mascaro, a. - estado e forma política

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MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo, SP: Boitempo, 2013. Estado e Forma Política O Estado, tal qual se apresenta na atualidade, não foi uma forma de organização política vista em sociedades anteriores da história. Sua manifestação é especificamente moderna, capitalista. Em modos de produção anteriores ao capitalismo, não há uma separação estrutural entre aqueles que dominam economicamente e aqueles que dominam politicamente: de modo geral, são as mesmas classes, grupos e indivíduos – os senhores de escravos ou os senhores feudais – que controlam tanto os setores econômicos quanto os políticos de suas sociedades. Se alguém chamar por Estado o domínio antigo, estará tratando do mando político direto das classes econômicas exploradas. No capitalismo, no entanto, abre-se a separação entre o domínio econômico e o domínio político. O burguês não é necessariamente o agente estatal. As figuras aparecem, a princípio, como distintas. Na condensação do domínio político em uma figura distinta da do burguês, no capitalismo, identifica-se especificamente os contornos do fenômeno estatal. (MASCARO, 2013, p. 17) Nos modos de produção pré-capitalistas, o amálgama que agrupa os poderes sociais é bastante sólido, praticamente automático. Há um único vetor das vontades, com poucas contradições no seio dos blocos de domínio. O controle da vida social é direto e mais simplificado, na medida da unidade entre o econômico e o político. No capitalismo, tal relação se torna complexa. A dinâmica da reprodução social se pulveriza, e, a partir daí, em muitas ocasiões as vontades do domínio econômico e do domínio político parecem não coincidir em questões específicas. Mas isso não se trata de um capricho; o desdobrar do político como uma instância específica em face do econômico não é um acaso. Somente com o apartamento de uma instância estatal é possível a reprodução capitalista. Esta dá causa àquela. (MASCARO, 2013, p. 17) Partimos, então, em busca das especificidades das relações capitalistas que necessitam da aparição de uma instância

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MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma poltica. So Paulo, SP: Boitempo, 2013. Estado e Forma Poltica

O Estado, tal qual se apresenta na atualidade, no foi uma forma de organizao poltica vista em sociedades anteriores da histria. Sua manifestao especificamente moderna, capitalista. Em modos de produo anteriores ao capitalismo, no h uma separao estrutural entre aqueles que dominam economicamente e aqueles que dominam politicamente: de modo geral, so as mesmas classes, grupos e indivduos os senhores de escravos ou os senhores feudais que controlam tanto os setores econmicos quanto os polticos de suas sociedades. Se algum chamar por Estado o domnio antigo, estar tratando do mando poltico direto das classes econmicas exploradas. No capitalismo, no entanto, abre-se a separao entre o domnio econmico e o domnio poltico. O burgus no necessariamente o agente estatal. As figuras aparecem, a princpio, como distintas. Na condensao do domnio poltico em uma figura distinta da do burgus, no capitalismo, identifica-se especificamente os contornos do fenmeno estatal. (MASCARO, 2013, p. 17)

Nos modos de produo pr-capitalistas, o amlgama que agrupa os poderes sociais bastante slido, praticamente automtico. H um nico vetor das vontades, com poucas contradies no seio dos blocos de domnio. O controle da vida social direto e mais simplificado, na medida da unidade entre o econmico e o poltico. No capitalismo, tal relao se torna complexa. A dinmica da reproduo social se pulveriza, e, a partir da, em muitas ocasies as vontades do domnio econmico e do domnio poltico parecem no coincidir em questes especficas. Mas isso no se trata de um capricho; o desdobrar do poltico como uma instncia especfica em face do econmico no um acaso. Somente com o apartamento de uma instncia estatal possvel a reproduo capitalista. Esta d causa quela. (MASCARO, 2013, p. 17)Partimos, ento, em busca das especificidades das relaes capitalistas que necessitam da apario de uma instncia poltica separada (Estado) para que se reproduzam enquanto tais.

Nas relaes de produo capitalistas se d uma organizao social que em termos histricos muito insigne, separando os produtores diretos dos meios de produo, estabelecendo uma rede necessria de trabalho assalariado. A troca de mercadorias a chave para desvendar essa especificidade. No capitalismo, a apreenso da fora de trabalho e dos bens no mais feita a partir de uma posse bruta ou da violncia fsica. H uma intermediao universal das mercadorias, garantida no por cada burgus, mas por uma instncia apartada de todos eles. O Estado, assim , se revela como uma aparato necessrio reproduo capitalista, assegurando a troca das mercadorias e a prpria explorao da fora de trabalho sob a forma assalariada. As instituies jurdicas que se consolidam por meio do aparato estatal o sujeito de direito e a garantia do contrato e da autonomia da vontade, por exemplo, possibilitam a existncia de mecanismos apartados dos prprios exploradores e explorados. (MASCARO, 2013, p. 18)

Analisando a citao do autor, percebemos que o capitalismo depende da circulao de mercadorias no simplesmente para o funcionamento de um sistema mercantil, mas tambm para a reproduo de sua forma especfica de explorao que tambm se funda por uma troca entre mercadorias. A circulao necessita de condies especficas como o sujeito da circulao (sujeito de direito) e a forma da circulao (contrato) que precisam ser garantidas. O elemento social garantidor dessas condies o Estado. A universalidade dessas relaes (e o que impede a identificao da explorao capitalista como uma identificao direta) possvel graas existncia de uma esfera autnoma a esfera econmica. Dessa forma:Exsurge o Estado como terceiro em relao dinmica entre capital e trabalho. Este terceiro no um adendo nem um complemento, mas parte necessria da prpria reproduo capitalista. Sem ele, o domnio do capital sobre o trabalho assalariado seria domnio direto portanto, escravido ou servido. [...] A sua [do Estado] separao em face de todas as classes e indivduos constitui a chave da possibilidade da prpria reproduo do capital: o aparato estatal a garantia da mercadoria, da propriedade privada e dos vnculos jurdicos de explorao que jungem o capital e o trabalho. (MASCARO, 2013, p. 18)

