marx fetichismo da mercadoria

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Karl Marx O Capital (Livro 1) 1ª Edição: 1867. Fonte da Presente Transcrição: Centelha - Promoção do Livro, SARL, Coimbra, 1974. Tradução de: J. Teixeira Martins e Vital Moreira. Transcrição de: Alexandre Linares. HTML por José Braz para Marxists Internet Archive , 2005. PARTE I - MERCADORIA E DINHEIRO Capitulo 1 - A Mercadoria Secção 1 - Os Dois Factores da Mercadoria: Valor-de-Uso e Valor-de-Troca ou Valor Propriamente Dito (Substância do Valor, Grandeza do Valor) Secção 2 - Duplo Caracter do Trabalho Representado na Mercadoria Secção 3 - A Forma do Valor [ou o valor-de-troca] A - Forma simples, [singular] ou acidental do valor B - Forma-valor total ou desenvolvida C -Forma geral do valor D - Forma-dinheiro Secção 4 - O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo Secção 4: O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo A primeira vista, uma mercadoria parece uma coisa trivial e que se compreende por si mesma. Pela nossa análise mostrámos que, pelo contrário, é uma coisa muito complexa, cheia de subtilezas metafísicas e de argúcias teológicas. Enquanto valor-de-uso, nada de misterioso existe nela, quer satisfaça pelas suas propriedades as necessidades do homem, quer as suas propriedades sejam produto do trabalho humano. É evidente que a actividade do homem transforma as matérias que a natureza fornece de modo a torná-las úteis. Por exemplo, a forma da madeira é alterada, ao fazer-se dela uma mesa. Contudo, a mesa continua a ser madeira, uma coisa vulgar, material. Mas a partir do momento em que surge como mercadoria, as coisas mudam completamente de figura: transforma-se numa coisa a um tempo palpável e impalpável. Não se limita a ter os pés no chão; face a todas as outras mercadorias, apresenta-se, por assim dizer, de cabeça para baixo, e da sua cabeça de madeira saem caprichos mais fantásticos do que se ela começasse a dançar.24 O carácter místico da mercadoria não provém, pois, do seu valor-de-uso. Não provém tão pouco dos factores determinantes do valor. Com efeito, em primeiro lugar, por mais variados que sejam os trabalhos úteis ou as actividades produtivas, é uma verdade fisiológica que eles são, antes de tudo, funções do organismo humano e que toda a função semelhante, quaisquer que sejam o seu conteúdo e a sua forma, é essencialmente um dispêndio de cérebro, de nervos, de músculos, de órgãos, de sentidos, etc., do homem. Em segundo lugar, no que respeita àquilo que determina a grandeza do valor - 1

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Capitulo 8 de o capital de Karl Marx

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Karl Marx

Karl MarxO Capital (Livro 1)

1 Edio: 1867.Fonte da Presente Transcrio: Centelha - Promoo do Livro, SARL, Coimbra, 1974. Traduo de: J. Teixeira Martins e Vital Moreira.Transcrio de: Alexandre Linares.HTML por Jos Braz para Marxists Internet Archive, 2005.

PARTE I - MERCADORIA E DINHEIRO

Capitulo1 - A Mercadoria Seco 1 - Os Dois Factores da Mercadoria: Valor-de-Uso e Valor-de-Troca ou Valor Propriamente Dito (Substncia do Valor, Grandeza do Valor) Seco 2 - Duplo Caracter do Trabalho Representado na Mercadoria Seco 3 - A Forma do Valor [ou o valor-de-troca] A - Forma simples, [singular] ou acidental do valorB - Forma-valor total ou desenvolvida C -Forma geral do valor D - Forma-dinheiroSeco 4 - O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo

Seco 4: O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo

A primeira vista, uma mercadoria parece uma coisa trivial e que se compreende por si mesma. Pela nossa anlise mostrmos que, pelo contrrio, uma coisa muito complexa, cheia de subtilezas metafsicas e de argcias teolgicas. Enquanto valor-de-uso, nada de misterioso existe nela, quer satisfaa pelas suas propriedades as necessidades do homem, quer as suas propriedades sejam produto do trabalho humano. evidente que a actividade do homem transforma as matrias que a natureza fornece de modo a torn-las teis. Por exemplo, a forma da madeira alterada, ao fazer-se dela uma mesa. Contudo, a mesa continua a ser madeira, uma coisa vulgar, material. Mas a partir do momento em que surge como mercadoria, as coisas mudam completamente de figura: transforma-se numa coisa a um tempo palpvel e impalpvel. No se limita a ter os ps no cho; face a todas as outras mercadorias, apresenta-se, por assim dizer, de cabea para baixo, e da sua cabea de madeira saem caprichos mais fantsticos do que se ela comeasse a danar.24O carcter mstico da mercadoria no provm, pois, do seu valor-de-uso. No provm to pouco dos factores determinantes do valor. Com efeito, em primeiro lugar, por mais variados que sejam os trabalhos teis ou as actividades produtivas, uma verdade fisiolgica que eles so, antes de tudo, funes do organismo humano e que toda a funo semelhante, quaisquer que sejam o seu contedo e a sua forma, essencialmente um dispndio de crebro, de nervos, de msculos, de rgos, de sentidos, etc., do homem. Em segundo lugar, no que respeita quilo que determina a grandeza do valor - isto , a durao daquele dispndio ou a quantidade de trabalho -, no se pode negar que essa quantidade de trabalho se distingue claramente da sua qualidade. Em todas as pocas sociais, o tempo necessrio para produzir os meios de subsistncia interessou necessariamente os homens, embora de modo desigual, de acordo com o estdio de desenvolvimento da civilizao.25 Enfim, desde que os homens trabalham uns para os outros, independentemente da forma como o fazem, o seu trabalho adquire tambm uma forma social.

