por  imagens.  Não  há  problema:  a  própria  Narizinho,  talvez,  nunca 

tivesse visto o mar antes de encontrar o Príncipe Escamado. O fundo do mar que seus 

alunos  imaginarão não precisa  ter  tanto  vínculo  com o oceano  real. Afinal, Narizinho 

passeia pelo reino sem usar roupa de mergulho, não é mesmo? 

  Eles também podem criar personagens que não aparecem na história lida, como 

piratas ou monstros marinhos. O  importante é que, em algum momento do texto que 

escreverão, alguma personagem do Sítio ou do Reino das Águas Claras  interaja com as 

demais personagens, entre elas o narrador. O texto será escrito em primeira pessoa, de 

modo que o narrador será também uma personagem. 

  Deixe  que  os  alunos  conversem  entre  si  sobre  as  histórias  que  criarão,  e  que 

deem palpites nas narrações dos colegas. A atividade escrita não deve ser realizada de 

maneira  tensa,  como  se  eles  estivessem  realizando  uma  prova.  Permita  que  eles  se 

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soltem, que fiquem tranquilos; assim, as ideias surgirão mais facilmente. Conforme eles 

forem  escrevendo,  podem  parar,  mostrar  trechos  para  algum  colega,  discutir  a 

continuação da história... É assim que muitos escritores profissionais  trabalham.  Seus 

alunos podem, assim como escritores profissionais, pedir a opinião de  leitores amigos, 

consultar dicionários, voltar ao texto de Monteiro Lobato, reformular passagens inteiras. 

A atividade pode ser realizada em duas ou mais horas de atividades de leitura.  

  Não  se  esqueça de participar  também da escrita dos  textos. Circule pela  sala, 

olhe trechos, oriente correções relacionadas à norma culta, tire as dúvidas de todo tipo 

que surgirão. Leve para a sala outros materiais em que o fundo do mar seja tematizado 

ou  retratado,  como  revistas,  livros,  fotos.  Eles  podem  ajudar  seus  alunos  a  fazer 

descrições, a  ter  ideias, a aprender mais sobre o cenário da aventura que escreverão. 

Além  disso,  a  turma  se  sentirá  estimulada  a  ler  outros  gêneros  textuais,  a  pesquisar 

informações, a examinar  imagens, o que é excelente: cada aluno estará exercitando e 

aprimorando diferentes competências. 

  Terminados os  textos,  façam uma  revisão  conjunta. Primeiro, peça  aos  alunos 

que troquem os textos com colegas, que apontarão eventuais problemas de linguagem 

ou  falhas  na  narração,  na  descrição,  na  caracterização  de  personagens  etc.  Depois, 

revise  os  textos,  apontando  os  trechos  a  corrigir,  a  esclarecer,  a  desenvolver mais. 

Ajude‐os  a  refazer os  textos, de  acordo  com os  apontamentos dos  colegas  e  as  suas 

orientações.  Explique  como escritores profissionais  costumam  reescrever  várias  vezes 

um  texto,  até  ficarem  satisfeitos.  Monteiro  Lobato,  como  vimos,  reescrevia 

constantemente suas histórias. 

  Quando a última versão do texto for produzida, pode ser ilustrada com desenhos 

ou colagens que dialoguem com a narração. Nas aulas de  leitura seguintes, cada aluno 

pode  ler para  a  turma  toda  a história que escreveu. Após  cada  leitura,  vocês podem 

comentar o texto.  Incentive os alunos a ensaiar em casa, antes de  ler para os colegas, 

assim como você  fez. Também é  importante orientá‐los a ouvir atentamente a  leitura 

dos  colegas  e  a  expor  opiniões  sobre  os  textos  alheios  de maneira  clara,  atenciosa, 

organizada. Ao  fim das  leituras, os textos produzidos podem ser reunidos em um  livro 

artesanal, ou expostos em painéis. As histórias criadas por seus alunos se  juntarão aos 

outros livros da biblioteca da escola, ampliando o acervo compartilhado por todos. 

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Por meio  dessa  atividade,  você  pode  acompanhar  o  desenvolvimento  de  seus 

alunos  com  relação  à  compreensão  leitora  e  à  elaboração  escrita.  Anote  os  avanços 

feitos por eles e os aspectos que precisam ser melhorados, tanto com relação à  leitura 

como  à  escrita. Nas próximas  aulas, procure  ajudar os  estudantes  a  aperfeiçoar  suas 

competências e habilidades.  

  Novas leituras de Reinações de Narizinho podem ser feitas pelos alunos em casa 

ou na escola. Incentive‐os a  ler o  livro todo, apontando novas aventuras das quais eles 

poderão gostar. Eles não precisam seguir a ordem em que as diferentes partes do livro 

foram organizadas; podem escolher que aventura  lerão primeiro por meio dos  títulos, 

de  sugestões  suas,  de  comentários  de  outros  leitores.  Como  observamos  em 

“Preparando  a  hora”,  Monteiro  Lobato  escreveu  várias  histórias  curtas,  que  foram 

publicadas  separadamente  e  posteriormente  reunidas  em  Reinações  de  Narizinho. 

Assim, cada parte do livro apresenta uma unidade, que pode ser lida separadamente.  

  Sempre  é  bom  lembrar,  aliás,  que muitos  alunos  não  aguentam  esperar  pela 

próxima aula para ouvir a continuação de uma história. Se eles tiverem acesso ao livro, 

poderão ler antes os capítulos que você planejou ler aos poucos. Não os proíba de agir 

assim! É delicioso encontrar um  livro do qual não  conseguimos  largar até conhecer o 

final da história. Monteiro Lobato tematizou esse tipo de situação no primeiro capítulo 

de  “O  irmão de Pinóquio”, uma das histórias de Reinações de Narizinho. Dona Benta 

havia comprado o  livro Pinóquio pelo correio; quando a encomenda chegou, Pedrinho 

manifestou sua alegria do seguinte modo: 

 

  ― Viva! ― exclamou Pedrinho quando o correio entregou 

o pacote. ― Vou lê‐lo para mim só, debaixo da jabuticabeira.  

  ―  Alto  lá!  ―  interveio  Dona  Benta.  Quem  vai  ler  o 

Pinóquio, para que todos ouçam, sou eu, e só lerei três capítulos 

por dia, de modo que o livro dure e nosso prazer se prolongue. A 

sabedoria da vida é essa. 

  ― Que  pena! ― murmurou  o menino  fazendo  bico. Não 

fosse a tal sa‐be‐do‐ri‐a da vida, que nunca vi mais gorda, e hoje 

mesmo eu dava conta do  livro e  ficava sabendo  toda a história 

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do Pinóquio. Mas, não! Temos de ir na toada de carro de boi em 

dia de sol quente – nhem, nhem, nhem.  

 

  Essa  é  uma  das  inúmeras  situações  da  obra  infantil  lobatiana  em  que  alguma 

personagem infantil contesta, de forma incisiva, a opinião ou as ordens de um adulto. A 

zanga de Pedrinho, que não dura muito,  lembra a nós, professores, que nem sempre a 

leitura que consideramos a mais “sábia”, ou a mais adequada, é a melhor para alguns de 

nossos alunos. Eles precisam ter a liberdade de ler um determinado livro quando e onde 

quiserem, no  ritmo que desejarem. Precisam,  ainda,  ter  a  suprema  liberdade de não 

continuar  lendo o  livro de que não  gostaram. Portanto, deixe  seus  alunos  livres para 

continuar  –  ou  não  –  lendo  Reinações  de  Narizinho.  Permita  que  eles  leiam  onde 

quiserem – que bom seria, debaixo de uma jabuticabeira! – e quando quiserem.  

  Mas  não  deixe  de  abrir  espaço  nas  aulas  para  aqueles  que  leram  o  livro 

compartilharem  suas  leituras  com  os  colegas.  Vale  a  pena,  também,  provocar  a 

curiosidade  deles  contando  um  trecho  interessante  de  alguma  outra  parte  da  obra. 

Lembre‐se,  ainda,  de  indicar  outros  livros  cujas  histórias  se  passem  em  reinos 

encantados. Uma boa dica é Amigos secretos, de Ana Maria Machado, que faz parte do 

acervo  Programa  Nacional  Biblioteca  da  Escola  (PNBE)  de  2006.  A  história  trata  das 

aventuras de um grupo de jovens que põem um livro de Monteiro Lobato num aparelho 

de  videocassete.  Abre‐se,  então,  uma  passagem  para  reinos  encantados  onde  vivem 

personagens famosas da literatura, entre elas a turminha do sítio.  

  Outras  sugestões  que  podem  interessar  aqueles  alunos  que  apreciaram 

Reinações de Narizinho são: A fantástica fábrica de chocolate, de Roald Dahl, do PNBE 

2006, Alice viaja nas histórias, de Gianni Rodari, do PNBE 2008, As fabulosas histórias de 

Merlin  e  do  Rei  Artur,  de  Benjamin  Bachelier  e  Gilles Massardier,  do  PNBE  2009.  O 

Picapau Amarelo e Viagem ao céu, de Monteiro Lobato, fazem parte do acervo do PNBE 

2009.  

Há ainda várias obras do programa Literatura em minha casa e do acervo Hora 

de Leitura que podem agradar a  seus alunos. Para  indicar novos  livros a  suas  turmas, 

procure  conhecer  bem  esses  e  outros  acervos  disponíveis  em  sua  escola  e  em  sua 

cidade. Procure, também, conhecer bem os  interesses, as dificuldades, o repertório de 

cada um de seus alunos! 

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Bibliografia 

 

Livros sobre Monteiro Lobato 

 

AZEVEDO,  Carmem  Lúcia  de;  CAMARGOS,  Márcia;  SACCHETTA,  Vladimir.  Monteiro 

Lobato: furacão na botocúndia. São Paulo: Senac, 1998. 

CAMARGOS, Márcia.  Juca e  Joyce: memórias da neta de Monteiro  Lobato. São Paulo: 

Moderna,  2008.  (Este  livro  faz  parte  do  acervo  do  Programa  Nacional  Biblioteca  da 

Escola – 2009). 

DANTAS, Paulo (org.). Vozes do Tempo de Lobato: depoimento. Edição comemorativa do 

centenário de nascimento de Monteiro Lobato. São Paulo: Traço Editora, 1982. 

LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. São Paulo: Moderna, 2006. 

(Este livro faz parte do acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola – 2006). 

LAJOLO, Marisa  e  CECCANTINI,  João. Monteiro  Lobato  livro  a  livro:  obra  infantil.  São 

Paulo: Editora Unesp; Imprensa Oficial, 2008. 

 

 

Livros de Monteiro Lobato 

 

As  obras  completas  de  Monteiro  Lobato  estão  sendo  publicadas,  atualmente,  pela 

Editora  Globo.  Todos  os  livros  da  coleção  infantil  que  tematiza  o  Sítio  do  Picapau 

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Amarelo integram o acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola – 1998.  Viagem 

ao  Céu  e O  Picapau  Amarelo  também  fazem  parte  do  acervo  do  Programa Nacional 

Biblioteca da Escola – 2009. 

 

 

Livros sobre História do Brasil 

 

ALENCASTRO,  Luís  Felipe  e  NOVAIS,  Fernando  A.  (org.).  História  da  vida  privada  no 

Brasil: Império: A corte e a modernidade nacional. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. 

NOVAIS,  Fernando A.  e  SEVCENKO, Nicolau  (org.). História  da  vida  privada  no  Brasil: 

República: da Belle epoque à era do rádio. São Paulo: Cia das Letras, 1998. 

 

Sites: 

 

No  site  oficial  de  Monteiro  Lobato  (http://lobato.globo.com/),  você  encontrará 

informações sobre a vida e a obra do escritor, bem como uma miscelânea de textos de 

sua  autoria.  Já  o  site  Monteiro  Lobato  e  outros  modernismos 

(http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/)  reúne  documentos  e  informações 

relativos ao autor, além de ensaios e estudos  relacionados a  sua obra,  realizados por 

pesquisadores do Instituto de Estudos da Linguagem (Iel) da Unicamp, sob  coordenação 

da professora Marisa Lajolo. 

 

 

             

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Antiguidades, de Cora Coralina  

A sequência didática apresentada neste capítulo é indicada para turmas do sexto e do  sétimo anos do Ensino Fundamental  II. O objetivo das diferentes etapas é auxiliar você no preparo e na realização de várias atividades que tenham como foco poemas de Cora  Coralina,  a  começar  por  “Antiguidades”.  O  quadro  abaixo  apresenta  de modo sintético, as etapas da sequência didática e a ordem em que devem ser realizadas. 

   Etapas  Atividades 

1  Preparando a leitura  Atividades  realizadas apenas pelo professor.  

• Obter informações sobre Cora Coralina; • ler o poema “Antiguidades”; • usando  uma  tabela  como  guia,  anotar 

aspectos  relacionados  à  forma  e  ao conteúdo  do  poema  que  podem  ser comentados após a leitura. 

2  Aquecendo para a leitura  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Organizar a sala para a aula; • apresentar  à  turma  a  poetisa  Cora 

Coralina; • incentivar  os  alunos  a  fazerem 

antecipações  sobre  o  poema “Antiguidades”; 

• perguntar  se  eles  desejaram muito  fazer algo, na infância, que lhes foi proibido.  

3  Saboreando o texto  Atividade  realizadas apenas 

• Ler o poema “Antiguidades” para a turma, se possível duas vezes. Na segunda vez, os alunos podem ler o poema. 

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pelo professor.  

4  Entrelaçando  leituras coletivas  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Abrir  espaço  para  os  alunos  comentarem livremente o poema lido; 

• chamar  a  atenção  para  determinadas passagens  do  texto,  como  o  sentido conotativo  de  algumas  palavras  e expressões; 

• explorar os sentidos sugeridos pelo uso do tempo  verbal  Pretérito  Imperfeito  do Indicativo; 

• perceber como a memória do eu‐lírico traz para  o  presente,  acontecimentos  do passado; 

• examinar a sonoridade de alguns versos; • examinar  o  sentido  de  alguns  adjetivos, 

quando  isolados  no  verso,  quando próximos  de  outros  adjetivos  ou substantivos; 

• refletir  sobre  a  infância  retratada  no poema. 

5  Desdobramentos  para outros momentos  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Ler mais poemas de Cora Coralina, ou de outros  autores  que  tenham  tematizado  a infância; 

• orientar a organização de antologias, com poemas selecionados pelos alunos; 

• pedir  aos  alunos  que  escrevam  um  texto de  apresentação  para  os  poemas  das antologias organizadas por eles; 

• estimular  a  turma  a  compartilhar  os textos,  por  meio  de  leituras  e  de exposições; 

• solicitar  aos  alunos  que  escrevam  uma carta  a  Cora  Coralina,  comentando  o poema “Antiguidades”; 

• estimular os alunos a lerem outros poemas da autora, em sala ou em casa.  