Nesse sentido, deve-se entender o Estado no como um aparato neutro disposio da burguesia, para que, nele, ela exera o poder. preciso compreender na dinmica das prprias relaes capitalistas a razo de ser estrutural do Estado. Somente possvel a pulverizao de sujeitos de direito com um aparato poltico, que lhes seja imediatamente estranho, garantindo e sustentando sua dinmica. Por isso, o Estado no um poder neutro e a princpio indiferente que foi acoplado por acaso explorao empreendida pelos burgueses. O Estado um derivado necessrio da prpria reproduo capitalista; essas relaes ensejam sua constituio ou sua formao. (MASCARO, 2013, p. 19)

A ltima citao nos chama a ateno para o fato de que o capitalismo s se define enquanto tal pela presena do Estado, sem as relaes politico-jurdicas determinadas pelo Estado, o capitalismo no assumiria a sua forma conhecida. Isso significa, e isto s uma maneira diferente de dizer o mesmo, que o Estado determinante na constituio da forma das relaes de explorao capitalistas, uma vez que estas demandam, por sua vez, as relaes poltico-jurdicas. Toda a riqueza de uma totalidade encontra-se aqui expressa.

Disso decorre que:O carter terceiro do Estado em face da prpria dinmica da relao entre capital e trabalho revela a sua natureza tambm afirmativa. No apenas um aparato de represso, mas sim de constituio social. A existncia de um nvel poltico aparatado dos agentes econmicos individuais d a possibilidade de influir na constituio das subjetividades e lhes atribuir garantias jurdicas e polticas que corroboram para a prpria reproduo da circulao mercantil e produtiva. E, ao contribuir para tornar explorador e explorado sujeitos de direito, sob um nico regime poltico e um territrio unificado normativamente, o Estado constitui, ainda afirmativamente, o espao de uma comunidade, na qual se d o amlgama de capitalista e trabalhadores sob o signo de uma ptria ou nao. A caracterstica tipicamente atribuda aos Estados, de represso, como instrumento negativo, realizando a obstacularizao das condutas, definidora mas no exclusiva do aparato poltico moderno. A represso, que um momento decisivo da natureza estatal, deve ser compreendida em articulao com o espao de afirmao que o Estado engendra no bojo da prpria dinmica de reproduo do capitalismo. (MASCARO, 2013, p. 19)Fazendo o que eu entendo uma relativizao das concepes de Poulantzas acerca do Estado (baseando-se, acredito, em uma distino entre Estado e governo), Mascaro adverte:

O Estado , na verdade, um momento de condensao de relaes sociais especficas, a partir das prprias formas dessa sociabilidade. O seu aparato institucionalizado um determinado instante e espao dessa condensao, ainda que se possa considera-lo o fulcro de sua identificao. Mas esse aparato s se implanta e funciona em uma relao necessria com as estruturas de valorizao do capital. (MASCARO, 2013, p. 19)Dada a primazia das relaes de produo, o Estado nesse contexto corrobora por alimentar a dinmica de valorizao do valor, como tambm, a sue modo, as interaes sociais dos capitalistas e dos trabalhadores, tudo isso num processo contraditrio. [...] Se os dirigentes do Estado tm ou no tal ao como poltica deliberada de sustentao de um sistema no isso, no entanto, que mantm exclusivamente o capitalismo em funcionamento. um processo global e estruturado que alimenta sua prpria reproduo. (MASCARO, 2013, p. 20)

Claro est que, dentro dessa dinmica, o papel da poltica, das classes burguesas e das classes trabalhadoras bastante relevante, na medida das possibilidades de legitimao, consolidao, resistncia ou confronto em face da prpria reproduo do capital. Por isso, a compreenso da luta de classes tambm fundamental para dar conta das diversas relaes havidas no seio das sociedades capitalistas. A luta de classes revela a situao especfica da poltica e da economia dentro da estrutura do capitalismo. Mas, para alm da luta de classes, as formas sociais do capitalismo, lastreadas no valor e na mercadoria, revelam a natureza da forma poltica estatal. Na forma reside o ncleo da existncia do Estado no capitalismo. (MASCARO, 2013, p. 20)

Feitas essas primeiras consideraes metodolgicas, o autor passa ento a examinar mais de perto as formas sociais e as formas polticas.Concentremo-nos, assim como ele faz, primeiramente nas especificidades das formas sociais no capitalismo.

As interaes entre os indivduos no mais se estabelecem por meio de junes imediatas aleatrias ou mandos diretos ocasionais ou desconexos, mas por intermdio de formas sociais que possibilitam a prpria estipulao e inteligibilidade das relaes e que permitem a reiterao dos vnculos assumidos. A reproduo social no se constitui apenas de atos isolados ou meramente dependentes da vontade ou da conscincia dos indivduos. Para utilizar uma expresso de Marx, pelas costas dos indivduos passa uma srie de constructos sociais. A apropriao do capital, a venda da fora de trabalho, o dinheiro, a mercadoria, o valor so formas constitudas pelas interaes sociais dos indivduos, mas so maiores que seus atos isolados ou sua vontade ou conscincia. Formas sociais so modos relacionais constituintes das interaes sociais, objetificando-as. Trata-se de um processo de mtua imbricao: as formas sociais advm das relaes sociais, mas acabam por ser suas balizas necessrias. (MASCARO, 2013, p. 20-21)Estabelece-se, mais uma vez, a dependncia de formas especficas para a reproduo das relaes de produo capitalista tais como o valor, as mercadorias, a subjetividade jurdica e o contrato. Estas formas sociais, no excluem, no entanto, seu componente poltico. Sobre o contrato, por exemplo, o autor observa que:[...] para que o vnculo seja contratual, e no simplesmente de imposio de fora bruta e nem de mando unilateral, tambm preciso que formas especficas nos campos poltico e jurdico o constituam. Para que possam contratar, os indivduos so tomados, juridicamente, como sujeitos de direito. Ao mesmo tempo, uma esfera poltica a princpio estranha aos prprios sujeitos, com efetividade e aparatos concretos, assegura o reconhecimento da qualidade jurdica desses sujeitos e garante o cumprimento dos vnculos, do capital e dos direitos subjetivos. (MASCARO, 2013, p. 21)