Donde provm, portanto, o carcter enigmtico do produto do trabalho, logo que ele assume a forma-mercadoria? Evidentemente, dessa mesma forma. A igualdade dos trabalhos humanos adquire a forma [objectiva da igualdade] de valor dos produtos do trabalho; a medida do dispndio da fora de trabalho humana, pela sua durao, adquire a forma de grandeza de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relaes entre os produtores, nas quais se afirmam as determinaes sociais dos seus trabalhos, adquirem a forma de uma relao social dos produtos do trabalho.

[O carcter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente em que ela apresenta aos homens as caractersticas sociais do seu prprio trabalho como se fossem caractersticas objectivas dos prprios produtos do trabalho, como se fossem propriedades sociais inerentes a essas coisas; e, portanto, reflecte tambm a relao social dos produtores com o trabalho global como se fosse uma relao social de coisas existentes para alm deles.] por este quiproqu que esse produtos se convertem em mercadorias, coisas a um tempo sensveis e suprasensveis (isto, , coisas sociais) .Tambm a impresso luminosa de um objecto sobre o nervo ptico no se apresenta como uma excitao subjectiva do prprio nervo, mas como a forma sensvel de alguma coisa que existe fora do olho. Mas, no acto da viso, a luz realmente projectada por um objecto exterior sobre um outro objecto, o olho; uma relao fsica entre coisas fsicas. Ao invs, a forma mercadoria e a relao de valor dos produtos do trabalho [na qual aquela se representa] no tem a ver absolutamente nada com a sua natureza fsica [nem com as relaes materiais dela resultantes]. somente uma relao social determinada entre os prprios homens que adquire aos olhos deles a forma fantasmagrica de uma relao entre coisas. Para encontrar algo de anlogo a este fenmeno, necessrio procur-lo na regio nebulosa do mundo religioso. A os produtos do crebro humano parecem dotados de vida prpria, entidades autnomas que mantm relaes entre si e com os homens. O mesmo se passa no mundo mercantil com os produtos da mo do homem. o que se pode chamar o fetichismo que se aferra aos produtos do trabalho logo que se apresentam como mercadorias, sendo, portanto, inseparvel deste modo-de-produo.

[Este carcter fetiche do mundo das mercadorias decorre, como mostrou a anlise precedente, do carcter social prprio do trabalho que produz mercadorias.]

Os objectos teis s se tornam em geral mercadorias porque so produtos de trabalhos privados, executados independentemente uns dos outros. O conjunto destes trabalhos privados constitui o trabalho social [global]. Dado que os produtores s entram em contacto social pela troca dos seus produtos, s no quadro desta troca que se afirma tambm o carcter [especificamente] social dos seus trabalhos privados. Ou melhor, os trabalhos privados manifestam-se na realidade como fraces do trabalho social global apenas atravs das relaes que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por intermdio destes, entre os produtores. Da resulta que para estes ltimos, as relaes [sociais] dos seus trabalhos privados aparecem tal como so, ou seja, no como relaes imediatamente sociais entre pessoas nos seus prprios trabalhos, mas antes como [relaes materiais entre pessoas e] relaes sociais entre coisas. Somente pela troca que os produtos do trabalho adquirem, como valores, uma existncia social idntica e uniforme, distinta da sua existncia material e multiforme como objectos teis. Esta ciso do produto do trabalho, em objecto til e objecto de valor, s teve lugar na prtica a partir do momento em que a troca adquiriu extenso e importncia bastantes para que passassem a ser produzidos objectos teis em vista da troca, de modo que o carcter de valor destes objectos j tomado em considerao na sua prpria produo. A partir desse momento, os trabalhos privados dos produtores adquirem, de facto, um duplo carcter social. Por um lado, como trabalhos teis [determinados], devem satisfazer uma determinada necessidade social, afirmando-se portanto como partes integrantes do trabalho global, isto , do sistema de diviso social do trabalho que se forma espontaneamente; por outro lado, s satisfazem as diversas necessidades dos prprios produtores, na medida em que cada espcie de trabalho privado til permutvel - isto , equivalente a - qualquer outra espcie de trabalho privado til. A igualdade de trabalhos que diferem toto coelo (**) uns dos outros s pode consistir numa abstraco da sua desigualdade real, na reduo ao seu carcter comum de dispndio de fora humana, de trabalho humano abstracto, e somente a troca que opera esta reduo, pondo em presena uns dos outros, num p de igualdade, os produtos dos mais diversos trabalhos.

O duplo carcter social dos trabalhos privados apenas se reflecte no crebro dos produtores sob as formas em que se manifestam no trfico concreto, na troca dos produtos; [o carcter socialmente til dos seus trabalhos privados, no facto de o produto do trabalho ter de ser til, e til aos outros; e o carcter social de igualdade dos diferentes trabalhos" no carcter comum de valor desses objectos materialmente diferentes os produtos do trabalho.]