Preparando a leitura 

   

Você vai  ler para e com seus alunos o poema “Antiguidades”, de Cora Coralina, 

pseudônimo  de  Ana  Lins  dos  Guimarães  Peixoto  Brêtas  (1889‐1985).  O  poema  foi 

publicado originalmente no  livro de estreia da poetisa, Poemas dos Becos de Goiás e 

Estórias Mais, de 1965. Na época, Cora  já  tinha 75 anos de vida – e que vida! Vale a 

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pena conhecer a biografia dessa mulher que viveu uma história de amor cheia de lances 

românticos,  que  trabalhou  como  agricultora  e  doceira,  que  encantou  poetas  como 

Carlos  Drummond  de  Andrade  quando  começou  a  publicar  seus  escritos.  Você 

encontrará, na bibliografia ao  final desta sequência,  livros e sites onde pode aprender 

mais sobre a história de Cora Coralina. 

Entretanto,  ler  seus poemas provavelmente é a melhor maneira de entrar em 

contato com a biografia da poetisa. Afinal, como certa vez afirmou o poeta mexicano 

Octavio  Paz,  "os  poetas  não  têm  biografia. A  sua  obra  é  a  sua  biografia"4.  Essa  bela 

observação  de  Paz,  originalmente  feita  em  relação  ao  poeta  português  Fernando 

Pessoa,  parece  também  válida  no  caso  de  Cora  Coralina,  que  escreveu  poemas 

extremamente confessionais, como você vai perceber ao  ler “Antiguidades”. O poema 

pode ser encontrado no livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, em antologias 

da  poetisa  e  na  Internet,  no  site  Jornal  de  Poesia  (veja  o  endereço  do  site  na 

bibliografia). 

Com  o  poema  em  mãos,  faça  uma  leitura  atenta,  sublinhando  trechos  que 

considerar  importantes. Releia o texto várias vezes, observando aspectos relacionados 

ao modo como o poema é construído. Sempre que ler um poema, você deve lembrar‐se 

de  que  na  poesia  a  forma  pela  qual  se  expressa  algo  é  tão  importante  quanto  o 

conteúdo expresso. Assim, é preciso  atentar para  a ordem em que as palavras estão 

organizadas,  a  sonoridade  dos  versos,  o modo  como  estão  dispostos  na  página,  as 

imagens  sugeridas pela combinação de palavras,  sons e  formas gráficas. Nós,  leitores, 

damos sentido ao texto poético por meio da leitura de todos esses aspectos. 

Anote  também as  sensações que o poema provocou em  você, os  sentimentos 

que  despertou,  as  lembranças  do  passado  que,  por  acaso,  tenham  surgido  em  sua 

mente.  Procure  identificar  que  trechos  provocaram  quais  sensações,  sentimentos, 

lembranças.  

 Use a  tabela a  seguir  como guia para a  leitura de  “Antiguidades” e de outros 

poemas: 

 

Sons  Identifique  os  sons  que  chamaram  sua  atenção  e 

                                                            4 PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1926. p. 201-202.

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explique por quê: há sons que se repetem, no meio ou 

no final dos versos? Qual o ritmo dos versos? 

Imagens  Registre  as  imagens  que  surgirem  em  sua  mente 

conforme  você  lê  o  poema.  Procure  identificar  que 

palavras,  ou  combinação  de  palavras,  sugeriram  essas 

imagens. 

Sensações  O  poema  provocou  sensações  em  você?  Despertou 

sentimentos,  lembranças?  Identifique  as  palavras, 

versos,  estrofes  que  sugeriam  esses  sentimentos, 

sensações, lembranças.  

 

  Leia  o  poema  silenciosamente;  leia‐o,  também,  em  voz  alta,  saboreando  as 

palavras,  escutando  atentamente  a  sonoridade  dos  versos.  Você  vai  perceber  que, 

embora  os  versos  do  poema  “Antiguidades”  sejam  livres,  eles  pulsam  em  um  ritmo 

muito particular. Use as anotações que você fez para preparar a aula. Certamente, sua 

leitura se misturará à dos alunos e, juntos, vocês farão uma interessante leitura coletiva 

do poema. 

  “Antiguidades” é um poema narrativo, ou seja, conta uma história. Que história é 

essa? Podemos afirmar que é a história de uma menina que deseja comer pedaços de 

um bolo destinado a visitas, guardado em  lugar  inacessível para as crianças. O eu‐lírico 

― voz que expressa a subjetividade do poeta ― narra a angústia da espera da menina 

pela ocasião de comer o bolo, depois que as visitas deixarem a casa. Mas elas demoram, 

a  menina  dorme  e,  pela  manhã,  encontra  apenas  migalhas  do  doce  tão  desejado. 

Podemos afirmar,  igualmente, que o poema conta a história de uma  infância cheia de 

privações, ou de desejos não alcançados. Afinal, a linguagem da poesia explora o sentido 

conotativo,  das  palavras,  isto  é,  os  sentidos  que  as  palavras  podem  adquirir  e  que, 

muitas vezes, são muito distintos do sentido  literal que elas apresentam no dicionário. 

Vejamos, por exemplo, os adjetivos usados nos versos “Aquela gente antiga,/ passadiça, 

era  assim:/  severa,  ralhadeira”.  O  adjetivo  “antiga”  pode  ser  entendido  de  várias 

maneiras: as pessoas existiram outrora, não existem mais; as pessoas existem há muito 

tempo, não passaram – pelo menos não no interior do eu‐lírico; as pessoas estão ligadas 

a uma tradição remota, entre outras possibilidades. 

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O adjetivo “antiga” é  seguido por outro, “passadiça”. Num primeiro momento, 

“passadiça”  pode  lembrar  passado,  o  que  enfatiza  a  noção  de  que  aquelas  pessoas 

pertencem a outro tempo, que passou. No entanto, o significado denotativo da palavra, 

exposto em dicionários, é “que passa  rapidamente; passageiro,  transitório”. Note que 

riqueza  de  sentidos  esses  dois  adjetivos,  juntos,  provocam:  aquela  gente  era muito 

velha,  existia  há  muito  tempo,  pertencia  ao  passado;  mas,  era,  ao  mesmo  tempo,  

transitória, efêmera.  

Podemos  imaginar que a presença daquelas pessoas foi transitória porque teria 

durado o tempo da infância da menina; porém, como  “aquela gente antiga” ainda vive 

em sua memória, o que era transitório não tem fim: dura enquanto durar a memória da 

menina. Quanto mais o tempo passa, mais antiga aquela gente fica, pois seus costumes, 

como  fazer bolo  com  testo de borralho,  tornaram‐se passado  remoto. No  entanto,  a 

lembrança de  seus  atos, pelo  eu‐lírico,  traz  aquela  gente para o  tempo presente. De 

certa  forma,  o  adjetivo  “passadiça”  adquire  sentidos  contraditórios,  pois  o  som  e  a 

grafia  da  palavra  lembram  “passado”,  mas  seu  sentido  denotativo  sugere  outras 

possibilidades, como a efemeridade. 

Outro sentido possível para “passadiça”: gente que estava sempre de passagem, 

e que se detinha  junto à menina apenas para dar ordens ou  infligir castigos. A  infância 

sem brincadeiras, sem carinho dos adultos, sem uma convivência amorosa com eles é 

tema de muitos de seus poemas. Neles, como em “Antiguidades”, entramos em contato 

com um modelo de  infância muito  comum no  século XIX e no  começo do  século XX, 

quando as crianças eram vistas como “adultos em miniatura” e deviam agir como tais. 

Infelizmente, em alguns lugares do Brasil ainda é assim... Mas, hoje sabemos que não é 

“natural”  maltratar  crianças  o  tempo  todo,  ou  abandoná‐las  ao  seu  destino;  pelo 

contrário,  elas  precisam  de  nossa  presença  constante  e  amorosa,  de  nossos 

ensinamentos, de nosso carinho. 

Veja só: por meio da combinação de dois adjetivos, “antiga” e “passadiça”, que 

por sua vez combinam com todas as outras palavras do poema, o texto nos abre portas 

e  mais  portas  para  entendermos  a  infância  brasileira  de  décadas  atrás,  para 

percorrermos com a menina, com a qual nos  identificamos, os caminhos daquela casa, 

daquele  cotidiano do passado. O poema  também  sugere um  complexo entendimento 

dos mecanismos  da memória.  Quantas  vezes  não  nos  lembramos  de  gente  que  foi 

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transitória em nossas vidas, mas que, por alguma razão, tornou‐se antiga dentro de nós, 

seja por pertencer ao passado, seja porque ainda existe em nossa lembrança?  

Talvez você esteja pensando no quanto o leitor é responsável pelos sentidos que 

um poema pode apresentar. Realmente, nós,  leitores, temos papel fundamental nesse 

processo, pois o repertório, o conhecimento de mundo, as  lembranças que guardamos 

entram em cena durante a leitura, conferindo sentidos novos, às vezes inusitados, para 

as palavras organizadas artisticamente pelos poetas. 

O  modo  como  Cora  Coralina  constrói  seus  poemas  costuma  cativar 

imediatamente os  leitores, porque ela usa uma  linguagem “simples, muito próxima do 

gosto popular, fluindo com a naturalidade de um riacho entre pedras”5, como afirmou 

Darcy França Denófrio. De fato, o poema “Antiguidades” flui como riacho; seu formato 

na página, inclusive, lembra o de um rio, que carrega em seu curso as lembranças do eu‐

lírico. Os versos livres se desenrolam de acordo com o que parece ser um fluxo interior, 

que  libera  imagens, palavras,  sons, ora aos poucos, como nos versos  constituídos por 

uma única palavra, ora aos borbotões, como nos versos mais longos.  

Essa maneira de construção do poema  lembra, também, uma conversa em que 

ouvíssemos alguém, modulando o ritmo da fala ao sabor das lembranças que nascem de 

seu interior. Lembranças que saem do eu‐lírico como água clara, que nos permite ver os 

momentos  tão  vívidos  da  infância  da menina.  Cora  Coralina  gostava  de  dizer  e  de 

escrever que era uma contadora de histórias antes de mais nada. Lendo poemas como 

“Antiguidades”, fica difícil discordar dela. 

Procure  fazer  outras  observações  sobre  a  forma  e  o  conteúdo  do  poema.  Em 

seguida, pense em seus alunos e imagine qual a melhor maneira de interpretar o poema 

com eles, de forma que percebam as várias riquezas que ele encerra. Para tanto, você 

precisa ensinar a eles que a  leitura de poesia é diferente da  leitura de outros gêneros, 

como bem esclarece o poeta Fernando Paixão: 

 

(...)  devido  à  natureza  simbólica  da  linguagem  poética, algumas pessoas dizem sentir grande dificuldade para entender a poesia moderna. Muitas vezes, o leitor se põe a ler poemas como 

                                                            5 DENÓFRIO, Darcy França. Prefácio. In: CORALINA, Cora. Melhores poemas de Cora Coralina. São Paulo: Global, 2004. Trecho do prefácio disponível em: < http://www.globaleditora.com.br> Acesso em: 31 out. 2009.

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quem  lê  um  jornal  ou  quem  está  estudando  um  livro.  Sua expectativa diante das palavras é a de absorvê‐las rapidamente, procurando captar com linearidade ou uma espécie de didatismo o pensamento do poeta. 

Esse posicionamento desemboca geralmente em decepção.  Acostumadas  a  ler  textos  e  consumir  discursos  que  evitam 

falar  da  dúvida,  do  incerto  e  da  subjetividade  (é  o  caso  da imprensa escrita, dos livros escolares e da televisão, sem falar da política),  as  pessoas  se  espantam  ao  ver  na  poesia  toda  uma carga  de  sucessão  de  imagens  que  não  conduzem  a  um aprendizado  direto.  Essas  pessoas  estranham  os  retorcidos pensamentos  transmitidos  nas  palavras  e,  sem  entender didaticamente  o  que  está  sendo  dito,  selam  logo  o  livro  ou  o poeta com um juízo taxativo: trata‐se de um supérfluo... 

.... e assim se perde a perspectiva mais rica da criação poética, que é a de proporcionar ao leitor um aprendizado indireto. 6 

 

Portanto, procure ensinar  seus alunos a assumir uma postura  relaxada, aberta 

para  perceber  as  singularidades  da  linguagem  poética.  Não  podemos  ler  um  poema 

como  se  estivéssemos  lendo  uma  notícia  de  jornal.  Precisamos  seguir  com  calma  os 

caminhos  nada  lineares  dos  versos,  prestar  atenção  no modo  como  palavras  e  sinais 

gráficos  estão  organizados,  sentindo  a musicalidade  e  o  ritmo,  deixando  as  imagens 

projetadas pelo poema se expandirem em nossas mentes. 

A  leitura  concentrada e  atenta de diferentes poemas  será  recompensada  com 

diferentes prazeres, diferentes aprendizados, diferentes descobertas. 

 

Aquecendo para a leitura 

   

  Antes de começar a leitura, reúna os alunos em círculo. Assim, vocês ficarão mais 

confortáveis para ouvir a leitura do poema e para, posteriormente, conversar sobre ele. 

Informe à turma que vocês lerão um poema de Cora Coralina, chamado “Antiguidades”. 

Peça  a  eles que  imaginem  a partir do  título,  qual  é o  tema do  texto. Quais  serão  as 

antiguidades tematizadas pela poetiza?  

                                                            6 PAIXÃO, 1994, p.38-39.

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  Você  pode  apresentar Cora Coralina  aos  alunos,  explicando  que  ela  teve  uma 

vida longa, começada e terminada em Goiás. Se possível, mostre uma foto dela e conte 

um  pouco  de  sua  história.  Explique  à  turma  que  muitos  dos  poemas  dela  são 

“confessionais”, ou seja, tratam de coisas vividas por ela na  infância, na  juventude, na 

vida  adulta.  Por meio  da  leitura  de  “Antiguidades”,  eles  provavelmente  conhecerão 

aspectos de uma  infância passada ainda no  século XIX, quando havia palmatórias nas 

casas, e  reconhecerão aspectos de  sua própria  infância,  como o desejo de  comer um 

bolo reservado a visitas chatas. 

  Aliás, vale perguntar a eles se, na infância – da qual muitos estão saindo – tinham 

vontade de  fazer  algo que  era proibido pelos pais ou  adultos  responsáveis. Anote  as 

histórias compartilhadas por eles, que devem ser retomadas após a  leitura do poema. 

Como  quase  todos  nós  ouvimos  muitos  “nãos”  quando  crianças  rapidamente  nos 

identificamos  com  a  história  narrada  em  “Antiguidades”.  É  o  que  acontecerá, 

provavelmente, com seus alunos. 

  Não se esqueça de dizer a eles que a  linguagem da poesia é muito diferente da 

linguagem de  textos como notícias de  jornal, verbetes de enciclopédia, enunciados de 

livros didáticos. Lembre‐se das palavras de Fernando Paixão sobre a leitura de poesia e 

procure transmiti‐las, a seu modo, para a turma. 