Pensando sobre a fora das formas sociais em determinar o comportamento dos sujeitos, das relaes sociais, o autor destaca:[...]a forma-trabalho, no capitalismo, j parte da pressuposio de que a fora de trabalho pode ser trocada por dinheiro, mediante o artifcio do acordo de vontades que submete o trabalhador ao capitalista. A subjetividade portadora de vontade, portanto, uma forma necessria pressuposta de tal interao. A forma social permite, enseja e a si junge as relaes sociais. (MASCARO, 2013, p. 21)

Resguardando-se contra qualquer determinismo, o autor defende:

O processo de constituio das formas, no entanto, necessariamente social, histrica e relacional. por meio de interaes sociais que elas mesmas se formalizam. So as trocas concretas que ensejam a sua consolidao em formas sociais correspondentes. Com isso, quer-se dizer que as formas sociais no so preexistentes a quaisquer relaes, como se fossem categorias do pensamento. Os mecanismos sociais que operam s costas da conscincia dos indivduos so tambm resultantes de relaes concretas dos prprios indivduos, grupos e classes. As formas so imanentes s relaes sociais. E s diferentes interaes sociais correspondem tambm formas sociais especficas, mutveis historicamente. [...] Se a forma-mercadoria constituinte da realidade capitalista, ela constituda pelas interaes sociais que esto na base dessa mesma realidade. (MASCARO, 2013, p. 21-22)

Desse raciocnio conclui que [...] a forma no ferramenta que constitui o mundo a partir de uma operao mental, no advm de causas externas sociabilidade, [...] no um a priori da razo e [...] no um constructo eterno ou atemporal. Do que podemos concluir que cada sociedade produz formas sociais de acordo com a trama de relaes, valores, subjetividades construdas socialmente, mas que no possuem existncia ou efetividade sem suas respectivas formas. Explicita-se uma anlise materialista da sociedade.As interaes sociais capitalistas forjam formas que so especficas e necessrias s suas estruturas, distintas de todas as demais at ento havidas. A relao de troca entre sujeitos de direito se estabelece como circuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria. As coisas tornam-se, na plenitude dessa sociabilidade, bens passveis de troca. Se sociedade do passado possuam circuitos parciais de troca, que no estruturavam o todo social, o capitalismo estabelece uma vinculao necessria de todas as relaes troca. Em especial, o trabalho passa a ser assalariado, isto , estruturado a partir de seu valor como mercadoria. Quando as relaes de produo assumem tal forma mercantil, ento o circuito das trocas erige-se como forma social especfica e plena, a forma-valor. (MASCARO, 2013, p. 22)

Tais intercmbios de mercadorias estabelecem uma igualdade entre coisas distintas. Trata-se da equivalncia. Se os trabalhos que produzem mercadorias distintas terminam por se equivaler na troca, eles se apresentam, ento, como trabalho abstrato, que se generaliza e impessoaliza por conta da sua condio de mercadoria trocado por dinheiro. Assim, nesse circuito generalizado, no se especula sobre a qualidade intrnseca de cada trabalhador, de cada trabalho ou de cada coisa produzida ou trocada. Em vez de valerem por si, valem na troca. Trabalho e mercadoria se constituem sob o dstico de uma forma-valor. (MASCARO, 2013, p. 23)

O valor no uma qualidade que resulte intrnseca mercadoria, porque somente se estabelece na equivalncia de todas as mercadorias entre si, o que s possvel com a genrica valorao do trabalho. (MASCARO, 2013, p. 23)

Dessas consideraes sobre a forma-valor enquanto uma forma social, Mascaro tece duas importantes observaes:

Para que o dinheiro assuma a universalidade de equivalncia nas generalizaes, preciso que se constitua um espao de garantia de tal universalidade para alm dos especficos produtores e possuidores de mercadorias. Tal espao, maior que a unidade da mercadoria, a princpio externo aos seus agentes econmicos, mas justamente o garante necessrio dessa reproduo social, o Estado. Somente quando as classes economicamente dominantes no tomam diretamente nas mos o poder poltico que possvel a prpria sociabilidade do capital. A coero fsica em mos alheias burguesia permite a prpria valorizao do valor, nos termos capitalistas. Alm disso, a conformao da apropriao do capital e da mercadoria e a assegurao dos vnculos nas trocas s se realizam mediante o investimento de juridicidade s subjetividades. Assim, as formas valor, capital e mercadoria transbordam, necessariamente, em forma poltica estatal e forma jurdica. (MASCARO, 2013, p. 23)Percebe-se que a prpria definio das relaes capitalistas necessita de um reflexo poltico. No entanto, a necessidade histrica dessa construo refletida permanece no desenvolvida at esse momento. Acredito que essa necessidade histrica encontra-se na necessidade revolucionria da burguesia que precisava se apresenta como uma classe universal.