Quando os produtores relacionam os produtos do seu trabalho a ttulo de valores, no que eles vejam neles um simples invlucro sob o qual se esconde um trabalho humano idntico; pelo contrrio, ao considerarem iguais na troca os seus diversos produtos, pressupem com isso que os seus diferentes trabalhos so iguais. Eles fazem-no sem o saber 26. Portanto, o valor no tem, escrito na fronte, o que ele . Longe disso, ele transforma cada produto do trabalho num hieroglifo [social]. Somente com o tempo o homem procurar decifrar o sentido do hieroglifo, penetrar nos segredos da obra social para a qual contribui, pois a transformao dos objectos teis em valores um produto da sociedade, tal como o a linguagem.

A recente descoberta cientfica, de que os produtos do trabalho, enquanto valores, so [objectiva] pura e simplesmente a expresso do trabalho humano gasto na sua produo, marca uma poca na histria do desenvolvimento da humanidade, mas no dissipou de modo algum a fantasmagoria que faz aparecer o carcter social do trabalho como uma qualidade das coisas, dos prprios produtos. O que verdadeiro apenas para esta forma particular de produo, a produo mercantil a saber, que o carcter [especificamente] social dos mais diversos trabalhos [privados, independentes uns dos outros], consiste na sua igualdade como trabalho humano, e reveste uma forma objectiva, a forma-valor dos produtos do trabalho -, isso parece aos olhos dos homens imersos nas engrenagens das relaes da produo de mercadorias, hoje como antes daquela descoberta, to definitiva e to natural como a forma gasosa do ar que permaneceu idntica mesmo depois da descoberta dos seus elementos qumicos.

O que na prtica interessa em primeiro lugar aos que trocam produtos saber que quantidade [de produtos alheios] que obtero em troca dos seus produtos, isto , as propores em que eles se trocam. A partir do momento em que estas propores passaram a ter uma certa fixidez, produzida pelo hbito, elas parecer-lhe-o provir da prpria natureza dos produtos do trabalho. Parece existir nessas coisas uma propriedade de se trocarem em propores determinadas, tal como as substncias qumicas se combinam com propores fixas [;por exemplo, uma tonelada de ao e duas onas de ouro tm igual valor, tal como uma libra de ouro e uma libra de ferro tm igual peso, apesar das suas diferentes qualidades fsicas e qumicas] .

De facto, o carcter de valor dos produtos do trabalho s se fixa quando eles se determinam como grandezas de valor. Estas ltimas mudam sem cessar, independentemente da vontade e das previses [e das aces] daqueles que trocam mercadorias, aos olhos de quem o seu prprio movimento social toma assim a forma de um movimento de coisas, movimento que os dirige em vez de serem eles a dirigi-lo. necessrio que a produo mercantil se tenha completamente desenvolvido, para que da prpria experincia decorra esta verdade cientfica: - que os trabalhos privados executados independentemente uns dos outros, mas inteiramente interdependentes como ramificaes espontneas do sistema da diviso social do trabalho, so constantemente reduzidos sua medida socialmente proporcional. E porqu? Porque nas relaes de troca, acidentais e sempre variveis, dos seus produtos, o tempo de trabalho social necessrio sua produo impe-se forosamente como lei reguladora natural, tal como a lei da gravidade se faz sentir a qualquer pessoa quando a sua casa desaba sobre a sua cabea.27 A determinao da grandeza de valor pela durao do trabalho , portanto, um segredo escondido sob o movimento aparente dos valores [relativos] das mercadorias; mas a sua descoberta, mostrando embora que a grandeza de valor no se determina ao acaso, como poder parecer, no faz com isso desaparecer a forma que representa esta quantidade como uma relao de grandeza entre as coisas, entre os prprios produtos do trabalho.

A reflexo sobre as formas da vida social, e por conseguinte a sua anlise cientfica, segue um caminho completamente oposto ao do movimento real. Comea depois dos factos consumados, j com os resultados do processo de desenvolvimento. As formas que imprimem aos produtos do trabalho a marca de mercadorias e que por isso so pressuposto da sua circulao, possuem, tambm elas, j a fixidez de formas naturais da vida social, antes que os homens procurem dar-se conta, no do carcter histrico destas - que, pelo contrrio, se lhes apresentam j como imutveis -, mas do seu sentido ltimo. Assim, foi somente a anlise do preo das mercadorias que conduziu determinao da grandeza do valor, e somente a comum expresso das mercadorias em dinheiro levou fixao do seu carcter de valor. Ora, precisamente esta forma acabada do mundo das mercadorias, a sua forma-dinheiro, que, em vez de revelar, dissimula o carcter social dos trabalhos privados e as relaes sociais entre os produtores. Quando digo que o trigo, um fato, botas se relacionam com o tecido como incarnao geral do trabalho humano abstracto, a falsidade e o absurdo desta expresso salta logo vista. Mas quando os produtores destas mercadorias as relacionam ao tecido - ou ao ouro ou prata, o que vem a dar no mesmo -, como equivalente geral, as relaes entre os seus trabalhos privados e o conjunto do trabalho social [global] aparecem-lhes precisamente sob esta forma absurda.

[So formas destas que constituem as categorias da economia burguesa.] As categorias da economia burguesa so formas de pensamento que tm uma verdade objectiva, enquanto reflectem relaes sociais reais, mas estas relaes pertencem somente a esta poca histrica determinada, em que a produo mercantil o modo de produo social. Se encararmos outras formas de produo, logo veremos desaparecer todo este misticismo [,sortilgio e magia] que obscurece os produtos do trabalho no perodo actual.