   O  tempo de aquecimento para a  leitura deve durar cerca de 15 minutos, para 

que vocês tenham tempo de ler e saborear o texto com calma. 

   

Saboreando o Texto 

 

  Leia o poema para a  turma, da maneira mais expressiva possível. Ensaie antes, 

para que sua  leitura flua como “água de riacho entre as pedras”, como pede o poema.  

Os  alunos  devem  ter  cópias  do  texto  para  acompanhar  sua  leitura.  Peça  a  eles  que 

sublinhem  as  palavras  que  não  entenderem,  para  que  depois  você  explique  seu 

significado. Mas eles devem esperar o final da leitura para fazer perguntas, a fim de não 

interromper o fluxo do poema.  

  Você  pode  ler  o  poema  uma  segunda  vez,  antes  de  abrir  espaço  para  os 

comentários  a  respeito  dele.  Uma  segunda  leitura  pode  permitir  que  os  alunos 

entendam melhor alguns trechos e percebam melhor o ritmo e a sonoridade do poema. 

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Se preferir, peça aos alunos que  leiam o texto – cada estudante pode  ler uma estrofe, 

por exemplo. 

 

Entrelaçando leituras coletivas 

 

  Terminada a leitura, convide a turma a fazer comentários gerais sobre o poema. 

É  hora  de  os  alunos  conversarem  livremente  a  respeito  do  texto,  fazendo  perguntas 

sobre palavras ou  trechos que não  tenham entendido,  lembrando histórias parecidas 

que viveram, comentando as sensações, os sentimentos, as lembranças provocadas pelo 

poema.  Há  passagens  que,  provavelmente,  causarão  dúvidas  ou  despertarão  a 

curiosidade deles, como o verso “com um  testo de borralho em cima”.   O bolo havia 

sido  feito,  provavelmente,  em  fogão  a  lenha,  e  tinha  uma  camada  bem  esticada  de 

cinzas na superfície. Será que você, ou algum de seus alunos, já ouviu falar em um bolo 

assim? Quem sabe alguém conhece uma cozinheira sabedora dessa  técnica  tão antiga 

de culinária? 

  A  descrição  do  bolo  pode  fazer  o  leitor  imaginar  que  a  infância  da  menina 

transcorreu num tempo diferente do nosso, talvez muito anterior. Mas essa percepção 

só  ocorre  ao  final  da  primeira  estrofe. Os  primeiros  versos  do  poema  sugerem  uma 

infância  que  poderia  ter  ocorrido  há  pouco  tempo:  “Quando  eu  era  menina/  bem 

pequena,/ em nossa casa,/certos dias da semana/ se fazia um bolo,/ assado na panela/ 

com um  testo de borralho em  cima.”.    É  somente quando  lemos o último  verso que 

percebemos  como  esse  assar  de  bolo  está  distante  de  nós,  no  tempo.  Pergunte  aos 

alunos como eles imaginam a infância descrita nesses primeiros versos: há algo familiar 

a eles? Há algo estranho? Provavelmente, assar bolo é algo comum na casa de muitos 

jovens, ainda que bolos com cinza hoje sejam raros... 

   Observe, com eles, o uso dos  tempos verbais no poema. Circulem os verbos e 

reparem que o tempo verbal predominante é o pretérito  imperfeito do  indicativo: era, 

abria, parecia,  cortava,  governava,  regrava, dava,  guardava... O que o uso  recorrente 

desse  tempo verbal pode nos  indicar? Lembremos que o pretérito  imperfeito é usado 

para expressar o passado inacabado, um processo anterior ao momento em que se fala, 

mas que durou algum tempo no passado. Também pode ser empregado para assinalar 

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um  fato  habitual,  cotidiano.  Como  esse  tempo  verbal  não  se  refere  a  um  processo 

situado perfeitamente num contexto de passado, chama‐se pretérito imperfeito.  

  Portanto,  as  ações  descritas  no  poema  aconteciam  regularmente,  durante  um 

período  que  podemos  entender  como  a  infância  da menina, mas  cujos  limites  são 

incertos para nós. Várias vezes ela teria visto o bolo assar, várias vezes  teria desejado 

comê‐lo,  várias  vezes  o  doce  teria  sido  entregue  a  visitas.  Talvez  essa  seja  uma  boa 

oportunidade  para  ensinar  à  turma,  ou  relembrar  com  ela,  as  particularidades  desse 

tempo  verbal.  A  observação  de  um  aspecto  gramatical,  como  o  dos  tempos  verbais, 

pode ajudar a entender melhor um  texto  literário; além disso, esse  tipo de atividade 

costuma ocorrer de modo mais solto e interessante quando se tem em mãos um texto 

vivo, palpitante, como o do poema de Cora Coralina.    

  O fato de o pretérito  imperfeito assinalar um passado  inacabado contribui para 

reforçar a  ideia de que, na memória do eu‐lírico, a angústia de esperar pelo bolo e a 

decepção de encontrar seus restos ainda perduram. É como se aqueles acontecimentos 

não  tivessem  terminado, não  fossem um passado  acabado,  superado  –  até porque  a 

poetisa não usa o pretérito perfeito do indicativo. Pergunte aos alunos se já aconteceu a 

eles uma situação parecida; alguém, por exemplo, continua lembrando com frequência 

um  fato  importante  da  vida,  ocorrido  no  passado?  Muitas  vezes  lembramos  e 

relembramos determinado acontecimento, como se estivéssemos projetando um filme 

em nossas mentes, continuamente. Quando fazemos isso, revivemos o fato acontecido, 

trazendo‐o novamente para o presente. 

  Nesse sentido, é possível afirmar que, de certa forma, as “antiguidades” narradas 

no  poema  ainda  estão  vivas  e  presentes  para  o  eu‐lírico.  Bonito,  não?  Doloroso, 

também,  porque  são  “antiguidades”  relacionadas  a  sofrimentos  diversos,  como  os 

castigos distribuídos pela “gente antiga” e o desejo nunca completamente satisfeito de 

comer  o  bolo.  Se  acreditarmos  nessa  possibilidade  de  leitura,  poderemos  encontrar 

outros elementos que a reforçam. Examinem, por exemplo, os versos da quarta estrofe: 

“A gente mandona  lá de casa/ cortava aquele bolo/ com  importância./ Com atenção./ 

Seriamente./ Eu presente. Com vontade de comer o bolo todo.”. 

  Notem  que,  nos  dois  últimos  períodos,  não  há  verbos.  Na  primeira  leitura, 

podemos  imaginar que o verbo mais provável para preencher a  lacuna entre o sujeito, 

“eu”, e o predicativo, “presente”, é o verbo ser, no Pretérito  Imperfeito do  Indicativo: 

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“estava”. Mas o verbo não está expresso e nós,  leitores, podemos  imaginar que bem 

poderia  ser usado o  verbo  ser no presente do  Indicativo:  “Eu  estou presente”. O eu‐

lírico, ao relembrar aquele passado  inacabado, revive‐o, como se estivesse novamente 

presente  naqueles  acontecimentos,  ou  como  se  aqueles  acontecimentos  fossem 

presentes. Aliás, essa palavra pode ter outro sentido: o de objeto presenteado. O bolo 

seria um presente nunca desfrutado, e que por  isso mesmo está  sempre presente na 

memória do eu‐lírico. 

  Explorem,  juntos,  os  jogos  de  sentidos  provocados  pelas  combinações  de 

palavras  e  pela  organização  das  orações  e  frases  ao  longo  do  poema.  Quais  os 

significados que podemos atribuir, por exemplo, ao verbo regrar, na quinta estrofe? A 

irmã regrava no sentido de que traçava  linhas sobre o bolo, para cortá‐lo? Ou porque 

submetia as crianças a regras para comer as fatias? Porque regulava as porções? Todos 

esses sentidos são válidos, e ainda há outros que podem ser descobertos. 

  Reparem  como  alguns  versos  são  constituídos  por  apenas  uma  palavra,  como 

ocorre na terceira estrofe: no segundo verso, há apenas a palavra “gulosa”, seguida de 

uma  vírgula  que  indica  os  sentimentos  tematizados  nos  versos  seguintes.  A  palavra 

“gulosa”, assim isolada em um verso, não ganha destaque? Aliás, os leitores imaginam, 

ao ler essa palavra, uma menina que abra a boca; no entanto, a menina “abria os olhos 

para aquele bolo”. Como os alunos entendem essa gulodice que consistia em abrir os 

olhos, em  lugar de abrir a boca? Será que o bolo só podia entrar no corpo da menina 

pelos olhos, pela imaginação, já que estava proibido para sua boca? 

  Quantas  riquezas  há  para  explorar  em  um  texto  poético!  Percorram  o  texto 

várias vezes, demorando um pouco a cada verso, comentando as imagens e os sentidos 

sugeridos pelas palavras e pelo modo  como  foram organizadas. Não  se esqueçam de 

também explorar a sonoridade do poema, mapeando sons que se repetem a intervalos 

determinados, constituindo um ritmo todo especial. Além disso, os sons, muitas vezes, 

reforçam os sentidos indicados pelas palavras. Leiam, por exemplo, o primeiro verso da 

quinta  estrofe:  “Era  só  olhos  e  boca  e  desejo”.  A  repetição  do  som  sibilante  do  “s” 

lembra uma boca que se enche de saliva, tamanho é o desejo de comer o bolo. 

  Explique  aos  alunos  os  sentidos  de  palavras  que  eles  não  conhecem  como 

“intangível”, “empertigada”, “abrolhos”. Quando eles conhecerem o sentido denotativo 

das palavras, aquele do dicionário,poderão imaginar melhor os sentidos conotativos, ou 

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seja, os novos sentidos que elas adquirem no texto poético. “Intangível”, por exemplo, 

significa aquilo que não se pode tanger, ou pegar. O adjetivo também tem o sentido de 

algo não perceptível pelo tato; impalpável, incorpóreo. Esses sentidos originais levaram 

a outros, derivados, que  são os  seguintes: aquilo que não é  suficientemente  claro ou 

definido para  ser percebido ou entendido; aquilo que, por  seu valor e dignidade, não 

pode ser atacado e deve permanecer intato.  

  O  bolo  “quase  intangível”  pode  ser  entendido,  então,  como  um  objeto  que  a 

menina não podia pegar, mas também como algo de enorme valor, quase sagrado, que 

deveria permanecer  intocado, o que  a menina não  conseguia  entender –  lembremos 

que, no final das contas, o bolo era “muito ruim”.  

  Levando  em  conta  os  sofrimentos  infligidos  às  crianças,  que  são  descritos  no 

poema – ralhos, beliscão, palmatória, chineladas, entre outros – o que aquele bolo pode 

representar?  A  promessa  de  agrados,  que  só  eram  dados  a  visitas  adultas?  Talvez. 

Incentive os alunos a  imaginar o que faltava na  infância do eu‐lírico: carinho, prazeres, 

brincadeiras? Quais  os  sentidos  que  a  palavra  “bolo”  pode  ter? No  dicionário,  vocês 

descobrirão que “bolo” pode significar um tipo de tapa, dado com régua ou palmatória, 

na mão de alguém, por castigo. Pode também significar um doce, ou uma recompensa... 

Em torno dessa tensão entre castigos e prêmios parece girar o poema. 

  Não se esqueçam de explorar com atenção as estrofes em que são descritas as 

visitas, de nomes antigos e qualidades as mais interessantes. D. Joaquina Amâncio, por 

exemplo, era uma velha “grossa,  rombuda, aparatosa./ Esquisita./ Demorona.”. Como 

os alunos a imaginam? O que é “rombuda”, o que é “aparatosa”? “Demorona” é palavra 

que não existe no dicionário; pode ser um regionalismo, pode ser um neologismo, uma 

nova palavra inventada pela poetisa. Mas seu significado é bem fácil de entender, não? 

Os  alunos  podem  se  divertir  com  a  caracterização  das  visitas,  pois  certamente 

encontrarão qualidades dessa gente antiga que se aplica muito bem a certas gentes de 

hoje. 

  Você  pode  explicar  a  eles  que  os  versos  apresentam,  de  maneira  bastante 

subjetiva e artística, o retrato da  infância de muitos brasileiros do final do século XIX e 

do  começo  do  século  XX,  que  sofriam  com  a  “pedagogia”  descrita  pelo  eu‐lírico  em 

“Antiguidades”. Que semelhanças e que diferenças existem entre a infância tematizada 

no poema e a infância de hoje? Provavelmente, eles vão perceber que existem no país, 

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infelizmente, várias  infâncias: a de crianças que são obrigadas a agir como adultos em 

miniatura e a passar por provações, e a de crianças que podem brincar, que têm o afeto 

dos adultos, que podem estudar. 

 

Desdobramentos para outros momentos 

 

  Procurem  ler  outros  poemas  de  Cora  Coralina,  que  vocês  encontrarão  na 

Internet ou nos  livros da autora, alguns deles  integrantes de acervos distribuídos pelo 

Ministério  da  Educação,  como  você  pode  verificar  na  bibliografia.  Vocês  descobrirão 

juntos muitos tesouros quando explorarem mais o universo poético de Cora. Há um livro 

especialmente  interessante para  jovens do  sexto ano, A moeda de ouro que um pato 

engoliu, que deve constar do acervo escolar. 

  Privilegie as atividades de leitura dos poemas, antes de realizar alguma atividade 

escrita. Vale lembrar que, antes de pedir a seus alunos que escrevam poemas, é preciso 

ler muitos com eles, para que se  familiarizem com o gênero. Fazer poesia não é nada 

fácil,  de modo  que  você  não  deve  pedir  poemas  aos  alunos  logo  após  uma  primeira 

leitura.  Como  vimos,  ao  analisar  “Antiguidades”,  um  poema  é  muito  mais  do  que 

palavras dispersas pela página ou frases cortadas, simulando versos. 

  Procure  formar bons  leitores de poesia. Uma atividade escrita que pode ajudar 

nessa formação é a organização de antologias, ou seja, coleções de poemas preferidos. 

Os alunos podem escolher poemas de Cora Coralina, ou poemas de vários autores sobre 

infância,  por  exemplo,  e  organizar  um  livro  artesanal  com  eles.  Para  apresentar  os 

poemas escolhidos, eles podem escrever um texto, em que justifiquem a seleção feita. É 

uma atividade excelente para realizar no final do ano, quando eles já tiverem lido vários 

poemas.  Assim,  poderão  escolher  alguns,  transcrevê‐los  manual  ou  digitalmente,  e 

organizar  a  antologia,  que  pode  ser  presenteada  a  um  colega,  nas  festas  antes  das 

férias. 