Mais uma vez, protegendo-se de qualquer interpretao determinista, Mascaro reafirma:

Entra a forma-valor e a forma poltica estatal no h uma decorrncia de desdobramento lgico necessrio nem de total acoplamento funcional. A separao entre o poltico e o econmico permite a valorizao do valor, forjando suas formas, mas isso se d num processo que contm, intrinsecamente, a contradio, justamente por conta da prpria separao e do apoderamento dividido.

No h, pois, uma derivao funcional nem lgica entre as formas sociais, dado que elas se apresentam num arranjo dinmico das relaes sociais. [...] A coero que elas [as formas] exercem nas relaes sociais no se d por conta de sua anunciao, de sua declarao ou de sua aceitao, mas sim mediante mecanismos fetichizados que so basilares e configuram as prprias interaes. (MASCARO, 2013, p. 24)Entre forma e relao social existe uma imbricada relao:

O valor, o capital, a mercadoria, o poder poltico e a subjetividade jurdica se apresentam como mundo j dado aos indivduos, grupos e classes, e suas formas no so dependentes da vontade ou da total conscincia dos indivduos. As prticas materiais pelo contrrio, operam a partir delas por meio da inconscincia de seus agentes. justamente por isso que as formas jungem uma coero para alm dos interesses imediatos e individuais. Elas corroboram diretamente para talhar as possibilidades de interao social. (MASCARO, 2013, p. 24)

Depois de longa exposio acerca das formas sociais, Mascaro volta sua ateno para a forma poltica. Comea ento retomando as determinaes fundamentais:A forma-valor se estabelece plenamente quando ao mesmo tempo se apresenta, enreda-se, enlaa-se e se reflete em vrias outras formas sociais correlatas. Nesse conjunto, a forma jurdica que constitui os sujeitos de direito, afastando as celhas relaes sociais que jungiam uns aos outros pelo arbtrio, pela fora, ou pelo acaso uma de suas engrenagens necessrias. Alm dela, a forma poltica estatal tambm sua correlata inexorvel, constituindo um tipo especfico de aparto social terceiro e necessrio em face da prpria relao de circulao e de reproduo econmica capitalista. Tal forma poltica, terceira e especfica, um ponto nodal das relaes sociais capitalistas. (MASCARO, 2013, p. 25)

Claro est que no apenas a existncia de um aparato terceiro que identifica a forma poltica do capitalismo apenas a qualidade de terceiro relao econmica, at a Igreja poderia ser esse aparato. O corpo especfico da forma poltica capitalista se revela na sua inexorvel referncia forma-valor e constituio da rede da mercadoria e de seus agentes, na sua imposio prtica. Seu acoplamento necessrio reproduo do capital e seu uso como molde constituinte das relaes sociais revelam a ereo de sua forma. (MASCARO, 2013, p. 25)

Essa ltima citao essencial no entendimento do carter especfico do Estado moderno: um aparato poltico separado da esfera econmica que se coloca como razo impessoal e cuja caracterstica principal a construo dos agentes e da condio de circulao e reproduo da forma-valor (e de suas relaes correlatas). Torna-se evidente, pois, a seguinte advertncia:No o nome de Estado que vem identificar o fenmeno estatal, tal como ele se apresenta nas relaes sociais capitalistas. Por si s, no so tambm os atos do Estado que o constituem como tal, tampouco o mero uso de aparatos polticos de modo relativamente distanciado dos explorados e explorados. A forma poltica estatal surgir quando o tecido social, necessariamente, institua e seja institudo, reproduza e seja reproduzido, compreenda-se e seja compreendido, a partir dos termos da forma-mercadoria e tambm da forma jurdica sujeito de direito , vinculando-se ento, inexoravelmente, ao plexo de relaes sociais que se incumba de sua objetivao em termos polticos. a reproduo de um conjunto especfico de relaes externas prpria forma estatal que lhe d tal condio. (MASCARO, 2013, p. 25-26)Forma social e forma poltica esto umbilicalmente interligadas, e a expresso mais evidente dessa ligao a propriedade privada:

A forma-valor, que permeia as relaes de circulao e produo, est at ento derivada em forma jurdica. Mas a forma-valor s pode existir quando tambm se derivar em forma poltica estatal. No capitalismo, os aparatos que garantem o vnculo contratual e que jungem contratante e contratado so distintos formalmente de ambas as partes. O contrato exprime a forma-valor e o valor referenciado em coisas, bens, dinheiro, propriedade privada. O aparato poltico, terceiro a todos os possuidores e trabalhadores, garante, alm dos vnculos de troca e alguns de seus termos, a prpria apropriao formal do valor pelo sujeito, ou seja, a propriedade privada. (MASCARO, 2013, p. 26)

Segundo o autor, esse transbordamento da forma-mercadoria para o campo poltico e jurdico no deve, no entanto, nos enganar quando a relevncia primria para a prxis social da forma-mercadoria; mesmo que essa primariedade no seja histrica ela lgica. Ainda sim nunca demais lembrar:

Na totalidade social, o primado do econmico no se faz custa do poltico, mas, pelo contrrio, realizado em conjunto, constituindo uma unidade na multiplicidade. Tampouco essa totalidade de vetores causais aleatrios, como se o poltico gerasse o econmico ou vice-versa. (MASCARO, 2013, p. 26-27)Na verdade, o poltico e o jurdico se estabelecem no mesmo todo das relaes de produo, ainda que num entrelaamento dialtico de primazia das ltimas em face das primeiras no que tange ao processo de constituio da sociabilidade. (MASCARO, 2013, p. 27)A impessoalidade que tange a forma estatal no existe por simples vontade da necessidade das relaes capitalistas, mas tambm em virtude, como destacamos anteriormente, do prprio carter das relaes sociais, ou seja, o fato de que as relaes sociais so permeadas pela forma-mercadoria torna a ideia de um estado racional factvel:

Alm de sua internalidade as caractersticas e as configuraes prprias de um poder poltico impessoal e apartado do poder econmico da sociedade , a forma poltica necessita, para sua identificao, de um externalidade: somente em relaes sociais de tipo capitalista, permeadas pela forma-mercadoria e pelo antagonismo de classes entre o capital e o trabalho assalariado, tal aparato poltico adquire a forma social que o constitui. (MASCARO, 2013, p. 27)Mais uma vez evidencia-se a particularidade da forma estatal. O simples distanciamento entre o poltico e o econmico no so suficientes para sua especificidade, e de fato esse distanciamento pode ocorrer em outros modos de produo, mas as formas polticas contemporneas, como o sujeito de direito, s poderiam aparecer no bojo de relaes capitalistas.

apenas entrelaada estruturalmente nesse conjunto que a forma poltica estatal se revela. Seus atributos internos podem lhe dar a dimenso de suas variantes, mas sua posio no contexto geral das relaes scias d-lhe causa, identidade e existncia.

A forma poltica estatal se identifica numa consolidao relacional. Suas instituies podem ser consideradas momentos ou regies dessa tessitura relacional. A especificidade do poder poltico, no capitalismo, mais do que ser originada pelas instituies poltica, passa por elas. (MASCARO, 2013, p. 27)Bem definida a relao lgica entre forma social e forma poltica, Mascaro adverte que o paralelo entre ambas no implica em uma derivao igualmente lgica. A derivao da forma poltica estatal corresponde a um processo histrico:

Tanto as relaes mercantis quanto as produtivas capitalistas surgem e se estabelecem historicamente num complexo emaranhado de relaes sociais antagnicas, cujo desenvolvimento no contnuo nem isento de contramarchas e contradies. [...] A correspondncia que se h de buscar entre economia capitalista e Estado no a de um aparecimento repentino de ambos no tempo histrico nem de um estabelecimento lgico-funcional que faria com que a existncia de um conjunto de relaes sociais presidisse obviamente a constituio do outro, pois o surgimento um processo longo, harmnico em muitas ocasies e conflituoso em muitas outras. (MASCARO, 2013, p. 28)A posio da luta de classes (com todas as suas dimenses) central no entendimento desse processo histrico:

O estabelecimento econmico e poltico das formas capitalistas necessariamente conflituoso, contraditrio, desarmnico e eivado de crises porque fundado em exploraes e domnios de classes e grupos. a luta de classes que corporifica e constantemente tensiona a altera suas formas sociais correspondentes. Portanto, s possvel compreender a materializao da forma poltica por meio dos variveis e distintos movimentos das lutas de classes.A causa da derivao do poltico a partir do econmico material, concreta, relacional. Trata-se de um encontra histrico de relaes, exploraes, dominaes, demandas, expectativas, instituies, poderes, costumes, valores e ideologias. Em tal processo de encontro, no se pode presumir uma inteligncia geral do capitalismo presidindo seu fluxo e seu estabelecimento. (MASCARO, 2013, p. 28)H um motor de constrio das formas que se d pela dinmica do capital, No entanto, tal sistemacidade que forja e acopla as formas sociais do capitalismo construda num processo no necessariamente funcional ou lgico. A contradio perpassa a histrica da derivao da forma poltica estatal a partir das formas da sociabilidade econmica capitalista. (MASCARO, 2013, p. 29)

Da historicidade do processo podemos tirar importantes concluses acerca das prprias formas polticas. Primeiramente, podemos concluir que as formas polticas capitalistas por ns conhecidas no so eternas e nem necessariamente representam a melhor acomodao poltica das necessidades de valorizao do valor. Em segundo lugar, um processo histrico se alimenta e se constitui sobre a destruio e reconstruo incessante de elementos j objetivados que, por vezes, so caractersticos de outros modos de produo; ou seja, a constituio das formas sociais e polticas, [...] mesmo que instaurando aparatos novos e especficos, fundou-se em embries histricos (MASCARO, 2013, p. 29). No entanto, as instituies polticas j existentes, que do base forma poltica estatal, no engendram essa passagem por um processo de clivagem interna. Sua dinmica no uma mudana devida exclusivamente a fatores endgenos s formas polticas. Tambm no se d uma relao de mera continuidade, nem de mero aumento quantitativo, entre as bases polticas anteriores e as instituies polticas do capitalismo. Se antes as determinaes polticas so funes dependentes do arbtrio, da vontade, ou da mera tradio, no capitalismo, deferentemente, passam a ser forma separada e instituidora das demais relaes sociais. [...] Se as formas polticas do capitalismo surgem com o aproveitamento de embries j dados, elas o fazem num processo de transformao e de especificidade de acoplamento sociais, e no simplesmente de majorao dessa base. (MASCARO, 2013, p. 30)Por fim, uma importante ressalva acerca dessa derivao histrica:

Quando se desejam encontrar, no passado pr-capitalista, aparatos ou instituies polticas cujas nomenclaturas em muito se assemelham s modernas, isso no quer dizer que a forma poltica estatal atravesse olimpicamente os modos de produo sendo a mesma, mas sim que possui vestgios histricos que, ao seu tempo, mesmo que tenham indcios de similitude, no podem lograr constituir a mesma consolidao por estranhamento relacional s estruturas econmicas e sociais especficas dessas formaes sociais distintas. A forma poltica estatal somente existe e se afirma plenamente com o capitalismo, da mesma maneira que a forma-valor, embora encontre circuitos de trocas de mercadorias por todo o passado, s adquirir seus fundamentos causais e seus contornos definitivos no modo de produo capitalista. (MASCARO, 2013, p. 30)Mascaro passa agora a examinar a relao entre a forma poltica, intimamente ligada a forma-valor, e sua materializao representada pelas instituies polticas e sociais, especialmente os organismo e aparatos estatais que em tal configurao institucional, formam-se entes identificveis concretamente no tecido social, com relativa autonomia em face desse mesmo todo (MASCARO, 2013, p. 30). Exemplos dessa necessria materializao no faltam: o monoplio da violncia depende da existncia de todo um aparato militar, a forma-dinheiro depende de estruturas polticas que lhe conferem efetividade e controle, como a emisso de moeda e a constituio de Bancos centrais que controlam a conversibilidade e a inflao. Se a poltica, no capitalismo, se estabelece a partir de uma forma especfica, estatal, como elemento necessrio para a completude da prpria reproduo do capital, ela ao mesmo tempo se materializa e se reveste de instituies polticas concretas. No entanto, embora havendo entre si alta correspondncia, a forma poltica e as instituies polticas no so a mesma coisa (MASCARO, 2013, p. 31). A forma poltica contm as diversas instituies, mas ela mesma no fruto da evoluo interna dessas mesmas instituies: a identidade da forma poltica constituda por uma relao de exterioridade. As relaes mercantis e de produo capitalistas geram uma forma poltica necessariamente apartada dos portadores de mercadoria, forma que seja terceira, pblica, assegurando as condies de reproduo do valor. Tal forma poltica que cria, aproveita, afasta, reforma, transforma ou reconfigura instituies sociais, muitas j existentes e outras novas, aglutinando-as forma necessria de reproduo da vida social que vai se instalando.

No porque determinado instituto poltico j tenha existido antes do capitalismo que ele seja o embrio causal do estado. [...] Os institutos sociais e polticos do capitalismo so criados ou transmudados num processo de convergncia forma. (MASCARO, 2013, p. 31)

De tal sorte, se verdade que a forma poltica estatal sempre se reveste de instituies que lhe so prprias e especficas, no por tais instituies que se explica a forma, embora elas lhe clarifiquem a situao, a posio concreta e a funo em uma dada totalidade social. Mais do que a funo das instituies ou sua operao interna e seus mecanismos apenas imediatos, a forma poltica que explicar a posio material e estrutural das instituies. (MASCARO, 2013, p. 31)

Semelhante relao entre forma social e forma poltica, a relao entre forma poltica e instituies polticas no derivada da lgica pura, mas sim factual, histrica e, portanto, cruzada pela luta de classes. Dessa forma no existe modelo institucional para a forma poltica estatal, o que torna um erro acreditar que o capitalismo geneticamente ligado ao Estado democrtico de direito. Essa autonomia, no entanto, no , de forma alguma, absoluta: verdade que, no limite, ser possvel ainda dizer que a forma poltica estatal derivada da forma-mercadoria varivel quanto s suas instituies apenas parcialmente, porque a ausncia de todas elas inviabilizaria a existncia da prpria forma. (MASCARO, 2013, p. 33)

O processo de construo dessa institucionalidade complexo:

Na materializao da forma poltica estatal, o prprio processo de constituio de suas instituies polticas no se apresenta como um nico fluxo social de derivao contnua a partir de uma mesma lgica. Historicamente, houve instituies polticas tpicas de um aparato de molde burgus que conviveram, por muito tempo, no seio de um Estado que manteve algumas instituies de privilgio. As situaes variveis das lutas de classes determinam as peculiaridades das instituies polticas. E, ao mesmo tempo, h contradies institucionais dentro do prprio Estado. Erigidas e constantemente configuradas num aparato terceiro em face das classes e das demandas de reproduo do capital, as instituies polticas se relacionam de modos variados com tais nveis econmicos e sociais. H setores estruturalmente mais nevrlgicos reproduo do capital, para os quais o espao da poltica sempre se consolidou de modo proeminente, pois mais jungido continuidade da valorizao do valor. Os rgos da administrao pblica de implantao da infraestrutura fsica para a produo e a locomoo da mercadoria no territrio transporte, energia, etc. tiveram primazia histrica em face dos rgos de bem-estar social aos trabalhadores e despossudos. (MASCARO, 2013, p. 33)

O prprio comportamento das instituies de anlise complexa. O judicirio, por exemplo, uma instituio que, seguindo sua obedincia pela lei, pode at condenar ou contrariar o interesse de um burgus em especfico, mas nesse julgamento e na sua aceitao social est implcita a reafirmao e legitimao da manuteno da prpria estrutura de submisso dos indivduos conformao jurdica geral (MASCARO, 2013, p. 34). Acredito que algo semelhante, para maior esclarecimento, ocorre, por exemplo, com a discusso sobre salrio: mesmo que o salrio aumente, acarretando em um benefcio imediato ao trabalho e um obstculo ao lucro, a forma de relao de produo baseado em trabalho assalariado acaba legitimada.

A complexidade desse tipo de anlise aumenta quando o autor chama nossa ateno para o fato de que juntamente com as instituies que materializam as formas polticas necessrias a dominao capitalista esta tambm se materializa junto a outras relaes sociais, que em geral lhe so imediatas, acessrias ou relativamente autnomas embora, no limite, possam lhe ser contraditrias ou relativamente autnomas (MASCARO, 2013, p. 34). Por fim, Mascaro destaca que entre o Estado e suas instituies pode haver diversos nveis de relao. No campo ideolgico, por exemplo, as instituies ligadas produo e reproduo da esttica encontram-se em um relao mais autnoma com o Estado do que outras instituies ideolgicas como a educao pblica e os meios de comunicao.