Uma vez que a economia poltica gosta das robinsonadas, visitemos ento Robinson na sua ilha.28 Embora naturalmente modesto, nem por isso tem menos necessidades diferentes a satisfazer, sendo-lhe necessrio executar trabalhos teis de vrias espcies, por exemplo, fabricar mveis, fazer utenslios, domesticar animais, pescar, caar, etc. Acerca das suas oraes e outras bagatelas semelhantes nada temos a dizer, pois que o nosso Robinson encontra nisso o seu prazer, considerando essas actividades como uma distraco tonificante. Apesar da variedade das suas funes produtivas, ele sabe que elas so apenas as diversas formas pelas quais se afirma o prprio Robinson, isto , so simplesmente modos, diversos de trabalho humano. As prprias necessidades obrigam-no a dividir o seu tempo pelas diferentes ocupaes. O facto de uma ocupar um maior, e outra um menor lugar no conjunto dos seus trabalhos, depende da maior ou menor dificuldade que tem de vencer para conseguir o resultado til que tem em vista. a experincia que lho ensina, e o nosso homem que salvou do naufrgio relgio, livro-razo, pena e tinta, no tarda, como bom ingls que , a anotar todos os seus actos dirios. O seu inventrio contm a descrio dos objectos teis que possui, dos diferentes modos de trabalho que a sua produo exigiu e, finalmente, do tempo de trabalho que lhe custaram, em mdia, determinadas quantidades destes diversos produtos. Todas as relaes de Robinson com as coisas, que formam a riqueza que ele prprio criou, so de tal modo simples e transparentes que qualquer pobre de esprito as poderia compreender sem grande esforo intelectual. E, no entanto, esto a contidas todas as determinaes essenciais do valor. Passemos agora da ilha luminosa de Robinson para a sombria Idade Mdia europeia. Em vez do homem independente, todos aqui se encontram dependentes: servos e senhores, vassalos e suseranos, leigos e clrigos. Esta dependncia pessoal caracteriza tanto as relaes sociais da produo material, como todas as outras esferas da vida assentes sobre ela. E precisamente porque a sociedade se baseia na dependncia pessoal que todas as relaes sociais nos aparecem como relaes entre pessoas. Por isso, os diversos trabalhos e os seus produtos no tm necessidade de assumir uma figura fantstica distinta da sua realidade. Surgem [no mecanismo social] como servios e prestaes em espcie. tambm a forma natural do trabalho, a sua particularidade e no a sua generalidade, o seu carcter abstracto, como na produo mercantil -, que aqui a sua forma [directamente] social. A corveia, tal como o trabalho que produz mercadorias, igualmente medida pelo tempo; mas todo o campons sabe muitssimo bem - sem necessidade de recorrer a um Adam Smith - que uma quantidade determinada da sua fora de trabalho pessoal que ele dispende ao servio do seu senhor. O dzimo a pagar ao cura bem mais claro que a bno deste. Como quer que julguemos os papis que os homens desempenham nesta sociedade [uns perante os outros], as relaes sociais das pessoas nos seus trabalhos respectivos afirmam-se com toda a nitidez como as suas prprias relaes pessoais, no se dissimulando em relaes sociais das coisas, dos produtos do trabalho.

Para encontrarmos o trabalho comum [,directamente social] , ou seja, a associao imediata, no precisamos de nos reportarmos sua forma natural primitiva [,espontnea], tal como nos aparece no limiar da histria de todos os povos civilizados.29 Temos um exemplo bem perto de ns, na indstria rural e patriarcal de uma famlia de camponeses que produz, para as suas prprias necessidades, gado, trigo, tecido, linho, vesturio, etc. Estes diferentes objectos apresentam-se famlia como os produtos diversos do seu trabalho, no se apresentando reciprocamente como mercadorias. Os diferentes trabalhos que criam estes produtos - agricultura, criao de gado, tecelagem, confeco, do vesturio, etc. - so, desde logo, na sua forma natural, funes sociais, pois que so funes da famlia que, tal como a produo, de mercadorias, tem a sua [espontnea] diviso do trabalho. So as condies naturais, variveis com a mudana das estaes, bem como as diferenas de idade e de sexo, que regulam na famlia a distribuio do trabalho e a sua durao para cada membro da famlia. O dispndio das foras de trabalho individuais medido pelo tempo da sua durao aparece aqui directamente como carcter social dos prprios trabalhos, uma vez que as foras de trabalho individuais funcionam [naturalmente] apenas como rgo da fora [de trabalho] comum da famlia.

Figuremos finalmente uma reunio de homens livres, trabalhando com meios de produo comuns, e dispendendo, de acordo com um plano concertado, as suas numerosas foras [de trabalho] individuais como uma nica fora de trabalho social. Tudo o que dissemos do trabalho de Robinson repete-se aqui; mas agora socialmente e no individualmente. Todos os produtos de Robinson eram seu produto pessoal e exclusivo e portanto objectos de utilidade imediata para ele. O produto total da referida reunio de trabalhadores um produto social. Uma parte serve de novo como meio de produo, permanecendo social ; mas a outra parte consumida [ como meio de subsistncia] , devendo, por isso, repartir-se entre todos. O modo de repartio variar segundo o organismo de produo da sociedade e o [correspondente] nvel de desenvolvimento histrico dos trabalhadores. Suponhamos, apenas para estabelecer um paralelo com a produo mercantil, que a parte a repartir por cada trabalhador seja proporcional ao seu tempo de trabalho. O tempo de trabalho desempenhar assim um duplo papel. Por um lado, a sua distribuio [socialmente planificada] na sociedade regula a justa relao das diversas funes com as diversas necessidades; por outro lado, serve de medida parte individual de cada produtor no trabalho comum e, ao mesmo tempo, poro que lhe compete na parte do produto comum reservada ao consumo. Neste caso, as relaes sociais dos homens com os seus trabalhos e com os produtos do trabalho permanecem simples e transparentes, tanto na produo como, na distribuio [25] .