  Para escrever o  texto de  introdução do  livro artesanal, eles podem pesquisar a 

vida e a obra dos poetas escolhidos e comentar a seleção dos poemas que compõem a 

antologia. É possível  justificar  a escolha dos poemas pelas  sensações produzidas pela 

leitura, pela beleza das  imagens ou da sonoridade dos versos. Por meio desses textos, 

você poderá avaliar como sua turma está aproveitando as aulas. Oriente‐os na escrita e 

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ajude‐os a revisar problemas de linguagem. Incentive a troca de ideias entre os alunos, 

para  selecionar  poemas,  opinar  sobre  eles,  apresentá‐los  ao  leitor.  Os  estudantes 

podem também ilustrar os livros artesanais como quiserem. 

  Se você pretende, porém, fazer alguma atividade específica a respeito do poema 

“Antiguidades”,  pode  pedir  aos  alunos  que  escrevam  uma  carta  a  Cora  Coralina, 

comentando o poema lido. Imaginem que ela ainda vive, e que gostaria de saber o que 

jovens de hoje pensam a respeito da infância que ela retratou no poema, do desejo de 

comer  aquele bolo nunca  alcançado, das  visitas  chatas que demoravam  tanto para  ir 

embora. Na carta à poetisa, eles devem informar que leram “Antiguidades” com você e 

comentar o que mais gostaram no poema. Aliás, permita que eles critiquem o texto, que 

expressem opiniões tanto positivas quanto negativas. É assim que amadurecerão como 

leitores. 

  As cartas podem ser  lidas aos colegas, durante o processo de escrita e revisão. 

Quando  os  textos  estiverem  terminados,  podem  ser  afixados  em  um  painel,  ou 

pendurados em um varal. Assim, as leituras coletivas ficarão todas visíveis, entrelaçadas 

pelo espaço da sala de aula.  

 

 

 

Bibliografia 

 

Alguns livros de Cora Coralina: 

 

 

CORALINA, Cora. A moeda de ouro que um pato engoliu. São Paulo: Global, 2004. 

 

CORALINA, Cora. Becos de Goiás e outras histórias mais. 18ª ed. São Paulo: Global, 1993. 

 

CORALINA, Cora. Melhores poemas de Cora Coralina. Seleção e prefácio de Darcy França 

Denófrio. São Paulo: Global, 2004. 

 

Livros sobre poesia: 

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BOSI, Alfredo. O ser e o tempo na poesia. São Paulo: Cultrix, 1993. 

 

CANDIDO, Antonio. Poesia e ficção na autobiografia. In: A educação pela noite e outros 

ensaios. 3ed., São Paulo: Ática, 2000. 

 

PAIXÃO, Fernando. O que é poesia. 3º ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. 

 

Cora Coralina em sites e livro: 

 

BIOGRAFIA de Cora Coralina. In: Enciclopédia Itaú Cultural da Literatura Brasileira. 

Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br>.  Acesso em: 28 out. 2009. 

 

CORALINA, Cora. Antiguidades. In: Jornal de Poesia. Disponível em: 

http://www.revista.agulha.nom.br/cora.html#passado.  Acesso em: 30 out. 2009. 

 

TAHAN, Vicência Bretas. Cora coragem cora poesia. 3.ed. São Paulo: Global,1995. 

 

YOKOZAWA, Solange Fiuza Cardoso. Estórias da velha rapsoda da casa da ponte. In: 

Revista Ciências e Letras, Porto Alegre, n.39, p.195‐212, jan./jun. 2006. Disponível em: 

http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm.   Acesso em: 30 out. 2009. 

 

 

             

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Infância, de Carlos Drummond de Andrade 

A sequência didática apresentada neste capítulo é indicada para turmas do oitavo e do nono anos do Ensino Fundamental  II. O objetivo das diferentes etapas é auxiliar você no preparo e na realização de várias atividades de  leitura que tenham como foco poemas de Carlos Drummond de Andrade, a começar por “Infância”. O quadro abaixo apresenta, de modo sintético, as etapas da sequência didática e a ordem em que devem ser realizadas. 

 

  Etapas  Atividades 

1  Preparando a leitura  Atividades  realizadas apenas pelo professor.  

• Obter  informações  a  obra  de  Carlos Drummond de Andrade; 

• ler o poema “Infância”; • usando  uma  tabela  como  guia,  anotar 

aspectos  relacionados  à  forma  e  ao conteúdo  do  poema  que  podem  ser comentados após a leitura. 

2  Aquecendo para a leitura  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Organizar a sala;  • apresentar  à  turma  o  poeta  Carlos 

Drummond de Andrade; • incentivar  os  alunos  a  fazerem 

antecipações sobre o poema “Infância”; • explicar  que  poemas  não  precisam  ter 

rimas,  e  que  textos  rimados  não  são necessariamente poemas.  

3  Saboreando o texto  Atividades  realizadas  por professor e alunos  

• Iniciar  lendo  “Infância”  para  a  turma.  Na segunda  vez,  os  alunos  podem  ler  o poema. 

4  Entrelaçando  leituras coletivas  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Abrir  espaço  para  os  alunos  comentarem livremente o poema lido; 

• chamar  a  atenção  para  determinadas passagens  do  texto,  como  o  sentido conotativo  de  algumas  palavras  e expressões; 

• explorar  os  sentidos  sugeridos  pela sonoridade  e  pela  organização  das palavras do poema; 

• fazer  leitura atenta das  imagens sugeridas pelos versos; 

• perceber  os  vários  tempos  presentes  no poema; 

• examinar  o  sentido  denotativo  e conotativo  de  alguns  adjetivos,  advérbios 

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e substantivos; • ensinar  como  o  poema  é  construído  de 

forma prismática. 5  Desdobramentos  para 

outros momentos  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Ler mais poemas de Carlos Drummond de Andrade; 

• orientar  a escrita de  redações em que os alunos  apresentem  duas  leituras particulares de “Infância”; 

• estimular  a  turma  a  compartilhar  os textos, por meio de leituras; 

• sugerir  a  organização  de  saraus  em  que poemas sejam lidos e debatidos.   

Preparando a Leitura 

   

Carlos Drummond de Andrade é um dos maiores poetas brasileiros –  talvez o 

maior.  Nesta  atividade  de  leitura,  seus  alunos  lerão  um  de  seus  poemas  mais 

conhecidos:  Infância, que  você encontra no  site oficial do poeta  (veja o endereço na 

bibliografia). Neste,  e  nos  outros  sites  indicados  ao  final  da  sequência  didática,  você 

poderá  obter  informações  sobre  a  vida  e  a  obra  do  itabirano  que,  segundo  Italo 

Morricone, “só não ganhou o Nobel porque não quis”7.   

“Infância” faz parte do livro de estreia de Drummond, Alguma poesia, publicado 

em 1930. Para grande parte dos críticos literários, esse livro é um marco na história da 

poesia brasileira, pois  inaugurou novos rumos para a arte de fazer versos no país. Com 

Drummond,  a  poesia  deu  um  grande  passo  ao  se  livrar  de  algumas  “amarras” 

parnasianas,  como  a  necessidade  de  fazer  poemas  com  rimas.  Em  “Consideração  do 

poema”, também presente em Alguma poesia, lemos: 

 

Não rimarei a palavra sono 

com a incorrespondente palavra outono. 

Rimarei com a palavra carne 

ou qualquer outra, que todas me convêm. 

As palavras não nascem amarradas, 

elas saltam, se beijam, se dissolvem, 

                                                            7 Vide bibliografia

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no céu livre por vezes um desenho, 

são puras, largas, autênticas, indevassáveis. 

  

Bonito, não? Esse é um dos vários poemas em que Drummond tematizou o fazer 

poético e traçou novos rumos para a arte poética nacional.  

Para  Silviano  Santiago,  Drummond  é  muito  mais  do  que  um  grande  poeta; 

segundo  o  crítico,  ele  é  o  “melhor  e mais multifacetado  intérprete  do  século  XX  na 

literatura  brasileira”8.  Afinal,  Drummond,  nascido  em  1902  e morto  em  1986,  teria 

sondado como ninguém os sonhos e as angústias dos brasileiros que viveram ao  longo 

daquele século. Essa é uma das razões da popularidade do poeta; os leitores costumam 

encontrar, em seus textos, as  inquietações, os anseios, as alegrias cotidianas presentes 

na vida de  todos nós. A vida é o assunto de seus poemas, marcados “pelo antilirismo 

intencional,  pela  ironia  (...)  e  pelo  humor  desencantado”,  como  afirmaram  Antonio 

Candido e José Aderaldo Castelo. 

Mas  o melhor  jeito  de  conhecer  a  poesia  de Drummond  é  lendo‐a;  portanto, 

vamos  à  leitura  do  poema  “Infância”,  por  meio  do  qual  entraremos  no  universo 

drummondiano.  

Leia  “Infância”  com  atenção,  sublinhando  trechos que  considerar  importantes. 

Releia o texto várias vezes, observando aspectos relacionados ao modo como o poema é 

construído.  Observe  a  maneira  como  o  poema  começa,  se  desenvolve  e  termina; 

examine as palavras escolhidas e a organização delas nos versos. Escreva que  imagens 

foram  projetadas  em  sua  mente  durante  a  leitura.  Leia  o  poema  em  voz  alta, 

procurando sentir seu ritmo, perceber o tempo rítmico das frases. 

Ritmo  e  tempo  são  eixos  fundamentais  do  poema,  como  bem  disse  o  poeta 

Fernando Paixão: 

Como as contas formam o colar, as palavras formam o poema. E  o  poeta  é  seu  artesão,  escolhendo  a  cor,  o  brilho  e  a intensidade de suas peças. Isto é, dando‐lhe ritmo e situando‐as no tempo.  

São  esses  os  dois  eixos  fundamentais  que  formam  as coordenadas  sobre  as  quais  o  poeta  constrói  sua  visão  de mundo, sua marca explícita, sua presença visível. Palavras soltas 

                                                            8 SANTIAGO, 2002.

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no  espaço,  sem magnetismo  entre  si,  são  como  contas  opacas repetindo‐se monotonamente. 

É  sobre  o  ritmo  e  o  tempo,  portanto,  que  se  sustentam  a novidade e o encanto do dizer poético.9 

 

Sinta  o  ritmo  do  poema,  lendo‐o  várias  vezes  em  voz  alta.  Perceba  o  tempo 

rítmico dos versos, e também os outros tempos presentes no poema: o tempo pessoal 

do eu‐lírico, o tempo histórico‐social, o tempo das imagens que aparecem no poema. Na 

etapa “Entrelaçando leituras coletivas”, comentaremos esses diferentes tempos. 

Anote  também as  sensações que o poema provocou em  você, os  sentimentos 

que despertou, as lembranças do passado que por acaso tenham surgido em sua mente. 

Procure identificar que trechos provocaram quais sensações, sentimentos, lembranças.  

 Use a tabela a seguir como guia para sua leitura: 

 

Sons  Identifique  os  sons  que  chamaram  sua  atenção  e 

explique por que há  sons que  se  repetem, no meio ou 

no final dos versos? Qual o ritmo dos versos? 

Imagens  Registre  as  imagens  que  surgirem  em  sua  mente 

conforme  você  lê  o  poema.  Procure  identificar  que 

palavras,  ou  combinação  de  palavras,  sugeriram  essas 

imagens. 

Sensações  O  poema  provocou  sensações  em  você?  Despertou 

sentimentos,  lembranças?  Identifique  as  palavras, 

versos,  estrofes  que  sugeriam  esses  sentimentos, 

sensações, lembranças.  

 

  Procure  analisar  o  poema  de  acordo  com  suas  observações,  antes  de  ler 

comentários críticos a respeito desse poema em especial e da obra drummondiana em 

geral. Na bibliografia, você encontrará sugestões de  livros e sites que podem ser bons 

pontos de partida para conhecer as leituras que críticos profissionais fizeram da obra de 

Drummond. Essas leituras críticas podem se somar à sua leitura e à de seus alunos. 

                                                            9 PAIXÃO, 1984, p.49.

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Aquecendo para a leitura 

   

  Organize os alunos em um grande círculo, para que  todos se vejam. Os alunos 

podem sentar em cadeiras ou em colchonetes, almofadas; o  importante é que estejam 

confortáveis e relaxados, para que possam ouvir atentamente a leitura.  

  Leve  livros de Drummond para que eles vejam,   bem   como  fotos do poeta, se 

possível.  “Infância”  faz  parte  de  Alguma  poesia  e  de  várias  antologias  poéticas  de 

Drummond, de modo que não será difícil encontrá‐lo reproduzido em livros. Providencie 

para que  todos os alunos possam  ler o poema em um  livro, ou em versão copiada da 

Internet. Tenha cuidado, apenas, para copiar o poema do site oficial do escritor, já que 

nem sempre textos literários são reproduzidos corretamente em sites da rede. 

Como  “Infância”  é  um  poema  curto,  você  também  pode  escrevê‐lo  na  lousa. 

Caso opte por copiá‐lo no quadro, procure  respeitar o modo como o poeta dispôs os 

versos. Afinal, se mudamos a estrutura do poema – nem que seja para caber num canto 

de  lousa  –  ele  já  não  é  o mesmo  poema.  É  interessante  que  você  o  copie  antes  de 

realizar a atividade para aproveitar melhor o tempo com seus alunos. Se quiser, esconda 

o poema com papelão ou outro material e revele o texto à classe somente no momento 

de ler. 

  Informe à  turma que vocês  lerão o poema “Infância”. Como será esse poema? 

Deixe os alunos à vontade para inferir o tema e a forma do poema. É possível que alguns 

jovens  imaginem  um  poema  organizado  em  estrofes  regulares,  em  versos  rimados. 

Depois  da  leitura,  vocês  poderão  conversar  sobre  o  fato  de  poemas  não  serem 

construídos,  necessariamente,  segundo  regras  de  métrica  e  de  rima.  Com  o 

Modernismo, a poesia  libertou‐se da necessidade de usar esses recursos. Vale  lembrar 

as palavras esclarecedoras do professor e crítico Antonio Candido a respeito da relação 

do poema com a poesia. Para ele, é importante sabermos: 

 

a) que  a  poesia  não  se  confunde  necessariamente  com  o 

verso, muito menos com o verso metrificado. Pode haver poesia 

em prosa e poesia em verso  livre. Com o advento das correntes 

pós‐simbolistas, sabemos  inclusive que a poesia não se contém 

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apenas  nos  chamados  gêneros  poéticos,  mas  pode  estar 

autenticamente presentes na prosa de ficção; 

b) que pode ser feita em verso muita coisa que não é poesia. 

(...) 10 

 

Se  você  deseja  aprender  mais  sobre  análise  de  poemas,  deve  ler  O  estudo 

analítico do poema, de Antonio Candido, de onde foi extraído o trecho acima. Você não 

precisa (e não deve) ler o trecho para seus alunos. Mas pode, e deve, explicar a eles que 

nem  tudo o que vem em verso metrificado e rimado é poesia, ou seja, arte  feita com 

palavras. Não basta rimar quaisquer palavras para atingir a expressividade pressuposta 

pelo  texto  poético.  Por  outro  lado,  versos  livres,  como  os  de  “Infância”,  apresentam 

uma enorme eficácia expressiva,  típica do  gênero poético,  como  veremos na etapa  a 

seguir. 