Refletindo especificamente sobre as instituies polticas, o autor comea relembrando que por toda a geografia do Estado e das instituies h, ao mesmo tempo, uma configurao interna e uma natureza estrutural no todo das relaes sociais capitalistas (MASCARO, 2013, p. 35). Os rgos polticos estatais so, assim, as unidades de constituio interna do prprio Estado. na sociabilidade capitalista, todos operam atravessados pela forma poltica (MASCARO, 2013, p. 35). As instituies polticas estatais comportam vrias especificaes materiais, estruturais e funcionais, alm de desdobrados critrios de classificao (MASCARO, 2013, p. 35). Dentre esses critrios temos os geogrficos, os relativos s atribuies de cada instncia, a distino entre rgos governamentais (com poder de deciso poltica) e administrativos (burocracia limitada legalidade instituda), a distino entre militares (fora repressiva) e civis (fora organizadora). Tomadas de forma rgida essas divises so imprecisas e no cobrem, por exemplo, todo o espectro poltico. Existem instituies polticas que vo muito alm das determinaes da forma estatal sindicatos, associaes, partidos , mas cuja separao relativa sendo que mantm certa dependncia em relao ao Estado mesmo para sua legitimao e existncia (atravs da formalizao jurdico-estatal). Concluindo acerca da relao entre instituies polticas e o Estado, o autor afirma que:O fenmeno poltico, no capitalismo, no se limita ao Estado, mas nele se condensa. O Estado o ncleo material da forma poltica capitalista. O governo o ncleo poderoso e dirigente do Estado e a administrao pblica seu corpo burocrtico. Governo e administrao so os organismos da poltica estatal. Nesse agrupamento, todas as instituies polticas costumam ser imediatamente consideradas fenmenos devidos apenas sua derivao do Estado, como se surgissem de um autodesdobramento ou de uma vontade criadora estatal. Se essa derivao das instituies polticas em face do Estado possvel num plano imediato, ela s pode ser entendida numa complexa, varivel e contraditria dinmica das prprias instituies e do Estado com a reproduo econmica capitalista e suas formas sociais fundantes. A forma poltica, derivada das formas econmicas do capitalismo, gera as balizas para as dinmicas coesas ou contraditrias de sua derivao interna. As instituies polticas, no capitalismo, operam sua dinmica sob a coero da forma polticas e das formas sociais do capital. (MASCARO, 2013, p. 38)Em seguida Mascaro se debrua sobre uma questo de suma importncia, qual seja, a relao entre forma poltica e forma jurdica. De imediato ela recorrentemente nos aparece como uma equivalncia o Estado pe o direito, ou o direito define o Estado como dois lados de uma mesma moeda (especialmente dentro da forte tradio do juspositivismo). No entanto, o autor alerta:H um nexo ntimo entre forma poltica e forma jurdica, mas no porque ambas sejam iguais ou equivalentes, e sim porque remanescem da mesma fonte. Alm disso, apoiam-se mutuamente, conformando-se. Pelo mesmo processo de derivao, a partir das formas sociais mercantis capitalistas, originam-se a forma jurdica e a forma poltica estatal. Ambas remontam a uma mesma e prpria lgica de reproduo econmica capitalista. Ao mesmo tempo, so pilares estruturais desse todo social que atuam em mtua implicao. As formas poltica e jurdica no so dois monumentos que agem separadamente. Elas se implicam. Na especificidade de cada qual, constituem, ao mesmo tempo, termos conjuntos. (MASCARO, 2013, p. 39)

Se eventualmente se torna o poltico-jurdico como um complexo funcional, isto s pode ser compreendido em termos bastante didticos, jungindo regies prximas do todo social, mas nem por isso se poder considerar, estrutural e causalmente, um complexo forma jurdico-poltico. (MASCARO, 2013, p. 40)

E esclarece tal especificidade de cada forma:

O ncleo da forma jurdica reside no complexo que envolve o sujeito de direito, com seus correlatos do direito subjetivo, do dever e da obrigao atrelados, necessariamente, vontade autnoma e igualdade formal no contrato como seus corolrios. Por sua vez, o ncleo da forma poltica capitalista reside num poder separado dos agente econmicos diretos, que se faz presente por meio da reproduo social a partir de um aparato especfico, o Estado, que o elemento necessrio de constituio e garanti da prpria dinmica da mercadoria e da relao entre capital e trabalho. (MASCARO, 2013, p. 39)

Entremos agora na relao especfica e histrica dessas duas formas. Primeiramente o autor esclarece que a circulao mercantil e a produo baseada na explorao da fora de trabalho jungida de modo livre e assalariado que constituem, socialmente, o sujeito portador de direito subjetivos (MASCARO, 2013, p. 40). O Estado posteriormente realizar a chancela formal da condio de sujeito de direito, mas tal procedimento um acoplamento entre forma jurdica e forma poltica que mantm, no entanto, as suas especificidades (MASCARO, 2013, p. 40). Essa chancela formal envolve aspectos como a perseguio e destruio de costumes e outras formas de direito que afrontem a reproduo das relaes capitalistas e como a aparncia de que, a partir das revolues burguesas, o direito e Estado possuem uma origem simultnea, escondendo assim suas verdadeiras determinaes histricas. Apesar dessas especificidades da forma poltica e da forma jurdica, ambas atingem sua maturidade quando estabelecem a relao simbitica que hoje testemunhamos:

A forma poltica estatal se estabelece definitivamente apenas quando a sociabilidade geral se torna jurdica. O Estado de direito assim o , fundamentalmente, porque opera em conjunto com as relaes sociais permeadas pelo direito. No processo social da reproduo capitalista se instaura uma subjetividade que investe de juridicidade a relao entre burgueses e trabalhadores e, ao mesmo tempo, torna o Estado tambm permeado pela mesma juridicidade. Ainda que no um sujeito de direito como as pessoas fsicas e as pessoas jurdicas, na sociabilidade capitalista o Estado adquire um forma especfica, que o faz ser constitudo e relacionado, de modo prprio, como uma subjetividade jurdica. As categoriais fundantes do direito passam a operar no Estado. (MASCARO, 2013, p. 40-41)[...] sero as revolues liberais burguesas que constituiro o Estado e o direito como formas acopladas tecnicamente uma outra. O Estado conforma o direito num processo de especfica apario estrutural: a forma jurdica j se institui como dado social presente e bruto quando o Estado lhe d trato. (MASCARO, 2013, p. 41)