O mundo religioso no mais do que o reflexo do mundo real. Uma sociedade em que o produto do trabalho toma geralmente a forma de mercadoria e em que, portanto, a relao mais geral entre os produtores consiste em comparar os valores dos seus produtos e, sob esta forma material, em comparar entre si os seus trabalhos privados a ttulo de trabalho humano igual, uma tal sociedade encontra no cristianismo, com o seu culto do homem abstracto - e sobretudo nos seus tipos burgueses, protestantismo, desmo, etc. -, o complemento religioso mais conveniente. Nos modos-de-produo da antiga sia, e da antiguidade em geral, a transformao do produto em mercadoria [e, portanto, a existncia do homem como produtor de mercadorias] desempenha apenas um papel secundrio que, no entanto, adquire tanto mais importncia quanto as comunidades se aproximam da dissoluo. Povos mercadores, propriamente, apenas se encontram nos interstcios do mundo antigo, maneira dos deuses de Epicuro [26], ou como os judeus nos poros da sociedade polaca. Aqueles antigos organismos sociais so, sob o ponto de vista da produo, infinitamente mais simples e mais transparentes do que a sociedade burguesa; mas eles tm por base, ou a imaturidade do homem individual - por assim dizer, a histria ainda no cortou o cordo umbilical que o liga comunidade natural de uma tribo primitiva -, ou condies de despotismo e de esclavagismo. O baixo nvel de desenvolvimento das foras produtivas do trabalho que as caracteriza e que por isso impregna toda a esfera da vida material, a estreiteza das relaes dos homens, quer entre eles quer com a natureza, reflectem-se idealmente nas velhas religies nacionais. Dum modo geral, o reflexo religioso do mundo real s poder desaparecer quando as condies do trabalho e da vida prtica apresentarem ao homem relaes transparentes e racionais com os seus semelhantes e com a natureza. A vida social cuja base formada pela produo material e pelas relaes que ela implica s se libertar da nuvem mstica que a envolve, no momento em que ela se apresente como o produto de homens livremente associados, agindo conscientemente [,segundo um plano,] e senhores do seu prprio movimento social. Mas isto exige um conjunto de condies de existncia material [,uma base material] da sociedade, que por sua vez s pode ser produto [espontneo] de um longo e penoso desenvolvimento.

certo que a economia poltica, embora de uma forma muito imperfeita, analisou o valor e a grandeza do valor [e descobriu o contedo escondido nessas formas].30 Mas nunca ps a questo de saber [porque que esse contedo reveste essa forma,] por que que o trabalho se representa no valor, e a medida do trabalho pela sua durao na grandeza do valor dos produtos.31 Frmulas, que logo primeira vista mostram pertencer a uma formao social em que a produo e as suas relaes comandam o homem em vez de serem por ele comandadas, surgem sua conscincia burguesa como uma necessidade to natural como o prprio trabalho produtivo. Nada de espantar que as formas de produo social que precederam a produo burguesa sejam tratadas da mesma maneira que os Padres da igreja tratam as religies que precederam o Cristianismo.32

O que, entre outras coisas, mostra a iluso produzida sobre a maior parte dos economistas pelo fetichismo inerente ao mundo mercantil ou pela aparncia material dos atributos sociais do trabalho, a longa e inspida querela travada a propsito do papel da natureza na criao do valor-de-troca. Ora, dado que o valor-de-troca apenas uma determinada maneira social de exprimir o trabalho empregue na produo de um objecto, ele no pode conter mais, elementos materiais do que, por exemplo, a cotao dos cmbios.

Na nossa sociedade, a forma econmica mais geral e mais simples que se liga aos produtos do trabalho - a forma-mercadoria - to familiar a toda a gente que ningum v mal nisso. Consideremos outras formas econmicas mais complexas [29]. Donde provinham, por exemplo, as iluses do sistema mercantilista? Evidentemente do carcter fetiche que a forma-dinheiro imprime aos metais preciosos [;segundo esse sistema, o ouro e a prata na sua funo de dinheiro no representavam uma relao social de produo, antes eram objectos naturais com peculiares propriedades sociais]. E a economia moderna que se tem em alta conta e no se cansa de zombar, insipidamente, do fetichismo dos mercantilistas, ser ela menos vtima das aparncias? O seu primeiro dogma no consiste em considerar que estas coisas (instrumentos de trabalho por exemplo) so, por natureza, capital, e que, pretender despoj-las deste carcter puramente social, cometer um crime contra a natureza? Finalmente, os fisiocratas, to superiores em tantos aspectos, no imaginaram que a renda fundiria no um tributo arrancado aos homens, mas um presente feito pela prpria natureza aos proprietrios?