  Anote as observações dos alunos sobre o tema e a forma do poema. Depois da 

leitura, essas observações podem ser retomadas e comentadas à luz do que foi lido. 

   

Saboreando o Texto 

 

  Peça que os alunos leiam “Infância”, a princípio, em silêncio. Observe as reações 

deles, a expressão de cada rosto, eventuais  interjeições ou comentários. Quando notar 

que  terminaram  a  leitura,  peça  que  eles  anotem  impressões  que  tiveram  ao  LER  o 

poema. Essa anotação deve ser breve; proponha que tenha no máximo três linhas. 

Em seguida,  leia o poema para a turma. Capriche na entonação. Finda a  leitura, 

solicite a eles que escrevam em poucas  linhas o que sentiram, perceberam, pensaram 

ao OUVIR o poema. Não se esqueça de deixar claro que essa tarefa não é para nota ou 

para qualquer  tipo de avaliação. É para eles poderem compartilhar com os colegas as 

impressões, positivas ou negativas, que tiveram ao ler e ao ouvir o texto.  

Assim, não há problema se a letra sair feia, se eles escreverem palavras soltas, ou 

um parágrafo sem articulação. O essencial é que eles registrem os efeitos que o poema 

causou neles. Leia mais uma ou duas vezes, para que eles possam apreciar de novo a 

vibração  das  palavras  e  o  ritmo  dos  versos.  Se  for  possível,  toque  para  a  classe  a                                                             10 CANDIDO, 2004, p. 21-22.

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gravação  de  leitura  do  poema  feita  pelo  próprio  Carlos  Drummond  de  Andrade, 

disponível no site oficial do autor.  

Diferentes  práticas  de  leitura  contribuem  para  uma  maior  percepção  das 

riquezas  de  um  texto  literário.  Ler  o  poema  em  silêncio,  lê‐lo  em  voz  alta,  ouvir 

diferentes  vozes  interpretando  o mesmo  poema  são  atividades  que  você  deve  fazer 

sempre em sala de aula.  

 

Entrelaçando leituras coletivas 

 

  Após a  leitura, convide os alunos a comentarem  livremente o poema, com base 

nas  anotações  feitas  durante  a  leitura.  Que  aspectos  chamaram mais  a  atenção  da 

turma? Como eles compreenderam o poema? 

  Explique a dedicatória logo abaixo do título: “a Abgard Renault”. Comente que é 

comum  poetas  dedicarem  um  determinado  poema  a  outra  pessoa.  Abgard  Renault 

(1901‐1995)  foi  também poeta, além de professor e político. Era um grande amigo de 

Carlos Drummond de Andrade. Que belo presente Drummond lhe deu, não? 

  Lembre  para  a  turma  que  poemas  exigem  uma  leitura  diferente  daquela  que 

fazemos de outros gêneros. Aliás, cada gênero textual pede um tipo diferente de leitura, 

uma  atenção  específica.  No  caso  dos  poemas,  é  preciso  que  leiamos  com  calma, 

concentração, demorando nossos olhos e nossa  imaginação em  cada  verso, deixando 

que  os  caminhos  sinuosos  das  palavras  organizadas  na  página  nos  levem  a  outros 

lugares, nos façam pensar sobre a vida ali concentrada, nos encantem com seu ritmo e 

sua sonoridade. 

  Releiam  o  primeiro  verso.  Não  é  interessante  que,  num  poema  chamado 

“Infância”, as primeiras palavras  tratem da  figura paterna? Como essa  figura surge no 

poema?  “Meu  pai montava  a  cavalo,  ia  para  o  campo”. O  pai  aparece montando  o 

cavalo, ou montado nele – o que  isso sugere sobre a  figura paterna? Podemos pensar 

em uma figura grandiosa, pois está no alto, sobre o cavalo. O que seria o campo? Como 

os alunos o interpretam? O pai era um peão? Um agricultor? O ato de montar a cavalo e 

ir para o campo é visto pela turma como predominantemente masculino ou feminino? 

  Atentem para o ritmo do verso, marcado pela repetição de vogais abertas e uma 

semiaberta,  representadas  por  “a”  e  “ã”:  “Meu  PAi  monTAva  a  caVAlo,  ia  PAra  o 

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CAMpo”. Percebam  como  a  repetição desses  sons marca um  ritmo muito especial. A 

sonoridade aberta promove que sensações em vocês? Remete a que sentimentos? Pode 

ser que alguns alunos pensem na  repetição de  tantos “a” como um  lamento: aaaaa... 

pode ser que outros sintam essa repetição como um grito, algo que lembre vocalizações 

feitas por peões, por exemplo, ao montar cavalos: aaaaa!!! 

  Muitas vezes, o som e o  ritmo de um poema nos chamam a atenção antes do 

significado  das  palavras,  ainda  que  não  percebamos  conscientemente  que  estamos 

sendo afetados por eles. Como o ritmo e a sonoridade desse verso se combinam com os 

sentidos  sugeridos  pelas  palavras,  com  as  imagens  projetadas  pelo  verso?  Podemos 

observar uma repetição muito específica em “montAVA a cAVAlo”, que não só marca o 

ritmo como indica um paralelismo. É possível interpretá‐lo, talvez, como uma integração 

muito forte entre homem e cavalo. O que você e seus alunos acham dessa repetição? 

Comentem, opinem, anotem as possíveis leituras. Mas tenham o cuidado de não 

ultrapassarem os sentidos contidos pelo verso; não é possível afirmar que esse homem 

é um  ladrão  ferido por uma bala, por exemplo. Procurem  sempre apoiar‐se no  texto, 

separando possíveis desdobramentos pensados por vocês daquilo que realmente pode 

ser lido nos versos. 

  Agora, vamos examinar o segundo verso: “Minha mãe ficava sentada cosendo”. 

Coser é costurar. Como a turma imagina essa mãe? Ela está em posição mais baixa, por 

estar sentada, inclinada sobre a costura? Seu trabalho é predominantemente feminino, 

ou masculino? Examinem o ritmo e a sonoridade. Há mudanças, em relação ao primeiro 

verso? Vejamos  quais  são  as  sílabas  tônicas:  “MInha MÃe  fiCAva  senTAda  coSEndo”. 

Algo mudou, não? Apareceram outros sons, mais fechados, marcados pelas vogais “i” e 

“e”. O que eles nos sugerem? Será que o som de “a”, do primeiro verso, é mais  forte 

que os sons “i” e “e”? Como essa contraposição de sons abertos e  fechados pode ser 

entendida, com relação às figuras do pai e da mãe? 

  Procurem  fazer  esse  tipo  de  exame  demorado  em  todos  os  versos,  lendo‐os 

sempre em voz alta, sentindo o ritmo marcado pelo número de sílabas e a alternância 

entre sílabas tônicas e átonas, vogais abertas e fechadas. O tempo rítmico do poema é 

percebido dessa maneira.  

  A  família  se  completa  a  partir  do  terceiro  verso,  quando  surge  o  irmão,  e  do 

quarto, quando aparece a imagem do eu‐lírico criança: “Meu irmão pequeno dormia./Eu 

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sozinho menino entre mangueiras/ Lia a história de Robinson Crusoé/ Comprida história 

que não acabava mais.”. Como os alunos veem a atividade do eu  lírico? É masculina, 

feminina? É diferente das atividades de montar a  cavalo, ou de  costurar? Talvez eles 

percebam  que  a  atividade  do menino  é  intelectual,  enquanto  a  atividade  dos  pais  é 

essencialmente manual – embora também usemos o intelecto para saber como montar 

e coser.  

  Vejam que  interessante: enquanto  lemos os versos  sobre o menino, o menino 

dos versos lê outra história, a de Robinson Crusoé. Seus alunos a conhecem? Informe a 

eles que o romance foi escrito pelo inglês Daniel Defoe e publicado em 1719. É um dos 

romances  mais  famosos  do  Ocidente.  Narra  a  história  de  um  marinheiro,  único 

sobrevivente de um naufrágio, que consegue chegar a uma  ilha deserta, onde passa a 

viver. Nela permanece sozinho por 28 anos, até que encontra outro homem, um nativo 

da região. Pode ser que alguns alunos já tenham ouvido falar dessa história, ou tenham 

visto alguma adaptação dela em filme, desenho animado, história em quadrinhos. 

  O romance Robinson Crusoé pode ser entendido como uma história sobre a luta 

de  um  homem  contra  a  natureza,  que  tenta  reconstituir  sozinho,  elementos  da 

civilização, unicamente com  sua energia e  seu conhecimento. É  também um  romance 

sobre a solidão. Nesse sentido, o que a leitura desse romance nos diz sobre o menino do 

poema? Será que ele se sentia tão só quando Robinson Crusoé, náufrago num mundo 

desconhecido? É interessante lembrar que Drummond realmente leu o romance quando 

criança – mas não o romance original, e sim uma adaptação em quadrinhos que saía em 

capítulos na revista infantil O Tico‐tico, muito famosa no começo do século XX. 

  Não é sensacional saber que um dos maiores poetas do século XX lia quadrinhos 

quando  criança?  Essa  passagem  da  biografia  de  Drummond  nos  faz  pensar  que 

adaptações  de  clássicos,  sejam  em  forma  de  livro,  sejam  em  quadrinhos  ou  jogos 

eletrônicos podem, sim, ajudar a formar o repertório de leitura de crianças e jovens. 

  Mas voltemos ao poema. Conversem bastante sobre a imagem do menino lendo 

solitário,  entre mangueiras,  essa  longa  história  de  Robinson  Crusoé.  Como  os  alunos 

veem esse menino? Como o caracterizam? Sentem  familiaridade com ele? Escutem os 

sons e o  ritmo dos  versos:  “Eu  soZInho meNIno entre manGUEiras/  Lia a hisTÓria de 

RObinson  CrusoÉ./ComPRIda  hisTÓria  que  NÃo  acaBAva MAis.”.  O  que  os  sons  nos 

dizem sobre o menino?  Reparem que, no último verso, surge novamente o som “AVA”, 

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presente  no  primeiro  verso.  Esse  som  nos  remete  à  figura  do  pai,  que  de  alguma 

maneira se faz presente na figura do menino. 

  Observemos a segunda estrofe, que se espraia maior do que a primeira. Agora, o 

que surge não é uma  imagem, mas uma voz: “No meio‐dia branco de  luz uma voz que 

aprendeu/ a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu/ chamava para o café/ 

café preto que nem a preta velha/ café gostoso/ café bom”. Que imagens se projetaram 

nas mentes de seus alunos, quando eles leram e ouviram esses versos? Notem que é a 

voz da preta velha que  irrompe no poema, sem que haja uma descrição de sua figura. 

Como podemos entender a presença dessa pessoa, cuja voz se faz presente na vida do 

menino? 

  Observem que a voz da mulher PRETA surge no meio‐dia BRANCO de luz. Como 

podemos ler esse contraste? O que ele nos diz a respeito da história brasileira? À luz do 

dia branco  se  contrapõe o escuro da  senzala, onde a voz aprendeu a ninar. Peça aos 

alunos para imaginarem a fazenda onde está o menino, o pai montado a cavalo, a mãe 

costurando, a preta que chama para o café – e que, portanto, é empregada (ou escrava). 

Em versos curtos e brilhantes, o eu‐lírico concentra  imagens candentes da história do 

país  feita  de  senhores  e  escravos,  revelando‐as  em  flashes  rápidos  que  nos  contam 

muito sobre nossa sociedade.    

  Percebam que, além do tempo rítmico dos versos, há outros tempos presentes 

no  poema.  Há  o  tempo  do  passado  histórico  e  social  compartilhado  por  todos  nós, 

brasileiros, e sugerido pela empregada negra cuja voz aprendeu a ninar na senzala; pelas 

figuras do pai e da mãe em atividades tradicionalmente ligadas ao sexo de cada um. Há 

o tempo das  imagens que aparecem no poema, relacionadas à  infância do menino e à 

memória do eu‐lírico. Os tempos verbais estão, em sua maioria, no Pretérito Imperfeito 

do  Indicativo, o que  indica ações que  se  repetiram por um período no passado, cujos 

limites  temporais  são  indefinidos para nós. Não  sabemos quando elas acabaram. Não 

sabemos se elas acabaram; pode ser que os  limites sejam  indefinidos  também para o 

eu‐lírico, que revive as cenas ao rememorá‐las, trazendo‐as para o presente. 

  É  possível  ler  no  poema,  ainda  um  outro  tempo,  o  tempo  pessoal  do  poeta, 

escritor  modernista  que  construiu  o  poema  “Infância”  com  linguagem  bastante 

inovadora para  sua época. Explore,  com  seus alunos, essas diferentes  temporalidades 

existentes no poema. Elas estão concentradas nos versos e se ampliam, desdobram‐se, 

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na medida em que lemos atentamente os versos. Como na vida – e poesia é sempre vida 

pulsante  –  o  passado  das  pessoas  se  entrelaça  com  o  passado  do  país;  para 

expressarmos nossas experiências, nós nos comunicamos usando a linguagem de nosso 

tempo, acumulada por meio de nossas leituras e experiências.  

  Analisem  a  repetição  da  palavra  “café”  e  os  diferentes  adjetivos  que  a 

acompanham: “Café preto que nem a preta velha/ café gostoso/ café bom”. A primeira 

qualidade  do  café  é  a  cor,  semelhante  à  da  preta  velha.  A  segunda  qualidade  é  a 

gostosura, a terceira é o fato de ser algo bom. Podemos pensar que, se o café e mulher 

são  pretos,  ambos  também  são  gostosos  e  bons. Quantas  camadas  de  sentido  esse 

raciocínio permite entrever! O  adjetivo  “gostoso”, quando  transferido para  a mulher, 

adquire uma carga de erotismo que remete a tantas histórias de escravas desejadas por 

seus senhores. Já o adjetivo “bom” remete a sentidos ambíguos que se complementam: 

negros  são bons, na acepção de bondosos, e  são bons  como  trabalhadores, ou  como 

escravos.  

  Essa  sobreposição de  sentidos que  se complementam permite uma  rica  leitura 

da nossa história; permite perceber, por exemplo, as diferentes maneiras como pessoas 

negras foram e são vistas em nossa sociedade. O fato de a preta velha ter aprendido a 

ninar  na  senzala  é  doloroso;  a  quem  ela  ninava?  A  seus  filhos?  Eles  viviam  como 

escravos? Se ela não esqueceu o canto, a quem ninou depois? Aos filhos dos senhores? 

O que essa persistência amorosa do ninar nos diz  sobre a preta  velha?  Se  sua  voz é, 

sobretudo, uma voz que nina, o que podemos pensar dela? 

  Para  saber  um  pouco mais  sobre  a  história  das  amas  negras  no  Brasil,  leia  a 

sequência didática baseada em Reinações de Narizinho. 