So as normas estatais que conformam o sujeito de direito a poder realizar vnculos contratuais livremente a partir de uma idade mnima estabelecida, mas esse sujeito j se impunha na estrutura social por derivao direta da forma-mercadoria. (MASCARO, 2013, p. 41)

A troca de mercadorias e o trabalho feito mercadoria so os dados que talham a forma-sujeito de direito. A normatividade estatal opera sobre essa forma j dada, conformando-a. (MASCARO, 2013, p. 41)

No errado encontrar um vnculo prximo entre forma poltica e forma jurdica, porque, de fato, no processo histrico contemporneo, o direito talhado por normas estatais e o prprio Estado forjado por institutos jurdicos. Ocorre que o vnculo entre forma poltica e forma jurdica de conformao, realizando entre si uma espcie de derivao de segundo grau, a partir de um fundo primeiro e necessrio que derivado diretamente da forma-mercadoria. o aparato estatal j necessariamente existente e as formas jurdicas j anunciadas socialmente que se encontram para ento estabelecer um complexo fenomnico poltico-jurdico. (MASCARO, 2013, p. 41)

Em tal processo de conformao, os limites nucleares das duas formas so necessariamente mantidos em sua especificidade, como estruturas fundamentais da reproduo do capital. A conformao opera na quantidade da poltica e do direito, nunca na qualidade de estatal ou jurdico. (MASCARO, 2013, p. 41)

Especifiquemos um pouco mais essa relao de conformao:Como exemplo, o Estado, assumindo encargos e poderes polticos autnomos e autodeclarados soberanos, abre, constitui e cria novos campos do fenmeno jurdico na sociedades capitalistas. Assim, a relao de trabalho, de incio estruturada em vnculos contratuais totalmente autnomos e atomizados, passa a ser intermediada por institutos normativos estatais como o do salrio-mnimo. O Estado avana sobre o jurdico, tocando no ncleo da prpria forma-sujeito, limitando-a ou talhando-a em novos modos. Mas tal poder do poltico no jurdico nunca vai a ponto de negar a prpria forma jurdica de sujeitos de direito livres e iguais para o vnculo de trabalho. O Estado, se limita a quantidade da autonomia da vontade no contrato de trabalho, no extingue a prpria relao de trabalho.

A forma jurdica preserva seu ncleo necessrio em face do Estado, no porque o jurdico seja maior que o poltico, mas porque ambas as formas no podem ser submetidas uma a outra a ponto de deixarem de existir. Derivam todas de uma mesma forma comum, do valor e da mercadoria, que demanda no uma ou outra, mas sim uma e outra. por conta disso que o Estado no destri o ncleo da forma jurdica, porque tal destruio tanto do direito quanto do capitalismo, e, portanto, do prprio Estado. A forma poltica autnoma e conformadora da forma jurdica nos limites em que tal ao no afete a reproduo geral do capital.

Do mesmo modo, o jurdico, ao conformar o poltico, no o faz a ponto de abolir a necessria intermediao estatal para a reproduo do capital. Se a autonomia da vontade o vnculo por excelncia da explorao do trabalho assalariado, ela no se apresenta socialmente coo um poder dos indivduos sem intermediao poltica, porque a carncia de tal vnculo terceiro acarretaria uma anarquia mortal reproduo. Se a liberdade total da vontade at pode garantir, em seus prprios termos, um vnculo isolado e especfico de produo, no garante, no entanto, a reproduo. Da que os termos da forma jurdica jamais se apresentam contra a totalidade da forma poltica estatal. (MASCARO, 2013, p. 41-42)Tratando de modo simbolstico, se os Estados do mundo rasgam as diretrizes da Constituio, que a norma de mais alta hierarquia jurdica do direito positivo, no rasgam, no entanto, as diretrizes do Cdigo Civil. O ncleo da forma-sujeito se mantm como razo estrutural de preservao da forma-mercadoria, o que tambm a razo estrutural de preservao da prpria forma poltica estatal. (MASCARO, 2013, p. 43)A forma jurdica [...] passa a ser talhada, nos seus contornos, mediante tcnicas normativas estatais. Ao mesmo tempo, o Estado, sendo forma poltica apartada da mirade dos indivduos em antagonismo social e tendo a sua existncia estrutural, se reconhecer, imediatamente, a partir do talhe das estipulaes jurdicas. Nesse sentido, embora as formas polticas estatal e jurdica sejam forjadas estruturalmente a partir das relaes sociais capitalistas, o imediato de seus corpos opera a partir de uma tcnica aproximada, num processo contnuo de perfazimento. Se no que tange forma, poltica e direito so duas estruturas insignes, na operacionalizao tcnica se agrupam. (MASCARO, 2013, p. 43)

Concluindo acerca dessas duas formas temos:

Com isso, o Estado passa ento a ser compreendido como Estado de direito, fazendo instaurar um pleno regime de circulao das vontades polticas e dos atos de poder estatal a partir de procedimentos manipulveis mediante as formas jurdicas. Ao mesmo tempo, o direito passa a ser institudo normativamente, garantido e sustentado pelo Estado. A criao imediata da quantidade do direito e da sua processualizao torna-se estatal. Com o Estado de direito, as formas que se originam do direito privado como a subjetividade jurdica transbordam para o direito pblico, ao mesmo tempo que o direito pblico captura a construo imediata do direito privado processo judicial e legislativo e competncias, por exemplo. (MASCARO, 2013, p. 43)