Mas no nos antecipemos e contentemo-nos com mais um exemplo a propsito da prpria forma-mercadoria. Se pudessem falar, as mercadorias diriam: "Pode o nosso valor-de-uso interessar ao homem, que para ns, enquanto, objectos, isso -nos indiferente. O que nos interessa o nosso valor. Demonstra-o a nossa relao recproca como coisas de venda e de compra. S nos relacionamos umas com as outras como valores-de-troca". O economista parece exprimir a prpria alma das mercadorias, quando diz: "o valor [valor-de-troca] uma propriedade das coisas; a riqueza [valor-de-uso] uma propriedade do homem. O valor, neste sentido, pressupe necessariamente a troca, a riqueza, no".33 "A riqueza [valor-de-uso] um atributo do homem; o valor, um atributo das mercadorias. Um homem ou uma comunidade so ricos, uma prola ou um diamante possuem valor (...) Uma prola ou um diamante possuem valor enquanto prola ou diamante".34 At hoje nenhum qumico descobriu ainda valor-de-troca numa prola ou num diamante. Os economistas que descobriram ou inventaram substncias qumicas deste gnero e que se reclamam da sua profundidade, acham que o valor-de-uso das coisas lhes pertence, independentemente das suas propriedades materiais; enquanto que o valor lhes pertence na sua qualidade de coisas. O que lhes vem confirmar esta opinio, a circunstncia particular de o valor til das coisas se realizar para o homem sem troca, quer dizer, numa relao imediata entre a coisa e o homem, enquanto que, ao invs, o seu valor apenas se realiza na troca, isto , numa relao social. A quem que isto no faz lembrar o bom Dogberry e a lio que deu ao guarda nocturno Seacoal: [30] "(Ser um homem bem parecido, um dom da fortuna; mas saber ler e escrever um dom da natureza".35

Notas Originais:24 Recorde-se que, enquanto o resto do mundo parecia estar tranquilo, a China e as mesas comearam a danar .- pour encourager les autres. [21] (retornar ao texto)25 Entre antigos germanos, a grandeza de uma jeira de terra calculava-se pelo trabalho de um dia, e da o seu nome Tagewerk, Mannewerk, etc. (jurnale ou jornalis, terra jurnalis ou diurnalis). [Ver Georg Ludwig von Maurer, Einleitung zur Geschichte der Mark -, Hof -, etc. Verfassung, Munique, 1854, p. 129 s.]. De resto, a expresso "journal" de terre subsiste ainda em certas regies da Frana[22]