  Enquanto a voz da preta velha é caracterizada como a de alguém que nina, como 

é caracterizada a voz da mãe do menino? Vejamos nos próximos versos: “Minha mãe 

ficava sentada cosendo/ olhando para mim: ‐ Psiu... não acorde o menino./ Para o berço 

onde pousou um mosquito./ E dava um suspiro... que fundo!”. O que a turma acha da 

voz da mãe, que pedia ao menino para se calar e que suspirava? Por que o suspiro da 

mãe seria fundo? A mãe seria triste? Por quê? 

  É  por  meio  dos  “porquês”  que  vocês  irão  descobrindo  os  muitos  sentidos 

encerrados no  texto, alguns bem desafiadores: a preta velha ninava, enquanto a mãe 

suspirava, talvez de tristeza; não deveria ser o contrário? Por que as duas mulheres, a 

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negra e a branca, a ama e a mãe, são retratadas numa mesma estrofe, a mais longa do 

poema?  O  que  isso  pode  nos  dizer  sobre  a  presença  dessas  mulheres  na  vida  do 

menino? Uma servia o café, alimento apreciado, outra protegia o sono do filho menor. 

Como  essas  atividades  podem  ser  compreendidas?  Ambas  nutriam  e  cuidavam  das 

crianças?  

  Os últimos versos são de grande beleza. A terceira estrofe apresenta novamente 

uma  imagem do pai: “Lá  longe meu pai campeava/ no mato sem  fim da  fazenda”. Por 

que essas imagens estão isoladas em uma curta estrofe, separada daquela que tematiza 

a mãe e a preta velha? Como os alunos entendem o “lá longe”? “Longe” pode ter vários 

sentidos  denotativos,  aqueles  encontrados  no  dicionário.  Pode  ser  um  advérbio  que 

marca  a  distância  espacial  separando  o  pai  e  o  menino;  pode  ser  um  adjetivo, 

significando que o pai estava distante do menino naqueles momentos; pode ainda ser 

um substantivo, marcando o “longe” como um lugar vago onde se encontrava o pai.  

  Se os  sentidos denotativos  são  vários, mais  variados ainda  são os  conotativos. 

Será  que  essa  distância,  esse  “longe”,  eram  somente  geográficos,  ou  eram  também 

emocionais? O pai não é retratado na fazenda, cuidando do menino. Essa ausência seria 

somente  física?  Seria  breve?  O  que  pensam  os  alunos?  Notem  que  a  palavra 

“campeava” apresenta o mesmo som “AVA” presente no primeiro verso do poema, em 

que o pai surge em cena. Agora, na mesma palavra encontramos os ecos de outras duas, 

presentes no primeiro verso: CAMPo e cAVAlo. O pai está  ligado ao campo e ao cavalo 

por palavras, sons e imagens. Que enorme magnetismo existe entre essas palavras, não 

é mesmo?  

  E  quanto  ao  “mato  sem  fim”  da  fazenda,  como  pode  ser  lido?  Pode  ser  que 

alguns  alunos  imaginem  que  as  terras  do  pai  eram  tantas  que  seus  limites  pareciam 

infinitos. Também pode ser que, para alguns, a ideia de mato sem fim esteja relacionada 

à infância do menino. Afinal, tudo parece muito grande para as crianças. Pode ser que o 

menino do poema achasse uma fazenda pequena infinita, porque era enorme para ele. 

  Chegamos  aos  versos  que  fecham o  poema. Como  eles  foram  compreendidos 

pelos alunos? O eu‐lírico que se expressa nesses versos finais pode ser entendido como 

o menino, ou o adulto que lembra sua infância? É possível pensarmos que o eu‐lírico lê 

sua  infância, com olhos de adulto, e ela  lhe parece mais bonita do que o romance do 

marinheiro náufrago. Mas, por que seria mais bonita? Qual a sua leitura desse final? E a 

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de seus alunos? Será que eles já pensaram na história pessoal deles como um romance, 

e um romance mais bonito do que clássicos da literatura? 

  Para  terminar,  chame  a  atenção deles para uma  técnica de  construção, muito 

usada por Drummond, que o crítico Italo Morriconi chama de “prismática”. É como se o 

poema  fosse um prisma constituído de várias  faces, cada uma delas apresentando um 

flash,  uma  cena,  um  foco.  Em  uma  das  faces  do  prisma  “Infância”,  vemos  o  pai 

campeando no mato; em outra, a mãe cosendo; em outra, o menino lendo; em outra, o 

irmão  dormindo;  em  outra,  a  preta  velha  chamando  para  o  café;  em  outra,  o  café 

gostoso, e assim por diante. Ao observarmos o poema‐prisma, nossos olhos percorrem 

as diferentes  faces, às vezes  lentamente, às vezes  rapidamente, às vezes examinando 

uma em especial, às vezes olhando todas ao mesmo tempo.  

  Os efeitos desse  tipo de montagem  são maravilhosos, porque  as  cenas ora  se 

misturam,  ora  se  sobrepõem,  ora  aparecem  nítidas,  como  que  iluminadas  pela  luz 

branca  daquele  meio‐dia  mencionado  no  poema.  Toda  a  construção  imagética, 

significativa  e  sonora  do  poema  é  prismática,  no  sentido  de  que  nos  permite  ver  a 

infância do menino por meio de fragmentos, os quais estão íntima e belamente unidos 

em um objeto único, o poema.  

  Conversem  o  quanto  puderem  sobre  as múltiplas  leituras  sugeridas  por  esse 

poema tão bonito.     

Desdobramentos para outros momentos 

 

   Incentive os alunos a  ler outros poemas de Drummond, em outros espaços da 

escola, ou em casa, no ônibus, no pátio da escola. A  leitura de poesia, que  tanto nos 

ensina sobre nós mesmos, sobre o mundo, sobre a linguagem, pode ser feita a qualquer 

hora, em praticamente qualquer lugar. 

  Leiam  poemas  drummondianos  uns  para  os  outros;  comentem  as  diferentes 

leituras,  troquem  ideias  sobre  aspectos  formais  e  conteudísticos  dos  textos.  Vocês 

podem  organizar  uma  lista  de  poemas  preferidos  e  afixar  na  sala.  Também  podem 

gravar leituras de vários poemas, a fim de que eles sejam ouvidos por outras pessoas. A 

criação de “audiolivros” com poemas de Drummond e de outros autores será um bom 

exercício para os alunos e uma boa doação para a biblioteca da escola. 

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  Caso deseje realizar uma atividade escrita sobre o poema, solicite aos alunos que 

eles façam uma redação apresentando sua  leitura particular de “Infância”. Eles podem 

usar,  como  ponto  de  partida,  as  anotações  feitas  durante  a  atividade.  Oriente‐os  a 

organizar o texto de maneira clara e bem estruturada, a apresentar uma leitura apoiada 

nos sons, nas imagens e nos significados das palavras de cada verso, a avaliar o poema – 

por que não? Assim,  você acompanha o desenvolvimento da  compreensão  leitora de 

textos  literários  e  o  desenvolvimento  da  capacidade  de  expressar  por  escrito  essa 

compreensão do poema lido. 

  As redações, depois de  revisadas e reescritas, podem ser  lidas para os colegas, 

em alguma ocasião especial. Quem sabe não é o começo de uma série de saraus, em 

que poemas sejam lidos e debatidos por seus alunos, com muita alegria, muito respeito, 

muito prazer? 

 

Bibliografia 

 

Alguns livros de Carlos Drummond de Andrade: 

 

 

ANDRADE, Carlos Drummond de.  Alguma poesia.  São Paulo: Record, 2002. 

 

 _____.  Antologia poética.  São Paulo: Record, 2001. 

O acervo PNBE de 1998 contém uma antologia poética de Drummond. 

 

_____.  Claro enigma.  São Paulo: Record, 2004. 

 

Livros sobre poesia: 

 

CANDIDO, Antonio.   O estudo analítico do poema.   São Paulo: Humanitas; FFLCH/USP, 

1996. 

 

INFANTES, José de; NICOLA, Ulisses.  Como ler poesia.  São Paulo: Scipione, 1988. 

MORRICONI, Italo. Como e por que ler a poesia brasileira do século XX. São Paulo: 2002. 

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Carlos Drummond de Andrade em sites e livro: 

 

FIGUEIREDO, Priscila.  Análise do poema “Campo de flores”, de Carlos Drummond de 

Andrade.  In: Ponto com poesia.  Disponível em: < 

http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/poesias/carlosdrummond_campodefl

ores.htm >  Acesso em 05 nov. 2009. 

 

PROJETO RELEITURAS. Disponível em: < http://www.releituras.com/drummond_bio.asp 

Acesso em05 nov. 2009. 

 

SANTIAGO, Silviano. Introdução è leitura dos poemas de Carlos Drummond de Andrade. 

In: ANDRADE, Carlos Drummond de.  Poesia completa.  Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 

2002. 

 

SITE OFICIAL de Carlos Drummond de Andrade. Disponível em:  

< http://www.carlosdrummonddeandrade.com.br/>Acesso em 05 nov. 2009. 

 

                

 

 

 

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As formigas, de Lygia Fagundes Telles 

A sequência didática apresentada neste capítulo é indicada para turmas do oitavo e do nono anos do Ensino Fundamental  II. O objetivo das diferentes etapas é auxiliar você, professor, no preparo e na realização de várias atividades que tenham como foco os  contos  de  Histórias  de  Mistério,  de  Lygia  Fagundes  Telles,  a  começar  por  “As formigas”.  O  quadro  abaixo  apresenta  de  modo  sintético,  as  etapas  da  sequência didática e a ordem em que devem ser realizadas. 

 

  Etapas  Atividades 

1  Preparando a leitura  Atividades  realizadas apenas pelo professor.  

• Obter  informações  sobre o gênero  conto: sua história e suas características; 

• ler o conto “As formigas”; • valer‐se  de  diretrizes  para  planejar  a 

leitura do conto em sala de aula. 2  Aquecendo para a leitura 

 Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• organizar a sala ; • explorar  a  materialidade  de  Histórias  de 

mistério; • conhecer  o  repertório  da  turma  sobre 

histórias de mistério; • incentivar  os  alunos  a  fazer  antecipações 

sobre o conto “As formigas”.  

3  Saboreando o texto  Atividade  realizada  apenas pelo professor.  

• Ler  o  conto  “As  formigas”  para  a  turma, fazendo interrupções, ou apresentar a eles gravação  de  leitura  feita  por  Lygia Fagundes Telles. 

4  Entrelaçando  leituras coletivas  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Abrir  espaço  para  os  alunos  comentarem livremente o conto lido; 

• chamar  a  atenção  para  determinadas passagens do texto, como a caracterização das personagens e a descrição do cenário; 

• explorar  algumas  passagens  a  fim  de compreender melhor um tipo de estrutura comum no gênero conto; 

• perceber  a  alternância  de  situações  de tensão e situações de relaxamento; 

• examinar  os  momentos  de  conflito,  de clímax e de desfecho do conto; 

• perceber  a  maneira  como  o  conto  é construído com concisão; 

• observar  a densidade obtida por meio da construção da narrativa.  

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5  Desdobramentos  para outros momentos  Atividades  realizadas  por professor e alunos. 

• Solicitar  atividade  escrita,  baseada  na leitura realizada em sala; 

• orientar a atividade escrita e a  revisão do texto; 

• estimular  a  turma  a  compartilhar  os textos,  por  meio  de  leituras  e  de exposições; 

• estimular os alunos a  ler outros contos do livro, em sala ou em casa; 

• indicar outros livros de contos.  

Preparando a Leitura 

   

Você e  seus alunos  lerão os  contos da  coletânea Histórias de mistério, de  Lygia 

Fagundes  Telles. Para  começar  a preparar  a  aula,  vale  a pena  relembrar o que é um 

conto literário. Em Português, a palavra conto pode se referir tanto a uma narrativa da 

tradição oral como a um texto literário, ambos fictícios. É por isso que o termo lembra‐

nos  contos  de  fadas,  como  Cinderela,  ou  títulos  como  Contos  da  meia‐noite,  de 

Machado de Assis.  

Entre  esses  dois  tipos  de  narrativa  há  muitas  diferenças.  Comecemos  por 

caracterizar os contos de tradição oral. 

Não é possível afirmar com certeza quando o homem começou a contar histórias. 

Mas podemos especular que os primeiros falantes, quando se reuniam, narravam fatos, 

reais ou imaginários. O pouco que sabemos sobre as criações de nossos ancestrais pré‐

históricos deve‐se a achados como ferramentas ou pinturas em paredes de pedra, como 

as da caverna de Altamira, na Espanha, que podem  ter  sido  feitas há cerca de 18 mil 

anos. Talvez, o ato de narrar seja ainda mais antigo do que essas pinturas, como imagina 

o escritor cubano Guilhermo Cabrera Infante: 

Antes até que aquele anônimo artista de Altamira pintasse seus minuciosos  murais,  deve  ter  existido  um  autor  anônimo  na região que contasse contos para seus companheiros de caverna sentados em volta de uma fogueira. O homem, como sabemos, é o único animal que faz fogo. O contista é o único ser humano que faz contos. Esses contos seriam, por exemplo, narrações de um dia  de  caça  perdido  no  encalço  de  um  cervo  branco  com  um chifre  na  testa.  Os  contos  não  perduraram  nas  paredes  da 

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caverna, mas não se perderam: foram reencontrados, contados, na memória coletiva.11   

Muitos contos que compartilhamos hoje têm origem remotíssima. É o caso de Ali 

Babá e os quarenta ladrões e Simbad, o marujo, duas narrativas que fazem parte das Mil 

e uma noites, coleção de contos orientais que circulavam desde primórdios do século X 

na Pérsia (atual Irã), de onde se expandiram para o Egito, no século XII, e para os países 

europeus, no século XVIII. Também são muito antigos os contos de fadas, como Branca 

de Neve e João e Maria, entre outros narrados em vários países da Europa feudal. 

 Aos  poucos,  esses  contos  da  tradição  oral  foram  compilados  e  escritos, 

principalmente após o surgimento da imprensa, no século XV. Histórias como Cinderela, 

Branca de Neve e O gato de botas  foram  registradas pelo  francês Charles Perrault no 

final do século XVIII, no livro Histórias ou contos de tempos passados, cujo subtítulo era 

Contos da mamãe gansa. Note que Perrault não era o autor dessas histórias, embora 

ele as tenha modificado um pouco ao registrá‐las em livro. Da mesma forma, os irmãos 

Grimm não são os autores de A bela adormecida e de outros contos que recolheram na 

Alemanha, no século XIX. 

Esses contos são anônimos; sua origem se perde no tempo. Eles foram passados 

de boca em boca, de geração para geração, durante  séculos, antes de  irem parar nas 

páginas de  livros e nas telas do cinema e da televisão. Ainda hoje, pessoas se reúnem 

para ouvir essas e outras histórias ancestrais, geralmente narradas por alguém que sabe 

prender a atenção de seu público. Os contadores de histórias costumam respeitar o que 

podemos chamar de estrutura do conto, ainda que mudem alguns detalhes da história. 

Assim, nas várias versões de Cinderela, a moça sempre perde um sapatinho, que ora é 

de ouro, ora é de vidro, ora é de cristal... 

Os  contos  literários,  por  sua  vez,  têm  autoria  bem  definida,  como  aqueles 

reunidos em Histórias de mistério, todos criados pela escritora paulista Lygia Fagundes 

Telles. São contos feitos para serem lidos; se tentamos recontá‐los oralmente, trocando 

palavras, cortando passagens, modificando trechos, já não serão os mesmos contos. Nos 

textos  literários,  não  importa  apenas  o  que  é  narrado, mas  como  se  narra. O modo 

                                                            11 INFANTE, Guilhermo Cabrera. Uma história do conto. In: Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 30/12/2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs3012200107.htm> Acesso em 10 out. 2009.

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como um escritor constrói cenário e personagens, a maneira como escolhe e organiza as 

palavras  que  compõem  o  texto,  o  jeito  como  descreve  determinada  cena  são muito 

importantes. 

De modo  geral, os  contos  literários  como os  conhecemos hoje,  apresentam um 

formato que  se  firmou no  século XIX, por meio dos  trabalhos de escritores   vistos na 

atualidade como mestres do gênero, como o norte‐americano Edgard Allan Poe (1809‐

1849) e o francês Guy de Maupassant (1850‐1893). No Brasil, Machado de Assis (1839‐

1908), talvez o maior contista daquele século, criou contos modelares.  

Talvez você esteja  se perguntando, a essa altura, quais  seriam as  características 

principais  do  gênero  conto,  especialmente  aquele  conto  literário  produzido  para 

leitores,  como  os  de  Lygia.  A  principal  característica  do  conto  provavelmente  é  a 

brevidade.  Costumamos  reconhecer  um  conto  por  seu  tamanho,  que  costuma  variar 

bastante, mas geralmente é menor do que o de um romance. Grandes contistas como 

Machado de Assis, por exemplo, construíram textos extremamente concisos, reduzindo 

a narrativa a elementos essenciais. Assim, não há muitas personagens em seus contos, 

nem muitos cenários onde transcorre a ação. Nesse sentido, a crítica Luzia de Maria R. 

Reis afirma: 

 

É inegável, por exemplo, que um escritor, ao escrever um conto, parte da noção de limite, sabendo que, se não tem o fator tempo jogando no seu time, deverá brigar pela densidade. Se não conta com  o  livre  esparramar‐se  no  sentido  horizontal,  se  busca construir  com  a  linguagem  quase  que  o  efeito  de  um  flash, conduz a narrativa de modo a que o princípio da economia opere a máxima profundidade, alcançando a dimensão vertical.12 

 

Outra  característica do  conto  seria, portanto,  a densidade. Um  conto excelente 

seria aquele que concentra, em uma narrativa breve e concisa, qualidades como riqueza 

de conteúdo e profundidade psicológica. O contista procura explorar ao máximo uma 

situação única, um episódio  fugaz, de modo a produzir sentidos que podem causar no 

leitor  “algo  como  uma  explosão,  levando  as  comportas  mentais  a  expandirem‐se, 

                                                            12 REIS, 1992, p.23-24.

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projetando a sensibilidade e a inteligência a dimensões que ultrapassem infinitamente o 

espaço e o tempo da leitura”13. 

O  princípio  de  economia  levou,  no  século  XX,  ao  surgimento  de  minicontos, 

compostos  por  vezes de  algumas poucas palavras.  É o  caso do  famoso miniconto do 

escritor  guatemalteco  Augusto Monterroso  Bonilla  (1921‐2003),  escrito  com  apenas 

trinta e sete letras: 

 

“Quando acordou o dinossauro ainda estava lá.” 

  

Caso você  tenha  se espantado  com a brevidade deste miniconto,  saiba que  sua 

densidade  já “expandiu as comportas mentais” de  leitores do mundo todo, críticos ou 

não,  que  descobriram  camadas  e mais  camadas  de  sentidos,  concentradas  em  suas 

poucas palavras. Se quiser conhecer melhor as inúmeras formas assumidas pelo conto, a 

partir  do  século  XX,  principalmente,  consulte  a  bibliografia  ao  final  desta  sequência 

didática. Você verá que a problemática em torno da definição do gênero conto é tanta 

que levou Mario de Andrade (1893‐1945) a afirmar, em 1938: “Em verdade, será sempre 

conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto”14. 

Nós,  leitores, profissionais ou  leigos,  tentamos  sempre  encontrar  características 

comuns  a  determinados  textos  para  melhor  entendê‐los,  classificá‐los,  estudá‐los. 

Ocorre  que  contistas,  romancistas,  poetas  –  artistas,  de  modo  geral  –  não  criam 

seguindo regras previstas nos manuais de literatura. Pelo contrário: a partir do início do 

século XX, quando  as  vanguardas  literárias  começaram  a  se espalhar pelo mundo, os 

artistas  passaram  a  romper  normas  de  criação  estética,  brincar  com  os  limites  dos 

gêneros, fazer experimentações de todo tipo com textos. 

Mas você não precisa  levar para as aulas, polêmicas tão complexas como as que 

envolvem  a definição do  gênero  conto  –  embora  seja muito  importante que  você  as 

conheça e as entenda. Seus alunos ainda estão construindo, com você, um repertório, 

uma “bagagem literária”. Mais adiante, no Ensino Médio, eles entrarão em contato com 

tópicos como as inovações literárias provocadas pelo Modernismo e por outros “ismos” 

                                                            13 Idem, ibidem. 14 Apud REIS, 1992, p.18.

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que mudaram a  forma e o conteúdo de contos,  romances, poemas, crônicas e outros 

gêneros literários. 

Por  enquanto,  leia  o  conto  “As  formigas”  e  reflita  sobre  o  modo  como  é 

construído. Os contos de Lygia Fagundes Telles presentes na coletânea que você tem em 

mãos apresentam uma estrutura semelhante à de grandes clássicos do gênero, e que se 

organiza da seguinte maneira: 

 

1. Há uma situação  inicial, em que o narrador expõe as personagens, o cenário 

onde a ação vai ocorrer, o tema do conto; 

2. Surge um conflito, um problema que vai se apresentando gradativamente.  

3. Ocorre  o  clímax,  o  momento  em  que  a  tensão  provocada  pelo  conflito  é 

elevada ao máximo de suspense.  

4. Chega‐se ao desfecho, que apresenta, ou tenta apresentar, uma solução para 

o conflito. 

Você pode usar a tabela a seguir como ponto de partida para suas observações: 

 

CATEGORIA  ITENS RELEVANTES  ANOTAÇÕES 

Narrador  O texto é narrado em primeira pessoa, ou em terceira? O narrador é personagem, faz parte da ação? Caso a narrativa seja em terceira pessoa, o narrador é onisciente, isto é, conhece 

os sentimentos interiores das personagens? 

 

 

Personagens 

 

Quantas são as personagens? Quem é a personagem principal, a protagonista? Há mais de um 

protagonista?  

 

Espaço da ação 

(= cenário) 

Onde se passa a ação? Quais as características do cenário? 

 

 

Tempo da ação  Em que tempo se passa a história? Quanto tempo dura a ação? 

 

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Linguagem  Que tipo de linguagem é usada? Há palavras ou expressões que você 

desconhece? Há figuras de linguagem? Há termos típicos de 

determinada região?  

 

Conflito  Qual é o acontecimento que precipita os principais lances da história? 

 

 

Clímax  Existe um clímax? A partir de que trecho ele pode ser identificado? 

 

 

Desfecho  Há um desfecho? Existe uma solução para o conflito? 

 

 

 

Essa tabela deve ser usada como um guia por você, a fim de sistematizar o registro 

de  suas  leituras  de  contos.  Se  resolver  utilizá‐la,  tome  cuidado  para  que  ela  não  se 

transforme em  fonte de exercícios enfadonhos, “assassinos” da  fruição do texto. Você 

pode abordar os mesmos elementos de outras formas com seus alunos – por exemplo, 

por meio de um bate‐papo informal, de uma construção coletiva de leituras sobre cada 

elemento, de algum tipo de jogo sem “certos e errados” inibidores. 

 

Aquecendo para a leitura 

   

  Antes  de  pedir  a  seus  alunos  que  leiam  o  texto,  examine  com  eles  a 

materialidade do livro. Pergunte à turma o que são histórias de mistério, tenham elas a 

forma de conto, romance, filme, seriado de televisão...  

Procure fazer uma lista, com os alunos, dos elementos que existem nas histórias 

de mistério.  Anote  o  que  eles  disserem  se  possível  em  um  cartaz,  que  poderá  ficar 

exposto ao longo das aulas em que vocês explorarem os contos de Lygia.  

Será que uma história de mistério é, necessariamente, uma história de  terror? 

Para os alunos, há diferença entre esses dois tipos de história? Anote as respostas, para 

retomá‐las após a leitura.  

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Mostre à classe a  ilustração que toma as primeiras páginas, no  início do conto. 

Examinem  a  figura: quem  são  as pessoas que nela  aparecem?  São  jovens ou  velhas? 

Será que entrarão na  casa? O que a aparência da  casa  tem de especial? E quanto às 

formigas  –  qual  será  o  papel  delas  na  história? Não  se  surpreenda  se  alguns  alunos, 

influenciados  por  filmes  de  terror,  imaginarem  que  a  história  trata  de  formigas 

“assassinas” que devoram pessoas...  

Reserve cerca de 15 minutos para essa conversa inicial. Em seguida, leia o conto 

para eles. 

   

Saboreando o Texto 

 

A leitura de “As formigas” pode ser feita aos poucos. A princípio, você pode ler, 

por exemplo, até o momento em que a prima da narradora pergunta: “Um caixote de 

ossos?”.  Faça  uma  pausa  e  pergunte  aos  alunos  o  que  eles  acham  desse  elemento 

surpreendente, o caixote de ossos. Observe que não se trata de um caixão, mas de um 

caixote. Permita que a  turma  faça predições de  leitura,  imaginando qual a  razão de o 

inquilino  anterior  ter deixado um  caixote de ossos na pensão, qual o papel que esse 

caixote terá na história, entre outras possibilidades.  

Continue a  leitura e pare novamente, desta vez no  trecho em que a narradora 

pergunta:  “De  onde  vem  esse  cheiro?”.  Estimule  os  alunos  a  opinarem  sobre  os 

elementos da narrativa já lidos – o fato de os ossos serem de um anão, por exemplo –  e 

peça a eles para antecipar o que virá na sequência. Volte a ler o conto e faça nova pausa 

no  trecho  em  que  a  prima  da  narradora  afirma:  “Muito  esquisito  mesmo. 

Esquisitíssimo.”. O que os alunos acham que está havendo? O que teria acontecido com 

as  formigas  mortas?  Conversem  sobre  os  estranhos  acontecimentos  vividos  pelas 

personagens; ouça‐os fazerem mais predições. 

Leia mais um  trecho do conto, até o momento em que a narradora confessa à 

prima  “Estou  com medo”.  Os  alunos  também  estariam?  O  que  eles  acham  que  vai 

acontecer? Como será que o conto vai acabar? Retome a leitura, desta vez até o fim da 

história. Na sequência, abra espaço para as explorações  textuais previstas na próxima 

etapa. 

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Não se esqueça de fazer uma  leitura emocionante, expressando com diferentes 

entonações de voz, os momentos de  suspense, de medo, de expectativa... Ensaie em 

casa, antes de fazer a leitura para seus alunos. Que tal ler o conto para seus familiares? 

Eles podem gostar dessa atividade diferente, que era muito realizada no Brasil antes da 

chegada do rádio e da televisão. E você pode observar como eles reagem ao conto e a 

seu modo de ler! 

Outra  possibilidade  é  reproduzir  na  sala,  gravação  em  que  a  própria  Lygia 

Fagundes  Telles  lê  o  conto  “As  formigas”.  A  gravação  pode  ser  ouvida  no  site  do 

Instituto Moreira Salles, cujo endereço você encontra na Bibliografia. 

 

Entrelaçando leituras coletivas 

 

  Investigue com os alunos algumas particularidades do texto que são comuns ao 

gênero  conto.  A  narração  é  feita  em  primeira  pessoa,  e  a  narradora  é  também 

protagonista  da  história.  Ela  e  a  prima  –  cujos  nomes  não  conhecemos  –  são  as 

personagens  principais  do  conto.  A  situação  inicial  é  a  chegada  das  duas  à  pensão, 

quando  anoitece.  Observe  que  a  narradora  não  informa  nada  sobre  as  vidas  das 

personagens antes desta situação  inicial, assim como não revela o que aconteceu com 

elas após o desfecho da história.  

Esse  tipo de  recorte é  frequente em  contos, nos quais  comumente  se explora 

uma situação única, vivida por poucas personagens, durante um determinado período 

temporal. Em um  romance, ou em uma novela, provavelmente  seriam narrados  fatos 

sobre a vida pregressa das personagens, e mais detalhes seriam dados a respeito do que 

aconteceu  com  elas  após  deixarem  o  sobrado.  Podemos  imaginar  que  romances  e 

novelas são mais parecidos com filmes, enquanto contos lembram fotografias: são como 

instantâneos de um momento muito específico.  

A casa descrita pela narradora  lembra um  rosto humano:  tem  janelas “iguais a 

olhos  tristes,  um  deles  vazado  por  uma  pedrada”.  Note  como  esses  pouquíssimos 

elementos já são suficientes para projetar na mente dos leitores toda uma atmosfera de 

mistério. Afinal, a imagem de um olho furado por uma pedra é das mais perturbadoras! 

Como  os  alunos  imaginaram  esse  sobrado?  Ele  lembra  casas  de  filmes  de  terror?  A 

ilustração influenciou o modo como eles pensam a respeito da pensão? 

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A  narradora  afirma  que  o  sobrado  é  “sinistro”  e,  no  parágrafo  seguinte, 

pergunta:  “Tínhamos  outra  escolha?”.  Ela  parece  reproduzir  a  pergunta  que  nós, 

leitores, faríamos: mas vocês não têm outra escolha? Não percebem que coisas horríveis 

podem  acontecer  nesse  sobrado?  Como  resposta  a  um  leitor  assim,  a  narradora 

justifica,  também  com  poucos  elementos,  a  precariedade  da  vida  que  ela  e  a  prima 

levavam.  Não,  elas  não  tinham  escolha.  Talvez,  alguns  alunos  reconheçam,  nessa 

situação  inicial,  alguns  aspectos  que,  não  raro,  aparecem  em  filmes  sobre  casas 

assombradas. Elas parecem  sinistras aos personagens  logo de cara, mas eles não  têm 

escolha (porque há uma tempestade, porque são pobres, ou algo parecido) e precisam 

entrar na casa. 