HYPERLINK "http://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/vol1cap01.htm" \l "t25" (retornar ao texto)26 Portanto, quando Galiani diz que o valor uma relao entre pessoas - "da Richezza una ragione tra due persone" (Galiani, Della moneta, t. III da recolha de Custodi dos Scritori classici Italiani di Economia politica, Parte Moderna, 1803, p. 220) -, deveria ter acrescentado: "uma relao escondida sob a capa das coisas". (retornar nota)27 "Que se h-de pensar de uma lei que s pode impor-se atravs de revolues peridicas? simplesmente uma lei natural, assente sobre a inconscincia daqueles que a suportam" (Friedrich Engels: Umrisse zu einer Kritik der Nationaloekonomie, p. 103 nos Deutsch-Franzsische Jahrbcher, editados por Arnold Ruge e Karl Marx, Paris, 1844). (retornar ao texto)28 O prprio Ricardo no dispensa a sua robinsonada. "Segundo ele, o caador e o pescador primitivos so mercadores que trocam o peixe e a caa razo da durao do trabalho contido nesses valores-de-troca. Aqui comete o singular anacronismo de pr o caador e o pescador a consultarem as tabelas de anuidades usadas em 1817 na bolsa de Londres, a fim de avaliarem os seus instrumentos de trabalho. "Os paralelogramas do Snr. Owen parecem ser a nica forma de sociedade que ele conhecia alm da sociedade burguesa." [23] [Karl Marx, Zur Kritik..., pp. 38, 39 (Contribuio..., p. 64).] [24] (retornar ao texto)29 "Considerar que a forma primitiva da propriedade comum uma forma especialmente eslava ou exclusivamente russa um preconceito ridculo em voga nestes ltimos tempos. a forma primitiva que se encontra entre os Romanos, os germanos, os celtas, e de que, alis, ainda hoje se pode encontrar um mostrurio completo com diversos exemplares, ainda que, em parte arruinados, na ndia. Um estudo aprofundado das formas asiticas da propriedade comum, sobretudo da ndia, mostraria como das vrias formas da propriedade comum primitiva resultaram diversas formas da sua dissoluo: Assim, por exemplo, os diferentes tipos originais da propriedade privada romana e germnica podem ser derivados das diversas formas da propriedade comum indiana" [Karl Marx, Zur Kritik..., p. 10 (Contribuio..., p. 67 sq.).] (retornar ao texto)30 Um dos primeiros economistas que depois de William Petty identificou o verdadeiro contedo do valor, o clebre Franklin, pode servir-nos de exemplo da maneira como a economia burguesa procede na sua anlise. Diz ele: "Uma vez que o comrcio nada mais que troca de um trabalho por outro trabalho, pelo trabalho que se avalia mais exactamente o valor de todas as coisas" (The Works of Benjamin Franklin..., ed. cit., t. II, p. 267). Franklin acha to natural que as coisas tenham valor, como os corpos peso. A seu ver, trata-se simplesmente de achar a maneira de avaliar o mais exactamente possvel esse valor. Nem sequer nota que ao dizer que " pelo trabalho que se avalia mais exactamente o valor de todas as coisas", est a abstrair da diferena dos trabalhos trocados, reduzindo-os a um trabalho humano igual. De outro modo, deveria dizer: uma vez que a troca de botas ou de sapatos por mesas no mais que uma troca de trabalho de sapateiro por trabalho de marceneiro pelo trabalho do marceneiro que se avaliar com maior exactido o valor das botas Servindo-se da palavra "trabalho", em geral, ele abstrai do carcter til e da forma concreta dos diversos trabalhos [27]. Quanto insuficincia da anlise de Ricardo acerca da grandeza do valor -e a melhor -, ser demonstrada nos livros III e IV desta obra. No que respeita ao valor em geral, a economia poltica clssica jamais distinguiu claramente ou expressamente entre o trabalho enquanto representado no valor, e o mesmo trabalho enquanto representado no valor-de-uso do produto. certo que ela faz de facto esta distino, uma vez que considera o trabalho tanto do ponto de vista da qualidade, como do da quantidade. Mas no lhe ocorre que uma diferena meramente quantitativa dos trabalhos pressupe a sua unidade ou a sua igualdade qualitativa, ou seja, a sua reduo ao trabalho humano abstracto. Por exemplo, Ricardo declara-se de acordo com Destutt de Tracy quando este diz: "Uma vez que certo que as nossas faculdades fsicas e morais so a nossa nica riqueza originria, que o emprego destas faculdades - um qualquer trabalho - o nosso nico tesouro primitivo, e que sempre deste emprego que nascem todas as coisas que chamamos bens (...) tambm certo que todos estes bens representam apenas o trabalho que os criou, e que se eles tm um valor, ou mesmo dois valores distintos, s podem extrair estes valores do valor do trabalho de que emanam". (Destutt de Tracy, lments didologie, partes IV e V, Paris, 1826, p. 35, 36) .[Ricardo, The Principles of Political Economy, 3.a ed. Londres, 1822, p. 334.] Acrescentemos apenas que Ricardo atribui s palavras de Destutt, um sentido mais profundo do que elas contm. certo que Destutt diz, por um lado, que as coisas que constituem a riqueza "representam o trabalho que as criou"; mas, por outro lado, entende que elas retiram os seus "dois valores diferentes" (valor-de-uso e valor-de-troca) do "valor do trabalho". Cai assim no lugar comum da economia vulgar, que pressupe como dado o valor de uma mercadoria (do trabalho, por exemplo) a fim de determinar o valor das outras. Ricardo interpreta-o como se ele dissesse que o trabalho (e no o seu valor) se representa quer no valor-de-uso quer no valor-de-troca. Mas o prprio Ricardo distingue to pouco claramente o duplo carcter do trabalho, que em todo o seu capitulo Valor e Riqueza, obrigado a debater-se laboriosamente com as trivialidades dum J. B. Say. Por isso, no final, fica tambm muito espantado por se encontrar de acordo com Destutt quanto ao trabalho como fonte de valor, quando este por sua vez est de acordo com Say sobre o conceito de valor. (retornar ao texto)31 Uma das falhas principais da economia poltica clssica nunca ter conseguido deduzir da sua anlise da mercadoria, e especialmente do valor dessa mercadoria, a forma[-valor] sob a qual ela se torna valor-de-troca. So precisamente os seus melhores representantes, tais como Adam Smith e Ricardo, que tratam a forma-valor como qualquer coisa de indiferente ou sem qualquer relao intima com a natureza da prpria mercadoria. No se trata somente de a sua ateno ser absorvida pelo valor como grandeza. A razo disso mais profunda. A forma-valor do produto de trabalho a forma mais abstracta e mais geral do actual modo-de-produo, [burgus], que adquire, por isso mesmo, um carcter histrico, o carcter de um modo particular de produo social. Se se comete o erro de a tomar pela forma natural, eterna, de toda a produo em todas as sociedades, perde-se necessariamente