A descrição da dona da pensão merece atenção. Ela era “uma velha balofa, de 

peruca mais negra do que a asa da graúna”. Essa descrição faz leitores mais experientes 

lembrarem,  imediatamente, de outra descrição:  a de  Iracema,  a heroína do  romance 

homônimo de José de Alencar. Logo no início do romance, o narrador descreve a jovem 

índia da seguinte maneira: “Iracema, a virgem dos  lábios de mel, que tinha os cabelos 

mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira”. Enquanto a  

beleza esplêndida de  Iracema era natural, a  feiura da dona da pensão é artificial, pois 

seus cabelos são falsos. A  intertextualidade, nessa passagem, provoca vários efeitos. A 

lembrança  da  descrição  romântica  de  Alencar  é  irônica  e  reforça  a má  aparência  da 

proprietária, pois a contrasta com a beleza da índia. 

É quase certo que seus alunos não percebam o diálogo do conto com o romance 

Iracema,  que  talvez  leiam  no  futuro.  Não  há  problema;  o  importante  é  que  eles 

entendam  o  que  é  graúna,  nome  dado  a  pássaros  de  coloração  negra.  Você  pode 

explicar‐lhes  brevemente  a  origem  da  comparação  dos  cabelos  falsos  com  a  asa  da 

graúna. É uma maneira de ensinar à turma que textos literários dialogam entre si e que, 

quanto mais lemos, mais ricas ficam nossas leituras, porque nos tornamos mais capazes 

de perceber essa  intertextualidade.  É possível que eles  leiam  Iracema no  futuro e  se 

lembrem do conto “As formigas”...  

A  descrição  da  dona  da  pensão  também  é  concisa.  Vejam  que  nenhuma 

personagem é nomeada: nem as protagonistas, nem a velha senhora, nem o anão, ou o 

antigo  inquilino.  Vamos  conhecendo  a  intimidade  das  personagens  aos  poucos,  por 

meio  dos  comportamentos  assumidos  por  elas,  das  descrições  da  narradora,  dos 

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diálogos. Vale a pena vocês se demorarem no exame de alguns substantivos, adjetivos, 

verbos  escolhidos  pela  narradora.  Por  exemplo:  não  sabemos  como  são  os  olhos  da 

proprietária,  ou  traços  de  seu  rosto.  Sabemos  apenas  que  é  gorda,  que  vestia  um 

desbotado pijama de seda japonesa e que “tinha as unhas aduncas recobertas por uma 

crosta de esmalte vermelho‐escuro descascado nas pontas encardidas”.  

  Portanto,  as  únicas  informações  sobre  o  físico  da  mulher  referem‐se  à  sua 

obesidade, à peruca que usa e  às suas unhas. Mas quanto, esses poucos elementos nos 

revelam  sobre a mulher! Unhas aduncas  são unhas em  forma de gancho,  recurvadas. 

Peça  aos  alunos  que  imaginem  essas  unhas  grandes  e  curvas,  com  pontas  sujas, 

cobertas de tinta vermelha escura. Que sensações eles têm? O vermelho lembra algo – 

sangue, talvez? Unhas curvas lembram outras personagens de histórias de terror? Como 

eles  imaginam  a  personalidade  e  a  vida  dessa mulher,  a  partir  dos  poucos  dados  a 

respeito  dela?  Façam  o mesmo  tipo  de  exame  demorado  dos  elementos  de  outras 

descrições, como as da saleta da pensão e do quarto das moças. 

  Falando  nelas,  será  que  eles  conseguem  encontrar  informações  sobre  a 

aparência das jovens? Eles podem não perceber a princípio, mas a aparência delas não é 

descrita. Vamos, aos poucos, entrando no íntimo das moças – conhecendo seus medos, 

seus sonhos, suas reações aos acontecimentos estranhos que ocorrem na casa. Mas não 

sabemos como é o rosto de cada uma, qual a cor de seus olhos, que altura elas têm. O 

que a turma pensa dessa ausência de informações sobre a aparência das protagonistas? 

  Vamos, agora, estudar a estrutura do  conto, o modo  como ele  se desenvolve. 

Logo após a situação  inicial ser definida, ocorre um fato que desencadeia o conflito da 

história. Trata‐se da descoberta do caixote de ossos, que seriam de um anão. Os ossos 

teriam  pertencido  ao  inquilino  anterior,  estudante  de  medicina  como  uma  das 

protagonistas. Nada sabemos desse homem: por que tinha um caixote com ossos, por 

que  ossos  de  um  anão,  por  que  foi  embora  da  pensão,  por  que  deixou  para  trás  o 

caixote. Solicite aos alunos que  imaginem a história desse homem, o motivo de ele ter 

abandonado os ossos na pensão da qual partiu. Permita que eles troquem ideias sobre 

essa história misteriosa. 

  O escritor argentino Ricardo Piglia tem uma teoria muito interessante a respeito 

de contos. Segundo ele, “um conto sempre conta duas histórias”. Há uma história visível 

que esconde uma história secreta, “narrada de um modo elíptico e fragmentário”. Para 

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o escritor,  “quando o  final da história  secreta aparece na  superfície”15, produz‐se um 

efeito surpresa, característico do gênero. Você pode usar essa tese para investigar, com 

seus  alunos,  como  uma  história  secreta  –  a  dos  ossos  do  anão,  misteriosamente 

montados  por  estranhíssimas  formigas  –  começa  a  se  desenhar  em  segundo  plano, 

enquanto a história visível – a das duas moças na pensão – é desenvolvida em primeiro 

plano. Para fazer esse tipo de investigação, não é necessário apresentar Piglia para sua 

turma, embora você possa fazê‐lo, da maneira mais simples possível.  

  Percebam  como  a  história  misteriosa  dos  ossos  vai  ganhando  espaço  na 

narrativa, até que, no  clímax do  conto, ela  surge  com  força na  superfície da história. 

Lygia  Fagundes  Telles  conduz  com  maestria  o  desenvolvimento  das  duas  histórias, 

entremeando  os  momentos  de  tensão  produzidos  pelo  mistério  dos  ossos  com 

momentos de  relaxamento, produzidos pelo  desenrolar da  vida  cotidiana das  jovens. 

Assim, logo após o momento de tensão causado pela descoberta do caixote de ossos do 

anão, há um momento divertido, em que a narradora se concentra em descrever como 

as moças riem ao ouvir o som dos chinelos da proprietária na escada, como procuram 

embelezar o quarto, que fica mais alegre com os objetos trazidos por elas. 

  Essa  alternância  de  momentos  de  tensão  com  momentos  de  relaxamento  é 

muito comum em histórias de mistério,  terror, ou ação, sejam elas contos,  romances, 

filmes  ou  peças  de  teatro.  Seria  praticamente  insuportável,  para  leitores  ou 

espectadores,  acompanhar  uma  história  feita  apenas  de momentos  tensos.  Por  essa 

razão,  escritores  e  roteiristas  costumam  entremear momentos  de  descontração  aos 

momentos de “alta voltagem” produzidos por muita ação, muito suspense, sustos em 

série etc. Os alunos vão se divertir, nas próximas vezes em que assistirem a um filme de 

ação ou  lerem uma história de mistério, mapeando os momentos em que a  tensão é 

aliviada por cenas de romance, de risos, de descanso. 

  O  clímax  do  conto  é  extremamente  tenso:  trata‐se  do  momento  em  que  a 

história secreta aparece com força na superfície do conto, o que ocorre na cena em que 

a  prima  da  narradora  relata  que  as  formigas  estão  montando  o  esqueleto.  Faltam 

apenas o fêmur e os ossos da mão esquerda. O leitor descobre, então, porque o caixote 

foi abandonado pelo antigo dono; talvez, o estudante de medicina também tenha fugido 

ao constatar a estranha operação realizada pelas formigas. Acompanhamos  nervosos, a                                                             15 PIGLIA, 1991, p. 22.

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decisão das moças de abandonar a pensão antes que o esqueleto se complete: o que 

poderá acontecer depois disso? 

  Não sabemos. O desfecho do conto traz a solução do conflito por meio da fuga 

das  jovens, que conseguem escapar da casa em segurança. Salvam‐se, quem sabe, do 

horror  que  permanece  na  casa,  envolto  em  mistério.  Não  sabem,  e  também  não 

sabemos, se o último som ouvido foi um miado ou um grito. As últimas linhas do conto 

levam‐nos a imaginar novamente a casa, agora ao amanhecer. Novamente, o sobrado é 

comparado a um corpo vivo; as  janelas são como olhos. Apenas um “via” as moças; o 

outro  –  talvez  o  do  quarto  delas  –  permanecia  escuro.  A  casa,  afinal,  parece  ter 

participação no mistério dos ossos e das formigas que abriga. 

  É  possível  que  vocês  levem  uma  aula  inteira  analisando  as  personagens,  o 

cenário, a estrutura do conto, o modo como ele é desenvolvido. Será certamente uma 

hora muito  rica,  em  que  diferentes  leituras  dos  elementos  da  história  surgirão  e  se 

entrelaçarão, formando uma rica leitura coletiva. 

    

Desdobramentos para outros momentos 

 

A  história  do  esqueleto  do  anão,  que  fantásticas  formigas montam  toda  noite, 

permanece envolta em mistério ao  término da  leitura. Que  tal  imaginar os elementos 

que  faltam  a  esse  quebra‐cabeça,  em  uma  atividade  escrita?  Peça  aos  alunos  que 

escrevam  uma  narrativa  em  que  essa  estranhíssima  história  seja  desvendada.  Vocês 

podem  fazer  um  bate‐papo  inicial,  pensando  coletivamente  em  respostas  para  as 

seguintes perguntas: 

• Quem  era  o  anão?  Por  que  seus  ossos  estavam  com  um  estudante  de 

medicina? 

• Quem era esse estudante? Por que ele havia fugido da pensão, deixando o 

caixote de ossos para trás? 

• De onde vinha o misterioso cheiro sentido pelas jovens? 

• Haveria mesmo  “alguém do  ramo” montando o esqueleto,  com  a  ajuda 

das formigas?  

• Por que as formigas desapareciam durante o dia? 

• O que aconteceria quando o esqueleto estivesse montado? 

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• Será  que  ocorreria  algo  às  moças  se  elas  permanecessem  na  pensão, 

esperando para ver o esqueleto completo montado pelas formigas? 

 

Vocês podem acrescentar outras perguntas,  se desejarem. Depois de discutirem 

bastante  possíveis  explicações  para  o  mistério,  os  alunos  podem  escrever 

individualmente, ou em grupo, a história secreta das formigas e dos ossos. Oriente‐os 

na  construção  das  personagens  e  dos  cenários,  na  elaboração  dos  diálogos  e  das 

descrições,  na  estruturação  da  narrativa.  Prontos  os  textos,  façam  uma  revisão 

conjunta,  buscando  sanar  problemas  de  linguagem,  de  coerência,  de  clareza,  entre 

outros. Os textos reescritos podem ser expostos em um painel, um varal, um blog da 

Internet... Ou podem ser reunidos em um livro artesanal, ilustrado pelos alunos. 

Outra possibilidade de atividade escrita é criar uma continuação para o conto, que 

narre o que acontece com as moças depois que elas deixam a pensão.  

Estimule a turma a  ler os outros contos do  livro, todos excelentes. Vocês podem 

programar  outras  aulas    para  reler  juntos  e  analisar  outras  histórias  de  mistério, 

criadas  por  Lygia  Fagundes  Telles  e  por  outros  autores.  Procurem  sempre  observar 

como  são  construídas  as  personagens,  quais  são  os  elementos  presentes  nas 

descrições, qual é o conflito, quando acontece o clímax do conto, de que maneira se dá 

seu desfecho. Desse modo, os alunos  irão se familiarizando com aspectos comuns ao 

gênero,  como a  concisão e a densidade. É  interessante que eles percebam quantas 

possibilidades de leitura podem surgir dos poucos elementos fornecidos pelos textos. 

Procure  sugerir  a  leitura  de  outros  contos  de  mistério,  como  os  do  livro  Os 

melhores contos de medo, horror e morte. Esse livro reúne contos clássicos de autores 

como Edgar Allan Poe e Machado de Assis. Alguns desses  contos não  serão de  fácil 

leitura  para  alunos  da  sétima  e  da  oitava  séries,  devido  à  linguagem  usada  pelos 

autores,  à  complexidade  dos  temas,  às  referências  a  personalidades,  conceitos  ou 

culturas  ainda  desconhecidos  dos  alunos.  Procure  ajudá‐los  a  vencer  essas 

dificuldades, lendo os textos com eles e explicando os aspectos mais complicados. 

 

 

 

 

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Bibliografia 

 

Livros de contos: 

ABREU, Caio Fernando et al. A prosa do mundo. São Paulo: Global, 2009. Esta antologia 

de contos e crônicas integra o acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) 

2009. 

 

COSTA, Flávio Moreira da  (org.). Os melhores contos de medo, horror e morte. Rio de 

Janeiro:  

Nova Fronteira, 2005. Esta antologia integra o acervo Apoio ao Saber. 

 

TELLES, Lygia Fagundes. Histórias de mistério.Rio de Janeiro: Rocco, 2004. 

 

 

Livros e artigos sobre contos: 

 

GOTLIB, Nádia Battela. Teoria do Conto. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1988. 

 

PIGLIA, Ricardo. “Tesis sobre el cuento”. Revista Brasileira de Literatura Comparada. São 

Paulo,  vol.1,  p.22‐25,  1991.  Tradução  deste  artigo  pode  ser  lida  no  site  Recanto  das 

Letras.  Disponível  em:  http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/254998. 

Acesso em 12 out. 2009. 

 

REIS, Luzia de Maria R. O que é conto. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. p.23‐24. 

 

Sites sobre Lygia Fagundes Telles: 

 

Lygia Fagundes Telles no Instituto Moreira Salles. Disponível em: 

http://ims.uol.com.br/hs/lygiafagundestelles/lygiafagundestelles.html . Acesso em 12 

out. 2009. 

Page 68: Material Encontros com a leitura e a escrita - file.fde.sp ...file.fde.sp.gov.br/encontrosleitura/material.pdf · Aquecendo para a leitura Nessa etapa, são apresentadas sugestões

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Neste site, você encontra gravação das leituras realizadas por Lygia Fagundes Telles dos 

contos “As formigas” e “A estrutura da bolha de sabão”. Há ainda há trechos de textos 

literários da autora, entrevistas, fotos e textos de sua produção literária. 

 

Site Especial sobre Lygia Fagundes Telles, produzido pelo Centro de Referência em 

Educação  (CRE) Mario Covas. Disponível em: 

http://www.crmariocovas.sp.gov.br/site_lygia/index.htm. Acesso em 12 out. 2009. 

Neste site, há contos integrais da autora, bem como informações sobre sua vida e obra.