de vista o lado especifico da forma-valor, logo, da forma mercadoria e, em maior grau, da forma-dinheiro, da forma-capital, etc. isto que explica a razo por que se encontram em economistas, completamente de acordo entre si sobre a medio de grandeza do valor pela durao do trabalho, as ideias mais diversas e mais contraditrias sobre o dinheiro, ou seja, sobre a forma acabada do equivalente geral. Nota-se isto sobretudo quando se trata de questes como a dos bancos, por exemplo; ento um nunca mais acabar de definies do dinheiro e de lugares-comuns constantemente debitados a este propsito. [Por isso surgiu em sentido contrrio um sistema mercantilista restaurado (Ganilh, etc.) que v no valor apenas a forma social, ou melhor, apenas a sua aparncia desprovida de substncia.] Aproveito para chamar a ateno, uma vez por todas, que entendo por economia poltica clssica toda a economia que, a partir de Willlam Petty, procura penetrar no conjunto real e intimo das relaes de produo na sociedade burguesa, por oposio economia vulgar, que se contenta com as aparncias, rumina sem cessar, por necessidade prpria e para vulgarizao dos fenmenos mais notrios, os materiais j elaborados pelos seus predecessores, limitando-se a erigir pedantemente em sistema e a proclamar como verdades eternas as iluses com que os burgueses gostam de povoar o seu mundo, para eles o melhor dos mundos possveis. [28] (retornar ao texto)32 "Os economistas tm uma maneira singular de proceder . Para eles existem apenas duas espcies de instituies, as artificiais e as naturais. As instituies feudais so instituies artificiais; as da burguesia so instituies naturais. Nisto assemelham-se aos telogos, que tambm distinguem duas espcies de religies: qualquer religio que no seja a sua uma inveno dos homens, enquanto que a sua prpria religio uma emanao de Deus. Deste modo, houve histria, mas j no h" (Karl Marx, Misere de la Philosophie. Rponse la Philosophie de la Misere de M. Proudhon, 1837, p. 113). O mais divertido Bastiat, que imagina que os gregos e os romanos viviam apenas da rapina. Mas para se viver da rapina durante vrios sculos, necessrio que tenha existido sempre qualquer coisa para roubar ou que o objecto das rapinas continuas se reproduza constantemente. de crer, pois, que os gregos e os romanos tivessem tambm o seu processo de produo, e portanto uma economia que constitua tanto a base material da sua sociedade, quanto a economia burguesa constitui a base da sociedade actual. Ou pensar Bastiat que um modo-de-produo assente no trabalho dos escravos um sistema de roubo? Coloca-se ento num terreno perigoso. Quando um gigante do pensamento como Aristteles pode enganar-se na sua apreciao do trabalho escravo, por que que um economista ano como Bastiat haveria de acertar na sua apreciao do trabalho assalariado? Aproveito esta oportunidade para responder sucintamente a uma objeco que me foi feita por um jornal germano-americano a propsito da minha obra: Zur Kritik der Politischen konomie, publicada em 1859. Segundo ele, a minha opinio de que o modo-de-produo determinado e as relaes sociais que dai derivam, numa palavra, "a estrutura econmica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva o edifcio jurdico e poltico", de tal maneira que "o modo-de-produo da vida material domina em geral o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual", segundo ele, esta opinio seria justa para o mundo moderno, dominado pelos interesses materiais, mas no para a Idade Mdia, onde dominava o catolicismo, nem para Atenas e Roma, onde dominava a poltica. Desde logo, estranho que algum se disponha a crer que algum ignora estas trivialidades sobre a Idade Mdia e a antiguidade. O que evidente e que nem a primeira podia viver do catolicismo, nem a segunda da poltica. Pelo contrrio, as condies econmicas de ento explicam a razo por que, no primeiro caso o catolicismo e no segundo a poltica, desempenhavam o papel principal. De resto, um mnimo de conhecimentos sobre a histria da repblica romana, por exemplo, basta para ver que o segredo da sua histria a histria da propriedade fundiria. Por outro lado, ningum ignora que j D. Quixote teve que se arrepender por ter acreditado que a cavalaria andante era compatvel com todas as formas econmicas da sociedade. (retornar ao texto)33 "Value is a property of things, riches of man. Value, in this sense, necessarily implies exchanges, riches do not" (Observation on some verbal Disputes in Pol. Economy..., 1821. p. 16). (retornar ao texto)34 "Riches are the attribute of man, value is the atribute of commodities: A man or a community is rich. a pearl or a diamond is valuable (...) A pearl or a diamond is valuable as a pearl or a diamond" (S. Bailey, l. c., pp. 165 sq.). (retornar ao texto)35 O autor das Observations e S. Bailey acusam Ricardo de ter transformado o valor-de-troca, de coisa puramente relativa em algo de absoluto. Ao contrrio, ele reduziu a relatividade aparente que estes objectos (tais como a prola e o diamante, por exemplo) possuem como valor-de-troca, verdadeira relao escondida sob esta aparncia, sua relatividade como meras expresses de trabalho humano. Se os partidrios de Ricardo s souberam responder a Bailey de forma grosseira e nada concludente, isso s aconteceu porque no encontraram no prprio Ricardo nada que os esclarecesse acerca da relao ntima que existe entre o valor e a sua forma, ou seja, o valor-de-troca. (retornar ao texto)Notas dos Tradutores: [25] Este pargrafo contm uma das poucas passagens em que Marx esboa os traos da sociedade futura, e mesmo assim no como antecipao mas apenas como hiptese de trabalho. Note-se, contudo, a referncia, tambm rara nos textos clssicos do marxismo, planificao como caracterstica da sociedade socialista. (retornar ao texto)[26] Segundo o filsofo grego Epicuro os deuses habitavam o intermundos, o espao entre os mundos, no tendo influncia sobre a vida do mundo e dos homens. (retornar ao texto)[27] Na ed. alem a presente nota comea a partir daqui. O texto precedente constitui, resumido, a nota 17a, tambm includa nesta edio. (retornar ao texto)[28] Na ed. francesa esta nota vem colocada no final do 3, al. D. Parece deslocada a. (retornar nota)[29] Redaco diferente destes dois perodos na ed. alem: "Uma vez que a forma-mercadoria a forma mais geral e mais elementar da produo burguesa - razo por que surgiu cedo, embora no da maneira dominante e caracteristica de hoje -, da que parea relativamente fcil aperceber o seu carcter fetichista. No caso de formas mais concretas at essa aparncia de simplicidade desaparece". (retornar ao texto)[30] Shakespeare, Much Ado for Nothing, acto III, cena III. (retornar ao texto)2